Castelo da Lousa: Capítulo 6 – Estratigrafia, Estruturas e Materiais. Co-authored Jorge de Alarcão e Ana Gonçalves. Published in \"Studia Lusitana\" 5, MNAR / EDIA, Mérida, 2010 (Co-coord. J. Alarcão, P. C. Carvalho e A. Gonçalves).

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Castelo da Lousa–Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002 Jorge de Alarcão, Pedro C. Carvalho, Ana Gonçalves (Coord.)

PORTADA STVDIA LUSITANA:Maquetación 1

JUNTA DE EXTREMADURA FUNDACIÓN DE ESTUDIOS ROMANOS

Vicepresidencia Segunda, Consejería de Economía, Comercio e Innovación Dirección General de Universidad y Tecnología

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Castelo da Lousa–Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002 Jorge de Alarcão, Pedro C. Carvalho, Ana Gonçalves (Coord.)

Castelo da Lousa – Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002 Jorge de Alarcão, Pedro C. Carvalho, Ana Gonçalves

Studia Lusitana 1. M. P. REIS Las termas y balnea romanos de Lusitania. Mérida, 2004 2. L. J. RODRIGUES GONÇALVES Escultura romana em Portugal: Uma arte do quotidiano. Mérida, 2007 3. F. TEICHNER Entre tierra y mar / Zwichen Land und Meer Mérida, 2008 4. T. NOGALES BASARRATE (ED.) Ciudad y Foro en Lusitania Romana/Cidade e Foro na Lusitânia Romana. Mérida, 2009 5. J. DE ALARCÃO; P.C. CARVALHO; A. GONÇALVES (COORD.) Castelo da Lousa. Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002. Mérida, 2010 6. V. GIL MANTAS Vías romanas de Lusitania (en preparación) 7. A. DE MAN Defesas Urbanas Tardias da Lusitânia (en preparación) Ficha técnica Coordinación: María José Pérez del Castillo y Eugenia López González Diseño: Ceferino López El texto y las opiniones de este volumen son responsabilidad de los autores. Esta publicación se intercambia por otras similares de todos los países con el fin de potenciar la Biblioteca del Museo Nacional de Arte Romano de Mérida. Para intercambios y suscripciones: Museo Nacional de Arte Romano C/ José Ramón Mélida, s/n 06800 Mérida (Badajoz) España [email protected] Pedido de libros: Asociación Amigos del Museo: C/ José Ramón Mélida, s/n 06800 Mérida (Badajoz) España [email protected] y a través de: http://museoarteromano.mcu.es/ Adquisiciones: Pórtico Librerías, S.A. Muñoz Seca, 6 50005 Zaragoza - España www.porticolibrerias.es ISBN: 978-84-613-6385-8 Depósito legal: BA-297-2010 Maquetación e Impresión: Artes Gráficas Rejas (Mérida) JUNTA DE EXTREMADURA Vicepresidencia Segunda, Consejería de Economía, Comercio e Innovación Dirección General de Universidad y Tecnología

Proyecto PRI06B286 Foros Romanos de Extremadura. Análisis y Difusión del Patrimonio Extremeño. Vicepresidencia Segunda y Consejería de Economía, Comercio e Innovación de la Junta de Extremadura

Proyecto PRI09A140 Arte Romano en Extremadura I. Creación de modelos en el occidente hispano. Vicepresidencia Segunda y Consejería de Economía, Comercio e Innovación de la Junta de Extremadura. Proyecto HAR2009-08727 Programas decorativos en Lusitania romana: origen y evolución. Ministerio de Ciencia e Innovación.

DIRECCIÓN CIENTÍFICA: PROF. DR. JORGE ALARCÃO Catedrático de Arqueología Universidad de Coimbra PROF. DRA. TRINIDAD NOGALES BASARRATE Departamento de Investigación Museo Nacional de Arte Romano COMITÉ CIENTÍFICO: PROF. DR. JOSÉ Mª ÁLVAREZ MARTÍNEZ Director del Museo Nacional de Arte Romano DR. JOSÉ LUIS DE LA BARRERA Conservador del Museo Nacional de Arte Romano PROF. DR. ENRIQUE CERRILLO Departamento de Arqueología Universidad de Extremadura PROF. DR. JONATHAN EDMONDSON Departmento de Historia Universidad de York (Canadá) PROF. DR. JOSÉ D´ENCARNAÇÃO Director del Instituto de Arqueología Universidad de Coimbra PROF. DR. CARLOS FABIÃO Departamento de Arqueología Universidad de Lisboa PROF. DR. JEAN-GÉRARD GORGES C.N.R.S. Universidad de Toulouse II Ex director-adjunto de la Casa de Velázquez DR. VIRGILIO HIPÓLITO CORREIA Director del Museo Monográfico de Conimbriga PROF. DR. PATRICK LE ROUX Departamento de Historia Universidad de Paris XIII D. MIGUEL ALBA CALZADO Director Científico del Consorcio de la Ciudad Monumental HistóricoArtística y Arqueológica de Mérida PROF. DR. MANUEL SALINAS DE FRÍAS Departamento de Historia Antigua Universidad de Salamanca PROF. DR. THOMAS SCHATTNER Subdirector del Instituto Arqueológico Alemán de Madrid PROF. DR. WALTER TRILLMICH Antiguo Director del Instituto Arqueológico Alemán de Berlín

Ficha técnica: Coordinadores: Jorge de Alarcão, Pedro C. Carvalho y Ana Gonçalves. Textos: Jorge de Alarcão; Diego E. Angelucci; Pedro C. Carvalho; José d’ Encarnação; Ana Gonçalves; Priscilla Lange; Luís Luís; Paulo Marques; Rui Morais; Inês Vaz Pinto; José Ruivo; Ana Luísa Santos; Anne Schmitt y Paula Tavares. Colaboradores: Ricardo Costeira da Silva y Sara Almeida. Documentación Gráfica: Fátima Dias Pereira, Maria das Dores Pires y Elisa Puch Ramirez. Fotografía: Manuel Pica y Sara Almeida (Fotos nº 1 a 77, 98 e 100), EDIA S. A. (Fotos 78 a 82), José Ruivo (Foto 83), Paulo Marques (Fotos 84 a 86), Diego E. Angelucci (Fotos 87 a 97), Ana Luísa Santos y Paula Tavares (Fotos 99, 101 a 106), Inês Vaz Pinto e Anne Schmitt (Fig. I a X – Anexo II / CD-ROM) Conservación y Restauración: Catarina Alarcão, Maria Clara Lobo y Maria da Conceição Silva. Diseño gráfico y paginación: Fátima Dias Pereira y Ana Gonçalves.

Índice

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Prefácio HENRIQUE TRONCHO

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Apresentação J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

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Localização J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

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Enquadramento, objectivos e metodologia J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

27

História das escavações e da interpretação do monumento J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

37

A Arquitectura do Castelo da Lousa J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

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Estratigrafia, estruturas e materiais J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

111

Cerâmica Campaniense LUÍS LUÍS

139

Terra Sigillata de tipo itálico PEDRO C. CARVALHO e RUI MORAIS

153

Cerâmica de paredes finas RUI MORAIS

173

Lucernas RUI MORAIS

181

Ânforas RUI MORAIS

219

Cerâmica Comum INÊS VAZ PINTO e ANNE SCHMITT

445

Grafitos JOSÉ D´ENCARNAÇÃO

477

Vidros PEDRO C. CARVALHO

481

Espólio Metálico JOSÉ RUIVO

519

Materiais Líticos PAULO MARQUES

523

Geoarqueologia DIEGO E. ANGELUCCI

549

Arqueozoologia PRISCILLA LANGE

589

Escavação e Estudo Antropológico dos Indivíduos Exumados A. L. SANTOS, P. TAVARES e A. GONÇALVES

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Bibliografia Geral

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Resumos

ANEXOS (CD – ROM) Anexo I: Desenhos 1 a 32 Anexo II: Figuras I a X (referentes ao Capítulo 7.6) Anexo III: Tabelas de listagem de Complexos e Unidades Estratigráficas

Capítulo 6 – Estratigrafia, Estruturas e Materiais J. Alarcão, P. C. Carvalho, A. Gonçalves

ESTRATIGRAFIA, ESTRUTURAS E MATERIAIS A escavação arqueológica levada a cabo no Castelo da Lousa conheceu algumas dificuldades de ordem metodológica que resultaram, essencialmente, quer da base topográfica onde a área edificada se ergueu, quer da própria natureza dos sedimentos desta zona na margem esquerda do Guadiana. Como referimos anteriormente (Cap. 3), a estratégia da escavação seguida baseou-se, desde logo, na divisão da área a escavar por “Plataformas” e na implantação no terreno de diversas sondagens contíguas (Fig. 8 e Desenhos 1, 6, 8, 11 e 13 – Anexo I). Depois, em todas elas, procurou-se colocar sempre em prática o processo estratigráfico de escavação – i.e., os diferentes complexos, depois de individualizados e delimitados, foram removidos segundo a ordem inversa à sua deposição, seguindo os seus contornos naturais. Todavia, este modus operandi, por vezes, mostrou-se de difícil aplicação, na medida em que a uniformização dos depósitos de terras em alguns locais, com variações de cores quase imperceptíveis, nem sempre possibilitava a sua clara individualização e registo. Nestas situações, para efectuar distinções, privilegiou-se a articulação entre compacticidade, textura, inclusões e composição do próprio material arqueológico. Em casos extremos optou-se mesmo pelas decapagens por estratos artificiais. Mas, convém sublinhar, na maioria das situações, sobretudo em zonas onde era maior a potência e a própria complexidade estratigráfica, o processo de escavação estratigráfica foi posto em prática e os estratos (complexos) foram registados e retirados de modo a possibilitar, para além da contextualização acertada dos respectivos materiais, a reconstituição da sua ordem sequencial de deposição. Assim, a análise estratigráfica efectuada permitiu isolar diversos complexos e associá-los, com a necessária segurança, a processos de construção, ocupação ou abandono. Ao mesmo tempo, foi igualmente possível definir diferentes fases construtivas (em diversas plataformas), contextualizando-as inclusivamente no tempo com base nos materiais associados. É sobretudo a esses contextos estratigráficos, interpretáveis, que nos referiremos em seguida1. A listagem detalhada de todos os complexos e UEs registadas em escavação (e respectiva componente interpretativa) encontra-se no Anexo III desta publicação - este trabalho foi efectuado por Sara Almeida, Ricardo Costeira da Silva e Ana Gonçalves.

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Uma análise mais descritiva e detalhada das estruturas e das estratigrafias registadas encontra-se no relatório final das escavações entregue à EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, SA.

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Fig. 8 – Planta geral da área edificada no Castelo da Lousa (V. Desenho 1 – Anexo I).

1. SEQUÊNCIAS ESTRATIGRÁFICAS Convirá recordar, antes de mais, que não dispomos de qualquer sequência estratigráfica expressiva para o edifício central, visto ter sido escavado integralmente por Afonso do Paço e Joaquim Bação Leal, durante a década de 60 do séc. XX. Também a Plataforma Superior foi então alvo de uma significativa intervenção, deixando incólumes poucos estratos para serem agora objecto da nossa intervenção2. Comecemos assim por analisar as estratigrafias observadas nas Plataformas Norte e Noroeste, face também à relevância que estas assumiram para a compreensão das próprias sequências da restante área edificada (Fig. 9 e Desenhos 4, 5 e 6 – Anexo I). A estratigrafia do conjunto de construções que subsistem na plataforma Norte é claramente marcada por uma espessa camada de areia. Esta sobrepõe-se a derrubes resultantes da demolição parcial dos compartimentos da Plataforma Norte e do colapso (também parcial) dos da Plataforma Superior (Fotos 30 e 31) (Desenho 19 – Anexo I).

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Nos relatórios das escavações da década de 60, aos quais se teve acesso, são raras as referências ao contexto estratigráfico e escassas as ilustrações dos cortes estratigráficos.

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Fig. 9 – Planta esquemática das estruturas registadas nas Plataformas Norte e Noroeste (V. Desenho 6 – Anexo I).

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Foto 30 – Estrato de areia que cobre diversas estruturas na Plataforma Norte.

Corredor 17

Foto 31 - Aspecto do Corredor [17] e compartimentos anexos, desactivados pela sobreposição de um aterro de areia com cerca de 1m de altura, que cobre derrubes dos muros.

Esta camada de areia é, manifestamente, um depósito intencional, de origem antrópica. Se tivesse resultado de uma grande cheia, como durante a escavação se chegou a supor, não se teria depositado só nessa plataforma e poderia ter arrastado os muros que subsistem na Plataforma Norte e Noroeste, para além daqueles que se encontram nas plataformas inferiores. A deposição desta espessa camada de areia, silte e argila (com algum espólio associado) ter-se-á efectuado após o desabamento da área central das plataformas

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Superior e Norte (que, por sua vez, terá caído ainda sobre parte dos edifícios existentes na Plataforma Norte Inferior)3. E essa camada de areia foi depositada sobre os níveis de derrube dessa grande derrocada (Fotos 32 a 34), como forma de nivelar a Plataforma Norte, permitindo o retomar do acesso à Plataforma Noroeste, a qual terá ficado com a sua área edificada praticamente incólume. Ao mesmo tempo, ou melhor, imediatamente antes do lançamento da camada de areia, ter-se-á formado, no extremo oeste desse corredor (junto à passagem para a Plataforma Noroeste), um amontoado de entulho – interpretado no registo estratigráfico como “lixeira” – resultante da limpeza dos escombros ou então do aproveitamento do entulho de uma lixeira próxima.

