Caso Cabrito: o dia em que a “zuêra” venceu o jornalismo

May 29, 2017 | Autor: Carlos Guimarães | Categoria: Jornalismo Esportivo
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Caso Cabrito: o dia em que a “zuêra” venceu o jornalismo1 Carlos GUIMARÃES2 Resumo O objetivo do artigo é analisar o que leva o jornalismo a tratar como notícia um boato publicado na Internet. Para tanto, faz-se necessário um estudo de caso do que se denominou “Caso Cabrito”. No dia 4 de fevereiro de 2013, em uma conversa despretensiosa no Twitter, dois torcedores do Grêmio brincaram sobre o clube estar contratando um lateral-esquerdo, de nome Enrico Cabrito – um personagem fictício. Um jornalista divulgou a notícia como verdadeira, anunciando o interesse do clube neste jogador. Um dia depois, a mesma notícia foi transmitida no Jornal do Almoço, da RBS TV. Com o estudo deste caso, abordarei sua repercussão que se transferiu para outros meios tradicionais – e que, em tese, trabalham apenas com notícias existentes. Analisaremos a força das redes sociais e o impacto que um boato pode gerar, se abala a credibilidade e porque esta notícia se tornou “verdadeira”. Palavras-chave: jornalismo esportivo; apuração de notícias; redes sociais; factoides.

Introdução A Internet alterou o modo de produzir, transmitir e disseminar o conteúdo jornalístico. Também gerou uma mudança significativa na maneira pela qual os jornalistas se relacionam com a notícia. Diante da possibilidade de que qualquer pessoa pode ser um produtor de conteúdo, em um meio ainda à mercê de situações que podem confrontar os métodos de divulgação de acontecimentos, os chamados “boatos virtuais” ocorrem neste ambiente. Para o jornalista, trata-se de um desafio. Nas redes sociais, todos têm o mesmo peso, a mesma ferramenta e os mesmos canais, havendo uma teia de compartilhamento de conteúdo entre aqueles que têm o compromisso da precisão, da veracidade e da transmissão de fatos genuínos e o usuário que, em princípio, não parte desta premissa. Segundo GILLMOR (2004, p.77), “Antes a mídia ditava a lei. Com a Internet, esse modelo ruiu. Alguém falava e você simplesmente ouvia. Agora, a mídia terá de dialogar com os novos atores desse espetáculo”. Neste cenário recente, os chamados “boatos virtuais” surgem com fre1

Artigo acadêmico apresentado como requisito para a obtenção do título de Especialista em Jornalismo Esportivo, pela Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, durante o semestre de 2015/2, orientado pela Professora Dra. Sandra Fátima Batista de Deus. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected]

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quência. Para REULLE (2007, p.22), o rumor é “um tipo de informação não confirmada que se propaga na rede e que circula com a intenção de ser tomada como verdadeira”. Os usuários de redes sociais chamam suas brincadeiras de zuêra ou trolagem 3. Neste ambiente, isso acontece devido ao descompromisso de muitos usuários, que não têm a obrigação de relatar fatos verídicos. Cabe ao jornalista entender que há uma nova relação, não mais unilateral, mas agora uma via de duas mãos. Justamente por isso, para separar joio do trigo (ou “zuêra” de notícia), o jornalista precisa ter a responsabilidade necessária e a técnica correta para que a notícia seja repassada da melhor forma possível. O presente estudo toma como base o Twitter. De acordo com ZAGO (2010, p.5), a credibilidade do Twitter está associada à credibilidade construída junto a outros meios (como no caso de jornalistas tradicionais). Na rede social, opiniões, informações, impressões, interpretações ou simples relatos são difundidos em 140 caracteres. O usuário pode seguir e ser seguido, buscando informações de seu interesse, mas também as repassando. Há a interação e a possibilidade de retransmitir os dados, através de retweets. Para cada frase gerada, há a possibilidade de uma resposta imediata, a ação que gera uma reação. O Twitter também é um ambiente de profunda construção jornalística, de produção de conteúdo, instantâneo, curto, porém eficaz. Sendo um novo ambiente, o jornalista está sujeito a armadilhas, já que passa a trafegar em um meio desconhecido, diferente do processo tradicional da informação emitida como uma via de mão única. Estamos passando de uma era em que os jornalistas (inclua aqui marqueteiros, publicitários e relações públicas) “palestravam” para uma plateia geralmente dócil e pouco reativa – “a massa”, ou seja, nós – para uma nova era em que as pessoas fazem a notícia (eu, você, seu vizinho), gerando, em vez de “palestras”, “seminários e conversações (GILLMOR, 2004) 4.

