Caso Hipotético Cristal Tovar vs. República Democrática de Exclutia, memorial de Defesa do Estado

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CASO CRISTAL TOVAR VS. REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE EXCLUTIA

ESTADO

270 I. LISTA DE ABREVIATURAS Artigo ou Artigos ......................................................................................................... art.ou arts. Associação Americana de Psiquiatria ................................................................................... APA Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos ................................................ CAfDHP Comissão Interamericana de Direitos Humanos ........................................... Comissão ou CIDH Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência..................................................... CDPD Conselho Nacional de Pessoas Portadoras de Deficiência de Exclutia ................... CONADISE Convenção Americana sobre Direitos Humanos ...................................... Convenção ou CADH Convenção Europeia sobre Direitos Humanos .......................... Convenção Europeia ou CEDH Corte Europeia de Direitos Humanos ................................................ Corte Europeia ou CtEDH Corte Interamericana de Direitos Humanos .............. Corte, Corte IDH ou Corte Interamericana Doutora .................................................................................................................................. Dra. Edição, Edición, Edition, ou Édition ...................................................................................... Ed. Ministério Público ................................................................................................................... MP Número ............................................................................................................................ nº ou n. Organização das Nações Unidas .......................................................................................... ONU Organização Deficiência não é Incapacidade .................................................................. ODNEI Organização dos Estados Americanos ................................................................................. OEA Organização Mundial da Saúde ........................................................................................... OMS Página ou Páginas ........................................................................................................... p. ou pp. Parágrafo ou Parágrafos .................................................................................................... § ou §§ República Democrática de Exclutia .................................................................Estado ou Excutia Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos .............................................. SIPDH Tribunal Penal Internacional ................................................................................................... TPI Versus ........................................................................................................................... Vs. ou vs.

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270 II. ÍNDICE I. LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................ 2 II. ÍNDICE .................................................................................................................................. 3 III. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS .......................................................................................... 4 1. DOUTRINA ............................................................................................................................ 4 2. JURISPRUDÊNCIA ............................................................................................................... 5 2.1 Corte Interamericana de Direitos Humanos .......................................................................... 5 2.1.1 Opiniões Consultivas ......................................................................................................... 5 2.1.2 Contencioso........................................................................................................................ 5 2.1.3 Medidas Cautelares ............................................................................................................ 9 2.2 Outros tribunais ..................................................................................................................... 9 3. MISCELÂNEA ....................................................................................................................... 9 IV. DECLARAÇÃO DOS FATOS .......................................................................................... 11 V. ANÁLISE LEGAL .............................................................................................................. 14 1. DAS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ...................................................................... 14 2. DO MÉRITO ........................................................................................................................ 15 2.1 Da inocorrência de violação ao art. 3º da CADH ............................................................... 15 2.2 Da inocorrência de violação aos arts. 5º e 11 da CADH .................................................... 18 2.3 Da inocorrência de violação ao art. 7º da CADH ............................................................... 24 2.4 Da inocorrência de violação aos arts. 8º e 25 da CADH .................................................... 27 2.5 Da inocorrência de violação aos art. 24 e 1º da CADH ...................................................... 30 2.6 Da inocorrência de violação ao art. 2º da CADH ............................................................... 32 3. DO PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDA DE URGÊNCIA ....................................... 33 4. DAS REPARAÇÕES E CUSTAS ........................................................................................ 34 VI. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA ................................................................................. 35

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270 III. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS 1 DOUTRINA ANDERSON I. M; NUTT D. J; DEAKIN J. F. Evidence-based guidelines for treating depressive disorders with antidepressants: a revision of the 1993 British Association for Psychopharmacology guidelines. In: British Association for Psychopharmacology. J Psychopharmacol, 2000; volume 14, n. 1.. ............................................................................... 20 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: Hacia una nueva modernidad. Barcelona: Padiós, 2002........................................................................................................................................... 19 BROWNLIE, Ian. Principles of public international Law. 7th Ed. New York: Oxford University Press, 2008 .............................................................................................................. 14 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, volume II. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999 ................................ 27 CANOSA USERA, Raúl. El derecho a la integridad personal. 1ª Ed. Valladolid: Lex Nova, 2006..................................................................................................................................... 18, 19 DUFFAR, Jean ; ROBERT, Jacques. Droits de L’Homme et Libertés Fondamentales. 6 Ed. Paris : Montchrestien, 1996 ...................................................................................................... 22 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2007 .......................................................................................... 23 PASQUALUCCI, Jo M. The practice and procedure of the Inter-American Court of Human Rights. University of South Dakota, School of Law. 2nd Ed. New York: Cambridge University Press, 2013 .............................................................................................................. 34 QUIROGA, Cecilia Medina. La Convención Americana: teoría y jurisprudencia. Vida, integridad personal, libertad personal, debido proceso y recurso judicial. San José: Facultad de Derecho de Chile, 2003 ........................................................................................................ 18

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270 RAMÍREZ, Sergio Garcia. Los “vulnerables” ante la jurisdicción interamericana de los derechos humanos. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. Volume 105/2013. Novembro/2013 ........................................................................................................................ 19 RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2012............................................................................................................................. 33 RAPOSO, Vera Lúcia. A vida num código de barras. In: Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2010 ............................................................................... 19 VASAK, Karel.Les dimensions internationales des droits de l’homme. Paris: Unesco,1978 ................................................................................................................................................... 27 2. JURISPRUDÊNCIA 2.1 Corte Interamericana de Direitos Humanos 2.1.1 Opiniões consultivas Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Opinión Consultiva OC-18/03 del 17/09/03. Serie A. Nº 18 .................................................................. 31 ____.Garantías Judiciales en Estados de Emergencia (arts. 27.2, 25 y 8 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-9/87 del 6/10/87. Serie A. Nº 9................................................................................................................................................. 27 ____.Propuesta de modificación de la Constitución Política de Costa Rica relacionada con la naturalización. Opinión Consultiva OC-4/84 del 19/01/84. Serie A. Nº 04 .................. 30, 31 ____.Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinión Consultiva OC-17/02 del 28/08/02. Serie A. Nº 17 ........................................................................................................... 30 2.1.2 Contencioso Corte IDH. Caso “Instituto de Reeducación del Menor” Vs. Paraguay. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2/09/04. Serie C. Nº 112 ............. 15

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270 ____.Caso Acevedo Jaramillo y otros Vs. Perú.

Excepciones Preliminares, Fondo,

Reparaciones y Costas. Sentencia de 7/02/06. Serie C. Nº 144 ................................................ 30 ____.Caso Acevedo Jaramillo y otros Vs. Perú. Interpretación de Sentencia de Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24/11/06. Serie C. Nº 157 ........... 14 ____.Caso Anzualdo Castro Vs. Perú. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22 de septiembre de 2009. Serie C. Nº 202 ......................................................... 17 ____.Caso Artavia Murillo y otros (Fertilización in vitro) Vs. Costa Rica. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28/11/12. Serie C. Nº 257 ............... 21 ____.Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24/02/97. Serie C. Nº 239 ................................................................................................... 19, 21 ____.Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Fondo. Sentencia de 25/11/00. Serie C. Nº. 70…………………………………………………………………………………………15, 22 ____.Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 17/11/09. Serie C. Nº 124 ......................................................................................................... 35 ____.Caso Cambos Vs. Argentina. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28/11/02. Serie C. Nº 97............................................................................................................................ 27 ____.Caso Chaparro Álvares y Lapo Íñiguez Vs. Ecuador. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 21/11/07. Serie C. Nº 170 .............................................. 24 ____.Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas Sentencia de 29/03/06. Serie C. Nº 146 .................................................................................... 23 ____.Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24/08/10. Serie C. Nº 214 ........................................................... 30, 32, 35 ____.Caso Comunidad Indígena Yakey Axa Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 17/06/05. Serie C. Nº 125 ........................................................................ 19, 20, 35

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270 ____.Caso Comunidad Moiwana Vs. Suriname. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 15/06/05. Serie C. Nº 124 .................................................................... 35 ____.Caso de la “Masacre de Mapiripán” Vs. Colombia. Excepciones Preliminares. Sentencia de 7/03/05. Serie C. Nº 122 ...................................................................................... 15 ____.Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala .Fondo, Sentencia de 19/11/99. Serie C. Nº 63 ...................................................................................... 23 ____.Caso Escué Zapata Vs. Colombia. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 4/07/07. Serie C. Nº 205.......................................................................................................................... 18 ____.Caso Fernandez Ortega y Otros Vs. México. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 30/08/10. Serie C. Nº 215 .............................................. 21 ____.Caso Fontevecchia e D’Amico Vs. Argentina. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 29/11/11. Serie C. Nº 238..................................................................................................... 35 ____.Caso Fornerón e Hija Vs. Argentina. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 27/04/12. Serie C. Nº 242 ......................................................................................................... 29 ____.Caso Furlán y familiares Vs. Argentina. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31/08/12. Serie C. Nº 246 ........................................ 28, 32 ____.Caso Gelman Vs. Uruguay. Fondo y Reparaciones. Sentencia de 24/02/11. Serie C. Nº 221............................................................................................................................................. 15 ____.Caso Godínez Cruz Vs. Honduras. Fondo. Sentencia de 20/01/89. Serie C. Nº 5 .......... 29 ____.Caso Gomes Lund (“Guerrilha do Araguaia”) y otros Vs. Brasil. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24/11/10. Serie C. Nº 219 ........... 15 ____.Caso Gonzales Medina y familiares Vs. República Dominicana. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 27/02/12. Serie C. Nº 240 ........... 15 ____.Caso González y otras (“Campo Algodonero”) Vs. México. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 16/11/09. Serie C. Nº 205............................ 18, 21

