Caso Hipotético: Bolt e outros vs. República Cardenal, memorial de Defesa das Vítimas

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CASO BOLT E OUTROS VS. REPÚBLICA CARDENAL

VÍTIMAS

170 I. LISTA DE ABREVIATURAS Artigo(s) ...................................................................................................................... art.ou arts. Comissão da Verdade e Esclarecimento Histórico ................................................................. CV Comissão Interamericana de Direitos Humanos ........................................... Comissão ou CIDH Convenção Americana sobre Direitos Humanos ...................................... Convenção ou CADH Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados ............................................................... CVDT Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura .............................................. CIPPT Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas ...................... CIDFP Corte Europeia de Direitos Humanos ............................................................................... CtEDH Corte Interamericana de Direitos Humanos ............................................................ Corte, CtIDH Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados DPDF Direito(s) Humano(s) .............................................................................................................. DH Forças Armadas ................................................................................................................. FFAA Justiça Militar...........................................................................................................................JM Legislação de Responsabilização, Fechamento e Reconciliação ........................................ LRFR Ministério Público ................................................................................................................... MP Movimento Revolucionário Liberdade Boneca ................................................................ MRLB Organização das Nações Unidas .......................................................................................... ONU Organização dos Estados Americanos ................................................................................. OEA Organização Internacional do Trabalho ................................................................................. OIT Página(s) ......................................................................................................................... p. ou pp. Parágrafo(s) ....................................................................................................................... § ou §§ Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos ............................................ SIPDH

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170 Tribunal Penal Internacional ................................................................................................... TPI Direito Internacional ................................................................................................................ DI II. ÍNDICE I. LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................ 2 II. ÍNDICE .................................................................................................................................. 3 III. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS .......................................................................................... 4 1 DOUTRINA ............................................................................................................................. 4 2 JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................ 5 3 MISCELÂNEA ........................................................................................................................ 9 IV. DECLARAÇÃO DOS FATOS ............................................................................................ 9 V. ANÁLISE LEGAL .............................................................................................................. 14 1 DAS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ....................................................................... 14 2 DO MÉRITO ......................................................................................................................... 16 2.1 Introdução à causa............................................................................................................... 16 2.2 Do desaparecimento forçado de Ricardo Bolt e seus desdobramentos............................... 17 2.3 Da desigualdade perante a lei e da discriminação .............................................................. 24 2.4 Da execução extrajudicial de Lucrécia Rossi e seus desdobramentos ................................ 26 2.5 Da morte de Aníbal López .................................................................................................. 28 2.6 Do julgamento de Ricardo Bolt pela JM e dos procedimentos judiciais ............................ 29 2.7 Do direito à justiça .............................................................................................................. 32 2.8 Do direito à verdade ............................................................................................................ 34 3. DAS REPARAÇÕES E CUSTAS ........................................................................................ 36 VI. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA ................................................................................. 40

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170 III. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS 1 DOUTRINA: ABRÃO, Paulo; GENRO, Tarso. Os direitos da transição no Brasil. In: Os direitos da transição e a democracia no Brasil: estudos sobre justiça de transição e teoria da democracia. Belo Horizonte: Fórum, 2012 (p.16); ARENDT. Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 (pp.23,26,34); BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Nova Edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004 (p.22); BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra. 2000 (p.16); BOTERO MARINO, Catalina; RESTREPO SALDARRIGA, Esteban. Estándares Internacionales y proceso de transición en Colombia. In: Entre el perdón y el paredón: preguntas y dilemas de la justicia transicional. Bogotá: Universidad de los Andes – Departamento de Ciencia Política, 2005 (p. 33); CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume II. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998 (p.31); CASSESE, Antonio. International Criminal Law. New York: Oxford University Press, 2003 (pp.15,17); FAÚNDEZ LEDESMA, Hector. El sistema interamericano de protección de los derechos humanos: aspectos institucionales y procesales. 3. ed. San José: Instituto Interamericano de Derechos Humanos, 2004 (pp.14,15); GARCÍA FALCONI, Ramiro J. Limites y alcances de la privación de libertad de acuerdo con la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. In: Sistema Interamericano de Protección de los derechos humanos y derecho penal internacional. Montevideo: Fundación Konrad-Adenauer, Oficina Uruguay 2010 (p.19); KEHL, Maria Rita. Tortura e Sintoma Social. In: O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo, 2010 (p.23); KUNDERA, Milan. O livro do riso e do esquecimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987 (p.35); MEDINA QUIROGA, Cecilia. La Convención Americana: teoría y jurisprudencia. Vida, integridad personal, libertad personal, debido proceso y recurso judicial.

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170 San José: Facultad de Derecho de Chile, 2003 (pp.16,20,22,32,37); PASQUALUCCI, Jo. M. The practice and procedure of the Inter-American Court of Human Rights. 2nd edition. New York: Cambridge University Press In, 2012 (p.39); ROXIN, Claus. Autoría y dominio de hecho en derecho penal. Madrid: Marcial Pons, 2000 (p.26); SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. O terrorismo de Estado e a ditadura civil-militar no Brasil: direito de resistência não é terrorismo. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição. Nº 5 (jan./jun. 2011). Brasília: Ministério da Justiça, 2012 (p.26); GARCIA RAMÍREZ, Sergio. La jurisdicción interamericana de derechos humanos (Estudios). México: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2006 (p.16); UPRIMNY YEPES, Rodrigo (Coord.) ¿Justicia transicional sin transición? Reflexiones sobre verdad, justicia y reparación en Colombia. (Manuscrito sin corregir del libro del mismo título que será publicado por DJS en enero de 2006). Bogotá, noviembre de 2005 (p.36); UPRIMNY YEPES, Rodrigo (et al) ¿Justicia transicional sin transición? Verdad, justicia y reparación para Colombia. Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, Bogotá: 2006 (p.16). VIEIRA DE MELLO, Sérgio. História Filosófica e História Real: atualidade do pensamento político de Kant. In: Sérgio Vieira de Mello: pensamento e memória. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/Editora Saraiva, 2004 (p.36). 2 JURISPRUDÊNCIA: CtIDH. Asunto de Viviana Gallardo y otros Vs. Costa Rica. 1981. Serie A NºG101/81 (p.15); CtIDH. Ciertas atribuciones de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (Arts, 41, 42, 44, 46, 47, 50 y 51 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos). OC-13/93. 1993. Serie A Nº13 (p.15); CtIDH. Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. OC-18/03. 2003. Serie A Nº18 (p.21); CtIDH. Garantías Judiciales en Estados de Emergencia (arts. 27.2, 25 y 7 Convención Americana sobre Derechos Humanos) OC-9/87. 1987. Serie A Nº9 (pp.30,33); CtIDH. Informe de la Comisión Interamericana de

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170 Derechos Humanos (art. 51 Convención Americana sobre derechos humanos). OC-15/97. 1997. Serie A Nº15 (p.15); CtIDH. Propuesta de modificación de la Constitución Política de Costa Rica relacionada con la naturalización. OC-4/84. 1984. Serie A Nº4 (p.24); CtIDH. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. 2006. Serie C Nº154 (pp.17,32, 37); CtIDH. Caso Anzualdo Castro Vs. Perú. 2009. Serie C Nº202 (pp.18,22,31,36,38,39); CtIDH. Caso Apitz Barbera y otros (“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”) Vs. Venezuela. 2008. Serie C Nº182 (p.30); CtIDH. Caso Artavia Murillo y otros (Fertilización in vitro) Vs. Costa Rica. 2012. Serie C Nº257 (p.25); CtIDH. Caso Baena Ricardo y otros Vs. Panamá. 1999. Serie C Nº61 (p.15); CtIDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. 2002. Serie C Nº91 (pp.26,38); CtIDH. Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela. 2009. Serie C Nº206 (pp. 30, 31); CtIDH. Caso Barrios Altos Vs. Perú. 2001. Serie C Nº75 (pp. 23, 25, 37); CtIDH. Caso Bulacio Vs. Argentina. 2003. Serie C Nº100 (pp.22,29); CtIDH. Caso Bulacio Vs. Argentina. 2003. Voto Razonado del Juez A.A. Cançado Trindade (p.37); CtIDH. Caso Cabrera García y Montiel Flores vs. México. 2010. Serie C Nº220 (p.28); CtIDH. Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. 1999. Serie C Nº52 (pp.21,22,24,30); CtIDH. Caso Chitay Nech y otros Vs. Guatemala. 2010. Serie C Nº212 (pp.18,24,28); CtIDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. 2005. Serie C Nº125 (pp. 20, 26, 31); CtIDH. Caso Durand y Ugarte Vs. Perú. 2000. Serie C Nº68 (pp.22,24,30); CtIDH. Caso Espinoza Gonzáles Vs. Perú. 2014. Serie C Nº289 (p.26); CtIDH. Caso Furlan y Familiares Vs. Argentina. 2012. Serie C Nº246 (pp.22,29,33); CtIDH. Caso Garibaldi Vs. Brasil. 2009. Serie C Nº203 (p.37); CtIDH. Caso Gelman Vs. Uruguay. 2011. Serie C Nº221 (pp.19,21,32,37); CtIDH. Caso Genie Lacayo Vs. Nicaragua. 1997. Serie C Nº30 (pp.30,32); CtIDH. Caso Godínez Cruz Vs. Honduras. 1989. Serie C Nº5 (pp.22,32); CtIDH. Caso Gomes Lund

y

otros

(Guerrilha

do

Araguaia)

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Vs.

Brasil.

2010.

Serie

C

Nº219

170 (pp.15,17,18,21,22,23,32,35); CtIDH. Caso Gudiel Álvarez y otros ("Diario Militar”) Vs. Guatemala. 2012. Serie C Nº253 (pp.18,19, 20,35,39); CtIDH. Caso Hermanos Landaeta Mejías y otros vs. Venezuela. 2014. Serie C Nº281. (pp.28,29,38,40). CtIDH. Caso Ibsen Cárdenas y Ibsen Peña Vs. Bolivia. 2010. Serie C Nº217 (pp.18,19,20,23); CtIDH. Caso La Cantuta Vs. Perú. 29/11/06. Serie C Nº162 (pp.17,28,36,37,38,39); CtIDH. Caso La Cantuta Vs. Perú. 2006. Serie C Nº162. Voto razonado del Juez Sergio García Ramírez (p.15); CtIDH. Caso Loayza Tamayo Vs. Perú. 1997. Serie C Nº33 (p.23); CtIDH. Caso Loayza Tamayo Vs. Perú. 1998. Serie C Nº42 (pp.37,39); CtIDH. Caso Lori Berenson Mejía Vs. Perú. 2004. Serie C Nº119 (p.30); CtIDH. Caso Masacres de Río Negro Vs. Guatemala. 2012. Serie C Nº250 (pp.18,19); CtIDH; CtIDH. Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala. 2003. Serie C Nº101 (pp.22,27); CtIDH. Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala. 2003. Voto Razonado del Juez A.A. Cançado Trindade (p.36); CtIDH. Caso Ricardo Canese Vs. Paraguay. 2004. Serie C Nº111 (p.20); CtIDH. Caso Suárez Rosero Vs. Ecuador. 12/11/97. Serie C Nº35 (p.19); CtIDH. Caso Tibi Vs. Ecuador. 7/09/04. Serie C Nº144 (p.21); CtIDH. Caso Tiu Tojín Vs. Guatemala. 2008. Serie C Nº190 (pp.19,26); CtIDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. 1988. Serie C Nº4 (pp.18,32,33); CtIDH. Caso Villagrán Morales (“Niños de la Calle”) Vs. Guatemala. 1999. Serie C Nº63 (pp.22,31); CtIDH. Caso Villagrán Morales (“Niños de la Calle”). 1999. Voto Concurrente Conjunto de Los Jueces A.A Cançado Trindade y A. Abreu Burelli (p.29); CtIDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. 2005. Serie C Nº127 (pp.24,26); CIDH. Informe 2/92. Caso 10.289. Caso Sheik Sahib Tajudeen Vs. Costa Rica (p.32); CtEDH. Case Bozano Vs. France. 1986. Nº 9990/82 (p.20); CtEDH. Case S.W Vs. United Kingdom. 1995. Nº335-B (p.17); CtEDH. Case Jorjic Vs. Germany. 2007. Nº 74613/01 (p.26); CtEDH. Case of Çakici Vs. Turkey. 1999. Nº23657/94 (p.18); CtEDH. Case of Campbell and Cosans Vs. The United Kingdom. 1982.

