CASO ZÉ PEREIRA: A RESPONSABILIDADE DO ESTADO E O EMBATE ENTRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO ESCRAVO

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Graduandas do curso de Direito do Centro Universitário do Estado do Pará.
Art. 149/CP: Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto. (Redação pela lei nº 10.803, de 11-12-2003).
MESQUITA, Valena Jacob Chaves. A sujeição do trabalhador a condição análoga à de escravo no Pará: uma análise jurisprudencial do crime no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Belo Horizonte: RTM 2016.
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MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Plano de Erradicação do Trabalho Forçado. Disponível em: . Acesso em 27 abril de 2016.
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PINA, Rafael. Dicionário de Direito, Porrua Editorial, México, 2003. 442 p.
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KRSTICEVIC, Viviana; DULITZKY, Ariel. Manual sobre o sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. Brasília: CEJIL / Brasil, 2002, p. 13 - 14.
KRSTICEVIC, Viviana; DULITZKY, Ariel. Manual sobre o sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. Brasília: CEJIL / Brasil, 2002, p. 18.
Relatório nº 95/03. Caso 11.289 solução amistosa. José pereira. Brasil: 24 de outubro de 2003
Relatório nº 95/03. Caso 11.289 solução amistosa. José pereira. Brasil: 24 de outubro de 2003
Relatório nº 95/03. Caso 11.289 solução amistosa. José pereira. Brasil: 24 de outubro de 2003
CAFF, Luma Cavaleiro de Macêdo. Estudo do caso - José Pereira: o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. São Paulo, 2010.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Plano de Erradicação do Trabalho Forçado. Disponível em: . Acesso em 27 de abril de 2016.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Iniciativas. Disponível em: . Acesso em 27 de abril de 2016.


CASO ZÉ PEREIRA: A RESPONSABILIDADE DO ESTADO E O EMBATE ENTRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO ESCRAVO
Ana Carolina Del Castillo Jucá
Beatriz Bergamim Duarte

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo abordar a questão referente ao trabalho escravo que se faz presente na conjuntura brasileira atual, mostrando as suas origens, as perpetuações e os casos que foram englobados por essa forma de trabalho distinta à dignidade da pessoa humana, com enfoque ao caso do José Pereira (caso nº 11.289) que tramitou na Comissão interamericana, a fim de retratar a responsabilidade do Estado com os indivíduos sujeitos a essa forma de trabalho, frente às garantias do texto legal.
Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Estado. Responsabilidade. Trabalho Escravo. José Pereira.
ABSTRACT
This article aims to discuss the matter of slave work that is present in Brazilian's current situation, showing its origins, its perpetrations and the cases that are involved with this work form, that denies the dignity of the human being, focusing its studies in the case José Pereira (case number 11.289), which was in the Inter-American Commission on Human Rights, to analyse the responsibility of the State related to the individuals that were subjected to this kind of work, according to the Brazilian law.
Key-words: Human Dignity. State. Responsibility. Slave Work. José Pereira.

1. INTRODUÇÃO
Na história do Brasil, percebeu-se desde a colonização a submissão de indivíduos às condições de trabalho as quais configuram o trabalho escravo, o que induz que, mesmo que essa forma distinta à dignidade humana seja proibida legalmente, como expressa o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, ainda existem trabalhadores que vivem nas condições impostas de forma obrigatória e forçada por esse meio.
Mesmo que haja outra conotação para trabalho escravo dos dias atuais em relação ao dos séculos passados, os dois períodos possuem o mesmo significado: a exploração pelo poder econômico do homem, oprimido pela falta de opções, de profissão, expectativas e pela miséria, como exalta a professora Valena Jacob Chaves Mesquita.
