Catálogo Jornada Cinema Silencioso

July 8, 2017 | Autor: L. Maria Goncalve... | Categoria: Cinema Studies
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Descrição do Produto

Largo Senador Raul Cardoso, 207 Vila Clementino - São Paulo/SP CEP: 04021-070 - Brasil 11 3512 6111 www.cinemateca.gov.br

José Medina e Gilberto Rossi filmam a atriz Rosa de Maio em cena de Gigi, 1925

CINEMATECA BRASILEIRA

REALIZAÇÃO

APOIO

APOIO GRÁFICO

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5 a 14 de agosto de 2011

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Sumário

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Secretaria do Audiovisual Cinemateca Brasileira Propedêutica Jornada som adentro! Músicos

16 Em busca do Brasil 16 Gilberto Rossi 17 17 17 19 19 19 19 24 28 29 29 29

Exemplo regenerador Fazenda da Onça Batismo de Carmencita, 25 de junho de 1921 Rossi Actualidades n.126 – Um Sarau no Paço de São Cristóvão Chegada do aviador De Pinedo a Santo Amaro Força Pública do Estado de São Paulo Fragmentos da Vida

Que “cavação” é essa? Presença italiana no Brasil A Real Nave Itália no Rio Grande do Sul O Príncipe herdeiro da Itália em terras do Brasil Azas italianas sob os céos do Brasil

30 Cinema silencioso italiano 30 42 42 42 43

Uma introdução ao cinema italiano Traidora! Alberto Capozzi Ave Maria Um Matrimônio interplanetário

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43 43 44 45 45 45 46 46 48 48 48 49 50 50 51 52 54 54 56 56 57 57 57 59 59 59 59 59 59 60 60

A Mãe e a morte Società Anonima Ambrosio Sonho de um ocaso do outono Gabriele D’Annunzio Núpcias de ouro O Tambor sardo A Vida das borboletas Prêmio Concurso Internacional de Cinematografia O Fascínio da violência Francesca Bertini Raio de sol Saturnino Farandola Polidor no clube da morte Os Últimos dias de Pompeia Sangue napolitano O Fogo Giovanni Pastrone Tigre real Pina Menichelli O Fauno A Guerra e o sonho de Momi Malombra Lyda Borelli Milagres de São Januário Leda Gys A Trilogia de Maciste Maciste contra a morte A Viagem de Maciste O Testamento de Maciste Bartolomeo Pagano Carlo Campogalliani

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O Quadro de Oswaldo Mars A Noite santa Elvira Notari Ver Nápoles e depois morrer Za la Mort Emilio Ghione

80 Janela para a América Latina

Dannunzianismo e divismo

83 Oficina Sonora da Jornada

68 Destaques de Pordenone 68

O “sexto sentido” do cânon cinemático

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Da manhã à meia-noite O Braseiro ardente Guardas do farol A Viagem da mãe Krause até a felicidade

75 Georges Méliès - 150 anos 76 76 76 77 77 77 77

Joana d’Arco O Livro mágico Sonho de um sultão O Monstro O Maravilhoso leque vivo O Cavaleiro das neves A Conquista do polo

78 Cinema amador: silêncio nos pampas 78 78

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Garras de ouro: os enigmas continuam

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Garras de ouro

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Apaixonado pela mulher barbada Como Did paga as suas dívidas A Nova camareira é bonita demais Lea e o novelo As Águas milagrosas

85 Prólogos cinematográficos 86

O Vaqueiro estilizado

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Índice de filmes Créditos das imagens Referências bibliográficas Bases de dados e catálogos disponíveis na internet Instituições colaboradoras Cinemateca Brasileira V Jornada Brasileira de Cinema Silencioso Agradecimentos

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Passos na madrugada O Caso da joalheria

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Apresentação Ana Paula Santana

Secretária do Audiovisual do Ministério da Cultura

Mais uma vez, a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura tem o prazer de apoiar esta iniciativa que já está definitivamente consolidada no calendário cultural de São Paulo, e que é atualmente referência dentro e fora país – tanto assim que as Giornate Del Cinema Muto, em reconhecimento à relevância da Jornada, reproduziu uma parte do programa de filmes do Major Thomaz Reis e de Silvino Santos em sua 29a edição, no ano passado. Temos acompanhado com grande entusiasmo as ações da Cinemateca, que mostram que a preservação e a difusão do patrimônio audiovisual podem se traduzir nas mais variadas iniciativas, desde as que abordam a produção recente até as voltadas para o cinema de outras épocas. Com isso não queremos dizer que a Jornada seja um evento de cinema do passado, já que percebemos nela uma dupla função: tanto nos aproxima dos primeiros tempos da arte cinematográfica – sem se tornar saudosista –, quanto lhe confere um novo significado, que nos ilumina nos dias atuais. Pelo quinto ano consecutivo, convidamos o público da Jornada Brasileira de Cinema Silencioso a compartilhar esta experiência de memória e conhecimento sobre o cinema feito no Brasil e no mundo. Acreditamos que ações como esta não apenas devem se repetir de forma continuada em nossa agenda, como também ser irradiadas para outros pontos, seja por meio das trocas institucionais, seja pela reflexão que fica registrada no catálogo e reverbera para outros domínios.

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V Jornada Brasileira de Cinema Silencioso Cinemateca Brasileira Cinco vezes Jornada. Para a Cinemateca, além de uma grande satisfação, a marca representa um desafio. Com o aumento do público – tanto em termos de número como de diversidade do seu perfil –, sentimos a cada ano a alegria e a responsabilidade de renovar o interesse pelos primeiros tempos do cinema, antes do advento do cinema falado. A Jornada Brasileira de Cinema Silencioso é uma das nossas realizações centrais, aos nossos olhos e aos daqueles que frequentam as nossas salas. É um período em que toda a equipe, em diferentes níveis, participa de uma mesma tarefa, somando esforços. Mais do que isso, é o evento em que percebemos maior presença da equipe nas exibições e atividades. Felizmente, trata-se de um recorte temporal riquíssimo da cinematografia mundial, que permite abordagens variadas e cuja apresentação é feita de maneira a permitir tanto a fruição dos filmes em versão silenciosa, na Sala Cinemateca/Petrobras, como a sua associação a trilhas sonoras criativas e ecléticas, executadas ao vivo na Sala Cinemateca/BNDES. Pela quinta vez, contamos com a curadoria musical de Livio Tragtenberg, que reúne artistas de diferentes estilos para participar da Jornada. Renovamos pelo segundo ano a parceria com o Auditório Ibirapuera, em cuja área externa será projetado Os Últimos dias de Pompeia / Gli Ultimi giorni di Pompei, com o acompanhamento da Banda Jazz Sinfônica de Diadema, regida por Todd Murphy. Este ano celebramos o centenário da chegada de Gilberto Rossi ao Brasil, um dos mais importantes cinegrafistas do período silencioso em nosso país. Além de produzir filmes institucionais e o Rossi Actualidades, a Rossi Film produziu vários longasmetragens silenciosos, dirigidos em sua maioria pelo prestigioso cineasta José Medina, entre os quais, um dos clássicos brasileiros, Fragmentos da vida (1929), a ser exibido na Jornada com o acompanhamento da bisneta de Gilberto Rossi, a pianista Anna Claudia Agazzi. Serão apresentados programas que permitirão ao público um contato com o excelente fotógrafo que foi Gilberto Rossi. Outra seção do programa é dedicada ao cinema silencioso italiano que despontou na primeira metade dos anos 1910. Os filmes italianos espalharam-se por todo o mundo

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e tiveram influência decisiva no desenvolvimento da linguagem cinematográfica: desde filmes históricos de grande espetáculo, curtas cômicos, melodramas e linhas mais realistas, até filmes de aventura heróica dos chamados “homens fortes”. É possível, por meio dessa seção, conhecer a diversidade de tendências que compõem a cinematografia italiana, cuja apresentação vem associada a programas documentais sobre a presença italiana no Brasil. Aproveitamos para agradecer ao Museo Nazionale del Cinema, de Turim, à Cineteca del Comune di Bologna, à Cineteca Nazionale, de Roma, e à Fondazione Cineteca Italiana, de Milão, pela colaboração com a cessão de cópias para este programa. Luca Giuliani, diretor do Museo Nazionale del Cinema, será responsável ainda pela conferência inaugural da V Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, na qual falará a respeito do cinema silencioso italiano e dos trabalhos de preservação desses filmes pelas cinematecas. As seções permanentes Destaques de Pordenone e Janela para a América Latina estão mantidas, graças à colaboração de Paolo Cherchi Usai, do comitê diretor das Giornate del Cinema Muto, e à de Livio Jacob, presidente do festival italiano, e à Fundación Patrimonio Fílmico Colombiano, que restaurou o longa-metragem Garras de oro, realizado na Colômbia em 1926 por um misterioso personagem, P.P. Jambrina. O historiador de cinema colombiano Ramiro Arbeláez, autor de uma extensa pesquisa sobre o filme colombiano, proferirá uma palestra. Teremos ainda, por ocasião do sesquicentenário de nascimento de Georges Méliès, uma sessão especial em sua homenagem. Como se vê, ainda estamos longe de esgotar o universo do cinema silencioso, que nos orgulhamos em trazer para perto do público de um século depois, com renovada curiosidade.

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Propedêutica Carlos Roberto de Souza Curador Desde a realização da primeira edição da Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, uma pergunta que nos é sistematicamente feita é: por que “cinema silencioso”? O correto não seria “cinema mudo”? Alguns “especialistas”, do alto de seus conhecimentos, argumentam enfáticos: “Cinema silencioso é influência americana (silent cinema)! Entre nós sempre foi cinema mudo”. A estes poderíamos lembrar que, se “silencioso” é influência anglófila, “mudo” seria influência francófila (cinema muet), influência que marcou a elite cultural brasileira durante boa parte do século XX. A questão não é de extrema relevância, embora sempre seja conveniente chamar as coisas por seu nome correto. A resposta que costumávamos dar àquela pergunta é que “silencioso” e “mudo” são termos arquivísticos: o primeiro se aplica aos filmes feitos antes da adoção generalizada do som pela indústria cinematográfica norte-americana, adoção logo obedecida pelo resto do mundo. Filmes silenciosos são, portanto, aqueles produzidos originalmente para serem projetados sem acompanhamento sonoro mecânico. O filme mudo, ao contrário, seria aquele produzido originalmente para ser projetado com acompanhamento sonoro mecânico – discos sincronizados num primeiro momento (o sistema Vitaphone), e substituídos logo em seguida pela pista impressa na película (o sistema Movietone) –, mas que, por alguma circunstância (perda do negativo de som, copiagem errada, etc.), não dispõe mais de sua trilha sonora. Arquivística à parte, os “especialistas” poderiam argumentar que uma célebre revista brasileira antiga, dedicada exclusivamente a cinema, se chamasse A Scena Muda (com a reforma ortográfica, virou Cena Muda). Acontece que a arte cinematográfica, quando chamada de Arte Muda, o era em contraposição ao teatro, a arte falada. De qualquer forma, ao pesquisarmos revistas e jornais das primeiras três décadas do século XX, verificamos que, no Brasil, se usava indistintamente os termos silencioso e mudo, com acentuada predominância do primeiro. Apesar do desnorteamento que caracterizou os primeiros tempos do cinema sonoro no Brasil – afinal, ainda não se tinha certeza se a novidade era passageira ou não –, o período é esclarecedor para a questão que nos ocupa. Naquele momento não havia se desenvolvido ainda a técnica das legendas sobrepostas. Nosso mercado era dominado pelas fitas americanas que, quando faladas (os talkies), eram exibidas

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em inglês, idioma que a imensa maioria do público não dominava. Em busca de uma solução para evitar a retração do público, os donos dos cinemas começaram a exibir os filmes adotando o procedimento de desligar o som nas sequências faladas e introduzir intertítulos com um resumo dos diálogos ou uma tradução dos mesmos para o português. Os críticos indignaram-se e passaram a designar esses filmes como mudos. Paulo Vanderley, crítico titular de Cinearte, chega a falar em “filme aleijado”. Duas citações dele esclarecem melhor o problema e a terminologia. A primeira, a propósito de um filme com Olga Baclanowa: “O filme tinha voz. Tiraramna aqui. [...] Aliás, os filmes falados sem voz é que são os únicos filmes mudos que existem. Foi preciso aparecerem os talkies para se avaliar a grandeza do silêncio” (15/1/1930). E outra: “O cinema nunca foi mudo. Está sendo agora no Brasil com o advento dos talkies sem língua... A Sétima Arte nunca foi muda. O silêncio foi, é e será sempre o seu apanágio. É a sua maior qualidade. E mudez dá logo ideia de deficiência. De fraqueza” (22/1/1930). Os esclarecimentos acima não têm intenção polêmica. Aliás, falando nisso, Vinicius de Moraes, em 1942, em sua coluna no jornal A Manhã, incentivou uma tardia polêmica que denominou “cinema silencioso x cinema falado”. A nossa Jornada exibe filmes silenciosos, que podem ser chamados de mudos por quem se sentir mais confortável em empregar o termo. O importante é que sejam exibidos e assistidos e, com isso, nos enriqueçamos com o conhecimento da cinematografia de um período extraordinário da Sétima Arte. O país em destaque nessa edição é a Itália. Coincidentemente, foi nesse país que a Jornada marcou presença nos últimos tempos, com a exibição do programa “Amazônia Silenciosa” (da III Jornada) nas Giornate del Cinema Muto de Pordenone, em outubro do ano passado, e de O Segredo do corcunda (apresentado na IV Jornada) no festival Il Cinema Ritrovato, em Bolonha, agora em junho. Em seu texto para este catálogo, Paolo Cherchi Usai contabiliza 6.658 filmes exibidos nas vinte e nove edições das Giornate de Pordenone, cerca de dez por cento do patrimônio cinematográfico silencioso preservado nos arquivos de filmes de todo o mundo. A Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, em suas quatro primeiras edições, exibiu algumas poucas centenas. Mas, com o apoio e o incentivo de nossos parceiros nacionais e estrangeiros, e sobretudo com a presença do público, podemos afirmar, com alguma segurança, que estamos num bom caminho.