O resultado é a propagação de boatos virtuais, disseminados inclusive por aqueles que têm o pressuposto da credibilidade jornalística: “No horizonte jornalístico, a consequência disso é a exigência de novas habilidades, principalmente a atualização técnica” (PASE;GOSS, 2013, f.3). Como é um terreno novo, muito fértil para proliferação dos rumores, de uso recente e que reper-

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Neologismos que vêm de “zoeira”: Zombar de alguém, zoar, muita bagunça.Trolagem vem do inglês “Troll”, gíria utilizada para gozar, zombar. 4 Entrevista de Dan Gillmour ao site Digestivo Cultural: http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=1740&titulo=We_the_Media,_de_Dan_Gillmor

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cute imediatamente em uma nova ação dos jornalistas, este artigo se propõe a estudar um boato virtual que foi viralizado, transformado e repassado pelos agentes da transmissão de informações precisas – os jornalistas – como uma notícia. No dia 4 de fevereiro de 2013, em uma brincadeira pela Internet, dois usuários da rede social, Fabiano Estrela e Enrico Lazzaroni, comentaram, sem a intenção de difundir a conversa como se fosse um fato5, que o Grêmio estava contratando o lateral-esquerdo argentino Enrico Cabrito. Após esta brincadeira, o jornalista Farid Germano Filho divulgou como se fosse uma notícia em sua conta no Twitter6. No dia seguinte, no programa Globo Esporte, da RBS TV, o apresentador Paulo Brito divulgou o interesse do Grêmio por Enrico Cabrito7. No meio do futebol, há notícias que depois não são confirmadas, fontes que repassam informações que são desmentidas ou simplesmente relatos de negociações de jogadores que emperram e que desfazem um acordo praticamente certo. Entretanto, o peculiar deste caso é que o referido Enrico Cabrito não existe 8. O jogador não poderia jamais ser contratado, pois se trata de uma obra de ficção. Este artigo visa analisar o que se convencionou denominar de “Caso Cabrito”, amparado pela metodologia do estudo de caso, de acordo com as recomendações de Yin (apud DUARTE In: DUARTE; BARROS, 2015, p.216), que considera “o estudo de caso uma inquirição emprírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente”. A análise do episódio relaciona-se com referenciais teóricos de noticiabilidade e apuração de notícias. Diante destes pressupostos, há uma análise dos motivos que levaram à publicação através de fontes oficiais e jornalistas de algo que não era verdadeiro. Entre os dias 4 e 5 de fevereiro, 12 mil tweets com o nome “Enrico Cabrito” foram divulgados no Twitter, além de diversas publicações em sites e matérias de televisão9. As matérias capturadas em sites especializados foram também restringidas ao mesmo período.

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Entrevista de Fabiano Estrela em 6 jul. 2015, via Twitter (@_fabianoestrela) http://www.blogdodemian.com.br/2015/02/cabrito-day-2-anos.html. Acessado em 19 jul. 2015 7 Imagem em https://www.youtube.com/watch?v=OrFQPgJv3nw. Acessado em 8 jul.2015 8 Pesquisa feita no TMS da FIFA, banco de dados que dispõe de todos os registros de jogadores de futebol do planeta, indicou a inexistência de Enrico Cabrito. 9 Fonte: topsy.com 6