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270 ____.Caso Gudiel Álvarez (“Diario Militar”) Vs. Guatemala. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 20/11/12. Serie C. Nº 253 .................................................................................... 15 ____.Caso Kimel Vs. Argentina. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2/03/08. Serie C. Nº 177 ................................................................................................................................... 21 ____.Caso Las Palmeras Vs. Colombia. Fondo. Sentencia de 6/12/01. Serie C. Nº 90 ........... 14 ____.Caso Loayza Tamayo Vs. Perú. Fondo. Sentencia de 17/09/97. Serie C. Nº 33 ............. 18 ____.Caso Masacre del Pueblo Bello Vs. Colombia. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31/03/06. Serie C. Nº 140 .................................................................................... 23 ____.Caso Montero Aranguren y otros (Retén de Catia) Vs. Venezuela. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 5/07/06. Serie C. Nº 150 ...................................................................... 23 ____.Caso Palamara Ilibarne Vs. Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22/11/05. Serie C. Nº 135 ......................................................................................................... 27 ____.Caso Radilla Pacheco Vs. México. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 23/11/09. Serie C. Nº 209 ....................................................................... 34 ____.Caso Raxcacó Reys Vs. Guatemala. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 15/09/05. Serie C. Nº 133 ......................................................................................................... 32 ____.Caso Rosendo Cantú y otra Vs. México. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31/08/10. Serie C. Nº 225 ................................................................. 21, 30 ____.Caso Tibi Vs. Ecuador. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 7/09/04. Serie C. Nº 144 ...................................................................................... 22 ____.Caso Velásquez Rodrigues Vs. Honduras. Fondo. Sentencia de 29/07/88. Serie C. Nº 4 ................................................................................................................................................... 30 ____.Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 4/07/06. Serie C. Nº 149.............................................................................................................. 18, 22, 34

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270 ____.Caso Yvon Neptune Vs. Haití. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 6/05/08. Serie C. Nº 180.......................................................................................................................... 24 2.1.3 Medidas cautelares Corte IDH. Caso Belfort Istúriz Vs. Venezuela. Medidas Provisionales.

Sentencia de

15/04/10 .................................................................................................................................... 33 2.2 Outros tribunais CAfDHP. Case Legal Resources Foundation vs. Zambia. Communication Nº 211/98. Decision taken at the 29th Ordinary Session held in Tripoli, Libya, from 04/23 to 05/07/01 . 32 CDPD. Case H.M (represented by Mr H-E.G and Mrs. B.G) Vs. Sweden. Communication nº 3/2011. Views adopted by the Committee at its 7th session, 16 to 04/27/12 ............................ 32 CtEDH. Case of Amuur vs. France. Application Nº 19776/92. Judgment of 07/25/96 ........... 31 ____.Case of D.D vs. Lithuania. Application Nº 13469/06. Judgment of 02/14/12................. 26 ____.Case of Guzzardi vs. Italy. Application Nº 7367/76. Judgment of 09/06/80 .................. 25 ____.Case of H.M vs. Switzerland. Application Nº 39187/98. Judgment of 02/26/02 ....... 24, 25 ____.Case of Kallweit vs. Germany. Application Nº 17792/07. Judgment of 01/13/11 .......... 25 ____.Case of Kiliç vs. Turkey. Application Nº 22492/33. Judgment of 03/28/00 .................... 23 ____.Case of Nielsen vs. Denmarkkey. Application Nº 10929/84. Judgment of 11/28/88 ....... 25 ____.Case of Öneryildiz vs. Turkey. Application Nº 48939/99. Judgment of 11/30/04 ........... 23 ____.Case of Pretty vs. The United Kingdom. Application Nº 2346/02. Judgment of 04/29/02 ................................................................................................................................................... 22 ____.Case of Schneiter vs. Switzerland. Application Nº 63062/00. Judgment of 03/31/05 ............................................................................................................................................. 20, 26 ____.Case of Selmouni vs. France. Application Nº 25803/94. Judgment of 07/28/99 ............ 18 ____.Case of Shtukaturov vs. Russia. Application Nº 44009/05. Judgment of 03/27/08 ............................................................................................................................................. 25, 28

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270 ____.Case of Storck vs. Germany. Application Nº 61603/00. Judgment of 06/16/05 .............. 25 ____.Case of “relating to certain aspects of the use of languages in education in Belgium” vs. Belgium (Merits). Application Nº 1474/62. Judgment of 07/23/68..................................... 31 SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Case Buck vs. Bell. Nº 292. Argued April 22, 1927. – Decided May 2, 1927 ...................................................................... 20 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DO REINO DA ESPANHA. Sentencia nº 215/1992, 14/07/92. Boletín de Jurisprudencia Constitucional. 160-161. pp. 26-39 ................................ 20 TPI. Case See Prosecutor vs. Zeinil Delalic et al. (The Celebici Case). Nº IT-96-21-T. Judgment of 11/19/98 ............................................................................................................... 22 3. MISCELÂNEA APA. DSM-IV – Manual diagnostico e estatístico de transtornos mentais. Tradução Dayse Batista. 4. Ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995 ................................................................... 16 OMS. Classificação de Transtornos mentais e de Comportamentos da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas . Coordenação Organização Mundial da Saúde. Tradução Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993 ............................................................ 16 ____.Critérios Médicos de Elegibilidade para o uso de Métodos Anticoncepcionais. 3ª Ed. Genebra: 2004 ........................................................................................................................... 20 ____.Relatório Mundial da Saúde. Saúde mental: nova concepção, nova esperança. 1ª Ed. Lisboa: 2002........................................................................................................................ 20, 28

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270 EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ PRESIDENTE DA HONORÁVEL CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 1.

Em vista da convocação de audiência pública entre as partes do Caso Cristal Tovar vs.

República Democrática de Exclutia, a realizar-se na terceira semana de maio do corrente ano, o Estado demandado submete a esta Honorável Corte o presente memorial, em que apresenta síntese dos fatos do caso, as suas considerações preliminares e os seus argumentos quanto ao mérito da causa e ao pedido de concessão de medida de urgência, nos seguintes termos. IV. DECLARAÇÃO DOS FATOS 2.

A República Democrática de Exclutia, Estado presidencialista, possui longa tradição

democrática. Membro da OEA desde a sua fundação, ratificou a CADH, em 10/12/89 – quando aceitou a jurisdição contenciosa desta Honorável Corte –, e, em tempos mais recentes, aderiu ao seu Protocolo Adicional em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) (2001), à Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção da Guatemala) (2004) e à Convenção sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências (2008). No plano interno, Exclutia vem implementando iniciativas em prol das pessoas com deficiências, tais como a promulgação da Lei Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência, a instituição de um grupo de diálogo entre a sociedade civil e o governo e o aumento da dotação orçamentária destinada ao CONADISE. 3.

Cristal Tovar, portadora de cegueira permanente, recebeu, em junho de 2006,

notificação de despejo do apartamento em que residia com a sua mãe, recém falecida, na capital do país, Inclutiarán. Junto ao CONADISE, onde buscou auxílio, foi informada de que havia, na cidade, unidades residenciais aptas a recebê-la. Sem recursos para quitar os aluguéis vencidos e vincendos, e, sobretudo, por não desejar ir para um centro residencial, Cristal deixou o apartamento, em julho, e passou a dormir em uma praça e a mendigar.

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270 4.

Dias depois, em 03/08/06, um agente do programa do governo local “Acolhendo

Nossos Indigentes” encontrou Cristal e, sem que ela se opusesse, levou-a a La Casita, instituição estatal que acolhe, entre outros, pessoas portadoras de deficiência física, mental, intelectual e sensorial. Com a sua chegada ao Centro, a assistente social telefonou para os seus tios, os quais há muito não a contatavam e que disseram não dispor de recursos para ajudá-la. Cristal foi, então, submetida a exames médicos e a avaliação psiquiátrica por meio da qual se lhe diagnosticou com depressão severa. Após a aprovação do seu ingresso em La Casita, pela Diretora do Centro, Dra. Lira, Cristal foi encaminhada ao setor próprio para mulheres com deficiência intelectual e mental, e, em função da ocorrência de relações sexuais entre os residentes, foram-lhe ministradas injeções periódicas de anticoncepcionais, tal como feito com outras residentes. Ademais, passou pelos procedimentos padrões de higienização do local, a incluir, entre outros, o corte do seu cabelo. 5.

Em 25/08/06, a Dra. Lira requereu a interdição de Cristal perante a VI Vara Cível de

Inclutiarán, com fulcro no art. 41 do Código Civil de Exclutia, que dispõe sobre a interdição de pessoas com deficiência. A perícia judicial efetuada por psiquiatra também constatou a depressão severa de Cristal, e, após oitiva do representante do MP e da requerente, que informou não possuir Cristal contato com parentes ou amigos próximos, o Juiz decretou a sua interdição e a sua curatela total, em 29/09/06, e nomeou a Dra. Lira sua curadora. 6.

Cristal fez uso, ainda, de outros remédios psicotrópicos, devido à piora no seu quadro

clínico sofrida em 01/09/07. E, em função de crise tida durante a noite, em 26/12/07, foi levada, com urgência, ao Hospital Nacional Raúl Cano, onde permaneceu, por uma semana, para monitoramento e estabilização do seu quadro clínico. Apurou-se que os sintomas sofridos constituíam efeitos secundários das medicações que vinha utilizando. 7.

Em 21/02/08, a ODNEI requereu a nulidade da interdição de Cristal. O Juízo de

primeira instância julgou inadmissível a petição, em 18/09/08, por ilegitimidade ativa.