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Jornada som adentro!

Músicos

Livio Tragtenberg

ANNA CLAUDIA AGAZZI é pianista, professora do Instituto de Artes da UNESP, coordenadora do projeto de extensão Caminhos Sonoros, e diretora do Festival UNESP Ritmo. Mestre pela Manhattan School of Music, foi a única brasileira a se apresentar no Festival Palaces of St. Petersburg, e realizou a primeira gravação mundial da obra La Boutique fantasque, de Ottorino Respighi, para piano solo. É bisneta do cineasta Gilberto Rossi, homenageado da V Jornada.

Curador musical

Tem sido uma tendência no cinema comercial o uso do som e a miríade de efeitos sonoros (muitas vezes de gosto duvidoso) no lugar da música, da trilha sonora. Antes, o cinema documentário já apontava essa tendência de ênfase na narrativa sonora a partir dos sons captados diretamente na filmagem ou colocados na edição de som. O que se busca é, na maioria das vezes, escapar dos clichês e fórmulas melodramáticas que a música injetou no nosso DNA cultural – aquelas emoções elementares como medo, alegria, tristeza, saudade. Assim, o que se vê e se ouve no cinema hoje em dia tem cada vez menos música. Uma pena. A questão talvez esteja ligada ao uso de certos tipos de música – sem falar na canção popular e os apelos puramente comerciais e de marketing –, e ao fato de que parte da grande produção criativa sonora e musical não chega ao audiovisual. Felizmente, aqui na nossa Jornada, podemos experimentar essas possibilidades e estabelecer um diálogo com a tradição do cinema e o público de hoje. Por isso, o eixo central da parte musical da Jornada – e isso se deve muito ao fiel apoio conceitual de Carlos Roberto de Souza, curador da Jornada – está na diversidade não apenas de gêneros e sonoridades, mas também nas formas de se estabelecer as relações entre imagem e som. Já tivemos editores de som de cinema, atores, DJs, músicos eruditos, músicos cegos que participaram nas edições anteriores da Jornada. Neste ano, novamente essa combinação busca uma conversa em três partes: som, filme e público. A Jornada é hoje uma plataforma de experimentação – a invenção continua firme, apesar da institucionalização do palavrão “vanguarda” –, e une dois sentidos e dois tempos num momento privilegiado. E como em São Paulo quase todo mundo tem um pouco de italiano, de carcamano... os filmes italianos deste ano poderão ser curtidos com sonoridades criadas por alguns descendentes dos oriundi.

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ANTONIO LOUREIRO é compositor e multiinstrumentista, formado pela UFMG. Toca com o violinista Ricardo Herz e com os compositores Siba e Kristoff Silva. Conquistou o VII Prêmio BDMG Instrumental de Composição e Arranjo e foi recentemente selecionado pelo projeto Rumos Coletivo do Itaú Cultural para integrar um conjunto com Arismar do Espírito Santo, entre outros. Atualmente está lançando seu primeiro CD.

BANDA JAZZ SINFÔNICA DE DIADEMA é formada por instrumentistas com sólida formação musical, e participa regularmente de eventos, como Tocando Santos, Virada Cultural, projeto Elefantes e o Festival de Jazz de Montreux. Normalmente se apresenta com grandes nomes da música brasileira, como Raul de Souza, Proveta, Bocato, Fabiana Cozza e Patty Ascher. Lançou em 2010 seu primeiro CD, uma homenagem a Noel Rosa.

BETO BIRGER Baixista e produtor musical, trabalhou com diversos grupos e cantores, produzindo trilhas, jingles e spots para TV, rádio e vídeo, escrevendo arranjos, arregimentando músicos e fazendo gravações. Trabalhou com Vange Leonel, Dulce Quental, Vinicius Cantuária, Dinho Nascimento, Luiz Wagner, Corciolli, Toquinho e Tony Mouzayek, entre outros.

CÉLIO BARROS & EMÍLIO MENDONÇA Vencedor do Prêmio Visa para Música Instrumental, Célio Barros desenvolve trabalhos com improvisação livre, como os solos Interchanges e Strange meetings e TEC, em parceria com Emílio Mendonça e Thomas Rohrer. Emílio Mendonça é instrumentista, produtor, arranjador e professor de piano, teclado e tecnologia. Apresentou-se no IX Festival Internazionale Jazz in Sardegna, na Itália, e no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, entre outros eventos.

CORAÇÃO QUIÁLTERA é um quarteto instrumental que valoriza especialmente a percussão. Gravou os discos Concerto dos irregulares e Tempos sementeira – sons da percussão, em parceria com Naná Vasconcelos. Apresentou-se no Auditório Ibirapuera e no Espaço Cultural da Caixa Econômica Federal. Participou de diversos festivais, como o do Conservatório de Tatuí, e realizou o projeto Música aos Extremos.

DINO BARIONI é guitarrista e compositor, e diretor musical da cantora Graça Cunha. Estudou na Fundação das Artes de São Caetano do Sul; foi integrante da Orquestra Popular de Câmara, e teve vários arranjos executados pela orquestra Heartbreakers. Acompanha músicos brasileiros de destaque, como Tom Zé, Agnaldo Rayol, Virgínia Rosa e Edson Cordeiro, entre outros.

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DRAMARTURGIA SONORA é um projeto da dupla Wilson Sukorski e Martin Eikemeier. Sukorski é compositor, músico eletrônico, performer multimídia, designer e construtor de instrumentos musicais, pesquisador em áudio digital, criador e produtor de conteúdos musicais para rádio, vídeo, cinema, instalações, performances e espetáculos apresentados em diversas cidades do Brasil e da Europa. Eikemeier é formado em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos e mestre e doutor pela Unicamp. Foi professor da UNIP e do SENAC e atualmente leciona na Universidade Anhembi Morumbi, na Academia Internacional de Cinema e na SP Escola de Teatro. Músico e compositor de trilhas musicais para cinema e teatro, é diretor musical e compositor da Companhia do Latão.

FÁBIO TAGLIAFERRI é instrumentista, arranjador e compositor. Fez trilha sonora para peças de teatro, como “As Mulheres da minha vida”, de Daniel Filho, “Maria que não vai com as outras” e “Mais quero um asno que me carregue do que cavalo que me derrube”, ambas de Eliana Fonseca, para filmes como São Jerônimo, de Júlio Bressane, e Blackout, de Daniel Resende, e para o documentário Bode rei cabra rainha, de Helena Tassara. Participou também de inúmeras trilhas como músico; gravou os CDs Viola e Só um é muito só, e integrou os grupos Rumo e Música Ligeira.

GUSTAVO BARBOSA-LIMA & DANIEL MURRAY formam o Duo Sopro e Cordas. Gustavo BarbosaLima é compositor, clarinetista e professor. Especializou-se em clarinete na França, onde frequentou o GRM, em Paris, e obteve o 1o Prêmio de Clarinete da Associação Leopold Bellan. É integrante também do Duoportal e do Trio Matisse. Daniel Murray é violonista e atua como intérprete, arranjador e compositor. Integra também o Quarteto Tau de Violões e o Duo SaraivaMurray, com Chico Saraiva, com quem acaba de se apresentar na Europa. Entre seus trabalhos solos, destaca-se o disco Tom Jobim para violão.

HELOÍSA FERNANDES é pianista e compositora. Foi aluna dos pianistas Paulo Gori e Gilberto Tinetti. Premiada na edição instrumental do Prêmio Visa 2001, lançou dois álbuns autorais, Fruto e Candeias. Realizou turnês na Europa e nos Estados Unidos com o trio formado pelos músicos Ari Colares e Zeca Assumpção.

LAÉRCIO DE FREITAS é pianista, maestro, arranjador e compositor. Graduou-se em piano no Conservatório Carlos Gomes. Fez parte da Orquestra Tabajara de Severino Araújo e do Sexteto de Radamés Gnatalli. Em 1973 lançou o LP Laércio de Freitas e o som roceiro. Acompanhou artistas como Ângela Maria, Maria Bethânia, entre outros. É arranjador da Banda Sinfônica de São Paulo, para a qual ministra aulas de Prática de Execução Conjunta.

LIVIO TRAGTENBERG compõe músicas para teatro, vídeo, cinema e instalações sonoras. Autor de livros, ganhou em 1987 o Prêmio Vitae pela ópera Inferno de Wall Street e, em 1991, bolsa da Fundação Guggenheim pela ópera Tatuturema. Gravou os discos Temperamental, Othello e Anjos Negros, entre outros. Desde 1995 colabora com o coreógrafo alemão Johann Kresnik. Criou a Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo e a Blind Sound Orquestra, formada por músicos cegos.

MAX DE CASTRO é músico, compositor, cantor e filho do cantor Wilson Simonal. Influenciado por Djavan, Jorge Ben Jor e Cassiano, formou em 1992 a banda Confraria. No começo de 2000 lançou seu primeiro disco solo, Samba raro e, em 2002, Orquestra Klaxon, que conta com par-

cerias de Erasmo Carlos, Marcelo Yuka, Nelson Motta, Fred 04 e Seu Jorge. Em 2005 lançou seu terceiro disco, Max de Castro, com participações de Naná Vasconcelos e do Trio Mocotó.

MICHELLE AGNES é compositora, pianista e professora da academia da OSESP e da Faculdade Santa Marcelina. Formada pela Unicamp e doutora pela Universidade de São Paulo, foi premiada, em 2003, com a bolsa UNESCO-Aschberg para jovens artistas e fez residência no Institut International de Musique Electroacoustique de Bourges, na França.

MUEPETMO é produtor musical e compositor de trilhas para teatro, dança, vídeo e cinema. Engenheiro de som pelo SAE Institute, na Holanda, fez um ano de residência no Conservatorium van Amsterdam. Lançou os álbuns 3 Cavera e Você pensa e faz ao contrário. Participou de edições do FILE – Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, integra o grupo MUVI e, atualmente, trabalha no novo projeto ZILCH – The Creator Project.

OFICINA SONORA DA JORNADA (ver página 83)

PATRÍCIO PATRONIQ SALGADO atua como diretor, editor e compositor de trilhas em projetos de áudio, vídeo, cinema, TV e internet. Estudou no Conservatório Musical Brooklin Paulista. Formado em publicidade, fez trilhas sonora e sound design para filmes como Território vermelho, de Kiko Goifman, e O Desafio de Zezão, de Patricia Cornils. Dirigiu os curtas-metragens Negro e argentino e A Busca de Lucrécio em Alexandria, e o documentário Sou negro e não sei sambar.

QUINTA ESSENTIA é um grupo formado por Alfredo Zaine, Gustavo de Francisco, Guilherme dos Anjos e Renata Pereira. Um dos principais representantes da prática da flauta doce no Brasil, ganhador de diversos prêmios, o quarteto lançou seu primeiro álbum em 2008. Em 2010 tornouse o primeiro conjunto brasileiro de flauta doce a se apresentar na China.

QUINTETO DE SOPROS NINO ROTA é um grupo formado por alunos da EMESP Tom Jobim, de São Paulo. Seus integrantes são Júlia Donley (flauta) e Andréa Silvério (oboé), da Orquestra Experimental de Repertório; Jônatas Bueno (clarinete) e Leanderson Ferreira (trompa), das Orquestras Jovens de Guarulhos e de Atibaia; e Osvanílson Castro (fagote), da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo. Apresentam trilha que contou com a edição e a direção artística de Gustavo Barbosa-Lima.

