Casos famosos de vampirismo (parte 1): Peter Plogojoviz , Arnod Paole, Miliza e Millœ

Share Embed


Descrição do Produto










RANFT, Michaël. De la mastication des morts dans leurs tombeaux (1728). Trd. Danielle Sonnier. Grenoblr, Editions Jérôme Millon, 1995, p 25.
PERKOWSKI, Jan Louis. The Darkling: A treatise on Slavic Vampirism. Ohio, Slavica Publishers, 1989, p 33.
PERKOWSKI, Jan Louis. The Darkling: A treatise on Slavic Vampirism. Ohio, Slavica Publishers, 1989, p 18.
MELTON, Gordon. O Livro dos Vampiros. Trd. James F. Sunderlank Cook. São Paulo, Makron, 1996, p 673.
URL: http://old.stsl.ru/manuscripts/book.php?col=1&manuscript=089 O manuscrito original, Книги 16 Пророков толковыя
COPIA EINES SCHREIBENS AUS DEM GRADISKER DISTRICT IN UNGARN. Em: Wienerisches Diarium nº 21, Julho de 1725, p 11-12.
FLUCHINGER, Johannes. Visum et Repertum. Em: STURM, Dieter e VÖLKER, Klaus. Von denen Vampiren oder Menschensaugern. München, ST, 1968, p 451.
WALDINUTZ, Georg Joseph Koegl de. De jure Civili Et Criminali Austriaco-bellico Tractatus Practicus. Johann Michael Landerer, 1772, p 129.
FAIVRE, Tony. Les Vampires: Essai historique critique et littéraire. Paris, Le Terrain Vague, 1962, p 158.
Fonte: LYON, James. In Search of Peter Plogojowitz's Grave. Artigo publicado em 23/01/2013 no blog Magia Posthuma, mantido pelo historiador Niels K. Petersen. URL: http://magiaposthuma.blogspot.dk/search?q=kisiljevo
Fonte: LYON, James. In Search of Peter Plogojowitz's Grave. Artigo publicado em 23/01/2013 no blog Magia Posthuma, mantido pelo historiador Niels K. Petersen. URL: http://magiaposthuma.blogspot.dk/search?q=kisiljevo
Mirko Bogičić contou que certa vez duas mulheres de Berlin lhe mostraram fotocópias do relatório de Frombald, em alemão, mas ele não conseguiu ler por não ser fluente naquele idioma. Em sua opinião a imprensa pode ter corrompido o nome da família sérvia Blagojević (Благојевић) quando falou sobre uma família húngara de sobrenome Plogojoviz habitando a região no século XVIII. Não foram consultados registros de casamentos, nascimentos e mortes nos acervos de igrejas e cartórios que confirmem a ocorrência do sobrenome. James Lyon verificou que as cruzes de madeira que identificavam sepulturas da primeira metade do século XVIII no cemitério de Kisiljevo (Кисиљево) erodiram completamente e nenhum nome sobreviveu ao tempo. (Fonte: LYON, James. In Search of Peter Plogojowitz's Grave. Artigo publicado em 23/01/2013 no blog Magia Posthuma. URL: http://magiaposthuma.blogspot.dk/search?q=kisiljevo)
COPIA EINES SCHREIBENS AUS DEM GRADISKER DISTRICT IN UNGARN. Em: Wienerisches Diarium nº 21, Julho de 1725, p 11-12.
COPIA EINES SCHREIBENS AUS DEM GRADISKER DISTRICT IN UNGARN. Em: Wienerisches Diarium nº 21, Julho de 1725, p 11.
COPIA EINES SCHREIBENS AUS DEM GRADISKER DISTRICT IN UNGARN. Em: Wienerisches Diarium nº 21, Julho de 1725, p 11.
Tradução baseada em: BARBER, Paul. Vampires, Burial and Death: Folklore and reality. New Haven and London, Yale University Press, 1988, p 6-7.
HÉJJ-DÉTÁRI, Angéla. Old Hungarian Jewelry. Translated by Lili Halápy. Hungary, Corvina Press, 1965, p 52.
FLUCHINGER, Johannes. Visum et Repertum. Em: STURM, Dieter e VÖLKER, Klaus. Von denen Vampiren oder Menschensaugern. München, ST, 1968, p 451.
FLUCHINGER, Johannes. Visum et Repertum. Em: STURM, Dieter e VÖLKER, Klaus. Von denen Vampiren oder Menschensaugern. München, ST, 1968, p 451-452.
CALMET, Dom Augustin. Traite sor les Apparitions des Esprits, et sur les Vampires, ou les Revenans de Hongrie, de Moravie, &c.: Nouvelle édition revue, corrigée & augmentée. France, Chez Joseph Pariset, 1759, tome II, p 31.
WILSON, Colin. O Oculto. Trd. Aldo B. Netto. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1981, vol 2, p 120.
AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trd. Ana Silva e Brito. Lisboa, Bertrand, 1978, p 145.
AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trd. Ana Silva e Brito. Lisboa, Bertrand, 1978, p 145.
CALMET, Dom Augustin. Traite sor les Apparitions des Esprits, et sur les Vampires, ou les Revenans de Hongrie, de Moravie, &c.: Nouvelle édition revue, corrigée & augmentée. France, Chez Joseph Pariset, 1759, tome II, p 33.
AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trd. Ana Silva e Brito. Lisboa, Bertrand, 1978, p 132.
AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trd. Ana Silva e Brito. Lisboa, Bertrand, 1978, p 133.
YATES, Frances A. O Iluminismo Rosa-Cruz. São Paulo, Pensamento, 1972, p 126, 186, etc.
AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trd. Ana Silva e Brito. Lisboa, Bertrand, 1977, p 155.
FLUCHINGER, Johannes. Visum et Repertum. Em: STURM, Dieter e VÖLKER, Klaus. Von denen Vampiren oder Menschensaugern. München, ST, 1968, p 451.
Finalmente começamos a entender por que Glaster foi "ajudado" pelos "próprios governantes" da população hajduci quando logrou impedir a execução dos vampiros sem ordem de uma autoridade competente, mesmo achando o ato necessário "a fim de satisfazer estes indivíduos, e sendo esta vila relativamente importante".
AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trd. Ana Silva e Brito. Lisboa, Livraria Bertrand, 1977, p 157.
FLUCHINGER, Johannes. Visum et Repertum. Trd. Walter H.R. Frank e Brene Jan. Em: FERREIRA, Cid Vale. Voivode: Estudos sobre os vampiros. Curitiba, Pandemonium, 2002, p 124.
FLUCHINGER, Johannes. Visum et Repertum. Trd. Walter H.R. Frank e Brene Jan. Em: FERREIRA, Cid Vale. Voivode: Estudos sobre os vampiros. Curitiba, Pandemonium, 2002, p 126.
AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trd. Ana Silva e Brito. Lisboa, Livraria Bertrand, 1977, p 155-156.
FLUCHINGER, Johannes. Visum et Repertum. Trd. Walter H.R. Frank e Brene Jan. Em: FERREIRA, Cid Vale. Voivode: Estudos sobre os vampiros. Curitiba, Pandemonium, 2002, p 125.
AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trd. Ana Silva e Brito. Lisboa, Livraria Bertrand, 1977, p 156-157.
FLUCHINGER, Johannes. Visum et Repertum. Trd. Walter Frank e Brene Jan. Em: FERREIRA, Cid Vale (org.). Voivode: Estudos sobre os vampiros. Curitiba, Pandemonium, 2002, p 125.
FLUCHINGER, Johannes. Visum et Repertum. Em: STURM, Dieter e VÖLKER, Klaus. Von denen Vampiren oder Menschensaugern. München, ST, 1968, p 455-465.
AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trd. Ana Silva e Brito. Lisboa, Bertrand, 1977, p 157.
AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trd. Ana Silva e Brito. Lisboa, Livraria Bertrand, 1977, p 154-155; FAIVRE, Tony. Les Vampires. Paris, Le Terrain Vague, 1962, p 51.
Relatório de Jozsef Faredi-Tamarzski, cirurgião-mor do Regimento de Infantaria de Vurtemberga, acerca dos Vampiros de Radojevo. (Arquivo da Comuna de Radojevo — 1732). Em: AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trd. Ana Silva e Brito. Lisboa, Livraria Bertrand, 1977, p 158.
Op cit, p 158.
Op cit, p 158-160.
Op cit, p 158-160.
Op cit, p 160-161.
Op cit, p 160-161.