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270 Interposto recurso, em 01/10/08, foi desprovido: após oitiva da Dra. Lira em audiência, o Tribunal de Apelações de Inclutiarán, em análise do mérito da causa, considerou, na data de 18/04/09, não constatado qualquer abuso da curadora. O Tribunal ainda referiu que eventual questionamento da interdição deveria dar-se perante a Corte Constitucional, por meio de ação direta de inconstitucionalidade. A decisão foi certificada no dia seguinte, 19/04/09. 8.

Paralelamente, a ODNEI interpôs recurso de amparo, em 02/11/08, alegando a

inadequação das condições de vida em La Casita. Na data de 02/12/08, a Segunda Turma de Constitucionalidade acolheu a insurgência, proferindo condenação ao Estado, que, em 02/06/09, anunciou o acréscimo, ao seu orçamento, do montante de $ 200.000, destinados à realização de melhorias no Centro. A quantia foi empregada na aquisição de colchões, roupa de cama e móveis de uso pessoal; na pintura do prédio; na contratação de novo fornecedor de alimentos; na iluminação da área verde; e em reparos diversos na rede hidráulica. 9.

Perante o SIPDH, em 01/09/09, a ODNEI alegou a responsabilidade internacional de

Exclutia pela violação aos arts. 3º, 5º, 7º, 8º, 11, 24 e 25 da Convenção, com relação aos seus arts. 1.1 e 2, em prejuízo de Cristal, e pugnou pela adoção de medidas cautelares, em favor dos residentes de La Casita. Após a outorga dessas, pela CIDH, em 01/10/09, a fim de que Exclutia resguardasse a sua vida e a sua integridade pessoal, o Estado contestou a petição e arguiu a sua intempestividade, com base no art. 46, I, “b”, da Convenção. 10.

Em 11/03/13, no Relatório de Fundo No. 12/12, a CIDH concluiu pela ocorrência das

violações alegadas e, em termos gerais, determinou que Exclutia tomasse medidas reparatórias e de não-repetição. De modo a dar-lhes cumprimento, Exclutia requereu a prorrogação do prazo concedido – prestando informações acerca do trâmite do projeto de lei de alteração do art. 41 do Código Civil, das melhorias em La Casita e das políticas públicas em curso – e a obteve, em 11/06/14. Indeferida, porém, a nova solicitação, a CIDH submeteu o caso a esta Honorável Corte, em 14/08/14. Ao fazê-lo, alegou a inadequação do projeto de

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270 lei às normas internacionais e a ausência de manifestação do Estado quanto às demais recomendações. O Estado ofertou resposta à apresentação do caso. 11.

Em 18/04/14, a ODNEI solicitou a esta Honorável Corte a outorga de medidas

provisórias favoráveis aos residentes de “La Casita”, por força da colocação temporária de Cristal no interior de um dos quartos de isolamento da instituição, em 06/04/14, após a crise nervosa por ela sofrida, ao ter ciência do óbito de uma amiga. A Comissão endossou o referido pleito e Exclutia o refutou. Foi, então, convocada a audiência pública. V. ANÁLISE LEGAL 1 DAS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 12.

De início, cumpre pontuar, por cautela, que o substrato fático desta contenda não

abrange questões referentes à suposta vítima não submetidas a litígio ou procedimento no âmbito interno, tais como a sua falta de acesso a educação especial e emprego ou eventuais desdobramentos jurídicos da sua mendicância temporária. Trata-se de fatos que escapam à apreciação desta Honorável Corte, por força do caráter subsidiário da sua jurisdição, em face dos sistemas nacionais de garantia dos Direitos Humanos1. 13.

Também descabe o revolvimento dos fatos discutidos no recurso de amparo: o seu

provimento e o cumprimento da condenação, pelo Estado (com as melhorias em La Casita), caracterizam, ainda que à luz do Direito interno, a resolução definitiva da controvérsia quanto às condições de vida no Centro, favoravelmente à ODNEI. Não cabe realizar, portanto, no âmbito do SIPDH, espécie de revisão, “confirmação” ou “aprovação” daquele julgamento2. 14.

Ainda preliminarmente, Exclutia reconhece a tempestividade da petição interposta

pela ODNEI perante a CIDH, embora tenha, antes, arguido preliminar com base no art. 46, I, “b”, da CADH. Isso porque, apesar do Juízo de primeira instância ter reputado inadmissível o                                                                                                                         1

Corte IDH. Caso Acevedo Jaramillo y otros Vs. Perú. Interpretación de Sentencia de Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24/11/06. Serie C. Nº 157. §157; BROWNLIE, Ian. Principles of public international Law. 7th Ed. New York: Oxford University Press, 2008. p. 579. 2 Corte IDH. Caso Las Palmeras Vs. Colombia. Fondo. Sentencia de 6/12/01. Serie C. Nº 90. §33. 14

 

270 pedido de nulidade da interdição, na data de 18/09/08, a decisão final, no âmbito interno, para fins de cômputo do prazo de 06 (seis) meses, é, na verdade, aquela proferida pelo Tribunal de Apelações de Inclutiarán, após o recurso da ODNEI, e certificada em 19/04/09. Portanto, é de fato tempestiva a petição, já que encaminhada à Comissão na data de 01/09/09. Sustentar o contrário denotaria conduta eivada de má-fé, incompatível com o dever do Estado de atuar com probidade processual, na jurisdição internacional de Direitos Humanos. 15.

Por isso, Exclutia confia que este Egrégio Tribunal, como em ocasiões passadas3,

admitirá a desistência da preliminar – na audiência pública, ou, senão, ao final, em sentença, como faculta o art. 37.6 do seu Regulamento –, e ressalta que isso não implicará prejuízo algum a sua defesa: será demonstrada, no mérito, a total e absoluta improcedência da petição. 2 DO MÉRITO 2.1 Da inocorrência de violação ao art. 3º da CADH 16.

Uma vez que o direito à personalidade jurídica refere-se ao reconhecimento da pessoa

como sujeito de direitos e obrigações, para que possa gozar de direitos civis básicos4, a sua violação pressupõe a negação total (i) da possibilidade do indivíduo ser titular desses direitos e deveres5 e (ii) da própria existência da pessoa, deixando-a em uma situação de insegurança jurídica para a sociedade e o Estado6. Assim, viola-se o art. 3º da CADH quando o indivíduo é inserido em um quadro de indeterminação jurídica7, que, como dito, impossibilita ou obstaculiza a titularidade ou a possibilidade de pleno exercício dos seus direitos e deveres.

                                                                                                                        3

Corte IDH. Caso de la “Masacre de Mapiripán” Vs. Colombia. Excepciones Preliminares. Sentencia de 7/03/05. Serie C. Nº 122. §32; Corte IDH. Caso “Instituto de Reeducación del Menor” Vs. Paraguay. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2/09/04. Serie C. Nº 112. §132. 4 Corte IDH. Caso González Medina y Familiares Vs. República Dominicana. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 27/02/12. Serie C. Nº240 §187. 5 Corte IDH. Caso Gelman Vs. Uruguay. Fondo y Reparaciones. Sentença de 24/02/11. Serie C. Nº 221. §92; Corte IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Fondo. Sentencia de 25/11/00. Serie C. Nº 70. §179 6 Corte IDH. Caso Gomes Lund (“Guerrilha do Araguaia”) y otros Vs. Brasil. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24/11/10. Serie C. Nº 219. § 122. 7 Corte IDH. Caso Gudiel Álvarez (“Diario Militar”) Vs. Guatemala. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 20/11/12. Serie C. Nº 253. §210 15

 

270 17.

Nada disso se constata, porém, na interdição de Cristal Tovar. O Magistrado da VI Vara

Cível de Inclutiarán a decretou porque, além da sua cegueira permanente e da completa falta de amparo de terceiros – o pai a abandonou, a mãe é falecida e, quanto aos tios, não há qualquer interesse em auxiliá-la, já que não a contatam há anos e alegaram não possuir recursos para tanto –, Cristal possui depressão severa (constatada pelo médico psiquiatra de La Casita e pelo perito nomeado em Juízo), hipótese de deficiência mental, conforme literatura médica especializada8. Essa trágica conjunção de fatores acarreta, lamentável e inevitavelmente, uma restrição drástica a sua autonomia, de modo que a sua interdição constitui a única alternativa ao pleno resguardo dos seus direitos e interesses, e assim, do seu bem-estar. Isso se corrobora pela nomeação da Dra. Lira como sua curadora, pois não há pessoa mais indicada para tanto, seja pela proximidade a Cristal, em La Casita, seja pelo cargo de Diretora do Centro e, assim, pelo conhecimento que possui. Desse modo, a interdição de Cristal nem de longe denota a indeterminação e a insegurança jurídicas antes referidas: é justamente por intermédio do instituto da interdição – medida necessária, no caso – que se alcança a Cristal, através do regime de prerrogativas e deveres da sua curadora, a tutela integral que o Direito pode proporcionar. 18.

Ressalta-se que a identificação de Cristal como pessoa deficiente não se dá apenas com

base no referencial médico já apontado. O art. 1º da Convenção da Guatemala, em consonância com o §1° da Declaração da ONU de Direitos das Pessoas Deficientes de 1975, conceitua a deficiência como uma “restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercício de uma ou mais atividades essenciais da vida diária”. Ora, em face dos fatores da sua realidade clínica e social apontados, não há dúvidas de que Cristal qualifica-se como pessoa deficiente também sob o prisma jurídico, o que chancela a medida de interdição e, por isso, resguarda de qualquer ofensa o art. 3º da CADH.                                                                                                                         8

OMS. Classificação de Transtornos mentais e de Comportamentos da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Coordenação Organização Mundial da Saúde. Tradução Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. pp. 122-126.; APA. DSM-IV – Manual diagnostico e estatístico de transtornos mentais. Tradução Dayse Batista. 4. Ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. pp. 323-329. 16

 

270 19.