RICARDO CARIOBA é artista plástico e compositor. Desde 1999 realiza exposições individuais em São Paulo, Londres e no Rio de Janeiro. Participou de exposições coletivas em São Paulo, Curitiba, Belém, Recife e Salvador. Em 2004 começou a compor e, desde então, apresentou sua música eletrônica em São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, Londres e Nova York.

VIOLETA DE OUTONO é um grupo de rock formado em meados da década de 1980, e referência do underground paulistano. Lançou seu primeiro álbum em 1987, hoje um clássico do rock nacional. Recentemente, o grupo lançou Volume 7, álbum que mistura rock, jazz e sons espaciais, e Seventh brings return – a tribute to Syd Barrett, DVD lançado na Inglaterra e que homenageia o lendário criador do Pink Floyd. Partitura original composta para o filme Fragmentos da vida (páginas seguintes)

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Rossi (sentado) no interior de ateliê fotográfico

Em busca do Brasil

Exemplo regenerador

Gilberto Rossi A V Jornada Brasileira de Cinema Silencioso homenageia Gilberto Rossi (1882-1971), italiano de Livorno e criado em Pisa por um tio que trabalhava no Teatro Verdi. Ainda adolescente, Gilberto aprendeu fotografia e logo abriu seu próprio estúdio. Em 1911 conheceu o ítalo-descendente Luigi Guerazzi, que o convenceu a vir para o Brasil e estabelecer-se como cinegrafista em São Paulo. A atividade, porém, era muito pouco conhecida, e Rossi ganhou a vida com a profissão de fotógrafo em Jundiaí e no Mato Grosso. De volta a São Paulo, filmou reportagens para um cinejornal produzido pelo cinema Colombo. Em seguida, criou a São Paulo Natural Film, produziu vários documentários e, em sociedade com Arturo Carrari, realizou O Crime de Cravinhos (1919), que teve grande sucesso de público. Gilberto Rossi, com o apoio obtido de Washington Luís, então presidente do Estado de São Paulo, fundou a Rossi Film e produziu a mais duradoura série de cinejornais do período silencioso brasileiro, o Rossi Actualidades. O dinheiro ganho com esta série e com outros documentários encomendados possibilitou a Rossi produzir alguns longas-metragens: Perversidade (1920), Do Rio a São Paulo para casar (1924), Gigi (1925) e Fragmentos da vida (1929), dirigidos por José Medina, e O Segredo do corcunda (1924), dirigido por Alberto Traversa. Já no período sonoro, associou-se por algum tempo com Rodolfo Rex Lustig na Rossi-Rex. Gilberto Rossi continuou com suas atividades de cinegrafista e fotógrafo até o início da década de 1960. 16

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Ateliê fotográfico em Pisa

São Paulo, 1919, 35mm, 190m, preto-e-branco com viragem, 7min a 16qps companhia produtora Rossi Film; produtor Gilberto Rossi; diretor José Medina; roteiro José Medina; diretor de fotografia Gilberto Rossi; elenco Lucia Laes (esposa), Waldemar Moreno (marido), José Guedes de Castro (criado), Carlos Ferreira (porteiro) cópia Cinemateca Brasileira

Um marido farrista deixa a esposa sozinha em casa no dia do aniversário de casamento. O criado, condoído com a tristeza da esposa, imagina um plano para ajudá-la a reconquistar o marido: esposa e criado fingem um adultério, e através de um bilhete anônimo, denunciam a suposta traição da esposa. O marido, louco de ciúmes, ouve do criado a crua verdade.

Fazenda da Onça

(título atribuído)

São Paulo, 1920, 35mm, 100m, preto-e-branco, 6min a 16qps companhia produtora Rossi Film cópia Cinemateca Brasileira

Aspectos da Fazenda da Onça. O setor de equinos, a potranca Fusaca e o burro Estudante. Um grupo de peões a cavalo. Uma senhora é destacada pela câmara (provavelmente a proprietária da fazenda). Família posa na escadaria do casarão. Homem ensaca café para iniciar os processos de lavagem e secagem.

Batismo de Carmencita, 25 de junho de 1921

(título atribuído)

São Paulo, 1921, 35mm, 40m, preto-e-branco, 2min a 16qps companhia produtora São Paulo Natural Film e Rossi e Cia cópia Cinemateca Brasileira

Um dos assuntos de um cinejornal. Cerimônia de batismo do bebê Carmencita Silveira: padre, familiares, padrinhos e amigos na igreja e na residência dos pais.

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Rossi Actualidades n.126 – Um Sarau no Paço de São Cristóvão São Paulo, 1926, 35mm, 120m, preto-e-branco com tingimento, 4min a 18qps companhia produtora Rossi Film cópia Cinemateca Brasileira

Apresentação da peça “Um sarau no Paço de São Cristóvão” no Teatro Municipal em espetáculo beneficente organizado pela Liga das Senhoras Católicas.

Chegada do aviador De Pinedo a Santo Amaro

(título atribuído)

São Paulo, 1927, 35mm, 120m, preto-e-branco, 6min a 16qps companhia produtora Rossi Film cópia Cinemateca Brasileira

O Marquês De Pinedo desce no lago de Santo Amaro em seu hidroavião “Santa Maria” e é recebido por grande número de populares às margens do lago. De Pinedo é aclamado na frente do Esplanada Hotel entre personalidades e é escoltado por cavalarianos e guardas em meio a populares.

Força Pública do Estado de São Paulo

(título atribuído)

São Paulo, 1925-1930, 35mm, 330m, preto-e-branco, 19min a 16qps companhia produtora Rossi Film cópia Cinemateca Brasileira

Essa antologia de reportagens sobre atividades da Força Pública, retiradas de diferentes edições do Rossi Actualidades, preparada pela própria Rossi Film (que colocou seu logotipo no início e no final da coletânea), nos permite observar o excelente trabalho fotográfico dos cinegrafistas da produtora, tendo à frente Gilberto Rossi. Um registro de diversos locais da cidade de São Paulo: o sítio do Barro Branco, onde ficava a sede da corporação; o centro histórico; o palácio do Governo ainda junto ao Pátio do Colégio; a Estação da Luz. Uma evidente contenção muito paulista perpassa essa série de cerimônias em que autoridades civis, militares e eclesiásticas se confraternizam. O original fazia parte da antiga coleção de nitratos da Cinemateca Brasileira, e foi duplicado na Cinemateca em agosto de 1979.

Fragmentos da vida São Paulo, 1929, 35mm, 890m, preto-e-branco (de original com viragem), 30min a 16qps companhia produtora Rossi Film e Medifer; produtor Gilberto Rossi, José Medina, Carlos Ferreira; diretor José Medina; roteiro José Medina, baseado no conto “Soap”, de O. Henry; diretor de fotografia Gilberto Rossi; elenco Carlos Ferreira (operário e vagabundo), Alfredo Roussy (malandro), Áurea de Aremar (moça), Medina Filho (vagabundo quando criança) cópia Cinemateca Brasileira

Na construção de uma São Paulo que “crescia desafiando as nuvens”, um trabalhador cai de um andaime e, à beira da morte, pede ao filho que trilhe o caminho da “honestidade, do trabalho e da honradez”. O filho, no entanto, prefere se tornar um vagabundo, e tudo faz para tornar-se presidiário e com isso garantir meios de sobrevivência. A ação é, involuntariamente, impedida pelos outros. Quando finalmente decide “tornar-se digno pelo trabalho”, o vagabundo cai nas mãos da polícia e é preso sob falsa acusação de roubo.

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Autorretratos de Gilberto Rossi (páginas anterior e seguintes)

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Cartões publicitários de Gilberto Rossi em sua temporada matogrossense (página anterior e abaixo)

Que “cavação” é essa? Luís Alberto Rocha Melo Cineasta, pesquisador e professor no curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG). Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (Niterói).

O termo “cavação”, aplicado a uma parcela significativa da produção cinematográfica brasileira das três primeiras décadas do século XX, tinha originalmente um sentido pejorativo, discriminatório e até mesmo policialesco. Era frequentemente usado por jornalistas e pelos próprios cineastas quando necessário era separar o “joio” do “trigo”, isto é, definir, ainda que com parcos recursos de análise, o quê ou quem deveria ser considerado digno de figurar na tão desejada “indústria de cinema” no Brasil. No que consistia o ato de “cavar”? Tratava-se, antes de qualquer coisa, de conseguir dinheiro para garantir a continuidade da produção; portanto, a continuidade da sobrevivência do próprio “cavador”. Este, tanto poderia ser um produtor quanto

um cinegrafista, ou ainda, um professor em efêmeras escolas de cinema. Seus filmes – quase sempre “tirados do natural” – abordavam, entre outros assuntos, visitas de vultos políticos, inauguração de fábricas e ferrovias, aspectos de alguma rica fazenda ou de uma cidade do interior, enterros, partidas de futebol, corridas de carro, curas medicinais ou espirituais, festas populares, desfiles de carnaval, chegadas de navio, exposições comemorativas, feiras agropecuárias, desfiles militares, viagens ao interior do país, inaugurações de monumentos. Um mesmo “cavador” podia ser encontrado filmando em Minas Gerais, em seguida no Rio de Janeiro e adiante no interior de São Paulo, isto é, onde houvesse possibilidade de conseguir dinheiro. Na pior das hipóteses, afirmavam os detratores dessa prática, o “cavador” conseguia o financiamento de algum “incauto” (um rico fazendeiro, um dono de fábrica etc.), girava a manivela sem filme na máquina e depois desaparecia sem deixar notícias. Os “cavadores” também poderiam ser financiados pelo Estado, para produzir cinejornais oficiosos, ou então por particulares (em geral, pessoas ricas e influentes da elite rural ou urbana). Nesse caso, os filmes resultavam em institucionais ou documentários que serviam para valorizar o nome de alguma família, registrar os atos de algum político ou ressaltar as vantagens dessa fábrica ou daquele produto. Os filmes de “cavação” eram, portanto, totalmente dependentes da elite financiadora, fosse ela ligada à indústria ou à agricultura, ocupante de cargos públicos

Folheto promocional Rossi Actualidades (páginas anteriores)

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Recorte de anúncio de jornal paulistano editado em espanhol, circa 1921

ou notabilizada por suas posses. A literatura sobre o cinema no Brasil já analisou o impacto ideológico dessa dependência sobre os filmes (bem como a reação dos críticos aos mesmos), ficando mais conhecida a formulação de Paulo Emilio Salles Gomes, feita em 1974, em torno do que ele chamou de “ritual do poder” e de “berço esplêndido”, isto é, filmes que reproduziam o olhar do poder e criavam discursos de um Brasil-potência. Mais recentemente, à luz dos avanços das pesquisas acerca desses filmes e de seus realizadores, novos olhares foram sendo lançados em torno da prática dos filmes “tirados do natural”, inclusive, percebendo neles, como faz Hernani Heffner, o vínculo com toda uma tradição da imagem “posada”, derivada da prática fotográfica do século XIX, o que dá ao termo “natural” uma conotação um tanto diversa da que até então vinha sendo aplicada. O desconhecimento em torno desse cinema (grande parte dele perdido) ajuda na cristalização de equívocos ou de visões apressadas. Por exemplo: entender a “cavação” do período silencioso como algo restrito ao filme documental ou ao cinejornal e não ao filme de ficção – e basta pensarmos em E. C. Kerrigan ou em Luiz de Barros para percebermos o quanto há de “cavação” nos esquemas de produção dos “filmes posados” ou “de enredo”. Ou então, imaginar os “cavadores” como um bloco compacto de cinegrafistas inescrupulosos, iguais entre si, dedicados apenas a fazer filmes institucionais descuidados e sem qualquer compromisso com a linguagem cinematográfica. Nesse caso, a trajetória de um produtor e cinegrafista como Gilberto Rossi desmonta exemplarmente essa caricatura.