Os Casos Famosos de Vampirismo
Parte I: Peter Plogojoviz, Arnod Paole, Miliza e Millœ

Shirlei Massapust

Tenho lido muitos livros sobre vampiros mitológicos contendo compilações de relatos sobre a execução de vários tipos de mortos que incomodavam os vivos. Isto faz parecer que o número dos vampiros era infinito e que a coisa existe desde a Idade Média, quando na verdade não há registro do uso da palavra anterior ao século dezoito. A farta documentação impressa nesta época demonstra que o vernáculo "vampiro" (português/espanhol/italiano esperanto) deriva de "vampire" (francês inglês) que vem da raiz romano-germânica "vampir", criada para definir um ente folclórico surgido possivelmente num nicho da subcultura hajduci.
A variante "vampyre" (francês/inglês) deriva igualmente da variante romano-germânica "vampyri" que originalmente definia exatamente a mesma coisa. Com certeza "vampir" (alemão/romeno/búlgaro), "vámpír" (magiar), "vàmpīr" (sérvio croata), "вампір" (bielo-russo), etc., são variantes do vernáculo original. Isso foi se infiltrando noutros idiomas até se tornar um termo globalizado. Por exemplo, o Japão absorveu "ヴァンパイ" (kana) do idioma inglês muito recentemente, no século XX, durante o período pós-guerra.
No Brasil a reforma ortográfica de 2013 atendeu à sugestão de Eugênio Colonnese (1929- 2008) ao definir "vampiro" como adjetivo agênere; devendo hoje ser dito "mulher vampiro" em se tratando de personagens femininos nacionais. Porém, quando o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1910-1989) se engajou na tarefa de produzir dicionários do idioma brasileiro, ele classificou "vampiro" como substantivo masculino e atestou o uso do feminino "vampiresa". Isto é porque em inglês existe "vampire" e "vampiress". As variantes "Upier" e "Upierzyca" foram atestadas na Polônia em janeiro de 1722, conforme matéria publicada na edição do periódico Actes des Savants daquele mês. Hoje os poloneses mantém as formas atualizadas "wampir" e "wampirzyca".
O problema da identidade cultural do mito começa quando alguém tenta enxergar além do óbvio sem encarar todo o trabalho que tal proposta exige. Por exemplo, se o mau entendedor de português ignora que "barata" e "barato" ou "cigarra" e "cigarro" não são formas femininas e masculinas das mesmas coisas, isto pode passar por termos cognatos! Onde o parecido se torna igual, "barata" é "batata" e "cadeira" é "cadela"! Enfim, já aconteceu de etnólogos enxergarem semelhança entre "vampir" e o báctrio "vyāmbara" (deus) ou o turco "ubęr" (bruxo). Não sei como ninguém pensou em ḫapiru (י רבע), no sentido de "mercenário": O mais perfeito sinônimo de hajduk (хајдук) que um idioma persa pode ter.
Após consultar todos os dicionários e principais obras de etimologia eslava, Jan Louis Perkowski constatou que nenhum especialista oferecia uma conclusão satisfatória. Pior: "Nenhuma especulação foi convincentemente documentada". Pessoas de bom senso devem reconhecer que o padre Öpir Likhyi (Упирь Лихый) jamais chamaria a si mesmo de "sanguessuga perversa" no ato de assinar sua tradução do Livro dos Salmos, concluída em 1047; sobretudo porque a tradução foi encomendada por Vladmir Yaroslavovich, príncipe de Novgorod, que impôs o cristianismo como religião oficial em seu território desde o ano 988. Naquela época e lugar um tradutor poderia ser executado por blasfemar a troco de nada.
Diante do exposto deveríamos descartar o comentário infeliz de Perkowski que, graças à confusão dos etnólogos, confundiu a identidade do tradutor com seu patrocinar e interpretou o nome próprio masculino singular como uma critica política caricata. Gordon Melton confiou na palavra do especialista. Quem haveria de duvidar? A bola de neve desceu a montanha. Centenas incorreram no mesmo erro. Mas agora que as imagens do manuscrito estão na internet todos podem ver que o padre Likhyi não teve a intenção de ofender ninguém. No antigo nórdico øpir significava "gravador" ou "escriba".
Hoje em dia muitas pesquisas de campo resultam infrutíferas porque a informação circula não somente de dentro para fora como de fora para dentro da zona do euro e pólos de produção cinematográfica. Um exemplo prático: Em março de 2014 circunstâncias aleatórias me levaram a trocar recomendações de filmes e livros com uma jovem mulher residente no Reino dos Países Baixos. Então ela confessou que seu interesse pelo tema começou após assistir Entrevista com o Vampiro (1994) no cinema porque, depois da sessão, lhe apareceu uma fantástica imagem hipnagógica:

O que eu mais aprecio nestes livros é o fato dos vampiros serem os personagens principais; e no seu mundo eles não são vilões. Depois que assisti ao filme Entrevista com o Vampiro, em 1995, numa madrugada de terça-feira, sozinha – com somente cinco outras pessoas dentro do cinema – tive de andar até o ponto de ônibus perambulando por uma cidade bem silenciosa e escura... Eu os vi voarem! Isso foi uma surpresa agradável. Não fiquei tão assustada ao testemunhar isso; mas eles pareciam tão reais! (Email enviado dia 31/12/2014, às 12:56 PM).