Não viola a norma em tela, ademais, a decretação de curatela total de Cristal. A sua

cegueira permanente, a deficiência mental por depressão severa, a carência completa de amparo de familiares ou outrem, configuram um quadro de absoluta falta de autonomia, somente se podendo assegurar-lhe a proteção de que necessita por meio da curatela total. Portanto, a restrição a sua capacidade legal deu-se de modo proporcional, consoante determina a Convenção sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências (art. 12, §4). 20.

Não há ofensa ao art. 3º da CADH, ainda, pelo fato de Cristal não ter sido ouvida pelo

Juiz da interdição. A tutela dos seus direitos deu-se, naquela lide, por meio da intervenção do representante do MP (inclusive por força da sua legitimidade para porventura impugnar a interdição). Ou seja, Cristal não teve denegado, naquele litígio, o reconhecimento da sua existência como pessoa. Isso é o que impende apurar, à luz do art. 3º, já que eventual violação ao devido processo legal, devido à sua não-oitiva, insere-se no âmbito do art. 8º (§§47-48). 21.

O reconhecimento da personalidade jurídica constitui parâmetro para determinar se uma

pessoa é ou não titular de direitos e se pode exercê-los, pois, do contrário, torna-se vulnerável em face do Estado ou de particulares, correspondendo a esse direito o dever estatal de fornecer meios e condições legais com vistas ao seu livre e completo exercício9. Exclutia cumpre tal dever não apenas por meio das políticas sociais destinadas às pessoas com deficiência. Em La Casita, especificamente, o faz por meio da disponibilização de equipe médica que oferece terapia física e psicológica e realiza atividades de treinamento para a vida cotidiana, com vistas ao desenvolvimento progressivo dos moradores e à restituição, na medida do possível, da sua autonomia, conforme exige o art. 18 do Protocolo de São Salvador. Logo, porque temporária, a estada de Cristal no Centro não conduz, na prática, à negação da sua existência como pessoa. 22.

Aliás, o caráter transitório da permanência de Cristal em La Casita encontra perfeito

respaldo no Direito de Exclutia: visto que o art. 41 do Código Civil determina que a interdição                                                                                                                         9

Corte IDH. Caso Anzualdo Castro Vs. Perú. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22/09/09. Serie C. Nº 202. §89 17

 

270 será revista anualmente e poderá ser revogada a qualquer tempo, em Juízo, pode-se dotar de eficácia jurídica o referido treinamento para a vida cotidiana. A interdição conforma-se, por isso, à Declaração dos Direitos das Pessoas Mentalmente Retardadas (§7º), à Declaração de Direitos do Deficiente Mental de 1971 (§7º), à Declaração de Direitos das Pessoas Deficientes de 1975 (§4º) e, não menos, à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências (art. 12, §4º). 2.2 Da inocorrência de violação aos arts. 5º e 11 da CADH 23.

O direito à integridade, que visa mormente à proibição imperativa de tortura e de

penas ou tratamentos degradantes, cruéis ou desumanos10 (art. 5.2), impõe aos Estados o dever de assegurar e respeitar a integridade física, psíquica e moral daqueles sob a sua jurisdição (art. 5.1)11. Por seu turno, a tutela da honra e da dignidade possui dois âmbitos de proteção: o respeito à honra e à reputação do indivíduo contra arbitrariedades estatais (art. 11.1)12, por um lado, e à vida privada, familiar e ao domicílio (art. 11.2)13, por outro, devendo o Estado dispor de mecanismos legais que amparem eventuais ataques a tais direitos (art. 11.3). O exame da não-violação de tais garantias ora dá-se em conjunto por força da intensa conexão que há entre ambas, à luz da doutrina14 e devido aos fatos do caso em apreço. 24.

A título introdutório, desde já se relembra que, consoante a CtEDH, o exame da

violação à integridade pessoal deve ser feito caso a caso15 e que, conforme esta Honorável Corte16, a ofensa ao art. 5º da CADH possui distintas e graduais conotações: a eventual determinação da sua ocorrência deve observar fatores endógenos e exógenos ao evento, assim como as características da suposta vítima.                                                                                                                         10

Corte IDH. Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 4/07/06. Serie C. Nº149. §126. 11 QUIROGA, Cecilia Medina. La Convención Americana: teoría y jurisprudencia. Vida, integridad personal, libertad personal, debido proceso y recurso judicial. San José: Facultad de Derecho de Chile, 2003. p.138. 12 Corte IDH. Caso González y otras (“Campo Algodonero”) Vs. México. Excepción Preliminar. Fondo. Reparaciones y Costas. Sentencia de 16/11/09. Serie C. Nº 205. §444. 13 Corte IDH. Caso Escué Zapata Vs. Colombia. Fondo. Reparaciones y Costas. Sentencia de 4/07/07. Serie C. Nº 205. § 94. 14 CANOSA USERA, Raúl. El derecho a la integridad personal. 1ª Ed. Valladolid: Lex Nova, 2006. p. 286. 15 CtEDH. Case of Selmouni vs. France. Application N. 25803/94. Judgment of 06/28/99. §95 16 Corte IDH. Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil. Ibidem nota nº 10. §127; Corte IDH. Caso Loayza Tamayo Vs. Perú. Fondo. Sentencia de 17/09/97. Serie C. Nº 33 §57. 18

 

270 25.

Quanto à integridade e à proteção da vida privada, não se verifica qualquer violação

em prejuízo de Cristal. A primeira refere-se ao direito de inviolabilidade do corpo frente a ingerências externas que visem lesioná-lo17; a segunda, por seu turno, caracteriza-se pela imunidade do indivíduo ante ações arbitrárias ou abusivas – o que não constitui direito absoluto, pois o Estado pode relativizá-lo, com fim legítimo, necessário e proporcional18. Como se verá, não houve atos a violar a sua integridade física nem ingerências abusivas que inteferissem na sua intimidade ou a privassem de estabelecer relações com terceiros. 26.

O racionamento de água não enseja violação à integridade física porque ocorria

durante curto espaço de tempo, não inviabilizando a realização da higiene pessoal, pelos moradores do Centro, que, aliás, têm acesso à água limpa e potável. Desse modo, não sendo afeto o seu direito à saúde19, está resguardada a sua integridade física. Igualmente, o corte de cabelo de Cristal, ao ingressar em La Casita, está amparado pelo art. 5º da CADH. O direito à integridade física visa preservar a intocabilidade do corpo, não admitindo a sua mutilação, daí porque o âmbito protetivo do direito em questão não abrange aquilo que é renovável, no corpo da pessoa, mormente em face dos princípios da insignificância e da aceitação social. Assim, medidas como a doação de sangue e o corte de cabelo ou unhas não podem implicar violação ao bem jurídico tutelado pelo direito à integridade pessoal20. Ademais, o corte de cabelo dos moradores de La Casita constitui medida de higienização do Centro, isto é, qualifica-se como modalidade de prevenção de risco que afeta a coletividade, cuja proteção incumbe ao Estado, sobretudo no marco da pós-modernidade21.

                                                                                                                        17

CANOSA USERA, Raúl. Ibidem nota nº 14. p. 287. Corte IDH. Caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24/02/97. Serie C. Nº 239. §§ 161-162 e 164. 19 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakey Axa Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 17/06/05. Serie C. Nº 125. § 167; RAMÍREZ, Sergio Garcia. Los “vulnerables” ante la jurisdicción interamericana de los derechos humanos. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. Volume 105/2013. p 8 20 RAPOSO, Vera Lúcia. A vida num código de barras. In: Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2010. p. 937. 21 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: Hacia una nueva modernidad. Barcelona: Padiós, 2002. 18

19

 

270 27.

De igual modo, a prescrição de medicações a Cristal não viola os arts. 5º e 11 da

CADH, porque não se cuida, como ora se passa a comprovar, de hipótese de uso de remédios por período irrazoável ou sem necessidade, conforme o quadro clínico do paciente22. 28.

Por um lado, porque o medicamento antidepressivo, de comprovada eficácia no

tratamento de depressão grave23 e sobre cujo uso Cristal tinha ciência, visava exclusivamente a sua recuperação. Por outro, porque, quanto às injeções anticoncepcionais, estão atendidos os requisitos da necessidade e da proporcionalidade aos fins pretendidos, o que legitima a sua utilização, como já se decidiu24. A proporcionalidade de uma medida, definida como a interferência, na menor extensão possível, no exercício do(s) direito(s) por ela afetado(s)25, está atendida visto que as injeções anticoncepcionais: (i) não inviabilizam o regular exercício, por Cristal, da sua sexualidade, cuja eventual proibição, note-se, violaria o seu direito à vida privada, como se verá (§21); e (ii) não acarretam alteração permanente a sua fertilidade26, isto é, não lhe retiram o direito de ser mãe. Já a necessidade, que consiste na existência de um interesse público imperativo27, identifica-se no fato de que Cristal não poderia, infelizmente, ao menos por ora, assumir os encargos de gravidez ocasional, em função do seu quadro atual. As injeções atendem, assim, ao escopo necessário e legítimo de evitar, na sua presente conjuntura, uma gestação de perspectivas incompatíveis com os direitos básicos da criança, previstos, por exemplo, no art. 19 da CADH. Por fim, cumpre frisar que o uso das injeções iniciou-se quando do ingresso de Cristal em La Casita, contexto em que já configurado o seu quadro de deficiência, o que torna inexigível o seu consentimento para a sua utilização.                                                                                                                         22

CtEDH. Case of Schneiter vs. Switzerland. Application N. 63062/00. Judgment of 03/31/05. OMS. Relatório Mundial da Saúde. Saúde mental: nova concepção, nova esperança. 1ª Ed. Lisboa: 2002. p. 119; ANDERSON I. M.; NUTT D. J.; DEAKIN J. F. Evidence-based guidelines for treating depressive disorders with antidepressants: a revision of the 1993 British Association for Psychopharmacology guidelines. In: British Association for Psychopharmacology. J Psychopharmacol, 2000; volume 14, n. 1, p. 3-20. 24 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DO REINO DA ESPANHA. Sentencia nº 215/1992, 14/07/92, Boletín de Jurisprudencia Constitucional 160-161. pp. 26-39; SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Case Buck vs. Bell. Nº 292. Argued april 22, 1927. – Decided may 2, 1927. 25 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakey Axa Vs. Paraguay. Ibidem nota nº 19. § 145. 26 OMS. Critérios Médicos de Elegibilidade para o uso de Métodos Anticoncepcionais. 3ª Ed. Genebra: 2004. p.11. 27 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakey Axa Vs. Paraguay. Ibidem nota nº 19. § 145. 23

20

 

270 29.

