CASAMENTO HOMOAFETIVO NO ESTRANGEIRO: A possibilidade jurídica do registro no Brasil

July 15, 2017 | Autor: Deborah Diniz | Categoria: Princípios Constitucionais, Homoafetividade, Registro Civil, Casamento Homoafetivo
Share Embed


Descrição do Produto

FACULDADE SANTA TEREZINHA - CEST CURSO DE DIREITO

DEBORAH NAYANNE ARAUJO DINIZ COSTA

ASAMENTO HOMOAFETIVO NO ESTRANGEIRO: A possibilidade jurídica do registro no Brasil

São Luís 2012

DEBORAH NAYANNE ARAUJO DINIZ COSTA

CASAMENTO HOMOAFETIVO NO ESTRANGEIRO: A possibilidade jurídica do registro no Brasil Monografia apresentada à Faculdade Santa Terezinha – CEST como pré-requisito para a obtenção da graduação de Bacharel em Direito, sob orientação da professora Msc. Glaucia Fernanda Oliveira Martins Batalha.

São Luís 2012

COSTA, Deborah Nayanne Araújo Diniz Casamento homoafetivo no estrangeiro: a possibilidade jurídica do registro no Brasil/ Deborah Nayanne Araújo Diniz Costa. − São Luis, 2012. 52f. Impresso por computador (fotocópia) Orientador: Profª Glaucia Fernanda Oliveira Martins Batalha. Monografia (Graduação em Direito) – Curso de Direito, Faculdade Santa Terezinha, São Luís, 2012. 1.

Direito. 2. Princípios constitucionais – homoafetividade. 3. União homoafetivo. I. Título. CDU 347.628:341.9

DEBORAH NAYANNE ARAUJO DINIZ COSTA

CASAMENTO HOMOAFETIVO NO ESTRANGEIRO: A possibilidade jurídica do registro no Brasil Monografia apresentada à Faculdade Santa Terezinha – CEST como pré-requisito para a obtenção da graduação de Bacharel em Direito.

Aprovado em __________/__________/__________

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________ Msc. Glaucia Fernanda Oliveira Martins Batalha Faculdade Santa Terezinha - CEST

_______________________________________ 1º Examinador (a)

_______________________________________ 2º Examinador (a)

AGRADECIMENTOS

A minha mãe Rosilea, que apesar de toda a cobrança, nunca mediu esforços quando se trata da minha vida acadêmica nesse curso. A minha vó Maria de Jesus, pela força e pelo exemplo de vida. Ao meu amigo, companheiro, namorado Raimundo, pelo apoio e pelas noites em claro me fazendo companhia durante a execução desse trabalho. A minha irmã Thaís, pelo incentivo e apoio, apesar da distância. A minha orientadora, Glaucia Batalha, por sua extrema paciência, por toda ajuda conhecimentos compartilhados. As minhas colegas de turma, Sana Castro, Geyziane Lopes, Thayse Reis, Janiane Nogueira que por todo apoio, amizade e companheirismo. A professora Jackeline, por toda compreensão. A funcionária Isabel, pelo carisma que a todos cativa. Obrigado!

RESUMO

Analisa-se a possibilidade jurídica do registro no Brasil de casamento homoafetivo realizado no estrangeiro. Busca-se uma forma de efetivar o direito adquirido por pares do mesmo sexo que possuíam domicílio no estrangeiro ante a ausência legislativa brasileira sobre essas relações. A homoafetividade é um fato e uma realidade social; é algo que ocorre em qualquer lugar do mundo, e, por isso, as uniões homoafetivas merecem o mesmo tratamento dado às uniões heteroafetivas, ante os princípios constitucionais e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Assim, a partir de uma pesquisa bibliográfica, faz-se um estudo sobre o casamento, especialmente sobre seus impedimentos e efeitos; analisa-se a homoafetividade e como é tratada no direito estrangeiro; apresenta-se as regras para o registro no Brasil de casamento realizado no estrangeiro e; demonstra-se os princípios constitucionais brasileiros e fundamentos do direito internacional privado que oferecem embasamento para a ocorrência do registro do casamento homossexual realizado no estrangeiro. Palavras-chave: Homoafetividade.

Registro.

Casamento

Homoafetivo.

Princípios

Constitucionais.

ABSTRACT Analyzes the possibility of legal registration of ‘Homoaffective’ marriage in Brazil done foreign. Searches a way of accomplish vested rights for same-sex couples who had domiciled abroad in the face of Brazilian legislative absence about these relationships. The homosexuality is a fact and a social reality, is something that occurs anywhere in the world, and therefore ‘homoaffetictives’ unions deserve the same treatment given to unions ‘heteroaffectives’, in face of constitutional principles and the fundamental objectives of the Federative Republic of Brazil . Thus, from a literature search, it is a study on marriage, especially about his impediments and effects; analyzes to homosexuality and how it is treated in the foreign law; presents the rules for registration in Brazil of marriage done abroad and; demonstrates the principles and foundations of constitutional Brazilian and private international law that provide basis for the occurrence of the registration of gay marriage done foreign. Keywords: Registry. Marriage Homoaffective. Constitutional Principles. Homosexuality.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 7 2.1 Breve histórico do casamento ........................................................................................ 9 2.2 Conceito de casamento .............................................................................................. 11 2.3 Caracteres do casamento .......................................................................................... 12 2.4 Casamento nulo ......................................................................................................... 13 2.5 Casamento inexistente ............................................................................................... 15 2.6 Casamento anulável .................................................................................................. 18 2.7 Efeitos do casamento ................................................................................................. 19 2.7.1 Efeitos sociais do casamento ................................................................................ 19 2.7.2 Efeitos pessoais do casamento ............................................................................. 20 2.7.3 Efeitos patrimoniais do casamento ....................................................................... 22 2.8 Casamento realizado no estrangeiro......................................................................... 23 3 HOMOAFETIVIDADE .................................................................................................. 24 3.1 Aspectos históricos .................................................................................................... 26 3.2 Homossexualidade e a medicina ............................................................................... 27 3.3 Direito homoafetivo no Brasil ................................................................................... 28 3.4 Direito homoafetivo no estrangeiro .......................................................................... 29 4 REGISTRO NO BRASIL DE CASAMENTO REALIZADO NO ESTRANGEIRO... 37 4.1 Registro de casamento realizado no estrangeiro ...................................................... 37 4.2 Princípios Constitucionais......................................................................................... 40 4.3 Tribunais Superiores e a União Estável Homoafetiva ............................................. 43 5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 48 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 49

7

1 INTRODUÇÃO Atualmente no Brasil não há legislação quanto ao casamento civil de pessoas do mesmo sexo. Já no estrangeiro há vários países em que suas leis permitem o casamento homoafetivo, tais como Holanda, Bélgica, Canadá, Espanha, Portugal e Argentina. As tecnologias de transporte e de comunicação diminuem as barreiras, criando grande mobilidade das pessoas entre os países. Assim, surgem as chamadas famílias transnacionais – que pertencem a mais de um país –, onde se realizam casamento, filhos são concebidos, divórcios ocorrem, entre outros fatos que merecem a regulamentação do Estado, pois tratam de uma instituição que é a base para qualquer sociedade: a família. Nesse contexto, pode surgir uma relação homoafetiva, que pode tornar-se casamento e os cônjuges acabar estabelecendo domicílio no Brasil. Assim, quanto a este casamento realizado no exterior, cumprindo ele os requisitos exigidos para a sua realização no país em que tenha ocorrido, ele é considerado válido, sendo o registro necessário apenas para se fazer prova, ou seja, para que tenha eficácia no Brasil. Porém, de acordo com a legislação brasileira, leis, atos e sentenças estrangeiras não possuem eficácia no país quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Se, quando do registro, levar em conta apenas a “ordem pública“ brasileira, stricto sensu, que não prevê o casamento homoafetivo, o registro desse casamento ficará prejudicado, retirando o direito adquirido desses casais. Tratar dos direitos dos homossexuais não é tratar de um tema atual, é tratar de uma matéria que sempre existiu e foi camuflada, oculta, vista como errada e, por isso, nos conota uma sensação de novidade ao discuti-la abertamente. Com a Declaração Universal de Direitos Humanos que preconiza que todos somos iguais perante a lei e o Estado Democrático de Direito que diz que não haverá preconceito por nenhum fator, essa minoria – não em questão de quantidade de membros mas em se tratando do número de direitos que lhe são dispostos – vê a possibilidade de poder desfrutar de direitos aos quais por muito tempo lhe foram negados. Quando ocorre o casamento em solo estrangeiro há um direito adquirido e não se pode simplesmente negar a proteção e o reconhecimento desse direito pela ordem jurídica interna. Ver-se-á que não há explicações científicas para o não reconhecimento, somente religiosas e ideológicas. Assim, a partir de uma pesquisa teórica, exploratória, e bibliográfica, utilizando-se de livros, jornais, revistas, pesquisas, monografias, teses e jurisprudência, busca-se analisar a

8

possibilidade jurídica do registro de casamento homoafetivo realizado no estrangeiro aqui no Brasil, apresentando as regras para o registro no Brasil de casamento realizado no estrangeiro, indicando e demonstrando os princípios e teorias do direito internacional privado que oferecem embasamento para a ocorrência desse registro. No primeiro capítulo, apresenta-se o casamento, seu histórico, conceito, natureza jurídica, caracteres e efeitos. Faz-se uma análise das causas de nulidade e anulação do casamento, e aquele que a doutrina classifica como casamento inválido. Além de uma breve exposição sobre o casamento realizado no estrangeiro. No segundo capítulo, trata-se sobre a homoafetividade, abrangindo o histórico e a visão da medicina, sobre os componentes da sexualidade humana. Analisa-se como a homoafetividade é vista no Brasil e no mundo, apresentando dados sobre a criminalização ou a regularização das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Já no último capítulo, demonstram-se as regras para o registro no Brasil de casamento realizado no estrangeiro segundo a legislação vigente, e a possibilidade do registro de casamento homoafetivo, com base nos princípios constitucionais e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, além das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.

9

2 CASAMENTO Constituído de várias acepções, cada uma variando dependendo da ciência adotada para tal, o casamento, como instituto, possui ainda grande importância na nossa sociedade, apesar de que, com a evolução da sociedade brasileira e sua adaptação com relação as novas formas de constituição da família. O casamento como estruturador social e jurídico das famílias, não pode dela estar desconectado. A família, na cultura ocidental, foi se estruturando ao longo do tempo de diferentes formas. Fala-se em uma trajetória histórica onde essa estrutura familiar foi sofrendo perdas, simplificando-se. As primeiras estruturas familiares acumulavam várias funções, entre elas as religiosas, econômicas, educacionais, assistenciais, biológicas e afetivas. Hodiernamente, a família baseia-se no afeto1. Com efeito, torna-se indiscutível reconhecer que o novo paradigma, no plano das relações familiares, após o advento da Constituição Federal de 1988, para efeito de estabelecimento de direitos/deveres decorrentes do vínculo familiar, consolidou-se na existência e no reconhecimento do afeto2.