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170 Nº7511/76, 7743/76 (p.23); CtEDH. Case of Hugh Jordan vs. The United Kingdom. 2001. Nº 24746/94 (p.29); CtEDH. Case of Labita Vs. Italy. 2000. Nº26772/95 (p.21); CtEDH. Case of Margus Vs. Croatia. 2014. Nº4455/10 (p.25); CtEDH. Case of Mocanu and others. Vs. Romania Rumania. 2014. Nº10865/09, 45886/07, 32431/08 (p.30); CtEDH. Case of Selmouni Vs. France. 1999. Nº252803/94 (p. 21); CtEDH. Case of Timurtas Vs. Turkey. 2000. Nº23531/94 (p.18); CtEDH. Case Sreletz and Others Vs. Germany. 2001. Nº34044/96, 35532/97, 44801/98 (p.17); AFRICAN COMMISSION ON HUMAN & PEOPLES' RIGHTS. Case Amnesty International Vs. Sudan. Nº48/90, 50/91, 52/91, 89/93 (p.23); CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Case Factory at Chorzów. 1927. (p.36); CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Case questions relating to the obligation to prosecute or extradite (Belgium V. Senegal). 2012 (p.21); HUMAN RIGHTS COMMITTEE. Case of Ivan Somers Vs. Hungary. 1996. Nº566/93 (p.18); TRIBUNAL INTERNACIONAL MILITAR PARA O EXTREMO ORIENTE. Karl Brandt et al (Doctors Trial). Indictment. 1946 (p.17); TRIBUNAL INTERNACIONAL MILITAR. Nuremberg Trial Proceedings Volume 22. 31/08/46-1/10/46 (p. 17); CÂMARA PENAL DA CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DA REPÚBLICA DO CHILE. Caso Caravana. 20/07/99 (p.18); CORTE CONSTITUCIONAL DA REPÚBLICA DA COLOMBIA. Caso T-249/03. 2003 (p.23); CORTE SUPREMA DA NAÇÃO ARGENTINA. Caso Simón, Julio y otros s/ privación ilegítima de la libertad, Nº 17.768. 2005 (pp.17,18); SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153. 2010 (p.25); TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DA REPÚBLICA DO PERÚ. Caso 2488-2002-HC/TC. 2004 (p.23); TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO (BVerfGE). 88, 203. Schwangerschaftsabbruch II (p.34); TRIBUNAL SUPREMO DE

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170 JUSTIÇA DA REPÚBLICA BOLIVARIANA DA VENEZUELA. Caso Marco Antonio Monasterios Pérez. 2007 (p.18); 3 MISCELÂNEA: CIDH. Derecho a la verdad en América. OEA/Ser.L/V/II.152 Doc. 2. 13/08/14 (p.35); CIDH. Informe Anual de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos, 1985-1986. OEA/Ser.L/V/II.68. 26/09/86. Doc. 8, ver. 1, Capítulo V (p.35); ONU. Economic and Social Council. Report of the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights. Study on the right to the truth. 8/02/06. (p.35); ONU. International Law Commission. Draft Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts. In: Yearbook of the International Law Commission. 2001, Vol. II (Part Two), articles 1st and 2nd (p. 36); TELES, Maria Amélia. Depoimento disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WwQmM8ci9cI (p.35) EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ PRESIDENTE DA HONORÁVEL CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 1. Em vista da convocação de audiência pública entre as partes do Caso Bolt e Outros Vs. República Cardenal, os representantes das vítimas submetem a esta Honorável Corte o presente memorial, cujo teor apresenta síntese dos fatos do caso, considerações preliminares e argumentos quanto ao mérito da causa, nos seguintes termos. IV. DECLARAÇÃO DOS FATOS 2. A República Cardenal, Estado presidencialista, membro da OEA, ratificou os tratados do SIPDH, o Estatuto de Roma, a Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra, de Lesa Humanidade e Genocídio, a Convenção 169 da OIT, as Convenções de Genebra e o seu Protocolo Adicional II e aceitou a competência da CtIDH. Entre 1960-1990, passou por uma ditadura, na qual milhares de membros da comunidade indígena Boneca foram mortos e tiveram

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170 parte de seu território confiscado. Em 1980, o povo Boneca iniciou manifestações para recuperar essas terras, sendo duramente reprimido, surgindo o MRLB – grupo de resistência formado com intuito, sobretudo, de instalar um Estado que respeitasse o direito à autodeterminação dos povos. 3. Nos anos 1990 houve um confronto entre as FFAA e o MRLB. No final dessa década, Armando Ferreira, presidente eleito, conferiu poderes amplos às forças militares através do Estatuto de Segurança. Por não conseguir alterar a Constituição para reeleger-se, Ferreira deu um Golpe de Estado com o apoio das FFAA: interferiu no Judiciário, dissolveu o Congresso e convocou uma Assembleia Constituinte, que o reelegeu por plebiscito. A repressão agravou-se. Os ditos opositores do Governo eram perseguidos e estigmatizados. Adotou-se um Código Penal Militar que converteu a maioria dos atos delituosos cometidos no conflito em crimes militares. Todavia, o auto declarado Presidente e as FFAA estavam protegidos por foro privilegiado. 4. A resistência do MRLB culminou, em janeiro de 2000, no sequestro de 23 crianças do Colégio Anjos do Saber. Com esse ato, os militantes pleiteavam a concessão de salvo conduto para lograr a paz, o pagamento de monta pecuniária e a libertação dos detidos em razão do conflito. As exigências foram rejeitadas pelo Estado, que através de invasões de residências, torturas e detenções arbitrárias buscou encontrar o local onde as crianças eram mantidas. 5. O comando antissequestro da Polícia e do Exército localizou-os em 28/03/00. Dentre os sequestradores estariam Paulo Mukundi, Ricardo Bolt e a estudante universitária Lucrécia Rossi. O comando propôs a libertação das crianças e que, para viver, os militantes se entregassem. Recusada a oferta, foi autorizada a intervenção militar, iniciando-se um conflito armado que resultou na morte de 4 crianças (dentre elas Aníbal López) e 2 militantes. Bolt, Rossi e Mukundi não foram encontrados e as crianças sobreviventes apareceram na Capital.

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170 6. O MRLB imputou as mortes à ação desmedida das FFAA, e Ferreira aos militantes. Nesse ínterim, Bolt, Mukundi e Dereck Guadamuz (líder intelectual do MRLB) foram investigados, julgados à revelia e condenados à prisão perpétua pela JM sem ter direito à defesa por advogados de sua confiança. O MP instaurou um inquérito contra os comandantes do Exército e da Polícia pelos seus atos nos eventos de 28/03/00; este, porém, foi arquivado pela JM que suscitou conflito de competência provido pela Corte Constitucional de Cardenal. 7. Em 2000, o corpo de Lucrécia Rossi foi encontrado esquartejado, com sinais de tortura e violência sexual. Em 2002, em uma conferência, a Polícia apresentou Mukundi, o qual declarou ter sido capturado há meses, período em que teria sido torturado e compartilhado o cárcere com Ricardo Bolt, que permanece desaparecido. A Polícia negou as alegações. 8. A família de Bolt apresentou denúncia ao MP pelo seu desaparecimento, sendo negada por falta de provas. Em dezembro de 2002, Annika Bolt, sua esposa, arguiu à CIDH a violação dos arts. 3, 4, 5, 8, 24 e 25 da CADH, relacionados ao art. 1.1 em prejuízo de seu esposo e da Comunidade Boneca, da qual o casal é membro; a petição foi admitida em 2008. A Promotoria do TPI passou a estudar o caso da República Cardenal em 2004. 9. Em 2006, Ferreira deixou o poder após escândalos de corrupção. Convocadas eleições, foi eleita Gabriela Nunes. O MRLB e o Estado acordaram, em 2008, 3 meios para encerrar o conflito e buscar a transição: a) autonomia das regiões e reconhecimento do povo Boneca; b) reforma constitucional e c) mecanismos para garantir a paz e os direitos das vítimas. Para apurar os fatos da Ditadura Ferreira, foi criada uma CV e um sistema de compensações (composto por restituição, indenização, satisfação, reabilitação e garantia de não repetição) executado pelo Ministério das Vítimas e Reconciliação. Foi criada uma Comissão de Busca.

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170 10. O Estado defendeu a aplicação de punições seletivas e limitadas para casos de violações a DH. Foi aprovada a LRFR – que outorgou anistia incondicional aos perseguidos, ou aos que pudessem ter sido, por oporem-se à Ditadura Ferreira –, aos delitos conexos, salvo genocídio, crimes de guerra e crimes de lesa humanidade, e determinou a inquirição, julgamento e punição de violações graves a DH e às infrações ao DI Humanitário. 11. As violações eram analisadas do seguinte modo: a) de relatos e depoimentos, a CV escolhia padrões de vitimização; b) o MP instaurava inquéritos penais, investigava o padrão criminal e fazia relatórios públicos; c) estabelecia-se os máximos responsáveis, por princípios de seletividade e priorização e d) uma Comissão de Alto Nível determinava os casos e responsáveis que seriam objeto de ação penal. Foram selecionados 14 padrões e 67 máximos responsáveis foram processados, incluindo o comando do MRLB (Guadamuz e Mukundi), 3 ex-Comandantes das FFAA (dentre eles o General Reformado João Otávio Pires) e 2 ex-Ministros de Guerra. 12. O Estado renunciou à ação penal daqueles que se apresentaram à CV e que não foram selecionados como máximos responsáveis e daqueles que não se apresentaram, sendo cabível revisão judicial da renúncia. Apresentadas 354 solicitações de revisão, admitiu-se 3%. Aos condenados cujas declarações perante a CV contribuíram para a paz e a verdade, havia penas alternativas à pena ordinária. Parte da Comunidade Boneca não aceitou tais medidas, pois contrárias as suas formas tradicionais de resolução de conflitos – as quais foram aplicadas tanto para os membros, quanto para os não membros da comunidade. 13. O caso do sequestro das crianças foi selecionado pela CV. Prestaram declarações, Guadamuz e Mukundi, que reconheceram a responsabilidade do MRLB pelo evento, mas imputaram as mortes às FFAA, e o General Pires, que confessou saber da captura de Lucrécia Rossi e responsabilizou-se institucionalmente pela sua tortura e morte, acrescentando que as FFAA eram

