Casas e montes da serra entre as estremas do Alentejo e do Algarve. Forma, processo e escala no estudo da arquitetura vernacular.

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Miguel Reimão Costa Miguel Reimão Costa

“Na maior parte dos montes, desde o Baixo Guadiana à Vertente Ocidental, os seus habitantes justificam reiteradamente a génese destes vãos entaipados ao conturbado período da guerra civil de Oitocentos quando a Serra serviu de retiro e quartel às guerrilhas miguelistas que, segundo contam, acometiam uma e outra vez, contra as populações destes lugares. Estes conjuntos de maiores dimensões aparecem assim associados à ideia de uma organização quase labiríntica de percursos longitudinais e de ligação entre as varias habitações que, em caso de perigo, ofereciam uma rede de trajetos alternativos de fuga para os barrancos próximos onde, como descrevem, se acantonaram então muitas vezes os seus antepassados. Independentemente da veracidade desta narrativa que, como dissemos, se repete em inúmeros e distantes lugares da Serra, ela acaba por traduzir, em cada um destes testemunhos, a ideia de uma grande casa comum. Ainda que apareça associada a circunstâncias históricas muito adversas, esta ideia da grande casa comum constitui uma alegoria do monte entendido enquanto habitação de uma grande família alargada (no sentido genérico do termo) ou, pelo menos, como conjunto edificado inerente a uma comunidade marcada por intricadas relações de parentesco, permitindo-nos compreender, de uma outra forma, a organização característica destes assentamentos no período moderno, desde a escala dos conjuntos edificados até à escala do espaço maior do rossio”.

CASAS E MONTES DA SERRA ENTRE AS ESTREMAS DO ALENTEJO E DO ALGARVE

Miguel Reimão Costa é Professor Auxiliar na Faculdade de Ciências e Tecnologia

Forma, processo e escala no estudo da arquitetura vernacular

2004 foi membro da cooperativa de projetos Cooptar, em Faro, onde foi coautor

da Universidade do Algarve. Nasceu em Faro em 1971. É arquiteto pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto desde 1995. Completou a sua formação enquanto estudante e arquiteto em Nápoles, Macau, Nova Iorque e Sevilha. Até de diversos projetos de arquitetura, alguns dos quais publicados em revista da especialidade. Coordenou o Gabinete Técnico de Apoio às Aldeias do Algarve – Sotavento (Ccdr Algarve) entre 2001 e 2004. Foi o investigador responsável pelo projeto “Património Rural Construído do Baixo Guadiana” (Odiana / Leader 3B – Medocc). Em 2009 prestou provas de doutoramento na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, concluindo a sua investigação na condição de bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. É, desde o início de 2013, o

Forma, processo e escala no estudo da arquitetura vernacular

CASAS E MONTES DA SERRA ENTRE AS ESTREMAS DO ALENTEJO E DO ALGARVE

investigador responsável pelo projeto “Arquitetura tradicional da vila e do termo

a

de Mértola” (CAM / InAlentejo). É atualmente investigador integrado do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património / Campo Arqueológico de Mértola (CEAACP/CAM) e membro do Centro de Estudos em Património, Paisagem e Construção da Universidade do Algarve (CEPAC).

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casas e montes da serra entre as estremas do alentejo e do algarve. forma, processo e escala no estudo da arquitetura vernacular

Edição com apoio:

Título Casas e montes da Serra entre as estremas do Alentejo e do Algarve. Forma, processo e escala no estudo da arquitetura vernacular Autor Miguel Reimão Costa © 2014, Edições Afrontamento, Lda. Edição Edições Afrontamento, Lda. Rua Costa Cabral, 859 – 4200-225 Porto www.edicoesafrontamento.pt [email protected] Coleção Álbuns/140 N.º de edição 1606 ISBN 978-972-36-1383-4 Depósito legal 381408/14 Impressão e acabamento Rainho & Neves, Lda. Santa Maria da Feira [email protected] Distribuição Companhia das Artes – Livros e Distribuição, Lda. [email protected] Outubro de 2014

Índice Algumas palavras introdutórias, Alexandre Alves Costa

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Duas palavras, Cláudio Torres

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Nota Prévia

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Introdução

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I PARTE – A SERRA E AS SERRAS

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Capítulo 1 – Âmbito de estudo como espaço de identidade à dimensão do território e do processo histórico Do território físico e do assentamento à delimitação do perímetro de estudo As diferentes subunidades da área de estudo Consolidação do actual padrão de ocupação da Serra Os recursos e os espaços da paisagem A propriedade, os lavradores, os seareiros e os caseiros O espaço comum e o espaço privado As arroteias e as terras incultas II PARTE – A CASA E AS CASAS Capítulo 2 – Da casa como construção elementar à casa dispersa pelo monte O nome das casas A casa de fora, a casa de dentro, a casa de fogo e as dependências Organização agregada ou dispersa dos diferentes espaços da habitação