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O início da carreira de Rossi, nos primórdios da década de 1910, corresponde ao de um típico “franco-atirador”, vendendo as suas “vistas” diretamente aos exibidores e tirando daí os recursos necessários à fundação da São Paulo Natural Films. Mas, já na segunda metade da década, o veremos unido a Arturo Carrari, diretor da Escola de Artes Cinematográficas Azzurri, com o qual fará o drama criminal O Crime de Cravinhos (1919), um sucesso de bilheteria. Em 1921, o governo de Washington Luiz financia diretamente o Rossi Actualidades, cinejornal lançado na inauguração do Cine-Theatro República, na capital paulista, e que se manterá nas telas de centenas de cinemas do estado de São Paulo até 1931. Uma das atrações do Rossi Actualidades eram os desenhos animados Bille e Bolle, produzidos por Rossi e desenhados por Fonck (Eugênio Fonseca Filho). Além de vários documentários, Rossi produziu e fotografou muitos filmes de ficção, de diversos gêneros, do drama sensacionalista (Perversidade) à comédia (Carlitinho). Dois títulos que sobreviveram ao tempo, Exemplo regenerador (1919) e Fragmentos da vida (1929), feitos em parceria com José Medina, permanecem como exemplos bem marcados da aplicação consciente das regras de continuidade típicas do que posteriormente se convencionou chamar de cinema “clássico-narrativo”. No entanto, seria um engano pensar que tal preocupação com a linguagem era exclusiva dos projetos de ficção produzidos por Rossi, bastando, para tanto, citar as recomendações feitas aos cinegrafistas que desejassem vender reportagens ao Rossi Actualidades, constantes no folheto editado por Rossi em 1926: os cine-repórteres deveriam usar sempre “um optimo apparelho de filmação”, sabendo “manejal-o com exactidão, habilidade e presteza”; deveriam demonstrar “arte na collocação do apparelho de filmação e intelligencia na escolha dos aspectos a apanhar.” Rossi prossegue: Tirem fita panoramica só quando isso for absolutamente necessario. Nesse caso, manejem lenta e uniformemente a respectiva manivela; não pensem que é obrigado a usar o iris exterior a todo momento. O iris e o obturador foram inventados para dar maior atrativo às scenas. Uma fita que tem muitos deste enfeites é o mesmo que um chapéu de moça com demasiados adornos; sempre que puderem, tirem primeiros planos, que são a vida da cinematographia. Cinejornais, desenhos animados, filmes de enredo (ficção), documentários e associação direta com circuitos de salas de exibição: vista hoje, a trajetória de Rossi evidencia a total consciência que o mesmo demonstrava ter do mercado cinematográfico e das possibilidades de produção – o que não excluía o risco de projetos mais ousados e o experimentalismo na linguagem. Hoje são poucos os cineastas que possuem tais atributos.

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A Real Nave Itália no Rio Grande do Sul Cachoeira do Sul, 1924, 35mm, 420m, preto-e-branco, 27min a 16qps companhia produtora Zenith Film; produtor e diretor de fotografia Benjamin Camozato cópia Cinemateca Brasileira

Benjamin Camozato, proprietário e cinegrafista da Zenith Film, desenvolveu intensa atividade a partir de sua sede em Cachoeira (RS). De seus trabalhos, conservaram-se esse filme e o documentário A Revolução no Rio Grande (1923), sobre importante conflito entre chimangos e maragatos. O navio “Itália” era considerado real por ter sido visitado pelo rei Vitório Emanuel, e percorria os países do hemisfério sul fazendo propaganda da cultura italiana e da política de Mussolini. Depois de visitar várias capitais do Brasil, o navio chega ao porto de Rio Grande. Comandante e oficiais visitam a cidade e também Pelotas, sendo recepcionados por autoridades, imigrantes italianos e grupos partidários do fascismo. A cópia original existente na antiga coleção de nitratos da Cinemateca Brasileira foi duplicada no laboratório de restauro da instituição em março de 1990.

O Príncipe herdeiro da Itália em terras do Brasil Rio de Janeiro, 1924, 35mm, 745m, preto-e-branco com tingimento, 41min a 18qps companhia produtora A. Botelho Film cópia Cinemateca Brasileira

O Príncipe herdeiro da Itália em terras do Brasil

Presença italiana no Brasil Um significativo conjunto de documentários silenciosos brasileiros dedicou-se a registrar políticos, militares, membros da realeza e esportistas estrangeiros que visitaram o Brasil em viagens com objetivos de estreitamento de laços políticos, comerciais, culturais, turísticos ou uma mistura de tudo isso. Até hoje, nenhum pesquisador com vocação estatística debruçou-se sobre esse conjunto para traçar um quadro da nacionalidade desses visitantes. É provável que o cruzamento de números e períodos dessas visitas registradas em película indique tendências da política brasileira no terreno das relações internacionais. Fica a sugestão. De qualquer forma, o mero lançar de olhos sobre os títulos desses filmes constata a relevante presença de visitantes italianos. Pelos diferentes percalços que marcam a história da preservação de filmes no Brasil, a maioria desses filmes não existe mais. Contudo, entre os sobreviventes, avultam os registros da presença italiana, e a V Jornada apresenta deles três significativos exemplos: um príncipe herdeiro, um navio real e heróicos aviadores fascistas. A propósito deles, a pesquisadora Mariarosaria Fabris, em uma das mesas programadas para a Jornada, refletirá sobre sua significação.

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O documentário tem uma estrutura curiosa: o encouraçado “São Paulo” – orgulho da Marinha brasileira – parte do Rio de Janeiro levando a bordo o ministro das Relações Exteriores, Félix Pacheco, o embaixador italiano, e Arthur Bernardes Filho, secretário particular do presidente da República, seu pai. Chegam à Bahia, onde o governador os recebe com as honras de praxe. Só então – mais de dez minutos decorridos do filme – desembarca em Salvador o futuro Umberto II de Savoia, último rei da Itália, que completa 20 anos de idade durante a visita. A presença em Salvador do então príncipe de Piemonte (amante das artes, era amigo do futuro cineasta Luchino Visconti) é ótimo pretexto para um documentário sobre a cidade, com tomadas das praias, da igreja do Bonfim, da Cidade Baixa e do centro histórico com seus prédios decorados com luzes elétricas. Uma cópia em nitrato com tingimento foi depositada na Cinemateca Brasileira em maio de 1983 pela Coordenadoria de Cultura do Estado de Minas Gerais e duplicada no laboratório de restauro da Cinemateca em setembro do mesmo ano.

Azas italianas sob os céos do Brasil Rio de Janeiro, 1931, 35mm, 190m, preto-e-branco, 9min a 18qps produtor Ottorino Pietras cópia Cinemateca Brasileira

A esquadrilha fascista, comandada pelo ministro Italo Balbo, amerissa na Enseada de Botafogo, no Rio de Janeiro, sob aplauso de populares – muitos em embarcações. Um grupo de oficiais passa em revista os soldados perfilados. O comandante Italo Balbo, o embaixador Vittorio Cerrutti e o real cônsul Onorevole Mammalella assistem ao desfile das tropas. O coronel Magdalena, “o intrépido herói de várias façanhas aéreas”, posa para a câmara com um grupo de oficiais. No Palácio do Catete, Balbo e Cerrutti são recebidos pelo presidente do Governo Provisório, Getúlio Vargas, e seus ministros. Cópia em nitrato e contratipo em acetato depositados na Cinemateca Brasileira pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Cópia em acetato feita no laboratório de restauro da Cinemateca Brasileira dentro do projeto Resgate do Cinema Silencioso Brasileiro, patrocinado pela Caixa Econômica Federal. 29

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levando-os até a correr para fora, para se protegerem. Em certo público da época nota-se também uma reação de expectativa e de aceitação de um fenômeno, o cinematográfico, muito próximo de uma sensibilidade moderna e positivista.

O Fauno

Cinema silencioso italiano

Uma introdução ao cinema italiano Luca Giuliani Curador do acervo cinematográfico do Museo Nazionale del Cinema, Turim.

“Magnífico o efeito de corrida” é o comentário de um jornalista da Gazzetta di Treviso (na região nordeste de Veneza), ao voltar de um espetáculo cinematográfico, em 1899. Que imagens seriam aquelas vistas pelo jornalista? Uma vue espanhola de um espetáculo de corrida, quem sabe filmada por um operador da Lumière; ou, então, a representação “caseira”, encenada nos fundos de uma habitação pelo operador ambulante que rodava as feiras, vendendo os primeiros programas cinematográficos na Itália, ao lado dos habituais espetáculos de praça? Difícil dizer, mas o que parece indiscutível, no comentário, é a sensação de grande surpresa deste espectador, para quem a corrida, verdadeira ou reconstruída, resultava como um efeito. É sabido que o truque, o efeito, a maravilha são os componentes fundamentais da recepção e da acolhida por parte do público das primeiras imagens em movimento. Seria, porém, redutivo perpetuar aquela ideia, que já se tornou mito, de que as imagens de um trem chegando à estação, passando na tela do cinema, fossem tão surpreendentes e inexplicáveis a ponto de aterrorizar os espectadores na sala,

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Para compreender a complexidade do entrelaçamento das reações frente às imagens em movimento e a realidade da Itália do começo do século XX, ajudamnos dois jornalistas. O primeiro, em Turim, em 1896: “Nessa cena também a ilusão é completa. Até os vapores do ferro fervendo dentro da água são reproduzidos com precisão matemática. Parece até que ouvimos o ruído do martelo na bigorna”. O segundo, em Brescia, no mesmo ano: “Sabem vocês o que é o cinematógrafo? A reprodução fotográfica do momento fugaz, em centenas e milhares de operações que se sucedem umas após as outras. Vocês abraçam um amigo querido? Pois bem, oitocentas fotografias instantâneas reúnem ordenadamente as várias gradações de seu abraço. Em seguida, uma máquina imprime um movimento vertiginoso às inúmeras fotografias, uma série contínua de cintilações as ilumina, um refletor elétrico as joga contra uma tela, uma lente de aumento leva a proporções quase naturais aquelas mínimas da fotografia... e vocês oferecem para o público culto e para a nobre legião o espetáculo da intensidade de seu sentimento”. Dir-se-ia que dos comentários da época emerge uma espécie de impulso, de vontade de questionar os limites da relação realidade/ilusão, expressão de uma cultura e de uma sociedade que manifestam interesses recorrentes (sociais, artísticos, científicos, geográficos) em relação às novas formas de conhecimento da realidade. Uma fome de novidades e de avanços do conhecimento que a frequente definição do novo dispositivo cinematográfico encarna perfeitamente: “aparelho de recepção”. Os comentários da imprensa ressaltam a busca de um envolvimento emotivo diferente daquele proposto pelos espetáculos que precederam o cinema. No momento em que o cinema faz sua aparição no mundo do show business do final do século XIX, certo público, cuja sensibilidade ou curiosidade amadureceram à luz de um positivismo sempre menos “romântico”, e em busca de novos âmbitos de experimentação, já está pronto para ser tomado pela ilusão do movimento das imagens. Portanto, além do tradicional espetáculo de feira, é necessário prestar atenção também num segundo ponto, mostrado com clareza pela imprensa: “o profético sucesso da ciência”. O cinema, por exemplo, encarna uma série de mitos burgueses, e possibilita aos espectadores se aproximarem de maneira surpreendente, até então impensável, de realidades desconhecidas e longínquas. Em primeiro lugar, as geográficas: “em

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poucas palavras, gastando pouco e em poucos minutos, aquela maravilhosa máquina moderna nos fez dar a volta ao mundo”. Como podemos ver, proximidades não somente geográficas, mas também sociais e culturais. O cinema permite “participar” das núpcias dos reis ou “encontrar” grandes cientistas, atores teatrais, literatos: “Especialmente em Nápoles, essa projeção suscitou grande interesse, pois muitíssimos napolitanos não haviam podido até agora ver os nossos príncipes, a não ser de relance. No Lumière, ao contrário, eles caminham, pode-se dizer, do fundo da cena e chegam até o espectador, e parece ser quase possível falar com eles”. As crônicas da época sugerem a existência de um interesse específico pelo espetáculo cinematográfico por parte da pequena e média burguesia. A ligação fantástico-científica do espetáculo cinematográfico corresponde ao acúmulo emergente de pulsões e desejos que, graças às maravilhas da técnica, “pode misturar-se aos mais requintados viajantes, gozando da vivência de uma experiência tradicionalmente reservada à rica burguesia, aspirando à superação de seus limites de classe e à busca de desejos de uma evasão tangível, mesmo que temporária”. A técnica, não somente a cinematográfica, com suas maravilhas e seus truques, principalmente os cômicos, “percorre desejos secretos da alma, torna possível o impossível, realizável o sonho: proporciona um toque de serenidade para quem escolheu acreditar, pelo menos durante o espetáculo, na possibilidade de uma modificação radical de seu próprio ser”. É justamente considerando a polarização entre maravilha e realidade, ilusão e ciência, que se pode compreender o impacto e o sucessivo desenvolvimento do espetáculo cinematográfico na Itália do começo do século XX. Um país com grandes contradições sociais, econômicas e culturais, que sofre durante três décadas a intervenção do cinema e, por fim, é transformado por ele. O truque e a ilusão tornamse uma poderosa máquina de propaganda política em termos nacionalistas, graças à recuperação enfática das glórias da história antiga, romana e renascentista, e da tradição teatral. Por outro lado, a incerteza econômica e a falta de uma mentalidade e de uma estrutura de tipo industrial favorecem, fora das vertentes nacionais, o espírito empreendedor e o estilo pessoal dos indivíduos, traçando caminhos heterogêneos, locais e muitas vezes não duradouros.