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Criação, transmissão e propagação de boatos virtuais A Internet é uma zona fértil para a criação e propagação de rumores. Diante da facilidade de acesso e da pluralidade do uso de suas ferramentas, há sempre espaço para aquele que não tem a responsabilidade de transmitir uma notícia com a credibilidade. O modo com que a Internet se desenha faz com que tenhamos este tipo de caso: quando um boato ou uma invenção se torna, através da divulgação da mídia, em algo “concreto”. Entretanto, não há tanta solidez em um boato, afinal, da mesma maneira que surge uma notícia, ela é facilmente desmentida, pela utilização dos mesmos meios que geraram o tal rumor. A arquitetura da Internet possibilita que qualquer pessoa possa divulgar informações, a partir da democratização do acesso às ferramentas de publicação. Mas ao mesmo tempo que se tem a liberdade de se publicar o que se quer, a veracidade desta informação tornase questionável. Nesse contexto, boatos diversos podem surgir e se proliferar pela rede. Alguns boatos que circulam na Internet, devido às proporções que alcança, acabam por receber atenção da mídia – tanto para esclarecê-los quanto para desmenti-los. (ZAGO, 2010, f.1).

O estudo proposto por ZAGO é a respeito de um boato sobre a morte do vocalista da Capital Inicial, Dinho Ouro Preto. Neste caso, a mídia tratou de desmentir o rumor, cumprindo sua missão social: se aquilo era um “rumor”, a função básica é averiguar a veracidade da informação. Uma checagem minuciosa, seguindo os procedimentos necessários para a investigação de uma notícia. Neste caso, foi um fato criado a partir de boatos de usuários, desmentido pela mídia, em uma atuação correta de desmentir um rumor, embora já disseminado. O objeto de estudo, o Caso Cabrito, é precedido por outros acontecimentos nos quais a falta de apuração de notícias e o ambiente traiçoeiro da web fizeram com que invenções fossem transmitidas como verdades. De acordo com REULLE (2007, p.22), o boato virtual é “amparado por um suporte tecnológico capaz de potencializar suas ações”. As redes sociais são recentes e o uso delas por parte de quem sempre teve a tarefa apenas de emitir, de ser um agente sem reagente, ainda é um aprendizado. Pase e Goss (2013), no artigo “Entre cordeiros e cabritos: um estudo da relação entre jornalistas e torcidas na apropriação do conteúdo das redes sociais”, trazem dois relatos, sendo que um deles é bem próximo à realidade “cabrítica” de fevereiro de 2013. Os autores relembram a história de Masal Bugduv, um falso jogador de futebol da Moldávia, preparado para ser a nova joia do 4

Arsenal, de Londres. Na criação do personagem, até havia página na Wikipedia, detalhes sobre a vida do jogador, com postagens recorrentes para desmentir aqueles que não acreditavam na história. O “primo menos conhecido” de Enrico Cabrito se chama Bruno Camargo. A partir de uma comunidade no Orkut, torcedores criaram uma página fictícia na Wikipedia, compilaram momentos de um jogador qualquer e atribuíram aqueles lances ao tal Bruno Camargo, jovem revelação do Chelsea B. O jogador não existia, não existe e, talvez, um dia possa vir a existir, mas em 2011, não passava de uma brincadeira de Internet10. A Rádio Gaúcha veiculou a notícia, como se Bruno Camargo de fato existisse11. Outros casos também foram relatados, no Brasil e no mundo12. A repercussão do caso Bruno Camargo foi imediata. Em uma escala menos ampla do que o Caso Cabrito, mostrou-se, de uma forma legítima, que não havia mais a produção unilateral de notícias através dos meios oficiais. Todos eram produtores e, de fato, uma nova era já estava sendo posta, feita, modificada e de uma forma bem real e consistente. De acordo com RECUERO (2009, p.107), existem quatro valores que influenciam estes atores sociais: visibilidade, popularidade, reputação e autoridade, com significado em quem produz, recebe e compartilha o conteúdo no ambiente da rede social. A reputação está ligada às informações sobre quem somos e o que pensamos que auxiliam os outros a construir; A autoridade, por sua vez, está mais ligada à influência de um indivíduo perante sua rede, relacionando-se à reputação de uma forma diferente daquela de compartilhamento de conhecimento. (RECUERO, 2009, p.113).