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170 pressionadas pelo Executivo e por isso agiam contra a lei. Sobre o desaparecimento de Bolt, Pires disse não ter dados, mas informou o nome de 5 oficiais e 4 suboficiais que participaram da busca pelas crianças. Nenhum outro integrante das FFAA aceitou a responsabilidade por esses eventos. A CV concluiu que Mukundi e Bolt foram detidos clandestinamente, encarcerados, torturados, que Bolt provavelmente falecera durante as torturas e que seu corpo foi ocultado. 14. Pires foi condenado por inúmeros fatos – incluindo o desaparecimento e tortura de integrantes da oposição – a prestar serviço à comunidade e a comparecer semanalmente ao Tribunal. Guadamuz foi condenado por homicídio doloso, tortura e outros tratamentos desumanos à pena privativa de liberdade de 5 anos e a condenação de Mukundi foi reavaliada, visto que seu julgamento à revelia não observou o devido processo legal. 15. Foram incluídos no Registro de Vítimas e receberam indenização: a) as famílias das crianças sequestradas, US$ 5.000; b) as famílias das crianças mortas, US$ 20.000; c) a família de Lucrécia Rossi, US$ 20.000 por familiar, acrescido de benefícios sociais no total de US$ 5.000, para cada familiar, por terem renunciado ao direito de demandar; d) a família de Bolt, US$ 20.000 e e) a Comunidade Boneca. O tratamento psicossocial oferecido aos familiares das crianças mortas foi rejeitado, pois o haviam custeado com seus recursos. A família de Bolt foi incluída nos programas do Ministério das Vítimas e Reconciliação. 16. Lupita López, mãe de Aníbal López, denunciou Cardenal à CIDH em maio de 2009, em face da impunidade pela morte de seu filho e não reparação de danos. No mês seguinte, Emily e Maximiliano Rossi – irmã e pai de Lucrécia Rossi – arguiram a responsabilidade do Estado pela morte da estudante, falta de inquérito e de sanção e incompatibilidade da reparação recebida com os padrões do SIPDH. Em agosto, o Estado opôs-se quanto à admissibilidade e ao mérito das petições apresentadas por Lupita López, Annika Bolt, Emily e Maxiliano Rossi perante a CIDH.

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170 17. Em 20/02/09, o Tribunal Transicional Especializado do Estado não aceitou o recurso judicial interposto por Annika Bolt (para revisar a renúncia à ação penal de Ferreira e dos mencionados perante a CV), pois ausentes os requisitos para determinar os máximos responsáveis; tal decisão não pôde ser revista. O recurso de Annika Bolt referente à demanda administrativa de 2004 que buscou o reconhecimento da responsabilidade patrimonial do Estado (rejeitada em 2007 pelo Conselho de Estado) foi revisado em junho de 2010 pelo mesmo Órgão, o qual, utilizando o Relatório da CV, complementou em US$ 10.000 a indenização recebida. 18. Em fevereiro de 2012, a CIDH admitiu as demandas de Lupita López e de Emily e Maximiliano Rossi e juntou-as ao caso de Bolt. Em janeiro de 2013, emitiu relatório sobre o mérito, admitindo a responsabilidade do Estado pela ofensa aos arts. 3, 4, 5, 7, 8, 24 e 25, em prejuízo de Ricardo e Annika Bolt; e aos arts. 4, 8 e 25, em face de Aníbal e Lupita López e de Lucrécia, Emily e Maximiliano Rossi, todos relacionados aos arts. 1.1 e 2 da CADH. 19. O Estado manifestou-se contrário ao Relatório da CIDH e apresentou demanda à Corte em fevereiro de 2013. Aduziu que a decisão colocava em risco a estabilidade democrática, pois a notícia de modificação do regime de transição foi interpretada como traição ao processo de paz, havendo informações de possível Golpe militar e rearmamento de grupos desmobilizados. Foi, então, convocada a audiência pública. V. ANÁLISE LEGAL 1 DAS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 20. De início, pontua-se que esta Representação tem legitimidade para atuar perante esta Egrégia Corte, conforme arts. 25 e 40 de seu Regimento Interno, e que reconhece sua competência ratione temporis, loci, personae e materiae para análise deste caso, consoante arts. 62 da CADH, 28 e 29 da CVDT, eis que: a) os fatos ocorreram após Cardenal ratificar a CADH e aderir à

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170 cláusula de reconhecimento de jurisdição contenciosa (21/08/90), b) os eventos deram-se em seu território, c) as vítimas permaneceram sob a sua jurisdição e d) a matéria discutida perante a CIDH importa graves violações à CADH e a outros diplomas do SIPDH1. 21. A alegação de não esgotamento de recursos internos precluiu (regra do estoppel)2, pois não oposta perante a CIDH, e como determina esta Casa3. Não se cogita o não esgotamento de recursos por Emily e Maximiliano Rossi e Lupita López, pois não havia recursos a serem esgotados: o recurso de revisão das renúncias à ação penal, único existente, não era adequado para o pleito dessas vítimas, e os primeiros, ainda, tiveram de abrir mão do direito de demandar contra Cardenal. Não há litispendência internacional (art. 46.1.c da CADH), pois ausente entre este caso e o analisado pela Promotoria do TPI a convergência de partes, objeto e fundamento legal (art. 47.d da CADH)4, em vista das competências deste (art. 62 da CADH) e daquele Tribunal (arts. 5 e 25.1 do Estatuto de Roma)5. 22. Embora o Estado possa submeter um caso à Corte6 (art. 61 da CADH e art. 36 do Regulamento da CtIDH), violou-se o art. 50.2 da CADH, que impõe cláusula de confidencialidade aos relatórios da CIDH7, os quais buscam solucionar o caso de forma compatível com o SIPDH e permitir a observância de recomendações, sem que isso se torne um obstáculo à proteção dos DH8, como ocorre neste caso. Incumbe à Corte conhecer demandas relativas à interpretação e aplicação da CADH (art. 62.3) e não casos como este que buscam                                                                                                                         1

FAÚNDEZ LEDESMA, Hector. El sistema interamericano de protección de los derechos humanos: aspectos institucionales y procesales. 3. ed. San José: Instituto Interamericano de Derechos Humanos, 2004. pp. 605-630. 2 CtIDH. Caso Gomes Lund y otros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil. 2010. Serie C Nº219, §40. 3 CtIDH. Caso Gomes Lund y otros. Supra nota 2. §38. 4 CtIDH. Caso Baena Ricardo y otros Vs. Panamá. 1999. Serie C Nº61, §53. 5 CASSESE, Antonio. International Criminal Law. New York: Oxford University Press, 2003. p. 23. 6 CtIDH. Informe de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (art. 51 Convención Americana sobre derechos humanos). OC-15/97. 1997. Serie A Nº15, §47; CtIDH. Asunto de Viviana Gallardo y otros Vs. Costa Rica. 1981. Serie A NºG101/81, §13. 7 CtIDH. Ciertas atribuciones de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (Arts, 41, 42, 44, 46, 47, 50 y 51 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos). OC-13/93. 1993. Serie A Nº13, §48. 8 FAÚNDEZ LEDESMA. Supra nota 1. pp. 478-479. 15

 

170 afastar as recomendações da CIDH, não havendo amparo à causa de pedir de Cardenal. Ademais, a Carta Democrática Interamericana assinala (art. 17) que um Estado frente à ameaça de um Golpe, ao invés de vir a esta Corte, deveria ter recorrido ao Secretário-Geral ou ao Conselho Permanente da OEA e solicitado assistência para o fortalecimento e preservação da democracia. 23. Assim, requer-se, preliminarmente, que não se conheça a petição do Estado, por ofensa ao art. 50.2 da CADH e incongruência entre a causa de pedir e a competência desta Casa, e, se assim não se entender, postula-se a apreciação do mérito, que não implica em quarta instância9, pois apenas se exercerá controle de convencionalidade10. 2 DO MÉRITO 2.1 Introdução à causa 24. Após anos de ditadura, Ferreira, quando eleito, deveria ter assegurado a democracia e uma política de justiça de transição, mas não o fez. Logo, deve-se descartar o argumento de que o plebiscito, após o Golpe dado por ele, o legitimou, pois há limites intransponíveis na democracia, a qual é convalidada por consenso verificado através de eleições livres por sufrágio universal11. 25. Apesar dos regimes de transição considerarem as singularidades dos Estados, há pautas obrigatórias no marco da justiça transicional12. Portanto, é nos pilares da justiça de transição: Justiça, Verdade e Memória, Reparação e Reforma das Instituições13, que se deve buscar a resolução dos problemas derivados desse período em que houve graves violações aos DH.

                                                                                                                        9

MEDINA QUIROGA, Cecilia. La Convención Interamericana: teoría y jurisprudencia. Vida, integridad personal, libertad personal, debido proceso y recurso judicial. San José: Facultad de Derecho de Chile, 2003. pp. 268-269. 10 GARCIA RAMÍREZ, Sergio. La jurisdicción interamericana de derechos humanos (Estudios). México: Corte Interamericana de Derechos Humanos, 2006. pp. 58, 84. 11 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra. 2000. p. 77. 12 ONU, SECURITY COUNCIL. Report of the Secretary-General. The rule of law and transitional justice in conflict and post-conflict societies. 23/08/04. S/2004/616, §§9, 26. 13 ABRÃO, Paulo; GENRO, Tarso. Os direitos da transição no Brasil. In: Os direitos da transição e a democracia no Brasil: estudos sobre justiça de transição e teoria da democracia. Belo Horizonte: Fórum, 2012. pp. 33-47. 16

 

170 26. Segundo a Carta Democrática Interamericana (art. 3), a democracia pressupõe a proteção aos DH, o que diverge da postura de Cardenal que busca ver reconhecido um processo de justiça transicional sem transição14. O fundamento do pleito estatal revela a fragilidade da LRFR, a ineficácia da garantia de não repetição e que essa norma outorgou um nível de paz fictício que beneficia o cometimento de novos crimes. A pretensão do Estado reitera as violações aos DH, deixando incólumes seus responsáveis e afirma a “anticonvencionalidade”15. 27. Note-se, que alegações de prescrição das condutas anistiadas pela LRFR e de incidência do art. 9 da CADH são insustentáveis, pois: a) à época dos fatos, Cardenal já era signatária da Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra, de Lesa Humanidade e Genocídio, a qual prevê (art. 1) que são imprescritíveis crimes como os cometidos contra as vítimas; b) o nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege é um princípio geral de justiça e não uma limitação dela16; c) os atos cometidos eram tidos pelo DI como condutas delituosas17; d) não se aplicará retroativamente a tipificação do delito de desaparecimento forçado e a CIDFP, em função do caráter do mesmo18; e) a LRFR não é abolitio criminis e f) o Estado não pode alegar qualquer disposição de direito interno, prescrição, bis in idem, irretroatividade da lei penal ou outro argumento para se eximir de seu dever de investigar e sancionar penalmente os responsáveis pelas violações dos direitos das vítimas19. 2.3 Do desaparecimento forçado de Ricardo Bolt e seus desdobramentos                                                                                                                         14