Foto 32 – Derrubes provenientes da derrocada da Plataforma Superior sobre a área do Corredor 17 (Plataforma Norte), após a remoção do estrato superior de areia e do depósito interpretado como “lixeira”.

Este episódio do colapso do corpo edificado na Plataforma Superior e da consequente destruição dos compartimentos da Plataforma Norte permite-nos distinguir duas fases de ocupação do Castelo da Lousa. Na Fase II, já não existiria o que anteriormente tinha sido edificado nestas duas plataformas. Na Plataforma Norte em particular existiria apenas um corredor (estabelecido no lugar do anterior – (Desenho 19 – Anexo I) –, mas mais largo e a uma cota mais elevada – corredor [17]) que continuaria a possibilitar a transição para a Plataforma Noroeste. Esta passagem foi conseguida mediante a deposição de um nível de areia (que chega a atingir – onde a cota do antigo corredor é mais baixa e mostra um maior desnível em relação ao piso da Plataforma Noroeste – quase 1 metro de espessura) que cobre tanto o anterior corredor e os baldrames dos

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Na origem deste desmoronamento encontrar-se-á a própria fragilidade do esporão rochoso – desbastado pela obra romana – onde assentou o Castelo da Lousa, em particular das vertentes que apresentavam uma vulnerabilidade geomorfológica maior: “a vertente Norte, sujeita à acção de erosão do rio Guadiana, e a vertente Este, por causa da erosão lateral provocada pelo Barranco do Castelo”. Excluída encontra-se uma outra causa que chegou a ser equacionada: um tremor de terra (Cap. 8).

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Foto 33 – Derrubes provenientes da derrocada da Plataforma Superior sobre o Corredor 17, na Plataforma Norte.

Foto 34 – Vista geral do Corredor 17 (que faria a passagem entre o Edifício Central e a Plataforma Noroeste) e dos restantes espaços edificados na Plataforma Norte.

muros que subsistiram, como os níveis de desmoronamento das casas da Plataforma Superior, regularizando assim a superfície de toda essa área (ficando essa superfície à cota do corredor que se desenvolve para Noroeste). A reformulação deste corredor de acesso era essencial visto que a Plataforma Noroeste, tendo ficado a salvo da derrocada, manteve-se plenamente funcional por mais alguns anos até ao abandono definitivo do castelo. Perante a perda de uma área construída significativa (nas Plataformas Superior, Norte e Norte Inferior), era essencial manter funcional a Plataforma Noroeste – e, inclusivamente, requalificá-la. Atribuiremos, 70

pois, a esta derradeira etapa, o grosso das transformações observadas na Plataforma Noroeste. Mas trata-se, claramente, de mera hipótese, pois não encontrámos, nesta plataforma, estratigrafia associada clara e inequívoca a documentá-lo. Este desmoronamento (e novo arranjo deste espaço), em função da análise de alguns materiais contextualizados, terá já acontecido em época augustana. Mas será possível datar este desmoronamento com maior exactidão? Para tal, à partida, revelou-se importante verificar se as sigilatas4 apareciam já nos níveis de ocupação da Fase I, selados pelos derrubes (e mesmo no interior dos próprios derrubes), uma vez que era perfeitamente visível a sua frequência nos níveis relacionados com a formação e ocupação da Fase II. Com efeito, se não aparecessem sigilatas nesses níveis seguros de ocupação da Fase I, tal poderia indiciar que a derrocada teria ocorrido num momento anterior à circulação de sigilata no castelo; significaria ainda que poderia haver um certo hiato entre a derrocada e o arranjo deste espaço, uma vez que a sigilata, como referimos, surgia claramente nos níveis associados à reconstrução deste espaço (nomeadamente no aterro de areia). No entanto, depois de uma análise atenta e detalhada de todo o material e do seu contexto de achado, verificou-se que a sigilata também aparece – embora em número mais reduzido – em níveis associados, seguramente, à ocupação da Fase I: - 1 fragmento TSI; Consp. 12.1; compl. 912: recolhido num nível de ocupação seguro da Fase I; embora por cima deste complexo surja um nível de construção da Fase II, para além de um nível de destruição da Fase I, as possibilidades de mistura ou intrusão serão reduzidas, uma vez que o fragmento foi recolhido c. 20/30 cm abaixo do topo dessa camada5; - 1 fragmento TSI; informe; compl. 907: recolhido num nível de ocupação seguro da Fase I, mais concretamente sobre os restos de uma área seguramente interpretada como lareira; acrescente-se que este complexo permanecia selado por um nível de abandono da própria lareira (= complexo 906, no compartimento [23]). Depois surgem outras peças de sigilata de tipo itálico associadas ao próprio momento da destruição, i.e., recolhidas em níveis de destruição / derrubes da Fase I: - 1 fragmento TSI; informe; compl. 666: apesar de ter sido achado no topo desta camada, acaba por se encontrar bem contextualizado num nível de destruição, uma vez que sobre este complexo encontra-se outro complexo (= 637) interpretado também como nível de destruição da Fase I; - 1 fragmento TSI; informe; compl. 1011; apesar de ter sido igualmente achado no topo desta camada, acaba por se encontrar bem contextualizado num nível de destruição, uma vez que sobre este complexo encontra-se outro complexo (= 653) interpretado também como nível de destruição da Fase I. Depois há ainda outros casos de TSI associados à Fase I mas de contextualização menos segura: - 2 fragmentos TSI; Consp. 4.3 (Fig. 13, peça nº 4) e informe; compl. 819: ainda que ambos surjam num nível de destruição da Fase I, a sua contextualização acaba por não ser completamente segura, tanto por terem sido encontrados no topo dessa camada, como pelo facto de se sobrepor directamente a esta camada uma outra de areia (= compl. 799) já associada ao processo de formação ou ocupação da Fase II. - 2 fragmentos TSI; informe; compl. 637: embora se encontrem no interior de uma camada interpretada como nível de destruição da Fase I, essa interpretação é apenas considerada “provável” – depois, por

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Como se verá no Cap. 7.2, dedicado à terra sigillata, em todo o conjunto de peças recolhidas apenas se encontram presentes os fabricos de tipo itálico. Assim, doravante, para facilitar a apresentação, estas serão designadas apenas por sigilatas.

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Refira-se que o complexo que repousava directamente no lugar específico de achado da sigilata corresponde a um nível de destruição da Fase I (= Compl. 903 e 905) – assim sendo, a sigilata encontrava-se também selada por uma camada de derrube da Fase I, não havendo possibilidade de contaminação com a Fase II de construção.

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cima dessa camada encontra-se a “lixeira” que forneceu muitos materiais, não se podendo afastar por completo, neste caso, a possibilidade de intrusão; - 1 fragmento TSI; informe; compl. 1044: insere-se num nível de destruição da fase I, mas acaba por não apresentar uma contextualização estratigráfica segura por ter sido recolhido no topo dessa camada, a qual, por sua vez, é coberta directamente por um nível de areia (= 1024) da construção / ocupação da Fase II. - 1 fragmento TSI; fundo Consp. B.3.7; compl. 653: embora se trate de um contexto seguramente interpretado como nível de destruição da Fase I, inserimo-lo neste grupo na medida em que não foi registada em escavação a localização tridimensional da sigilata – e por cima deste complexo existe um nível de pós-abandono (= compl. 598). Embora haja uma ou outra peça, pertencente a outro tipo de material, que poderia ser, a este propósito, trazida à colação, serão sobretudos as sigilatas, pela data do seu aparecimento e pela sua cronologia mais fina, que nos permitem, face ao exposto, depreender o seguinte: o desabamento da fachada de alguns edifícios terá ocorrido num momento em que no castelo já circulava sigilata (e já certas formas de sigilata, como veremos a seguir) – provam-no os fragmentos recolhidos em níveis de ocupação da Fase I (Plataforma Norte) e nos níveis de destruição decorrentes do desmoronamento da Plataforma Superior (estes níveis de destruição transportaram consigo os materiais já em circulação – e abandonados – quando o desmoronamento ocorreu); todavia, dado o escasso número de fragmentos de sigilata nesses níveis (2 em níveis de ocupação e, pelo menos, 2 em níveis de destruição seguros dessa Fase I – no total, em toda a escavação, recolheram-se quase duas centenas), parece-nos que tal poderá ser indicativo da ocorrência deste marcante acontecimento num período ainda relativamente inicial de circulação de sigilata no Castelo da Lousa. Se tivermos em conta o fragmento da forma Consp. 12 (achado num contexto seguro de ocupação) podemos dizer que este momento se situa algures depois de meados do reinado de Augusto6; se considerássemos o fragmento da forma Consp. 4.3 (mas de contextualização menos segura na Fase I), diríamos mesmo que a derrocada seria posterior a 11/9 a.C. Seja como for, o desmoronar de parte da área edificada numa época avançada de ocupação do sítio – quando já circulava e se encontrava inutilizada a sigilata – poderá ser dado como certo, até porque na dita “lixeira”, associada à formação da Fase II, já aparecem 5 fragmentos de sigilata7; se tivermos ainda em consideração a única sigilata com forma (Consp. 4.4.) achada nessa “lixeira” (compl. 663) (Fig. 13, peça nº 5), e que fornece uma datação mais precisa, a data da derrocada também não poderá ser fixada antes de 11/9 a.C., uma vez que essa forma também só começou a ser produzida após essa data. Em suma, assim sendo, parece-nos que o momento deste colapso poderá ser fixado algures na última década do séc. I a.C.8. Perante este quadro cronológico que se esboça, e visto que, no seu conjunto, os materiais recolhidos no Castelo da Lousa sugerem um abandono do sítio nos finais da época de Augusto (como veremos), parece necessário admitir terem sido poucos os anos que mediaram entre a referida derrocada e o abandono

6 Com base no quadro cronológico proposto por Goudineau (Consp. 12.1 = Goud. 15) podemos fixar esse momento depois de 15 a.C. (data proposta para o início de produção dessa forma de sigilata). 7 A “lixeira” – aqui, este termo, não pode ser entendido como um lugar de despejo gradual e continuado de lixo – ter-se-á formado durante o processo de reformulação da Plataforma Norte (apresentando, portanto, uma cronologia de depósito idêntica ao do aterro de areia); será talvez o resultado de um só processo de limpeza, contendo os materiais da época de remodelação e, sobretudo, da fase anterior à derrocada (= Fase 1 na Plataforma Norte) (“lixeira” = complexos 550, 555, 556, 559, 568, 569, 571, 572, 578, 630, 638, 639, 663). Dito de outra forma, ao aparecer sigilata na “lixeira”, tal significará que já circulava e se inutilizava sigilata na Fase I. 8 Aliás, num nível de destruição da Fase I (= complexo 460), envolto pelos derrubes da Plataforma Superior, surge também uma peça de cerâmica comum (cinzenta fina polida) que imita a sigilata da forma Consp. 13.

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definitivo do castelo (cerca de uma década?) – e será também nesse curto espaço de tempo que se deve inscrever a circulação da maior parte da sigilata recolhida no Castelo da Lousa9. Neste último período (fase final de ocupação do castelo) também se inscreverá o grosso dos níveis de ocupação (e de abandono) da Plataforma Noroeste. Os níveis de ocupação desta plataforma documentarão sobretudo a fase final de ocupação do sítio, se admitirmos também um arranjo e limpeza desta plataforma logo após o desmoronamento que afectou as Plataformas Superior e Norte. Assim, não será de estranhar que se encontre nesses níveis o mesmo tipo de material recolhido na Fase II da Plataforma Norte. Uma vez que esta Plataforma Noroeste ficou a salvo do grande aluimento, não se observam aqui, em termos estratigráficos, duas fases visivelmente distintas, como acontece na Plataforma Norte. O seu plano construído (Fig. 6 e 7 - Cap. 5), porém, mostra claros sinais de reformulações, que se traduzem, basicamente, no acrescentar / demolir de paredes e no entaipar de certos vãos. O grosso dessas alterações terá ocorrido, provavelmente, após o colapso das Plataformas Superior e Norte (como vimos anteriormente). Para além desta remodelação aparentemente profunda, parece-nos igualmente provável a ocorrência de algumas alterações episódicas ou pontuais, embora seja praticamente impossível, devido à natureza dos contextos estratigráficos, localizar no tempo esses possíveis momentos de obra e arranjo do espaço. Ainda assim, procurou-se, para cada compartimento em particular, individualizar horizontes estratigráficos interpretativos. Em diferentes casos foi possível estabelecer, com a necessária segurança, uma cronologia relativa de formação dos estratos e inscrever cada um (ou pequenos grupos) em níveis de construção, ocupação, reconstrução ou abandono. No entanto, a ausência de materiais datáveis em muitos destes níveis com interpretação segura acabou por dificultar a aferição de cronologias absolutas. Noutros casos, as alterações construtivas apenas se revelaram na própria estrutura dos muros, sendo sobretudo por esta via que se poderá deduzir quais os troços pertencentes aos planos inicial e final (Fig. 6 e 7 – Cap. 5). Em termos estratigráficos, por quase toda esta Plataforma Noroeste, e sobre os últimos níveis de ocupação, detectou-se claramente um nível de abatimento das estruturas envolventes (composto também por abundantes carvões) que marca o momento de abandono definitivo do sítio em época romana10. Este, por sua vez, encontrava-se quase sempre coberto por um nível de pós-abandono. As restantes sequências estratigráficas, relativas às fases de construção e ocupação, apresentavam evoluções distintas em função dos compartimentos onde se registavam. Todos os troços de paredes observadas eram construídos com lajes de xisto, sem ligante nas juntas (apenas o compartimento [25] apresentava claramente barro nos interstícios). Se algumas das paredes eram em taipa, não foi possível identificar o seu derrube na sequência estratigráfica. Provavelmente, ao nível do piso inferior, as principais paredes seriam integralmente em pedra. Num dos locais, aliás, onde a sequência estratigráfica se encontrava melhor preservada, foi mesmo possível observar, tombado no chão, um grande troço de muro em pedra – veja-se o caso dos muros no limite oeste do corredor [17], junto ao compartimento [31] (sondagem 37), onde se localizou um extenso derrube de pedras (Foto 35); noutros locais (como seja um muro do compartimento [21]; ou, na Plataforma Noroeste, um outro do compartimento [2]) registaramse ainda paredes em pedra com cerca de 1m ou mesmo 1,5m de altura (Fotos 36 e 37). Na verdade, o único

