CASTELO, Cláudia: O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio, em BUALA, disponível em <http://www.buala.org/pt/a-ler/o-luso-tropicalismo-e-o-colonialismo-portugues-tardio>

May 24, 2017 | Autor: Silvia Busto Caamaño | Categoria: Gilberto Freyre, Estado Novo, Portugal, Lusotropicalism, Lusotropicalismo
Share Embed


Descrição do Produto

Silvia Busto Caamaño Língua e Cultura dos Países de Fala Portuguesa Ano letivo: 2016/17

O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio O principal objetivo deste artigo é analisar como o Estado Novo Português, após a Segunda Guerra Mundial, utilizou a “quase-teoria” do luso-tropicalismo. De acordo com Cláudia Castelo, a autora do artigo, as bases desta teoria começaram a ser assentadas com Casa-grande e senzala (1933), uma das obras mais destacadas do fundador do luso-tropicalismo, Gilberto Freyre. Porém, foram encontrados outros traços sobre esta teoria em obras como Conferências na Europa (1938) e também na sua versão em revista (O mundo que o português criou, de 1940). Um dos propósitos do Luso-tropicalismo é defender as relações, e mesmo a capacidade de adaptação dos portugueses aos trópicos, nomeadamente por empatia inata e criadora. No entanto, até ao fim da Segunda Guerra Mundial, o pensamento de Gilberto Freyre apenas conheceu uma boa receção no campo cultural. Além disso, a política colonial do Estado Novo, nomeadamente entre 1930 e 1940, não esteve muito próximo à teoria de Gilberto Freyre. Este acontecimento foi produzido pela importância que o sociólogo outorgou à mestiçagem, pois Casa-grande e senzala caracteriza-se, entre outros assuntos, por louvar a mistura racial. Ainda, é importante mencionarmos que, após a Constituição Política da República Portuguesa, Gilberto Freyre fez uma viagem por “terras lusitanas” por invitação do ministro do Ultramar Sarmento Rodrigues, com o objetivo de que o sociólogo conhecesse o ultramar português e fizesse depois um trabalho reflexivo sobre o que ele viu lá. Foi neste período quando ele começou a usar a expressão «luso-tropical» a fim de caracterizar o modo de adaptação do português aos trópicos. Aliás, a colonização portuguesa gerou conflitos e promoveu a discriminação, a qual se fazia através da diferenciação jurídica do chamado «indígena», mas também mediante a diferenciação salarial e no que se refere ao emprego, que colocava à disposição dos colonos (empresas, particulares e administração) uma mão-de-obra barata.

1

Por outro lado, em 1956, o geógrafo Orlando Ribeiro declara à sociedade a pouca influência cultural portuguesa, a escassa implantação da língua, a debilidade da Igreja católica, e o papel insignificante da mestiçagem, entre outras questões, no relatório confidencial da missão de estudo da JIU que empreendeu a Goa. Além do mais, nesse mesmo período, o antropólogo Jorge Dias elaborou um relatório confidencial, no qual pode visualizar-se que, em Moçambique, os mestiços são tratados como indígenas, e a maioria dos colonos consideram os negros seres inferiores; na Guine quase não há influência da cultura portuguesa. Esse relatório, em que denuncia os casos de segregação racial, será enviado ao presidente do Conselho do Ultramar Português. Em 1961, o regime de Salazar enfrenta uma série de dificuldades políticas, entre as quais se destacam: o assalto ao paquete «Santa Maria» por Henrique Galvão (janeiro), a tentativa de libertação dos presos das cadeias de Luanda (fevereiro) etc. Depois disto, o governo tem de tomar uma série de medidas a fim de eliminar a discriminação racial e a exploração colonial. Assim, promover-se-á a constituição de sociedades multirraciais no ultramar, por médio de uma intensificação do povoamento europeu. Para além disso, com o objetivo de fomentar a integração multirracial, far-se-á um esforço para admitir nativos e cabo-verdianos nos novos colonatos, alguns deles mistos. Aliás, importa dizer que O Estado Novo, nos anos 30 e 40, não aceitava o pensamento de Gilberto Freyre, principalmente, pela importância que o sociólogo concedia à mestiçagem, à interpenetração de culturas, à herança árabe e africana na génese do povo português e das sociedades criadas pela colonização lusa. Não será até a década de 1950 quando o pensamento do sociólogo tenha uma receção mais favorável no regime salazarista, a qual adoptou uma versão simplificada e nacionalista do luso-tropicalismo como discurso oficial a fim de utilizar-se na propaganda e na política externa, cuja finalidade foi a de estabilização da auto-imagem em que os portugueses melhor se revêem: a de um povo tolerante, fraterno, plástico e de vocação universal. Em conclusão, pode-se afirmar que a obra de Gilberto Freyre é caracterizada pela conceção singular do tempo, juntando passado, presente e futuro, fato que pode ser tomado como contraditório e mesmo ambíguo ao falar de comunidade luso-tropical, pois esta pode apresentar-se como uma realidade passada (para legitimar o colonialismo português) e, outras vezes, como uma realidade atual e também futura (para manter o mito da tolerância racial dos portugueses até de um nacionalismo português integrador e universalista em contradição aos «maus» nacionalismos, fechados, etnocêntricos e 2

xenófobos), que está presente no conjunto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e na posição ideológica que Portugal ocupa no mundo.

3

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.