UPRIMNY YEPES, Rodrigo (et al) ¿Justicia transicional sin transición? Verdad, justicia y reparación para Colombia. Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, Bogotá: 2006. p.42. 15 CtIDH. Caso La Cantuta Vs. Perú. 29/11/06. Serie C Nº 162. Voto razonado del Juez Sergio García Ramírez, §7. 16 TRIBUNAL INTERNACIONAL MILITAR. Nuremberg Trial Proceedings Volume 22. 31/08/46-1/10/46. p.461. 17 CASSESE. Supra nota 5, pp.140-141, 148; CtIDH. Caso La Cantuta. 2006. Serie C Nº162, §226; CtEDH. Case Sreletz and Others Vs. Germany, 2001. Nº34044/96, 35532/97, 44801/98, §§49 e seguintes; CtEDH. Case S.W Vs. United Kingdom. 1995. Nº335-B, §§34-36, 41-42; TRIBUNAL INTERNACIONAL MILITAR PARA O EXTREMO ORIENTE. Karl Brandt et al (Doctors Trial). Indictment. 1946, §§10, 15; CORTE SUPREMA DA NAÇÃO ARGENTINA. Caso Simón, Julio y otros s/ privación ilegítima de la libertad, Nº 17.768. 2005, §§30-31. 18 CtIDH. Caso Gomes Lund y otros. Supra nota 2, §179. 19 CtIDH. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. 2006. Serie C Nº154, §151; 17

 

170 28. Ao longo da Ditadura Ferreira, Cardenal desapareceu com seus oponentes silenciosamente20, como fez com Ricardo Bolt. O desaparecimento forçado de Bolt deve ser observado sob uma perspectiva integral pela pluralidade de ações que vulneraram os arts. 3, 7, 5 e 4 da CADH21, visto que esse ato subtrai a pessoa da proteção legal, provoca grandes sofrimentos a ela e a sua família, constitui atentado à dignidade humana (art. 1.1 da DPDF da ONU) e viola os direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à liberdade e à segurança pessoal, à integridade e à vida22 (art. 1.2 da DPDF da ONU). 29. Bolt permanece desaparecido há cerca de 15 anos. Esta Egrégia Corte e outros Tribunais asseveram que o desaparecimento forçado é uma violação múltipla e continuada de DH caracterizada pela: a) privação da liberdade, b) intervenção direta de agentes estatais ou sua aquiescência e c) negativa de reconhecer a detenção e de revelar a sorte ou o paradeiro do interessado23, conforme art. II da CIDFP. Todas essas ações foram executadas por Cardenal, que ao fazê-las abandonou os princípios fundamentais do SIPDH e contrariou o ius cogens24. 30. O direito à personalidade jurídica (art. 3 da CADH) refere-se ao reconhecimento da pessoa como sujeito de direitos e obrigações e sua violação decorre da negação da titularidade desses direitos e deveres e da própria existência da pessoa, deixando-a em uma situação de insegurança jurídica em relação à sociedade e ao Estado25. O desaparecimento de Bolt colocou-o em um                                                                                                                         20

ARENDT. Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p.253. 21 CtIDH. Caso Gomes Lund y otros. Supra nota 2, § 101; CtIDH. Caso Ibsen Cárdenas y Ibsen Peña Vs. Bolivia. 2010. Serie C Nº217, §57; 22 CtIDH. Caso Gudiel Álvarez y otros ("Diario Militar”) Vs. Guatemala. 2012. Serie C Nº253, §209; CtIDH. Caso Masacres de Río Negro Vs. Guatemala. 2012. Serie C Nº250, §119. 23 CtIDH. Caso Anzualdo Castro Vs. Perú. 2009. Serie C Nº202, §59; CtEDH. Case of Çakici Vs. Turkey. 1999. Nº23657/94, §§104-106; CtEDH. Case of Timurtas Vs. Turkey. 2000. Nº23531/94, §§102-105; HUMAN RIGHTS COMMITTEE. Case of Ivan Somers Vs. Hungary. 1996. Nº566/93, §6.3; TRIBUNAL SUPREMO DE JUSTIÇA DA REPÚBLICA BOLIVARIANA DA VENEZUELA. Caso Marco Antonio Monasterios Pérez. 2007; CÂMARA PENAL DA CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DA REPÚBLICA DO CHILE, Caso Caravana. 1999. 24 CtIDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. 1988. Serie C Nº4, §158; CtIDH. Caso Chitay Nech y otros Vs. Guatemala. 2010. Serie C Nº 212, §86; CtIDH. Caso Ibsen Cárdenas y Ibsen Peña. Supra nota 21, §61. 25 CtIDH. Caso Gudiel Álvarez y otros. Supra nota 22, § 209. 18

 

170 limbo jurídico, sua existência passou a ser questionada, ele e Annika foram impedidos de serem cidadãos autônomos e de construírem um projeto de vida. Cardenal, por meio do terrorismo de Estado, o deteve clandestinamente, o torturou e possivelmente o executou, assim fez com que sua esposa vivesse em busca da Verdade e da Justiça, ofendendo o art. 3 da CADH. Nem mesmo o corpo do esposo Annika pôde velar, para ela Ricardo some, é torturado e é morto a cada dia. 31. O dever de prevenção do Estado (art. 2 da CADH) inclui medidas que promovam a salvaguarda dos DH. Cardenal contraria o SIPDH, porque possuir centros de detenção clandestinos configura, per se, uma falta à obrigação de garantia, visto que atentam diretamente contra os direitos à liberdade pessoal, à integridade pessoal, à vida e à personalidade jurídica26. 32. A privação da liberdade é o início de uma violação complexa que se prolonga no tempo até que se conheça a sorte e o paradeiro da vítima, enquanto os despojos não são identificados o desaparecimento segue sendo executado27, como ocorre com Bolt. Para esta Casa, toda detenção deve ser registrada em documento pertinente que contenha suas causas, quem a realizou, seu horário e o da libertação e o registro de que foi dado aviso ao juiz competente, o que não ocorreu no presente caso, restando violado os art. 7.1, 7.2 e 1.1 da CADH28. 33. Bolt foi privado de sua liberdade por agentes estatais que atuaram com autorização do Estado, o que o colocou em situação de particular vulnerabilidade29. A isto, seguiu-se falta de informação sobre a sua detenção e posterior negativa da ocorrência. A CADH protege a liberdade como atributo inviolável do indivíduo e DH básico30 (art. 7.1), veda a sua privação,                                                                                                                         26

CtIDH. Caso Caso Gelman Vs. Uruguay. 2011. Serie C Nº 221, §77; CtIDH. Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña. Supra nota 21, §63 27 CtIDH. Caso Tiu Tojín Vs. Guatemala. 2008. Serie C Nº 190, §84; CtIDH. Caso Masacres de Río Negro. Supra nota 22, §113. 28 CtIDH. Caso Gudiel Álvarez y otros. Supra nota 22, §197. 29 CtIDH. Caso Suárez Rosero Vs. Ecuador. Serie C Nº 35, §90. 30 GARCÍA FALCONI, Ramiro J. Límites y alcances de la privación de libertad de acuerdo con la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. In: Sistema Interamericano de Protección de los derechos humanos y derecho penal internacional. Montevideo: Fundación Konrad-Adenauer, Oficina Uruguay 2010. 19

 

170 salvo em situações excepcionais (art. 7.2) e assegura o direito de todos à segurança pessoal, que incide no campo da integridade pessoal e da vida e garante a proteção do exercício da liberdade31 (art. 7.1). Nesse sentido, para a CtEDH, a seguridade pessoal visa não permitir que uma detenção seja arbitrária32. 34. De acordo com a CV, a detenção de Bolt ocorreu por tempo indeterminado, clandestinamente e de forma obscura. Trata-se de situação desproporcional e arbitrária, não admitida pela CADH (art. 7.3) e por esta Corte, pois os objetivos que a embasaram, estratégias políticas, não se ajustam ao logro de objetivo legítimo e interferem além do permitido no exercício do direito restringido33. A privação de liberdade é medida última e apenas cabível se não houver outro meio menos lesivo, se por período estritamente necessário34, devendo haver provas cabais de risco ao processo, à sociedade ou à ordem pública35. No caso, houve interferência máxima no direito à liberdade de Bolt, sendo que o possível interesse público foi fulminado pela ilegalidade do ato. 35. Inexistem registros formais sobre a detenção de Bolt, tendo o Estado declarado que ele estava foragido da justiça no período em que se encontrava encarcerado clandestinamente. A exigência desses registros é meio de assegurar e garantir os DH aos detentos36, e sua ausência configura um desrespeito à obrigação de garantia do Estado, sendo um atentado à liberdade pessoal37, impossibilitando o resgate da Verdade e da Memória. 36. À época de sua condenação, Bolt encontrava-se ilegalmente detido e não foi levado à presença de juiz competente, contrariando os arts. 7.5 e 7.6 da CADH, pois foi privado de

                                                                                                                        31

MEDINA QUIROGA. Supra nota 9, pp. 214-215, 234. CtEDH. Case Bozano Vs. France. 1986. Nº 9990/82, §§ 54-60 33 CtIDH. CasoComunidad Indígena Yakye Axa Vs, Paraguay. 2005. Serie C Nº 125, §145. 34 CtIDH. Caso Ricardo Canese Vs. Paraguay. 2004. Serie C Nº 111, §133 35 MEDINA QUIROGA. Supra nota 9, p.234   36  CtIDH. Caso Gudiel Alvarez (“Diario Militar”). Supra nota 22, §77.   37 CtIDH. Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña. Supra nota 21, §133. 32

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170 qualquer possibilidade de recorrer, já que não foi informado das acusações formuladas contra ele, violando-se o art. 7.4 da CADH. 37. O desaparecimento forçado de Bolt e seu cárcere prolongado constituem tratamento desumano e cruel, contrários aos arts. 1.1, 2 e 5 da CADH38. Conforme o art. 2 da CIPPT e o art. 1 da Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes, tortura é a ação deliberada ou intencional, que gera sofrimento ou aflição física ou psíquica à vítima, com o fim de abolir a sua resistência psicológica ou de forçála a culpar-se ou a confessar condutas delitivas39. Além das afirmações de Mukundi e das conclusões da CV, o modus operandi dos agentes estatais, permite concluir que Bolt foi torturado enquanto esteve sob a custódia de Cardenal, em ofensa aos arts. 5.1 (assegurar e respeitar a integridade daqueles sob a sua jurisdição) e 5.2 (vedação à tortura e a tratamentos degradantes, cruéis ou desumanos) da CADH e aos Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas da OEA (Princípio I) e o ius cogens40. 38. A tortura é ilegítima mesmo quando há sinal de ameaça ao Estado41. Ainda que Bolt estivesse envolvido no sequestro das crianças, tal prática é inadmissível, pois o direito a não sofrê-la é absoluto e inderrogável, válido em qualquer situação e para todos, já que não há concorrência entre ele e os demais direitos42. 39. Como Bolt foi detido, desaparecido e torturado por agentes estatais, a falta de materialidade de seu corpo não afasta a violação ao art. 5 da CADH, porque Cardenal não garantiu os direitos

                                                                                                                        38

CtIDH. Caso Gelman. Supra nota 26, §94; CtIDH. Caso Gomes Lund y otros. Supra nota 2, §83; CtIDH. Caso Tibi Vs. Ecuador. 2004. Serie C Nº 144, §§ 145-146; 40 CtIDH. Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. OC-18/03. 2003. Serie A. Nº 18. §89; CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Case questions relating to the obligation to prosecute or extradite (Belgium V. Senegal). 2012, §99. 41 CtEDH. Case of Labita Vs. Italy. 2000. Nº 26772/95, §119; CtEDH. Case of Selmouni Vs. France. 1999. Nº 252803/94, §95; CtIDH. Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. 1999. Serie C Nº 52, §197. 42 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Nova Edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. pp. 19-20, 40. 39