Acredita-se que com a função da família centrada na afetividade, e, na medida em que haja uma estruturação e fortalecimento da educação, saúde e seguridade social por parte do Estado, é possível que homens e mulheres cresçam psicologicamente sadios, com autoestima e identidade e que ocorra uma melhor estruturação psicológica humana 3. Consequentemente, a sociedade torna-se melhor e mais justa. A partir disso, nesse capítulo, tratar-se-á desse instituto a partir de um breve histórico, passando por vários conceitos, seus caracteres, quando é considerado nulo, inexistente ou pode ser anulado, seus efeitos e sobre o casamento realizado no estrangeiro.

2.1 Breve histórico do casamento Para esse histórico se terá como início o casamento romano, levando em conta a origem do direito civil. Na sociedade romana haviam vários modalidades de casamento, entre elas a confarreatio, a coemptio, o usus e o sine manum. 1

Art. 5º, II, da Lei n.º 11.340 – Lei Maria da Penha. Também neste sentido, v. SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. Adoção por Casais Homossexuais. Revista Brasileira de Direito de Família. n. 30:124, 2005, p. 132: “Por tal razão, rompem-se conceitos e reformulam-se posturas doutrinárias, na seara jurídico-familiar, substituindo a ideologia tradicional e estatal da família, por outra, mais coerente com a realidade social sustentada pelo afeto. Neste diapasão, o casamento deixou de ser considerado único legitimador da família, e a sociedade conjugal tende a ser vislumbrada como estrutura de amor e de respeito, independente do sexo biológico e da orientação afetiva dos que a integram”. 2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277. Voto do Ministro Celso de Mello. Disponível em: . Acesso em: 18. mar. 2012. 3 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, volume 5. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 7-8.

10

A primeira delas, a confarreatio, “era uma cerimônia religiosa e levava essa denominação porque uma torta de cevada era dividida entre os esposos como símbolo da vida comum que se iniciava” 4. Já a coemptio nada mais era que a venda da esposa por aquele que exercia o pátrio poder, geralmente o pai, pois Roma era uma sociedade patriarcal. Com o passar do tempo essa venda era considerada ficta. O usus lembra o que hoje se considera união estável pois se dava quando ocorria a vida comum após um ano, de forma ininterrupta. Em todos esses casos a mulher passava a se submeter à família de seu marido. Desta forma, esses matrimônios eram denominados com manum. No casamento sine manum, a mulher se mantém sob a autoridade do seu ascendente e caso não haja nenhum ascendente do sexo masculino, ela fica sob a tutela de um agnado. A agnação “vinculava as pessoas que estavam sujeitas ao mesmo pater, mesmo quando não fossem conseguíneas” 5. Assim, a mulher não perdia o vínculo com sua família sanguínea mas também não fazia parte da família do marido. O casamento romano era mais considerado fato social que visava organizar a sociedade e incentivava a prole e não possuía caráter de ato jurídico. Era também uma forma de reunir patrimônios, de propagar e de continuar certos cultos religiosos e raramente tinha cunho afetivo. O casamento era assim obrigatório. Não tinha por fim o prazer; seu objeto principal não estava na união de dois seres mutuamente simpatizantes um com o outro e querendo associarem-se para a felicidade e para as canseiras da vida. O efeito do casamento, à face da religião e das leis, estaria na união de dois seres no mesmo culto doméstico, fazendo deles nascer um terceiro, apto para continuador desse culto6.

Com a cristianização da sociedade romana, o direito canônico que passou a regular o casamento, que passa a ser considerado um sacramento da igreja católica. A partir de tal ponto, a Igreja Católica passa a regular o casamento, criando seu ritual e abolindo outras formas de formação da família. No Brasil, somente após a proclamação da República e a separação entre Estado e Igreja, em 1890 com a promulgação do decreto nº. 181, o casamento civil passa a existir, no entanto, sem a perda da importância do casamento religioso, e com várias influencias deste, como a indissolubilidade. 4

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 23. WALD, Arnold. O novo direito de família. 15. ed. rev. atual. e ampl. pelo autor, de acordo com a jurisprudência e com o novo Código Civil. (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), com a colaboração da Profª Pricila M. P. Corrêa da Fonseca. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 10. 6 COULANGES, Fustel de. apud VENOSA, ibidem, p. 5. 5

11

2.2 Conceito de casamento No direito, o conceito de certos institutos, devido a sua similaridade, acaba por se confundir com a natureza jurídica. Por isso, far-se-á, inicialmente, a conceituação do casamento e, posteriormente, a definição da sua natureza jurídica. Vários doutrinadores do Direito de Família trazem conceitos de casamento, cada um com suas peculiaridades. Há dois grandes problemas quando da fixação de um conceito que defina o casamento, o primeiro encontra-se no fato de que ele possui vários aspectos: social, ético, jurídico, religioso (e os clássicos ainda falavam do aspecto biológico). O segundo problema é que ele pode ser empregado em dois sentidos: como ato criador de vínculo e como estado proveniente desse ato7. Assim, os juristas podem se utilizar de um, dois, três ou dos quatros aspectos em seu conceito. E, levando-se em conta que há dois sentidos, os conceitos podem se focar em apenas um deles ou acabar utilizando ambos. Para Maria Helena Diniz, o casamento “é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família” 8. Casamento também é considerado “contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regular a suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência” 9. Para Maria Berenice Dias, o casamento é um ato de celebração do matrimônio e a relação que dele se origina. Juridicamente, é considerado um ato complexo, de difícil conceituação e de definição quanto a sua natureza jurídica 10. Com relação a natureza jurídica do casamento há muita discussão. A maioria dos doutrinadores considera três correntes: a contratualista, a institucionalista e a mista ou eclética. A contratualista considera o casamento um contrato civil regido pelas normas comuns a todos os contratos. A institucionalista considera o casamento uma instituição social, levando em consideração as regras impostas a todos os nubentes pela lei, em prol da

7

GOMES, Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 56. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 9 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família: volume 6. 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali, de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2004, p. 19. 10 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. 8

12

sociedade. A mista ou eclética visualiza o casamento como ato jurídico complexo, “um contrato quando de sua formação e uma instituição no que diz respeito ao seu conteúdo”. Maria Berenice Dias considera “o casamento é negócio jurídico bilateral que não está afeito à teoria dos atos jurídicos” 11. Envolve inúmeras questões que não se encontram em outros atos jurídicos regulados pelo direito civil. É um negócio de direito de família. Para Roberto Ruggiero, o casamento é “um negócio jurídico complexo, formado pelo consenso da vontade dos particulares e da vontade do Estado”12. O Código Civil não traz um conceito de casamento. Em seu artigo 1.514 dispõe que “o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados”. Também, no primeiro artigo do Livro IV que trata do direito de família em seu subtítulo I – Do casamento – fala sobre a finalidade deste, a saber: “Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Fala-se aqui de casamento civil, aquele celebrado na presença de autoridade oficial do Estado, o qual tem como prova um registro emitido por cartório de registro civil, e não aquele que é realizado perante autoridade religiosa, que é regulado pelo Código Civil em seus artigos 1.515 e 1.516. Devido a grande quantidade de religiões, dogmas e formas de celebração religiosas, não será discutido aqui essa forma de casamento, restando apenas aqui a sua devida menção por haver regulação na legislação brasileira, em respeito à liberdade de crença. O Subtítulo I do Livro IV do Código Civil pode ser considerado um tratado sobre o casamento, possuindo 80 artigos e subdividido em 11 capítulos, abordando sobre capacidade para o casamento, os impedimentos, as causas suspensivas, o processo de habilitação, sua celebração, suas provas, casos de invalidade, quanto a eficácia, sua dissolução e quanto a proteção dos filhos. 2.3 Caracteres do casamento Vários doutrinadores trazem em seus estudos os caracteres do casamento, aqueles pressupostos que caracterizam o casamento como ato, entre eles: a) A liberdade de escolha do nubente

11

DIAS, ibidem, p. 147. RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. (Trad. da 6a edição italiana por Paolo Capitanio; atual. por Paulo Roberto Benasse). Campinas: Bookseller, 1999, p. . 12

13

Os noivos devem ter a liberdade para escolher o seu par. Essa liberdade retira a clássica incumbência dos pais de arranjarem casamento para os filhos. Hoje em dia, esse costume é visto com estranheza pela sociedade ocidental.

b) A solenidade do ato nupcial Como a própria lei diz, o casamento (aqui significando rito de passagem) é um ato solene, ou seja, é revestido de várias formalidades, entre elas a habilitação, que precede a celebração. Deve ser celebrado por juiz de paz, em dia e hora previamente designados, preferencialmente nas dependências do cartório de registro civil onde se procedeu a habilitação. Durante a celebração as portas devem permanecer abertas. c) A união exclusiva O casamento é união monogâmica, não podendo pessoa casada se casar novamente antes de realizado divórcio (art. 1.521, Código Civil). Dessa forma, as uniões pelo casamento são exclusivas, até que ocorra a morte de um dos nubentes ou o divórcio. Além dos já citados, Carlos Roberto Gonçalves também traz como caractere do casamento a diversidade de sexo entre os nubentes. Para ele, a Constituição Federal em seu texto só admite casamento entre homem e mulher, ou seja, exige que haja diversidade de sexos para que o casamento seja válido. Sem o cumprimento desse requisito o ato é considerado inexistente. Acredita também que a carta magna veta a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Como o próprio autor fala, trata-se de posicionamento clássico e que remete aos textos clássicos romanos 13.

2.4 Casamento nulo A nulidade em matéria de casamento possuía grande relevância quando ainda não havia o divórcio. As formas de por fim a um casamento eram limitadas à anulação e a morte; influência da Igreja Cristã que prega a indissolubilidade dos vínculos matrimoniais, que fica claro na conhecida fala dos casamentos “até que a morte os separe”. Hodiernamente, somente recorre-se à ação de nulidade quando se trata de vício evidente e patente, ou quando ainda se é ligado a uma cultura onde o estado civil “divorciado (a)” é capaz diminuir o nome ou a honra de uma pessoa, ou no caso de casamento religioso.

13

Ora, tais textos foram escritos tendo em vista uma sociedade diferente e em outro tempo. É necessário que a legislação de uma sociedade seja condizente com sua sociedade, cultura e anseios. Assim como a interpretação que deve ser feita dela [N. A.].

14

Trata-se de vício insanável. A possibilidade de se requerer a nulidade de um casamento não se acaba com o passar do tempo. A sentença que declara a nulidade de um casamento tem efeito ex tunc, ou seja, deixa de existir no âmbito jurídico. Contudo, caso seja declarado putativo - “aquele se acredita ser verdadeiro, legal e certo, e não o é” 14-, a sentença tem efeito ex nunc, produz efeitos a partir do seu trânsito em julgado. Os pressupostos que definem a nulidade do casamento estão na lei. Não pode haver nulidade sem lei, sem texto, diferentemente dos contratos em geral. Também não pode haver a decretação da nulidade de oficio. E somente algumas pessoas estão legitimadas para requerer a nulidade de um casamento. Todas essas regras buscam manter o caráter de instituição do casamento, além de proteger os envolvidos, pois, como se verá adiante, o casamento produz efeitos não só no campo jurídico, mas também no social, afetivo, financeiro, entre outros. O casamento nulo é aquele cujos vícios são insanáveis. No Brasil, são aqueles que ocorrerem infringindo o artigo 1.521 e do artigo 1.548 do Código Civil: Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. [...] Art. 1.548. É nulo o casamento contraído: I - pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil; II - por infringência de impedimento15.