Assim, os indivíduos englobados por essa situação, mesmo que seja expressamente proibido, são submetidos a essas condições devido à falta de oportunidade de emprego e mão de obra para ocupar cargos que ensejam maior conhecimento profissional (ressaltando o fato de a maioria ser de analfabetos e não ter completado nem o ensino médio: dos 47 mil trabalhadores resgatados entre 1995-2014, 33% não sabiam ler ou escrever e 39% só chegaram até a 4ª série), sendo esse um dos principais motivos que levam esses a se submeterem a essas condições de forma forçada por empregadores e "gatos".
Decerto, as cidades interioranas merecem maior destaque, como exemplo as cidades da Amazônia, que desenvolvem atividades agropecuárias, as quais utilizam dessa forma de trabalho, devido a forte experiência da área com os seringueiros, na época da borracha no final do século XIX, e com a expansão das atividades agrícolas dadas por meio do implemento de políticas públicas para o desenvolvimento da área. Essas merecem o referido destaque devido ser mais presente o trabalho escravo nessas áreas, devido o menor desenvolvimento de recursos, como educação. , bem como a dificuldade de acesso às áreas em que acontece de fato o trabalho. Contudo, deve-se aferir que o trabalho escravo se faz presente em centros rurais e urbanos, o que afere os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual afirma existirem cerca de 20,5 milhões de indivíduos submetidos a essa condição no mundo, desde crianças até idosos.
O objetivo desse artigo é, portanto, dissertar sobre o trabalho escravo na sociedade brasileira atual, demonstrando sua historicidade, suas causas e consequências, além dos casos referentes, com maior exemplo o caso Zé Pereira, presente na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).


2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
No que tange a presença das condições de trabalho distintas à dignidade da pessoa humana, o trabalho escravo se faz presente na sociedade brasileira, desde a colonização, período no qual se possuiu a escravidão dos índios, e logo depois, o período que se possui maior conhecimento sobre essa condição de trabalho imposta aos indivíduos, os anos de 1700 até 1888, que marcaram a trajetória escrava do Brasil.
A escravidão no Brasil teve início com a produção do açúcar na primeira metade do século XVI, no qual os portugueses traziam negros africanos de suas colônias na África para utilizar como mão-de-obra nos engenhos de açúcar no Nordeste. Esses indivíduos eram comercializados como mercadorias, possuindo assim um valor de acordo com a qualidade de sua mão-de-obra e eram transportados pelos continentes em navios negreiros, com mínimas condições para a sobrevivência.
A base fundamental para a manutenção do sistema (cultivo da cana-de-açúcar) foi a mão de obra escrava, principalmente a africana, porque o negro era a possibilidade de acumulação de capital, servia como produtora de mercadorias coloniais, e, sendo mercadoria servia para legitimar o sistema colonial através do uso do tráfico negreiro vinculado ao comércio triangular (Europa, África e Brasil X produtos manufaturados, produtos tropicais e minérios, tabaco-escambo). (SANTOS, 2005).
Logo depois, no século XVIII, as fazendas de açúcar e as minas de ouro seguiram essa forma de trabalho, a qual era imposta de forma desumana, já que os indivíduos eram cercados pela violência de seus "donos", caso não fosse realizado o seu trabalho da forma que o senhor achava que deveria ser feito. Além disso, os escravos passavam as noites nas senzalas, que eram grandes galpões escuros e sem higiene, onde eram acorrentados para evitar fugas.
Era possível que alguns escravos conseguissem a sua liberdade após adquirirem a carta de alforria, a qual era dada por meio do que ganhavam a vida toda. Contudo mesmo após ganho dessa liberdade esses indivíduos ainda possuíam um estigma social, o que não lhes possibilitava oportunidades para uma vida digna além da escravidão. Como essa carta não era acessível a todos, era comum as tentativas de reação contra essa imposição e também as fugas, o que formavam os grandes quilombos, em destaque o Quilombo de Palmares, que eram comunidades organizadas onde os integrantes viviam em liberdade, voltando as suas origens africanas, já que era proibido a liberdade de suas crenças e costumes nas condições que lhe eram impostas.