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170 da CADH (art. 1.1)43. Responsável pelas instalações de detenção, o Estado deveria garantir tratamento digno e adequado (art. 5.4 da CADH) e respeitar os direitos dos encarcerados44, mas não o fez: Bolt foi detido ilegalmente em local clandestino onde foi objeto de tortura. 40. Violada a personalidade jurídica, a liberdade e a integridade pessoal, é corolário que as torturas as quais Bolt foi submetido também atingiram o seu direito à vida (art. 4 da CADH). Ainda que não haja comprovação de seu assassinato, sua sujeição a órgãos oficiais de repressão ofendeu esse direito45, o qual requer a garantia da não privação arbitrária, ações positivas do Estado para prevenir a sua violação (art. 1.1 da CADH) e repreensão de quem não o observa46. 41. Cardenal, além de não garantir o respeito à vida de Bolt, encarregou-se de fulminá-la, pois é responsável pelo seu desaparecimento, cárcere clandestino, tortura e possível morte47. Inegável tal violação, porque o desaparecimento forçado inclui, com frequência, a execução em segredo dos detidos, seguida da ocultação do cadáver para apagar provas do crime e deixar impunes quem o cometeu, de modo que a ausência de materialidade do corpo não afasta sua violação48. 42. O projeto de vida de Bolt foi devastado. Estando desaparecido, torna-se irreparável a manutenção das suas expectativas pessoais, profissionais e familiares, eliminando, se não a sua vida, o que restaria dela49. 43. A provável morte de Bolt importa em inobservância ao respeito à vida, violando os demais preceitos da CADH, pois em não respeitando esse direito, todos os outros carecem de sentido50.

                                                                                                                        43

CtIDH. Caso Godínez Cruz Vs. Honduras. 1989. Série C Nº 05, §197. CtIDH. Caso Castillo Petruzzi y otros. Supra nota 41, § 195; CtIDH. Caso Durand y Ugarte Vs. Perú. 2000. Serie C Nº 68, §78. 45 CtIDH. Caso Gomes Lund y otros. Supra nota 2, §122. 46 CtIDH. Caso Bulacio Vs. Argentina. 2003. Serie C Nº 100, §111; MEDINA QUIROGA. Supra nota 9, p. 79. 47 CtIDH. Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala. 2003. Serie C Nº 101, §153. 48 CtDIH. Caso Anzualdo Castro. Supra nota 23, §85. 49 CtIDH. Caso Furlan y Familiares Vs. Argentina. 2012. Serie C Nº 246, § 285 50 CtIDH. Caso Villagrán Morales (“Niños de la Calle”) Vs. Guatemala. 19/11/99. Serie C Nº 63, § 153. 44

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170 44. É incabível a alegação de circunstâncias excepcionais em prejuízo dos DH51. As disposições da CADH não se interpretarão no sentido de permitir a supressão do gozo ou exercício dos direitos consagrados, ou limitá-los, em maior medida do que nela previsto (art. 29.a). O art. X da CIDFP impõe que nenhuma circunstância, independente de se tratar de estado de guerra, instabilidade política interna ou situação de emergência pública, pode ser invocada para justificar um desaparecimento forçado, pois há proibição absoluta de tortura, desaparecimento forçado, execuções extrajudiciais, decorrente de norma inderrogável de DI52. 45. Deve ser reconhecido que todas as violações contra Bolt afetam sua esposa, Annika Bolt, já que presumível juris tantum o dano à integridade psíquica e moral dos familiares de vítimas de tortura e desaparecimento forçado53. Com o não esclarecimento do paradeiro do esposo, seu sofrimento é eterno, constituindo tortura54, pois não há luto e, tampouco, cicatrização das feridas a nível individual55, restando violado o art. 2.c da Convenção de Belém do Pará. Annika Bolt também teve seu projeto de vida arbitrariamente alterado. Os anos de busca e procura de respostas que até hoje não foram respondida atinge de forma direta o seu modo de ser, agir e pensar, causando ressentimento e revolta passiva56. 46. Os métodos empregados na repressão aos dissidentes do regime civil-militar com fins de desmantelar, a qualquer custo, a oposição, exorbitaram a própria legalidade instaurada pelo Golpe de Estado. Desses eventos, conclui-se que Cardenal não respeitou o direito à                                                                                                                         51

CtIDH. Caso Loayza Tamayo Vs. Perú. 1997. Serie C Nº 33, §44. CtIDH. Caso Barrios Altos Vs. Perú. 2001. Serie C Nº 75, §41. 53 CtIDH. Caso Gomes Lund y otros. Supra nota 2, §§ 235-236; CtIDH. Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña. Supra nota 21, §127. 54 CTIDH. Caso Gomes Lund y otros. Supra nota 2, §§ 240-241; CtEDH. Case of Campbell and Cosans Vs. The United Kingdom. 1982. Nº 7511/76, 7743/76 , § 26; AFRICAN COMMISSION ON HUMAN & PEOPLES' RIGHTS. Case Amnesty International Vs. Sudan. Nº 48/90, 50/91, 52/91, 89/93. 55 ONU. Economic and Social Council. Report of the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights. Study on the right to the truth. 2006, §23; CORTE CONSTITUCIONAL DA REPÚBLICA DA COLOMBIA. Caso T-249/03. 2003; TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DA REPÚBLICA DO PERÚ. Caso 24882002-HC/TC. 2004; CORTE SUPREMA DA NAÇÃO ARGENTINA. Supra nota 17. 56 KEHL, Maria Rita. Tortura e Sintoma Social. In: O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo, 2010. pp.123132. 52

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170 personalidade jurídica, à liberdade e integridade pessoal e à vida (art. 1.1 CADH), assim como se omitiu ao não prever as medidas necessárias para torna-los efetivos (art. 2 da CADH), já que a legislação da época propiciava a ocorrência de tais atrocidades. 47. Com base no princípio iura novit curia, de largo respaldo na jurisprudência deste Tribunal57, solicita-se que esta Corte leve em conta que dos fatos narrados também se depreende a violação ao art. 17 da CADH, já que Ricardo e Annika Bolt se viram impossibilitados da convivência familiar – que possui significado especial no contexto das famílias indígenas e compõe a comunidade –, ante o desaparecimento daquele pelas forças estatais58. 2.4 Da desigualdade perante a lei e da discriminação 48. Ao promover a escolha de máximos responsáveis, através da LRFR, Cardenal violou o art. 24 da CADH, combinado com os arts. 1.1 e 2, visto que os critérios estabelecidos privilegiaram alguns em detrimento de outros. Dos 5 oficiais e 4 suboficiais citados por Pires na CV como envolvidos no desaparecimento e tortura de Bolt, além de Ferreira que instigava ações ilegais, nenhum foi investigado ou punido. 49. Os arts. 1.1 e 24 da CADH impõem a obrigação de respeitar e garantir - sem discriminação os direitos consagrados no SIPDH e de assegurar o direito à igualdade, logo, privilégios ou discriminações entre iguais são incompatíveis com tais arts.59, ficando o Estado impedido de promover tratamento distinto entre aqueles que estejam em situação equivalente, salvo se houver justificação objetiva e razoável e um fim legítimo60, o que carece neste caso.

                                                                                                                        57

CtIDH. Caso Castillo Petruzzi y otros. Supra nota 41, §166; CtIDH. Caso Durand y Ugarte. Supra nota 44, §76. CtIDH. Caso Chitay Nech y otros. Supra nota 24, §§159, 161. 59 CtIDH. Propuesta de modificación de la Constitución Política de Costa Rica relacionada con la naturalización. OC-4/84. 1984. Serie A Nº 4, §§ 53, 54, 55. 60 CtIDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. 2005. Serie C Nº 127, §185 58

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170 50. A seleção de máximos responsáveis é medida discriminatória e não uma diferenciação. A justiça seletiva não é razoável e não persegue um fim legítimo61. Dentre os envolvidos em crimes de lesa humanidade, foram selecionados poucos responsáveis e outros foram preteridos, o que configura uma medida transgressora aos direitos das vítimas, impedindo a Verdade e a Justiça. Assim, não deve prosperar a alegação de que a LFRF está de acordo com o arts. 1.1, 2 e 24 da CADH por anistiar tanto os agentes do Estado de Exceção, quanto aqueles que fizeram uso do seu direito de resistência, ao argumento de que seus atos teriam a mesma moldura histórica e política e, portanto, devem receber o mesmo tratamento normativo62. 51. Não se pode equiparar terrorismo de Estado ao direito de resistência, o qual opera a partir de uma lógica de direito de defesa e possui como fundamento a manutenção da ordem constitucional democrática, pois quando necessário, quem pratica terrorismo é o Estado. Ocorrendo um Golpe de Estado, a resistência torna-se mais do que um direito: um dever63. 52. A LRFR ao anistiar agentes que cometeram crimes contra os DH e a humanidade viola os arts. 24, 2 e 1.1 da CADH em face de Ricardo e Annika Bolt, pois: a) exonera a responsabilidade dos que agiram “com obediência devida”, ofendendo a CIDFP (art. VIII), a CIPPT (arts. 3 e 4) e o entendimento de que são inadmissíveis excludentes de responsabilidade que impeçam a investigação e sanção daqueles que violaram DH, importando em inegável auto anistia64; b) banaliza o mal65, através de um sistema calcado na burocracia, no segredo e no fechamento

                                                                                                                        61

CtIDH. Caso Artavia Murillo y otros (Fertilización in vitro) Vs. Costa Rica. 28/11/12. Serie C Nº 257, §285. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153. 2010. pp. 208-209. 63 SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. O terrorismo de Estado e a ditadura civil-militar no Brasil: direito de resistência não é terrorismo. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição. Nº 5 (jan./jun. 2011). Brasília: Ministério da Justiça, 2012. pp. 50-74. 64 CtIDH. Caso Barrios Altos. Supra nota 52, §41; CtEDH. Case of Margus Vs. Croatia. 2014. Nº 4455/10, §139. 65 ARENDT. Supra nota 20. 62

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170 institucional ao anistiar aqueles que embora tivessem domínio dos fatos66, como Ferreira, não se apresentaram à CV; c) discrimina pessoas que foram igualmente violadoras de DH. 53. A isto se soma o fato de que os indígenas são discriminados e vulneráveis67, e Cardenal, mesmo signatária da CADH, reforça tal prática. Conforme a Convenção 169 da OIT, esses povos devem poder gozar de direitos e oportunidades iguais aos demais cidadãos, sem obstáculos ou discriminações (art. 3), sendo essencial que o Estado garanta o exercício e a proteção desses através de medidas positivas (art. 2), levando em conta suas particularidades e especial vulnerabilidade68. Desde 1960, membros da Comunidade Boneca foram perseguidos e discriminados por sua origem e suas opiniões políticas, tal como Ricardo e Annika Bolt. Cardenal deveria criar condições reais de igualdade em favor desses indivíduos, não apenas legislando, mas levando em conta suas características ao interpretar e aplicar suas normas internas69, mas não o fez, violando o art. 24 da CADH, combinado com os arts. 1.1 e 2 da mesma 54. Acrescenta-se que a violência sexual contra Lucrécia Rossi constitui discriminação baseada no gênero, ocorrendo simplesmente pelo fato dela ser mulher, uma vez que o mesmo não ocorria com os homens; tal brutalidade é utilizada por estados ditatoriais como meio simbólico para humilhar a parte contrária ou como forma de castigo e repressão70. Desta forma, com base no princípio iura novit curia, solicita-se que esta Casa considere que houve violação ao art. 24 da CADH, combinado com os arts. 1.1 e 2 da mesma, também em prejuízo de Lucrécia Rossi. 2.6 Da execução extrajudicial de Lucrécia Rossi e seus desdobramentos