Segundo o artigo 1.549, “a decretação de nulidade de casamento, pelos motivos previstos no artigo antecedente, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público”16. Os casos de nulidade tratam de situações que vão além do caráter pessoal ou íntimo dos nubente, trata-se de questão de ordem pública, que ferem o instituto da família. Pode-se dizer que são questões principalmente culturais, que envolve, principalmente, nossas raízes cristãs. Por isso, o Ministério Público também é legitimado a promover ação de nulidade de casamento.

14

DIAS, ibidem, p. 279. Os impedimentos de que trata o inciso II do artigo 1.548 são os listados no artigo 1.521. [N. A.] 16 Grifo nosso. 15

15

O “qualquer interessado” que trata o artigo supracitado, não é qualquer pessoa, mas alguém que possa ser prejudicado pelo ato, na esfera jurídica, econômica ou moral, onde somente o caso concreto pode estabelecer quem poderá ser classificado como interessado. A natureza dos impedimentos é classificada em três ordens: “incesto (I a V), bigamia (VI), e homicídio (VII)”17. Além desses, o caso do casamento de enfermo mental sem discernimento é caso a parte pois relaciona-se com os pressupostos de validade (caracteres) do casamento: a liberdade de escolha, a expressão de vontade, o consentimento. Se não há discernimento, não há expressão de vontade. Percebe-se aqui que não há nulidade expressa com relação ao casamento entre pessoas de mesmo sexo. Como foi dito, para que haja nulidade é necessário que haja previsão legal. Entretanto, alguns doutrinadores dizem que o casamento homoafetivo não pode ser nulo, pois não há como ocorrer, não existe; é considerado inexistente. Assim, o fato de a diversidade de sexos ser considerada caso de nulidade do casamento, não há que se falar em recusa do registro de casamento homoafetivo realizado no estrangeiro no Brasil.

2.5 Casamento inexistente A teoria do casamento inexistente foi criada pelos doutrinadores para explicar uma modalidade de falha no negócio. Não há legislação que trate do casamento inexistente. No ato inexistente há aparência de ato jurídico, desta forma, não há que se falar em nulidade ou invalidade, pois o ato sequer existiu. Segundo Maria Berenice Dias, “[...] quando se fala em inexistência, não se está falando em inexistência material, mas em inexistência jurídica. É algo que existe faticamente, mas não tem relevância jurídica. Não possuindo conteúdo jurídico, não pode produzir nenhum efeito jurídico”18. O casamento inexistente ocorre quando falta um dos pressupostos, um dos elementos constitutiveis do plano de validade do casamento. A discussão está na definição do que é pressuposto essencial para o casamento. A doutrina majoritária acredita que os pressupostos do casamento são: (a) consentimento, (b) autoridade materialmente competente para realizar celebração e (c) diversidade dos sexos. Não se critica a teoria dos atos inexistentes; ela é, de fato, importante e útil. Entretanto, com relação ao casamento, os pressupostos utilizados é que há uma falha 17 18

VENOSA, ibidem, p. 109. DIAS, ibidem, p. 265.

16

substancial, além do que o princípio de presunção do casamento pode ser utilizado para sanar qualquer falha que ocorra na celebração. O artigo 1.514 dispõe: “O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados” 19. Nesse artigo, fica evidente que é necessário a manifestação de vontade e a autoridade competente (o juiz) para que o casamento seja realizado. Dispõe ainda o Código Civil: Art. 1.535. Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados” 20.

Assim, com relação à falta do consentimento mútuo, é difícil visualizar uma celebração em que um dos nubentes tenha se manifestado contra o casamento e mesmo assim haver o registro. Ou mesmo quando há o silêncio, não é possível se pensar em inexistência, mas em coação, que é causa de anulabilidade, nos termos do art. 1.558 do Código Civil. E, com relação à falta da competência material para realização do casamento, não se pode dizer que o casamento é inexistente, mas que ele é putativo aos contraentes de boa-fé quando não ocorre o registro, pois, caso ocorra, o casamento existiu, podendo ser posteriormente anulado, nos termos do artigo 1.557, IV do Código Civil. Porém, com relação à diversidade de sexos como elemento essencial de existência do casamento não é possível dizer, pois não há legislação a esse respeito. A lei é omissa e omissão não é caso de inexistência. Nesse caso, deve aplicar a regra do artigo 4º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro que dispõe que: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Que é o que tem ocorrido atualmente com relação às uniões homoafetivas no direito brasileiro, onde o judiciário é que tem dado respostas aos anseios dessa minoria. Além disso, de acordo com a Constituição, não há proibições implícitas, a saber: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 19 20

Grifo nosso. Grifo nosso.

17

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Assim, percebe-se que a teoria que considera a diversidade dos sexos como pressuposto de existência do casamento não possui fundamentação jurídica, mas puramente ideológica. Nesse sentido, um dos maiores doutrinadores do direito, Sílvio de Salvo Venosa demonstra esse caráter ideológico utilizado por ele: Desse modo, ainda que o texto legal não proclame, a diversidade de sexos é essencial para o casamento, em todas as civilizações. A união de pessoas do mesmo, atualmente, melhor denominadas homoafetivas, se admitidas, refoge ao conceito de casamento. Não se admite, ao menos no atual estágio de nossa sociedade, casamento com identidade de sexos. As uniões homossexuais nunca terão o estado de casamento nem a índole de família, ao menos na atual presença de nossa história, embora existam ferrenhos defensores em sentido contrário. Essas uniões devem merecer regulamentação de outra natureza. Se faltar esse requisito, a união de pessoas do mesmo sexo nada mais é do que aparência, simulacro de casamento 21.

Outro grande doutrinador do direito de família, Carlos Roberto Gonçalves, acredita que: “É intuitivo que, em todas as civilizações e em todos os sistemas jurídicos, os legisladores, ao pensarem o negócio jurídico típico que é o casamento, idealizam-no a partir de um modelo que pressupõe a diversidade de sexos”

22

interpretação estritamente literal) dos artigos 1.517

23

. Baseia-se na leitura (e consequente e 1.565

24

do Código Civil para

fundamentar a diversidade de sexos como requisito natural do casamento. E conclui: “Por tais razões, a diferença de sexos é elemento estrutural do casamento, sem o qual inexiste vínculo matrimonial. É uma condição de tal modo evidente, que dispensa regulamentação legislativa”25. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho reafirmam que, de fato, não há regra explícita que proíba o casamento homoafetivo, mas que “por princípio, o nosso sistema pressupõe a diversidade sexual, o que pode ser constatado a partir da leitura das normas civis, que utilizam dicção afirmativa ao cuidar dos participes do ato matrimonial” 26. Em seguida, atribuem a visão de casamento homoafetivo como inexistente ao formalismo típico do casamento, que exigiria estrita observância das normas em vigor.

21

VENOSA, ibidem, p. 105-106. Grifo nosso. GONÇALVES, Carlos, Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 6: direito de família. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 143. 23 “Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”. 24 “Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”. 25 GONÇALVES, ibidem, p. 143. 26 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, Volume VI: Direito de família – As famílias em perspectiva constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 203. 22

18

Como alguns dos autores defensores da teoria que considera a diversidade de sexo elemento essencial para o plano de existência do casamento disseram, não há legislação explicita que proíba o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Assim, a discussão aqui apresentada não é exatamente jurídica, mas social e cultural. Assim, a teoria da inexistência do casamento torna-se frágil. Além disso, com a ocorrência da união estável e a facilidade da conversão desta em casamento, basta que, caso ocorra quaisquer dos casos citados (ausência de consentimento, de autoridade competente ou mesmo de diversidade de sexos) e posteriormente ocorra a convivência do casal, se declare a união estável e se faça a conversão em casamento ou a sua dissolução. Desta forma, como se verá adiante, a teoria do casamento inexistente não é causa para se recusar o registro de casamento homoafetivo realizado no estrangeiro no Brasil.

2.6 Casamento anulável O casamento anulável é aquele que atenta contra interesses de natureza individual. Difere-se do casamento nulo por possuir menor gravidade. Trata-se de vícios sanáveis, de menor relevância quando comparados aos casos de nulidade. As causas de anulabilidade estão dispostas no artigo 1.550 do Código Civil, a saber: Art. 1.550. É anulável o casamento: I - de quem não completou a idade mínima para casar; II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558; IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; VI - por incompetência da autoridade celebrante.

Com relação aos casos de vício de vontade: Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro. Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado; II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal; III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência; IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado. Art. 1.558. É anulável o casamento em virtude de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares.

19

Como tais causas de anulabilidade do casamento protegem interesses particulares, a ação de anulação depende das partes interessadas (que são definidas de acordo com o caso) e o Ministério Público não é legitimado para ajuizá-la (excetuando-se quando um ou ambos os cônjuges são menores de idade). A ação de anulação de casamento deverá ser ajuizada dentro dos prazos previstos no art. 1.560 do Código Civil, ou ocorrerá decadência. Percebe-se que o casamento homoafetivo não possui restrições nem nas causas de anulabilidade, tornando mais difícil a justificação para negar seu registro, caso tenha ocorrido em um país cuja legislação permita sua ocorrência.

2.7 Efeitos do casamento O casamento não pode ser considerado “simples convivência conjugal, mas uma plena comunhão de vida ou uma união de índole física e espiritual”

27

. Ele se projeta em

diversos ambientes, produz consequências, gera direitos e deveres, não só aos cônjuges, mas a família destes e a sociedade em que se inserem. Segundo Carlos Roberto Gonçalves: Os efeitos produzidos pelo casamento são numerosos e complexos. A união conjugal não é só uma relação jurídica, mas – e antes de tudo – relação moral. As relações que formam a teia da vida íntima pertencem ao domínio da moral. São corolários imediatos da afeição recíproca e o seu estudo não compete à técnica do direito. Este apenas intervém para normatizar os efeitos mais importantes do casamento, uns regulados como direitos e deveres decorrentes da convivência entre os cônjuges, cuja inobservância, contrariando o fim do casamento, pode ocasionar graves perturbações; outros resultantes das ligações entre os diversos integrantes da família; outros, ainda, decorrente das relações destes com terceiros. 28

Da legislação brasileira se extraem vários efeitos ao casamento. Esse efeitos são classificado em três grupos: efeitos sociais, efeitos pessoais e efeitos patrimoniais. Apesar dessa classificação, tais efeitos e seus resultados podem se interligar. Assim, o artigo 1.511 do Código Civil dispõe que: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Já os efeitos em específico estão dispostos no capítulo IX do subtítulo que trata do casamento. 2.7.1 Efeitos sociais do casamento O casamento é uma das formas de se criar a família constitucionalmente protegida, nos termos do art. 226, §1º da Constituição Federal, que dispõe que “a família, base

27 28

DINIZ, ibidem, p. 142. GONÇALVES, ibidem, p. 180.

20

da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração”. Além disso, o casamento modifica o estado civil dos cônjuges. O estado civil é um dos atributos da personalidade que qualifica o sujeito perante a sociedade, o identificando nas suas relações sociais29. É efeito social e personalíssimo.

2.7.2 Efeitos pessoais do casamento Basicamente, o casamento cria a comunhão de vida, onde os cônjuges “assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”, nos termos do art. 1.565 do Código Civil. Todos os outros efeitos são decorrentes dessa comunhão de vida. Essa comunhão de vida estabelece o vinculo de afinidade entre os parentes dos cônjuges, e mesmo após a dissolução do casamento persistindo o vínculo em linha reta, de acordo com o art. 1.595: Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 2o Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.