Não duvido que seja verdade. Eu mesma passei por uma experiência de realismo mágico semelhante. Após assistir ao filme Labirinto: A Magia do Tempo (1986), eu vi o rei dos goblins em forma de coruja. A imagem hipnagógica saiu de um espelho, voou para cima de mim e sumiu! Ver gente voando não bastou para fazer a cética Willemien crer em vampiros, pois ela sabia que pessoas comuns são capazes de experimentar sonhos lúcidos quando submetidas a situações estressantes, como caminhar de madrugada numa cidade escura e semideserta.
Tal experiência teve o efeito positivo de despertar seu amor pelas crônicas de Anne Rice. Com o passar do tempo ela também leu a série de Charlaine Harris e assistiu True Blood, mas a coincidência de ter o nome da personagem principal de Dracula (1897) registrado na carteira de identidade nunca lhe pareceu uma honra ou curiosidade digna de atenção. Aliás, ela nem sabia disso. Enfim, durante dezenove anos nunca passou pela cabeça desta dama européia que ela poderia estar pesquisando o folclore europeu ao invés da cultura norte-americana. Por alguns meses esteve decidida a investir uma expressiva quantia em dinheiro em artesanato oriental, titubeou e desistiu. Assim age a maioria dos jovens europeus.

1725 – Luta dos Rätzischer contra os vampiros da Granitztruppen

Aconteceu uma série histórica, bem documentada, de casos de vampirismo numa antiga província sérvia anexada à província austríaca da Hungria em 1718. Os hajduci que ocuparam terras em Kisiljevo (Кисиљево) e Medveđa (Медвеђа) começaram a se queixar do assédio dos mortos ainda no "tempo dos Turcos" (Türckischen Zeiten) numa área que vai desde a "Granitz Otomana" (Türckischen Granitz) até perto da fronteira com Kosova (Косова), então situada numa província sérvia sob domínio do Império Otomano (Gossowa in dem Türkischen Servien).
A décima primeira página da edição nº 21 do periódico Wienerisches Diarium, impresso em julho de 1725, ocupa o primeiro ou segundo lugar na lista dos mais antigos documentos onde a palavra "Vampyri" aparece com sentido etimológico de cadáver causador de epidemia e atividade paranormal. É significativo que o enterro seja rotulado como "método rätzischer" (Rätzischer Manier) na matéria impressa em 1725, pois trinta anos depois um decreto imperial mandou multar este ou outro sacerdote "Rätzischer", padre da igreja ortodoxa de rito grego, por oficiar a cerimônia do "último suplício".
Outro pronunciamento imperial datado de 30/04/1749 lamenta que o "cisma grego" haja sido espalhado na forma de "religião privada" pelas tropas móveis de Granitz. Os praticantes de tal religião eram chamados de Rëtzen ou Rätzischer, talvez por alguns difusores europeus pertencerem à família Rætz ou Ratzinger.
Tudo começou quando a infantaria austro-húngara recrutou soldados para defender o município Lancken-Granitz, localizado no distrito de Rügen, no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Alemanha. Saindo de lá, a Granitztruppen se espalhou pelas fronteiras beligerantes onde os corajosos padres Rätzischer se dispuseram a prestar serviço militar socorrendo os feridos, consolando os vivos e enterrando os mortos.
Kisolova era a felpa duma pluma de águia repleta de pessoas com vontade firmemente focada em ideais particulares. Fronteiras assim eram tratadas como verdadeiros depósitos de lixo humano, onde contraventores de toda parte do império romano-germânico eram enviados para cumprir pena alternativa de serviço militar. Seria incrível se no meio de tanta gente problemática ninguém virasse vrykolakas (βρυκόλακας). Mas não foi bem isso que aconteceu. A religião se adaptou ao novo ambiente sócio-cultural e criou seu próprio folclore.
Em 09/12/2012 e 17/01/2013, o romancista James Lyon visitou a vila com objetivo de realizar pesquisa de campo. Mirko Bogičić, o atual presidente da vila, o ensinou sobre os costumes funerários da população local:

Uma vela acesa é mantida ao lado do defunto desde o momento do óbito até que este seja posto no caixão. O morto é velado em casa e alguém fica sempre ao seu lado. Antigamente moedas de ouro eram colocadas sobre os olhos do falecido. Hoje se usa moedas normais. Isto é para o defunto ter dinheiro na outra vida.

Reconhecemos aqui uma variante do costume grego de deixar óbolos (ὀβολοί) para Caronte levar as almas em balsas pelo rio abaixo, evitando que estas regressem para perturbar os vivos. "Antes de colocar o corpo no caixão são realizadas algumas cerimônias contra os maus espíritos. Isto inclui queimar incenso e, depois, acender um pouco de pólvora no fundo do caixão".


Kisolova, atual Kisiljevo (Кисиљево), num mapa histórico do Império Habsburgo pertencente ao acervo do Österreichisches Staatsarchiv.

O Wienerisches Diarium reproduz o relatório do Kaiserl Provisor ou Inspetor Imperial do Gradisker District, deslocado para Kisolova, no Rhamer-District, onde atuou como perito judicial. Premissas lógicas auferidas da interpretação do texto nos levam a presumir que em 1725 o município atualmente chamado Veliko Gradište (Велико Градиште) era divido em dois distritos: Gradisker e Rhamer. Tal divisão era mais político-ideológica do que formal, pois a segunda localidade devia subordinação às autoridades da primeira. Kisolova era uma vila rural repleta de habitações novas e vida verdejante crescendo à margem de canais de irrigação alimentados por um lago artificial de quatorze quilômetros. Infelizmente o projeto para reter água funcionava tão bem que gerava um efeito colateral: As cheias do Danúbio inundavam quase toda a vila, com exceção do cemitério.
O padre de Gradisker se apresentou como amicus curiae aconselhando o arquivamento do processo que pedia a exumação seguida da execução do de cujo, vampiro Peter Plogojoviz. O pedido foi indeferido em primeira instância pelo Inspetor Imperial Frombald, mas os autores recorreram à instância superior e ganharam a causa. A Administração, em Belgrado, enviou um Mandado Judicial ordenando a execução do morto: "Wohl das gantze Dorf (wie schon unter Türckischen Zeiten geschehen seyn solte) durch solchen üblen Geist zu Grund gehen könte welches sie nicht erwarten wolten". Traduzindo:

Pode ser que a Vila inteira seja destruída por este espírito maligno e eles não queiram esperar por isto. Tal coisa supostamente já aconteceu no tempo dos Turcos. (Trecho da Resolução da Administração de Belgrado).