                                                                                                                        66

ROXIN, Claus. Autoría y dominio de hecho en derecho penal. Madrid: Marcial Pons, 2000; CtEDH. Case Jorjic Vs. Germany. 12/07/07. Nº 74613/01, §§113-115. 67 CtIDH. Comunidad Indígena Yakye Supra nota 33. §63 68 CtIDH. Caso Tiu Tojín. Supra nota 27, §96. 69 CtIDH. Caso Yatama. Supra nota 60, §185; 70 CtIDH. Caso Espinoza Gonzáles Vs. Perú. 2014. Serie C Nº 289, §§221 e 226. 26

 

170 55. Cardenal violou o direito à vida (art. 4 da CADH) de Lucrécia Rossi, que foi torturada, violentada sexualmente e morta pelo Estado. Trata-se de típica execução extrajudicial, e sua investigação não seguiu as diretrizes do Protocolo Modelo para Investigação Legal de Execuções Extrajudiciais. É inegável tal violação, pois seu corpo foi encontrado esquartejado na rua. 56. Segundo a Convenção de Belém do Pará, a violência contra a mulher é qualquer ato que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico (art. 1), abrangendo estupro (art. 2.b), perpetrado ou tolerado pelo Estado ou seus agentes (art. 2.c), como ocorreu com Lucrécia Rossi. Os atos praticados contra ela não respeitaram a sua integridade , sua segurança pessoal e sua vida, violando-se além dos arts. 1 e 2.b, os arts.4.a, 4.b, 4.c e 4.d da referida Convenção. 57. Deve ser considerada a gravidade do ato praticado para que a punição seja proporcionalmente adequada (art. 4º da DPDF, art. 6º da CIPT e art. 4.2 da Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes). Todavia, o responsável institucional pela tortura, violência sexual e assassinato de Lucrécia Rossi, Pires, foi condenado apenas a comparecer semanalmente em juízo e a prestar serviços à comunidade. Tal sanção foi ínfima e mostrou-se inadequada tanto para fins de prevenção geral, quanto especial da pena, porque o Estado, ao repreender o ato de forma branda, incita potenciais torturadores a cometerem tais atrocidades, porque a sanção não os intimida71, violando, além do art. 4 da DPDF e o art. 6º da CIPT, o art. 7.b da Convenção de Belém do Pará. Essa postura ilustra a flexibilidade de Cardenal ao punir seus agentes quando do cometimento de crimes contra humanidade, atenuação que está em desacordo com o SIPDH. 58. Com base no princípio iura novit curia, solicita-se que este Tribunal considere que houve violação ao art. 5 da CADH em prejuízo de Lucrécia, Emily e Maximiliano Rossi, já que a tortura e a violência sexual constituem atos que ofendem a integridade física, psíquica e moral do                                                                                                                         71

CtIDH. Caso Myrna Mack Chang. Supra nota 47, §156. 27

 

170 ser humano (art. 5.1) e os familiares das vítimas desse tipo de violação têm violada sua integridade conforme referido (§45). 59. O projeto de vida de Lucrécia, Emily e Maximiliano Rossi foi abruptamente alterado. A primeira teve suas expectativas profissionais, familiares e pessoais fulminadas, todo e qualquer plano de ver seus estudos transformados em mudanças para o futuro quedaram-se com sua morte. Emily e Maximiliano Rossi tiveram danificados o seus projetos de vida, visto que a perda de um ente familiar direto em decorrência da ação arbitrária do Estado, além de violar DH, acarreta em mudanças que os tornam igualmente vítimas72, pois temem o Estado em que vivem que - ao invés de garantir - pratica atos que atemorizam a vida dos cidadãos. 2.7 Da morte de Aníbal López 60. Cardenal violou o art. 4º da CADH em face de Aníbal e Lupita Lopez, pois, como referido (§40), o direito à vida possui dimensão negativa e positiva73, que não foram observadas. O Estado, se não diretamente responsável pela morte de Aníbal López, não garantiu a sua vida, já que a colocou em perigo em decorrência da atuação desmedida das FFAA. 61. O Estado tem o direito e o dever de, com cuidado, garantir a segurança. O acionamento das FFAA deve limitar-se a situações excepcionais e não para a proteção e controle de civis, como ocorreu no caso74. Nesse sentido, o Protocolo Adicional II às Convenções de Genebra estabelece que os civis gozam de proteção contra os perigos resultantes de operações militares (art. 13.1). O art. 4 da CADH foi violado, pois Aníbal morreu em razão da operação das FFAA, uma vez que, além de não haver legislação que regulasse o uso da força, não houve o devido cuidado por parte do Estado para que essa não afetasse as crianças indefesas, em ofensa ao direito à vida75.                                                                                                                         72

CtIDH. Caso Chitay Nech y otros. Supra nota 24, §220. CtIDH. Caso La Cantuta. Supra nota 17. § 218. CtIDH. Caso Bámaca Velásquez. 2002. Serie C Nº 91, § 172. 74 CtIDH. Caso Cabrera García y Montiel Flores vs. México. 2010. Série C. Nº 220. §§87-88. 75 CtIDH.Caso Hermanos Landaeta Mejías y otros vs. Venezuela. 2014. Serie C Nº 281, §126. 73

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170 62. O Estado não garantiu a vida de Aníbal López (art. 2 da CADH) e não executou medidas reais de investigação, em afronta ao direito à Verdade, pois além da morte do filho, Lupita López não teve revelado e compreendido o acontecimento que ocasionou tal fatalidade, que se não praticada pelo Estado, foi permitida por ele, que não salvaguardou o direito76. O projeto de vida de Lupita López foi brutalmente alterado com a perda do filho77. Muitas das realizações que desejava para o futuro quedaram-se, já que é natural que dentre as projeções dos pais estejam planejamentos e expectativas que só se concretizam através da vivência dos filhos78. 63. O MRLB buscou um diálogo de paz com o Governo. Cardenal não propôs soluções pacíficas, requereu a libertação das crianças em troca do respeito à vida, o que é vedado pelo art. 4.1 da CADH, pois deve o Estado garantir a não violação do direito à vida e tomar medidas para evitar que tal inobservância ocorra (art. 1.1 da CADH)79, ao invés de barganhá-la 64. Aníbal López, portanto, teve o seu direito ao respeito à vida violado, porque sua morte se deu de forma absolutamente arbitrária, uma vez que Cardenal não agiu precavidamente, atuando de maneira desmedida, não garantindo a sobrevivência daqueles que sua operação deveria proteger. 2.8 Do julgamento de Ricardo Bolt pela JM e dos demais procedimentos 65. Cardenal desrespeitou os arts. 8 e 25 relacionados aos arts. 1.1 e 2 da CADH, em face de Ricardo e Annika Bolt, quando do julgamento dele pela JM e dos recursos internos usados por

                                                                                                                        76

CtEDH. Case of Hugh Jordan vs. The United Kingdom. 2001. Nº 24746/94. §105. CtIDH. Caso Hermanos Landaeta Mejías y otros. Supra nota 75. § 132. 77 CtIDH. Caso Furlan y Familiares Vs. Argentina. Supra nota 49. 78 CtIDH. Caso Villagrán Morales (“Niños de la Calle”) 1999. Voto Concurrente Conjunto de Los Jueces A.A Cançado Trindade y A. Abreu Burelli, §9. 79 CtIDH. Caso Bulacio Vs. Argentina. Supra nota 46. 29

 

170 seus familiares, pois não assegurou recursos judiciais efetivos e eficazes (art. 25)80 e garantias judiciais (art. 8) inerentes ao devido processo legal81. 66. A JM não constitui per se violação aos direitos da CADH82, mas a aplicação dessa jurisdição não garantiu o due process of law (8.1 da CADH). A alteração da competência da Justiça Comum para a JM e o processamento de civis por ela ofendeu o direito ao juiz natural e esse art., pois a ela cabe julgar membros das FFAA83. Ademais, a JM, quando julga os fatos que investiga, não é independente e imparcial, violando o art. 8.1 da CADH84. 67. Ao ser julgado à revelia, Bolt teve cerceado seu direito a ser ouvido e de ter acesso ao tribunal encarregado de determinar seus direitos85 (art. 8.1). Tal condenação contrariou o SIPDH, pois não se referia a um delito considerado comum pela legislação vigente86 e violou o art. 2.e do Protocolo Adicional II às Convenções de Genebra. Bolt não teve direito a ser assistido por um defensor de sua confiança, violando o art. 8.2.d da CADH, e não foi observado o art. 8.2.e da mesma com o oferecimento de defensor vinculado às FFAA87. Assim, não foi tratado como sujeito do processo, mas como objeto dele, tendo desrespeitado seu direito de defesa88. 68. Cardenal não garantiu o acesso a recursos simples, rápidos e efetivos89 (art. 25 da CADH) para rever o cárcere e a condenação de Bolt à prisão perpétua. Além de não haver garantia de recorrer a um juízo superior para questionar a decisão da JM, o que viola o art. 8.2.g da CADH,                                                                                                                         80

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume II. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. p.98. CtEDH. Case of Mocanu and others. Vs. Romania Rumania. 2014. Nº 10865/09, 45886/07, 32431/08. §§317, 321. 81 CtIDH. Garantías Judiciales en Estados de Emergencia (arts. 27.2, 25 y 7 Convención Americana sobre Derechos Humanos) OC-9/87, 1987. Serie A Nº 9. §27. 82 CtIDH. Caso Genie Lacayo Vs. Nicaragua. 1997. Serie C Nº30, §84. 83 CtIDH. Caso Castillo Petruzzi y otros. Supra nota 41, §128; CtIDH. Caso Lori Berenson Mejía Vs. Perú. 2004. Serie C Nº119, §141. 84 CtIDH. Caso Durand y Ugarte Supra nota 44, §126; CtIDH. Caso Lori Berenson Mejía. Supra nota 83,§145. 85 CtIDH. Caso Apitz Barbera y otros (“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”) Vs. Venezuela. 2008. Serie C Nº 182, §72. 86 CIDH. Informe 2/92. Caso 10.289. Caso Sheik Sahib Tajudeen Vs. Costa Rica. 87 CtIDH. Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela. 2009. Serie C Nº 206, §63. 88 CtIDH. Caso Barreto Leiva. Supra nota 87, §194. 89 CtIDH. OC-9/87. Supra nota81. §23 30

 