Outrossim, não se violou o direito à vida privada, tutelado pelo art. 11 da CADH28, o

que ocorreria, por exemplo, se se impedisse Cristal de estabelecer relações com terceiros29. Embora os residentes de La Casita estejam alocados em áreas segmentadas conforme as suas necessidades, há, ali, locais de uso comum e interação, como o refeitório e as áreas verdes, daí porque Cristal sempre teve condições de socializar e estabelecer vínculos com outros moradores do local. Ademais, em face da plena licitude da interdição e da curatela total de Cristal, já demonstrada (§§17-19), não deve prosperar eventual alegação de que essas violariam a proibição de ingerências arbitrárias ou abusivas na vida privada da pessoa, dada pelo art. 11.2 da CADH – ou mesmo a liberdade em sentido amplo, à luz do seu art. 7.130. 30.

Na verdade, causa estranheza a arguição de ofensa ao art. 11 da CADH, já que

tampouco houve danos à honra e à reputação de Cristal. A honra diz respeito à estima e valia próprias, e a reputação se refere à opinião alheia sobre uma pessoa31. Violam tais bens jurídicos os atos de depreciação pública, perseguição, discriminação, falsas acusações ou ameaças32, inexistentes no caso. E aquele que considera afetada a sua honra deve recorrer aos meios de proteção de que o Estado dispõe33, o que não ocorreu, nem por meio da ODNEI. 31.

Houve pleno respeito, por outro lado, à integridade moral e psíquica de Cristal. A

primeira remete à proteção do indivíduo contra ações capazes de causar-lhe danos psíquicos; a segunda, à ausência de sentimentos de humilhação e degradação, ao estado e à integridade anímicos do indivíduo. Especialmente por meio da assistência prestada pela equipe médica de La Casita, e, não menos, pelo quadro do Hospital Nacional Raúl Cano, têm tido êxito os esforços para assegurar a proteção e promover a reabilitação da sua integridade anímica.                                                                                                                         28

Corte IDH. Caso Rosendo Cantú y otras Vs México. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31/08/10. Serie C. Nº 216 § 119 29 Corte IDH. Caso Atala Riffo y niñas Vs. Chile. Ibidem nota nº 18. § 162 30   Corte IDH. Caso Artavia Murillo y otros (Fertilización in vitro) Vs. Costa Rica. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28/11/12. Serie C. Nº 257 § 142.   31 Corte IDH. Caso González y otras (“Campo Algodonero”) Vs. México Ibidem nota nº 12. §444. 32 Corte IDH. Caso Fernandez Ortega y Otros Vs. México. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 30/08/10. Serie C. Nº 215. §98. 33 Corte IDH. Caso Kimel Vs. Argentina. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2/03/08. Serie C. Nº 177. §55. 21

 

270 32.

A propósito, nem sequer o episódio de colocação temporária de Cristal no quarto de

isolamento se mostra apto a ensejar a ofensa a tais bens jurídicos ou a sua integridade física. A medida respeitou o art. 5º da CADH porque atendeu aos requisitos fixados, por esta Honorável Corte34, a partir dos Princípios da ONU para a Proteção das Pessoas com Doença Mental e para o Melhoramento dos Cuidados de Saúde Mental: (i) de caráter absolutamente excepcional, foi empregada como último recurso, em face da extrema alteração de Cristal; (ii) deu-se unicamente com o escopo de protegê-la e de resguardar, também, os funcionários e demais residentes de La Casita, então ameaçados pelas dimensões do surto por ela sofrido; e (iii) foi executada por funcionários do Centro, isto é, por pessoas capacitadas para tanto. 33.

Percebe-se, assim, que a referida prática (ou qualquer outro fato) tampouco enseja a

alegação de submissão de Cristal a tortura. Isso porque, conforme o art. 2º da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, somente constitui tortura física ou psicológica a ação deliberada ou intencional, que importe grave sofrimento ou aflição física ou psíquica à vítima e que tenha o propósito de aplicar tortura35, com os intuitos de abolir a sua resistência psicológica ou de forçá-la a culpar-se ou a confessar condutas delitivas36. 34.

Por fim, Cristal não foi exposta a tratamento cruel, degradante ou desumano. A

expressão “mau trato” denota um mínimo de severidade que implique dano corporal ou sofrimento físico e/ou mental ao indivíduo37, ao passo que tratamento desumano é aquele intencional, que deriva de ação ou omissão estatal e que tem por consequência o dano mental ou físico da vítima38. Cristal jamais foi tratada com crueldade ou de forma voluntariamente desumana39, seja em La Casita, seja na sua breve internação no Hospital Nacional Raúl Cano.                                                                                                                         34

Corte IDH. Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil. Ibidem nota nº 10. §134. Corte IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Ibidem nota nº 5. §§156-158 36 Corte IDH. Caso Tibi Vs. Ecuador. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 7/09/04. Serie C. Nº 144. § 145-146 37 CtEDH. Case of Pretty vs. The United Kingdom. Application N. 2346/02. Judgment of 04/29/02. §52 38 TPI. Case See Prosecutor vs. Zeinil Delalic et al. (The Celebici Case). Nº IT-96-21-T. Judgment of 11/19/98. 39 DUFFAR, Jean ; ROBERT, Jacques. Droits de L’Homme et Libertés Fondamentales. 6 Ed. Paris: Montchrestien, 1996. p. 349. 35

22

 

270 35.

Uma vez mais, destaca-se que as condições de vida em La Casita não podem embasar

arguição de ofensa ao direito à integridade pessoal, porque houve, nesse particular, ainda que à luz do Direito interno, o provimento da insurgência, favoravelmente à ODNEI (§13). Porém, ainda que assim não se entendesse, remanesceria a impertinência da questão, à luz do art. 5º da CADH: embora as instalações do Centro, de fato, não beirassem a excelência, tampouco compunham cenário de sucateamento e precariedade apto a lesar a integridade dos residentes. Isto é, não ensejavam o quadro de más condições físicas e sanitárias que esta Honorável Corte entende capaz de causar efetiva lesão ao conteúdo jurídico do direito à integridade pessoal40 – cabendo aqui recordar, a propósito, que, não por um acaso, este Egrégio Tribunal também já consignou ser necessária interpretação restritiva das obrigações positivas do Estado, de modo a não se lhe impor carga impossível ou desproporcional41. 36.

Por todo o exposto, a dignidade de Cristal não sofreu qualquer abalo. Para Kant42, a

dignidade é o valor absoluto da racionalidade humana: é o fim objetivo que possibilita a autonomia da vontade, a existência do homem como fim em si mesmo, e não como um meio para o uso arbitrário dessa ou daquela vontade. Cristal jamais foi tratada como um objeto ou instrumento para a consecução de desígnios alheios. Todas as ações e providências tomadas com relação a ela, mesmo sem o seu consentimento, visavam à plena tutela do seu bem-estar, dos seus direitos e da sua integridade. Na verdade, o cumprimento do dever estatal de darlhes condições de vida digna43 identifica-se já na sua acolhida em La Casita: somente a partir da retirada de Cristal do desamparo das ruas é que se poderia restaurar a sua dignidade.                                                                                                                         40

Corte IDH. Caso Montero Aranguren y otros (Retén de Catia) Vs. Venezuela. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 5/07/06. Serie C. Nº 150. § 97 41 Corte IDH. Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 29/03/06. Serie C. Nº 146. § 155; Corte IDH. Caso Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31/01/06. Serie C. Nº 140. §124; CtEDH. Case of Öneryildiz vs. Turkey. Application N. 48939/99. Judgment of 11/30/04. §93; CtEDH. Case of Kiliç vs. Turkey. Application N. 22492/33. Judgment of 03/28/00. §§ 62-63; 42 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2007. pp. 67-68. 43 Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle”(Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Fondo, Sentencia de 19/11/99. Serie C. Nº 63. § 144 23

 

270 2.3 Da inocorrência de violação ao art. 7º da CADH 37.

Muito embora a legislação de Exclutia outorgue a qualquer pessoa legitimidade para a

impetração de habeas corpus, jamais houve impugnação, no âmbito interno, sob o prisma do direito à liberdade, da permanência de Cristal em La Casita ou da sua colocação temporária no quarto de isolamento, o que acarreta, como antes demonstrado (§12), a irrelevância de tais fatos, no exame da alegação de ofensa ao art. 7º da Convenção. Por eventualidade, porém, a defesa do Estado abordará também as referidas questões. O fará ao comprovar a não-violação da cláusula geral sobre o direito de toda a pessoa à liberdade e à segurança, que está inserta no art. 7.1 da CADH e que – ao contrário das garantias específicas sobre a arbitrariedade e ilicitude da prisão e o seu controle judicial (arts. 7.2 a 7.7) – ora encontra-se em causa. 38.