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Uma vez que aparece sigilata com maior frequência nos níveis de aterro / areia (construção do corredor / Fase II / Plataforma Norte), poderá admitir-se algum intervalo de tempo entre dois momentos ou acções distintas: o desmoronamento e a reconstrução? Seria um intervalo de tempo curto, mas o suficiente, nesta passagem da segunda para a primeira década do séc. I a.C., para surgirem mais sigilatas em circulação. 10 Na ausência de qualquer nível de abatimento de um hipotético telhado formado por tegulae e imbrices, poderemos deduzir que estas construções seriam talvez cobertas por colmo ou giesta (ou mesmo por placas de xisto, se atendermos às finas placas que, em alguns locais, nestes níveis de abandono, foram observadas).

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espaço no castelo onde se terão registado vestígios de taipa, segundo informação de Afonso do Paço e Bação Leal (e resultante das campanhas de 1962-63), foi no próprio interior do edifício central (no denominado corredor A-A1) (PAÇO e LEAL, 1966: 180). Os pavimentos, por sua vez, parecem apresentar diferentes soluções: na Plataforma Norte, por exemplo, o nível de circulação inicial nos compartimentos [19] e [22] corresponderia à rocha afeiçoada; os lajeados estariam presentes nos compartimentos [20], [21], [23] e [25] (Fotos 38 a 40); restos de níveis térreos,

Derrube de parede em xisto desmoronada para o lado Norte

Corredor 17

Compartimento 18

Foto 35 – Registo de um extenso derrube de pedras das construções anexas ao Corredor 17, na Plataforma Norte.

Foto 36 – Parede em xisto conservada em cerca de 1 m de altura, evidenciada no Compartimento [21] – Plataforma Norte.

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Foto 37 – Parede em xisto, parcialmente afeiçoada na rocha, conservada em cerca de 1,5 m de altura, registada no Compartimento [2] – Plataforma Noroeste.

Foto 38 – Pavimento lajeado no Compartimento [21].

Foto 39 – Ânfora tombada in situ sobre o pavimento lajeado, no Compartimento [31].

por vezes barrentos e compactos, assentes sobre níveis de aterro para regularização do terreno, observaramse pontualmente, sendo particularmente expressivos no compartimento [31]. Na Plataforma Noroeste, para além destas soluções (com especial incidência para os pisos em terra batida), talvez se verificasse uma outra ao nível do rés-do-chão: num dos compartimentos mais amplos (posteriormente subdividido – compartimentos [13], [14] e [15]) é possível que existisse – face à estratigrafia e perante a diferença assinalável de cotas (cerca de 1m) em relação aos que o rodeiam – um pavimento de madeira, suspenso sobre uma “caixade-ar”.

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Foto 40 – Vestígios de pavimento lajeado no Compartimento [23].

Pequenas áreas de combustão, identificadas como lareiras, foram registadas nos compartimentos [21] e [23] (lastro de barro enegrecido) e junto ao compartimento [16] (superfície formada por tegulae) (Fotos 41 e 42); uma outra poderia existir no espaço a que demos o número [29]. Da presença destas estruturas poderão retirar-se algumas ilações de âmbito funcional. Do mesmo modo, a concentração de certos tipos de material nos níveis estratigráficos de certos compartimentos poderá igualmente denunciar a prática de uma certa actividade – por exemplo, do total de 35 pesos de tear identificados na Plataforma Norte, 23 encontravam-se no interior do compartimento [23]11. A actividade desenvolvida no compartimento [30] (interpretado como possível forno de pão)12 também deixou sinais expressivos nos níveis estratigráficos que se estendem em direcção aos corredores 5 e 12, mediante o manto de cinzas e carvões que aí claramente se observou (Foto 48). Existem mais alguns aspectos registados em escavação, nem sempre de imediato ou fácil entendimento, que procurámos explicitar e interpretar quando antes abordámos a lógica de funcionamento de todo o espaço construído (Cap. 5).

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Sublinhe-se que, na Plataforma Norte, o único compartimento original não desactivado com a derrocada (permanecendo funcional durante a Fase II), foi precisamente este compartimento [23] (situado no extremo leste do corredor [17], na ligação com a Plataforma Superior, e a uma cota mais elevada que os restantes da Plataforma Norte / Fase I). Neste sentido, o amontoar de pesos neste lugar poderá não denunciar necessariamente o funcionamento de tear(es), na medida em que esta concentração poderá antes ser uma resultante de processos posteriores à utilização / localização original destes pesos. Com efeito, ainda que o agrupamento de artefactos em escavação, quando detectados em contextos estratigráficos primários, possa indiciar a localização de uma certa actividade, não podemos esquecer a possibilidade destas concentrações serem antes o resultado de outros factores, como sejam a limpeza periódica, a reorganização de um sítio ou um posterior despejo. Tal poderá acontecer, refira-se, com o número considerável de mós giratórias encontradas na Plataforma Noroeste – na sua grande maioria encontradas reutilizadas nos muros ou a entaipar alguns vãos. Estas deposições secundárias, neste caso, acabam por resultar de uma perda de funcionalidade das mós. Todavia, já os pesos de tear e cossoiros, encontrados intactos no compartimento [23], mesmo que resultem de uma deposição secundária, poderão continuar a ser encarados como indicadores da actividade desenvolvida nesse espaço (neste caso, num segundo momento) – aliás, embora apareçam em grande número nas Plataformas Norte e Noroeste, já não os vamos encontrar no aterro de areia e na “lixeira”, visto que continuariam a ser considerados objectos utilitários.

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Estrutura de planta circular, com 1.5 m de diâmetro, apresentando uma câmara interior formada, em termos estratigráficos (e de cima para baixo), por um nível de barro cozido compacto, um nível de cerâmicas, um nível de seixos do rio e por uma camada de terra e lajes de xisto (Fotos 43 a 47).

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Foto 41 – Lastro de barro enegrecido no Compartimento [21].

Foto 42 – Lareira com superfície em tegulae.

Foto 43 – Aspecto do interior da estrutura de combustão (Compartimento [30]), interpretado como possível forno de pão.

Foto 44 – Pormenor da estratigrafia do Compartimento [30].

Foto 45 – Nível de cerâmicas depositadas no nível inferior do forno.

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Foto 46 – Nível de seixos no nível inferior do forno.

Foto 47 – Nível inferior do forno sobre a rocha.

Foto 48 – Pormenor da estratigrafia registada no exterior do Compartimento [30], com um nível de terra negra (com muitos carvões e cinzas) que se prolongava pela área circundante, em direcção aos Corredores [5] e [12].

Um deles prende-se com o facto de todos os vãos existentes ao longo do muro que percorre toda a Plataforma Norte – e que delimitava originalmente o corredor desactivado após a derrocada – terem sido obstruídos (Desenhos 4 e 5 – Anexo I). Se verificarmos atentamente o tipo de fecho efectuado nessas passagens, constatamos que – com a excepção de um caso, no compartimento [21] (Foto 49) – os referidos vãos foram simplesmente preenchidos com amontoados de pedras toscas e não objecto de um fecho cuidado (i.e., não foram alvo de um processo de entaipamento que deixou paredes regulares). Nesse sentido, em escavação, admitiu-se que essa acumulação de pedras nas passagens teria sido feita, logo após derrocada (e antes do depósito nivelador de areia), com o material que resultou do desbaste dos topos mais pronunciados dos muros que resisti-

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Foto 49 – Vão entaipado com parede regular no Compartimento [21].

ram (enquanto que o entaipamento do vão do compartimento [21] poderia ainda ter ocorrido antes da derrocada, em plena Fase I). Uma outra questão foi levantada pelo tipo de sequência estratigráfica observada no corredor da Plataforma Norte (corredor [17]; Fase I). A existência de um nível de terra escura, com matéria orgânica (carvões) e lajes compridas muito finas, sobre o substrato rochoso afeiçoado e por debaixo do estrato do desmoronamento (Desenhos17 e 19 – Anexo I) foi interpretada, durante a escavação, como possível abatimento de uma cobertura com madeiramentos, lajes ou colmo; a presença dessa cobertura resguardaria assim este corredor de águas pluviais (resguardando-o também do escoamento dos telhados da Plataforma Superior). Todavia, numa análise posterior, constatou-se também que havia uma clara e marcada separação entre esse estrato e o derrube da Plataforma Superior, sugerindo assim que o alegado nível de abatimento da cobertura já se encontraria inteiramente depositado antes da derrocada – num processo de derrocada conjunta, só se verificaria esta formação estratigráfica se a Plataforma Norte tivesse sido a primeira a ceder, arrastando consigo os edifícios e a cobertura deste corredor, e só depois, passado algum tempo, tivesse desabado a Plataforma Superior. Neste sentido, e uma vez que esta camada de terra escura assentava directamente sobre o substrato rochoso, parece mais credível interpretá-la como nível de circulação, regularizado pelo depósito de terra e materiais vegetais, e conceber o corredor da Plataforma Norte (Fase I) como um espaço não coberto e mais iluminado. Algumas placas de xisto, por sua vez, encontravam-se debaixo desta camada de terra escura, parecendo preencher os espaços mais baixos e vazios que se verificavam na rocha de base. Os níveis estratigráficos escavados na Plataforma Superior (Fig. 10 e Desenho 8 – Anexo I) resumiram-se àqueles não removidos aquando das escavações da década de 60. Uma das sondagens (sondagem 1) foi implantada inclusivamente no interior de um dos compartimentos do próprio edifício central (compartimento [I], segundo a identificação dos compartimentos feita por J. Wahl), como forma de escavar uma delgada parcela de terra que permanecia incólume (Foto 50). Não obs-

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tante a reduzida amplitude desta intervenção, o registo nesta sondagem revelou-se particularmente interessante, uma vez que foi possível isolar alguns contextos relacionáveis com o próprio processo de construção deste edifício central (complexos 10, 11, 21, 22 e 23).

Fig. 10 – Plataforma Superior e Sul, onde se implantou o edifício central, com indicação das áreas intervencionadas entre 1997-2002 (v. Desenho 8 – Anexo I).