Reputação e autoridade são as representações dos jornalistas. Embora todos tenham as mesmas ferramentas, espaços e limites na área de atuação em uma rede social como o Twitter, o que ainda vai separar estes personagens, diferenciando-os de principais ou coadjuvantes, são suas atuações construídas em outro ecossistema, possivelmente dos meios oficiais e legítimos como formadores de opinião e produtores de informação. Por mais que exista uma relação nova, em que todos produzem, todos espalham, todos compartilham e todos absorvem, ainda existe o fundamental no jornalista: se ele está produzindo aquela informação, possivelmente seja verdade. Este é um dos perigos do atual ambiente de cultura da convergência referido por Henry Jenkins

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Fonte: FIFA.com Áudio da notícia encontrado em https://www.youtube.com/watch?v=ZS-_4jLMIXU. Acessado em 19. Jul. 2015 12 http://www.ultimadivisao.com.br/5-picaretagens-que-estiveram-perto-de-reforcar-grandes-clubes/. Acessado em 10.ago. 2015 11

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(2008), que se dá em divertos vetores, entre eles, o de consumo dos produtos, a aproximação da audiência com o emissor e até a sua interferência em alguns casos – o jornalismo cidadão é o melhor exemplo disso. A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios e comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerálos como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras. [...] A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros dos consumidores individuais e em suas interações sociais com outros. (JENKINS, 2008, p.30).

Mesmo com este ambiente de convergência que confunde emissores e receptores, produtores e consumidores, transmissores e propagadores, a premissa de decidir a noticiabilidade de um evento e a publicação de uma notícia pertence ao jornalista. Diante de tantos aspectos que ainda circundam e baseiam a atividade jornalística, qual apontamento se faz necessário para atribuir este comportamento de “oficializar a mentira” no perigoso ambiente das redes sociais? O que de fato é uma notícia a se verificar e onde a criação de “mitos” esbarra no compromisso que o jornalista tem de saber diferenciar, separar e investigar aquilo que é procedente? Para fugir das armadilhas da era digital, voltemos ao ponto de partida fundamental na composição de uma notícia: ao recebê-la, a obrigação e necessidade de apurá-la corretamente. Apuração de notícias na era digital O principal problema dos casos relatados é a falta da investigação correta na hora de apurar uma notícia. PEREIRA JÚNIOR (2009, p.71) chama a apuração de notícias de disciplina de investigação, um jogo de hipótese (“Cabrito será jogador do Grêmio”), antítese (“não será”) e dúvidas, no plural (“Quem é Cabrito?”, “Por que o Grêmio quer esse jogador?”, “Quem me passou esta informação tem credibilidade suficiente para que eu ‘compre’ a notícia”?). O autor classifica este processo como uma questão de disciplina e apresentando, dentro desta hierarquia proposta, uma série de procedimentos básicos para preparar, apontar e executar uma matéria (quadro 1). Quadro 1 – O procedimento a ser usado no Caso Cabrito, de acordo com a teoria de PEREIRA JÚNIOR (2009, p.78): Fase 1: ELABORAÇÃO DA PAUTA 6