27 29 35 46 52 59 64 70 75 77 79 82 93

Capítulo 3 – Da casa de trave à casa de espigão Os sistemas de organização da arquitetura da Serra: método para uma leitura diacrónica As casas de trave As casas de uma nave A casa de espigão

107 114 115 127 140

Capítulo 4 – A casa do lavrador A organização da habitação do lavrador no contexto da arquitetura da Serra Casas baixas e casas altas nalguns conjuntos de lavrador do Baixo Guadiana à Vertente Ocidental Sobreposição e contiguidade na transformação da habitação do lavrador

161 164 168 205

Capítulo 5 – Os materiais e os mesteres: da construção na arquitetura serrana Os materiais do lugar e os trazidos de fora A execução das paredes (sistemas maciços e sistemas ligeiros) A execução das coberturas e dos pavimentos (sistemas orgânicos e sistemas seriais) A transformação da imagem da habitação O espaço exterior como espaço da habitação, a construção das fornalhas e os fornos de pão Alguns casos especiais de construções apartadas: a cobertura em terra e a cobertura em materiais vegetais

215 216 223 234 242 250 254

III PARTE – O MONTE E OS MONTES Capítulo 6 – Do lugar e da história do monte O lugar como síntese

275 277 278

Permanência e transformação na organização da habitação corrente A evocação dos montes colmados A superfície livre e a organização dos aglomerados do Antigo Regime O parcelamento da habitação como principio fundamental de conformação dos assentamentos da Serra Os diferentes padrões do monte da Idade Contemporânea A transformação dos assentamentos das herdades a partir do advento do Liberalismo

286 289 292 302 306 310

Capítulo 7 – O monte na relação com os montes em volta nas diferentes subunidades da Serra O Baixo Guadiana, os montes do rio e os montes das achadas A Vertente Ocidental e os montes da serra fragosa A Serra de Tavira e os montes dos limites A Serra Alta e os montes da aldeia de Cachopo A Serra Alta e os montes da estrada Afinidades com a arquitetura de outras geografias: oportunidade para uma síntese sobre os montes da Serra

315 315 330 338 347 355 369

Conclusão

381

Referências bibliográficas

387

Anexos Anexo 1: Glossário Anexo 2: Transcrição de alguns testemunhos sobre as serras, as casas, e os montes

403 407

Algumas palavras introdutórias Tentarei, como sempre faço em circunstâncias semelhantes, não aproveitar a oportunidade de abrir, com um texto da minha autoria, o trabalho de Miguel Reimão Lopes da Costa, para pôr à prova as minhas qualidades ensaísticas (ou a falta delas), mas tão só, exprimir o meu respeito pela excecionalidade daquele, cuja leitura sintética ou análise crítica me dispenso de fazer, não estabelecendo algo que se assemelhe a uma sua arguição, fora do tempo. Acompanhei a elaboração desta investigação como uma espécie de suporte moral e solidário, sempre com a sensação de que a solidez das convicções do autor e a sua determinação apaixonada não necessitariam para nada das minhas, embora parcas, palavras de apoio. Menos necessitariam de algumas interrogações de natureza mais académica que fui fazendo sobre a definição do objeto e sua pertinência, interrogações que nunca tiveram resposta por se terem mostrado, elas sim, sem pertinência. E fui ficando maravilhado com o que me foi sendo revelado sobre a forma, o processo e a escala das casas e montes da Serra, entre as estremas do Alentejo e do Algarve, que me levaria a um périplo por aqueles lugares. Tinha razão Fernando Távora que considerava a arquitetura popular a (…) mais verdadeira, a mais funcional e a menos fantasiosa (…) lição de arquitetura1. Apetece-me dizer que desde os célebres e celebrados olhares seminais sobre a arquitetura vernacular de que dá nota sintética João Leal2, não tinha tido a satisfação intelectual de me confrontar com uma análise tão profunda, completa e inovadora do ponto de vista metodológico, como o trabalho que agora se publica. Apesar desta investigação, de alguma forma, integrar e suplantar qualquer dos referidos “olhares”, do ponto de vista formal, a sua abordagem aproxima-se mais do Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal, promovido pelo Sindicato Nacional dos Arquitetos, não tanto do ponto de vista da sua razão de ser original, de aproximação do popular ao moderno, mas pela capacidade de utilizar a competência e utensilagem próprias da disciplina da arquitetura na análise e compreensão das formas e da sua evolução no tempo. O autor demonstra a sua consciência deste facto quando escreve na Introdução ao seu trabalho:

1. Fernando Távora – O problema da casa portuguesa. Porto: Aléo, 1945. 2. João Leal – Arquitectos, Engenheiros, Antropólogos: Estudos sobre Arquitectura Popular no Século XX Português. Conferência Arquitecto Marques da Silva 2008. Porto: Fundação Instituto Arquitecto José Marques da Silva, 2009.