Vilipendiar um cadáver não causaria nenhum dano além da depreciação da imagem do falecido, mas não fazer o que fosse necessário para acalmar o povo podia gerar perigo de êxodo rural. A transferência das tropas dum assentamento para outro causaria um grande rebuliço. Então os superiores hierárquicos optaram por promover relações publicas ordenando um espetáculo de caça aos vampiros. O padre de Gradisker ficou olhando sem poder fazer nada. Frombald teve de escrever um relatório. Primeiro o inspetor ouviu testemunhos da epidemia que se espalhou rapidamente em Dorf Kisolova, em 1725. Morreram jovens e idosos. Os enfermos sucumbiam no prazo de vinte e quatro horas após a manifestação dos sintomas, totalizando nove mortes em oito dias.
Isso aconteceu dez semanas após o óbito de Peter Plogojoviz, cujo funeral foi realizado pelo padre Rätzischer. Os doentes diziam no leito de morte que Peter Plogojoviz aparecia em pesadelos (schlaf), derrubava e estrangulava (gewürget) para lhos levar o espírito (geist). A viúva do vampiro se mudou da vila depois que o falecido esposo foi até ela pedindo seus oppanki (sandálias masculinas). O povo fez uma lista de sintomas: "Und sich in ein anderes begeben sintemalen aber bey dergleichen Personen (so sie Vampyri nennen) verschiedene Zeichen als dessen Cörper unverwesen Haut Haar Bart und Nägel an ihme wachsen". Traduzindo:

E desde então devem ser observados vários sinais nas tais pessoas (que eles chamam de vampiros). Estes são: O corpo não decomposto. Crescimento de barba, cabelo e unhas.

Isto posto ficou assumido que o estado de conservação de Peter Plogojoviz determinaria a verdade real sobre o caso concreto. Abriram a cova e constataram que o cadáver não estava nem tão bom nem tão ruim quanto uns e outros supuseram que deveria estar. Ao contrário de outros casos onde os crédulos falam de odores agradáveis diante de céticos queixosos dum fedor nauseabundo, dessa vez o cético inspetor foi o primeiro a perceber a ausência do "cheiro característico da morte" no corpo recém exumado.
Apesar da esfoliação da pele e da queda das unhas, "o corpo inteiro parecia fresco". Disseram que vampiros trocam de pele e unhas (tal como fazem as serpentes). No calor do momento até o padre acreditou. Disseram que cresceu mais cabelo e barba. Frombald percebeu a ausência de parte do nariz de Peter Plogojoviz. Disseram que a cicatriz nasal sempre esteve na face deste veterano de guerra. "Ele não estava mais completo em seu tempo de vida".
O inspetor observou, pela primeira vez na História, a mutação folclórica – característica transcendente – que fez com que os vampiros deixassem de ser manes enamorados ou vrykolakas alcoólatras: "Nicht ohne Erstaunung einiges frisches Blut erblicket welches der gemeinen Aussag nach er von denen durch ihme Umgebrachte gesogen". Traduzindo:

Não sem surpresa, vi algum sangue fresco em sua boca, que, de acordo com a observação comum, havia sugado das pessoas que havia matado.

De acordo com o relatório publicado no Wienerisches Diarium, o vampiro é "geist", fantasma. Não é "wesen", essência. Ou seja, ele tem todos os poderes do poltergeist sem ser capaz de causar possessão ou obsessão. Vampiros são hematófagos que se alimentam do sangue dos vivos. Não são necrófagos canibais iguais a certos entes folclóricos pré-existentes no folclore romano germânico. Para matar um vampiro é preciso realizar o mesmo rito tradicional utilizado na execução dos manes e vrykolakas: Uma estaca de madeira ou ferro é cravada no coração do cadáver e, depois, ele deve ser cremado. Cinzas e restos são jogados no rio.
O inspetor observou e redigiu o relatório que vazou dos arquivos do governo para as páginas dos jornais. Até o último momento ele lastimou não poder ter feito o que queria, tendo diante de si a turba e uma cova, mas parece que seu ceticismo não saiu inabalado. No final quem ganhou foi a Medicina Legal que, faltando, impôs a necessidade urgente do seu estudo.

1727 – Contágio

Era costume entre os húngaros fortalecer o sistema imunológico ingerindo pequenas doses de veneno até o usuário se tornar imune às tentativas de envenenamento criminoso. A mistificação da idéia ocorre às vezes na arte, a exemplo dum anel de ouro da coleção de Esterházy Treasury do acervo do Museu de Artes Aplicadas, em Budapeste (Inv. No. E. j. 240). O relevo esmaltado mostra um crânio sob duas tíbias cruzadas, indicando a função de guardar veneno. A parte interior traz cenas biblicas da ressurreição dos mortos no dia do juizo.



Em algum momento entre 1718 e 1727 a imunização passou a ser usada como método de controle de pragas de vampiros, graças à idéia dum sobrevivente que aplicou em si mesmo uma vacina rudimentar. A idéia era simples: Nunca se ouviu falar em vampiros que sugam o sangue de outros vampiros, logo se ele transformasse a si mesmo antes de morrer ficaria imunizado. (Arnod Paole quase inventou a teoria da microbiologia da doença um século antes de Louis Pasteur).
Nos tempos de guerra, quando a província sérvia que antes estava sob domínio otomano foi tomada pelos hajduci, o soldado Arnod Paole teve surtos de alucinações, deu baixa no serviço militar e passou a ganhar a vida administrando uma fazenda apreendida como assentamento para reforma agrária em Medveđa (Медвеђа). Seu sobrenome de origem italiana demonstrava ser membro da menor minoria étnica do distrito onde aquele município se insere. Este homem morreu em 1727 e parte de sua estória foi contada a Johannes Fluchinger, em 1732:

Os presentes declararam unanimemente que há cerca de cinco anos um Heyduck domiciliado neste vilarejo, conhecido por Arnod Paole, havia quebrado o pescoço em conseqüência da queda de uma carroça transportando feno. Este, quando ainda em vida, já havia comentado por várias vezes que fora atormentado por um vampiro, perto de Kosova (Косова), na parte da Sérvia que está sob domínio otomano e, por causa disso, havia comido terra do tumulo do vampiro e se esfregado com o sangue dele para se livrar da praga sofrida.

Depois que Arnold Paole morreu num acidente de trabalho as ovelhas de Medveđa começaram a sucumbir por morte súbita. Miliza e outros conterrâneos comeram dessa carne, ignorando o perigo. Dizem que eles se tornaram vampiros vivos. Em 1727 a praga do vampiro foi controlada graças aos esforços do magistrado Gorschiz Bariactar. Quatro anos depois Miliza morreu e a epidemia recomeçou. Contaram isto a Johannes Fluchinger:

Cerca de vinte ou trinta dias após sua morte algumas pessoas passaram a reclamar, dizendo se sentiam atormentadas pelo dito Arnod Paole. De fato, quatro delas acabaram sendo realmente mortas por ele. Para por fim a este mal, tinham seguido um conselho de seu magistrado (Gorschiz Bariactar), que já havia presenciado este tipo de acontecimento em ocasiões anteriores.
Eles exumaram o referido Arnod Paole, cerca de quarenta dias depois de morto, e viram que o cadáver permanecia em perfeitas condições, sem nenhum sinal de putrefação. Acharam sangue fresco nos olhos injetados; jorrava do nariz, da boca e dos ouvidos; sua camisa, bem como o tecido da mortalha e o caixão estavam cheios de sangue. Todas as unhas das mãos e pés caíram, juntamente com a pele, mas cresceram novas. (...) Ele era um verdadeiro vampiro. (...) Cravaram uma estaca em seu coração, tendo ele gritado – todos ouviram – e sangrado bastante. Neste mesmo dia cremaram o corpo até virar cinzas e as jogaram no túmulo.