No século XIX os malefícios da escravidão começaram a ser comentados na Inglaterra, o que proporcionou maior debate na época no que diz respeito a sua abolição. Assim, fora possível o alcance da Lei Bill Aberdeen em 1845, a qual foi decretada pelo Parlamento Inglês, a fim de ampliar o mercado consumidor no mundo por meio da proibição dos tráficos de escravos. Logo após, em 1850, o Brasil aprovou a Lei Eusébio de Queiroz, a qual acabou com o tráfico negreiro, em 1871 fora aprovada a Lei do Ventre Livre, que dava liberdade a filhos de escravos nascidos a partir dessa data, e em 1885 a Lei dos Sexagenários, a qual garantia a liberdade de escravos com mais de 60 anos de idade.
Apesar de essas leis garantirem maior possibilidade de liberdade aos escravos da época, a lei de maior eficácia para a garantia desse direito foi a Lei Áurea, decretada em 1888, pela princesa Isabel, o que decretou o fim da escravatura no país. Ainda que tenha sido garantida essa liberdade, vale lembrar que os negros continuaram a ter condições de vida mínimas, graças às consequências da escravidão.

3. O TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÊNEO
Mesmo havendo grande semelhança entre o trabalho escravo dos séculos passados, como exemplo no período da colonização do século XVII, no que diz respeito à forma que os indivíduos são submetidos a esse meio de trabalho, diacronicamente o trabalho escravo fora se ajustando de acordo com a época e condições dos locais ao que é remetido, permeando assim a sociedade atualmente.
O trabalho escravo contemporâneo tem suas características distintas da figura da dignidade da pessoa humana, a qual não era idealizada por indivíduos dos séculos anteriores, já que foi dado um foco maior a ela após a segunda guerra mundial, o que está relacionado ao fato do numero de mortos na época, e passou a ser considerada um bem intrínseco ao ser humano, segundo estudiosos dos Direitos Humanos, além de ser base para o Constitucionalismo brasileiro.
Ainda que diferente do passado, tendo como distinção, por exemplo, a proibição legal, o curto prazo para obtenção de lucro após a aquisição de mão de obra e a irrelevância das diferenças étnicas, o trabalho escravo atual possui características que desintegram a dignidade da pessoa humana, como: o alojamento precário que os indivíduos são submetidos, falta de assistência médica, falta de alimentação, falta de saneamento básico e higiene, jornada exaustiva, e, além disso, as características que estão relacionadas ao impedimento dos trabalhadores de deixarem o local, as quais são a dívida legal, a retenção do salário, o isolamento geográfico, a retenção de documentos, os maus-tratos e a violência.
Assim, os grandes proprietários de terra e de empresas ligadas ao setor agropecuário e de siderurgia, utilizam dos trabalhadores escravos de acordo com meios citados acima pelas características com o objetivo de aumentar o lucro de sua produção. Além disso, quando são flagrados por algum órgão de fiscalização como, por exemplo, os agentes da OIT, alegam que as condições de trabalho oferecidas em suas propriedades são hábitos da região ou fazem parte de algum tipo de tradição cultural.
Vale ressaltar que as primeiras denúncias de formas contemporâneas de escravidão no Brasil foram feitas em 1971 por dom Pedro Casaldáliga, defensor dos direitos humanos na Amazônia. Logo depois, em 1985, denúncias de escravidão passaram a ser encaminhadas à OIT e em 1995, o governo federal brasileiro, pelo pronunciamento do presidente da República Fernando Henrique Cardoso, assumiu a existência do trabalho escravo. Assim, o Brasil foi uma das primeiras nações do mundo a reconhecer o trabalho escravo, o qual vem sendo combatido pelos agentes estatais, como a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).

4. AS MODIFICAÇÕES DO ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL
Como é expresso no Código Penal Brasileiro atual no artigo 149, o trabalho escravo é proibido por lei. Contudo, a redação do texto legal nem sempre foi a mesma, sendo editada pela Lei nº 10.803 em 11 de dezembro de 2003, a qual trouxe ao texto uma redução ao princípio da liberdade, que encontrava forte ligação à redação anterior, devido ao laconismo do dispositivo.