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Considerando o carácter despojado da arquitetura serrana, esta investigação parte da hipótese de diversas fases do processo formativo serem reconhecíveis através de diferentes conceções de organização do espaço ainda legíveis, pelo menos nalguns casos, nos aglomerados da área de estudo. É, portanto, em função das próprias características da arquitetura da zona que a investigação acabará por privilegiar a dimensão sintática no estudo dos conjuntos edificados serranos, conferindo ao desenho um papel metodológico fundamental. O desenho em planta estender-se-á, em muitos casos, a todo o aglomerado, correspondendo a uma representação, que designaremos por “planta de conjunto”, compreendendo os diferentes níveis ou escalas de relação, desde a célula até ao edifício e ao tecido na formação do assentamento. Mas o que é mais interessante ainda, é que, ultrapassada a problemática que deu razão ao Inquérito, a investigação deste arquiteto/etnólogo (neste caso, também, historiador) mantém bem viva a natureza das pesquisas de Ernesto Veiga de Oliveira que esclarece a associação da arquitetura popular a um modo de vida determinado, o que, na perda daquele, torna a sua preservação, na maior parte dos casos, numa espécie de trágica disneylização. A leitura que o autor estabelece comprova a permanência de um campo importante de investigação seja, como refere João Leal, para o desenvolvimento de estudos mais detalhados sobre o tema, baseados em pesquisas conduzidas em áreas do país não cobertas ou insuficientemente aprofundadas pelos grandes inquéritos, ou pela sua abordagem à luz de problemáticas teoricamente renovadas em consequência do processo de transformação profunda dos campos portugueses e do valor patrimonial que a arquitetura popular adquiriu3. O autor reconhece, nas suas conclusões, que deixa âmbitos abertos na sua investigação, seja relativamente ao passado histórico, em períodos anteriores aos aqui abordados, considerando, ainda, a sua integração num território alargado a outras zonas do mediterrâneo, seja concernente ao presente, relevando a importância dos atuais padrões de transformação desta arquitetura num quadro de profunda mutação cultural e social. A este último aspeto de prefiguração do futuro, tão atraente para os arquitetos, soube resistir o autor, demonstrando um senso da dimensão e âmbito certos para o seu trabalho que terá, assim o esperamos, após a sua publicação e alguns incêndios destruidores, alguma sequência. Para nós, independentemente da vontade dos autores deste ou de outros trabalhos publicados ou em curso, sobre a temática da arquitetura vernacular, eles abrem novas e originais perspetivas de leitura da arquitetura portuguesa aferida, também, a partir de obras relegadas para um segundo longínquo plano B de apagamento e que ganham, assim, direito de cidadania, juntamente com as que já o tinham. A revelação que constituem, permite-nos, por outro lado, considerando a arquitetura vernacular uma espécie de retaguarda ou base de apoio, da chamada arquitetura erudita, continuar as reflexões iniciadas por Kubler onde a nossa produção disciplinar deverá ser avaliada em si própria, nas suas próprias idiossincrasias e contingências e não em relação a um absoluto4. Assim, se formos capazes de integrar as revelações

3. Idem, ibidem. p. 64. 4.  Jorge Figueira – A Periferia Perfeita, Pós-Modernidade na Arquitectura Portuguesa, Anos 60 – Anos 80. Dissertação de Doutoramento [policopiada]. Coimbra: Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2009.

algumas palavras introdutórias

que nos trazem trabalhos como este na historiografia contemporânea, ser-nos-á permitido analisar, discutir e criticar a Arquitetura Portuguesa, qualquer que seja o arco temporal a que nos referirmos sem a distinção, quase sempre arbitrária e simplista, entre arquitetura popular e erudita. Foi interessante para mim analisar a aplicabilidade ao caso tão singular dos montes serranos do Caldeirão Leste, do que eu próprio tinha escrito, em 1987, numa tentativa de determinar os valores permanentes da arquitetura portuguesa5. E neste jogo retrospetivo verificamos aquela aplicabilidade como se, num processo inverso, a partir deste caso, pudéssemos inferir a caracterização de toda a nossa arquitetura. E citando-me, para terminar, gostaria de relevar como, nos diversos territórios de ocupação portuguesa, se encontram claras expressões do que, desde a Idade Média, caracteriza a morfologia das nossas cidades que, tal como os montes serranos, se nos oferecem como organismos espontâneos, sendo, antes de mais, gestos de uma vontade forte executados por mãos experimentadas, numa compatibilização única de organicidade e de racionalidade, de entendimento da paisagem e da funcionalidade urbana6.