170 não se pode cogitar que o recurso de habeas corpus seria eficaz para livrá-lo do cárcere clandestino, para determinar seu paradeiro, seu estado de saúde ou para identificar a autoridade que ordenou a privação de liberdade90. Bolt estava impedido de exercer por si, ou por terceiros, qualquer recurso, pois desaparecido por agentes estatais, sendo seu paradeiro desconhecido91. 69. Não existem recursos efetivos quando há no Estado, como na Ditadura Ferreira, uma violação sistemática aos DH, pois sua ineficácia é um elemento de tal situação92. As denúncias contra membros das forças do Estado raramente passavam para a fase de julgamento. O foro privilegiado instaurou um mecanismo de impunidade, pois comandantes das FFAA e o auto declarado Presidente cometiam crimes contra os DH e beneficiavam-se dessa prerrogativa, incompatível, no caso, com o SIPDH, o interesse público e a integridade da função de Chefe de Estado93. O desaparecimento de Bolt deveria ter sido investigado exaustivamente até que fosse esclarecido (arts. 13.1 e 13.6 da DPDF da ONU), mas foi negado provimento ao inquérito do MP que visava investigar tal fato, por falta de provas. Além disso, o Estado não garantiu que suas autoridades procedessem de ofício e realizassem uma investigação imediata sobre o caso, pois havia razões para supor o cometimento de tortura (art. 8 da CIPPT). 70. Em 2004, Annika Bolt apresentou demanda administrativa de responsabilidade patrimonial do Estado que não contou com as garantias de celeridade (art. 25 da CADH) e razoabilidade dos prazos (art. 8 da CADH), exigíveis, inclusive, na seara administrativa94. Passaram-se mais de 3 anos para o julgamento e mais de 6 para revisão. O prazo não foi razoável à luz dos critérios desta Casa, pois: a) tratava-se de causa simples; b) as autoridades procrastinaram a demanda; c) Annika Bolt agiu com boa-fé e não obstaculizou o trâmite do feito; e d) a longa tramitação                                                                                                                         90

CtDIH. Caso Anzualdo Castro. Supra nota 23, §64. CtIDH. Caso Villagrán Morales (“Niños de la Calle”). Supra nota 50, §236. 92 MEDINA QUIROGA. Supra nota 9, p. 374. 93 CtIDH. Caso Barreto Leiva. Supra nota 87, §74. 94 CtIDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa. Supra nota 33, §62. 91

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170 prejudicou Bolt e sua família, pois além de não ter sido revelado seu paradeiro, não houve reparação financeira à época95. A revisão das decisões, em 2010, não apaga o quadro de mais de 6 anos de constante denegação de justiça. 71. A existência de normas contrárias aos arts. 8.1, 8.2 e 25 da CADH denota que Cardenal descumpriu, também, a obrigação geral de adotar disposições de direito interno (art. 2 da CADH) e de respeitar e garantir os direitos da CADH (art. 1.1 da CADH). 2.7 Do direito à justiça 72. Cardenal não cumpriu com o dever de investigar, julgar e condenar a penas adequadas os responsáveis por graves violações de DH96 (arts. 1.1, 2, 8 e 25 da CADH e arts. XVIII e XXIV da Declaração Americana de Direitos Humanos), o qual se traduz no direito à Justiça97. 73. A renúncia à ação penal daqueles que não foram considerados máximos responsáveis, a escolha desses e a ausência de um recurso eficaz para revisar a renúncia, demonstra que a ratio legis da LRFR é deixar impune graves ofensas ao DI cometidas pelo regime civil-militar98. A LRFR é, assim, incompatível com a CADH e viola seus arts. 1.1 e 2 ao impedir a investigação e sanção dos responsáveis pelas violações graves aos DH99. Leis como essa, independentemente de seu nome e se oriundas de um acordo político, contrariam o SIPDH pelo seu aspecto material que viola os arts. 8 e 25 da CADH, em relação aos arts. 1.1 e 2100. 74. O argumento de que o recurso de revisão à renúncia às ações penais é efetivo, pois concede a possibilidade e não a garantia de um resultado favorável101 não deve prosperar. A efetividade                                                                                                                         95

CtIDH. Caso Genie Lacayo. Supra nota 82 §§77-80. CtIDH. Caso Velásquez Rodríguez. Supra nota 24, §§166-167 97 BOTERO MARINO, Catalina; RESTREPO SALDARRIGA, Esteban. Estándares Internacionales y proceso de transición en Colombia. In: Entre el perdón y el paredón: preguntas y dilemas de la justicia transicional. Bogotá: Universidad de los Andes – Departamento de Ciencia Política, 2005. pp. 19-67. 98 CtIDH. Caso Almonacid Arellano y otros. Supra nota 19, §120. 99 CtIDH. Caso Gelman. Supra nota 26, § 226. 100 CtIDH. Caso Gelman. Supra nota 26, § 229; CtIDH. Caso Gomes Lund y otros. Supra nota 2, § 175. 101 CtIDH. Caso Godínez Cruz. Supra nota 43, §70. 96

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170 constata-se na medida em que o recurso é apto a produzir o resultado para o qual tenha sido idealizado102. Ainda que a finalidade desse recurso seja punir aqueles que violaram os DH, na prática comprovou-se ilusório103, eis que apenas 3% foram providos. Ademais, não era possível recorrer da decisão, em clara violação ao art. 8.2.h da CADH. Os órgãos estatais - incluindo o Judiciário - estão submetidos à CADH e ao exercício do controle de convencionalidade entre as normas internas e a CADH104, o que não foi observado para Annika Bolt. 75. No marco da justiça transicional, os perdões devem ser excepcionais, individualizados e regidos pelo princípio da proporcionalidade. Sua concessão apenas se justificará se for a única medida para alcançar a paz e se proporcional à gravidade dos atos cometidos, ao grau de comando do indivíduo e às contribuições que esse fez à justiça105. O Estado não observou tais ditames, pois: a) concedeu anistia geral e irrestrita, salvo nos 14 casos escolhidos pela CV e nos quais houve condenação; b) renunciou à ação penal de Ferreira, que possuía maior poder de comando106; c) atribuiu pena alternativa ínfima a Pires, mesmo ciente de que ele foi responsável por desaparecimentos, torturas e violação sexual de cidadãos de Cardenal e d) não houve investigação e determinação dos responsáveis pela morte de Aníbal Lopez. 76. Os crimes cometidos contra as vítimas deste caso devem ser excluídos dos perdões totais, sendo admitidos perdões parciais se além do agente contribuir para a paz e a verdade, confessar os fatos sobre o qual se pretende tal perdão e cumprir um período mínimo de pena privativa de

                                                                                                                        102

CtIDH. Caso Velásquez Rodríguez. Supra nota 24. 1988. Serie C Nº 4, §66. CtIDH. OC-9/87. Supra nota 81., §24 104 CtIDH. Caso Furlan y Familiares. Supra nota 49, §§302-303. 105 UPRIMNY YEPES, Rodrigo (Coord.) ¿Justicia transicional sin transición? Reflexiones sobre verdad, justicia y reparación en Colombia. (Manuscrito sin corregir del libro del mismo título que será publicado por DJS en enero de 2006). Bogotá, noviembre de 2005. 106 ARENDT. Supra nota 20, p.268. 103

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170 liberdade107, o que não ocorreu no caso de Pires que não cumpriu pena privativa de liberdade mesmo sendo o responsável pela tortura, estupro, morte e esquartejamento de Lucrécia Rossi. 77. Conquanto a Constituição de Cardenal reconheça a jurisdição indígena como direito imprescindível a sua autodeterminação, para esta Representação, a aplicação da “jurisdição Boneca” aos não membros da comunidade, assim como a LRFR, não está de acordo com os pilares da justiça de transição. Contudo, por se tratar de matéria sui generis, ainda sem precedentes nesta Casa, deve ser objeto de causa específica desde que postulado conforme os requisitos do SIPDH. 78. O déficit da proteção estatal incorporado pela LRFR além de violar os art. 1.1, 2, 8 e 25 da CADH, em prejuízo das vítimas deste caso, caracteriza omissão vedada no Estado de Direito pela proteção insuficiente108 e não respeita o pilar da Justiça. 2.8 Do direito à verdade 79. A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento109. O direito à Verdade, portanto, busca garantir que as vítimas de graves violações de DH e seus familiares conheçam a Verdade sobre identidade dos autores, causas, fatos e circunstâncias em que foram produzidas violações110, o que não ocorreu às vítimas deste caso, já que Cardenal demonstra não ter interesse em investigar as violações a que submeteu seus cidadãos. Desta forma, com base no princípio iura novit curia, solicita-se o reconhecimento da violação ao art. 13 da CADH como se passa a demonstrar. 80. O direito a receber informações de qualquer natureza (art. 13.1 da CADH) subsume-se ao direito de obter dos órgãos estatais competentes o esclarecimento acerca dos fatos violatórios e                                                                                                                         107

UPRIMNY YEPES, Rodrigo (Coord.) Supra nota 14. p.9. TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO (BVerfGE). 88, 203. Schwangerschaftsabbruch II. §245. 109 KUNDERA, Milan. O livro do riso e do esquecimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. 110 CtIDH. Caso Velasquéz Rodríguez. Supra nota 24, §181. 108

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170 das responsabilidades correspondentes, através de investigação e julgamento (arts. 1.1, 8 e 25 da CADH)111. Estando Ricardo Bolt encarcerado clandestinamente, ele e Annika Bolt não puderam exercer tal direito. Igualmente, quanto à Lucrécia, Emily e Maximiliano Rossi e Lupita e Aníbal López, não houve resoluções satisfatórias quanto às violências sofridas. 81. O direito à verdade possui também uma dimensão coletiva, pois todos têm direito a conhecer o passado para construção de uma memória histórica, o que beneficia toda a sociedade, já que quando conhecidas as ações violatórias, todos estão capacitados para, eventualmente, prevenilas112. Destaca-se que a ONU corrobora a importância da determinação da verdade com relação às violações manifestas dos DH para a consolidação dos processos de paz e de reconciliação113. 82. Uma democracia não se consolida com cadáveres insepultos114, logo, não deve prosperar o argumento de que a observância das recomendações da CIDH ameaça o processo de paz. Cardenal realizou uma Justiça de Transição falsa, pois não implementou os seus pilares, e a democracia apenas consolidar-se-á com o respeito à Memória e à Verdade, com a sociedade consciente de seu passado e de seu presente para assim, soberanamente, construir seu futuro. Deve o Estado atuar de boa-fé e realizar diligentemente as ações necessárias para assegurar a efetividade do acesso à informação, especialmente quando se trata de conhecer a verdade sobre casos de violações graves de DH115 e garantir e preservar a Memória, o que não ocorreu. 83. O direito à verdade é elemento necessário para um processo de reconciliação nacional116, não merecendo amparo a justificativa estatal de que o trabalho da CV seria suficiente para efetiva-lo e realizar o processo de transição, pois uma comissão da verdade não completa nem substitui a                                                                                                                         111

CtIDH. Caso Gomes Lund y otros. Supra nota 2. §201. CIDH. Derecho a la verdad en América. OEA/Ser.L/V/II.152 Doc. 2. 13/08/14. 113 CtIDH. Caso Gudiel Álvarez y otros. Supra nota 22, §299. 114 TELES, Maria Amélia. 2011. Depoimento disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WwQmM8ci9cI. 115 CtIDH. Caso Gomes Lund y otros. Supra nota 2. §211. 116 CIDH. Informe Anual de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos, 1985-1986. OEA/Ser.L/V/II.68. 26/09/86. Doc. 8, ver. 1, Capítulo V 112