A liberdade denota, para esta Honorável Corte, a capacidade de fazer ou não o que

seja permitido e ao direito de toda pessoa a organizar a sua vida individual e social conforme as suas próprias opiniões e convicções; a segurança, por sua vez, diz respeito à ausência de perturbações que restrinjam ou limitem além do razoável a liberdade do indivíduo44. Este Egrégio Tribunal já pontuou, porém, que a cláusula geral do art. 7.1 da Convenção tem por objeto de proteção a liberdade física e, por isso, tutela os comportamentos corporais que presumem a presença física do titular do direito e que se expressam normalmente no movimento físico45. Por outro lado, a Corte Europeia46 já consignou que a determinação da ocorrência de lesão ao direito à liberdade pessoal deve partir do exame da situação da pessoa em causa e considerar fatores tais como a modalidade, a duração, os efeitos e a forma de aplicação da medida restritiva, para, somente a partir daí, distinguir a restrição e a privação da liberdade, as quais diferem no seu grau de intensidade – não na sua natureza ou substância – e no fato de que, assim, a restrição da circulação não viola o direito à liberdade pessoal.                                                                                                                         44

Corte IDH. Caso Chaparro Álvares y Lapo Íñiguez Vs. Ecuador. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 21/11/07. Serie C. Nº 170. § 51 45 Corte IDH. Caso Yvon Neptune Vs. Haití. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 6/05/08. Serie C. Nº 180. § 90 46 CtEDH. Case of H.M vs. Switzerland. Application Nº 39187/98. Judgment of 02/26/02. § 42. 24

 

270 39.

A estada de Cristal em La Casita não consubstancia violação à cláusula do art. 7.1 da

Convenção, por um lado, porque constitui providência por meio da qual se pode alcancar-lhe os cuidados de que necessita, em oposição ao grave quadro de indignidade em que se encontrava, anteriormente ao ingresso no Centro47. A sua condução a La Casita, assim – além de constituir evidência do cumprimento, pelo Estado, da obrigação prestacional de prover condições de vida digna, no marco do art. 5º da CADH (§36) –, importa também ao exame do art. 7.1, visto que se trata de medida de resguardo dos interesses de Cristal, e, precisamente por isso, não acarreta ofensa ao seu direito à liberdade48. Também concorrem para o reconhecimento da licitude da sua colocação em La Casita, à luz do art. 7º da CADH, os fatos de que: (i.) em função do seu estado de saúde e desamparo, Cristal tinha absoluta necessidade dos tratamentos fornecidos no local, com vistas a recuperar a plenitude das suas faculdades mentais49; e (ii.) por força da deficiência mental de que acometida, não poderia administrar por si própria a sua rotina ou mesmo os cuidados médicos de que precisa50. 40.

Com efeito, estão atendidos os critérios indispensáveis, conforme a jurisprudência da

CtEDH51, à regular restrição da liberdade de uma pessoa com deficiência mental: (i) a constatação, por perícia médica confiável, dos transtornos mentais do indivíduo – verificada no exame do psiquiatra de La Casita e, conjuntamente, no laudo do perito judicial; (ii) a necessidade da restrição da liberdade, conforme as circunstâncias – atinentes, no caso, à conjunção de fatores da vida de Cristal, a incluir a cegueira permanente, a deficiência mental por depressão severa e, não menos, o seu absoluto desamparo; e (iii) a persistência do transtorno mental, durante o período de internação – da qual é prova cabal o surto psicótico recentemente sofrido por Cristal, ao saber do óbito de uma amiga, na data de 14/04/2014.                                                                                                                         47

CtEDH. Case of H.M vs. Switzerland. Ibidem nota nº 45 § 44. CtEDH. Case of Guzzardi vs. Italy. Application Nº 7367/76. Judgment of 11/6/80. § 98 49 CtEDH. Case of Nielsen vs. Denmark. Application Nº 10929/84. Judgment of 11/28/88. §§ 70 e 72. 50 CtEDH. Case of Storck vs. Germany. Application Nº 61603/00. Judgment of 06/16/05. §75. 51 CtEDH. Case of D.D vs. Lithuania. Application Nº 13469/06. Judgment of 02/14/12. § 156. CtEDH. Case of Kallweit vs. Germany. Application Nº 17792/07. Judgment of 01/13/11. § 45; CtEDH. Case of Shtukaturov vs. Russia. Application Nº 44009/05. Judgment of 03/27/08. § 114. 48

25

 

270 41.

Aliás, tampouco o recolhimento de Cristal ao quarto de isolamento, na ocasião,

desafia o art. 7.1. A aplicação da medida durou apenas quatro horas, lapso temporal insuficiente a causar efetiva privação da liberdade, que, como sugere a casuística da CtEDH, poderia configurar-se caso tivesse se prolongado por vários dias52: episódios de simples restrição da circulação não lesam o direito à liberdade pessoal53. Além disso, a prática possui legitimidade por força da sua razoabilidade e da sua proporcionalidade ao fim pretendido54: além da sua brevidade, é certo que o seu escopo de proteger Cristal e os demais residentes de La Casita e a sua absoluta excepcionalidade – apontados ao demonstrar-se a não-violação do art. 5º (§32) –, também resguardam o episódio de contrariedade ao art. 7.1 da Convenção. 42.

Note-se, então, que Exclutia não afirma a licitude da estada de Cristal em La Casita

com fundamento na ausência de irresignação, quando conduzida ao local. Tratar-se-ia, na verdade, de argumento eivado de má-fé, visto que inexigível, ao fim e ao cabo, o seu eventual consentimento para tanto, dado o quadro de depressão severa já àquela altura apresentado. 43.

De resto, se o direito à liberdade e à segurança pessoais, conforme este Egrégio

Tribunal, tem por objeto de proteção a liberdade física, conclui-se que a interdição e o regime de curatela de Cristal não podem desafiar o art. 7.1 da CADH. Afinal, tais medidas não intervieram na sua liberdade física, mas na sua esfera de autonomia perante a lei: somente repercutiram na extensão da sua capacidade jurídica. Descabido, portanto, o eventual argumento de que ambas violariam a referida norma, ao tolher de Cristal o direito de “organizar a sua vida individual e social conforme as próprias opiniões e convicções”. 44.

Exclutia admite, contudo, em mero exercício contra-argumentativo, eventual exegese

extensiva da cláusula do art. 7.1 – embora dela discorde – e o faz confiante quanto à nãoocorrência, mesmo nessa hipótese, de ofensa à liberdade e à segurança pessoais. Reiteram-se, aqui, as razões expostas sobre a necessidade e a proporcionalidade da interdição e da curatela                                                                                                                         52

CtEDH. Case of Schneiter vs. Switzerland. Ibidem nota nº 22 CtEDH. Case of Amuur vs. France. Application Nº 19776/92. Judgment of 06/25/96. § 42. 54 CtEDH. Case of Schneiter vs. Switzerland. Ibidem nota nº 22 53

26

 

270 total (§§17-19 e §29), a partir das quais se conclui, de igual modo, pela licitude da retirada (temporária) de Cristal das suas prerrogativas de autogoverno e, logo, pela restrição razoável da sua liberdade, a acarretar também a não-violação do seu direito à segurança pessoal. 2.4 Da inocorrência de violação aos arts. 8º e 25 da CADH 45.

O art. 25 da CADH afirma o dever do Estado de assegurar recursos judiciais efetivos55

e de garantir às pessoas sob a sua jurisdição recursos eficazes contra atos que violem direitos fundamentais56, à luz do Direito interno e da Convenção, não bastando a sua mera existência formal57. O dispositivo remete, assim, ao art. 8º da CADH, atinente às garantias do devido processo legal. Por isso, ambas as normas ora analisam-se em conjunto, quanto ao processo de interdição, primeiramente, e, após, quanto às contendas movidas pela ODNEI. 46.

O processo de interdição observou todas as formalidades inerentes ao devido processo

legal. Foi julgado de forma independente e imparcial58; por autoridade previamente competente59, o Juízo da VI Vara Cível de Inclutiarán; e com observância dos princípios do prazo razoável e da paridade de armas. O primeiro, evidentemente, porque transcorrido pouco mais de 01 (um) mês, apenas, entre o requerimento (25/08/06) e a prolação da sentença de interdição (29/09/06). O segundo, porque, como ora se verá, o fato de Cristal não ter sido ouvida pelo Magistrado, anteriormente à interdição, não implicou prejuízo à tutela dos seus interesses, em que pese o art. 8.1 da Convenção orientasse, de fato, a sua oitiva. 47.

Como já referido, a determinação judicial de realização de perícia deu-se, por óbvio,

com o intuito de apurar o real quadro de Cristal. Não por coincidência, o laudo do perito corroborou os exames iniciais feitos pelo psiquiatra de La Casita, concluindo, pois, pela sua                                                                                                                         55

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto – Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, volume II. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p.98. 56 Corte IDH. Caso Cambos Vs. Argentina. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28/09/02. Serie C. Nº 97. §50. 57 Corte IDH. Garantías Judiciales en Estados de Emergencia (arts. 27.2, 25 y 8 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-9/87 del 6/10/87. Serie A. Nº 9. §23. 58 Corte IDH. Caso Palamara Ilibarne Vs. Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22/11/05. Serie C. Nº 135. §§ 145-146. 59 VASAK, Karel. Les dimensions internationales des droits de l’homme. Paris: Unesco,1978. p.620. 27

 

270 depressão severa e, assim, pela sua condição de pessoa com deficiência. A estatística médica especializada indica que a concordância de dois profissionais quanto a um mesmo diagnóstico de doença mental possui uma média de acerto de até 90%, tão grandes são a segurança e a precisão de tal espécie de diagnóstico60. Desse modo, a concordância do laudo do perito judicial e do psiquiatra de La Casita constitui elemento de prova dotado de robustez suficiente a afastar a necessidade de oitiva da interditanda, cuja inocorrência não se traduz em prejuízo, no caso, também por força da atuação processual do MP (conforme recomenda, destaca-se, a jurisprudência desta Honorável Corte61) – instituição legitimada a impugnar a decretação de interdição e, assim, incumbida de zelar pela tutela dos direitos das pessoas com deficiência. Isto é, houve o efetivo respaldo dos interesses de Cristal perante a Justiça. 48.