Quanto às sondagens efectuadas na plataforma fronteira a este corpo central do castelo, as sequências estratigráficas observadas foram manifestamente diferentes daquelas que se identificaram mais abaixo, nas Plataformas Norte e Noroeste. Com efeito, estas sequências, pouco espessas e relativamente simples, englobaram apenas as estreitas camadas de terra situadas abaixo do nível de circulação romano – as únicas que não foram intervencionadas aquando das antigas escavações. A marcar este espaço da Plataforma Superior encontram-se vários muros que delimitam quatro compartimentos regularmente distribuídos ([Q] a [T]). O registo que efectuámos no terreno permite-nos propor para estes muros a seguinte sequência relativa de construção: os muros que definem os alinhamentos exteriores destes compartimentos, assentes sobre rocha, terão sido os primeiros a ser construídos; imediatamente a seguir, e logo após a deposição de um pequeno aterro para regularização do solo no interior desses com-

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Foto 50 – Interior do Edifício Central, no Compartimento [I] onde se realizou a sondagem 1.

partimentos13, construíram-se os muros interiores (muros esses que assentam já sobre esse nível de aterro)14. Se o corredor central poderá ser interpretado como vão de escada – possibilitaria o acesso a um primeiro andar (e indicia a existência desse piso superior), um outro possível “corredor”, identificado no interior do compartimento [Q], terá surgido já numa outra fase. E propomos este faseamento na medida em que a construção do pequeno troço de muro que o desenha vai dividir a meio um compartimento originalmente quadrangular e entaipar em parte o seu vão de acesso original. Seja como for, se este outro curto corredor corresponde também a um pequeno vão de escada, não se detecta, à partida, a ligação que possibilitaria – seria com a parte mais ocidental da Plataforma Superior? e terá sido construído após o colapso parcial dos quatro compartimentos centrais desta Plataforma15? Talvez este episódio da derrocada tivesse exigido a de-

13 Sobre este nível de aterro, identificou-se um lajeado de xisto que corresponderá ao nível de circulação – cota 126.98 / 127.02. Interessa sublinhar que este tipo de pavimentos lajeados, regulares e bem nivelados, só surge com este apuro nestes compartimentos da Plataforma Superior (Foto 51). Este tipo de construção cuidada, à semelhança do que se verifica no corpo central do castelo, merece ser funcionalmente valorizado. Todavia, não são os únicos pavimentos lajeados – existem outros, embora mais irregulares e toscos (mas também pior conservados): por ex., compl. 262, compartimento A, da Plataforma Nordeste - Fase I, delimitado pelos muros 143, 144, 145; três compartimentos, 26, 27 e 28, Fase III, da Plataforma NO inferior; compartimentos 23, 21, 20, 25 e 31, Fase I, da Plataforma Norte (Desenhos 4, 10 e 12 – Anexo I). 14 Se assim for, e ainda que se possa observar uma cronologia relativa na construção dos muros (primeiro foram construídos os muros exteriores, estruturantes, e depois os interiores, divisórios), não nos parece ajustado distinguir duas fases, uma vez que se trata de processos sucessivos e quase simultâneos, i.e., integram-se ambos numa mesma fase construtiva (à qual surge também associado o piso lajeado). 15 Também não se percebe qual a função do muro maciço, largo e alto, que delimita este curto corredor a oeste e encosta à fachada norte do corpo central do castelo. Com efeito, este paredão fecha o corredor de circulação em torno do edifício central, impedindo ou dificultando o acesso directo à parte mais ocidental da Plataforma Superior – terá sido construído após a derrocada, com o intuito de fechar a passagem para uma zona já não ocupada e que apresentava também sinais de instabilidade? Depois há um outro muro, que parte desse maciço em direcção à Plataforma Norte, cuja função também desconhecemos. De qualquer forma, face à configuração particular destas duas estruturas e ao facto de uma delas assentar sobre o muro oeste do compartimento [Q], não pode ser descartada por completo a hipótese destas estruturas corresponderem a um acrescento levado a cabo numa fase indeterminada. Não terão inclusivamente sido montadas durante as escavações do Afonso do Paço como forma de facilitar o escoamento das terras? – o “corredor “ que estas formam encaminha-se para a sondagem 30, lugar de despejo de terras dessas escavações, onde estas atingem quase 6 m de altura e se encontram em plano inclinado! Mas parece ser mais credível pensar que A. Paço e B. Leal tenham utilizado uma estrutura romana que lhes proporcionava conveniente plataforma para despejar as terras da escavação. Aliás, talvez esta última hipótese possa ser corroborada pelo facto deste muro aparecer representado na planta (das estruturas arqueológicas) que A. Paço e B. Leal publicam (Desenho 2 – Anexo I).

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Foto 51 – Pavimento lajeado regular na sondagem 3 (Compartimento [R] de J. Wahl).

finição de um novo acesso à parte mais ocidental da Plataforma Superior, uma vez que esta não mostra claros sinais de aluimento, tendo assim continuado a ser utilizada até à fase final de ocupação do Castelo da Lousa16. A fase seguinte é iniciada com o desmoronamento e caracteriza-se pela perda de funcionalidade e abandono das áreas cobertas existentes nesta plataforma17. A queda de parte das construções fez-se para cima da área edificada da Plataforma Norte (na estratigrafia desta observa-se o respectivo nível de derrube) (Desenhos 17 e 18 – Anexo I). Na Plataforma Noroeste Inferior, para a época romana, foi possível definir 4 fases com base no modo como se organizava a sequência estratigráfica e se relacionavam as estruturas (Fig. 11, Desenhos 10 e 11 – Anexo I) (Fotos 52 e 53).

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Aliás, em termos estratigráficos, convém referir que os níveis vinculados à derrocada da Plataforma Superior coincidem com as sondagens 23 e 28, i.e., iniciam-se já numa zona de transição para a Plataforma Norte, junto à “lixeira”.

17 Em termos estratigráficos, e nesta Plataforma em particular, não temos os níveis de destruição associados a esta derrocada, nem tão pouco os níveis de ocupação dos compartimentos, uma vez que as escavações de Afonso do Paço avançaram até atingir o piso lajeado dos compartimentos (a derrocada é denunciada tanto pelo corte abrupto que existe na rocha base da Plataforma, como pela disposição dos níveis de derrube identificados mais abaixo, no corredor da Plataforma Norte).

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Fig. 11 – Planta esquemática das estruturas registadas na Plataforma Noroeste Inferior (V. Desenho 11 – Anexo I).

Sobre uma fase aparentemente pré-histórica, caracterizada por níveis estratigráficos com escassas cerâmicas manuais e materiais líticos de cronologia incerta, foi identificado o resto de uma estrutura (Fase I: será que esta poderá documentar, como vimos antes, o “estaleiro da obra”? ou documentará antes uma outra ocupação que antecedeu a construção do castelo?) que foi arrasada aquando da construção do plano edificado da Fase II. Este novo plano caracteriza-se já por alguma regularidade dos compartimentos e pela presença de um possível forno de louça doméstica18. O plano correspondente à Fase II foi totalmente abandonado, tendo dado lugar a um outro (Fase III), definido por novos compartimentos ainda mais regulares (que se sobrepõem aos da Fase II) (Fotos 54 a 56).

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Este forno (compartimento [35]) apresenta uma planta sub-circular, c. 1.5 m de diâmetro, dividida internamente, ao centro, por um troço de muro recto. No interior do forno observavam-se restos de combustão e uma camada de seixos revolvidos. Esta estrutura terá sido igualmente abandonada, uma vez que se encontra parcialmente coberta por um pavimento lajeado associado à Fase III. A ser assim, este forno teria apenas funcionado durante a primeira etapa de ocupação do castelo; e corrobora ainda, por sua vez, o próprio fabrico local de cerâmica comum.

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Foto 52 – Localização da Plataforma Noroeste Inferior, junto à margem do rio Guadiana.

Comp. 26

Comp. 28

Foto 53 – Vista geral das estruturas mais próximas do Barranco dos Galmeirões, a Sul dos Compartimentos [26], [27] e [28] (Plataforma Noroeste Inferior).

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Foto 54 – Compartimentos [26], [27] e [28], integrados no plano edificado da Fase III (Plataforma Noroeste Inferior).

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Estrutura de um lagar (torcular) Fase III / Comp. 28

Foto 55 – Compartimentos [26], [27] e [28], da Fase III, sendo visível por baixo o Compartimento [34] da Fase II (Plataforma Noroeste Inferior).

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Muro Fase I, sobreposto pelas Fases II e III

Foto 56 – Compartimentos [26], [27] e [28] (Fase III), sendo visível por baixo o Compartimento [34] (Fase II) e uma estrutura da Fase I (Plataforma Noroeste Inferior).

É possível que a área construída desta nova fase (Fase III) se estendesse para a Plataforma Norte Inferior, uma vez que todas as sondagens aí abertas acima da cota 111m (inclusive) mostraram estruturas (Fig. 8 e Desenho 1 – Anexo I)19. Nesta Fase III integra-se também a estrutura de um lagar (torcular), tendo ainda sido nela identificada uma “caixa” formada por lajes de xisto, uma grande mó e o fundo de dolium in situ (Fotos 57 a 59). Da Fase IV restam poucos troços de muro. Na verdade, a esta fase apenas se pode associar inequivocamente um muro, o qual assenta sobre os da Fase III20 (fica também por saber se o registo desta última fase coexistiu com o da Fase III ou implicou o abandono total ou parcial desta). É esta, portanto, a sequência genérica de ocupações (cronologia relativa) que definimos para esta plataforma. Mas este faseamento carece de cronologias absolutas que só podem resultar da análise dos materiais. Abordaremos esta questão mais adiante. Por agora, convirá desde já referir que as Fases II e III desta plataforma serão possivelmente coetâneas (respectivamente) das Fases I e II da Plataforma Norte e Noroeste. As sequências estratigráficas nesta Plataforma Noroeste Inferior merecem ainda mais alguns comentários. Desde logo, os níveis que incluímos genericamente num período “pré-histórico” apenas foram identificados no interior do compartimento [26], uma vez que só aí foi possível escavar na íntegra, até ao substrato rochoso, toda a espessa camada de sedimentos. Aqui distinguiram-se dois níveis (complexos 1133

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A ser assim, podemos imaginar uma outra cintura de construções em torno do Castelo da Lousa, estabelecendo a ligação entre as Plataformas Noroeste Inferior e Nordeste. Se imaginarmos todas as plataformas em redor do edifício central, e acima da cota dos 110 m (limite provável da área edificada), como áreas construídas, então teríamos um lugar povoado com cerca 5.500 m2 (e um perímetro da área edificada em torno dos 380 m; refira-se ainda que o total da área escavada, com estruturas, ronda os 2.500m2).

20 Neste caso específico, e em termos estratigráficos, observou-se que o troço de muro da Fase IV assentava sobre uma estreita camada de terra que se sobrepunha, por sua vez, às estruturas da Fase III (Foto 60).

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Foto 57 – Estrutura de um lagar (Torcular, in situ), no Compartimento [28] (Fase III).

Foto 58 – No espaço de lagar (Compartimento [28]) da Fase III regista-se uma grande mó e o fundo de dolium in situ.

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Foto 59 – Pormenor do fundo de dolium in situ.

Foto 60 – Pormenor de muro da Fase IV sobre outro da Fase III.

e 1139) que continham algum material lítico (lascas em quartzito, algumas delas retocadas - Cap. 7.10) e escassos fragmentos informes de cerâmica comum feita manualmente. Registe-se ainda que sobre estes níveis (concretamente sobre o complexo 1133) assentavam directamente os níveis associados à Fase I, sem qualquer camada de permeio. Depois, valerá ainda a pena sublinhar as distintas orientações que apresentam os compartimentos das Fases II e III e a relação de sobreposição directa que se verifica entre vários troços de muros dessas fases, atestando, de modo inequívoco, o abandono da Fase II aquando da construção da Fase III (à semelhança, aliás, do que já se verificara para as Fases I e II). Por último, o único resto de pavimento observado na Fase II parece corresponder a um piso térreo, barrento e compacto, enquanto que, na Fase III, o pavimento dos compartimentos seria lajeado21. Há depois ainda uma outra questão, levantada pela análise geoarqueológica, que tem também implicações ao nível da interpretação arqueológica das sequências estratigráficas desta plataforma: na sondagem 66, no interior do denominado compartimento [26], foi observada uma sucessão estratigráfica com características que correspondem às fácies laterais de preenchimento de paleocanais – i.e., na antiguidade,

21 A observação dos muros nas sondagens 61 e 65, que incluímos numa fase indeterminada, resultou apenas de uma decapagem superficial do terreno. Quanto aos muros da sondagem 63, que assentavam no substrato rochoso, estes também não foram incluídos em nenhuma fase específica na medida em que se apresentaram sem contexto estratigráfico associado. Em escavação, face às características destes últimos muros e à sua localização, aventou-se mesmo a possibilidade destes troços corresponderem aos limites de um caminho de pé posto, com degraus escavados na rocha, o qual se dirigia para uma passagem que possibilitava a travessia do barranco dos Galmeirões. Aliás, na margem oposta desse barranco, e acompanhando a meia encosta esse curso de água, era possível observar claramente um caminho formado por grandes lajes de xisto, enquadrado pela rocha talhada ou mesmo por muretes (Fotos 61 e 62).

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o Barranco dos Galmeirões possuía um traçado mais recto que o actual, correndo também pelo local onde, após o desvio do seu curso, se construirão algumas das estruturas romanas desta plataforma (Cap. 8). Uma primeira observação estratigráfica permite assegurar que essa mudança de curso se fez antes da construção dos muros da Fase III e que tal aconteceu, muito provavelmente, durante o período de ocupação romana do sítio. Neste sentido, poderíamos aventar a seguinte hipótese: a causa que ditou a avulsão do Barranco dos Galmeirões ditou também o colapso das Plataformas Norte e Superior – i.e., o desvio do barranco e o colapso de parte do castelo seriam deste modo processos simultâneos, e com uma possível causa comum. Contudo, uma análise estratigráfica mais fina parece antes apontar noutro sentido, tornando esta outra hipótese aparentemente mais credível: quando o castelo foi construído (nomeadamente a Fase II desta Plataforma) já o referido barranco tinha mudado o seu curso, circunscrevendo-se ao meandro que hoje apresenta (antes da sua desembocadura no Guadiana); ao mesmo tempo, parece igualmente provável equacionar uma simultaneidade entre a Fase I e o anterior curso desse barranco – o que, a ser assim, contrariaria a hipótese “estaleiro” do castelo (= Fase I), com uma ocupação muito curta, e reforçaria aquela outra que correlaciona essa mesma Fase I com uma época imediatamente anterior à construção do castelo. A este respeito, porém, a parcialidade das observações estratigráficas não permite dissipar totalmente as dúvidas.

Foto 61 – Caminho ao longo do Barranco dos Galmeirões.

Foto 62 – Pormenor do caminho na margem do Barranco dos Galmeirões.