Pista inicial (boato: Grêmio está contratando Cabrito) + Sondagem inicial (quem repassou o rumor?) + Preparação da Pauta (Quem é Cabrito?) Fase 2: PRÉ-PRODUÇÃO Análise das Fontes (origem do rumor) + Sequência de abordagem (ligação para os locais por onde Cabrito passou, pesquisa sobre o nome) Fase 3: PRODUÇÃO Confrontação de informações (diante dos dois primeiros passos concluídos, ver o outro lado, no caso, o Grêmio) + Checagem (a partir das fontes do lado que pretende contratar, já que a notícia procede) Fase 4: PÓS-PRODUÇÃO Redação + produção da matéria + reserva de documentação Após >> Divulgação Caso houvesse a investigação prudente, com a sequência de fatos propostos, o “Caso Cabrito” pararia na fase 1, mais especialmente no que diz respeito à sondagem inicial. A divulgação de uma notícia falsa por dois jornalistas, sendo que um deles em rede local, na televisão aberta, é um salto do primeiro ponto da fase 1 para o último ponto da cadeia, que é a divulgação da notícia. PEREIRA JÚNIOR (2009, p.80) também coloca um apontamento sobre o que acompanha o jornalista em todo este processo: a dúvida (quadro 2): Quadro 2 – A pauta foi bem preparada? - Repórter mostra desconhecimento das informações fornecidas pelas fontes, na fase de apuração propriamente dita? - Ele apresenta contrapontos às informações dadas pelas fontes? - Personagens escolhidos são pouco relevantes para o esclarecimento dos fatos? - Dados apurados atualizam questão abordada na pauta? 7

- Premissa está forçada, equivocada ou fundada em preconceito e senso comum? - Há problema de enfoque que denunciaria hesitação em saber a que leitor se dirige, determinando abordagem equivocada? - Levantamento prévio de informações evitaria falta de atualidade e tropeços de informação? - Na apuração, o repórter percebeu que informação não se encaixava (ou até contradizia) o que pensara ao propor a pauta? - Matéria faz crer que, se é preciso tanta explicação prévia para convencer o leitor sobre a legitimidade do assunto proposto, então ele não se justificaria? Para PEREIRA JÚNIOR (2009, p.73), “nunca se fizeram tão necessários a honestidade na apuração, o rigor na verificação e a desconfiança de toda fonte de informação com que nos deparamos”. Num terreno propício para a ressonância dos “boatos virtuais”, este rigor, esta honestidade e esta desconfiança devem e precisam ser amplificados. De acordo com KOVACH e ROSENSTIEL (2001, p.16), “a primeira tarefa do jornalista ainda é verificar que informação é confiável”. Na apuração da notícia, o repórter precisa fazer as perguntas pertinentes para estabelecer os passos necessários, da pré-pauta à divulgação. A dúvida acompanha o jornalista e todas as perguntas precisam de uma resposta plausível para que o fato seja publicado. A origem da produção de uma notícia é a análise estratégica das fontes. Segundo TRAQUINA (2005, p.175), “para avaliar a confiabilidade da informação, os jornalistas usam alguns critérios para avaliar as fontes”. São estes os critérios: a) hierarquia da autoridade – quanto mais prestigioso for o título ou a posição da pessoa, maior a confiança em sua autoridade; b) produtividade – quantidade e qualidade de informação que uma fonte pode dar; c) credibilidade – As fontes devem ser tão confiáveis que a informação fornecida por elas exige o mínimo possível de controle. As fontes são, portanto, hierarquizáveis, ordenadas, assim como o processo de abordagem. É um processo sistemático, proposto por PEREIRA JÚNIOR (2009, p.84), que categoriza a sequência de abordagem das fontes em “por ordem de importância” e “por ordem de crítica”. Por fim, o processo de checagem da informação é fundamental. O jornalista não pode contentar-se com apenas um dos diversos aspectos possíveis da história. É preciso validar a informação com pelo menos duas outras fontes. O repórter não pode bancar uma afirmação sem confirmá-la. A pressa não é desculpa para má apuração. É da natureza do jornalismo ser feito em tempo curto. Na linha de produção da notícia, o levantamento e o rigor na checagem estabelecem a qualidade da informação (PEREIRA JÚNIOR, 2009, p.87)