Note-se que, no marco dos arts. 8º e 25 da CADH, não cumpre analisar a necessidade

da interdição (o que cabe, preponderantemente, às autoridades internas62): deve-se apenas verificar a regularidade e a efetividade do respectivo processo. Essas, no caso, estão atendidas, pois, apesar da não-observância da norma do art. 8.1, não houve prejuízo jurídico a Cristal, e, sem a ocorrência de prejuízo, não há ofensa ao devido processo legal. A interdição está, assim, conforme a Convenção (arts. 8º e 25) e a Declaração da ONU de 1975 (§4). 49.

Tampouco há violações ao devido processo legal ou à proteção judicial no contexto

do recurso por meio do qual a ODNEI questionou a nulidade da interdição de Cristal. Não há dúvidas acerca da independência, imparcialidade e competência do Juízo de primeira instância e do Tribunal de Apelações de Inclutiarán para julgar causa; houve pleno exercício do contraditório e da ampla defesa; e a prestação jurisdicional deu-se de modo célere. 50.

A celeridade do processo (art. 25) e a razoabilidade dos seus prazos (art. 8º) –

elementos integrantes da eficácia dos recursos internos – restaram observadas, no caso, uma                                                                                                                         60

OMS. Relatório Mundial da Saúde. Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Ibidem nota nº 23 p. 54. Corte IDH. Caso Furlán y familiares Vs. Argentina. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31/08/12. Serie C. Nº 246. §241. 62 CtEDH. Case of Shtukaturov vs. Russia. Ibidem nota nº 51. §§ 67, 87-88. 61

28

 

270 vez que não transcorrido muito mais do que um ano entre a propositura da ação anulatória da interdição (21/02/08) e o trânsito em julgado da decisão final, já em grau de recurso (19/04/09). Trata-se de prazo absolutamente razoável, à luz dos critérios de aferição desta Honorável Corte: (i) a complexidade da causa; (ii) a conduta das autoridades judiciais; (iii) a atividade processual do(s) interessado(s); e (iv) o efeito gerado na situação jurídica das pessoas envolvidas no caso63. Não se trata de causa simples, ante a diversidade das questões discutidas, em ambos os graus de jurisdição (legitimidade das partes, extensão da autonomia de Cristal, atuação da curadora). A diligência das autoridades judiciais, na condução do feito, está constatada na determinação de oitiva da Dra. Lira, em grau recursal. Porém, foi nula a atividade processual do interessado, já que a ODNEI em momento algum buscou obter tramitação mais célere do feito, por julgá-la (erroneamente) vagarosa. Por fim, do exíguo tempo de tramitação do feito não decorreram prejuízos à situação jurídica de Cristal, uma vez, no decorrer do litígio, não houve qualquer abuso ou ilicitude por parte da sua curadora. 51.

Acrescenta-se que a prolação de decisão contrária às pretensões da demandante não

implica, por si, violação ao art. 25 da CADH. A norma tutela o direito de acesso a procedimentos que ofereçam a possibilidade, mas não a garantia de um resultado favorável64, de modo que o indeferimento do pleito de nulidade da interdição, pelo Tribunal de Apelações, não constitui, por si só, causa de violação ao direito à proteção judicial. 52.

O mesmo se diga quanto à decisão do Juízo de primeira instância, naquele litígio.

Embora o Código de Processo Civil de Exclutia reserve ao curador e ao MP a legitimidade para solicitar revisão ou revogação da interdição, há norma da legislação interna que permite o manejo de recurso de nulidade em face de qualquer decisão judicial. Assim, uma vez que a interdição de Cristal somente surgiu a partir da sentença que a decretou, conclui-se que, de fato, cabível a petição apresentada pela ODNEI. Justamente por isso, ao julgar o recurso, o                                                                                                                         63

Corte IDH. Caso Fornerón e Hija Vs. Argentina. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 27/04/12. Serie C. Nº 242. §66. 64 Corte IDH. Caso Godínez Cruz Vs. Honduras. Fondo. Sentencia de 20/01/89. Serie C. Nº 5. §70. 29

 

270 Tribunal de Apelações desconsiderou a decisão de origem e prosseguiu no exame do mérito da causa, corrigindo o error in judicando e, ao saná-lo, afastando eventual violação ao art. 25. 53.

Por fim, não pode ter havido violação aos arts. 8 e 25, no âmbito do recurso de

amparo. A efetividade de um recurso constata-se sobretudo na medida em que esse se ache apto a produzir o resultado para o qual tenha sido idealizado65 e a satisfação do direito ao acesso à Justiça, nos recursos de amparo, depende da existência de mecanismos eficazes à execução das decisões judiciais66. Desse modo, basta recordar, aqui, que, apenas seis meses após a decisão da Segunda Turma de Constitucionalidade, Exclutia anunciou o acréscimo de $200.000,00 ao orçamento de La Casita, investidos em diversas melhorias no Centro, o que consubstancia o fiel e célere cumprimento do acórdão, consagrando, assim, a sua efetividade. 2.5 Da inocorrência de violação aos arts. 24 e 1º da CADH 54.

A vedação a tratamento de cunho discriminatório encontra guarida nos arts. 1.1 e 24

da Convenção, que consagram princípios que regem os direitos humanos e cujo reconhecimento deve realizar-se em favor de todas as pessoas67: a obrigação geral de respeitar e garantir, sem discriminação, os direitos enunciados na CADH (art. 1.1), e a proibição de discriminação, de fato ou de direito, quanto aos direitos consagrados na CADH ou na ordem jurídica interna dos Estados Partes (art. 24)68. É o vínculo indissolúvel entre as referidas normas69 que impõe, no caso, a demonstração conjunta da sua não-violação. 55.

Este Egrégio Tribunal70 entende que nem todas as diferenças de tratamento legal

afiguram-se discriminatórias, pelo fato de que nem toda a distinção de tratamento pode ser considerada ofensiva, por si só, à dignidade humana. A CtEDH, por sua vez, consigna que                                                                                                                         65

Corte IDH. Caso Velásquez Rodrigues Vs.Honduras. Fondo. Sentencia de 29/07/88. Serie C. Nº4. §66. Corte IDH. Caso Acevedo Jaramillo y otros Vs.Honduras Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 7/02/06. Serie C. Nº 144. §220. 67 Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinión Consultiva OC-17/02 del 28/08/02. Serie A. Nº 17. p. 10. 68 Corte IDH. Caso Rosendo Cantú y otra Vs. México Ibidem nota nº 28. § 183. 69 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24/08/10. Serie C. Nº 214. § 268. 70 Corte IDH. Propuesta de modificación de la Constitución Política de Costa Rica relacionada con la naturalización Opinión Consultiva OC-4/84 del 19/01/84. Serie A. Nº 04. § 56. 66

30

 

270 uma distinção somente se qualifica como discriminatória na medida em que carece de justificação objetiva e razoável71. Precisamente por isso, a Convenção da Guatemala dispõe não constituir discriminação a diferenciação ou preferência que promova a integração social dos portadores de deficiência (art. 1º, § 2º, “b”). E, pela mesma razão, a Declaração da ONU de Direitos do Deficiente Mental de 1971 prevê que o deficiente deve gozar, na medida do possível, dos mesmos direitos que as outras pessoas (art. 1º), sendo a diferenciação essencial para a garantia de certos direitos. Há, portanto, desigualdades factuais que, de forma legítima, traduzem-se em desigualdades de tratamento jurídico, sem que, assim, se promova injustiça72. 56.

Ora, resta claro, dessa forma, que a interdição de Cristal não consubstancia tratamento

discriminatório. Uma vez que constitui o instrumento por meio do qual se lhe assegura a adequada proteção dos seus direitos, como já repisado, no presente memorial, possui um propósito legítimo. E é precisamente o seu propósito legítimo que faz com que não enseje discriminação73. Desse modo, ao proceder à interdição de Cristal, Exclutia não respeitou apenas a CADH, eu seus arts. 1º e 24: também atuou em plena consonância com a Convenção da Guatemala, que afirma que a interdição não configurará discriminação, se apropriada ao bem-estar do indivíduo (art. 1°, “b”). Aliás, à luz dessa, não se mostra discriminatório o art. 41 do Código Civil de Exclutia, ao arrolar a deficiência mental como possível causa de interdição. Isto é, não há, no caso, discriminação legal, que tem lugar quando da emissão de leis que discriminam certo grupo de pessoas74, ou, então, como já disse o CDPD da ONU, quando não se levam em conta as circunstâncias da pessoa a quem a lei se aplica75.

                                                                                                                        71

CtEDH. Case of “relating to certain aspects of the use of languages in education in Belgium” vs. Belgium (Merits). Application Nº 1474/62. Judgment of 07/23/68. p.34 72 Corte IDH. Opinión Consultiva OC-4/84. Ibidem nota nº 70.§ 56 73 Corte IDH. Opinión Consultiva OC-4/84. Ibidem nota nº 70. §§ 56-57 74 Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Opinión Consultiva OC-18/03 del 17/09/03. Serie A. Nº 18. § 108. 75 CDPD. Case H.M (represented by Mr H-E.G and Mrs. B.G) Vs. Sweden. Communicationº 3/2011. Views adopted by the Committee at its 7th session, 16 to 04/27/12. 31

 

270 57.