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170 obrigação do Estado de estabelecer a Verdade também por processos judiciais, sendo imperativa a investigação e condenação dos responsáveis por crimes de lesa humanidade117 - como sofreram as vítimas – aos quais não se aplica a prescrição conforme os Princípios de Joinet. 84. O direito à verdade está relacionado a medidas de reparação, mas não possui sua natureza, visto que a reparação é renunciável enquanto que o Estado não pode renunciar à obrigação de investigar118. O Estado não evitou e não combateu a impunidade, que é a falta, em seu conjunto, de investigação, persecução, captura, julgamento e condenação dos responsáveis por violações dos direitos protegidos pela CADH119. 3 DAS REPARAÇÕES E CUSTAS 85. A responsabilidade internacional e o dever de reparação surgem quando o Estado comete um fato ilícito120. Trata-se de princípio geral de DI121 (art. 63.1 da CADH). Demonstrada a responsabilidade de Cardenal – agravada em face do padrão sistemático de desaparecimentos forçados adotado no período ditatorial e tolerado pela LRFR122, é imperativa sua condenação. Contudo, pelas circunstâncias deste caso, a reparação não pode limitar-se à prolação de sentença, ainda que seja uma das formas de fazê-la123. 86. Como alegado pelos peticionários, as reparações recebidas pelas violações contra Lucrécia Rossi não estão de acordo com o SIPDH, pois benefícios sociais não podem ser tidos como reparatórios se não visam cessar os efeitos das violações ocorridas124. A reparação poderia reordenar a vida de Maximiliano e Emily Rossi, ainda que não eliminasse a dor incorporada ao cotidiano de                                                                                                                         117

CtIDH. Caso La Cantuta. Supra nota 17, §224. MEDINA QUIROGA. Supra nota 9, p. 114 119 CtIDH. Caso Loayza Tamayo Vs. Perú. 1998. Serie C Nº 42, §170. 120 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Case Factory at Chorzów. 1927. Series A Nº 9, §21. 121 ONU. International Law Commission. Draft Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts. In: Yearbook of the International Law Commission. 2001, Vol. II (Part Two), articles 1st and 2nd. 122 CtIDH. Caso Myrna Mack Chang. 2003. Serie C Nº 101. Voto Razonado del Juez A.A. Cançado Trindade, §2. 123 CtIDH. Caso Anzualdo Castro. Supra nota 23, §219. 124 CtIDH. Caso Tibi. Supra nota 39, §225. 118

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170 suas existências125, mas sequer isso se fez, pois a outorga de crédito universitário, subsídio para moradia e seguro médico não buscam amenizar os danos sofridos por eles, que tiveram de abrir mão do direito de demandar contra o Estado. Nem mesmo nos programas de reabilitação, satisfação e construção da paz e de atenção psicossocial foram incluídos e/ou convidados a participar. 87. Não se pode cogitar a alegação de bis in idem entre as determinações desta Casa e as do direito interno, pois: a) a atuação dos tribunais que absolveram os responsáveis pelas violações aos DH e ao DI retirou-lhes a responsabilidade penal, b) as causas foram levadas a tribunais que não guardavam as garantias processuais e c) a aplicação da LRFR deixou impune graves crimes cometidos contra as vítimas deste caso (art. 20 do Estatuto de Roma)126. 88. Diante do quadro de impunidade construído pela LRFR, é necessário reiterar a jurisprudência deste Tribunal a respeito da incompatibilidade das leis de anistia com a CADH127. Se a Corte não dispusesse de autoridade para declarar a alteração de leis incompatíveis com as obrigações internacionais dos Estados Partes128, cada nova vítima da aplicação de lei contrária à CADH teria de esgotar os recursos da jurisdição interna, para, somente então, requerer perante o SIPDH as reparações a seus direitos violados pelo diploma legal129, prologando o sofrimento. 89. Em face da impossibilidade de restitutio in integrum, a esta Honorável Corte cabe determinar: a) meios para reparar as violações, b) medidas a serem adotadas pelo Estado para assegurar a não repetição dos fatos lesivos e c) indenização pelos danos130. Assim, Cardenal deve proceder ao pagamento de montante pecuniário, fixado de forma justa, apto a compensar tanto

                                                                                                                        125

CtIDH. Caso Bulacio Vs. Argentina. 2003. Serie C Nº 100. Voto Razonado del Juez A.A. Cançado Trindade, §38. CtIDH. Caso Almonacid Arellano y otros. Supra nota19, §154. 127 CtIDH. Caso Gelman. Supra nota 26, §226; CtIDH. Caso Barrios Altos. Supra nota 52, §226. 128 CtIDH. Caso Garibaldi Vs. Brasil. 2009. Serie C Nº 203, §173. 129 PASQUALUCCI, Jo. M. The practice and procedure of the Inter-American Court of Human Rights. 2nd edition. New York: Cambridge University Press In., 2012. p. 217. 130 CtIDH. Caso La Cantuta. Supra nota 17, §201. 126

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170 quanto possível, o dano imaterial causado, o qual é auto evidente, já que o sofrimento pela perda de um ente familiar direto é inerente e sequer precisa ser demonstrado131. 90. Ainda para reparar os danos imateriais, o Estado deve a) publicar a sentença de lavra desta Corte em Diário Oficial, em um jornal de ampla circulação e em sua página eletrônica oficial e realizar uma solenidade pública reconhecendo sua responsabilidade internacional132; b) adotar e manter políticas públicas para identificar e determinar os desaparecidos na Ditadura Ferreira, bem como criar um banco de dados genéticos que permita a eventual entrega de restos mortais aos familiares das vítimas133; c) empregar todos os meios para investigar, identificar e informar o paradeiro de Bolt, ou de seus restos mortais e, na hipótese de encontrá-los, realizar teste de comprovação genética para entregá-los aos familiares e cobrir todos os gastos com sepultamento134; d) incluir Ricardo Bolt, Lucrécia Rossi e Aníbal López em seu Registro de Vítimas; e) emitir certidão de óbito de Ricardo Bolt, no caso de encontrar seus restos mortais, em que conste como causa mortis os maus tratos e a tortura cometidos pelo Estado; f) emitir certidão de óbito de Lucrécia Rossi em que conste como causa mortis a violência sexual, a tortura e o esquartejamento cometidos pelo Estado; g) emitir certidão de óbito de Aníbal López em que conste a responsabilidade do Estado pelas circunstâncias que levaram a sua morte. 91. Com fins de assegurar a não repetição dos eventos é preciso que Cardenal a) reforme a LRFR conforme os pilares de Justiça de Transição; b) estabeleça a Verdade e assegure a Justiça135; c) implemente programas permanentes de educação em DH destinados aos membros dos Serviços de Inteligência, da Polícia, das FFAA, do Judiciário136 e Legislativo realizando uma Reforma das                                                                                                                         131

CtIDH. Caso Bámaca Velásquez. Supra nota 73, §§62-63. CtIDH. Caso La Cantuta. Supra nota 17, §218. CtIDH. Caso Hermanos Landaeta Mejías y otros. Supra nota 75, §§ 305, 307 133 CtIDH. Caso Anzualdo Castro. Supra nota 23 §§186 e 189. 134 CtIDH. Caso Anzualdo Castro. Supra nota 23, §185 135 CtIDH. Caso Anzualdo Castro. Supra nota 23, §180 136 CtIDH. Caso Anzualdo Castro. Supra nota 23, §193 132

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170 Instituições, o que até então não ocorreu; d) inclua nos currículos escolares o estudo da Justiça de Transição para reencontrar-se com seu passado, possibilitando o enfrentamento da História, pelos estudantes, para que atuem como cidadãos reflexivos, autônomos e conhecedores dos seus direitos e deveres; e) construa um centro de Memória, que preserve documentos relacionados às violações, fomente a pesquisa acadêmica e educacional em DH e mantenha clínicas de testemunho. 92. As vítimas sofreram dano ao projeto de vida (§§30, 42, 45, 59 e 63) e têm direito à indenização a título de lucros cessantes, que devem atender a realização integral, considerando vocações, aptidões, potencialidade e aspirações, devendo ser fixada de forma razoável137. Ademais, em casos de desaparecimento forçado, é cabível esse pagamento, que compreenda todas as chances que a vítima teria tido138. 93. Devem ser compensados às vítimas seus gastos decorrentes do caso sub judice139, como os com os sepultamentos e com o tratamento psicológico da família de Aníbal López. No tocante a este último, deve-se afastar o argumento de que o Estado ofereceu atenção psicológica e que foi decisão da família não aceitá-la. Aníbal López faleceu em 28/03/00 e somente após 2008 foi ofertado tratamento aos seus familiares, ou seja, os gastos foram necessários, pois por mais de 8 anos não houve qualquer apoio financeiro e/ou psicossocial estatal, de modo que a família de Aníbal teve de arcar com os próprios recursos o tratamento psicológico necessário para enfrentar o trauma. 94. Por fim, Cardenal deve restituir as custas desembolsadas pelos peticionários, que abrangem tanto as despesas com o esgotamentos dos recursos internos, quanto as decorrentes da submissão do caso à CIDH140. Tal pagamento é inexcusável, pois as despesas não teriam sido necessárias se o Estado não tivesse violado os direitos das vítimas e deve ser feito integralmente em dólares ou em                                                                                                                         137

CtIDH. Caso Loayza Tamayo Vs. Perú. Supra nota 119, §147. CtIDH. Caso Anzualdo Castro. Supra nota 23, §213. 139 CtIDH. Caso La Cantuta. Supra nota 17, §213. 140 CtIDH. Caso Gudiel Alvarez (“Diario Militar”). Supra nota 22, §376. 138

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170 valor correspondente em moeda nacional, no prazo máximo de um ano, sem descontos tributários e submetido à mora, se ocorrer atraso141. 95. Como visto, as pautas obrigatórias da Justiça de Transição não foram observadas por Cardenal: a Reparação é questionável, a Verdade e a Justiça prejudicadas e obstruídas pela LRFR, a Memória e a Reforma das Instituições sequer implementadas. Deste modo, a análise da convencionalidade e dos atos e políticas de Cardenal, por parte deste Tribunal, deve afirmar os standards de proteção dos DH para um Estado assolado por Ditaduras, a fim de garantir a não repetição das violações a partir da construção de um verdadeiro processo transicional que cumpra seus pilares, pois a História não terminou. Na verdade, nessa complexa encruzilhada no centro da qual nos encontramos, ela demonstra novo fôlego e cabe a esta Corte a responsabilidade de imprimir-lhe uma direção142. VI. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA 96. Ante o exposto, esta Representação respeitosamente requer a esta Honorável Corte que: a) não conheça da petição interposta pelo Estado, por violação ao art. 50.2 da CADH e incongruência da causa de pedir de Cardenal com a competência deste Tribunal; b) quanto ao mérito, reconheça a responsabilidade da República Cardenal pela violação dos direitos estabelecidos nos arts. 3, 4, 5, 7, 8, 13, 17, 24 e 25 da CADH, todos relacionados com os arts. 1.1, 2 da mesma e demais instrumentos do SIPH, conforme §28-§84; e c) condene o Estado à adoção das reparações cabíveis e ao pagamento de custas e despesas, mesmo no caso de allanamiento.

                                                                                                                        141

CtIDH. Caso Hermanos Landaeta Mejías y otros. Supra nota 75, §§ 335-338. VIEIRA DE MELLO, Sérgio. História Filosófica e História Real: atualidade do pensamento político de Kant. In: Sérgio Vieira de Mello: pensamento e memória. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/Editora Saraiva, 2004. p. 36. 142

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