OS TRUQUES DO “NATURAL” Na Itália também o espetáculo cinematográfico chega na primavera de 1895, graças às imagens animadas do Kinetoscopio de Thomas A. Edison, com a colaboração de

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William L. Dickson. O rápido declínio de sua difusão deve-se principalmente, entre outras razões, à falta da dimensão da visão coletiva na sala, característica que, ao contrário, marca desde o começo as vistas (do natural) Lumière que chegaram da França à Itália no ano seguinte, na primavera de 1896. A difusão das primeiras vistas fixa-se rapidamente nas principais cidades italianas, segundo rotas comerciais que da França e da Alemanha chegam a Turim, Milão e Veneza, por um lado, e, por outro, a Roma, Florença e Nápoles. A partir dessas cidades, os filmes alcançam o interior graças ao trabalho de ambulantes que rodavam os mercados, as feiras e as quermesses dos pequenos centros. Inicialmente, o espetáculo cinematográfico não é autônomo: está inserido nos programas já experimentados pelos cafésconcerto e pelo teatro de variedades. Desde o começo não faltam salas especialmente reservadas para o espetáculo teatral, mas a difusão dos cinematógrafos autônomos inicia-se de maneira estável em 1905. Até esse ano, quase todas as produções distribuídas na Itália (cerca de 2.600 títulos) são estrangeiras, sobretudo francesas e americanas. Os programas oferecem repertórios variados, e ao lado dos “naturais”, encontramos temas sacros, filmes com truques ilusionistas, curtas-metragens cômicos, dramas realistas e moralizantes. As primeiras produções italianas são realizadas pelos próprios empresários e ambulantes, ou por fotógrafos que experimentam como pioneiros a nova tecnologia. Italo Pacchioni, Roberto Omegna, os irmãos Vitrotti e Luca Comerio, operador da Real Casa dos Savoia, estão entre as figuras mais importantes até 1914. Neste ano desenvolve-se o longa-metragem, o que leva, consequentemente, ao desaparecimento gradual das vistas “naturais”. Nos primeiros quinze anos, os principais argumentos dos filmes são inspirados nas notícias dos jornais e na paisagem italiana. A vida mundana e os eventos institucionais, muitas vezes ligados à visita de reis, não somente italianos, se alternam às belezas e às catástrofes naturais. Por exemplo, a celebridade das imagens do terremoto de Messina, de 1909, é comprovada também pelas inúmeras e sucessivas referências literárias. A costa marítima e as cidades de arte contribuem para criar uma imagem-paisagem da Itália, compondo um verdadeiro atlas cinematográfico, facilmente distribuído no exterior, e que alimenta o mito do século XIX da Itália como “jardim” da Europa. A imagem geral da Itália no exterior passa também pelo registro dos eventos bélicos, realizados sempre a partir das retaguardas logísticas, cuidadosamente controladas pela censura sob a forma de exaltação da força militar de um país beligerante bastante verossímil, como no caso das muitas imagens da guerra ítalo-turca, ou da I Guerra Mundial. Como corolário dessas imagens estão as gravações dos fenômenos do processo de modernização que a sociedade e a indústria italianas empreendem, mesmo que de maneira redu-

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zida em relação ao mostrado pelos filmes. Competições automobilísticas e náuticas, as várias preciosidades da indústria náutica e também as grandes infraestruturas viárias estão no centro dos programas da época. A grandiosidade e a maravilha desses acontecimentos e construções tomam o lugar da surpresa inicialmente provocada pelas imagens em movimento. Esta, sozinha, não basta mais; se o espetáculo cinematográfico quer levar adiante sua difusão, deve oferecer outros tipos de maravilhas. Ao lado dos filmes que remetem às belezas naturais e aos fatos da vida cotidiana que acabamos de descrever, afirma-se na Itália também, como no resto da Europa, a maravilha dos filmes cômicos baseados nas experimentações técnicas e nos achados narrativos. O cinema cômico herda o estupor suscitado pela invenção do cinematógrafo, quando, em suas origens, essa nova máquina científica e misteriosa parecia, inclusive no meio científico, quase capaz de vencer a morte. Vejamos, por exemplo, o relato da conferência de Galileo Ferraris sobre a “fotografia animada”, publicada no jornal Stampa, de 13 de novembro de 1896: “Para além da diversão, haverá ‘efeitos práticos’ importantes, como a possibilidade de ‘reviver a vida passada: os filhos reverão os pais’”. A possibilidade que o cinematógrafo oferece de rever, de tornar mais lento, de sequenciar, de fazer desaparecer é logo compreendida pelos artistas da época. Entre os primeiros que compraram a licença para o Cinematographe Lumière está o famoso transformista Fregoli, que imediatamente multiplica seus próprios espetáculos “em ausência”, graças ao registro cinematográfico de suas façanhas, muito difundidas e conhecidas pelo nome de Fregoligraph. As primeiras produtoras italianas contam também com artistas já famosos no exterior: André Deed, intérprete de Cretinetti; Marcel Fabre, o pai de Robinet; Guillaume, o criador de Tontolini e, depois, do ainda mais famoso Polidor. Os curtas-metragens cômicos com uma personagem fixa têm muito sucesso na Itália a partir dos primeiros anos de 1910, e passam por todas as possíveis variações da época: o burlesco, a farsa, a perseguição. Segundo a definição do historiador Silvio Alovisio, o caráter nervoso dessas personagens cômicas, frequentemente fragmentadas ou desprovidas de uma identidade precisa depois de contínuas trocas de papéis e fantasias, deixa vislumbrar na contraluz algumas características comuns. As paisagens urbanas das cidades do começo do século XX constituem o fundo natural desses filmes cômicos, e adquirem hoje também um vigoroso valor de documento histórico. Por trás da imagem um pouco estereotipada da burguesia festiva, vislumbramos a cidade real com suas ruas, os locais, a moda.

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Em segundo lugar, uma força dessacralizadora que escarnece de forma quase anarquista da vida cotidiana e de seus protagonistas. É um escárnio inócuo e instintivo, que se concentra especialmente nos mitos da burguesia do século XIX. Uma agressividade grosseira que rompe, desajusta, mas não subverte os princípios do poder oficial. Ela satisfaz os desejos de um público analfabeto e proletário; porém, por volta de 1905, com o surgimento da exigência de estabilização da prática e da empresa cinematográficas, não estará mais no centro do interesse das produtoras italianas, que buscam um público mais culto e mais rico, para o qual o drama e o estrelismo do longa-metragem reservam recursos criativos, literários e comerciais mais amplos.

O SURGIMENTO DO PÚBLICO E DA NARRAÇÃO Por volta de 1905 começam a se multiplicar, especialmente nas grandes cidades, as salas cinematográficas estáveis e permanentes, como sinal de uma difusão do espetáculo já experimentado e em expansão. Como ocorrera antes com os ambulantes, a iniciativa é individual: em todas as cidades há empresários que investem na construção de salas e na distribuição de programas novos e cada vez mais numerosos. Dois exemplos: Rodolfo Remondini, em Florença, e Filoteo Alberini, em Roma. Este último produz também o primeiro filme italiano com enredo, La Presa di Roma / A Tomada de Roma (1905), para celebrar os 35 anos do ingresso das tropas italianas na capital do país unificado. A estabilização do circuito de distribuição, a melhoria das condições técnicas e o esforço para buscar uma oferta de gênero de filmes mais variada e cada vez maior favorecem, mesmo que com dez anos de atraso em relação a outros países europeus, o surgimento das primeiras produtoras na Itália. Verifica-se um verdadeiro progresso da produção italiana, que dentro de poucos anos consegue competir, no que diz respeito à qualidade e à difusão, com a cinematografia francesa e americana. A produção italiana caracteriza-se pela falta de uma capital que centralize as indústrias cinematográficas. Em Roma, Milão, Turim e Nápoles começam a florescer, de modo mais ou menos semelhante, diversas empresas: em Roma, em 1905, a Alberini & Santoni, que no ano seguinte torna-se Cines; em Turim, em 1906, a Arturo Ambrosio, que em 1907 torna-se sociedade anônima; ainda em Turim, nasce a Carlo Rossi & C., que dará origem, em 1908, à Itala Film, de Carlo Sciamengo e Giovanni Pastrone. O denominador comum das produtoras italianas é a busca, segundo o exemplo da francesa Pathé, de um modelo de produção vertical que inclua as várias fases do trabalho,

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da elaboração do texto (com a contratação de intelectuais, literatos e atores teatrais) às filmagens (com a construção de estúdios), até a pós-produção (é italiana a patente para a perfuração da película que será utilizada em seguida por Eastman). A influência e a visibilidade sempre maiores do cinema na vida social italiana são confirmadas também pelo surgimento das primeiras revistas do setor, e pelo interesse dos intelectuais sensíveis às transformações das sociedades que operam com a nova mídia. Essa hipertrofia produtiva (dos 50 títulos de 1905 chega-se aos quase 370 de 1908), em pouco tempo, gera fenômenos colaterais e se choca com as respostas comerciais das produtoras dos outros países. A passagem para o sistema de aluguel de fitas e o excesso de oferta de títulos com relação às possibilidades de exploração do mercado interno levam as produtoras italianas a se lançar nos mercados estrangeiros, até alcançar, em 1908, o americano. A variedade das tipologias narrativas não consegue acompanhar o incremento da produção, e isso repercute negativamente na qualidade dos filmes; já em 1909, verifica-se uma crise produtiva que marca o desaparecimento de dezenas de produtoras com apenas um ou dois anos de vida. Isso leva, no início de 1910, a uma reação estrutural e à transformação da produção por meio de uma série de respostas à crise. Em primeiro lugar, estabiliza-se a oferta regular, por meio de um alto nível de identificação dos filmes que passa pelas séries, a estabilização dos gêneros, a contratação de atores exclusivos. Seguindo o exemplo do curta-metragem em série com personagem fixa, uma das mais persuasivas estratégias para a conquista do público à marca da fábrica, em 1909 a Ambrosio inaugura, com o Spergiura! (baseado em um conto de Balzac), a “Série de ouro”. A Cines responde com a “Série artística”, e logo depois com a “Série Princeps”, a partir do modelo da francesa Film d’Art. Em segundo lugar, como podemos intuir pelos títulos, recorre-se ao auxílio de literatos e de fontes literárias prestigiosas e facilmente reconhecíveis. As adaptações sintéticas de grandes clássicos da literatura e do teatro tornam-se recorrentes no panorama da produção italiana: Homero, D’Annunzio, Shakespeare, Manzoni, o melodrama verdiano e o romance histórico do século XIX. Acrescente-se ainda a utilização de famosos atores teatrais, chamados para dar dignidade artística aos filmes (Ermete Zacconi, Ermete Novelli, Ruggero Ruggeri), e, autêntica novidade em nível internacional, o esforço na construção de luxuosas e ambiciosas cenografias tridimensionais, nas quais os próprios atores podiam transitar de verdade. Por fim, a terceira estratégia é a realização de filmes “colossais” (La Gerusalemme liberata, da Cines, de 1911), em que todas as partes descritas podiam encontrar

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uma adequada moldura com forte valor evocativo. Esse esforço produtivo engloba também a duração dos filmes, que chegam a dimensões inimagináveis até então (dos 250/300 metros, correspondentes a 10/15 minutos, passa-se, em 1911, aos 1000/1200 metros), de forma a dar a ênfase apropriada à progressão do desenvolvimento narrativo, condição indispensável para ganhar a fidelidade do público burguês culto. Entre 1912 e 1914, filmes como L’Inferno, da Milano Films, La Gerusalemme liberata, da Cines, e La Caduta di Troia, da Itala Film, impõem à cena do espetáculo cinematográfico a gradual afirmação do longa-metragem, que tem com Cabiria (dirigida por Giovanni Pastrone, com a colaboração de Gabriele D’Annunzio, produzida pela Itala Film em 1914) o seu mais famoso resultado, e que será referência também para D.W. Griffith quando realiza The Birth of a nation (1915) e Intolerance (1916). A mudança, obviamente, diz respeito também às formas de programação e fruição. O cinema não é mais apenas um passatempo; entra, inclusive, com o pé direito no âmbito das manifestações artísticas da época, legitimado pela aprovação de intelectuais como Benedetto Croce e Matilde Serao (veremos a seguir o caso inverso de Luigi Pirandello). Trata-se de uma nova fórmula espetacular, que prevê tempos (espetáculo único, diferentemente dos programas diversificados do passado) e lugares (salas cada vez mais grandiosas e aconchegantes) apropriados, para a qual a contribuição italiana no panorama internacional mostra-se decisiva, embora nascida de uma estrutura absolutamente não industrial, bastante improvisada e tecnologicamente atrasada. Verifica-se que a maior qualidade da produção cinematográfica italiana e sua consequente influência nos costumes e hábitos da vida cotidiana são acompanhadas de uma atenção cada vez maior por parte da censura e, em grande parte, pelo cumprimento de exigências determinadas pelo controle de aprovação vigente durante o período de Guerra. As transformações impostas pela modernidade, os comportamentos “degenerados e antissociais” e a incerteza generalizada do período são elementos que levam, em 1913, à primeira iniciativa legislativa tomada pelo governo Giolitti. O governo Giolitti divulga uma circular aos administradores públicos, que, conforme afirma Silvio Alovisio, não somente impõe a obrigação da autorização prévia para a projeção, mas proíbe a exibição cinematográfica pública de determinados conteúdos contrários “aos bons costumes ou à decência pública (...), ao decoro, à honra, à reputação nacional”, ou em que haja imagens de “crimes impressionantes, ou de atos

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ou fatos que sejam exemplo de delitos, ou que possam, devido à apresentação de cenas torpes e macabras, impressionar sinistramente os espectadores”. No texto da circular, que de fato introduz a censura cinematográfica estatal, o cinema é definido como “uma verdadeira e poderosa escola do mal”.