A magra potência estratigráfica observada na Plataforma Nordeste, cujos efeitos se manifestavam desde logo no estado de avançada ruína dos muros, tornou o registo em escavação particularmente difícil. Mesmo assim, nesta Plataforma Nordeste, foi possível identificar duas fases construtivas (Fig. 12 e Desenhos 12 e 13 – Anexo I) (Fotos 63 e 64). Na primeira Fase, os muros assentavam directamente sobre a rocha (Fotos 65 e 66). Uma das estruturas desta fase, de planta circular, parece corresponder a um forno (Fotos 67 a 70)22. Na segunda fase, os muros assentavam sobre o nível de destruição e abandono da Fase I ou mesmo sobre um lajeado (pavimento) associado a essa fase anterior (Fotos 65 e 66). De qualquer forma, coloca-se sempre a hipótese de alguns muros construídos no quadro da referida Fase I (e, designadamente, a estrutura interpretada como forno) poderem continuar funcionais ou activos depois da construção da Fase II. Uma

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Trata-se de uma estrutura circular, com c. 2 m de diâmetro, apresentando uma câmara interior formada, em termos estratigráficos (e de cima para baixo), por um nível de barro cozido compacto, um nível de seixos do rio, um nível de barro envolvendo fragmentos cerâmicos e por um nível de terra e pequenas lajes de xisto (compartimento [36]) (Desenho 12 – Anexo I). Refira-se que a estrutura interna deste forno mostra algumas similitudes com aquela que evidencia o forno identificado na Plataforma Noroeste (compartimento [30]). Há, porém, algumas variações: neste forno, por exemplo, a superfície da câmara situa-se a pouco mais de 20 cm acima do substrato rochoso, enquanto que, no forno da plataforma NO, a diferença de cota anda em torno dos 60 cm. No exterior deste compartimento [36] observou-se também uma camada de cinzas e carvões.

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Foto 63 – Vista geral da Plataforma Nordeste no início dos trabalhos.

Foto 64 – Plataforma Nordeste após a conclusão da escavação.

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outra parede (associada a um nível de circulação lajeado), identificada imediatamente a sudoeste deste complexo de estruturas, surgia claramente como um muro de contenção, nivelando e vencendo assim a inclinação do terreno.

Fig. 12 – Planta esquemática das estruturas registadas na Plataforma Nordeste (V. Desenho 13 – Anexo I).

Uma terceira fase engloba um conjunto de seis sepulturas de inumação (Cap. 10), sem qualquer espólio associado (Desenho 14 – Anexo I) (Foto 71). Estas foram escavadas na rocha e abertas, aparentemente, a partir dos níveis de abandono da Fase II, cortando todos os níveis estratigráficos (bem visível sobretudo nas sepulturas A e E); algumas sepulturas encostavam aos muros.

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Foto 65 – Pormenor da sobreposição de duas fases construtivas, na Plataforma Nordeste.

Foto 66 – Sobreposição de duas fases construtivas, na Plataforma Nordeste.

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Foto 67 – Aspecto inicial da estrutura de combustão – Compartimento [36].

Foto 68 – Perfil interior da estrutura de combustão – Compartimento [36].

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Foto 69 – Nível de seixos registado na estratigrafia interna da câmara - Compartimento [36].

Foto 70 – Aspecto final do Compartimento [36], construído sobre a rocha.

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Foto 71 – Enterramento 1 (Sepultura A) deposto junto a uma estrutura.

Um enterramento foi datado do séc. XIII-XIV – pelo método do AMS. Esta datação, contudo, suscita algumas reservas: desde logo, face ao carácter diminuto e muito fragmentado do fémur utilizado na análise (Cap. 10); depois, apesar das estruturas identificadas nesta plataforma apresentarem características mais toscas e frágeis, não se distinguiu em escavação qualquer tipo de material arqueológico que possa ser inequivocamente atribuído a essa época (embora Afonso do Paço e Bação Leal digam ter encontrado “cerâmicas medievais” no interior do corpo central do castelo; 1966: 181). Todavia, uma ocupação pontual durante a época medieval do Castelo da Lousa em geral, e desta plataforma em particular, pode ser admitida. Talvez esta presença acabe por explicar a menor qualidade construtiva que os muros desta plataforma (sobretudo da referida Fase II) apresentam. É certo que não se identificou qualquer tipo de material que pudesse ser claramente inscrito nessa época – mas será que existem residualmente e, devido à ausência de particulares características distintivas, não os soubemos identificar? Ou será que este lugar não passaria de uma modesta necrópole medieval, vinculada a uma pequena quinta das redondezas, na qual os materiais de adorno e utilitários estariam praticamente ausentes? Estas dúvidas devem ser colocadas, até porque também nos parece difícil integrar as inumações observadas no con-

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texto de ocupação romana do castelo. Deve assim manter-se em aberto a possibilidade do castelo ter conhecido uma curta ocupação no decurso dos tempos medievos. Aliás, vestígios manifestamente residuais, corporizados apenas por cinco fragmentos de potes e alguidares hipoteticamente medievais (recolhidos em níveis de abandono e de pós abandono da Plataforma Noroeste), poderão denunciá-la (Cap. 7.6). Seja como for, se colocarmos em causa uma ocupação do lugar num período muito posterior, as particulares feições que apresentam as estruturas nessa plataforma (muros mais toscos, sobretudo os da segunda fase) e a própria história de ocupação do Castelo da Lousa, não podem deixar de nos levar a colocar uma outra hipótese: não será que esta construção menos cuidada (distinguindo-se daquela que se observa nas outras plataformas) poderá resultar de um processo de construção apressado, posterior à derrocada, de uma área destinada a servir de arrumações ou a alojar aquelas pessoas que tinham então ficado sem tecto – área construída essa que acabou por ter uma curta ocupação no tempo (uma vez que passados poucos anos o sítio terá sido desocupado por completo)? Um indicador de ordem cronológica, como veremos, parece também legitimar esta hipótese. Todas as sondagens abertas na Plataforma Norte inferior acima da cota 111.00 m (inclusive) mostraram troços de muro (Fig. 8 e Desenho 1 – Anexo I). Assim, a área edificada da ocupação romana também poderia ocupar toda essa plataforma, unindo a Plataforma Noroeste Inferior à Nordeste. Deste modo, o Castelo da Lousa apresentaria uma área construída considerável, podendo mesmo totalizar cerca de 0,5 hectare. Nas sondagens desta plataforma só foi possível definir os topos dos muros e escavar os níveis de destruição e abandono – e alguns destes níveis poderão ainda corresponder ao colapso da Plataforma Norte (Fotos 72 e 73). Ao mesmo tempo, algumas camadas de areia existentes à superfície pareciam corresponder a níveis de cheias (sobretudo visíveis na sondagem 44, na transição para a Plataforma Nordeste). Na sondagem 45, mais próxima do leito do rio, e abaixo da cota dos 110 m, foi claramente identificado um nível com materiais pré-históricos (Desenho 32 – Anexo I): sobretudo lascas de quartzito, mas também uma raspadeira em quartzo, uma lasca em sílex e alguns termoclastos (Cap. 7.10). Não obstante ser admissível enquadrar estes materiais no Holocénico Antigo ou Médio (registe-se que a cerâmica está ausente), as características destes materiais não permitem uma integração cronológica segura – tratar-se-á, contudo, de um nível depositado antes de 6350+-390 (data OSL – CDL.1, funciona aqui como terminus ante quem) (Cap. 7.10 e 8).

Foto 72 – Construções sobrepostas por derrubes, na Plataforma Norte Inferior (Sondagem 74).

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Foto 73 – Estruturas registadas após a remoção dos derrubes, na Plataforma Norte Inferior (Sondagem 74).

Uma vez que os edifícios da Plataforma Norte (e Superior) desabaram sobre esta área, parece-nos provável o abandono definitivo de parte desta Plataforma ainda em fase de ocupação do castelo (i.e., coincidindo com o final da Fase I das Plataformas Norte e Noroeste).

Foto 74 – Derrube provável da fachada sul do Edifício Central.

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Na Plataforma Sul (Fig. 10), por último, as sondagens efectuadas permitiram apenas constatar a existência de alguns níveis de destruição, aparentemente da fachada sul do edifício central, assentes directamente sobre o substrato rochoso (Fotos 74 e 75). Esta rocha base encontrava-se talhada, afeiçoada, sem vestígios – nem sequer em negativo – de qualquer tipo de estrutura. Quando muito, certos rasgos paralelos e transversais pareciam testemunhar o corte e extracção de pedra em época romana (Foto 76). Por sua vez, alguns dos derrubes identificados, sem materiais associados, parecem ter ocorrido já numa fase muito posterior ao abandono do Castelo da Lousa (e mesmo em tempos relativamente recentes). Acrescente-se ainda que esta área mostrava também indícios de remoção de terras em época contemporânea.

Foto 75 – Pormenor do provável derrube da fachada sul do Edifício Central.

Foto 76 – Rasgos paralelos e transversais de provável corte e extracção de pedra em época romana.

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Mais a sul, no topo do primeiro cabeço que confronta com o esporão onde se ergueu o edifício romano, e onde Jürgen Wahl (1985: 151, Lâm. 18b, 32) assinalava a existência de uma muralha, a intervenção efectuada permitiu identificar, aflorando à superfície, o alinhamento da face de um muro em pedra seca, muito destruído, e de cronologia indeterminada (sem materiais associados). Admitimos, porém, que este muro seja contemporâneo do Castelo da Lousa e podemos mesmo interpretá-lo como uma possível cerca, mas desprovida de carácter defensivo23. 2. CRONOLOGIAS A cronologia do Castelo da Lousa constituiu sempre um aspecto central do nosso estudo. A necessidade de esclarecer esta questão foi também sempre entendida, desde o início, como essencial para a clarificação da própria natureza do sítio. Após se terem estabelecido a cronologia relativa das sequências estratigráficas e determinado as diferentes fases em que estas se inscrevem, procurou-se dotar esse mesmo faseamento de uma outra dimensão cronológica, de maneira a podermos inscrever no tempo, do modo mais preciso possível, tanto o processo original de construção do sítio, como de outros prováveis momentos de reorganização construtiva do espaço, até à data do seu abandono definitivo em época romana. Para o efeito, foi levado a cabo todo um processo analítico que teve por base essencialmente os seguintes passos: apuramento de todos os complexos de construção, ocupação e destruição com uma interpretação considerada segura; registo de todos os materiais datáveis recolhidos nesses complexos; selecção dos materiais com uma cronologia de fabrico mais recente em cada complexo e em cada fase. Neste processo foram ainda tomados em consideração os seguintes aspectos: verificou-se, na medida do possível, se esses materiais datáveis poderiam ser considerados materiais residuais, intrusivos ou coetâneos à formação do complexo estratigráfico; foi considerado que todos os materiais apresentam uma cronologia de utilização – mais ou menos alargada – até serem abandonados, e cuja amplitude poderá variar consoante o tipo de material; procurou-se propor datações para grupos de complexos que consubstanciam uma determinada actividade (construção de …) ou que se inscrevam todos, seguramente, num momento particular de uma determinada fase (ocupação da Fase …), tendo ainda em consideração, para o efeito, as datações atribuídas aos outros grupos de complexos que os precedem ou sucedem na sequência estratigráfica. Assim sendo, e procedendo-se a uma análise inicial individualizada para cada uma das plataformas, foram reunidos os dados e retiradas as conclusões que – evitando situações de opacidade analítica – em seguida procuraremos explicitar: Plataforma Superior No edifício central do castelo procurámos identificar os materiais datáveis presentes nos respectivos complexos de construção (seguros): complexos 10, 11, 21, 22 e 23.

23 A este propósito, no relatório das escavações de 1969 (p. 7-8), assinado por Joaquim Bação Leal e Manuel Farinha dos Santos, pode ler-se o seguinte: “No pequeno cabeço fronteiro à muralha sul começou a limpeza do que parece ser uma primeira linha de muros, quase toda destruída e onde se observam as pedras afeiçoadas, num aparelho sem argamassa, ao longo de umas dezenas de metros. É possível que se tratasse de uma linha de defesa do lado mais acessível e menos protegido, como complemento do possível fosso existente em frente à muralha sul. (…) A altura desta estrutura regula entre 30 e 40 cm e não excede meio metro de largura. Não apareceram, até agora, quaisquer peças arqueológicas nesta área.” Quanto ao provável “fosso” mencionado na passagem que acabámos de transcrever, deveremos referir que no decurso das nossas escavações – na parte sul do castelo – não descortinámos qualquer indício da sua presença.