Pode-se dizer que este efeito também é social, pois atinge outros além dos consortes, mas é mais pessoal pelo fato que estes outros fazem parte de um núcleo familiar particular: o dos noivos. Outro efeito pessoal é a possibilidade de se alterar o nome de família, acrescentando-se o sobrenome do outro cônjuge 30. Além desses, se tem os deveres recíprocos entre os cônjuges, que alguns doutrinadores não tratam como efeitos, mas fazem um estudo à parte. Eles estão dispostos no art. 1.566 do Código Civil, a saber: Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos.

29

RODRIGUES, ibidem, p. 123. Art. 1.565 [...] § 1o Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro. (Código Civil) 30

21

Sendo a união exclusiva, deve-se haver fidelidade recíproca. Essa imposição visa proteger, além da estrutura monogâmica da família brasileira, como também o princípio da presunção da paternidade, onde se julga filho do casal aquele nascido na constância do casamento. Segundo Maria Berenice Dias: O dever de fidelidade é uma norma social, estrutural e moral, mas, apesar de constar entre os deveres do casamento, sua transgressão não mais admite punição, nem na esfera civil, nem na criminal. Com o fim do instituto da separação perdeu completamente sentido a imposição da fidelidade como dever do casamento. Visando a desestimular a infidelidade, ainda é consagrada como crime a bigamia (CP 235), que torna imperativa a anulação do casamento (CC 1.548 II). Pessoas casadas são impedidas de casar (CC 1.521 VI). É anulável a doação feita pelo cônjuge adúltero à seu cúmplice (CC 550 e 1.642 V)31.

A vida em comum, no mesmo domicílio, se justifica pela obrigação de assistência mútua, porém, não deve ser considerada obrigatória. Casais podem viver em residências diversas por inúmeras razões (especialmente por conta do trabalho) e não deixarem de possuir vida em comum, e se assistirem. Doutrinadores clássicos falam que a vida em comum se justifica também pela satisfação dos sexos, o debitum conjugale, o dever de manter relações sexuais, sendo este dever exigível pelos cônjuges. Contudo, trata-se da visão matrimonial, advinda do casamento religioso, de acordo com Maria Berenice Dias: A origem da expressão débito conjugal é de natureza religiosa, já que a finalidade do matrimonio é a procriação. Alias, a falta de contato sexual é causa inclusive para anulação do casamento religioso. Estes preceitos não cabem ser transportados para a regulamentação do casamento pelo Estado. Essa suposta obrigação parece significar o dever de um cônjuge de ceder a vontade do par e atender ao desejo sexual do outro. Mas tal obrigação não esta na lei. Basta a comunhão de vida no sentido espiritual e social; o casamento do impotente ou dos estéreis não é menos casamento que os outros. A previsão da vida em comum entre os deveres do casamento não significa imposição de vida sexual ativa nem a obrigação de manter relacionamento sexual. Esta interpretação infringe o principio constitucional do respeito à dignidade da pessoa, o direito à liberdade e à privacidade, além de afrontar o direito à inviolabilidade do próprio corpo. Não existe sequer a obrigação de se submeter a um beijo, afago ou carícia, quanto mais a se sujeitar a práticas sexuais pelo simples fato de estar casado. Mas, talvez, o mais absurdo seja sustentar que o descumprimento de tal dever dá ensejo à pretensão indenizatória, como se respeitar a própria vontade afrontasse a imagem ou comprometesse a postura ética do parceiro. A abstinência sexual não assegura direito indenizatório, e a não aceitação de contato corporal não gera dano moral32.

A mútua assistência é o dever base do casamento. Não trata-se exclusivamente do caráter financeiro, mas – e principalmente – do pessoal e afetivo. Como preleciona Maria Helena Diniz:

31 32

DIAS, ibidem, p. 255. DIAS, ibidem, p. 258.

22

Como observam Kipp e Wolff, deve haver entre os consortes uma atenção às suas características espirituais, o que requer os deveres de cuidado, assistência e participação no interesses do outro cônjuge. Trata-se do dever de mútua assistência que, segundo Beviláqua, se circunscreve aos cuidados pessoais nas moléstias, ao socorro nas desventuras, ao apoio na adversidade e ao auxílio constante em todas as vicissitudes da vida, não se concretizando, portanto, no fornecimento de elementos materiais de alimentação, vestuário, transporte, diversções e medicamentos conforme posses e educação de um e de outro. Jemolo e Carbonnier vislumbram nesta obrigação assistencial deveres implícitos como o respeito e consideração mútuos, que abrange o de sinceridade, o de zelo pela honra e dignidade do cônjuge e da família, o de não expor, p. ex., o outro consorte a companhias degradantes, o de não conduzir a esposa a ambientes de baixa moral, o de acatar a liberdade de correspondência epistolar ou eletrônica e de comunicação telefônica ou a privacidade do outro etc. 33

Assim, estariam estritamente ligados o dever de assistência mútua com o dever de respeito e consideração mútuos. Por fim, o artigo 1.566 do Código Civil enumera como dever dos cônjuges o sustento, a guarda e a educação dos filhos. Contudo, essa obrigação não advém do casamento, mas do fato de serem os pais obrigados a dar suporte aos filhos. Mesmo que haja a dissolução do casamento esta obrigação não será extinta. Da mesma forma, mesmo que os pais não sejam (ou nunca tenham sido) casados, não exime a obrigação para com os filhos.

2.7.3 Efeitos patrimoniais do casamento Dentre os efeitos patrimoniais encontra-se o regime de bens. O regime de bens é, segundo Carlos Roberto Gonçalves, “o conjunto de regras que disciplina as relações econômicas dos cônjuges, quer entre si, quer no tocante a terceiros, durante o casamento” 34. Todo casamento possui um regime de bens, ainda que não exista um pacto antenupcial 35. Obrigação de sustento de um ao outro é outro efeito de ordem patrimonial. Advém do dever de assistência mútua, mas também infere no direito patrimonial. Entende-se que tais efeitos – sociais, pessoais ou patrimoniais, sejam eles direitos ou deveres – são regulados pelo direito devido a importância que o casamento tem na sociedade brasileira, levando o legislador a regular tal relação. O não reconhecimento do casamento homoafetivo leva este casal a não desfrutar desses efeitos, ainda que não haja legislação proibitiva.

33

DINIZ, ibidem, p. 150-151. GONÇALVES, ibidem, p. 437. 35 O pacto antenupcial é um documento, realizado por escritura pública, onde os nubentes estipulam o regime de bens que irá vigorar durante o casamento. 34

23

2.8 Casamento realizado no estrangeiro Há vários aspectos que devem ser levados em consideração quando da ocorrência do casamento no âmbito do Direito Internacional Privado. Cada nação aplica a que lhe convém. A maior divergência entre os países está, principalmente, com relação à capacidade para casar. Eis breve análise das doutrinas utilizadas no mundo. No sistema da jus patriae, o direito do país de origem/nacionalidade dos nubentes que deve definir as regras para o casamento de estrangeiros. Quando se adota o sistema da jus domicilii, o direito do domicílio do casal que define as regras do casamento. No sistema da jus loci celebrations, as regras do local da celebração que irão definir as regras do casamento. Essas regras dizem respeito a capacidade, à forma, aos impedimentos, entre outros. É possível a combinação delas, por exemplo, com relação à capacidade se utilizar da jus patriae e com relação à forma a da jus loci celebrations.36 No Brasil, de acordo com o Decreto-Lei n.º 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) em seu art. 7º § 1º37, utiliza-se a jus loci celebrations para regulamentar todas as esferas do casamento realizado no Brasil.

36

CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado. 6. ed. aum. e atualizada com notas de rodapé por Carolina Cardoso Guimarães Lisboa. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 300-309. 37 Art. 7º [...]§ 1o Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

24

3 HOMOAFETIVIDADE Mas, afinal, o que é homoafetividade? Este termo foi criado pela jurista Maria Berenice Dias buscando retirar o estigma de que os vínculos homossexuais teriam uma conotação exclusivamente de natureza sexual38. O homossexual é o indivíduo cuja orientação sexual e afetiva é direcionada a indivíduos do mesmo sexo biológico. Este indivíduo pode ser tanto do sexo feminino (lésbica) ou do sexo masculino (gay). No dicionário: homossexual |cs| (homo- + sexual) adj. 2 g. 1. Diz-se da relação sexual ou afetiva mantida entre pessoas do mesmo sexo. adj. 2 g. s. 2 g. 2. Que ou quem sente atração sexual por pessoas do mesmo sexo ou tem relações sexuais ou afectivas com pessoas do mesmo sexo39.

A comunidade LGBT tem uma forma particular de ver (ou mesmo definir) a homossexualidade: Em princípio, a noção refere-se de forma bastante genérica ao sexo (ou, para alguns, ao gênero) que constitui o objeto de desejo de uma pessoa. A expressão não implica consciência nem intenção, tampouco descreve necessariamente uma “condição”. Por conta disso, ela se presta a vários usos e interpretação. Boa parte do ativismo GLBT acredita que a orientação sexual é “uma condição da pessoa”, uma propriedade da personalidade, algo que faz parte irremediavelmente do que ela “é” – e, assim, tende a vê-la como fixa e imutável40.

O termo homossexualidade foi apresentado em 1869 pelo seu criador, o médico húngaro Karoly Benkert, formado a partir da raiz grega “homo” que significa semelhante/o mesmo e da palavra latina “sexus” que quer dizer sexualidade. Sendo o sufixo -dade “um formador de substantivos a partir de adjetivos que expressam qualidade, caráter, atributo, o que é próprio de, modo de ser, estado, admiração, apreço, amor” 41, a palavra

38

Assim como a autora, não se entende aqui que o termo homossexual esteja incorreto, mas que ele possui uma carga semântica depreciativa, e que, com a utilização do novo termo, a sociedade possa perceber que o caráter afetivo nessas relações é predominante ante o caráter sexual [N. A.]. 39 HOMOSSEXUAL, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2010, Disponível em: . Acesso em: 21-05-2012. 40 FACCHINI, Regina; SIMÕES, Júlio Assis. Do movimento sexual ao LGBT. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009, p. 29. 41 SIMÕES, Lisângela. Estudo semântico e diacrônico do sufixo -dade na língua portuguesa. 2009. Dissertação (Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: . Acesso em: 2012-05-21.

25

homossexualidade exprime o sentido de sexualidade exercida com uma pessoa do mesmo sexo como a idéia de sexualidade semelhante ao que deseja ter42. Mas a dúvida que sempre fica é: O que define a orientação sexual de uma pessoa? Do ponto de vista do conhecimento científico disponível, há pouca coisa que se possa dizer com segurança. Existem várias teorias biológicas, psicológicas e sociológicas acerca de qual seria o fator determinante da orientação sexual, mas não há, até agora, nenhum estudo conclusivo. Nem mesmo se pode afirmar que a orientação sexual seja algo que consolide e se fixe definitivamente em um determinado período da vida para todas as pessoas, embora isso venha a ser relatado com grande freqüência43.