Os habitantes de Medveđa acreditavam que "todos aqueles que haviam sido atormentados por um vampiro ou assassinados por um deles, também deviam se transformar em vampiro". Por esta razão, exumaram, estaquearam e cremaram as quatro vitimas de vampirismo que estavam mortas. Finalmente eles descobriram que Arnod Paole havia atacado também o gado para sugar sangue. "Como as pessoas haviam comido a carne desse gado, verificou-se novamente que ainda deveria haver alguns vampiros nesta redondeza". Porém os vampiros vivos eram cidadãos comuns, membros da sociedade. Não podiam ser caçados.

1730 – Os caçadores caçados

O caso concreto que sofreu a incrível intervenção direta do sacro imperador romano-germânico Karl VI (1685-1740) não costuma ser julgado relevante para pesquisa porque os documentos originais não foram preservados ou não se acham acessíveis. Tudo começou quando um soldado hajduk estava servindo no distrito Haidón (área incorporada ao condado Hajdú-Bihar em 1876), no leste da Hungria, na fronteira com a Romênia, onde ele viu o vampiro. O caso relatado por esta testemunha passou por várias bocas até ser citado numa palestra do Conde de Cabrera, antigo capitão do Regimento de Infantaria de Alandetti, proferida no ano 1730, na Universidade de Friburgo. Um correspondente de Dom Calmet fez anotações sobre a palestra e redigiu uma carta ao abade, em 1746:

Um soldado, quando estava na guarnição dum Haïdamaque (...) viu entrar um desconhecido que se pôs a mesa com eles. O soldado encontrava-se à mesa perto do dono da casa. Este ficou estranhamente assustado, assim como o resto dos presentes. O soldado, ignorando o que se passava, não sabia o que pensar. Mas no dia seguinte o dono da casa estava morto e o soldado procurou se informar a respeito do que havia acontecido. Disseram-lhe que fora o pai do hospedeiro, morto e enterrado há mais de dez anos, que tinha vindo sentar-se ao pé dele, anunciar-lhe e causar-lhe a morte.

Seria fantástico se a pronúncia do termo iídiche haïdamaque (הײַדאַמאַק) houvesse sido transmitida corretamente por três pessoas seguidas durante quinze anos quando tudo o mais chegou corrompido – até os conceitos mais elementares de geografia. – Se isto ocorreu o soldado hajduk, cujo nome é dado como Joachim Hubner por um estudioso do assunto, deveria estar hospedado num lar judeu. Contudo, o mais provável é que o abade tenha implicado futilmente aos judeus quando optou por não redigir o francês haïdouk.
O soldado notificou o regimento que avisou aos generais que encarregaram o capitão de promover um inquérito oficial. "Tendo-se deslocado para o local outros oficiais, um cirurgião e um auditor civil, ouviram os depoimentos de todas as pessoas da casa". As demais testemunhas depuseram de forma uniforme e o conde achou necessário exumar o corpo. "Encontraram-no como o de um homem que tivesse acabado de morrer, o sangue como o de uma pessoa viva". Cremaram-no junto a outros dois acusados de vampirismo. O imperador tomou ciência de tais acontecimentos e enviou uma segunda comissão para investigar:

O comissário fez um relatório para os oficiais generais e mais tarde foi como delegado apresentar-se na corte do Imperador, que ordenou o envio de oficiais militares e oficiais de justiça, médicos, cirurgiões e alguns sábios, para que examinassem as causas destes extraordinários acontecimentos.

Dom Calmet compilou mais uma carta, desta vez de Ludwig Von Buloz, primeiro-capitão dos Granadeiros no Regimento do Barão de Trenk, que antes fora assistente do príncipe de Württemberg e ex-capitão do regimento. Foi Ludwig Von Buloz quem notificou a respeito do espetáculo mais absurdo:

O senhor abade deve interessar-se por um fato verídico e notório referente à delegação de Belgrado, ordenada por Sua Majestade Imperial Karl VI, de gloriosa memória, e executada por Sua Alteza Sereníssima o duque Alexander de Württemberg, neste tempo vice-rei ou governador da Sérvia.

O público se amontoou no cemitério para ver o orgulhoso e autocrático Rei da Sérvia se rebaixando a exumar os túmulos dos pretensos vampiros a mando do sacro imperador romano germânico! Quando localizaram o covil do nobre suspeito "foi vista sob seu túmulo uma claridade parecida à de um candeeiro". Cavaram ali. Encontraram um homem "parecendo tão são quanto qualquer um de nós" e "seu coração palpitava". Assombro geral! (Nota: Eles escutaram as batidas do coração sem fazer uso de estetoscópio, pois tal instrumento só foi inventado em 1916). O defunto foi morto pela segunda vez com uma estaca de ferro (bisturi?) no coração. Decapitaram e o enterraram numa vala com cal "para consumir mais depressa".
Naquele ano nada foi publicado sobre o assunto na imprensa alemã! Por que o silêncio? Possivelmente porque era tudo mentira. Ou então a manobra de eliminação de problemas exóticos deveria ser tratada como segredo de Estado. O Duque Carlos Alexander de Württemberg (1684-1737) foi nomeado Rei da Sérvia em 1720 pelo sacro-imperador Karl VI (1685-1740) e permaneceu no cargo até 1733. Karl VI era a autoridade máxima do império Habsburgo e talvez soubesse que cento e quatorze anos antes Johann Valentin Andreae reuniu um círculo de revolucionários anti-Habsburgos na universidade de Tübingen, em Württemberg, que, para angariar o apoio dos curiosos à sua causa, promoveram o romance Chymische Hochzeit Christiani Rosencreutz (1616), onde alquimistas descobrem um método capaz de reviver reis mortos dando sangue de reis vivos para beber.
Foi provavelmente em resposta às reminiscências do passado regional que o Rei da Sérvia se prestou a autopsiar cadáveres suspeitos de sugar sangue. – Afinal, aquela obra de ficção trouxe problemas ao estado por profetizar a morte e ressurreição de Frederico e Elisabete de Praga, futuros reis da Boêmia. – Este pesadelo parecia uma impossível encarnação fática da mágica alquímica descrita pelos revolucionários que antecederam ao Duque de Württemberg. Então ele não teve escrúpulos em destruir este empecilho.

1731 – Pandemia de vampirismo!