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Com este volume de informações e procedimentos, é preciso, depois de tudo isso, executar o último passo proposto na fase de produção do quadro 1: a lista de checagem ou checklist. A ASNE – Associação Norte-Americana de Editores de Jornais - propõe um modelo com sete pontos a serem revisados antes da publicação13. De acordo com o sistema14, um editor precisa responder às sete perguntas quando estiver lendo o material apurado pelo repórter (PEREIRA JÚNIOR, 2009, p.89), conforme o quadro 3: Quadro 3 - Checklist - Chequei ao menos duas vezes todos os nomes, títulos mencionados e informações citadas nesta matéria? - Se há números de fones ou endereços, foram testados e rechecados? - Todas as citações são precisas e estão exatas e atribuídas corretamente? Eu entendi plenamente o que a fonte quis dizer? - As informações de pesquisa estão completas? - As informações do lide estão suficientemente respaldadas? - A matéria é justa? Todos os envolvidos foram identificados, contatados e tiveram oportunidade de falar? Alguém vai ficar aborrecido ou zangado com essa matéria amanhã? Por quê? Para nós essa reação estará bem? Nós apuramos informações paralalelas? Nós tomamos partido ou fizemos juízos de valor a respeito de resultado que presentemos? Alguém gostará da matéria mais do que deveria? - O que está faltando? Há, ainda, o pressuposto da exclusividade, da notícia antecipada, que sempre ganha pontos na comunidade jornalística. A notícia em “primeira mão” é uma ferramenta que dá ao profissional credibilidade, um significado de competência e mostra boa relação e valor de importância do jornalista com a fonte. O sentido de relevância da fonte, de acordo com TRAQUINA (2005), também dá ao jornalista a segurança necessária para saber se aquela informação vale como notícia. Uma boa relação com a fonte leva ao chamado furo de reportagem. A pressão dos meios sociais e sua instantaneidade alteraram de alguma maneira a forma como se procede um furo. Se hoje qualquer um que tenha uma conta na rede social pode ser um 13 14

KOVACH; ROSENSTIEL apud PEREIRA JÚNIOR em “Os elementos do jornalismo” (2001) Creditado a David Arnold, editor-executivo do San Jose Mercury News

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agente fundamental para construir uma notícia, qualquer um também pode ser o produtor de um furo. Há, ainda, a perspectiva do jornalismo enquanto negócio e a necessidade de estar sempre um passo à frente do concorrente. Como se fosse uma batalha, só que, desta vez, com mais oponentes – todos que podem produzir conteúdo. O desenvolvimento de um campo jornalístico autônomo tem como fator crucial a profissionalização das pessoas envolvidas na atividade jornalística em que é reivindicada a autoridade e a legitimidade de exercer um monopólio sobre o poder de decidir a noticiabilidade dos acontecimentos e das problemáticas. Perder esse monopólio é pôr em causa a independência do jornalismo e a competência dos seus profissionais. (TRAQUINA, 2005, p.180-181)

A busca incessante pelo furo pode apressar os procedimentos de apuração de notícias. Na velocidade das mídias de Internet, cada vez mais se diminui a exclusividade, aumenta a concorrência e a cultura do “furo” se intensifica. Há um desafio, logo, em estabelecer todos os procedimentos de avaliação, seleção, apuração e publicação de notícias (da pré-pauta ao checklist) em um tempo menor. Quando se repassa ao leitor, ouvinte ou telespectador, um acontecimento que não é verdadeiro e este é transmitido pelo jornalista, é sinal que não houve a apuração correta, que os passos não foram dados de uma maneira adequada, ou então, na busca pelo furo, uma apuração apressada. Os procedimentos são necessários para que todas as dúvidas terminem. O furo também é um resultante deste trabalho. Todavia, em alguns casos, todo este processo de avaliação e posterior apuração das notícias poderia nem existir. No caso estudado, o tal Enrico Cabrito não existe, e isso é bem fácil saber, desde que se tenha conhecimento sobre o assunto. A especialização é parte do trabalho de um jornalista esportivo, conforme ALCOBA (1979), que categoriza o jornalismo esportivo em uma modalidade semelhante a qualquer outra editoria, com a necessidade da especialização de profissionais que militam na editoria de esportes. Repercussão do Caso Cabrito: especialização para minimizar os erros Há algum tempo, o jornalismo esportivo também é tratado como entretenimento. Neste ponto, principalmente na televisão, há certa divergência entre pesquisadores, em tema amplamente tratado na dissertação de mestrado “Fim da notícia: o “engraçadismo” no campo do jornalismo esportivo de televisão”, de Mariana Oselame (2012). A busca pela audiência e a necessidade de 10