Os componentes que são utilizados para classificar a sexualidade humana que foram sociamente construídos são vários, entre eles: o sexo biológico, a orientação sexual, a identidade de gênero (ou identidade sexual), papel de gênero e papel sexual. Segundo Facchini e Simões: Falar em “identidade sexual”, sob essa perspectiva, implica referir-se a duas coisas diferentes: o modo como a pessoa se percebe em termos de seu desejo; e o modo como ela torna pública (ou não) essa percepção de si, em determinados ambientes ou situações. É difícil afirmar que as pessoas sejam responsáveis pela “escolha” do objeto de seu desejo. Nesse sentido, acreditar que a orientação sexual seja uma “opção” soa inadequado; e embora o termo “opção’ tenha se popularizado entre nós para exprimir certo senso de tolerância para com a homossexualidade, tem sido insistentemente rejeitado pelos ativistas e aliados do movimento LGBT por sugerir, entre outras coisas, que a orientação sexual seja algo que se possa adquirir, descartar e trocar conforme circunstâncias, como a roupa que se veste em determinada ocasião44.

O sexo biológico se caracteriza pelo fato do indivíduo ser definido como macho, fêmea ou intersexual. Aqui não se leva em conta os vários níveis distintos de diferenciação sexual utilizados na biologia ou nas ciências médicas, mas o caráter sociológico dessa caracterização. A orientação sexual relaciona-se com o objeto de atração afetiva e sexual, caracterizado como heterossexual (atração por pessoas do sexo oposto), homossexual (atração por pessoas do mesmo sexo) e bissexual (atração por pessoas de ambos os sexos). A identidade de gênero (ou identidade sexual) é caracterizada pela percepção de si, de como o indivíduo se identifica como ou homem ou como mulher, independente do seu sexo biológico. Papel sexual refere-se a como o indivíduo se coloca na relação sexual, de forma ativa ou passiva. É uma classificação controversa, pois, é difícil encontrar pessoas que se coloquem sempre de uma mesma forma, além de possuir um caráter extremamente íntimo. 42

DIAS, Maria Berenice. União homossexual – o preconceito e a justiça, 3. ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006, p. 25. 43 FACCHINI; SIMÕES, ibidem, p. 31. 44 Idem, ibidem, p. 33.

26

O papel de gênero, segundo Adriana Nunan, “pode ser definido como uma série de características, comportamentos e interesses definidos por uma sociedade ou cultura como sendo apropriados para membros de cada sexo biológico”45. Assim, o papel de gênero relaciona-se com o comportamento social do indivíduo, comportar-se de forma feminina, masculina ou até mesmo andrógina. O papel de gênero que predomina para o homem é de trabalhador, provedor, chefe da família e líder, atividade que requerem traços de personalidade considerados masculinos, tais como assertividade, confiança, racionalidade, seriedade, força, coragem e independência. A mulher deveria se responsabilizar pelo cuidado com os filhos, casa e os relacionamentos familiares, pois tem traços femininos como dependência, cooperação, afetividade, sensibilidade e lealdade. Em outras palavras, na nossa cultura a masculinidade é construída em contraposição a feminilidade46.

Estes componentes da sexualidade humana não estão conectados, e quando um deles difere do socialmente convencionado (um indivíduo do sexo biológico masculino com papel de gênero feminino, por exemplo) leva a acreditar que todos os outros se opõem (tendo o papel de gênero feminino, teria identidade de gênero feminino, orientação sexual homossexual), o que se baseia numa construção social e cultural rígida, que apesar do avanço que se teve a partir dos anos 60 e 70, ainda encontra-se arraigada no costume brasileiro.

3.1 Aspectos históricos Iniciar-se-á o histórico da homossexualidade a partir das civilizações Grecoromanas, apesar de que esta é tão antiga quanto à heterossexualidade47, por se levar em conta, não só a origem do direito civil, mas da civilização ocidental. Na Grécia antiga, a homossexualidade, segundo Taísa Ribeiro Fernandes: Estava ligada à intelectualidade, à estética, corporal e à ética corporal, não existindo discriminação das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo, sendo, inclusive por muitos considerada mais nobre que o relacionamento heterossexual. Tanto a homossexualidade quanto a bissexualidade eram comuns, e a heterossexualidade é que era tida como diferente, uma preferência inferior, pois era reservada exclusivamente à procriação48.

Em várias culturas, não somente na Grécia antiga, a homossexualidade possuía um caráter pedagógico; eram ritos de iniciação, especialmente entre adolescentes (efebos) e

45

NUNAN, Adriana. Homossexualidade: do preconceito aos padrões de consumo. Rio de Janeiro: Caravansarai, 2003, p. 19. 46 NUNAN, ibidem, p. 19-20. 47 DIAS, ibidem. 48 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões sexuais e seus aspectos jurídicos. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 38.

27

um homem mais velho e experiente (preceptor), que lhes transmitia conhecimento, preparava para a guerra ou para a vida política49. Já na Roma antiga, o papel sexual é que definia as relações e não a orientação sexual. Não havia distinções entre relações homossexuais e relações heterossexuais, mas aquele que “representava” o papel passivo na relação sexual era inferiorizado. Assim, rapazes, mulheres e escravos eram excluídos da estrutura do poder por sempre estarem nessa posição. Quando o cristianismo se estabeleceu, antecedido pelos preceitos judaicos, tais práticas (que eram comuns aos povos chamados pagãos) passaram a ser consideradas pecado, pois, para a Igreja Católica, o sexo tem como única finalidade a procriação. Paulo Roberto Iotti Vecchiatti fala que, na verdade, o que se condenava, inicialmente, era a libertinagem, o sexo fora do casamento ou que não visasse a procriação, fosse decorrente de relações homossexuais ou heterossexuais 50. Na Europa medieval, a partir do século XIV, era ligada a heresia, a usura, a feitiçaria e ao demonismo, fazendo com que os homossexuais escondessem cada vez mais suas vontades e seus atos e os governantes e/ou legisladores passassem a criar leis que objetivassem a punição dessas condutas51. Para Anibal Guimarães, a criminalização da homossexualidade se deu especialmente por estar associada a movimentos revolucionários burgueses pós Iluminismo 52. No século XIX, a homossexualidade deixou a classificação de crime para ser considerada doença, patologia que deveria ser tratada e não punida. Esta visão, contudo, trouxe ainda mais preconceito por ser considerada uma doença contagiosa.

3.2 Homossexualidade e a medicina Visando procurar respostas científicas aos fenômenos humanos, as ciências médicas foram estudar a homossexualidade e sempre a perceberam como doença. Segundo Paulo Roberto Iotti Vecchiatti: Com relação à homossexualidade, dita evolução de pensamento fez os cientistas considerarem, a princípio, a homossexualidade não como um “pecado”, como defendem muitas igrejas, mas como uma “doença”, partindo do pressuposto de que a

49

DIAS, op. cit., 2001. VECCHIATTI, Para Paulo Roberto Iotti. Manual da homoafetividade: da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2008. 51 VECCHIATTI, ibidem, p. 54-55. 52 GUIMARÃES, Anibal. Sexualidade heterodiscordante no mundo antigo. IN: Diversidade sexual e direito homoafetivo. Coordenação Maria Berenice Dias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 29-30. 50

28

heterossexualidade seria a conduta “sadia” e a homossexualidade, um “distúrbio”, um “desvio comportamental” etc53.

Daí passou-se a utilizar o termo homossexualismo, onde o sufismo -ismo, significa doença. Contudo, segundo Taísa Ribeiro Fernandes: Não há estudo conclusivo algum que comprove que entre homossexuais e heterossexuais exista diferença no sistema nervoso central, na quantidade de hormônios ou até mesmo no funcionamento do aparelho genital, muito embora haja pesquisadores que insistem em sustentar essa tese. Prende-se, tão somente, ao lado biológico-fisiológico do ser humano, pois acreditam estar aí a explicação da causa da homossexualidade, esquecendo-se, portanto, de fatores de ordem social, cultural, entre outros54.

Tal quadro durou até meados de 1974, quando a Associação Americana de Psiquiatria informou que a homossexualidade não se tratava de uma perturbação mental por si só. Consequentemente, a Organização Mundial de Saúde, em 1993, a excluiu da Classificação Internacional de Doenças55. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina precedeu a Organização Mundial de Saúde, pois, data do ano de 1985 a retirada da homossexualidade do rol de doenças. Não é doença, nem mesmo desvio psicológico ou perversão, de acordo com a Resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia56.

3.3 Direito homoafetivo no Brasil Com relação à homoafetividade, no Brasil, não há nenhuma lei que a regulamente tal relação. O país é classificado como “neutro”, não proíbe, mas também não protege. Não há qualquer legislação federal que trate da criminalização da homofobia ou mesmo de reconhecimento de direitos civis. Contudo, “a pouca legislação existente nos estados e municípios restringem-se a procedimentos administrativos, uma vez que a legislação de direito de família e de direito penal é de exclusiva competência do Congresso Nacional para aprovar leis federais”57. O Estatuto das Famílias que estabelece a união homoafetiva, o Projeto de Lei n.º 1.151/95 – regulamentando as parcerias homossexuais, Projeto de Lei da Câmara n.º 122/2006 que altera o Código Penal e criminaliza a homofobia e outros tipos de discriminação 53

VECCHIATTI, ibidem, p. 92. FERNANDES, ibidem, p. 23. 55 VECCHIATTI, ibidem, p. 63. 56 VECCHIATTI, ibidem, p. 63. 57 BACCI, Irina; CORREA, Sonia Onufer; MELLO, Eduardo Piza Gomes; RIOS, Roger Raupp. Homofobia e impunidade no Brasil. IN: ITABORAHY, Lucas Paoli. Homofobia do Estado – Maio de 2012. ILGA Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos. Disponível em: . Acesso em: 2. jun. 2012. 54

29

são alguns exemplos do que tramita no Congresso Nacional e que poderá se tornar legislação que regulamente a homoafetividade. O que de fato existe são legislações estaduais e municipais que positivaram certos procedimentos administrativos, tendo em vista que não possuem competência para legislar sobre direito de família e sobre direito penal. Nesta seara, o que se destaca é o judiciário, que não pode ficar inerte quando chamado, devendo decidir, mesmo quando há omissão legal. Desta forma, inúmeras decisões favoráveis à homoafetividade surgiram, especialmente no estado do Rio Grande do Sul58. E no dia cinco de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 132/RJ e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4277, julgou procedente os pedidos no sentido de igualar em direitos e deveres a união estável heteroafetiva e a união estável homoafetiva. Adiante tratar-se-á de maneira mais profunda acerca a importância e dos aspectos de tal decisão.