A AFIRMAÇÃO DOS GÊNEROS De 1912 em diante, o cinema italiano é universalmente conhecido por seus filmes históricos, muitas vezes de ambientação romana ou renascentista. A já citada La Caduta di Troia, de Giovanni Pastrone (Itala Film, 1911), Quo vadis?, de Enrico Guazzoni (Cines, 1912), Gli Ultimi giorni di Pompei (Eleuterio Ambrosio, 1908) são, juntamente com os modelos tirados do melodrama verdiano, exemplos de historicidade e precisão factual, e de monumentalidade cenográfica, que eliminam o uso dos panos de fundo artificiais pintados. Sobretudo nos filmes de Guazzoni, com soluções estéticas bastante refinadas (Marcantonio e Cleopatra e Giulio Cesare, ambos de 1913), torna-se evidente a exaltação ideológica da identidade de tipo nacionalexpansionista da Itália giolittiana e umbertina, ou, como diria D’Annunzio, de seu “imperialismo Adriático”. Além disso, os acontecimentos e as paisagens clássicas da história antiga italiana oferecem a enorme vantagem de ser imediatamente reconhecíveis no exterior. A vertente histórico-veneziana (representando geralmente o esplendor da Sereníssima República do século XVI) constitui um verdadeiro subgênero do cinema italiano, capaz de produzir bons resultados ainda no começo dos anos 1920.

instância de interpretações, personagens e modelos imaginários, experimentados e altamente codificados. Frente à prevalência desses estereótipos, não sobra espaço para propor novos modelos de atuação. Isso explica o clamoroso fracasso do único filme protagonizado por Eleonora Duse, Cenere, dirigido por Febo Mari e produzido em 1916 pela Ambrosio. Nele, Eleonora Duse procura demolir os pressupostos do drama das divas, tendo em vista o objetivo paradoxal de anular a exibição do corpo e de suprimir o gesto estilizado e antinatural. Se o corpo da femme fatale domina quase sempre, de corpo inteiro, o quadro do filme, em Cenere o corpo da Duse desliza para o fundo, quase sempre escondido em tecidos pesados, e interioriza a emotividade com uma expressividade de grande força trágica. O terceiro gênero que pode ser encontrado no cinema silencioso italiano, embora relegado a uma posição secundária e marginal, no que diz respeito à produção, pelo enorme poder das ambientações históricas e dos melodramas do Decadentismo, é o chamado drama realista de temática social, que se insere na tradição literária realista e naturalista. Sperduti nel buio (1914), de Nino Martoglio e Roberto Danesi (um filme infelizmente desaparecido durante a II Guerra Mundial); Assunta Spina e L’Emigrante, de Febo Mari (1915); I Figli di nessuno (1921), de Ubaldo Maria del Colle, são os melhores exemplos.

Entre 1915 e 1920 chega ao seu auge outro gênero cinematográfico italiano, verdadeira marca da produção da época: o filme de divas.

Cabe aqui especificar que por inspiração realista entende-se uma atitude equilibrada e contida em relação às ambientações aristocráticas, comparada com o luxo dos outros gêneros. A ambientação realista e popular é apresentada sempre sob o pano de fundo de histórias com perspectivas burguesas, baseadas na oposição maniqueísta entre os princípios sadios e os valores das classes populares, a injustiça e a indiferença da moral burguesa.

Os estereótipos da cultura do século XIX e do decadentismo dannunziano encontram amplificação no gesto e na sensualidade do corpo das divas do cinema, que oferecem novas interpretações às personagens da mulher dominadora, da inocente desventurada, da mulher perdida, em busca do desfrute absoluto, da licenciosidade do adultério, da conjugação entre arte e prazer.

São particularmente os filmes de produção napolitana que se impõem, por suas ambientações muitas vezes naturais, como nos da produtora e diretora Elvira Notari, baseados em temas da tradição musical popular e do teatro musical napolitano; ou nos filmes de Roberto Roberti (Napoli che canta, 1926), conhecido também por ser o pai de Sergio Leone.

Lyda Borelli (Ma l’amor mio non muore, 1913; Rapsodia satanica, 1915; Carnevalesca, 1917), refinada no gesto de inspiração vagamente liberty e simbolista; Pina Menichelli (Il Fuoco, 1915; Tigre reale, 1916; ambos da Itala Film, dirigidos por Pastrone), indômita, de gestos ávidos e tensos; Francesca Bertini (Assunta Spina, 1915; La Signora delle camelie, 1915), a mais versátil e desenvolta em seus diferentes papéis, são as principais protagonistas que as cristaliza em uma

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VANGUARDA E RETAGUARDA O deflagrar da I Guerra Mundial repercute na produção italiana com alguns efeitos negativos. Pela primeira vez, a troca comercial entre a Itália e os Estados Unidos inverte-se, com o bloqueio pela parte americana das importações da Europa e,

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consequentemente, com a afirmação do cinema americano e de suas estrelas. Em 1917 chegam à Itália os filmes de Thomas H. Ince, De Mille, Mack Sennet e Charlie Chaplin, que redefinem o gosto do público em uma perspectiva mais moderna. Muitas sociedades de produção encerram suas atividades; também em 1917 acontece a histórica superação de Roma em relação a Turim: a produção da capital sobe para os 51% do total, enquanto a de Turim desce para 27% (Alovisio). A crise financeira e organizacional se liga à incapacidade de propor ao público novas fórmulas, modernizando os recursos técnicos e as soluções expressivas. A essas dificuldades, no âmbito da produção italiana surge uma primeira resposta de caráter monopolista e de concentração vertical da produção à prática. Em 1919, com o capital de dois bancos nacionais, nasce a Unione Cinematografica Italiana (UCI), graças à obra de dois protagonistas então concorrentes, Giuseppe Barattolo e Gioacchino Macheri. Em poucos anos, sociedades de produção históricas são comercializadas, como a Cines, a Itala, a Tiber Film e a Pasquali. A falta de novas fórmulas narrativas, os custos de produções sempre mais grandiosos, os interesses puramente especulativos dos investidores e o excesso da oferta, não assimilável nem pelo mercado interno nem pelo externo, provocam, em um curto espaço de tempo, o fim da aventura UCI, com sua definitiva falência em 1921. Nesse meio tempo, os nomes já em crise das estrelas italianas são substituídos por nomes novos, como os de Mary Pickford, Douglas Fairbanks, Charlie Chaplin e Eddie Polo, todos americanos. A partir de 1924, a disparidade criativa entre a produção italiana e a dos Estados Unidos e da União Soviética, da Alemanha e da França, torna-se dramática. A contribuição original da década de 1910 perde-se completamente, e o cinema italiano envereda para uma fase de retaguarda, longe das pesquisas e das experimentações da fase madura do período silencioso, codificadas por regras da narração denominada clássica. Dessa fase de retomada quase maneirista dos estilemas do período de ouro, a série de Maciste (produzida, a partir da fama dos tempos de Cabiria, de Bartolomeo Pagano, pela sociedade Pittaluga de Lombardo, que adquire a UCI) representa o exemplo mais significativo, também por suas implicações ideológicas e propagandísticas do incipiente regime fascista. Os epígonos do gênero histórico e melodramático compartilham o mesmo clima de cansaço (veja-se o exemplo da quarta versão do Gli Ultimi giorni di Pompei, de 1926, de Amleto Palermi e Carmine Gallone). Esses filmes não propõem nada novo; os conteúdos parecem cada vez mais desatualizados; a ênfase no gesto e na pose se cristaliza em uma liturgia sempre mais cerimonial e exasperada, sem conseguir competir com a fresca modernidade e o fascinante dinamismo dos produtos hollywoodianos. 40

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O modelo clássico do cinema silencioso italiano que, simplificando bastante, tinha refinado as potencialidades do enquadramento centrípeto e autárquico, da montagem interna de uma cena exequível e majestosamente tridimensional, de uma sábia articulação da trama das luzes e de uma encenação baseada na profundidade de campo, eixo privilegiado da ação, dá lugar ao modelo destinado a se impor depois, o americano da montagem. Nos mesmos anos, mesmo em um contexto de fundamental incompreensão do fenômeno cinematográfico por parte da classe intelectual italiana, que não desenvolve um debate como o que ocorre, por exemplo, na França, algumas inquietações da vanguarda interessam-se em levar adiante uma reflexão estética sobre o tema. O caso mais conhecido é o dos futuristas italianos, que, em 1916, assinam o Manifesto da cinematografia futurista. O cinema é movimento, síntese, simultaneidade, velocidade, ação, típico produto material e tecnológico da modernidade, capaz de abalar, com suas características, as formas tradicionais das outras artes. As reflexões dos futuristas não conseguem, e provavelmente nem tencionam, influenciar as estratégias produtivas do cinema italiano – o que acontece, ao contrário, com a “nova estética do movimento” elaborada por D’Annunzio, favorecida graças a colaborações concretas para a realização de filmes. Quase contrastando com a entusiasmada exaltação cinética do cinema, surge a isolada posição de Luigi Pirandello. Em seu romance Si gira, Pirandello interpreta o cinema através de uma série de intensas metáforas, quase todas negativas, providas, porém, de grande força. O cinema, para ele, não remete a uma questão de estética; é uma máquina tecnológica que anula a subjetividade e reduz a nada o gesto criativo. O olhar objetivo da máquina aliena o olhar subjetivo do homem: enquanto olha e reproduz a vida, na realidade, a devora, esvaziando os corpos vivos dos atores e os transformando em sombras mudas e tremulantes. Esse olhar da máquina, todavia, exatamente porque desumano e neutro, é capaz de apreender as coisas de forma a colocar-se na perspectiva da própria coisa, sem mediações humanas. Aspirações e inspirações que fascinam positivamente outras vanguardas europeias, encontrando talvez seu mais perfeito representante em Vertov. De qualquer forma, para concluir com uma curiosidade, cabe a Pirandello a tarefa de encerrar a fase do cinema silencioso italiano. O primeiro filme sonoro, La Canzone dell’amore, de Gennaro Righelli, de 1931, é inspirado em um conto do escritor siciliano intitulado In silenzio.

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Spergiura!

Un Matrimonio interplanetário

Itália, 1909, 35mm, 225m, preto-e-branco com viragem e tingimento, 13min a 18qps companhia produtora Società Anonima Ambrosio; produção Arturo Ambrosio; direção Luigi Maggi, Arturo Ambrosio; direção de fotografia Giovanni Vitrotti; roteiro Arrigo Frusta, baseado no romance La Grande Bretèche, de Honoré de Balzac; elenco Mary Cléo Tarlarini (Bianca Maria), Alberto Capozzi (oficial dos dragões), Luigi Maggi (marquês de Croixmazeu), Luigi Bonelli, Mirra Principi cópia Museo Nazionale del Cinema

Itália, 1910, 35mm, 260m, preto-e-branco, 13min a 18qps companhia produtora Latium Film; direção Enrico Novelli (com o pseudônimo de Yambo); roteiro Enrico Novelli cópia Museo Nazionale del Cinema

Traidora!