Assim, o artigo antes de sua alteração, expressava a proibição do ato de "reduzir alguém à condição análoga à de escravo", sendo um crime de tipo aberto, ou seja, era praticado por qualquer modo de execução, o que leva a doutrina a afirmar que era rara a configuração desse delito na prática forense, devido à lacuna na norma.
Após a Lei nº 10.803/2003, a previsão legal sobre o trabalho escravo transformou o crime ligado a uma vinculação, levando assim ao maior enquadramento das condições citadas pela redação de acordo com o fato. Segundo o caput da versão atual do artigo, é proibido:
Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. (BRASIL. Artigo 149, Código Penal).
Desse modo, para a utilização do código é necessário o enquadramento da conduta do agente a uma das hipóteses previstas na nova redação, ou seja, a caracterização do tipo penal. É importante atentar para os três principais elementos e os bens jurídicos tutelados pelo texto, os quais são: a necessidade de fixar um elemento histórico de comparação, os modos de execução, que são limitados e divididos em trabalho escravo típico e trabalho escravo por equiparação, e a obrigatoriedade da existência de uma relação de trabalho.
A necessidade de fixar um elemento histórico de comparação, como primeiro elemento, está relacionada com a comparação do trabalho escravo atual com o da antiguidade, quando o mesmo não era legalizado, já que era também era crime reduzir um home livre à condição análoga a de escravo, como, por exemplo, nas fazendas de café do Sudeste e dos seringais na Amazônia.
O segundo elemento, que são os modos de execução, têm ligação à forma que os "gatos" utilizam os trabalhadores em condições análogas a de escravo. Esses modos de execução estão divididos de acordo com a forma que os indivíduos trabalham e como são presos a esse meio. O trabalho escravo típico, que tem relação com a forma que eles trabalham, tem como característica o trabalho forçado ou em jornada exaustiva, o trabalho em condições degradantes e o trabalho com restrição de locomoção em razão da dívida contraída. Já o trabalho escravo por equiparação, que diz respeito ao modo que os empregadores "prendem" os indivíduos a atividade desenvolvida, ou seja, à retenção ao local de trabalho, tem como disposições o cerceamento de qualquer uso de transporte, a manutenção da vigilância ostensiva e a retenção dos documentos ou objetos pessoais do trabalhador.
Por ultimo, com grande relevância, há a obrigatoriedade da existência de uma relação de trabalho entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, como descrito pela doutrina. Mesmo que implícito no texto legal, essa relação de trabalho encontra-se como base para todos os outros elementos, ou seja, sem ela não poderia haver nenhum dos outros elementos, já que é pela relação trabalhista entre o empregador e o individuo sujeito à condição análoga a de escravo que surgem os elementos característicos do tipo penal.
Ademais, além da doutrina, há o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que o crime previsto pelo artigo 149 do Código Penal deve ser visto como crime contra a organização do trabalho, já que a relação de trabalho é fulcral para haver a tipicidade do fato.
Além da mudança na lacuna do texto legal para a necessidade da interpretação dos elementos para a caracterização penal, com a mudança do artigo houve também a diferença dos bens jurídicos tutelados. Devido à redação vaga anterior, havia uma maior ligação ao princípio da liberdade, já que era mais aberto o enquadramento do fato a tipicidade do código. Após a mudança com a Lei nº 10. 803/2003, ao invés de estar mais ligado o principio da liberdade, passou a prevalecer a dignidade da pessoa humana, em relação aos malefícios sofridos pelos indivíduos vítimas do crime, devido as condições as que lhe são impostas.