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Apenas o complexo 11, pertencente à sondagem 1 (a única localizada no interior do próprio edifício central), forneceu materiais que podem ser utilizados como índices cronológicos. E neste complexo apenas há a registar, como material mais significativo, dois fragmentos de cerâmica campaniense B-óide (F 2250-80). Tal significa, pelo menos, que quando construíram o corpo central do castelo já circulava esta produção de B-óide ou do “círculo da B”. Datações mais precisas, porém, tornam-se difíceis, uma vez que os fragmentos em causa correspondem apenas a paredes e de uma forma (Lamb. 5/7) que acompanha toda a produção destes fabricos de campaniense (desde o 1.º quartel do séc. II a.C. até 40/30 a.C.). No entanto, como esta produção (e esta forma em particular) parece ser mais habitual, em contextos da Lusitânia, durante as décadas de 70 a 40 a.C., poderemos equacionar para o complexo 11 – e para o processo de construção da Castelo da Lousa – uma cronologia de depósito inscrita em meados do séc. I a.C. Trata-se, porém, apenas de uma hipótese: a cronologia tanto pode ser ainda mais recuada, documentando as campanienses em análise a produção mais antiga de B-óides, como pode ser inclusivamente mais recente, entrando pela 1.ª metade do séc. I a.C., contando com um tempo mais alargado de circulação destas B-óides, até serem abandonadas e depositadas nos níveis de construção do edifício central. Contudo, à partida, parece-nos ser maior a probabilidade destas campanienses terem sido inutilizadas e depositadas no complexo 11 precisamente durante aquele espaço de tempo em que circulariam com mais abundância (i.e., 80/70-40 a.C.). Neste caso, estes dois fragmentos seriam considerados materiais coetâneos à formação do complexo e, por conseguinte, do próprio edifício central do castelo. Não seriam considerados, portanto, nem materiais residuais, com uma cronologia de fabrico muito anterior à formação do complexo (o facto de aparecerem logo duas campanienses, num conjunto de escassos materiais encontrados nestes complexos, também o sugere), nem tão pouco materiais intrusivos. Por sua vez, se a cronologia de depósito destes complexos (e de construção do edifício central) fosse claramente posterior a meados do séc. I a.C., aumentaria igualmente a probabilidade de se encontrarem outros materiais (e estes, de facto, não aparecem, surgindo depois com abundância nos níveis de plena ocupação do sítio). Nos compartimentos do chamado Sector 2 (situados na Plataforma Superior voltada ao rio e em frente ao edifício central) procurou-se identificar os materiais datáveis existentes nas UEs de construção da Fase I, ou seja, que compõem um nível de aterro depositado sobre a rocha para nivelar o terreno e colocar o piso em lajes (UEs seladas pelo lajeado): UE 4 do compartimento [S]24; UE 3 e 4 do corredor entre os compartimentos [R] e [S]; UE 2 do compartimento [R]; UE 2 do compartimento [Q]; UE 2 do compartimento [Q] (Desenho 8 – Anexo I). Nestes contextos estratigráficos apenas surge uma peça (na UE 2, compartimento 4) que poderá fornecer uma indicação cronológica mais antiga, embora esta seja muito vaga e não constitua um índice firme de datação das estruturas. Trata-se de um pote pintado com bandas vermelhas, com uma pasta muito bem cozida, que inicialmente julgámos pré-romano (Fig. 13, peça nº 3). Neste sentido, esta peça (assim como algumas outras surgidas na Plataforma Noroeste) poderia denunciar apenas que, no momento de construção das estruturas desta plataforma superior (muito provavelmente no mesmo momento da construção do edifício central), algumas das cerâmicas – inutilizadas – que circulavam então pelo local seriam ainda de uma provável ocupação anterior, alegadamente pré-romana (assim sendo, e neste contexto estratigráfico, esta peça corresponderia a um material residual). No entanto, o achado de um fragmento desta cerâmica de bandas, e deste fabrico específico, com caracteres latinos grafitados, coloca esta produção já em ambientes “romanizados”. Dito de outra forma, mesmo este tipo de fabrico será já coetâneo da construção do Castelo da Lousa, ou seja, documentará o tipo de cerâmica comum de tradição indígena ainda utilizado, pelo menos, até meados do séc. I a.C. Seja como for, a ausência de outros materiais datáveis, que começam

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Para identificarmos os compartimentos desta Plataforma Superior mantemos a ordenação alfabética atribuída por J. Wahl (1985).

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a circular com abundância no decurso da 2.ª metade do séc. I a.C., não deixará de ser sintomática da cronologia mais recuada desse contexto estratigráfico. Plataforma Norte Nesta plataforma começou-se por procurar identificar os materiais datáveis recolhidos nos complexos de construção da designada Fase I: complexos 1021, 1022, 1029 e 1032 (e 1000, na ligação com a Plataforma Noroeste). Apenas no complexo 1021, sondagem 36, foi registado um material com alguma relevância em termos cronológicos: um fragmento de cerâmica de paredes finas da Etrúria, tipo Atlante 2/249, datado de Augusto25. Na medida em que se trata de um complexo relacionado com a construção da Fase I (enchimento de regularização do terreno para assentamento do pavimento), seríamos tentados a pensar que, perante este achado (funcionando como terminus post quem), esta primeira fase dataria já da época de Augusto. Contudo, dado o seu local específico de recolha (no topo do estrato), existe uma forte probabilidade deste achado – único / isolado – ser resultante de uma intrusão ou então pertencer antes a um dos complexos que assentavam directamente sobre o 1021 (por exemplo, complexos 1015 e 1045 = ocupação / destruição Fase I, ou o aterro de areia 1048 = construção da Fase II26). Assim sendo, julgamos não ser prudente (nem tão pouco minimamente suficiente) tomar este fragmento de cerâmica de paredes finas como um indicador cronológico seguro para datar a fase construtiva inicial desta plataforma (supostamente contemporânea da construção do corpo central do castelo). De qualquer forma, não deixará também de ser sintomática a ausência de outros materiais datáveis (à semelhança do que se verificou na Plataforma Superior) nestes contextos estratigráficos iniciais. A transição da Fase I para a Fase II, marcada pelo grande desmoronamento, terá ocorrido num momento em que já circulava sigilata – provam-no os fragmentos recolhidos em níveis de ocupação da Fase I desta plataforma e nos níveis de destruição decorrentes do desabamento da Plataforma Superior (estes níveis de destruição transportaram consigo os materiais já em circulação – e abandonados – quando o desmoronamento ocorreu). Todavia, dado o escasso número de fragmentos de sigilata encontrados nesses níveis (2 em níveis de ocupação e, pelo menos, 2 em níveis de destruição seguros dessa Fase I – recorde-se que no total, em todo o Castelo da Lousa, recolheram-se quase duas centenas), parece-nos que tal poderá denunciar a ocorrência deste marcante acontecimento num período ainda relativamente inicial de circulação de sigilata no local. É possível, como procurámos justificar anteriormente (expondo integralmente os dados colhidos), que este momento se situe nos primeiros anos da última década do séc. I a.C. Ora, se o Castelo da Lousa foi desocupado, quando muito, na primeira década do séc. I d.C., não terão passado muitos anos entre esta derrocada e o abandono definitivo do sítio. Plataforma Noroeste Depois de individualizados os complexos de construção seguros das estruturas desta plataforma – complexos 433, 452, 506, 536, 544, 545, 600, 601, 785 e 786 – procurou-se identificar os materiais datáveis aí recolhidos.

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Algumas peças de cerâmica comum poderiam ainda ser referenciadas – complexo 1021: um prato muito grosseiro, fabricado manualmente ou a torno lento; complexo 1022: uma tigela de pasta calcária e cozedura redutora, certamente importação bética e talvez pré-imperial; 1032: um fragmento de pança decorado com grinaldas roletadas, eventualmente de meados do séc. I a.C. Contudo, embora este pequeno conjunto, conjugado com a ausência de outros materiais imperiais, pareça revelar um certo “arcaísmo”, as peças referidas não podem ser tomadas como índices cronológicos precisos e seguros.

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Neste complexo 1048, aliás, foi recolhido um outro fragmento da mesma peça de cerâmica de paredes finas, tipo Atlante 2/249.

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No entanto, em toda esta Plataforma, em níveis de construção, só se recolheram materiais datáveis no complexo 452 (nível de construção seguro do compartimento 4 – terras depositadas para regularização e assentamento do pavimento): um fragmento de ânfora Haltern 70 (c. 60/50 a.C. – c. 70 d.C.); um fragmento de cerâmica comum itálica, da forma Aguarod 6 (prato de bordo bífido) (o mais antigo do castelo), com uma produção atestada no séc. II a.C., mas que perdura no séc. I a.C.; e dois fragmentos informes de sigilata de tipo itálico. Ora perante estes materiais, e concretamente face ao aparecimento de sigilata (surge aqui como terminus post quem) no interior do complexo 452 (registe-se que, neste caso, parece diminuta a possibilidade de intrusão ou de contextualização incorrecta destas sigilatas), poderemos propor para este processo de construção uma inscrição já em época de Augusto, mais concretamente na penúltima ou última década do séc. I a.C. Contudo, uma vez que se trata da Plataforma Noroeste, e perante a comprovada ausência de sigilata noutros níveis de construção inicial do castelo, poderá afirmar-se que estas sigilatas terão antes surgido num complexo associado ao momento de arranjo ou reformulação deste espaço, pós derrocada (reformulação profunda, como vimos, que também incidiu nos compartimentos 3 e 4). Em suma, face a estes materiais, é provável que o complexo 452 seja antes resultado de uma construção (ou remodelação) do compartimento 4, desencadeada na sequência do deslizamento em massa das plataformas Superior e Norte e levada a cabo como forma de prolongar um pouco para oeste o espaço construído. Neste sentido, não será acertado associar este complexo 452 (e os respectivos materiais) ao processo de construção inicial do castelo – deverá antes vincular-se ao processo de requalificação da Plataforma Noroeste. Plataforma Noroeste Inferior Nesta plataforma isolaram-se alguns complexos (de interpretação segura) das diferentes fases e procurou-se depois identificar os materiais datáveis aí recolhidos: Fase “Pré-romana” (?) – complexos 1133, 1139. Fase I – construção / ocupação: 1140; abandono / destruição: 1123, 1124; abandono da Fase I / construção da Fase 2: 1109, 1110, 1112. Fase II – construção: 1129, 1131, 1143, 1144; ocupação: 1113; abandono / destruição: 1118, 1127, 1128; abandono da Fase II / construção da Fase III: 1101, 1102, 1103, 1104, 1122, 1137. Fase III – construção / ocupação: 1142, 1100, 1130; ocupação: 1092, 1098, 1114, 1121, 1141, 1138; destruição / abandono: 1066, 1079, 1081, 1086, 1099, 1115, 1126, 1132; destruição da Fase III / construção da Fase IV: 1111. Fase IV – construção: 1125. Começando pela dita Fase “Pré-romana”, caracterizada sobretudo pelo achado de escassas cerâmicas manuais e de alguns materiais líticos, merece particular referência o facto de se ter recolhido, no complexo 1133, uma cerâmica campaniense B-óide (F 2257), cuja produção se situará ainda na segunda metade do séc. II a.C. (Fig. 13, peça nº 6). Uma vez que este complexo 1133 poderá corresponder a um nível de transição para a Fase I, e na ausência de materiais datáveis nos níveis de construção da Fase I, parece-nos possível admitir que, face à cronologia desta campaniense e partindo do princípio que esta peça é coetânea à formação do complexo, essa transição se processou nos finais do séc. II a.C. Se olharmos agora exclusivamente para o conjunto de peças encontradas nos níveis estratigráficos que antecedem os muros em pedra (integráveis na “Fase I”), não se encontra um indicador seguro que nos permita precisar cronologias. Embora de cronologia incerta, os materiais (líticos e cerâmicas manuais) identificados apontam para uma data bem recuada (algures na Pré-história recente), sugerindo claramente uma remota ocupação do local, muito anterior à construção do que designamos por castelo. Com efeito, uma ocupação pré-histórica deste lugar na margem esquerda do Guadiana parece poder equacionar-se como muito provável, não obstante esta ter sido em grande parte apagada pela activa ocupa-