Porto, Maio de 2014 Alexandre Alves Costa

5.  Alexandre Alves Costa – Valores Permanentes da Arquitectura Portuguesa. Elaborado com base em Comunicação do autor ao 1.º Congresso do Património Luso Construído no Mundo, Lisboa, Março 1987. Revista Vértice, II série. Lisboa: Caminho. N.º 19 (Outubro, 1989). p. 109-111. 6. Idem, ibidem. p. 111.

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Duas palavras O camponês é alguém que sabe da terra, que conhece os seus segredos. É um homem culto, herdeiro de gestos ancestrais, das leis não escritas do sol e da chuva. Ele sabe como ninguém construir em pedra seca e em taipa. Ele entende profundamente as plantas, sabe podar e enxertar, distingue o tipo de solo para cada cultivo e o tempo de cada sementeira. Ele conhece bem o seu território, palmo a palmo, os caminhos do pastoreio, chama pelo nome, cada ovelha, cada cabra. Ela, a camponesa, gere com saber a casa e os gestos cúmplices da cozinha. Aconchega às brasas da lareira a panela do caldo onde cozem lentamente algumas couves, um punhado de feijões e um fio de azeite. Ela atalha com firmeza as regueiras de água fresca da horta, monda os bravios, alimenta a capoeira e lava no açude as roupas suadas do trabalho. Eles são especialistas no trato com os animais. O seu valor e capacidade de resistência estão na diversidade dos seus múltiplos conhecimentos, na síntese dos seus saberes que mergulham nos alvores da humanidade. Eles sabem também ser solidários na sua comunidade. Ele é irmão do seu irmão, ele é amigo do seu amigo e ela não só está disposta a defender ferozmente as suas hortas ou o seu rebanho, como também é capaz de gestos do mais profundo desprendimento. É este mundo escondido e gravemente fragilizado que o Miguel Reimão tem vindo a desvendar, penetrando respeitosamente no espaço lajeado da cozinha ou nas recatadas alcovas onde os restos de uma família alargada guardam as memórias cada vez mais esbatidas e os sonhos perdidos num futuro sombrio. Com os olhos atentos e as mãos sempre ocupadas a esticar os fios de medição, o arquiteto descobre outras formas de construir, outras maneiras de rebocar e pintar, outros gestos para assentar pavimentos, outros espaços onde homens e animais sempre souberam coabitar. As casas prolongam-se em banda criando quase sempre um outro espaço protegido onde rumina a velha mula. Mais além será acrescentado mais um quarto e cozinha quando nasce, ou melhor, quando nascia um novo casal. Primeiro foi uma forte emigração e depois o mais brutal abandono. A vida era cada vez mais rara, a água era pouca e o poço, mesmo que não secasse durante a canícula, não chegava para todos e muito menos para mais horta. A Serra, na sua fantástica riqueza e diversidade, está moribunda, abandonada pelos seus habitantes, formatados por uma sociedade que os catalogou de analfabetos e os obrigou a alimentar as massas urbanas disponíveis para trabalhos precários e bolsas de desemprego. O Miguel Reimão sabe o que quer do seu longo e meticuloso levantamento. Ele conhece como poucos os cantos da Serra. Conhece os povoados que entretanto já morreram, quantas casas já caíram, quantos muros

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já derrubados permitiram que as enxurradas levassem as terras mais férteis das várzeas. Ele sabe também que o primeiro sinal de salvaguarda deste frágil património passa pela compreensão dos gestos e saberes destas comunidades camponesas, pelo registo exaustivo do seu espólio arquitetónico. Este tem sido o longo e atento esforço do Miguel e esta é uma parte indispensável do trabalho coletivo, sobretudo político, necessário para salvar e recuperar este mundo rural que ao longo dos séculos e mesmo milénios definiu e dignificou todo este território.