3.4 Direito homoafetivo no estrangeiro A homoafetividade é uma realidade social; é algo que ocorre em qualquer lugar do mundo e, devido ao histórico que possui, o Estado necessita regulá-la. Contudo, não é o que acontece, como no Brasil, que não possui legislação sobre este tema. Maria Berenice Dias classifica os países em relação ao tratamento que suas legislações atribuem a homoafetividade como: (1) os de extrema repressão, (2) os de modelo intermediário e; (3) os de modelo expandido 59. 58

Nesse sentido: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO. COMPANHEIRO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. REALIDADE FÁTICA. TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS. EVOLUÇÃO DO DIREITO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE IGUALDADE. ARTIGOS 3º, IV E 5º. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A realidade social atual revela a existência de pessoas do mesmo sexo convivendo na condição de companheiros, como se casados fossem. 2. O vácuo normativo não pode ser considerado obstáculo intransponível para o reconhecimento de uma relação jurídica emergente de fato público e notório . 3. O princípio da igualdade consagrado na Constitução Federal de 1988, inscrito nos artigos 3º, IV, e 5º, aboliram definitivamente qualquer forma de discriminação. 4. A evolução do direito deve acompanhar as transformações sociais, a partir de casos concretos que configurem novas realidades nas relações interpessoais. 5. A dependência econômica do companheiro é presumida, nos termos do § 4º do art. 16 da Lei nº 8.213/91. 6. Estando comprovada a qualidade de segurado do de cujus na data do óbito, bem como a condição de dependente do autor, tem este o direito ao benefício de pensão por morte, o qual é devido desde a data do ajuizamento da ação, uma vez que o óbito ocorreu na vigência da Lei nº 9.528/97. 7. As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente desde quando devidas, pelo IGP-DI (Medida Provisória nº 1.415/96). 8. Juros de mora de 6% ao ano, a contar da citação. 9. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, nesta compreendidas as parcelas vencidas até a execução do julgado. 10. Apelações providas. (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Apelação Cível 2000.04.01.073643-8, Sexta Turma, Relator: Nylson Paim de Abreu, DJ 10. Jan. 2001. Disponível em: . Acesso em: 12. Jun. 2012.)

30

Far-se-á, então, uma breve análise, não só sobre os países que já regularam as uniões homoafetivas – com relação à legalidade dos atos, a possibilidade do casamento, da união civil e similares e da adoção conjunta –, mas também daqueles que a criminalizam, utilizando-se os dados e as figuras da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos (ILGA) 60. Inicia-se pela América Latina, onde atos homossexuais são legais em 22 países, a saber: Argentina, Bahamas, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Uruguai, Venezuela. São ilegais em 12 países: Antígua e Barbuda, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente & Granadinas, Trinidad e Tobago. Dentre os países da América Latina, somente na Argentina e no Distrito Federal no México há o casamento para pessoa do mesmo sexo. Com relação a parcerias civis, parcerias registradas, uniões civis e similares são contabilizados 2 países, Brasil e Colômbia e o estado Coahuila, no México. No Equador e no Uruguai, casais homoafetivos possuem alguns dos direitos decorrentes do casamento. E no Brasil, na Argentina e no Distrito Federal no México, é possível a adoção conjunta por casais homoafetivos. Eis figura para ilustrar melhor tais dados.

59

DIAS, op. cit., 2001, p. 51-52. ILGA - Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos. Disponível em: . Acesso em: 2. jun. 2012. 60

31

Figura 1- Direitos homossexuais na América Latina e Caribe61

Na América do Norte, tanto no Canadá como nos Estados Unidos da América atos homoafetivos são legais. O casamento é permitido no Canadá e nos estados de Connecticut, District of Columbia, Iowa, Massachusetts, New Hampshire, Nova Yorque e Vermont. Os 61

ILGA - Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos. Disponível em: . Acesso em: 2. jun. 2012.

32

estados da Califórnia, Nevada, New Jersey, Oregon, Washington e Wisconsin permitem a união civil e similares. Alguns estados – Colorado, Havaí, Maryland, Nova Iorque e Rhode Island – só dispõe de alguns dos direitos decorrentes do casamento. Quanto ao direito de adoção dupla, somente algumas das províncias canadianas, tais como Alberta, British Columbia, Manitoba, New Brunswick, Terra Nova e Labrador, Northwest Territories, Nova Escócia, Nunavut, Ontário, Ilha do Príncipe Eduardo, Quebec e Saskatchewan. Nos Estados Unidos, os estados Califórnia, Colorado, Connecticut, Illinois, Indiana, Massachusetts, Nevada, New Hampshire, New Jersey, New York, Oregon, Vermont e Distrito de Columbia autorizam a adoção conjunta entre casais homoafetivos.

Figura 2 - Direitos homossexuais na América do Norte62

62

“Adaptado de”: ILGA - Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos. Disponível em: . Acesso em: 2. jun. 2012.

33

Na Europa, 67 países consideram legais atos homoafetivos: Albânia, Alemanha, Andorra, Armênia, Áustria, Azerbaijão, Bélgica, Bielorrússia, Bósnia – Herzegovina, Bulgária, Cidade do Vaticano, Croácia, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Geórgia, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Kosovo, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macedônia, Malta, Moldávia, Mônaco, Montenegro, Noruega, Países Baixos, Polônia, Portugal, República Checa, Inglaterra e País de Gales, Irlanda do Norte, Escócia, Akrotiri e Dhekelia, Anguilla, Guernsey, Bermuda, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, Ilhas Malvinas, Gibraltar, Ilha de Man, Jersey, Montserrat, Pitcairn, Ilhas Geórgia do Sul, Santa Helena, Turks & Caicos, Romênia, Rússia, San Marino, Sérvia, Suécia, Suíça, Ucrânia. Bélgica, Espanha, Islândia, Noruega, Países Baixos, Portugal e Suécia possuem legislação permitindo o casamento entre pessoas no mesmo sexo. Alemanha, Áustria, Dinamarca, Finlândia, Hungria, Irlanda, Liechtenstein, Suíça, Reino Unido e Ilha de Man permitem as uniões civis e similares. Já em Andorra, Croácia, República Checa, França, Luxemburgo e Eslovénia os casais homoafetivos possuem disponíveis alguns dos direitos decorrentes do casamento. A adoção conjunta por casais do mesmo sexo é permitida em Andorra, Bélgica, Dinamarca, Islândia, Países Baixos, Noruega, Espanha, Suécia, Inglaterra, País de Gales e Escócia.

Figura 3 – Direitos homossexuais na Europa63 63

“Adaptado de”: ILGA - Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos. Disponível em: . Acesso em: 2. jun. 2012.

34

Na Ásia há 23 países onde os atos homoafetivos são legais - Bahrein, Camboja, Cazaquistão, China, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Filipinas, maior parte da Indonésia, Israel, Japão, Jordânia, Laos, Mongólia, Nepal, Quirguistão, Taiwan, Tailândia, Tajiquistão, Timor Leste, Turquia, Vietname, assim como a Cisjordânia no Território Ocupado da Palestina – e na Oceania, há sete países - Austrália, Fiji, Ilhas Marshall, Micronésia, Nova Zelândia, Vanuatu e os associados à Nova Zelândia de Niue e Tokelau. São, entretanto, ilegais, na Ásia, no Afeganistão, Arábia Saudita, Bangladesh, Butão, Brunei, Emirados Árabes Unidos, Iémen, Irão, Kuwait, Líbano, Malásia, Maldivas, Myanmar, Omã, Paquistão, Qatar, Singapura, Sri Lanka, Síria, Turquemenistão, Uzbequistão; e, na Oceania, nas Ilhas Salomão, Kiribati, Nauru, Palau, Papua Nova Guiné, Samoa, Tonga, Tuvalu. E no Irão, Arábia Saudita, Iémen atos homoafetivos são punidos com pena de morte. Casais do mesmo sexo têm disponíveis a maioria ou totalidade dos direitos decorrentes do casamento, na Ásia, somente em Israel; na Oceania, na Nova Zelândia e nas regiões australianas: Território da Capital da Austrália, New South Wales, Tasmânia e Victoria. Somente nos territórios australianos de New South Wales, Ilha Norfolk, Território da Capital, Território do Norte, Queensland, Sul da Austrália, Tasmânia, Victoria e Austrália Ocidental estão disponíveis alguns dos direitos decorrentes do casamento à casais homoafetivos. Na Ásia, somente em Israel é possível a adoção conjunta por casais homoafetivos. Já na Oceania, tal fato é possível, na Austrália, no Território da Capital, New South Wales e na Austrália Ocidental.

35

Figura 4 - Direitos homossexuais na Ásia e Oceania64

Na África, 16 países consideram legais atos homoafetivos: África do Sul, Burkina Faso, Cabo Verde, Chade, Congo, Costa do Marfim, Djibouti, Guiné Equatorial, GuinéBissau, Gabão, Madagáscar, Mali, Níger, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Ruanda. Na Argélia, Angola, Benim, Botsuana, Burundi, Camarões, Comores, Egito, Eritreia, Etiópia, Gâmbia, Gana, Guiné, Quênia, Lesoto, Libéria, Líbia, Malawi, Mauritânia, Maurício, Marrocos, Moçambique, Namíbia, Nigéria, São Tomé e Príncipe, Senegal, Ilhas Seychelles, Serra Leoa, Somália, Sudão, Sudão do Sul, Suazilândia, Tanzânia, Togo, Tunísia, Uganda, Zâmbia, Zimbábue, atos homoafetivos são ilegais. Na Mauritânia, Sudão, assim como em 12 estados do Norte da Nigéria e partes do sul da Somália tais atos são punidos com pena de morte. Somente na África do Sul é possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo, assim como a adoção conjunta.

64

ILGA - Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos. Disponível em: . Acesso em: 2. jun. 2012.

36

Figura 5 – Direitos homossexuais na África65

Percebe-se que o mundo vem alterando a sua visão acerca das relações homoafetivas. Muito ainda precisa ser feito, principalmente com relação à descriminalização dessas relações, especialmente na África e na Ásia.

65

ILGA - Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos. Disponível em: . Acesso em: 2. jun. 2012.

37

4 REGISTRO NO BRASIL DE CASAMENTO REALIZADO NO ESTRANGEIRO Até aqui já se viu como o casamento brasileiro é regulado, o que é homoafetividade, e os países que permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, os que possuem parcerias e uniões homossexuais, os considerados neutros e aqueles que criminalizam a conduta homoafetiva. Neste capítulo, tratar-se-á das regras para o registro de casamento realizado no estrangeiro e da possibilidade desse registro por casais homoafetivos, com base em regras do direito internacional privado, nos princípios constitucionais brasileiros e nas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.

4.1 Registro de casamento realizado no estrangeiro Para ter eficácia plena no direito brasileiro, os fatos ocorridos no direito alienígena necessitam ser conhecidos no Brasil, ou seja, precisam ser registrados. Segundo Paulo Henrique Gonçalves Portela, “o casamento realizado no exterior produz efeitos no Brasil, independentemente de qualquer registro em nosso país, impedindo outro matrimônio”. 66 O autor faz essas considerações baseado em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a saber: CIVIL. CASAMENTO REALIZADO NO ESTRANGEIRO, SEM QUE TENHA SIDO REGISTRADO NO PAÍS. O casamento realizado no exterior produz efeitos no Brasil, ainda que não tenha sido aqui registrado. Recurso Especial conhecido e provido em parte, tão-só quanto à fixação dos honorários de advogado. 67 CIVIL. CASAMENTO REALIZADO NO ESTRANGEIRO. MATRIMÔNIO SUBSEQÜENTE NO PAÍS, SEM PRÉVIO DIVÓRCIO. ANULAÇÃO. O casamento realizado no estrangeiro é válido no país, tenha ou não sido aqui registrado, e por isso impede novo matrimônio, salvo se desfeito o anterior. Recurso especial não conhecido. 68

Então, por que registrar?

66

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções de direitos humanos e de direito comunitário. 3. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2011, p. 655. 67 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça - T3 - Terceira Turma. RE no RESP 440443. Relator(a): Ministro Edson Vidigal. Brasília, 24. set. 2003. DJ 10. out. 2003. Disponível em: . Acesso em: 02. jun. 2012. 68 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça - T3 - Terceira Turma. REsp 280197 / RJ Recurso Especial 2000/0099301-8. Relator(a): Ministro Ari Pargendler. DJ 05. ago. 2002, p. 328. Disponível em: . Acesso em: 02. jun. 2012.

