Casos Típicos de DISH no Contexto de uma Cidade Medieval Portuguesa (séc. XII-XVI)

June 1, 2017 | Autor: Susana Garcia | Categoria: Bioarchaeology, Osteology, Paleopathology
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Casos Típicos de DISH no Contexto de uma Cidade Medieval Portuguesa (séc. XII-XVI) Garcia, S.1, Cunha, E.2 1.Unidade de Antropologia, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa. e-mail: [email protected] 2. Departamento de Antropologia, Faculdade de Ciências e Tecnologias, Universidade de Coimbra. e-mail: [email protected]

1 - Introdução

3 - Resultados

A doença hiperostótica (DISH) já aparece referida na literatura médica desde o século XIX (ver Ortner 2003), no entanto só foi descrita com mais pormenor por Forestier e Rotes-Querol em 1950. A DISH parece afectar a espécie humana desde o paleolítico superior, pois Crubézy e Trinkaus (1992) observaram um esqueleto de um Homo neanderthalensis com várias características associadas a esta condição. Casos de DISH foram descobertos em vários locais europeus medievais e não só (ex. Cunha 1994; Roberts e Cox 2003; Reale et al 1999; Arriaza et al. 1993). Mas, tal como Roberts e Cox (2003) demonstraram, em relação a Inglaterra, a DISH tem aumentado consideravelmente ao longo do tempo, sendo muito rara entre os grupos de caçadores-recolectores.

Características sugestivas de DISH comuns a todos os esqueletos: 1. Fusão anterolateral de pelo menos quatro corpos vertebrais torácicos contíguos, com preservação do espaço intervertebral; 2. Não envolvimento das apófises vertebrais; 3. Ausência de anquilose óssea; 4. Presença de entesopatias exuberantes em várias zonas do esqueleto.

Embora a etiologia exacta desta condição seja desconhecida, tem sido considerada uma deficiência metabólica associada a idade avançada, obesidade, diabetes mellitus, gota, entre outras (Rogers e Waldron 1995). Em termos arqueológicos esta condição também é significativamente mais comum em cemitérios ingleses onde foram inumados pessoas pertencentes ao clero que teriam uma posição social privilegiada (Waldron 1985; Roberts e Cox 2003). Neste trabalho, após a análise macroscópica de 63 esqueletos adultos com pelo menos três vértebras torácicas, identificaram-se 6 casos com lesões compatíveis com o diagnóstico de DISH. Estes casos são aqui analisados.

Tabela 2. Co-existência entre DISH e outras condições patológicas Ind. 14

44

52

Sepultura

Idade

Nº de vértebras afectadas

Sim

40-60

6

Sim

Não

40-60

+60

7

11

Nódulos de Schmorl

Artrose (c/ eburnação)

Indicadores de Stress

Trauma

Outras patologias

Sim

Sim, mão

S/ órbitra, s/ dentes

Não

Espondilolise

S/ cribra, c/ hipoplasias

Sim, osso frontal

Pleura calcificada. Infecção recorrente nos membros inferiores.

Cribra, perda ante-mortem de todos os dentes

Não

Sim

Sim

92

Sim

40-60

5

Sim

135

Sim

40-60

10

Sim

158

Não c)

40-60

7

Sim

Não

a)

Sim, apófises cervicais, torácicas e lombares, L5-S1 e mão (trazézio) Não

b)

Sim, anca e pé (MT1) Sim, ombro e apófises cervicais

Indivíduo 158: fusão anterolateral de seis vértebras torácicas.

S/ cribra, c/ hipoplasias

Sim, tíbia e tálus

S/ crânio, s/ dentes

Não

Cribra

Sim, costelas

Osteomielite na tíbia esquerda

a) Osteófitos acentuados e porosidade no ombro e anca. b) Osteófitos acentuados e porosidade nas seguintes articulações: acromioclavicular, esternoclavicular e ombro. Osteófitos acentuados nos pulsos e mãos. c) Todas as inumações desta unidade estratigráfica foram feitas directamente na terra.

Alguns autores consideram que a DISH não afecta significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Rothschild (2002) defende, inclusive, que não se pode considerar esta condição uma doença, mas sim um fenómeno assintomático que poderá até proteger a coluna. Mesmo que esta afirmação esteja correcta, a identificação da DISH em populações do passado permite-nos tirar algumas ilações sobre as condições de vida da comunidades investigadas.

2 - Material e Métodos Os esqueletos descritos foram exumados no contexto de um cemitério medieval em Leiria (Portugal) em 2000 e 2001, tendo-se recuperado no total 164 indivíduos (61 subadultos e 103 adultos). Segundo fontes históricas o cemitério escavado estava associado à Igreja de S. Martinho que terá sido construída no século XII e destruída no início do século XVI.

A análise paleopatológica não nos permite afirmar que os indivíduos com DISH também sofreriam de obesidade ou diabetes mellitus, mas a alta prevalência desta doença em Leiria na Idade Média, sugere-nos que pelos menos uma franja considerável da sociedade teria uma posição social privilegiada que se traduziria no acesso a dietas mais calóricos.