Contudo, vale frisar que ainda com as mudanças, ainda há a relação ao princípio da liberdade, não mais ligado a abertura do código em relação à caracterização penal, mas sim ao direito a liberdade do trabalhador frente à atividade a que lhe cabe desenvolver, pois esse não é obrigado a realizar o que não é de seu consentimento.

5. A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO COMO PROTEÇÃO DOS DIRETOS HUMANOS
5.1 A responsabilidade estatal
A responsabilidade é uma das questões mais relevantes do Direito pelo fato de encontrar-se no centro do sistema jurídico. A definição de sanção por violação das estruturas das obrigações e da natureza estabelecido pelo próprio Direito demostra-se os seus fundamentos e definição de grau de sua integração através de seu sistema de responsabilidade.
Uma vez violado, seja por ação ou omissão, um direito estabelecido em qualquer norma de direito internacional surge uma nova relação jurídica entre o sujeito a qual é cobrado o ato de dever responder pela reparação e o aquele que tem o direito violado tem o direito de reclamar a reparação violação da obrigação. Desse modo, quando há uma violação do direito internacional deve ser entendida como uma ação ou omissão caso contrário, imputável a um Estado e, portanto, tem a obrigação de reparar o dano. Nascido de uma relação jurídica entre o Estado que tem causado essa violação e o sujeito tem o direito de exigir uma indenização. O estado que "viola os direitos que a mesma lei estabelece que causem prejuízo a um Estado ou de um indivíduo incorre em uma responsabilidade internacional."
A responsabilidade internacional é, portanto, o elemento que confere obrigatoriedade e força ao sistema internacional de proteção de direitos humanos, fazendo com que ele deixe de possuir um caráter de conselho ou de sistema composto por obrigações morais ou normas meramente programáticas. Por meio das normas de internacional completa a terceira estrutura de sustentação da internacionalização dos direitos humanos para Lafer. Segundo o autor, a afirmação planetária dos direitos humanos assentou-se em três estruturas: promoção, controle e garantia. A promoção teria a função de irradiar para consolidar o valor dos direitos humanos, através da difusão do seu conhecimento e da instrução. O controle consistiria no monitoramento do cumprimento pelos Estados dos compromissos assumidos através de relatórios independentes, comunicações inter-estatais, petições individuais no âmbito dos Comitês de Peritos ou mediante a ação das organizações não governamentais dedicadas aos direitos humanos. A garantia, em sentido estrito, estaria ligada a uma autêntica tutela jurisdicional, com a imposição da justiça dos direitos humanos no âmbito regional e mundial.
O regime de responsabilidade do Estado pela violação de tratados internacionais de Direitos Humanos vem apresentando uma grande evolução desde a criação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Entretanto, a mudança na forma como tais direitos são tratados, na prática, pelos Estados, ainda ocorre de maneira gradual e lenta.
5.2 Instituições de proteção de direitos humanos
Assim, com o intuito de reafirmar perante a sociedade o compromisso pela erradicação do trabalho degradante como proteção dos direitos humanos existe órgãos criados para amparar direitos de níveis de tutela e legislação continental como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Organização dos Estados Americanos.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) é uma organização internacional criada pelos Estados do hemisfério com objetivo de alcançar ordem, paz e justiça, fomentar a solidariedade, o respeito à soberania, integridade territorial e independência entre os países. A OEA constitui um organismo regional, nos termos do artigo 52 da Carta das Nações Unidas.
Em 22 de novembro de 1969, foi aprovada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, através da Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, convocada pelo Conselho da OEA, em São José, Costa Rica. A Convenção Americana entrou em vigor em 18 de julho de 1978, e é considerado o instrumento mais importante do sistema interamericano, pois estabelece as regras fundamentais de seu funcionamento para o seu uso devido e aplicação. O Brasil confirmou a Convenção Americana em 25 de setembro de 1992.