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ção romana posterior27. Já uma expressiva ocupação do final da Idade do Ferro, anterior à instalação romana, não encontra uma base material sólida que a suporte, embora tenham sido encontradas avulsamente algumas peças que, a este propósito, poderiam ser chamadas à colação. Estas, todavia, para além de residuais, não constituem índices cronológicos seguros: uma delas corresponde a um fragmento de alabastron – este tipo de peça começa a observar-se em contextos de finais do séc. III a.C., mas a sua cronologia de produção pode prolongar-se até meados do séc. I a.C. (Fig. 13, peça nº 2); outra foi classificada como cerâmica ática (Skyphos, Lamb. 42, F 4370/80) (Fig. 13, peça nº 1), com uma cronologia de produção inscrita genericamente no séc. V a.C. – este skyphos ático de tipo B, a menos que o interpretemos como uma peça herdada (não obstante esta ser também uma hipótese que suscita fundadas reservas), dificilmente se poderá encaixar em contextos de utilização do séc. I a.C. ou mesmo do séc. II a.C.; depois, foram recolhidas três fíbulas anulares hispânicas, cujo espectro cronológico habitual se estende desde o séc. V a meados do séc. I a.C. e parte de um torques em prata, datável do séc. II ou da primeira metade do séc. I a.C.; seja como for, estas peças não se encontraram associadas a contextos estratigráficos primários (surgiram descontextualizadas, algumas em níveis de pós-abandono, nas Plataforma Noroeste Inferior e Noroeste (Cap. 7.9). Não queremos com isto afirmar que o Castelo da Lousa se instalou num lugar vazio de povoamento. Algumas peças, como a cerâmica campaniense A, achada no complexo 1133, e a própria sequência estratigráfica nesta plataforma Noroeste Inferior, sugerem uma ocupação deste lugar numa fase imediatamente anterior à edificação deste complexo construtivo. Mesmo o achado de diversos materiais – ainda que informes e de cronologia incerta – nos níveis mais antigos de construção do castelo, poderá querer denunciar uma ocupação do lugar imediatamente anterior. A esta outra fase, inscrita na primeira metade do séc. I a.C., poderiam pertencer a placa de cinturão e a asa de jarro do tipo Piatra Neamt – embora estas possam igualmente documentar a plena ocupação romana, se tivermos em conta que certas peças de prestígio podem encerrar um tempo mais largo de uso. De igual modo, algumas cerâmicas comuns estampilhadas, roletadas, pintadas e cinzentas finas polidas, poderiam, à partida, fazer-nos mesmo pensar numa ocupação “pré-romana” do local – contudo, também a este nível, a aridez dos níveis estratigráficos mais antigos e as ambiguidades que continuam a pairar sobre este tipo de produções cerâmicas (avivadas pelo facto de termos identificado um grafito com caracteres latinos numa cerâmica pintada com bandas vermelhas (Cap. 7.7) que, inicialmente, poderíamos supor mais antiga ou mesmo pré-romana), não contribuem para corroborar esta hipótese. Relativamente aos materiais recolhidos nos complexos estratigráficos da Fase I, apenas foram registadas peças datáveis em níveis de abandono (ou, talvez, já da construção da Fase 2): mais especificamente, nos complexos 1109 e 1110, que forneceram dois fragmentos de ânfora Dressel 1 (Campânia), datados genericamente entre o último terço do séc. II a.C. e meados do séc. I a.C.; e no complexo 1112, onde foi recolhido um fragmento de paredes finas (forma indeterminável) da Etrúria, com uma cronologia de produção balizada entre a 1.ª metade do séc. I a.C. e Augusto. Assim sendo, torna-se difícil localizar no tempo a passagem da Fase I para a Fase II, face ao tipo de materiais datáveis nestes complexos e face à sua ausência (como veremos) nos níveis de construção / ocupação da Fase II. Tanto nos parece legítimo inscrever esta fase na 1.ª metade, como será igualmente aceitável avançar o seu início para meados do séc. I a.C. Se recorrermos ainda aos fragmentos de cerâmica comum recolhidos nos contextos desta fase, as dúvidas a este nível continuam a subsistir: no complexo 1110, achou-se uma cerâmica cinzenta fina, imitando a forma Morel

27 Se essa alegada ocupação pré-romana se encontrava localizada sobretudo no morro rochoso onde se ergueu depois o “Castelo”, então deveremos admitir serem diminutas as probabilidades de se encontrarem testemunhos estratigráficos dessa fase, uma vez que esse esporão foi em grande parte talhado e desbastado para a instalação do edifício romano – aliás, este corte de pedra e as superfícies íngremes ou abruptas, eram perfeitamente visíveis em vários locais em torno do edifício central.

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2610 dos fabricos campanienses, enquanto que, no complexo 1112, foi registado um pote em cerâmica cinzenta fina com estampilhas, um fragmento de pança com bandas vermelhas pintadas e um outro, feito à mão, com mamilo aplicado na superfície exterior. Em suma, embora possamos vincular esta fase ao momento inicial de construção do castelo, não nos parece também despropositado associá-la a uma alegada ocupação anterior do local, inscrita genericamente na primeira metade do séc. I a.C. – ou podendo mesmo recuar aos finais do séc. II a.C. Na Fase II apenas se registaram materiais datáveis nos complexos associados ao abandono dessa fase. Assim, no complexo 1122 recolheu-se um fragmento de ânfora Dressel 1 e no complexo 1137 recolheram-se dois outros fragmentos idênticos (cronologia genérica de produção: último terço do séc. II a.C. a meados do séc. I a.C.); ainda no complexo 1122 registou-se uma cerâmica campaniense integrável no círculo da B (F 2974), datável, genericamente, de meados do séc. II a.C. (Fig. 13, peça nº 7). Estes materiais, em número reduzido e com cronologias latas, também não permitem grandes ilações cronológicas. Trata-se, todavia, de materiais antigos, que – tendo também em consideração os materiais datáveis da fase anterior – parecem denunciar a inclusão desta Fase II num espaço de tempo não muito posterior a meados do séc. I a.C. Se a anterior fase (Fase I) assinala o momento de construção do castelo (encerrando, possivelmente, um tempo muito curto de existência), esta fase (Fase II) poderá ter-lhe imediatamente sucedido, na viragem para a segunda metade do séc. I a.C., marcando assim o início da plena ocupação romana do local. Para a Fase III destacam-se os seguintes elementos: no complexo 1130 (construção / ocupação) registou-se uma cerâmica campaniense A (F 2283) produzida (na Península Itálica) em torno de 100 a.C. (Fig. 13, peça nº 8); no complexo 1066 (destruição / abandono) recolheu-se um fragmento de ânfora Haltern 70 (anterior ou contemporânea de Augusto); no complexo 1111 (destruição / construção da Fase IV) registou-se uma cerâmica campaniense B-óide (F 2250/80) com círculos concêntricos a decorar o fundo – estes círculos parecem ter surgido no 3.º quartel do séc. II a.C. e terão perdurado até meados do séc. I a.C.. Nesta Fase III, portanto, já surgem peças que poderão datar não só de meados do séc. I a.C. como também da segunda metade dessa centúria. A presença de Haltern 70 (cuja frequência noutras plataformas é assinalável, surgindo associada aos níveis de ocupação mais intensa do castelo) inscreve já o período de ocupação desta fase na segunda metade do séc. I a.C. – mas também é certo que este tipo de ânfora, face ao seu contexto estratigráfico de achado, documentará essencialmente a parte final desta fase. Não surgem, porém, sigilatas – mais do que uma indicação cronológica (i.e., fase anterior à sua circulação), esta ausência poderá antes denunciar uma utilização específica deste espaço (até porque as sigilatas voltam a não aparecer na última fase de ocupação desta plataforma – Fase IV). Caso funcionasse como um indicador de ordem cronológica, esta ausência não poderia deixar de sugerir a não ocupação deste lugar na última etapa de ocupação do Castelo da Lousa. Mas tal não se nos afigura possível, designadamente face à própria lógica de funcionamento de todo o sítio. Aliás, é possível que esta Fase III se possa inscrever num processo de requalificação geral da área edificada do castelo que terá ocorrido no seguimento do colapso das Plataformas Norte e Superior28. Por último, para a Fase IV (fase de pequenas remodelações?), não possuímos materiais que possam servir como índices cronológicos precisos. Voltam a não aparecer sigilatas – mas esta ausência, à semelhança do que também ocorre na Plataforma Nordeste, poderá antes ser tomada como um indicador de ordem funcional.

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A ocupação desta plataforma até à última fase da época de Augusto parece encontrar-se documentada, por exemplo, pelas primeiras produções de ânforas lusitanas de tipologia romana.

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Plataforma Nordeste Para esta plataforma procurou-se identificar os materiais datáveis recolhidos nos seguintes complexos: Fase I – construção: complexos 721, 734, 739, 742, 764, 787, 794, 800, 843; ocupação: complexos 262, 275, 716, 731, 732, 738, 747, 748, 751, 753, 761, 771, 772, 853, 863, 864, 865, 866. Fase II – construção: complexos 267, 268, 276, 281, 283, 284; ocupação: complexos 715, 733, 760. No complexo 800 (relativo à construção da Fase I) recolheu-se um bordo de cerâmica comum manual que imita o prato de bordo bífido de cerâmica comum itálica da forma 3 de Aguarod, datado da 2.ª metade do séc. II a.C. a meados do séc. I d.C. (Fig. 13, peça nº 10). No complexo 794 (camada de barro cozido, compacto, com alguns fragmentos cerâmicos – parte constituinte de um forno) foi recolhido um fragmento de ânfora lusitana, produzida em época augustana (Fig. 13, peça nº 9)29. Uma vez que este fragmento de bocal (neste contexto surge como terminus post quem) estava inserido na estrutura do próprio forno (encontrando-se inclusivamente selado por um nível de seixos existente no interior da câmara do forno e a cerca de 10 cm abaixo da superfície dessa câmara; não se coloca, portanto, a possibilidade deste corresponder a uma intrusão) (Foto 77), então parece-nos legítimo não atribuir esta primeira fase da Plataforma Nordeste (na qual o forno se insere) à etapa inicial do Castelo da Lousa. Ora, se assim for (e dado que estas ânforas aparecem noutros níveis estratigráficos acompanhados por materiais augustanos), esta plataforma terá sido a última a ser ocupada. Face à localização da ânfora lusitana na estrutura do próprio forno, poder-se-á dizer que a construção deste (inscrito na Fase I, embora tenha provavelmente continuado em funcionamento da Fase II), não será anterior ao último terço ou ao último quartel do séc. I a.C. Dito de outra forma, existe assim uma razão para atribuirmos ao período de maior actividade do castelo essas construções (iniciais) da Plataforma NE (construções, recorde-se, que pela sua feição menos robusta e cuidada se distinguem das construções existentes nas outras plataformas, podendo assim indiciar um diferente momento construtivo). Todavia, já não é possível apurar se este forno (e a própria Fase I) surgiu num momento posterior à grande derrocada. Tal hipótese parece-nos plausível, embora não existam dados de natureza estratigráfica e cronológica que a suportem30. Mas face ao reduzido espaço de tempo que mediou entre a referida derrocada e o abandono definitivo do castelo, talvez seja mais verosímil associar a Fase II a esse momento particular e decisivo na história do sítio31 - embora, como antes vimos, também não deva ser totalmente descartada a hipótese de uma ocupação medieval do lugar, denunciada, eventualmente, pelas estruturas desta fase e, sobretudo, pelos seis enterramentos identificados.

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A cronologia augustana avançada para o seu início de produção explicará melhor o facto deste tipo de ânforas aparecer – associada a materiais augustanos – também noutras plataformas (onde também não surgem materiais que documentem a ocupação do sítio em época tiberiana) (sobre a datação deste tipo de ânforas – Cap. 7.5). 30

A inscrição do início desta Fase I da Plataforma Nordeste na época augustana deixaria de encontrar justificação se a componente do forno onde se identificou o bocal de ânfora fosse resultado de uma reformulação dessa estrutura ocorrida durante a Fase II.

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A única peça datável recolhida nos complexos associados à construção da Fase II (mais especificamente no complexo 267) foi também um fragmento de ânfora lusitana.

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Contexto Estratigráfico do Complexo 794

Foto 77 – Representação esquemática da inserção estratigráfica do Complexo 794 no interior da estrutura de combustão (Compartimento [36]), onde se recolheu um fragmento de ânfora lusitana (Fig. 13, peça nº 9).

Se atendermos agora ao conjunto dos materiais reunidos e procurarmos sintetizar a informação de âmbito cronológico que estes nos proporcionam (independentemente da sua contextualização estratigráfica), poderemos delinear o seguinte espectro para a cronologia de ocupação do Castelo da Lousa. As campanienses, desde logo, face aos fabricos e formas representadas, poderiam ter chegado a este lugar nos finais do séc. II ou inícios do séc. I a.C. Mas não se nos afigura impossível que tenham chegado pelos meados do séc. I a.C., coincidindo também com a chegada das B-óides, que prevalecem em contextos dessa data (Cap. 7.1). As sigilatas só se encontram representadas pelos fabricos de tipo itálico (Cap. 7.2). Algumas formas correspondem mesmo às primeiras que foram produzidas depois de 40 a.C. – mas embora estas formas mais antigas apresentem uma cronologia de início de produção inscrita na década de 30 do séc. I a.C., consideramos mais aceitável que só tenham chegado ao Castelo da Lousa nos primeiros anos do reinado de Augusto, ou mesmo em torno de 20 a.C. Por sua vez, como referimos anteriormente, o desmoronamento da Plataforma Norte e Superior ocorreu já num momento em que certas formas de sigilata começavam a circular. E, como então também defendemos, não terão sido muitos os anos passados entre esse acontecimento e o abandono definitivo do local em época romana, uma vez que não existem produções de sigilata (nem sequer formas da sigilata de tipo itálico) que denunciem uma ocupação do sítio posterior ao principado de Augusto. Quanto às ânforas, com excepção de três fragmentos do Grupo I, poderemos genericamente referir que no Castelo da Lousa se encontram peças que poderão atribuir-se à primeira metade do séc. I a.C. (Cap. 7.5). A grande maioria do material, porém, não será anterior a meados do século I a.C., e o grosso data do último terço desta centúria. Também não se registou qualquer tipo de ânfora com uma cronologia de início de produção posterior a Augusto.

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Fig. 13 – Selecção de alguns materiais utilizados como índices cronológicos.

Legenda da Fig. 13: (1) ática, complexo 42 (n.º 51, Cap. 7.1); (2) alabastron, complexo 1084-VI (n.º 1, Cap. 7.8); (3) pote pintado com bandas vermelhas, U. E. 2 (n.º 27, Cap. 7.6); (4) sigilata itálica, Conspectus 4.3, complexo 819I (n.º 2, Cap. 7.2); (5) sigilata itálica, Conspectus 4.4, complexo 663-I (n.º 6, Cap. 7.2); (6) campaniense B-óide, F 2257, complexo 1133 (n.º 7, Cap. 7.1); (7) campaniense B-óide, F 2974, complexo 1122II (n.º 48, Cap. 7.1); (8) campaniense A, F 2283, complexo 1130 (n.º 16, Cap. 7.1); (9) ânfora lusitana, complexo 794 (n.º 114, Cap. 7.5); (10) cerâmica comum Aguarod 3, complexo 800 (n.º 4, Cap. 7.6).