Cláudio Torres

Nota prévia Por um conjunto de diferentes circunstâncias, integrei, a partir do início de 2000, um gabinete criado com o desígnio de realizar diversos projetos para algumas aldeias localizadas nas áreas de baixa densidade da região oriental do Algarve (Gtaa_Sotavento). A importância programática da vertente de reabilitação e a parca informação então existente sobre o património rural construído destes territórios impeliram esta equipa para um processo de investigação que, entre tempos apertados, se haveria de deslocar das aldeias para os montes onde os conjuntos edificados se encontravam melhor preservados. Mais tarde, o âmbito de uma tese de doutoramento acabaria por se revelar enquanto oportunidade para prosseguir o estudo desta arquitetura, com recurso a uma bolsa de doutoramento concedida pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BD/16859/2004, cofinanciamento POCI 2010 e FSE). O curso que a investigação tomaria a partir de então não pode ser dissociado daqueles que foram os seus orientadores. Gostaria de agradecer em primeiro lugar ao professor Alexandre Alves Costa a pertinência das suas interrogações, o apoio fundamental e a confiança nas diferentes fases desta pesquisa e o interesse manifestado pelo objeto de estudo que o levaria, também a ele, num périplo pelos montes da Serra. De igual modo, agradeço ao professor Cláudio Torres, de há muito entusiasta das diferentes expressões do património vernacular, a atenção que dedicou a este trabalho, acrescentando-lhe sempre, com as suas sugestões, uma dimensão mais abrangente. Gostaria também de agradecer ao professor José Eduardo Horta Correia, ao professor Benjamim Pereira e ao professor Sérgio Fernandez o modo como, em diferentes circunstâncias, contribuíram para a realização deste trabalho, bem como aos professores Francisco Barata Fernandes, José Aguiar, José António Bandeirinha, José Miguel Rodrigues e João Pedro Xavier os comentários e as questões relevantes que colocaram no dia das provas públicas em 17 de junho de 2009. A publicação deste estudo, a cargo da editora Afrontamento, só foi possível com o apoio da Universidade do Algarve, da Direção Regional de Cultura do Algarve, da Câmara Municipal de Alcoutim, da Câmara Municipal de Loulé e do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património, a quem agradeço, recordando o modo como o Dr. José Ribeiro, o professor João Guerreiro, a Dr.a Dália Paulo, o Dr. Francisco Amaral, o Dr. Osvaldo Gonçalves, o Dr. Vítor Aleixo e a professora Maria da Conceição Lopes acolheram com entusiasmo a ideia da sua edição logo numa fase inicial, e o modo como o professor António Branco e a professora Alexandra Gonçalves deram sequência a esse patrocínio num segundo tempo. O trabalho de campo realizado no decurso desta investigação contou com a participação e entusiasmo de inúmeros colegas a quem gostaria de fazer uma menção especial. Os desenhos apresentados nesta tese resultaram de diversas campanhas de levantamento que se realizaram entre 2003 e 2008. O primeiro

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aglomerado estudado foi o monte do Zimbral, com levantamento integral realizado com a colaboração de Stefano Malobbia, ainda no início de 2003, e de Nuno Reimão de Brito Peres em agosto de 2006.
O levantamento e os desenhos do monte dos Estevais e do monte da Rocha dos Corvos foram elaborados em 2004 por uma equipa de técnicos (com experiência de trabalho em conjunto no Gtaa_Sotavento) coordenada pelo autor e constituída por Alexandre Miguel Costa, Eugénia Rodrigues Teixeira, Fernando Vítor Ribeiro, Marta Rodrigues dos Santos e Stefano Malobbia. A mesma equipa acabaria por ser a autora – num hiato de funcionamento daquele gabinete coincidente com os primeiros meses de 2004 – de uma publicação sobre o “Património Rural Construído do Baixo Guadiana” promovido pela Odiana (municípios de Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António), com financiamento do programa Interreg IIIB. Para esta publicação foram realizados os levantamentos e os desenhos dos montes de Viçoso, Carvalhinhos, Clarines, Silveira, Pomar, Vale da Rosa, Beliche de Cima, Fortes, Corte Gago e do conjunto constituído por Laranjeiras e Montinho das Laranjeiras. Já no âmbito da presente tese, alguns destes montes foram alvo, entre 2007 e 2008, de uma segunda fase de levantamento que visou, fundamentalmente, a execução de plantas de reconstituição da organização das diversas habitações em diferentes períodos (como ocorreu com Viçoso, Carvalhinhos, Silveira, Pomar, Beliche de Cima, Fortes e Corte Gago). Uma parte significativa dos levantamentos efetuados para a presente tese foi realizada entre maio e junho de 2007 pelo autor, com a colaboração de Nuno Reimão de Brito Peres, José Maria Lopes da Costa e Hugo Miguel Barros. Neste período foram levantados integralmente os montes da Cumeada, Corte João Marques, Revezes, Monte do Pereiro Alto, Pexegueiro, bem como alguns conjuntos edificados localizados nos aglomerados de Vale Luís Neto, Besteiros, Ameixial, Arrizada, Laborato e Tremelgo de Baixo. O monte de Alcaria Queimada foi levantado pelo autor acompanhado por José Maria Lopes da Costa, David Cunha Pereira e João Pedro Furtado em janeiro de 2008. Os restantes levantamentos apresentados neste trabalho foram realizados pelo autor e por José Maria Lopes da Costa em diferentes períodos da investigação, como ocorreu em abril de 2006 com o monte da Várzea da Azinheira, em julho de 2006 com Cabeça do Velho e Cabanas, em novembro de 2007 com Corte Figueira dos Coelhos, em dezembro de 2007 com a Feiteira, em janeiro de 2008 com Alcaria Alta da Serra, em março de 2008 com Pampilhais de Cima e Pé de Boi e, por fim, em maio de 2008 com o Montinho da Revelada. Os desenhos dos montes executados expressamente para esta tese foram realizados pelo autor, a partir do levantamento à fita, contando ainda, nalguns casos, com o suporte de ortofotomapas. Todos os desenhos são apresentados com a sua orientação convencional, pelo que se prescindiu da indicação do norte. Também os desenhos de âmbito territorial foram executados pelo autor a partir dos suportes cedidos pelo Instituto Geográfico Português ao abrigo do programa FIGGIE: altimetria 2D em suporte digital, formato dwg, correspondente às seguintes cartas a 1/50000: 49-B, 50-A, 50-B, 50-C e 50-D e quatro secções cadastrais georreferenciadas em suporte digital informação raster (secções Bz, Bv da freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim, secção 128 da freguesia de Alcoutim, concelho de Alcoutim, e secção 092 da freguesia de Vaqueiros, concelho de Alcoutim). Com o mesmo fim foram ainda consultadas, em maio de 2008, inúmeras secções cadastrais no sítio daquele Instituto (www.igeo.pt), onde também foi possível aceder à Carta Administrativa Oficial de Portugal. A adaptação da tese ao formato da presente edição condicionou a reprodução de alguns desenhos com recurso a escalas pouco convencionais (resultando ainda, a este nível, numa maior diversidade de soluções por comparação com o volume original).