A Comissão é o órgão principal da OEA, cuja função é agenciar, advertir e promover a defesa dos direitos humanos, além de servir como órgão consultivo nesta matéria, incorporando sua estrutura básica, através da sua inclusão na Carta da Organização. A Corte, diferentemente, foi criada como um dos órgãos de supervisão das obrigações dos Estados em virtude da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. (KRSTICEVIC, 2002, p.15-16)
A Convenção Americana outorga a faculdade de supervisão das obrigações imposta aos Estados, intuindo proteger os direitos civis e políticos, que são direitos do cidadão. A Comissão é o primeiro órgão a conhecer o procedimento de petições individuais, propondo uma ação de responsabilidade internacional do Estado frente à Corte. A Corte é um órgão de caráter jurisdicional que foi criado pela Convenção com o objetivo de supervisionar o seu cumprimento, tendo dupla competência: contenciosa e consultiva. A função contenciosa refere-se à sua capacidade de resolver casos. Esses só chegam à Corte depois de examinado pela Comissão.
A Corte tem afirmado que os Estados devem tratar as eventuais violações como ato ilícito e, portanto, suscetível a sanções. Cometida a violação, o país passa a ter obrigação de realizar investigações sérias, com todos os meios disponíveis para identificar e punir os responsáveis. Caso contrário, o Estado está incorrendo em responsabilidade internacional. Com a imputação da responsabilidade, os Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) que ratificaram a Convenção, assumem a obrigação de assegurar uma reparação adequada dos danos causados às vítimas e seus familiares, reabilitando, quando possível, a situação anterior à violação do direito.
A Convenção Americana foi criada com a finalidade de evitar a perpetuação da cultura da impunidade e para comprometer os Estados a adotarem medidas preventivas. É importante lembrar que não são apenas sancionadas as ações do Estado, mas também as omissões violatórias à Convenção.
A proteção internacional dos direitos humanos e o trabalho escravo nesse contexto viabilizam o ardil da responsabilidade do país em cobrar a culpabilidade pelos crimes contra o ser humano redistribuindo direitos e obrigações, efetivando, assim, o seu poder de decisão frente à nação.

6. CASO ZÉ PEREIRA
Em setembro de 2003, pela primeira vez, o Estado brasileiro assinou um acordo em que reconhecia sua responsabilidade internacional pela violação dos direitos humanos praticado por particulares, no fato em que ficou conhecido "Caso José Pereira". Assim, o Brasil violou a Convenção e a Declaração de Direitos Humanos por não ter cumprido com sua obrigação em relação à proteção dos povos que sofreram condições análogas a de escravos, o Estado brasileiro permitiu a persistência desse fato por omissão ou cumplicidade em especifico esse caso por datar na época 17 anos (José Pereira) escravizado junto com mais 60 trabalhadores que tiverem sua liberdade restrita na fazenda "Espírito Santo", cidade de Sapucaia, no sul do Pará em 1989 onde tinham sido atraídos com falsas promessas sobre condições de trabalho, e terminaram sendo submetidos à trabalhos forçado.
Em uma tentativa de escapar da fazenda na companhia de outro trabalhador conhecido como "Paraná", foram vítimas de uma emboscada por parte dos aliciadores da fazenda, atacados com disparos de fuzil como represália. José Pereira conseguiu escapar, fingiu-se de morto, enquanto que seu colega morreu em virtude dos disparos. Seus corpos foram jogados em um terreno próximo, mas José Pereira conseguiu chegar a uma fazenda vizinha e ser atendido, podendo prestar posteriormente sua denúncia à delegacia onde registrou a ocorrência. Por ocasião do fato, José Pereira perdeu um olho e a mão direita.