Um Matrimônio interplanetário

Bianca Maria está apaixonada por um belo oficial dos dragões, e o sentimento é mútuo. Ela espera que o marido, o marquês, saia para que ela possa introduzi-lo em seus aposentos. A traição de uma criada faz com que o marido volte inesperadamente ao castelo. Restauração realizada em junho de 2009 pela Cineteca di Bologna, pelo Museo Nazionale del Cinema e pela Deutsche Kinemathek – Museum für Film und Fernsehen Berlin, no laboratório L’Immagine Ritrovata, a partir de uma cópia em nitrato preservada em Berlim. Alberto Capozzi (1886 – 1945), filho de uma rica família de armadores de Gênova, entra criança para um seminário, por vontade do pai. Descobre a existência do teatro e se apaixona pelo palco. Aos 17 anos entra para uma companhia dramática e inicia uma bem-sucedida carreira de ator. Em 1909, através de um anúncio publicado em jornais, procura a Ambrosio e, nesse mesmo ano, toma parte em um número considerável de curtas do nascente cinema italiano. 1911 marca a definitiva consagração de Alberto Capozzi e Mary Cléo Tarlarini como o primeiro par ideal do cinema italiano. Ele interpreta papéis de cavalheiro destemido, capaz de sublimes sacrifícios, impetuoso na batalha, lânguido no amor. Seu rosto e seu nome o tornam célebre em todo o mundo – é o divo cinematográfico, com milhões de admiradores e admiradoras fiéis. Seus filmes rendem cifras fantásticas. Com o início da I Guerra Mundial, monta uma companhia dramática e durante um ano percorre a América do Sul. Um jovem ator da companhia, Vittorio Capellaro, abandona a companhia e permanece no Brasil, onde desenvolverá importante carreira como produtor, ator e diretor de filmes, entre eles duas adaptações de O Guarani. De volta à Itália, Capozzi escreve roteiros, dirige e atua em filmes da Ambrosio; trabalha na Áustria, e se transfere para Roma. De 1923 a 1929 trabalha, sobretudo, em teatro, até ser convidado pelos estúdios da Paramount na França a fazer versões faladas em italiano de filmes americanos. Em seguida trabalha com Alexander Korda na Inglaterra. Com o início da II Guerra Mundial, volta para a Itália e atua em seus últimos filmes.

L’Ave Maria di Gounod Ave Maria

Itália, 1910, 35mm, 147m, preto-e-branco com viragem e tingimento, 8min a 18qps companhia produtora Società Anonima Ambrosio; direção de fotografia Giovanni Vitrotti; elenco Mary Cléo Tarlarini (Elza), Giuseppe Gray (Janko), Oreste Grandi, Alberto Capozzi cópia Museo Nazionale del Cinema

Os médicos declaram que não há esperanças para Elza, filha do conde de Ercole. Ela sonha com um recanto escondido numa pequena igreja, oculta numa nuvem de incenso, onde a bela Ave Maria, de Gounod, sobe das sombras da nave. A melodia possui a jovem e, no fundo de seu coração, ela desesperadamente deseja encontrar o violinista. Cópia restaurada incorporada pelo Museo Nazionale del Cinema em 1994. A restauração foi realizada no Instituut Film Nederland, em Amsterdã, a partir de uma cópia em nitrato tingida e virada, com intertítulos em holandês, pertencente à coleção Jean Desmet. 42

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Um jovem astrônomo estuda as estrelas usando seu telescópio. Ele vê a paisagem lunar e um maravilhoso palácio onde, através de uma janela, uma jovem observa o céu tão atentamente quanto ele. A jovem alienígena o vê: amor à primeira vista.

La Madre e la morte A Mãe e a morte

Itália, 1911, 35mm, 202m, preto-e-branco com tingimento, 11min a 16qps companhia produtora Società Anonima Ambrosio; direção Arrigo Frusta; direção de fotografia Giovanni Vitrotti; elenco Mary Cléo Tarlarini (a mãe), Ercole Vaser (a morte), Oreste Grandi (o filho com 20 anos), Maria Bay (o bebê), Gigetta Morano, Fernanda Negri-Pouget, Paolo Azzurri, Norina Rasero (Norma) cópia Museo Nazionale del Cinema

Uma mãe, sentada ao lado do berço de seu bebê, canta um acalanto. Subitamente ela escuta três batidas na porta. Um velho aparece na soleira, com longos cabelos e barbas brancas, curvado e tremendo de frio. Quando a chama crepita, a boa mulher levanta-se alegremente. Ela olha em volta surpresa, com desespero. O velho desapareceu, e o berço está vazio. Restauração realizada a partir de uma cópia em nitrato tingida com 149m, com intertítulos italianos, pertencente ao acervo da produtora Ambrosio, preservada na Cineteca Italiana, em Milão. Um contratipo e uma cópia colorida pelo processo Desmet foram feitos no laboratório L’Immagine Ritrovata, Bolonha, em 2007. A empresa cinematográfica Ambrosio foi fundada em 1906, em Turim, por Arturo Ambrosio e Alfredo Gandolfi, primeiro como Società Ambrosio & C. e, em seguida, como Società Anonima Ambrosio. Em 1908, depois de inaugurar seus estúdios, inundou o mundo com seus curtas, passando às produções de mais de um rolo e aos longas a partir de 1911. Em 1912 e 1913, a Ambrosio lançou cerca de 200 filmes por ano, dividindo com a Cines o papel de principal produtora italiana no mercado internacional. Conquistou grande reputação internacional com a chamada Serie d’oro, uma linha de dramas históricos lançados a partir de 1909. Estes filmes serviram de cartão de visitas para os negócios da empresa e ajudaram a colocar o cinema italiano num lugar de destaque no cenário mundial. Entre os títulos mais famosos da Serie d’oro estão Spergiura! (1909) e uma segunda versão do Gli Ultimi Giorni di Pompei (1913). Em 1911, a empresa recebeu o prêmio de melhor filme artístico e melhor documentário na Exposição Internacional de Turim com o drama Nozze d’oro (1911) e o documentário La Vita delle farfalle (1911). A Ambrosio conquistou o público com as comédias anárquicas de Marcel Fabre e também com comédias mais sofisticadas. Ficou famosa também pela produção de atualidades, travelogues e filmes científicos. Mesmo assim, a Ambrosio começou a perder espaço no mercado internacional para a concorrente Cines. Os problemas se agravaram com a I Guerra Mundial e a decisão da Itália de se juntar às forças aliadas. O governo requisitou seus estúdios para a construção de hélices de avião, o que levou a produção a despencar. Após a guerra, a Ambrosio tentou reerguer-se através de produções caras que resultaram em prejuízo. Em 1923, Arturo Ambrosio deixou a empresa. No mesmo ano, a produção parou, e no seguinte, a empresa foi dissolvida. Em duas décadas, a Ambrosio lançou 1.400 filmes, mas apenas dez por cento sobrevive nos arquivos de filmes de Turim, Amsterdã, Londres, Gemona, Bolonha e Roma. 43

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Gabriele D’Annunzio (1863 –1938) foi poeta, dramaturgo, jornalista e romancista. Foi também político excêntrico e herói de guerra, chegando a pilotar caças durante a I Guerra Mundial. Nesse período, também liderou um golpe separatista na região de Fiume, na Croácia, a fim de anexar a cidade à Itália. Desgostoso com as autoridades de seu país, e disposto a se tornar o duce de Fiume, viu seu projeto ruir após ser alvo de um bombardeio da marinha italiana. Sua polêmica carreira política foi também marcada pelo entusiasmo com o fascismo e pelo encanto com Benito Mussolini, o que lhe rendeu um funeral de Estado. Filho de um rico proprietário de terras, D’Annunzio iniciou sua carreira literária em 1882 com os poemas de Canto Novo. No teatro, escreveu peças para estrelas internacionais como Eleonora Duse, de quem foi amante, e Sarah Bernhardt. Entre alguns de seus principais textos estão Il Fuoco (1900), Francesca da Rimini (1902) e La Figlia di Ioro (1903). As obras de Gabriele D’Annunzio e seu estilo tiveram forte influência sobre o cinema italiano dos primeiros tempos. O autor também colaborou com a criação de Cabiria (1914), de Giovanni Pastrone.

Nozze d’oro

Núpcias de ouro

Sonho de um ocaso do outono

Sogno di un tramonto d’autunno Sonho de um ocaso do outono

Itália, 1911, 35mm, 313m, preto-e-branco com viragem e tingimento, 16min a 18qps companhia produtora Società Anonima Ambrosio; produção Arturo Ambrosio; direção Luigi Maggi; direção de fotografia Giovanni Vitrotti; roteiro Arrigo Frusta, baseado na peça teatral de Gabriele D’Annunzio; elenco Antonietta Calderai (Pantea), Mary Cléo Tarlarini (Gradeniga), Mario Voller Buzzi, Gigetta Morano, Oreste Grandi, Paolo Azzurri, Lola Visconti Brignone, Filippo Costamagna, Ernesto Vaser, Ercole Vaser, Giuseppina Ronco cópia Museo Nazionale del Cinema

Graças a sua criada, Gradeniga descobre que seu amante Orseolo está flertando com Pantea. Enquanto os dois namoram num barco durante uma festa, Gradeniga invoca uma feiticeira para punir a rival. Em 1911, Arturo Ambrosio, dono da produtora de Turim que tinha seu nome, comprou de Gabriele D’Annunzio os direitos cinematográficos de três de suas obras, La Figlia di Iorio, La Fiaccola sotto il moggio e Il Sogno d’un tramonto d’autunno, juntamente com três obras a serem futuramente selecionadas da produção literária do escritor. Estas acabaram sendo L’Innocente (da qual Luchino Visconti dirigiria também uma adaptação em 1976), La Nave e La Gioconda. De acordo com o contrato, D’Annunzio deveria, em dezoito meses, entregar os roteiros e descrições de temas para publicidade. Na verdade, após embolsar 24 mil liras em ouro, o escritor esqueceu-se completamente de suas obrigações. Ambrosio encarregou Arrigo Frusta das adaptações, e Eduardo Bencivenga e Luigi Maggi das direções. Os seis filmes receberam reações críticas muito reticentes. Sogno d’un tramonto d’autunno teve uma recepção melhor, sobretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos. Os críticos do London Bioscope e do New York Moving Picture World ficaram impressionados com esta saga de superstição medieval, e dedicaram ao filme longas críticas elogiosas. Cópia restaurada adquirida pelo Museo Nazionale del Cinema em 1989. Restauração executada pelo Instituut Film Nederland, em Amsterdã, a partir de uma cópia em nitrato tingida com intertítulos em holandês, pertencente à coleção Jean Desmet. 44

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Itália, 1911, 35mm, preto-e-branco com tingimento, 23min a 18qps companhia produtora Società Anonima Ambrosio; produção Arturo Ambrosio; direção Luigi Maggi; roteiro Arrigo Frusta; direção de fotografia Angelo Scalenghe; elenco Alberto Capozzi (avô/soldado), Mary Cléo Tarlarini (avó/camponesa), Luigi Maggi (pai da camponesa), Giuseppe Gray (oficial austríaco), Paolo Azzurri (capitão), Mario Voller Buzzi, Ernesto Vaser cópia Museo Nazionale del Cinema

Um homem festeja os cinquenta anos de casamento e reúne a família. Ele é um veterano da segunda guerra de independência do Ressurgimento italiano e conta aos netos um episódio acontecido a 30 de maio de 1859, na véspera da batalha de Palestro. Um jovem soldado é encarregado pelos superiores de atravessar as linhas inimigas, conseguir munições junto à tropa italiana e defender um edifício do assalto dos austríacos. Na tentativa, o rapaz é ferido e se refugia num casebre onde moram um camponês e sua filha, que trata do soldado.