Em 1731 os hajduci de Medveđa começaram a se queixar de mais mortes supostamente causadas pela ação de vampiros. O epidemiologista Glaser, filho do médico Johann Friedrich Glaser, ordenou a exumação dos novos acusados em 12/12/1731, em presença dos governantes locais e do chefe de Kragolas, o cabo Von Stallada, mas não se atreveu a tocar nos mortos, preferindo opinar que as necropsias não podiam ser efetuadas sem ordem de outra autoridade competente:

Procedi a exames e a um inquérito minucioso na própria vila, andando de casa em casa, no dia 12/12/1731. Como não encontrei nenhum sinal de doença infecciosa (...) perguntei por que se queixavam assim. Soube que treze pessoas tinham morrido no espaço de seis semanas e quando perguntei de que é que se queixavam antes de morrer, todos declararam a mesma coisa. Haviam tido sintomas semelhantes aos da pleurisia e da afecção pulmonar e igualmente grandes febres e dores semelhantes às provocadas pelo reumatismo, mas supunham que esses estados eram devidos à existência de Vampiros. (...) Tentei fazer com que a idéia lhes saísse do espírito, explicando-lhes que não podiam conservar tal suposição. Entretanto, responderam que preferiam ir para outro lado antes que fossem assassinados daquela maneira. Como de costume, duas ou três famílias reuniram-se de noite; uns velavam, outros dormiam, julgando que as mortes não cessariam enquanto uma autoridade competente não ordenasse a execução desses Vampiros.

As necropsias só foram feitas em 07/01/1732, na ocasião da segunda exumação dos mesmos suspeitos, conduzida por três cirurgiões militares: Johannes Fluchinger, Johann Friedrich Baumgarten e J. H. Sigel, sendo os dois primeiros provenientes do Regimento de Infantaria de B. Fürstenbusch e o último do Regimento de Motall. O tenente-oficial Büttener e o escudeiro J.H. von Lindenfels, destacados do regimento de Carlos Alexander de Württemberg, foram enviados como testemunhas. Fluchinger explica suas atribuições:

Após terem sido registradas as queixas-crime de que, na aldeia de Medveđa, os chamados Vampiros teriam assassinado algumas pessoas, sugando-lhes o sangue e levando-as à morte, agora, portanto, investido dos poderes da mais alta e louvável autoridade pelo Comando-Mor, fui incumbido de investigar o acontecimento por completo, em toda a sua extensão, juntamente com os oficiais destacados para essa tarefa e mais dois cirurgiões adjuntos, também destacados para a tarefa, para realizar a atual investigação na presença do lugar-tenente Gorschiz Hadnack Bariactar, então capitão da companhia dos hajduci e mais velho hajduk da aldeia.

A esposa e o filho de Gorschiz Hadnack Bariactar morreram de causa incerta e não sabida dia 04/12/1731, durante o ápice da epidemia de vampirismo na região, mas, mesmo habituado a executar vampiros, o líder comunitário impediu o vilipendio de sua família. Johannes Fluchinger resolveu o problema atestando diante de todos que "mesmo tendo sido enterrados na mesma terra e em túmulos próximos dos vampiros ali enterrados", a Sra. Bariactar e seu bebê foram achados em estado de decomposição normal; ao contrário de Stana e Ruscha, que não apodreceram. A falecida esposa e o filho de outro governante, bem como o criado Rhade, também apodreceram normalmente.
Os hajduci que viveram no Reino da Sérvia na primeira metade do séc. XVIII não escreviam nomes, data de nascimento e óbito em lápides. Por isso os dados coletados a partir da memória dos habitantes de Medveđa careciam de precisão absoluta. O óbito de Stanche, um hajduk de sessenta anos, ocorreu por volta do dia 20/11/1731. Durante a exumação coletiva, em 07/01/1732, o cirurgião militar Johannes Fluchinger encontrou "sangue líquido" na região peitoral e no estômago e, assim como outros mortos identificados como sendo "vampiros" pelos queixosos, parecia estar em ótimo estado de conservação.
Para Glaster disseram que um menino de catorze anos chamado Millœ teve uma forte ressaca na manhã seguinte a uma festa na aldeia e morreu. Um rapaz de quinze anos que não virou vampiro, chamado Joachim, também teria morrido de coma alcoólico ou indigestão por causa de algo que serviram na festa. Fluchinger não viu Joachim. Para ele disseram que o Hajduk Millœ tinha na verdade vinte e cinco anos quando morreu de vampirismo, e que foi enterrado por volta de 26/11/1731. Seu fantasma voltou para buscar Stanacka, vinte anos, esposa de outro hajduk. Ela adoeceu agonizou durante três dias, morreu e foi enterrada dia 21/12/1731.

O Hajduk Jowiza registrou que a sua nora, conhecida por Stanacka, sendo uma moça saudável e sem doença, há cerca de quinze dias se recolhera para dormir e à meia-noite acordou gritando assustada, com medo e trêmula, queixando-se de ter sido sufocada pelo filho dum hajduk, conhecido por Millœ, já falecido havia nove semanas, que lhe apertara a garganta, e que sentia uma dor muito forte no seu peito, tendo ela piorado a cada hora até finalmente sucumbir no terceiro dia.

Quando Johannes Fluchinger examinou o corpo de Stanacka, ele encontrou a marca de estrangulamento no pescoço alegadamente deixada por Millœ:

Encontrei o seu rosto com uma cor rosada e vívida. (...) Ficou evidente que ela apresentava, no lado direito abaixo do ouvido, uma marca azulada de hematoma com uma extensão duma polegada. Ao exuma-Ia, fluía grande quantidade de sangue fresco pelo nariz. Após terminar a necropsia, encontrei (...) grande quantidade de sangue fresco e balsâmico, e não somente na cavidade torácica, mas também no ventrilculo cordis e todas as vísceras se encontravam num estado bom e totalmente saudável. A parte subcutânea do corpo por inteiro, incluindo as unhas das mãos e dos pés, estava toda ela num estado renovado.

Durante a primeira exumação, Glaster ficou especialmente impressionado com a biografia e o estado de conservação do corpo de Miliza:

Disseram-me que houve na localidade duas mulheres que em vida se tinham transformado em vampiros que, após a morte, tinham vindo atacar outras pessoas. (...) Mandei abrir a sepultura (...) da mulher mais velha, chamada Miliza. (...) Tinha vindo duma área do império otomano há seis anos e fixara-se em Medveđa. Durante todo esse tempo os vizinhos viveram sem saber se ela acreditava no Diabo. (...) Contava aos vizinhos que, noutros tempos, tinha comido carne de duas vítimas de vampiros, e era por isso que quando morresse tornar-se-ia por sua vez vampiro. Foi baseado nestas conversas que o povo fez o seu julgamento. Com efeito, vi o cadáver desta mulher. Como tinha sido de constituição magra e seca e morrera velha, era de crer que (...) estivesse semi decomposta. Contudo, achamos que estava mais gorda e pareceu-nos ensopada em sangue: Um sangue fresco corria-lhe das narinas e da boca. Tudo isto me pareceu extravagante. Não se podia deixar de dar razão às pessoas.

Para Johannes Fluchinger disseram que Miliza tinha cerca de sessenta anos e faleceu após uma doença de três meses. Era suspeita de vampirismo porque teve contato com um dos cinco vampiros caçados em 1727 e comeu carne das ovelhas sacrificadas por eles. Ou seja, ela não canibalizou nenhum cadáver humano. Apenas, por acidente, consumiu carne de gado abatido por morte súbita, vitima do vampirismo de Arnod Paole. Mas Miliza só morreu em setembro ou outubro de 1731, pouco mais de noventa dias antes de Fluchinger examiná-la.