38

Para dar publicidade ao casamento celebrado no exterior e provar sua ocorrência 69 – seja para evitar a ocorrência da bigamia, quando da habilitação para casamento; seja para desfrutar de todos os efeitos do casamento (já vistos aqui no subtítulo 2.7). O registro civil é, segundo Washington de Barros Monteiro, “o conjunto de atos tendentes a demonstrar prova segura e certa do estado das pessoas”.70 Para Andréa Albuquerque, “ele fornece os meios probatórios fidedignos, cuja base reside na sua publicidade, com função específica de provar a situação jurídica do que foi registrado e tornála conhecida de terceiros”71. A Lei nº 6.015 (Lei de Registros Públicos) em seu art. 29, II dispõe que: Serão registrados no registro civil de pessoas naturais: [...] II - os casamentos. Já, em seu art. 129, § 6º esta lei dispõe que: Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: [...] 6º) todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal;

Com relação ao casamento de brasileiros, essa lei dispõe: Art. 32. Os assentos de nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em país estrangeiro serão considerados autênticos, nos termos da lei do lugar em que forem feitos, legalizadas as certidões pelos cônsules ou quando por estes tomados, nos termos do regulamento consular. § 1º Os assentos de que trata este artigo serão, porém, transladados nos cartórios de 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal, em falta de domicílio conhecido, quando tiverem de produzir efeito no País, ou, antes, por meio de segunda via que os cônsules serão obrigados a remeter por intermédio do Ministério das Relações Exteriores

Assim, casamento realizado no exterior em que um dos cônjuges seja brasileiro é traslado no Cartório de Registro Civil de pessoas naturais; já os casamentos de estrangeiros que venham fixar residência no Brasil, o registro ocorre no cartório de títulos e documentos. Contudo, há a possibilidade do registro de casamento de estrangeiros ser feito no Cartório de Registro Civil caso um ou ambos os cônjuges naturalizem-se brasileiros72.

69

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson apud PORTELA, ibidem, p. 656. MONTEIRO, Washington de Barros apud ALBUQUERQUE, Andréa. O casamento no exterior e seus efeitos. Disponível em: . Acesso em: 02. jun. 2012. 71 ALBUQUERQUE, op. cit. 72 ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 3. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. Neste sentido: - CASAMENTO DE ESTRANGEIROS NO EXTERIOR. POSTERIOR NATURALIZAÇÃO DE AMBOS OS CONJUGES PELA LEI BRASILEIRA. TRANSCRIÇÃO DO REGISTRO DE CASAMENTO NO BRASIL, INCLUSIVE PARA POSSIBILITAR AVERBAÇÃO DE SENTENÇA HOMOLOGATORIA DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL AQUI OCORRIDA. RECURSO 70

39

O registro só não ocorre se forem contrários ao disposto no art. 17 do Decreto-Lei n.º 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro), que dispõe: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”. A soberania nacional seria o plano político; a ordem pública seria o plano jurídico e econômico e; os bons costumes, o plano moral, de acordo com Jacob Dolinger. Para o autor, dentre esses elementos, a ordem pública e os bons costumes são os mais discutidos, em especial a ordem pública. 73 Amilcar de Castro fala que a redação desse artigo deveria limitarse à ordem pública, sendo os outros elementos supérfluos. 74 Para Dolinger a “ordem pública não é um fator imanente à norma jurídica. Esta pode ser imperativa, proibitiva, ter caráter obrigatório, ius cogens, mas a característica da ordem pública é exógena”. 75 A ordem pública é subjetiva e: [...] se afere pela mentalidade e pela sensibilidade médias de determinada sociedade em determinada época. Aquilo que for considerado chocante a esta média, será rejeitado pela doutrina e repelido pelos tribunais. Em nenhum aspecto do direito o fenômeno social é tão determinante como na aferição do que fere e do que não fere a ordem pública. Compatível ou incompatível com o sistema jurídico de um povo – eis a grande questão medida pela ordem pública – para cuja aferição a Justiça deverá considerar o que vai na mente e no sentimento da sociedade. Daí ter sido a ordem pública comparada à moral, aos bons costumes, ao direito natural, e até à religião.76

Dolinger adverte para o fato que o princípio da ordem pública só deve ser aplicado quando a lei estrangeira for manifestamente incompatível, tendo em vista que este princípio possui maior abrangência e o maior poder de restringir a livre aplicação de normas alienígenas. Não se percebe manifesta incompatibilidade com a ordem pública no caso do registro de casamento homoafetivo realizado no estrangeiro pois, como já foi visto aqui nos títulos 2.4, 2.5, 2.6, não há lei que impeça ou que anule tal casamento.

EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO PARA ESSE FIM. INTERPRETAÇÃO DO § 1º DO ART. 32 DA LEI DE REGISTROS PUBLICOS (Nº 6.015, DE 31/12/73) E O DO ART. 137 DO DECRETO-LEI FEDERAL Nº 941, DE 18/10/69 (SUBSTITUIDO PELO ART. 121 DA LEI 6.815, DE 19/08/80). (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RE 94035, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Primeira Turma, julgado em 02/10/1984, DJ. 26. out. 1984. Disponível em: . Acesso em: 12. jun. 2012.) 73

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 8. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 387. 74 CASTRO, Ibidem. 75 DOLINGER, ibidem, p. 395. 76 DOLINGER, ibidem, p. 386-387.

40

Além disso, no Direito Internacional Privado há a Teoria dos Direitos Adquiridos, proposta por Antoine Pillet no início do século XX, e esta dispõe que: “um direito que tenha sido regularmente adquirido em um país, de acordo com as leis ali vigentes, pode ser invocado e produzirá seus efeitos em outro país.”

77

Esta teoria difere-se, entretanto, com o

conflito de leis, pois a lei já foi aplicada, discutindo-se somente sobre o reconhecimento de seus efeitos em solo estrangeiro 78. Para Dolinger, a teoria dos direitos adquiridos decorre do princípio da ordem pública, e na medida em que esta é identificada com moral, ela “proíbe que o indivíduo seja espoliado de direito que já se incorporou em seu patrimônio.” 79

4.2 Princípios Constitucionais O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República (art. 1º, III, Constituição Federal). José Luiz Ragazzi e Thiago Munaro Garcia consideram-no um macroprincípio, “núcleo fundante, estruturante e essencial de todos os direitos fundamentais previstos na ordem constitucional”. 80 A dignidade é, para Kant, o valor absoluto da racionalidade humana, valor intrínseco da pessoa, que a caracteriza como um fim em si mesma e está relacionada à sua autonomia de vontade.81 A dignidade humana é, portanto, o atributo que faz com que a pessoa seja respeitada em toda a sua existência e dimensão, independente das escolhas que, como ser racional, vier a fazer. Evidente que se essas escolhas forem ilícitas e contrárias à sociedade, a pessoa arcará com as consequências do ato, mas, ainda assim, qualquer tipo de punição ou reprimenda que vier a sofrer deverá respeitar a dignidade do ser humano.82

Sendo a dignidade da pessoa humana um macro princípio, de onde derivam todos os outros princípios somente pela análise dele, e sua consequente aplicação na problemática que aqui se discute, teríamos uma solução, pois “[...] qualquer tentativa de restringir direitos a um grupo de pessoas, única e exclusivamente por conta de sua orientação sexual é negar-lhes a própria dignidade [...]”.83

77

DOLINGER, ibidem, p. 455. DOLINGER, ibidem, p. 455. 79 DOLINGER, ibidem, p. 474. 80 GARCIA, Thiago Munaro; RAGAZZI, José Luiz. Princípios constitucionais. IN: Diversidade sexual e direito homoafetivo. Coord. Maria Berenice Dias. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2011, p. 179. 81 Idem, ibidem, p. 179-180. 82 Idem, ibidem, p. 180. 83 Idem, ibidem, p. 181. 78

41

Garcia e Ragazzi complementam afirmando que “além disso, assumindo a condição de princípio basilar da ordem constitucional, a dignidade da pessoa humana serve diretriz material para a identificação de direitos implícitos, porém identificáveis, de acordo com os fundamentos e objetivos consagrados pela Constituição”.84 Para Cláudio José Amaral Bahia, a constitucionalidade do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana irradia quatro efeitos dentro da ordem jurídica brasileira: a) reverência à igualdade entre os homens (art. 5º, I, Constituição Federal); b) impedimento à consideração do ser humano como objeto; c) garantia de um patamar existencial mínimo; d) impossibilidade da orientação sexual do indivíduo ser visto como critério de discriminação.85

Assim, decorrem do princípio da dignidade humana os princípios da igualdade, da liberdade, da não-discriminação, entre outros, os quais serão melhor explanados, para melhor fundamentação da possibilidade jurídica do registro no Brasil de casamento homoafetivo realizado no estrangeiro. O princípio da igualdade está previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal, in verbis: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”86. Para Taísa Ribeiro Fernandes: o princípio da igualdade (ou da isonomia) é básico fundamental, o princípio dos princípios (CF, art. 5.º, caput). Veda discriminações imotivatas, proíbe dinstições injustificadas, inadmite privilégios. Não há Democracia onde não sejam todos iguais perante a lei, sem distinções arbitrárias, desarrazoadas.87

O princípio da igualdade possui dois aspectos: o formal e o material. O aspecto formal, segundo Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, “[...] determina igual aplicação do direito vigente a todos os indivíduos, sem consideração das características pessoais específicas dos cidadãos88 sujeitos à legislação aplicada”.89 Já o aspecto material determina “que deve ser dado o mesmo tratamento jurídico aos indivíduos que se encontrem em igual situação, ao passo aos que se encontram em situação diversa deve ser dado um tratamento jurídico diverso”.90

84

Idem, ibidem, p. 182. BAHIA, Claudio José Amaral. Proteção constitucional à homossexualidade. Leme/SP: Mizuno, 2006, p. 50. 86 Grifo nosso. 87 FERNANDES, ibidem, p. 151-152. 88 O termo que deveria ser utilizado aqui pelo autor, contudo, é seres humanos – ou qualquer outro termo mais amplo – abrangendo a todos, tendo em vista que nem todos os seres humanos possuem cidadania, e a lei não faz distinções dessa natureza [N. A.]. 89 VECCHIATTI, ibidem, p. 113. 90 VECCHIATTI, ibidem, p. 116. 85

42

Sobre o esse aspecto Alexandre de Moraes ensina que: A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitraria um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.91

Assim, não havendo justificativas objetivas e razoáveis para a discriminação dos casais homoafetivos, não resta obstáculos para a permissão do direito ao casamento, em conformidade com o princípio da igualdade. Também previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal, o princípio da liberdade é uma das heranças da Declaração de direitos do homem e do cidadão, de 1789, sendo marcado como um dos direitos humanos de 1ª geração. A Declaração de 1789 conceitua liberdade como: [...] poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.92

É um princípio amplo, que pode abarcar em sua interpretação várias acepções. José Luiz Ragazzi e Thiago Munaro Garcia lecionam que: Tamanha a sua amplitude, o direito de liberdade é multifacetado, pois várias são as situações da vida em que o ser humano, exercendo a sua autonomia pessoal, poderá escolher o caminho que melhor lhe convier. Liberdade de expressão, liberdade de credo, liberdade de associação, liberdade de desenvolvimento da própria personalidade e, naturalmente, liberdade de amar e se relacionar com quem quer seja, independente do sexo. 93

Desta forma, não possibilitar o registro do casamento de casais homoafetivos é obstar o direito de liberdade, ferindo, consequentemente, a dignidade dessas pessoas, que apesar de terem tido a liberdade de escolher com quem casaram, independente do sexo, não possuem a liberdade de usufruir essa liberdade aqui no Brasil. O princípio da não discriminação está disposto como objetivo fundamental da Republica Federativa do Brasil, no art. 3º da Constituição Federal, a saber: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV - promover o bem de todos,

91

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 36. FRANÇA. Declaração de direitos do homem e do cidadão – 1789. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012. 93 GARCIA; RAGAZZI. Ibidem, p. 183. 92

43

sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Também está presente no art. 5º, no inciso XLI, autorizando a criação de legislação punitiva quando houver qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. É fato que, no atual sistema normativo brasileiro, a correta interpretação e aplicação da Constituição da República Federativa de 1988, de seus objetivos, fundamentos e princípios, nos leva a concluir que é possível o reconhecimento das uniões homoafetivas e, consequentemente, o registro de casamento entre pessoas do mesmo sexo realizado no estrangeiro.