Diante dos fatos recorrentes, a petição dirigida à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 22 de fevereiro de 1994, a peticionaria CEJIL alegou que o caso do José Pereira é ilustrativo de uma prática mais geral do trabalho análogo ao escravo; somado a isso, o trabalho escravo é da jurisdição da Polícia Federal quando os trabalhadores são transportados além dos limites interestaduais e têm pena prevista na legislação brasileira. Decerto, o caso dele trata-se de uma prática corriqueira, pois é uma violação que atinge trabalhadores agrícolas, majoritariamente pessoas de classe econômica menos favorável e baixa escolaridade, tornaram-se um alvo favorável para o recrutamento com falsas promessas de expectativa de vida. Na verdade, eram obrigados a trabalhar em condições subumanas, transportados para fazendas distantes, retirados de alguns locais contra sua vontade, utilizavam métodos para privar-lhes de sua liberdade com armadilhas e ameaças como quando chegavam a fazenda "endividados" devendo dinheiro a fazenda pelos gastos com transporte, comida e etc. Para tanto, não poderiam deixar de pagar suas dívidas sob ameaça de morte,o que tem relação com o que foi descrito como característica do trabalho em condições análoga a de escravo ao longo do artigo.
As peticionárias também alegaram que houve cumplicidade dos agentes do Estado por não ter tomado as medidas de prevenir, impedir ou reprimir qualquer situação parecida com as dos fatos descritos e de, em alguns casos, as policias estaduais não cumpriam com o seu dever de dirimir essa prática. Desse modo, denunciava-se também a impunidade e cumplicidade do Estado, visto que ocorreu um aumento de situações trabalhos análogos ao escravo e o Estado pareceu omisso, já que não ocorreu investigação para apuração das denúncias em 1987. Somente após pressão de grupos de Direitos Humanos e governo de Brasília que as investigações para processo penal pela Policia Federal começaram na data da denúncia em 1994.
Em maio de 1996, alegava que, além da ineficácia dos recursos internos, as provas do caso estavam se perdendo sem que houvesse concluído o processo penal. Disse que, em 07 de outubro de 1998, o Ministério Público fez denúncia contra cinco pessoas por crimes de tentativa de homicídio e redução à condição análoga à de escravo. Entretanto, indicou excessiva demora, já que o caso estava na fase de instrução por quatro anos, desde 1993, e as alegações finais só foram apresentadas em julho de 1997 pelo Ministério Público em uma Vara Única de Marabá. O processo foi dividido em dois: um contra Arthur Benedito Costa Machado, e outro contra os outros quatro réus. Costa Machado, administrador da fazenda, foi condenado em 29 de abril de 1998 a dois anos de reclusão, podendo ser substituídos pela prestação de serviços comunitários durante dois anos. Assinalam, porém, que a pena não pôde ser executada, pois o crime havia prescrito. Em relação aos outros quatro réus fugitivos, as peticionárias informaram que em 21 de outubro de 1997, foi prolatada a decisão no sentido de que estes fossem julgados pelo Tribunal de Júri Federal, e foi decretada sua prisão preventiva, a qual não foi executada.
Diante da incapacidade do Estado em prevenir e punir a prática do trabalho escravo neste caso particular, o caso em análise permaneceu impune no ordenamento jurídico interno. Isto porque a pena aplicada a um dos autores não pôde ser executada em virtude do excesso de tempo transcorrido entre o inquérito e o oferecimento da denúncia, a chamada prescrição retroativa. Em 18 de setembro de 2003, firmou-se então uma solução amistosa perante a Comissão interamericana, em que o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade internacional, pois seus órgãos não foram eficazes para tomar as devidas medidas de prevenir e punir, na medida da lei, tanto o caso do Zé Pereira quanto de casos similares na ocorrência de trabalho nas condições sub-humano. Ademais, com o objetivo de reparar os danos causados a José Pereira pelas violações sofridas, criou-se uma Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Forçado, na qual o Estado brasileiro se comprometeu a continuar com os esforços para cumprimentos de mandados judiciais contra os acusados pelos crimes cometidos, além de pagar uma indenização por danos morais e materiais.