transformar o jornalismo esportivo em produto acessível para todos, fez com que este caminho fosse desvirtuado e, em muitos casos, transformado no que chamo de “esporte para quem não gosta de esporte”. O pesquisador espanhol Antonio Alcoba López, em seu livro El Periodismo Deportivo en La Sociedad Moderna (1979) defende um jornalista esportivo baseado em estudo e especialização, no qual os profissionais têm conhecimento a respeito do tema repassado. O jornalista político convive entre as fontes da área, com conhecimento sobre a Assembleia, a Câmara, prefeituras, governos e gabinetes. O jornalista econômico tem sua área de atuação voltada para os números, gráficos e taxas, transitando neste meio. O jornalista cultural estuda a respeito das peças, filmes, discos e livros publicados. No caso do jornalista esportivo, é uma obrigação ter o conhecimento necessário, relevante e seletivo sobre as especificidades do esporte. No “Caso Cabrito”, este processo foi ignorado por parte dos jornalistas que divulgaram o acontecimento como se fosse notícia: em nenhum momento eles sabiam se o tal Enrico Cabrito de fato existia. Se houvesse o conhecimento necessário na área, ambos saberiam que este jogador era uma invenção. A repercussão foi imediata. No dia 5 de fevereiro de 2013, um dia após a divulgação do boato, o apresentador do Jornal do Almoço Paulo Brito veiculou no Jornal do Almoço o interesse do Grêmio pelo lateral Enrico Cabrito como se fosse notícia. O jornalista Farid Germano Filho, confrontado com o fato de que Cabrito era produto da inesgotável fonte de “zuêra” do Twitter, alegou que sua conta no Twitter fora hackeada15. O assunto “Enrico Cabrito” foi trendtopic16 nos dias 4 e 5 de fevereiro em Porto Alegre, no dia 5 de fevereiro no Brasil e por 42 minutos no mundo17. A repercussão na mídia também aconteceu de forma imediata. O site baguete.com postou matéria com a cartola barrigaço18 com repercussão na própria rede social, através de perfis de Twitter de diversos jornalistas19. O site UOL colocou que o erro foi parar na TV

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Postagem feita no Twitter em 5. Fev. 2013 Trend topic: termo, palavra ou expressão que aparece entre as mais citadas e comentadas no período específico. 17 Fonte: topsy.com/analytics 18 Matéria falsa ou errada, publicada com o estardalhaço de uma grande novidade.. O oposto de "furo" 19 http://www.baguete.com.br/noticias/05/02/2013/twitter-inventa-jogador-e-midia-acredita. Acessado em 10.ago. 2015 16

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Globo20. O narrador Paulo Brito, ao contrário de seu colega Farid Germano Filho, admitiu que “caiu na brincadeira”, em entrevista publicada pelo site UOL21. Os membros da “zuêra”, a partir deste caso, passaram a chamar as barrigas, o velho jargão jornalístico para apontar um erro divulgado como notícia, de “cabritada”. O que houve neste caso foi uma série de procedimentos jornalísticos ignorados. De acordo com os conceitos de valornotícia, divulgar que um jogador está sendo contratado pelo Grêmio por um jornalista gaúcho atinge os critérios perfeitamente. Entretanto, o jogador não existe, ferindo outro princípio básico do jornalismo: uma notícia só é notícia se ela existir. Caso contrário, é ficção. O que aconteceu foi a simples transposição de um rumor para a rede social e para a TV aberta, com dois jornalistas divulgando o acontecimento, um erro que passa pelos pontos que foram abordados no artigo. Este foi o conjunto de fatores que gerou a repercussão do caso: não parasse em um programa de grande audiência da TV local e não fosse transmitido via Twitter por um jornalista experiente, com muitos seguidores na rede social, com audiência e que, em tese, já adquiriu credibilidade suficiente para garantir que uma notícia sua fosse no mínimo considerada, o caso viraria rumor de Internet, como tantos outros. Considerações finais A Internet é um ambiente propício para a disseminação de boatos, já que nas redes sociais qualquer um é produtor de conteúdo. Justamente por isso, há a necessidade de filtrar, separar e descartar o que é o boato, selecionando apenas é divulgável, utilizando-se de um tripé: a) a identificação do que é ou não notícia; b) sendo notícia, atender às necessidades de apuração e investigação, seguindo os passos recomendados; c) fazer com a especialização e conhecimento para determinar os enfoques e abordagens. Passando por estes pontos, há de se entender também o conceito de “furo”, que precisa ser fruto de um trabalho metódico, importante, sistemático e credível, respeitando os passos de entender o que é notícia, para apurá-la e também ter conhecimento acerca do assunto a ser aborda-