Tabela 1. Descrição dos esqueletos com DISH Estatura (Mendonça 2000)

Índice de Conservação Anatómica b) (adap. Dutour 1989)

Indivíduo

Sexo (Bruzek 2002)

Idade (Lovejoy et al 1985; Mays 1998)

14

Masculino

40-60

162 cm ± 6,90

0,53

44

Masculino

40-60

165 cm ± 6,90

0,94

52

Masculino

+60

160 cm ± 6,90

0,84

92

Masculino

40-60

167 cm ± 6,90

0,95

135

Masculino

40-60

164 cm ± 6,90

0,55

158

Masculino

40-60

162 cm ± 6,90

0,94

a)

a) Média 164 cm. b) Média 0,8.

O critério primário adoptado para a identificação da DISH foi a presença de fusão anterolateral de quatro corpos vertebrais torácicos contíguos. A presença ou não de entesopatias exuberantes (‘spurs’) também foi investigada, mas a sua presença serviu apenas para reforçar o diagnóstico, não sendo por si só critério suficiente para a classificação de doença hiperostótica.

5 - Conclusão

Indivíduo 135: fusão anterolateral de quatro vértebras contíguas.

4 - Discussão De um modo geral, os casos de DISH analisados enquadram-se no perfil epidemiológico desta doença que afecta essencialmente indivíduos do sexo masculino e com uma idade superior a 36 anos. Dois terços dos indivíduos com DISH também exibiam artrose severa em uma ou mais articulações. Os esqueletos cuja estimativa da idade à morte indicou uma idade mais avançada apresentam mais vértebras fundidas e um maior envolvimento das zonas de inserção muscular, que apresentam entesopatias exuberantes, o que se explica pela evolução lenta e gradual da doença. A análise preliminar dos dados desta série sugere-nos que a vida em Leiria na Idade Média era dura, pois registou-se uma elevada prevalência de indicadores de stress, fracturas e doenças infecciosas. Mas, por outro lado, também se encontraram certos indicadores que sugerem que alguns indivíduos conseguiam atingir idades um pouco mais avançadas. A perda ante-mortem total ou quase total de dentes, artrose da anca e do joelho e sinais severos de osteoporose são disso exemplo. A incidência da DISH nesta série também é relativamente elevada – 9,5% (6/63), enquanto em Inglaterra no mesmo período era apenas de 3,3%. Os valores encontrados estão mais próximos de cemitérios onde eram inumados indivíduos de classes mais favorecidas (ex. Mays 1991), mas tal pode dever-se a um erro de amostragem, uma vez que só uma pequena parte do cemitério foi escavada.

Indivíduo 135: rótula esquerda com ossificação exuberante.

Agradecimentos À Câmara Municipal de Leiria, por ter disponibilizado a série para estudo, e, ao Museu Nacional de História Natural (Museu Bocage) por ter cedido o espaço para guardar e estudar o espólio.

Bibliografia Arriaza, B. T., C. F. Merbs e B. M. Rothschild 1993. Diffuse idiopathic skeletal hyperostosis in Meroitic Nubians from Sudan. American Journal of Physical Anthropology 92: 243-248. Bruzek, J. 2002. A method for visual determination of sex, using the human hip bone. American Journal of Physical Anthropology 117: 157-168. Cunha, E. 1994. Paleobiologia das populações medievais portuguesas. Os casos de Fão e S. João de Almedina. Tese de doutoramento em antropologia apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Crubézy, E. e E. Trinkaus 1992. Shanidar I: a case of hyperostotic disease (DISH) in the Middle Palaeolithic. American Journal of Physical Anthropology 89: 411-420. Dutour, O. 1989. Hommes Fossiles du Sahara. Peuplements Holocènes du Mali Septentriolnal. Éditions du CNRS. Forestier, J. e I. Rotes-Querol 1950. Senile ankylosing hyperostosis of the spine. Annals of the Rheumatic Diseases 9: 321-330. Lovejoy, C. O., R. S. Meindl, T. R. Pryzbeck e R. P. Mensforth 1985. Chronological metamorphosis of the auricular surface of the ilium: a new method for the determination of adult skeletal age at death. American Journal of Physical Anthropology 68: 15-28. Mays, S. 1991. The Mediaeval Burials from the Blackfriars Friary, School Street, Ipswich, Suffolk. AML Report 16/91. English Heritage, London. Mays, S. 1998. The Archaeology of Human Bones. Routledge. Mendonça, M. C. 2000. Estimation of height from the length of long bones in a Portuguese adult population. American Journal of Physical Anthropology 112: 39-48. Ortner, D. J. 2003. Identification of Pathological Conditions in Human Skeletal Remains. 2 ed. Academic Press. Reale, B., D. Marchi e S. M. B. Tarli 1999. A case of diffuse idiopathic skeletal hyperostosis (DISH) from a Medieval Necropolis in Southern Italy. International Journal of Osteoarchaeology 9: 369-373. Resnick, D. e G. Niwayama 1995. Diagnosis of Bone and Joint Diseases (3rd ed.). Philadelphia: WB Saunders. Roberts, C. e M. Cox 2003. Health & Disease in Britain. From Prehistory to the Present Day. Sutton Publishing.

Indivíduo 158: úmero direito com artrose severa

Rogers, J. e T. Waldron 1995. A Field Guide to Joint Disease in Archaeology. New York: Jowhn Wiley & Sons. Rothschild, B. M. 2002. Diffuse idiopathic skeletal hyperostosis http://www.emedicine.com/orthoped/topic74.htm. Acedido a 14 de Novembro de 2005. Waldron, T. 1985. DISH at Merton Priory: evidence for a ‘new’ occupational disease? British Medical Journal 291: 1762-1763.

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