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A cerâmica de paredes finas, bem documentada no Castelo da Lousa (tanto por produções itálicas, como peninsulares), encontra-se representada essencialmente por produções com uma cronologia tardo-republicana e augustana (Cap. 7.3). Algumas das peças mais antigas aqui registadas terão sido comercializadas a partir do Mediterrâneo juntamente com as Dressel 1 e as campanienses. As lucernas, por sua vez, muitas de importação itálica, encontram-se maioritariamente associadas a materiais datáveis de meados a finais do período de Augusto, podendo algumas, todavia, ter uma cronologia de fabrico mais antiga (Cap. 7.4). A cerâmica comum acaba também por fornecer algumas indicações de carácter cronológico. Desde logo, convém registar a identificação de formas que imitam tanto alguns tipos da sigilata de tipo itálico, quer, sobretudo, as formas mais habituais de cerâmica campaniense32. Depois pode assinalar-se o aparecimento de um prato itálico de bordo bífido e vários pratos de engobe vermelho pompeiano provenientes da Campânia, típicos do séc. I a.C. Surgiram também imitações de pratos e tachos itálicos de formas republicanas e augustanas, almofarizes béticos que se inscrevem entre o período tardo-republicano e a época tiberiana (neste caso não ultrapassarão Augusto) e cerâmicas decoradas com grinaldas feitas com roleta (inscritas num período entre as guerras sertorianas e a mudança de era). Foi ainda particularmente notada a ausência de certos fabricos típicos da época imperial e habituais nos contextos do Sul de Portugal – isto é, a própria cerâmica comum, ao mesmo tempo que parece sugerir uma marcada presença augustana, também denuncia uma ocupação do local que não ultrapassará em muito a mudança de Era (Cap. 7.6). Alguns materiais metálicos também podem ser tomados como índices cronológicos. No conjunto das 18 moedas identificadas, as que apresentam uma data de cunhagem mais recente são 2 asses de P. Carisius, cunhados em Mérida, entre 25-23 a.C. (a mais antiga corresponde a um asse Ilipense, cunhado provavelmente na primeira metade do séc. II a. C.). Pelo menos um terço do numerário do Castelo da Lousa data da segunda metade do séc. I a.C. Poderemos também referir que a cronologia de início de produção das fíbulas se inscreve, genericamente, entre o séc. V-IV a.C. e a época de Augusto. Por sua vez, há alguns objectos de toilette e cirúrgicos, bem como baixelas e utensílios domésticos, com uma cronologia de utilização que pode ser sobretudo inscrita na 2.ª metade do séc. I a.C., ou mesmo no período de Augusto, embora possam existir algumas peças, como a asa de jarro do tipo Piatra Neamt (c. 125/120-50 a.C.), com uma cronologia um pouco mais recuada. Referência ainda para uma placa de cinturão, datada possivelmente da 1.ª metade do séc. I a.C., e para uma presilha de junção de arreios de cavalo, com uma cronologia de início de produção localizada nos finais do séc. I a.C. (Cap. 7.9). Da época de Augusto parecem ainda datar os únicos dois fragmentos de vidro (classificáveis) recolhidos, enquanto que o fragmento de alabastron apresenta uma cronologia de fabrico mais recuada, balizada entre finais do séc. III e meados do séc. I a.C. (Cap. 7.8). A generalidade destas peças forma um conjunto relativamente homogéneo que parece atestar a ocupação deste lugar durante o séc. I a.C. No entanto, se tivermos em consideração as peças que fornecem datações mais finas, verificamos que os materiais cuja cronologia de produção parece terminar nos meados do séc. I a.C. são claramente minoritários. Ao nível das ânforas, por exemplo, observa-se que estas são mesmo residuais, visto que se encontram apenas representadas por dois fragmentos, um do tipo B/C de Pellicer e tipo T – 9.1.1.1. É certo que existe um apreciável conjunto de material (sobretudo ânforas, cerâmicas de paredes finas e campanienses) cujo início de produção – e mesmo o seu auge de circulação – se pode inscre-

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Se as imitações de sigilata apenas se documentam em 4 peças (3 delas em cerâmica cinzenta fina), as formas das campanienses parecem encontrarse reproduzidas em 78 bordos e 60 fundos de páteras e tigelas em cerâmica comum – ocorrências que, a seu modo, parecem denunciar uma maior frequência de produções em cerâmica comum de imitação em época tardo-republicana.

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ver na primeira metade do séc. I a.C. Todavia, a sua produção e circulação não se circunscreve exclusivamente a esse período, podendo, na maior parte dos casos, chegar ao período augustano. As ânforas Dressel 1 (ou mesmo as ânforas béticas do tipo T – 7.4.3.3 que as acompanham) e as campanienses B-óide, que surgem associadas em alguns contextos do Castelo da Lousa, poderão ter ainda circulado até à década de 30 a.C. (e, nalguns casos, mesmo até Augusto – Cap. 7.5). Ora estes tipos, embora não sendo residuais, acabam por representar uma percentagem reduzida no cômputo geral dos materiais identificados (as Dressel 1 correspondem a 5,2% do total de ânforas identificadas, enquanto que as ânforas do tipo T – 7.4.3.3 se cingem a cerca de 1,4%). Mas são precisamente estes materiais datáveis – aos quais se junta um pequeno fragmento de cerâmica de paredes finas da Etrúria – que surgem nos níveis estratigráficos que poderemos associar, com a indispensável segurança, à construção do Castelo da Lousa. Poderíamos equacionar a hipótese desta associação de materiais (e a ausência de outros que surgem depois nos níveis de plena ocupação do sítio) denunciar uma construção do corpo central do castelo, e da generalidade dos edifícios envolventes, ainda na primeira metade do séc. I a.C., mais provavelmente no seu segundo quartel, num momento de plena circulação de cerâmicas campanienses e ânforas Dressel 1 (esta foi a hipótese inicialmente avançada: WHAL, 1985: 161). Mas, se assim fosse, teriam sido muito reduzidas as importações nesse segundo quartel do séc. I a.C. e só no terceiro quartel se teriam multiplicado. Ora, dado que os materiais correntes na primeira metade do séc. I a.C. podem, como acabámos de ver, ter circulado ainda na década de 50 ou na de 40 a.C., perguntamo-nos se não devemos propor uma cronologia de fundação mais próxima de 50 a.C., em vez de a recuarmos até à década de 60 ou mesmo de 70. Perante a possibilidade de as ânforas Dressel 1 e as cerâmicas campanienses continuarem a circular com alguma regularidade até sensivelmente à década de 30 a.C. (e nalguns casos até épocas mais recentes), poderíamos avançar com a cronologia de construção do Castelo da Lousa até bem entrado o terceiro quartel do séc. I a.C., documentando estes materiais, por sua vez, a fase derradeira da sua circulação. A sua menor frequência ajustar-se-ia assim melhor ao espaço de tempo relativamente curto que antecedeu os decénios mais intensos de ocupação, os quais se encontram inteiramente documentados por uma série de materiais augustanos. Mas também não nos parece acertado avançar em demasia com a cronologia de construção do edifício central e áreas adjacentes suas contemporâneas e aventar a possibilidade da década de 30. E não o fazemos uma vez que, à partida, se o castelo tivesse sido instalado nessa década, às cerâmicas campanienses B-óides e às ânforas Dressel 1 deveriam juntar-se já outros materiais – como, por exemplo, as ânforas ovóides gaditanas, as Haltern 70 e as Dressel 20 “precoces” do Guadalquivir, recolhidas depois em grandes quantidades nos níveis posteriores, de plena ocupação do sítio. De facto, a ausência destas ânforas, já presentes em locais de consumo do Império romano a partir de 40 a.C., como no caso de Lyon, e de outros locais situados no actual território português, caso da Lomba do Canho e de Mesas do Castelinho (Cap. 7.5), parecem vir em reforço de um momento inicial de construção do castelo anterior a 40/30 a.C. Neste sentido, estas ausências acabam também por constituir um indicador cronológico, sugerindo, portanto, os meados do séc. I a.C. (ou, dito de outra forma, os anos em torno de 50 a.C.), como data mais provável para a construção do Castelo da Lousa. Convém não esquecer, porém, que se trata de uma hipótese assente numa plataforma construída com um escassíssimo número de materiais. Ao invés do que sucede para a cronologia de abandono do sítio, ou mesmo para a data do colapso de algumas plataformas, o momento exacto de construção do Castelo da Lousa revela-se mais difícil de apurar. Como referimos, se, sobretudo, as ânforas Dressel 1 e as cerâmicas campanienses poderiam documentar os momentos iniciais da ocupação do sítio, porventura nos primeiros anos da segunda metade do séc. I a.C., o grosso dos materiais recolhidos parece reportar-se, genericamente, ao último quartel desta centúria e aos primeiros anos da seguinte, ou seja, à etapa de maior actividade (e também derradeira) da sua ocupação. Com efeito, tendo em conta todo o conjunto do material datável, parece poder afirmar-se que o 109

Castelo da Lousa foi em definitivo abandonado na parte final do principado de Augusto, sem claras evidências de uma ocupação em época tiberiana, pois não há qualquer material com uma cronologia clara de início de produção tiberiana ou pós-tiberiana. Como motivo decisivo deste abandono talvez se encontre, de certo modo, a grande derrocada que deixou sinais em certas estruturas e algumas marcas expressivas na estratigrafia do sítio – derrocada que, por sua vez, terá resultado da própria pressão que o edifício acabou por exercer sobre o esporão talhado onde assentou, o qual se fragilizava ainda mais com a erosão progressiva das suas vertentes (Cap. 8). Com efeito, perante a tese da derrocada numa fase adiantada do séc. I a.C., poucos anos antes da mudança de era (i.e., do termo da ocupação do castelo), parece-nos possível considerar este episódio como uma das razões que acabaram por despoletar – indirectamente – o abandono. Assim, o que terá começado a levar os habitantes do castelo a equacionar a retirada do sítio poderá também ter sido uma razão de ordem interna, que se prende com o desabamento de toda a área central das plataformas Superior e Norte (que, por sua vez, terão caído sobre os edifícios existentes na Plataforma Norte Inferior) e com possíveis sinais de ruína surgidos no próprio edifício central – aliás, neste corpo central, eram visíveis algumas fendas, aparentemente provocadas pelo colapso do lado Norte do esporão rochoso, que foram preenchidas com ligante de forma a colmatar essas deformações. Contudo, esta não foi a causa próxima do abandono, uma vez que, logo após esse desabamento, se documentam claras reformas na área edificada. Neste sentido, as prováveis alterações na conjuntura económica e política, reveladas pela fundação de importantes núcleos urbanos e pelas primeiras villae, não podem deixar de figurar entre as causas principais deste abandono. Se continuasse inteiramente a justificar-se a presença do castelo no local, o sítio teria sido amplamente reconstruído e fortalecido – ou então, se o edifício ameaçasse ruína, teriam construído um outro, não no sítio do esporão inicial (uma vez que foi essa base de sustentação que cedeu), mas num outro lugar das proximidades que garantisse outra solidez. Mas uma reestruturação dos mercados e dos circuitos comerciais, decorrentes de uma reestruturação político-administrativa na época de Augusto, não o terá justificado – terá antes aconselhado, logo nos primeiros anos da nova centúria, o seu abandono. Seja como for, o colapso documentado estratigraficamente terá sido algo catastrófico para o sítio, uma vez que o desmoronamento das casas da Plataforma Superior (com dois pisos) acarretou a demolição das casas da Plataforma Norte e o desabamento desse grande volume de pedras e taipa sobre algumas casas da Plataforma Norte Inferior. Mesmo o edifício central, como vimos, também apresentaria sinais latentes (e ameaçadores) de ruína. E poderemos mesmo imaginar outros aluimentos pontuais, mesmo depois do colapso inicial, que se sucederam no tempo e ainda durante o restante período de ocupação do castelo. Mas, como referimos, a derrocada não terá logo conduzido ao abandono do sítio. O castelo sobreviveu a esse fatídico momento, uma vez que existem claros sinais de reparações e certos espaços continuam funcionais – como acontece na Plataforma Noroeste, onde se recolheu grande parte da sigilata e outros materiais da última década (ou das duas últimas décadas) do séc. I a.C., ou mesmo no edifício central, face aos materiais que terão aí sido encontrados em anteriores escavações. Todavia, poucos anos depois, e no limiar de uma nova era, o Castelo da Lousa acabou por soçobrar perante a pressão dos novos tempos, marcados por uma outra malha de povoamento que emergia e por uma reorganização dos centros distribuidores de produtos importados. Na nossa conclusão parece implícita (ainda que não expressa) a interpretação do Castelo da Lousa como estabelecimento de um colono mercador cujo negócio perdeu oportunidade em função de uma reorganização do(s) mercado(s). Não querendo excluir de todo em todo a hipótese de um estabelecimento militar, não deixaremos, porém, de perguntar (sem que para isso tenhamos resposta verosímil), que razões poderiam ter motivado a evacuação de um corpo de tropas apenas cerca de 20 ou 30 anos depois da instalação das colónias de Pax Iulia e Emerita Augusta. 110

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Castelo da Lousa–Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002 Jorge de Alarcão, Pedro C. Carvalho, Ana Gonçalves (Coord.)

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