Para dirimir a ocorrência de casos similares ao do José Pereira, o Brasil perante a Comissão se comprometeu a implementar ações e propostas para modificar a lei, como o Plano Nacional para a Erradicação para o Trabalho Forçado, elaborado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, e a efetuar todos os esforços para a aprovação legislativa de dois projetos de lei, os quais são o Projeto de lei nº 2130-A de 1996, que inclui entre as infrações contra a ordem econômica, a utilização de mecanismos ilegítimos da redução dos custos de produção como o pagamento de impostos sociais e laborais, exploração do trabalho infantil e forçado, e substituto ao Projeto de lei nº 5693 que modifica o artigo 149 do Código Penal.
De acordo com a fiscalização da Comissão, com o passar dos anos o Brasil mesmo sendo um país com um elevado número de casos em relação ao trabalho escravo, cumpriu com certas medidas, como, por exemplo, a criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Forçado (CONATRAE) pelo Decreto emitido pelo Congresso Nacional em 31 de julho de 2003, a Lista Suja do Trabalho Forçado, o Plano de Erradicação do Trabalho Forçado, o Guia de trabalho forçado para jornalistas elaborado pela organização não governamental Repórter Brasil em parceria com a OIT, a Campanha Nacional para Erradicação do Trabalho Forçado, o Grupo Executivo para Erradicação do Trabalho Forçado (GERTRAF) e a criação de uma Subcomissão no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana criada pela resolução nº 5, de 28 de janeiro de 2002, que estabelece em seu art. 1:
Fica constituída Comissão Especial para conhecer e acompanhar denúncias de violência no campo, exploração do trabalho forçado e escravo, exploração do trabalho infantil, e propor mecanismos que proporcionem maior eficácia à prevenção e repressão a essas práticas. (BRASIL, Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana).
, o que infere que o Brasil se responsabilizou perante a comunidade internacional pelas violações aos direitos humanos, devido à ocorrência dos inúmeros casos em relação ao trabalho escravo no país.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi retratado, é possível perceber que o Brasil teve um grande avanço em relação à problemática do trabalho escravo mesmo que esse ainda persista na sociedade nos dias atuais, fato esse que ocorre desde a colonização. De acordo com as características citadas, podemos perceber os malefícios causados aos indivíduos que passam por condições análogas a de escravos, diante da necessidade de obter algum ganho ou ocupação, de forma obrigatória e ilícita.
Após o acordo firmado entre o Estado Brasileiro e a Comissão, nota-se que o país desponta como um dos parceiros da OIT e da ONU, no que diz respeito ao combate do trabalho escravo, além do destaque às medidas adotadas.
Vale lembrar que entre as medidas adotadas, merece maior enfoque a mudança do artigo 149 do Código Penal, devido a menor relação à liberdade e a importância da dignidade da pessoa humana, sendo essa a base de todo o ordenamento e da legalidade que rege a vida do ser humano, a fim de dirimir a ocorrência de casos relacionados a essas condições.
Todavia, persiste o trabalho forçado tanto nos centros desenvolvidos como nos rincões mais distantes no Brasil, e as condenações judiciais por trabalho forçado ainda são raras conforme observa o relatório da OIT denominado de Custo de Coerção. Essa falta de medidas (extrajudiciais e judiciais) para a erradicação do trabalho forçado e a dificuldade de condenações pode ser atribuída ao ordenamento jurídico brasileiro, já que o trabalho forçado é um crime de competência da Justiça Federal, porém, o aparto de fiscalização encontra-se concentrado na Justiça do Trabalho, o que dificulta a "comunicação entre as duas jurisdições". Assim, mesmo que com o estudo do Caso José Pereira o Brasil tenha obtido grande desenvolvimento em relação a erradicação do trabalho escravo, ainda é preciso o aumento de medidas que levem a essa solução, a fim de garantir com maior enfoque a dignidade da pessoa humana, garantindo assim maior qualidade de vida e garantias legais aos trabalhadores que são sujeitos a essas condições.


REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 2. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
KRSTICEVIC, Viviana; DULITZKY, Ariel. Manual sobre o sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. Brasília: CEJIL / Brasil, 2002.
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