4.3 Tribunais Superiores e a União Estável Homoafetiva Em 05 de Maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou conjuntamente duas ações: uma Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI n.º 4.277) e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n.º 132). A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi protocolada em 27 de fevereiro de 2008 por Sérgio Cabral, Governador do Estado do Rio de Janeiro, e pela Procuradora-Geral do Estado, Lucia Lea Guimarães Carvalho requerendo, em síntese, a equiparação jurídica da união estável heteroafetivas com as uniões homoafetivas, em decorrência dos preceitos fundamentais da igualdade, liberdade, dignidade e segurança jurídica.94 A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta inicialmente como Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental pela Procuradoria Geral da República, assinada por Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira requerendo que fosse declarado como obrigatório o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, desde que preenchidos os mesmos requisitos necessários para a configuração da união estável entre homem e mulher, e que os mesmos deveres e direitos originários da união estável fossem estendidos aos companheiros nas uniões homoafetivas.95

94

RIO DE JANEIRO. Procuradoria Geral do Estado. Petição Inicial. ADPF n. 132. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012. 95 BRASIL. Procuradoria Geral da República. Petição Inicial. ADI n. 4277. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012.

44

Essas ações representaram a mudança de visão jurídica das uniões homoafetivas, que eram discriminadas e excluídas por parte do judiciário. Dessa desse julgamento tem-se a seguinte jurisprudência: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃOREDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo

45

Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.96

O teor da decisão desse julgamento é de grande importância pois é vinculante e erga omnes, a saber: Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal conheceu da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 como ação direta de 96

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 4277. ADPF n. 132. Relator(a): Min. Ayres Britto. DJe-198 1410-2011. Disponível em: . Acesso em: 18. mar. 2012. Grifo nosso.

46

inconstitucionalidade, por votação unânime. Prejudicado o primeiro pedido originariamente formulado na ADPF, por votação unânime. Rejeitadas todas as preliminares, por votação unânime. Em seguida, o Tribunal, ainda por votação unânime, julgou procedente as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre a mesma questão, independentemente da publicação do acórdão.97

A partir desse julgamento, com relação ao casamento, o que se pensou foi que com a possibilidade de conversão da união estável para o casamento, esse seria o caminho tomado por aqueles que o desejassem. Contudo, recente julgado do STJ permitiu a habilitação para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, de acordo com a jurisprudência a seguir: DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. 1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família.

97

Idem. Ibidem. Grifo nosso.

47

6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união. 8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar. 9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos. 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis. 11. Recurso especial provido.98

Essas duas decisões, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, são as principais que fundamentam a possibilidade do registro no Brasil de casamento homoafetivo realizado no estrangeiro.

98

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – T4 - Quarta Turma. REsp 1183378/RS, Relator: Min. Luis Felipe Salomão. DJe 01/02/2012. Disponível em: . Acesso em: 12. Jun. 2012.

48

5 CONCLUSÃO A Constituição Republicana de 1988 preconiza como seus fundamentos a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana e como seus objetivos construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Pergunta-se, então: onde está a dignidade daquela família que não pode se constituir como tal perante a sociedade? Cadê a cidadania daqueles que não podem suceder em favor de seus companheiros? Como se pode promover o bem de todos, sem preconceitos, se é negado o direito ao casamento a um casal? Deve-se perceber que há um novo conceito de família, desconectado da típica estrutura do casamento (pai, mãe e filhos) mas ligado à relação intima de afeto. Assim como, deve-se romper com os laços que visam apenas a manutenção de uma sociedade preconceituosa, sexista, discriminatória, especialmente os que advém de convicções religiosas. Ora, se todo juízo moral varia conforme a cultura em relação ao tempo e o Brasil é considerado um Estado laico, separado da religião, essas convicções não devem ser levadas em consideração. A moral modifica-se com o tempo. Se antes era considerado imoral uma mulher ser desquitada, hoje o divórcio é uma realidade social. São mudanças que vem para melhorar a condição da vida em sociedade. Da mesma forma, há uma proliferação de igrejas e religiões por todo Brasil, sem que haja proibição da liberdade de se aderir a qualquer uma delas (ou nenhuma). Negligenciar as famílias homoafetivas é negar direitos à seres humanos como qualquer outro. não se fala aqui somente nos direitos de sucessão, nos direitos à alimentos, no direito à previdência, à ser dependente no plano de saúde, mas também naqueles direitos mais sensíveis como vocação para curadoria, o direito de visita íntima em presídios, o direito de dispor os órgãos para transplante, entre outros. Situações em que são costumeiras e simples para casais de sexos diferentes, são raras e difíceis a casais de sexo diferentes, tornando a vida mais cansativa, malogrando a busca por “felicidade”, especialmente a “felicidade” conjunta. Assim, não há obstáculos, dentro do sistema normativo brasileiro, para o registro de casamento entre pessoas do mesmo sexo, obtendo, assim, todos os efeitos decorrentes desse registro.

49

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Andréa. O casamento no exterior e seus efeitos. Disponível em: . Acesso em: 02. jun. 2012. ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 3. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. BACCI, Irina; CORREA, Sonia Onufer; MELLO, Eduardo Piza Gomes; RIOS, Roger Raupp. Homofobia e impunidade no Brasil. IN: ITABORAHY, Lucas Paoli. Homofobia do Estado – Maio de 2012. ILGA - Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos. Disponível em: . Acesso em: 2. jun. 2012. BAHIA, Claudio José Amaral. Proteção constitucional à homossexualidade. Leme/SP: Mizuno, 2006. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 15. jun. 2012. BRASIL. Decreto-Lei n. 4.657/1942. Disponível: . Acesso em: 15. jun. 2012. BRASIL. Lei n. 6.015/73. Disponível: .Acesso em: 15. jun. 2012. BRASIL. Lei n. 10.406/2002. Disponível: . Acesso em: 15. jun. 2012. BRASIL. Procuradoria Geral da República. Petição Inicial. ADI n. 4277. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RE 94035, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Primeira Turma, julgado em 02/10/1984, DJ. 26. out. 1984. Disponível em: . Acesso em: 12. jun. 2012. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça - T3 - Terceira Turma. RE no RESP 440443. Relator(a): Ministro Edson Vidigal. Brasília, 24. set. 2003. DJ 10. out. 2003. Disponível em: . Acesso em: 02. jun. 2012. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça - T3 - Terceira Turma. REsp 280197 / RJ Recurso Especial 2000/0099301-8. Relator(a): Ministro Ari Pargendler. DJ 05. ago. 2002, p. 328. Disponível em: . Acesso em: 02. jun. 2012.

50

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – T4 - Quarta Turma. REsp 1183378/RS, Relator: Min. Luis Felipe Salomão. DJe 01/02/2012. Disponível em: . Acesso em: 12. Jun. 2012. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 4277. ADPF n. 132. Relator(a): Min. Ayres Britto. DJe-198 14-10-2011. Disponível em: . Acesso em: 18. mar. 2012. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4277. Voto do Ministro Celso de Mello. Disponível em: . Acesso em: 18. mar. 2012. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Apelação Cível 2000.04.01.073643-8, Sexta Turma, Relator: Nylson Paim de Abreu, DJ 10. Jan. 2001. Disponível em: . Acesso em: 12. Jun. 2012. CASTRO, Amicar de. Direito internacional privado. 6. ed. aum. e atualizada com notas de rodapé por Carolina Cardoso Guimarães Lisboa. Rio de Janeiro: Forense, 2008. CHAVES, Marianna. União homoafetiva: breves notas após o julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277 pelo STF. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2896, 6 jun. 2011 . Disponível em: . Acesso em: 17 jun. 2012. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, volume 5. São Paulo: Saraiva, 2006. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. _____________. União homossexual – o preconceito e a justiça, 3. ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 8. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. FACCHINI, Regina; SIMÕES, Júlio Assis. Do movimento sexual ao LGBT. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009. FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões sexuais e seus aspectos jurídicos. São Paulo: Editora Método, 2004. FRANÇA. Declaração de direitos do homem e do cidadão – 1789. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, Volume VI: Direito de família – As famílias em perspectiva constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011. GOMES, Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2002. GONÇALVES, Carlos, Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 6: direito de família. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. GARCIA, Thiago Munaro; RAGAZZI, José Luiz. Princípios constitucionais. IN: Diversidade sexual e direito homoafetivo. Coord. Maria Berenice Dias. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2011. GUIMARÃES, Anibal. Sexualidade heterodiscordante no mundo antigo. IN: Diversidade sexual e direito homoafetivo. Coordenação Maria Berenice Dias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. HOMOSSEXUAL, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2010, Disponível em: . Acesso em: 2105-2012. ILGA - Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos. Disponível em: . Acesso em: 2. jun. 2012. ITABORAHY, Lucas Paoli. Homofobia do Estado – Maio de 2012. ILGA - Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos. Disponível em: . Acesso em: 2. jun. 2012. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. NUNAN, Adriana. Homossexualidade: do preconceito aos padrões de consumo. Rio de Janeiro: Caravansarai, 2003. PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado: incluindo noções de direitos humanos e de direito comunitário. 3. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2011. RIO DE JANEIRO. Procuradoria Geral do Estado. Petição Inicial. ADPF n. 132. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família: volume 6. 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali, de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2004. RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. (Trad. da 6a edição italiana por Paolo Capitanio; atual. por Paulo Roberto Benasse). Campinas: Bookseller, 1999.

52

SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. Adoção por Casais Homossexuais. Revista Brasileira de Direito de Família. n. 30:124, 2005, p. 132. SIMÕES, Lisângela. Estudo semântico e diacrônico do sufixo -dade na língua portuguesa. 2009. Dissertação (Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: . Acesso em: 2012-05-21. VECCHIATTI, Para Paulo Roberto Iotti. Manual da homoafetividade: da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2008. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012. WALD, Arnold. O novo direito de família. 15. ed. rev. atual. e ampl. pelo autor, de acordo com a jurisprudência e com o novo Código Civil. (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), com a colaboração da Profª Pricila M. P. Corrêa da Fonseca. São Paulo: Saraiva, 2004.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.