nota prévia

A caracterização da arquitetura da Serra beneficiou, em diferentes fases desta tese, do saber que dela guardam os seus habitantes. Gostaria de agradecer a disponibilidade de todos aqueles que se prontificaram a abrir as portas de suas casas, a alongar as conversas das casas de fora ou a percorrer os caminhos das vertentes em redor dos montes. De entre estes será forçoso registar o meu especial reconhecimento: aos mestres da pedra António Vicente residente no Almarginho, José Palma Martins do Zebro de Cima, Manuel Joaquim residente em Revezes, Manuel Xavier da Fonte do Corcho, Manuel João Rodrigues do mesmo monte, José Tereso residente no Graínho e Manuel Luís Guerreiro do monte da Cumeada (já fora da área de estudo no concelho de Odemira); ao mestre taipeiro Manuel António Guerreiro do monte das Barrosas; aos artífices das coberturas de colmo e da técnica da trena José António Silvestre do Monte das Figueiras e Daniel João Cavaco do Malhão; a uma das filhas de Rafael de Brito Lopes e Maria José da Palma, lavradores de Alcaria Alta da Serra, pelo envio das cópias da documentação manuscrita sobre o passado daquele monte; bem como aos senhores Manuel Cavaco de Alcaria Queimada, Manuel Joaquim de Jesus da Várzea da Azinheira, Maria Joaquina Metelo Botinas do lugar da Ribeira, Dorinhas Guerreiro e Ana Afonso do Tremelgo, Maria Fernanda da Palma e Eduardo Guerreiro de Pampilhais de Cima. O anexo 2 é testemunho de quanto este trabalho é devedor a estes e a muitos outros habitantes da Serra, correspondendo a uma seleção das conversas transcritas no volume original da tese. Faço ainda questão de mencionar algumas outras pessoas que, em diferentes circunstâncias, se têm dedicado à serra do Caldeirão e que, também por isso, acabaram por contribuir para a execução deste estudo: Abílio de Sousa, presidente da Junta de Freguesia do Ameixial; Valter Matias, diretor executivo da Associação Odiana; Rui Cortes da Câmara Municipal de Almodôvar (a quem agradeço a disponibilização das imagens sobre a reposição da cobertura de palha centeia em construções de alguns lugares como o Monte das Figueiras); Luís Manuel Fernandes Gomes, antigo colega do Gabinete de Apoio Técnico de Faro (que com premonitória frequência nos levou a conhecer a sua serra de Tavira); Carlos Melo (que logo logo em 2000, revelou a sua afeição pela arquitetura do Baixo Guadiana e nos conduziu a alguns dos montes que, em certos casos, haveriam de ser, posteriormente, objeto de levantamento); e Hélder Pereira (que se disponibilizou em trajes de geólogo à jornada das rochas pelas serras de Cacela, Tavira e Loulé). Para além dos companheiros do Gtaa_Sotavento a quem já antes fiz referência, aproveito também para saudar os meus colegas da Universidade do Algarve, quer da Faculdade de Ciências e Tecnologia quer da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, bem como do Campo Arqueológico de Mértola, recordando as conversas em torno aos temas deste e doutros doutoramentos. Gostaria ainda de convergir na memória duma viagem pela serra alta com o amigo João Marques até à Corte homónima e a Alcoutim, o contributo inestimável de todos os amigos de Faro, Porto, Nápoles, Macau, Nova Iorque e Sevilha, mas também de Arouca, Barcelos e do Couto. Agradeço também à Dr.a Teresa Godinho o apoio na revisão do texto, bem como à Vanessa, ao Vladimir e ao Fernando. Agradeço, ainda, ao José Maria, que tantas vezes me acompanhou nos trajetos da Serra, pela colaboração na lenta transcrição dos testemunhos orais e pelas sugestões prontas que fez da redação dos diferentes capítulos deste trabalho, antes ainda das imagens. Gostaria, por fim, de agradecer à Guida, à Fátima, à Maria e ao David todos os momentos que tomaram o meu lugar em casa e, muito especialmente, à Jenn o apoio indispensável para que este trabalho pudesse ter chegado ao fim.