No seu peito foi constatado muito sangue em estado líquido, e as demais vísceras encontravam-se num estado de boa conservação, como no caso acima descrito. Durante a necropsia, todos os hajduci ali reunidos nessa ocasião, expressaram surpresa ao ver como seu corpo era gordo e se encontrava em estado perfeito, declarando de modo unânime que haviam conhecido a mulher muito tempo atrás, desde a sua juventude, mas que ela sempre fora muito magra e seca, com o registro expresso de que ela somente havia adquirido essa corpulência admirável na sua tumba.

Após ver Miliza, o epidemiologista Glaster assistiu à exumação de Stana. Em Medveđa quatro mulheres morreram de infecção pós-parto nos meses de novembro e dezembro de 1731. Stana foi uma delas. Os órfãos não sobreviveram por muito mais de uma semana e parecem ter morrido por falta de leite materno.

A outra mulher acusada de ser vampiro, de nome Stana (...) chegou a confessar aos vizinhos que, quando esteve em terras do império otomano, onde os vampiros reinavam igualmente em grande número, a fim de se proteger deles, se tinha untado com o sangue de um vampiro executado. Por isso, quando morresse, tornar-se-ia por sua vez vampiro. Dizia-se que era do mesmo tipo físico da primeira. A criança, que pouco mais tempo tivera de vida, foi enterrada fora do cemitério, visto que nem sequer havia sido batizada; a sua sepultura ficava atrás de uma sebe, perto do sítio onde a mãe tinha morado. Vi igualmente o cadáver dessa criança.

Johannes Fluchinger não autopsiou o filho de Stana porque este bebê foi parcialmente devorado por cães, por um descuido no segundo enterro. Para Fluchinger disseram que Stana declarou ter untado a pele com sangue dum vampiro e, como conseqüência, ela e seu filho teriam que virar vampiros após a morte. Stana morreu três dias após o parto, aos vinte anos de idade, porque a placenta ficou dentro dela e apodreceu. O óbito ocorreu em novembro de 1731, dois meses antes da segunda exumação. Fluchinger percebeu que a mulher vampiro parecia esfoliada. Disseram que Stana trocou de pele e unhas.

O corpo dela estava em perfeitas condições e sem sinal de decomposição. Após abrir o corpo da mesma, na altura da cavitate pectoris (cavidade torácica) foi encontrada uma quantidade de sangue fresco extravasado. Os vasos sangüíneos, tanto os representados por artérias ou por veias, junto com os do ventriculis cordis (cavidades internas do coração) não haviam sido entupidos com sangue coagulado, como seria o normal. As vísceras todas, incluindo os pulmões, fígado, estômago, baço e intestino, ainda estavam totalmente frescas, iguais às duma pessoa de boa saúde. Mas o útero encontrava-se muito inchado e com muita inflamação na sua parte externa, porque a placenta, bem como o corrimento vaginal, ficaram dentro dela, razão pela qual ele estava em estado de putrefação. A pele das mãos e dos pés, assim como as unhas antigas, se desmancharam sozinhas, mas por baixo delas viam-se não só uma pele fresca e vívida, como também unhas completamente novas.

Outra mulher, de nome Ruscha, deu à luz um menino por volta do dia 16/11/1731, teve complicações pós-parto e morreu dez dias depois. Seu bebê faleceu aos dezoito dias de vida. Mãe e filho viraram vampiros. Fluchinger encontrou "sangue fresco" no peito e no fundo ventriculi (cavidade abdominal) de Rusha. Dois rapazes de dezesseis anos, filhos de hajduci, sucumbiram a uma doença de três dias. Joachim foi enterrado dia 08/11/1731. O outro, cujo nome não foi lembrado, foi enterrado em 19/11/1731. Ambos permaneceram em condição imputrescível. Uma donzela anônima de dez anos, falecida em novembro, "cujo peito continha muito sangue fresco", estava em perfeito estado de conservação, sem sinais de decomposição. Um bebê sepulto em 10/10/1731 virou vampiro.

Em seguida aos exames realizados, os ciganos aqui domiciliados cortaram as cabeças, que foram cremadas com o restante dos corpos, e as cinzas foram jogadas no Rio Morava. Os corpos em estado de decomposição, porém, foram devolvidos aos túmulos que anteriormente ocupavam. Testemunhado por mim e pelos médicos de campo adjuntos. Actum ul supra.

Existe um cemitério em Medveđa (coordenadas 42°50'49"N 21°35'11"E). O rio mais próximo dali é o Jablanički, afluente do Južna Morava que, por sua vez, deságua no Rio Morava. Quando os ciganos (Zigeuner) afirmam que pretendem dissolver as cinzas dos vampiros num curso d'água chamado de Rio Morava (Fluß Morava) eles parecem se referir poeticamente à cadeira hidrográfica completa. Do contrário os hajduci mortos em Medveđa deveriam ser literalmente levados para o outro cemitério hajduk em Kisiljevo, situado à margem do Rio Morava.
Nesta ocasião ninguém se lembrou da existência de Ruschiza, quarenta anos, morta em 28/11/1731, que era "parcialmente suspeita", quando Glaser a viu. Fluchinger não examinou esta mulher e os ciganos não a cremaram. Por isso pensamos que em algum lugar abaixo do solo de Medveđa jazem os ossos da última pseudo-incorrupta, esperando por um arqueólogo que a encontre sob uma folha de cortiça banhada em resíduos coagulados cheios de vírus vampir.
Johannes Fluchinger redigiu um Visum et Repertum (laudo da perícia, no jargão médico) e apresentou em Nurembergue, em 26/01/1732, para a apreciação da corte do sacro-imperador Karl VI. Neste mesmo dia o Coronel March Botta d'Adorno entregou um relatório no tribunal marcial de Belgrado autorizando o pagamento de honorários e gratificação para Fluchinger e seus adjuntos, pois eles mereciam "uma boa recompensa, por causa dos incômodos que tiveram e pelo extraordinário inquérito que conduziram".
O mesmo não se pôde dizer do relatório apresentado em 29/02/1732, em Nurembergue, pelo epidemiologista Glaser. Notoriamente católico, sua principal preocupação era verificar se um bebê não batizado foi enterrado em solo sagrado, se Miliza acreditava no Diabo, etc. Embora se apresentasse como médico domiciliado em Paraćin (Параћин) este analfabeto funcional mal sabia onde estava pisando: O nome da vila é Medveđa (Медвеђа). Fluchinger pronunciava muito bem o cirílico "Medvegia" e sabia que sua pesquisa de campo foi realizada no Reino da Sérvia. Por outro lado, o jovem e inexperiente Glaser acreditava ter visitado "Metwett" na "Morávia" (naturalmente, no sentido de Magna Moravia, remetendo à idéia utópica de ressurreição do antigo reino sérvio).