Tampouco houve discriminação de fato, que ocorre quando o Estado favorece

atuações e práticas que discriminam um determinado grupo de pessoas76. Jamais ocorreu patrocínio ou conivência das autoridades estatais com tais espécies de ações. Seja em La Casita, seja durante a sua internação, a condição de Cristal de pessoa com deficiência não constituiu razão para que não lhe fosse dado tratamento diligente e conforme as suas necessidades. Ao contrário. Como aqui demonstrado, sempre foram respeitados os direitos a ela inerentes, do que decorre a inocorrência de violação à cláusula geral do art. 1.1 da CADH. 58.

Pertinente frisar, por fim, que o direito de igualdade e de não-discriminação, além da

sua acepção negativa, relacionada à proibição de diferenças arbitrárias de tratamentos, também possui uma conotação positiva, que diz respeito à obrigação dos Estados de criar condições de igualdade real, em favor de grupos que, historicamente excluídos, possuem um maior risco de ser discriminados77. Assim, porque Exclutia sabe que a falta de igualdade entre os indivíduos afeta a capacidade das pessoas de disfrutar de todos os seus demais direitos78, também atendem ao disposto nos arts. 1.1 e 24 da CADH as diversas medidas – legislativas, institucionais e orçamentárias – de inclusão das pessoas com deficiência executadas pelo Estado, em conformidade, ainda, com a Convenção da Guatemala (art. III, inciso I, “a”). 2.6 Da inocorrência de violação ao art. 2º da CADH 59.

Esta Honorável Corte79 tem reiterado que, sob a égide do art. 2º, incumbe aos Estados

o dever de adotar, em conformidade com os seus procedimentos constitucionais e com as disposições da Convenção, as medidas legislativas ou de outro caráter que sejam necessárias a tornar efetivos os direitos e liberdades por ela protegidos, do que decorre, inclusive, a sua obrigação de proceder à supressão ou modificação de normas internas com ela incompatíveis.                                                                                                                         76

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay. Ibidem nota nº 69. § 271. Corte IDH. Caso Furlán y Familiares Vs. Argentina. Ibidem nota nº 61. § 267 78 CAfDHP. Case Legal Resources Foundation vs. Zambia. Communication Nº 211/98. Decision taken at the 29th Ordinary Session held in Tripoli, Libya, from 04/23 to 05/07/01. § 63. 79 Corte IDH. Caso Raxcacó Reys Vs. Guatemala. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 15/09/05. Serie C Nº. 133. § 87. 77

32

 

270 60.

Embora Cristal Tovar não tenha sido ouvida, pelo Juiz da interdição, por ausência de

determinação no art. 41 do Código Civil (apesar do teor do art. 8.1 da CADH), viu-se que tal não lhe causou prejuízos, no caso concreto, pois o procedimento respeitou, como um todo, o direito ao devido processo legal (§§47-48). Isto é, a condução do feito com base na norma processual interna não desafiou a aspiração protetiva da Convenção. Assim, a partir da aferição global do atendimento ao direito às garantias judiciais, e não do exame da literalidade do seu art. 8.1, isoladamente, constata-se a não-violação do art. 2º da CADH. 61.

Por outro lado, o novo texto do art. 41 do Código Civil – já aprovado pela Comissão

de Inclusão Social do Congresso e pendente apenas de debate plenário – ajusta-se ao art. 8.1 da CADH, pois o seu §3º, ao permitir a participação de “qualquer parte interessada” na audiência pública obrigatória, viabiliza a oitiva do próprio interditado, e adapta-se aos padrões internacionais sobre a matéria, como se depreende, por exemplo, também do teor da Declaração de Montreal sobre a Deficiência Intelectual de 2004 (§6, “c”). 3 DO PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDA DE URGÊNCIA 62.

Apesar da legitimidade da ODNEI, na condição de representante, para requerer a

concessão de medida de urgência, deve-ser indeferir o pleito, pois não preenchidos os requisitos necessários a sua concessão, dados pelo rol taxativo do art. 63.2 da CADH: (i) extrema gravidade; (ii) urgência; e (iii) necessidade de evitar a ocorrência de danos irreparáveis. Assim, embora tais medidas, de fato, possuam caráter tutelar e cautelar80, deve ser sumária a cognição deste Egrégio Tribunal, isto é, restrita ao rol do art. 63.2, sem efetuar juízo de mérito antecipado81. Logo, pelas razões ora expostas, que serão reiteradas, oralmente, quando da audiência, confia-se que, já por ocasião dessa, o pedido será negado. 63.

O recolhimento eventual de residentes de La Casita aos quartos de isolamento não põe

em xeque a sua vida ou a integridade pessoal, seja pela sua brevidade; seja pelo seu caráter                                                                                                                         80

RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 233. 81 Corte IDH. Caso Belfort Istúriz Vs. Venezuela. Medidas Provisionales. Sentencia de 15/04/10. § 9. 33

 

270 absolutamente excepcional; seja porque possível o alcance de pronto atendimento a qualquer dos moradores, caso necessário, no interior dos referidos quartos, em função da existência de equipe médica permanente no Centro. Desse modo, não há urgência, requisito que somente se configura quando as circunstâncias, por sua natureza, indicam um risco iminente à pessoa82. Pelas mesmas razões, não se trata de hipótese de risco de danos irreparáveis, tampouco havendo falar, por consequência, em situação de extrema gravidade. 64.

Frisa-se que, dado o indeferimento da medida de urgência, deve também ser cassada a

medida cautelar concedida pela Comissão (em 01/10/09) – e ainda vigente – em favor da vida e integridade pessoal dos residentes de La Casita. Em vigor desde 01/08/13, o novo Regulamento da CIDH dispõe que, na hipótese de denegação de provimento de urgência, por esta Honorável Corte, a CIDH somente considerará novo pleito cautelar se fatos novos o justificarem (art. 25, §13). Assim, a contrario sensu, não pode subsistir a medida outorgada, pela Comissão, anteriormente ao indeferimento da tutela liminar, por este Egrégio Tribunal. Trata-se de exegese da norma que prestigia a autoridade desta Casa, à qual deve competir a última palavra sobre quaisquer questões atinentes aos casos a ela submetidos. Ressalta-se que a norma do Regulamento possui natureza processual e, por isso, tem aplicabilidade imediata: incide, no caso concreto, ainda que editada posteriormente à outorga da medida, pela CIDH. 4 DAS REPARAÇÕES E CUSTAS 65.

O dever do Estado de reparar e de cessar consequências da violação a uma norma

internacional somente surge ao produzir-se um fato ilícito a ele imputável83. Precisamente por isso, inexiste, no caso, dever de reparar, que, como afirma esta Honorável Corte84, também exime do reembolso de custas e gastos da parte adversa: não há responsabilidade internacional porque os fatos analisados não ensejam violação aos direitos ora em causa.                                                                                                                         82

PASQUALUCCI, Jo M. The practice and procedure of the Inter-American Court of Human Rights. University of South Dakota, School of Law. 2 th Ed. New York: Cambridge University Press, 2013. p. 258. 83 Corte IDH. Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil. Ibidem nota nº 10. § 208 84 Corte IDH. Caso Radilla Pacheco Vs. México. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 23/11/09. Serie C. Nº 209. § 376; 34

 

270 66.

Cabe, entretanto – a título meramente argumentativo, porém –, admitir a eventual

circunstância de acolhimento, parcial ou total, das alegações de mérito. Nessa hipótese, Exclutia prontificar-se-á ao imediato cumprimento de quaisquer reparações, desde já ponderando, contudo, que julga suficientes medidas de cunho meramente satisfativo (como a realização de ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional ou a veiculação, na sua imprensa oficial, da sentença dessa Honorável Corte, que, aliás, constitui forma autônoma de reparação85). Caso se decida também pelo pagamento de indenização – no que, contudo, não se acredita –, Exclutia recorda que o valor deverá ser fixado de forma módica, pois o montante indenizatório não deve servir ao enriquecimento da parte lesada86. 67.

Por fim, embora a adequação do Direito interno à CADH, de fato, constitua forma de

reparação (garantia de não-repetição)87, reitera-se a consonância do novo texto do art. 41 do Código Civil com a Convenção (§34), o que dispensa condenação quanto à norma, como já se decidiu88 – ainda que não concluído, por ora, o seu já iniciado processo de reforma. VI. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA 68.

Ante o exposto, a República Democrática de Exclutia respeitosamente requer a esta

Honorável Corte que: (i) na audiência pública, indefira o pleito de concessão de medida de urgência, e, de igual modo, casse a medida cautelar concedida pela Comissão; (ii) também na audiência, ou, senão, em sentença, admita a desistência da preliminar; (iii) no mérito, declare a inocorrência de violação aos direitos enunciados nos arts. 3º, 5º, 7º, 8º, 11, 24 e 25, da CADH, em conjunto com os seus art. 1.1 e 2º; e (iv) caso acolhidas as razões de mérito da petição, em parte ou integralmente, delibere, quanto às reparações, em atenção aos §§ 65-67.                                                                                                                         85

Corte IDH. Caso Fontevecchia e D’Amico Vs. Argentina. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 29/11/11. Serie C. Nº 238. § 102; 86 Corte IDH. Caso Comunidad Moiwana Vs. Suriname. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 15/07/05. Serie C. Nº 124. § 171; 87 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay. Ibidem nota nº 69. § 309; Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakey Axa Vs. Paraguay. Ibidem nota nº 19. §§ 222-224. 88 Corte IDH. Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 17/11/09. Serie C. Nº 124. § 135. 35

 

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