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Anexo 2 Transcrição de alguns testemunhos sobre as serras, as casas e os montes As Serras A Serra, 416 | Seareiros, caseiros e lavradores, 416 | As roças, as arroteias e a produção cerealífera, 421 | As hortas e a água, 425 | A divisão da propriedade, 426 | Os rebanhos e o gado, 428 | A cortiça, 431 | A produção de medronho, 432 | A produção de mel, 433 | A produção de azeite, 433 | As memórias das minas da Serra e das minas de São Domingos, 434 | Aspetos diversos da vida na Serra, 435 As Casas As casas com a porta aberta ao sol nascente, 438 | As casas de morar com a cobertura em palha, 439 | As casas de trave, 442 | As casas de uma nave e a casa de espigão, 443 | A organização da habitação, 444 | A ramada no interior da habitação, 448 | As casas novas dos lavradores, 449 | Os cómodos para os criados e o poial do almocreve, 450 | O palheiro e a ramada, 451 | Os fornos de pão, 452 | Os palheiros bicudos e a cobertura em materiais vegetais, 453 | Os currais, 456 | A construção das pocilgas, 457 | A construção das casas, 459 | A pedra, 459 | O barro e os revestimentos, 462 | A madeira e os materiais vegetais, 463 | A telha e os telheiros, 464 | A cal, 466 | A alvenaria de xisto, 468 | A taipa, 470 | Os adobes, 473 | Os pavimentos, 474 | As coberturas, 475 | A construção dos fornos, 476 Os Montes A génese dos montes, 478 | O rossio do monte e a construção no rossio, 479 | Os guerrilhas e as casas furadas de umas para as outras…, 482 | O assento das casas e das hortas cedência dos lavradores, 484 | Os currais, os ferragiais, os cercados e as hortas, 486 | A herdade de Cachopo, 487 | Os montes com limites da Serra de Tavira, 489 | A estrada e a aldeia do Ameixial, 490 | As herdades, 491

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fig. A.1. José Cabrita, Macheira

fig. A.4. Custódia Marta Mateus, Casas

fig. A.8. Maria Antónia, Alcaria

e Hortense Maria Guerreiro, Zebro de Baixo.

Baixas, e Maria dos Prazeres Teixeira, Estevais.

Queimada.

fig. A.2. Arnaldo Jerónimo, Zambujal.

fig. A.6. Maria José Pires Palma, Figueirinha.

das Figueiras.

fig. A.3. Vivaldo José Gonçalves,

Tacões.

fig. A.7. António da Silva, São Barnabé.

Silvestre, Silveira.

fig. A.10. António José Silvestre, Monte fig. A.11. José da Encarnação Cavaco

anexo 2 transcrição de alguns testemunhos sobre as serras, as casas e os montes

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fig. A.12. Francisco Guerreiro, Felizes.

fig. A.15. Joaquina Júlia da Conceição,

fig. A.18. Manuel João Guerreiro,

fig. A.13. José Martins, Alcarias

Revezes.

Morgadinho.