1731 – Exumações de vampiros em Radojevo

Ao mesmo tempo em que Johannes Fluchinger investigava os vampiros de Medveđa, outro cirurgião militar do Regimento de Infantaria de Carlos Alexander de Württemberg, o cirurgião-mor Jozsef Faredi-Tamarzski, foi enviado a Radojevo para investigar a morte de onze vitimas de vampirismo. Este último não escreveu nenhum relatório. O depoimento de Faredi-Tamarzski, feito sob juramento perante a Comissão Militar de Belgrado, foi transcrito por um escrivão em outubro de 1732. Por isso não traz termos técnicos em latim, etc.
Sendo católico, Faredi-Tamarzski embargou a ordem de cremação coletiva proferida pelo magistrado local e não entendeu a argumentação ortodoxa, mas se esforçou para descrever tudo que viu e ouviu dentro dos limites de sua capacidade cognitiva:

Sob ordem da Comissão Imperial presidida por Sua Alteza Sereníssima, o Príncipe Carlos Alexander de Württemberg, e sob designação do senhor coronel comandante do dito regimento, fui enviado no mês de Julho para a aldeia de Radojevo para aí proceder a um inquérito sobre a morte de onze pessoas, falecidas inesperadamente durante os meses de janeiro e fevereiro, e que os aldeões atribuíam a um vampiro chamado Miloch.
Primeiro foi interrogado o regedor da aldeia, o qual declarou ser da mesma opinião dos seus munícipes. Em seguida foram interrogados os cinco habitantes mais ilustres, que asseguraram que ninguém aqui duvida de que se trata de um vampiro. Após ter tentado, em vão, fazê-los admitir a impossibilidade de tal coisa (Deus não pode ter dado tal poder ao Diabo), os ditos retorquiram que o tal Diabo não se encontrava nos corpos desses Vampiros, mas que eles próprios, em vida, são em princípio seus servidores e fazem um pacto com ele, e é por isso que o tal Diabo, como recompensa, faz com que eles não se corrompam na terra.

Ninguém jamais recorreu a estórias sobre a intervenção do "Diabo" cristão em ocasiões onde não foi necessário convencer um fundamentalista a respeito da necessidade premente de exumar vampiros. Normalmente o vampirismo é tratado quase como se fosse algo natural (um veneno, uma doença) e não há possessão diabólica. Mas Faredi-Tamarzski não acreditava em fantasmas. Só em diabos. "Depois de ter ouvido essas pessoas importantes" ele consentiu em autorizar a exumação dos suspeitos "para os convencer do seu engano". Começou a disputa de argumentos. O primeiro vampiro examinado era especial. O paciente zero, de hábitos exóticos, era talvez outro Millœ de nome truncado com o bíblico Moloch.

Miloch tinha aproximadamente cinqüenta anos quando morreu. Teve sempre alguma fama de ser feiticeiro. Possuía um pássaro ao qual tinha ensinado a falar. Teve também durante muito tempo um lobo que havia domesticado após a sua captura.

Onde será que um hajduk arranjou um papagaio? A viúva de Miloch (sic.) relatou que ele morreu sem se saber como, sem qualquer doença aparente. O corpo foi enterrado no verão de 1731. Logo depois pessoas começaram a morrer em Radojevo e viam o fantasma, em estado de agonia.

Interroguei as famílias das onze pessoas mortas de modo suspeito. Tinham ficado doentes sem qualquer razão, declarando ter sido atacadas uma noite por Miloch, o qual tentou estrangula-Ias. Segundo as declarações dos familiares, caíram num estado febril em conseqüência do ataque. Sem comer e por assim dizer sem beber. A maior parte morreu dentro de um período compreendido entre oito e dez dias. Apresentaram todos os sintomas de enfraquecimento progressivo. Delírios noturnos nos primeiros dias. Acessos particularmente violentos no fim de cada noite daquele período. Em algumas das pessoas mortas deste modo, os familiares observaram duas marcas ligeiras e azuladas localizadas na garganta. O que os aldeões de Radojevo atribuíram aos ataques de Miloch, o Vampiro.

O corpo só foi exumado uma vez, quinze meses depois do enterro, diante de Faredi-Tamarzski. Estava em bom estado de conservação:

Os homens da aldeia de Radojevo tiraram a terra e a placa de cortiça que cobria o corpo. O cadáver foi encontrado na vala, porém completo e intacto, os olhos muito abertos, apesar de a viúva ter afirmado que os tinha fechado na devida altura. Fato confirmado por Tiéna, a mulher que costumava lavar os mortos da aldeia. O corpo do dito Miloch era magro e musculoso, os membros não estavam nada rígidos. O que me impediu de convencer os aldeões de Radojevo foi o fato de o sangue correr lenta mas abundantemente, e sem parar, da boca aberta de Miloch. Os dentes, assim como as narinas, estavam manchados. Colocado quase nu na vala aquando do enterro, a placa de cortiça que está por cima do corpo e a terra no fundo da vala foram encontradas embebidas em sangue.
Perante a insistência dos habitantes de Radojevo, tive de ordenar que lhe espetassem um punhal no coração, antes de fechar novamente o túmulo. Tendo percebido que tinham a intenção de o queimar assim que me fosse embora, mandei deitar cal viva sobre todo o corpo.

Faredi-Tamarzski autorizou a exumação de onze vitimas enterradas há seis meses. Oito mortos estavam decompostos. "Dos outros três, uma mulher estava num estado de conservação verdadeiramente surpreendente, atendendo ao tempo de sepultura. Parecia uma pessoa a dormir. Os outros dois, um homem e uma mulher, pareciam não estar tão bem, já que os seus membros estavam rígidos e na primeira mulher estavam perfeitamente flexíveis". Ignoramos a identidade dos vampiros porque o médico não memorizou nomes de toda essa gente.

Todos os três pareceram-me suspeitos, visto que a primeira mulher foi encontrada com sangue nos dentes e na boca. Por outro lado, havia manchas de sangue sob ela, na vala. Esta mulher tinha morrido com trinta anos, segundo dizem os aldeões de Radojevo. A outra era uma rapariga com dezenove anos no máximo. O homem tinha mais ou menos trinta anos. Perante estes perturbantes fatos, julguei-me autorizado a permitir aos habitantes de Radojevo que os cravassem igualmente com um punhal. A aldeia não parece totalmente tranqüilizada. Tem a impressão que as autoridades se desinteressaram pelo seu futuro, visto que não concordaram com a cremação dos cadáveres suspeitos.

É curioso observar o criativo contra-argumento de ortodoxos contrariados por católicos, todos eles abarrotados de crenças exóticas. Glaser, Fluchinger e Faredi-Tamarzski não tinham a obrigação moral de obedecer ao princípio da imparcialidade, pois eles eram médicos e não antropólogos. Graças ao bom senso de Fluchinger nós viemos a conhecer o folclore livre de contaminação ideológica.


Gostou? Tem alguma dúvida, critica ou sugestão?
E-mail para contato: [email protected]
Perfil da autora no Facebook: https://www.facebook.com/shirlei.massapust


Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.