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http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2013/02/05/internautas-inventam-reforco-para-o-gremio-casovira-hit-e-vai-parar-na-tv-globo.htm. Acessado em 10.ago. 2015 21 http://uolesportevetv.blogosfera.uol.com.br/2013/02/06/apresentador-da-globo-admite-erro-por-anunciar-falsoreforco-do-gremio/. Acessado em 10.ago. 2015

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do. O furo é um processo, não uma corrida de automobilismo, onde “quem chega na frente conseguiu ser melhor”. Uma notícia bem dada é melhor do que uma notícia dada primeiro. Nas redes sociais, com tanto conteúdo à disposição, o melhor furo é o que foi mais bem apurado, melhor transmitido e que obedeceu a todos os requisitos que defendo neste artigo, desde a identificação da notícia até à especialização para repassá-la. No “Caso Cabrito”, estes pontos não foram atendidos. Se em nome do furo ou do simples desconhecimento, seja qual for o motivo, é fundamental concluir que ainda há que se aprender em como lidar com as redes sociais enquanto veículos. Justamente por ser um ambiente recente, os critérios de noticiabilidade, a apuração e a especialização precisam ser levados em conta. No “Caso Cabrito”, houve a subversão destas técnicas, com um boato que se tornou “notícia” quando um jornalista divulgou. Neste caso, não foi jornalismo. Foi a vitória da “zuêra”, que naquele dia, consagrou o Cabrito e arranhou a credibilidade daqueles que têm o compromisso de lidar apenas com a notícia e com a veracidade das informações. Referências bibliográficas ALCOBA LÓPEZ, Antonio. El Periodismo Deportivo en La Sociedad Moderna. Madrid: Ed. Augusto Pila Teleña, 1979. DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (Org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008. GILLMOR, Dan. We the media.Nova York: O’Reilly, 2004. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2006. KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os Elementos do Jornalismo: o que os jornalistas devem saber e o público exigir.São Paulo: Ed. Geração Editorial, 2005. OSELAME, Mariana Corsetti. Fim da Notícia: O “Engraçadismo” no campo do Jornalismo Esportivo de Televisão. Disponível em http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4633. Acessado em 23. Jun. 2015 PASE, André; GOSS, Bruna Marcon. Entre cordeiros e cabritos, um estudo da relação entre jornalistas e torcidas na apropriação do conteúdo das redes sociais. Disponível em http://www.fumec.br/revistas/mediacao/article/view/1901. Acessado em 07.jul. 2015. PEREIRA JÚNIOR, Luiz Costa. A Apuração da Notícia. Petrópolis: Editora Vozes, 2006. P-67-113. 13

RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulinas, 2009. REULLE, Danielle Sandri. A dinâmica dos rumores na rede: a web como espaço de propagação de boatos virtuais. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Informação), UFRGS, 2008. TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo Volume I – Porque as notícias são como são. Florianópolis: Editora Insular, 2005. ZAGO, Gabriela da Silva. Boatos que Viram Notícia: Considerações sobre a Cirulação de Informações entre Sites de Redes Sociais e Mídia Online de Referência. Trabalho apresentado no DT 5 – Conunicação Multimídia do XI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, realizado de 17 a 19 de maio de 2010.

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