Grandes.

fig. A.16. José Cavaco, Monte Velho.

fig. A.19. Teresa Júlia, Fornalha.

fig. A.14. Aldina Júlia Reis, Revezes.

fig. A.17. Felisberto Rodrigues, Monte do Telheiro.

fig. A.20. Maria Serafina, Estrada.

casas e montes da serra entre as estremas do alentejo e do algarve forma, processo e escala no estudo da arquitetura vernacular

410

fig. A.21. José Palma Martins, Zebro

fig. A.26. Custódio Gonçalves, Currais.

fig. A.29. Maria Fernanda Palma

de Cima.

fig. A.27. António João dos Santos,

fig. A.24. António Madeira e Marília

Cercas.

e Eduardo Nogueira Guerreiro, Pampilhas de Cima.

Barão, Viçosa.

fig. A.28. António Silveira Neves,

fig. A.30. Raul António Rosário, Revezes.

fig. A.25. Maria José Teixeira e Maria

Pomar.

fig. A.31. Manuel João Martins,

Teresa Pereira, Madeiras.

Beliche de Cima.

anexo 2 transcrição de alguns testemunhos sobre as serras, as casas e os montes

411

fig. A.32. Manuel Pacheco Zarco, Vale

fig. A.35. Joaquim Teresa Mestre,

fig. A.38. Beatriz dos Santos Rufina,

Luís Neto.

Pomar.

Estrada.

fig. A.33. Olália, Martinlongo

fig. A.36. Joaquim Afonso, Traviscosa.

fig. A.39. Rosa, Almerinda, José

e Almerinda, Pessegueiro.

fig. A.37. Maria José, Monte Novo

e Leonardo Candeias, Felizes.

fig. A.34. Maria Isabel Domingos,

do Vascão.

fig. A.40. Álvaro Sebastião, Cabanas.

Montinho do Cravo.

casas e montes da serra entre as estremas do alentejo e do algarve forma, processo e escala no estudo da arquitetura vernacular

412

fig. A.41. José Rodrigues Teixeira,

fig. A.44. António Vicente, Almarginho.

fig. A.47. Manuel Joaquim, Zorrinhos

Estevais.

fig. A.45. José da Conceição,

de Cima.

fig. A.42. Daniel João Cavaco, Malhão.

Passa Frio.

fig. A.49. Manuel de Palma, Marim.

fig. A.43. Manuel Xavier, Fonte

fig. A.46. Norberto Coelho, Pessegueiro.

Revezes.

do Corcho.

fig. A.50. Manuel Mestre dos Reis,

anexo 2 transcrição de alguns testemunhos sobre as serras, as casas e os montes

413

fig. A.51. Matilde Maria, Fornalha.

fig. A.56. Manuel Luís Guerreiro, Cortes

fig. A.59. José Teresa Mestre, Pomar.

fig. A.54. Vivaldo José, Malfrades.

Pereira.

fig. A.55. Manuel António Guerreiro,

fig. A.57. Manuel Lourenço Martins,

Carvalhinhos.

fig. A.60. Marcelino António Pereira e Claudina Fernandes Pereira, Beliche do Meio.

fig. A.58. Manuel João Rodrigues

fig. A.61. Maria Sebastiana e Maria José

e Manuel Xavier, Fonte do Corcho.

Valente, Zimbral.

Albernoa.

casas e montes da serra entre as estremas do alentejo e do algarve forma, processo e escala no estudo da arquitetura vernacular

414

fig. A.62. Vitorino Francisco Coelho,

fig. A.65. José Viegas, Pé de ladeira.

fig. A.68. João Gonçalves e Maria José,

Monte das Cruzes.

fig. A.66. Manuel Joaquim (Manuel da Eirinha), Revezes.

Macheira.

fig. A.67. António Mateus Fernandes, Corte João Marques.

Mosteiro.

fig. A.63. Avelino Francisco Pereira,

Beliche de Baixo. fig. A.64. Artur Nogueira, Cansados.

fig. A.69. Francisco Fernandes, fig. A.70. Rosa Maria, Relvais de Cima.

anexo 2 transcrição de alguns testemunhos sobre as serras, as casas e os montes

415

fig. A.71. João Lopes Guerreiro,

fig. A.74. Manuel Pereira Gomes,

fig. A.78. Manuel Teixeira da Palma,

Laborato.

Furnazinhas.

Alcaria Queimada.

fig. A.72. Maria Sebastiana, Moimentos.

fig. A.75. Maria Isabel da Silva,

fig. A.79. Manuel de Brito, Cortelha.

fig. A.73. João Custódio, Currais.

Pessegueiro.

fig. A.80. Manuel Custódio Teixeira e António José Teixeira, Preguiças.

fig. A.77. Moradores em Fronteira.

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