Il Tamburino sardo O Tambor sardo

Itália, 1911, 35mm, 211m, preto-e-branco com tingimento e viragem, 12min a 16qps companhia produtora Cines; direção Umberto Paradisi; roteiro baseado em texto de Edmondo De Amicis cópia Museo Nazionale del Cinema

1848: início das lutas do Ressurgimento que culminou com a unificação da Itália. O exército austríaco cerca uma companhia de soldados italianos refugiados numa casa isolada em pleno campo. Os oficiais enviam um jovem tambor em busca de ajuda. O jovem é ferido na perna, mas, mesmo assim, executa bravamente sua missão. 2008 marcou o centenário da morte de Edmondo de Amicis, autor de Cuore (1886), um dos livros mais populares da literatura italiana juvenil, com numerosas adaptações cinematográficas silenciosas e sonoras. Sobrevivem nos arquivos italianos de filmes, alguns ainda em nitrato esperando restauro: Il Tamburino sardo, produzido pela Cines, o mais antigo documento cinematográfico dedicado ao romance de De Amicis; La Piccola vendetta lombarda (1915), dirigido por Vittorio Rossi-Pianelli; Il Piccolo scrivano fiorentino (1915), Il Piccolo patriota padovano (1915) e Sangue romagnolo (1916), todos de Leopoldo Carlucci; Valor civile (1916), Naufragio (1916) e Dagli Appennini alle Ande (1916), todos de Umberto Paradisi. 45

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La Vita delle farfalle A Vida das borboletas

Itália, 1911, 35mm, 260m, preto-e-branco com tingimento, 15min a 16qps companhia produtora Società Anonima Ambrosio; direção Roberto Omegna; direção de fotografia Roberto Omegna; roteiro Roberto Omegna cópia Museo Nazionale del Cinema

O documentário La Vitta delle farfalle [...] constitui um precioso testemunho para a história do cinema científico e uma comprovação dos méritos de Omegna no setor específico das técnicas especiais que caracterizam a cinematografia como instrumento de investigação e documentação. No filme, a técnica da filmagem quadro-a-quadro na qual Omegna demonstra ser um especialista é muito bem empregada. Ela rende bons resultados na sequência toda da metamorfose da larva, da saída do casulo e da despregadura das asas, condensando em poucos minutos os tantos dias em tempo real deste processo de transformação biológica. Se ainda hoje – apesar do bombardeio de imagem a que estamos submetidos pelos meios de comunicação de massa – nos maravilhamos diante das alterações de tempo real tornadas possíveis pelo uso de técnicas especiais da cinematografia científica, quem dirá diante do efeito assombroso que a sequência provocou poucos anos depois da invenção por si só espantosa do cinema. (Virgilio Tosi, Bianco e Nero, n.3, maio/junho 1979) Em 1911, por ocasião do cinquentenário da unificação da Itália, teve lugar em Turim uma extraordinária Exposição Internacional da Indústria e do Trabalho que realizou, entre os eventos de maior importância, o primeiro concurso cinematográfico dividido em várias categorias. Os vencedores do Prêmio Concurso Internacional de Cinematografia foram: Nozze d’oro, de Luigi Mazzi (Società Anonima Ambrosio), primeiro prêmio da categoria artística; La Vita delle farfalle, de Roberto Omegna com argumento de Guido Gozzano (Società Anonima Ambrosio), primeiro prêmio da categoria científica; e Il Tamburino sardo (Cines), primeiro prêmio da categoria didática. O concurso de 1911, ao mesmo tempo que afirmou o filme narrativo que se tornaria o modelo predominante na história da fruição do espetáculo cinematográfico, evidenciou a importância do cinema como meio de investigação científica, precioso suporte técnico para o estudo de fenômenos naturais imperceptíveis de outra maneira, e como instrumento privilegiado também no âmbito educativo e didático. Os três filmes foram restaurados por iniciativa do Museo Nazionale del Cinema. A restauração de La Vita delle farfalle foi baseada em diversos materiais em nitrato e acetato em versão italiana, conservados no Museo, e em uma cópia em nitrato em versão francesa conservada na Cineteca Nazionale, em Roma. A intervenção foi realizada pelo laboratório L’Immagine Ritrovata, em Bolonha, em 1997. A restauração de Il Tamburino sardo foi baseada em uma cópia em nitrato em versão italiana conservada na Cineteca Nazionale.

Cartaz Núpcias de ouro (página ao lado)

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Il Fascino della violenza O Fascínio da violência

Itália, 1912, 35mm, 462m, preto-e-branco com viragem, 15min a 16qps companhia produtora Cines; direção Giulio Antamoro; elenco Francesca Bertini (Annarella), Cesare Maltini (Salvatore), Giovanni Corte (Carmine) cópia Cineteca del Comune di Bologna

Annarella tem aversão ao marido Carmine, um pobre mecânico. Também o vigia Salvatore, amigo do casal, o trata com desprezo. Um dia, o casal é convidado por Salvatore para uma viagem ao campo, passeio no qual Carmine surpreende sua esposa e o vigia aos beijos. Dias depois, Salvatore tenta fazer com que seus companheiros de trabalho entrem em greve e, por isso, é despedido. Restaurado pelo Instituut Film Nederland, em Amsterdã. Francesca Bertini (1892 -1985), nome artístico de Elena Seracini Vitiello, recebeu desde cedo o incentivo para ser atriz. É considerada a principal diva do cinema italiano. Filha de um casal de artistas do teatro, mudou-se para Roma e trabalhou nas primeiras apresentações do drama Assunta Spina, de Salvatore Di Giacomo, texto que ela mesma levaria às telas em 1915. A jovem também figuraria nos palcos e nos filmes realizados pela nascente indústria cinematográfica italiana. Seus primeiros papéis significativos foram feitos em 1910 em produções da Film d’Arte, sucursal italiana da francesa Pathé. Nessa época, protagonizou películas dedicadas a heroínas femininas, incluindo personagens de Shakespeare, como Re Lear (1910) e Il Mercante di Venezia (1911), de Gerolamo Lo Savio. Pela Cines, participou de Il Fascino della violenza (1912), de Giulio Antamoro. Depois migrou para a Celio, e nela encontrou espaço para desenvolver seu trabalho no longa. Entre os filmes desse período, destaca-se L’ Historie d’un Pierrot (1913), de Baldassare Negroni. Dois anos depois, interpreta a personagem principal de Assunto Spina, um dos pontos altos de sua carreira, filme em que assume também a direção ao lado de Gustavo Serena. Em 1921, depois de marcar a história do cinema italiano, Francesca Bertini abandona sua carreira nas telas.

Raggio di sole Raio de sol

Itália, 1912, 35mm, 278m, preto-e-branco com tingimento, 14min a 18qps companhia produtora Società Anonima Ambrosio; direção Arrigo Frusta; roteiro Arrigo Frusta; elenco Fernanda Negri-Pouget, Paolo Azzurri cópia Museo Nazionale del Cinema

Um príncipe, que vive no reino de seu pai, um país frio e nevoento, está doente, e os doutores informam ao rei de que ele padece de uma doença incurável. O rei percebe que seu filho deseja um raio de sol. Em vão, os astrônomos do reino trabalham com seus instrumentos para encontrar o Astro-rei. O roteiro de Arrigo Frusta, conservado no Museo Nazionale del Cinema, possibilitou identificar o filme e confirmar que a cópia conservada é a que está quase completa. Graças a um projeto conjunto da Cineteca di Bologna, do Museo Nazionale del Cinema e da Cineteca del Friuli, Gemona, o filme foi duplicado no laboratório L’Immagine Ritrovata, Bolonha, em setembro de 2007, a partir de uma cópia tingida em nitrato com intertítulos em espanhol conservada na Filmoteca de Catalunya, em Barcelona. As cores foram reproduzidas usando-se o método Desmet.

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Saturnino Farandola

Le Avventure straordinarissime di Saturnino Farandola Saturnino Farandola

Itália, 1914, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 78min a 18qps companhia produtora Società Anonima Ambrosio; direção Marcel Fabre, Luigi Maggi; roteiro Guido Volante, baseado no romance de Ferdinand Robida; direção de fotografia Ottavio De Matteis; direção de arte Enrico Lupi, Decoroso Bonifanti; elenco Marcel Fabre (Saturnino Farandola), Nilde Baracchi (Mysora), Filippo Castamagna, Luciano Manara, Alfredo Bertone, Luigi Stinchi, Armando Pilotti, Dario Silvestri, Vittorio Tettoni, Oreste Grandi cópia Fondazione Cineteca Italiana

Inspirado no romance Les Voyages très extraordinaires de Saturnin Farandoul, escrito em 1879 pelo francês Albert Robida – exímio ilustrador, caricaturista, gravador, quadrinista, jornalista e autor de romances de antecipação –, foi traduzido e publicado na Itália em 1910, com ilustrações do autor. Estas aventuras literárias que incorporam em sua trama algumas personagens célebres de Júlio Vernes são narradas com grande ironia, e teriam inspirado inclusive Georges Méliès. O material também interessou ao produtor Arturo Ambrosio, que pediu a Marcel Fabre (1885-1927) uma adaptação do romance para o cinema. Este, cujo verdadeiro nome era Marcel Perez Fernandez, palhaço e equilibrista espanhol, tornou-se famoso no cinema graças ao personagem Robinet. Fabre não só encarna o protagonista da fantasia imaginada por Robida como também a codirige, juntamente com Luigi Maggi (1867-1946). Le Avventura straordinarissime di Saturnino Farandola é uma das maiores e mais espetaculares produções dos estúdios Ambrosio, e foi lançado como seriado, originalmente dividido em 18 episódios de 20 minutos, cuja maioria se perdeu, entre estes um em que Saturnino se encontra com o Capitão Nemo, famosa personagem de Júlio Verne. Do seriado restaram apenas quatro episódios: A Ilha dos macacos, A Procura do elefante branco, A Rainha dos Makalolos e Farandola contra Phileas Fogg. O filme, do mesmo modo que o livro, pode ser visto tanto como pastiche quanto homenagem ao universo de Júlio Verne. Seus cenários exuberantes nos remetem diretamente às obras de Georges Méliès, especialmente a sequência em que Saturnino passeia no fundo do mar com a sua amada.

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Polidor al club della morte

Assunta Spina

Itália, 1913, 35mm, 196m, preto-e-branco com tingimento, 10min a 18qps companhia produtora Pasquali & C.; direção Ferdinand Guillaume; elenco Ferdinand Guillaume (Polidor) cópia Museo Nazionale del Cinema

Itália, 1915, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 57min a 16qps companhia produtora Caesar Film; produção Giuseppe Barattolo; direção Gustavo Serena; roteiro Gustavo Serena, Francesca Bertini, baseado em peça teatral de Salvatore Di Giacomo; direção de fotografia Alberto G. Carta; elenco Francesca Bertini (Assunta Spina), Gustavo Serena (Michele Boccadifuoco), Carlo Benetti (Don Federigo Funelli), Luciano Albertini (Raffaele), Amelia Cipriani (Peppina), Antonio Cruichi (Pai de Assunta), Alberto Collo (Oficial) cópia Cineteca del Comune di Bologna

Polidor no clube da morte

Sangue napolitano

Polidor lê no jornal que há um clube cujos membros tiram a sorte para decidir qual cometerá suicídio. À noite, Polidor sonha ir ao clube da morte. Claro, o feliz ganhador da noite é exatamente Polidor. Notando sua hesitação, os outros membros ficam prontos para executar a façanha eles próprios, mas Polidor não se rende fácil. Ele consegue escapar provocando a maior confusão. Preservação feita pelo Museo Nazionale del Cinema a partir de uma cópia em nitrato. Um contratipo e uma cópia preto-e-branco, em acetato, com intertítulos copiados em filme colorido foram executados no laboratório Haghefilm, em Amsterdã, em 1998.

Gli Ultimi giorni di Pompei Os Últimos dias de Pompeia

Itália, 1913, 35mm, preto-e-branco, 107min a 16 qps companhia produtora Società Anonima Ambrosio; produção Arturo Ambrosio; direção Eleuterio Rodolfi; roteiro Mario Caserini, baseado no romance de Edward George Bulwer-Lytton; elenco Fernanda NegriPouget (Nidia), Eugenia Tettoni Florio (Jone), Ubaldo Stefani (Glaucus), Vitale De Stefano (Claudio), Antonio Grisanti (Arbace), Cesare Gani-Carini (Apoecide), Ercole Vaser, Carlo Campogalliani cópia Museo Nazionale del Cinema

Em 79 AD, o respeitável pompeiano Glaucus tem um ato de generosidade ao comprar Nídia, uma escrava cega que é maltratada por sua dona. Nídia apaixona-se pelo novo mestre, mas ele só tem olhos para Jone. Esta, por sua vez, é cobiçada por Arbace, sacerdote egípcio de Ísis. Quando Nídia implora o auxílio de Isis para conquistar o coração de Glaucus, Arbace dá a ela uma poção de amor que afeta a mente, mas não o coração de Glaucus. Por razões óbvias, a história antiga era um tema popular para os primeiros realizadores italianos, que podiam utilizar cenários locais a um custo relativamente baixo. A Itália também tinha vantagens devido ao clima mediterrâneo e à excelente luz natural. Em 1913, dois grandes espetáculos italianos foram realizados: Quo vadis (Enrico Guazzoni) e Gli Ultimi giorni di Pompei. A restauração foi realizada pelo Museo Nazionale del Cinema e pela Cineteca di Bologna. A análise das várias cópias do filme revelou a existência de pelo menos dois negativos: um para o mercado europeu e outro para os Estados Unidos. Decidiu-se utilizar a cópia em nitrato, tingida e com viragem, com intertítulos em alemão, conservada pela Fundação Friedrich Wilhem Murnau, como matriz principal para a restauração, já que se tratava de uma cópia de primeira geração e em excelentes condições. As lacunas foram preenchidas a partir de uma cópia em nitrato incompleta com intertítulos italianos conservada na Cineteca Italiana, em Milão. Os intertítulos faltantes foram reconstruídos baseados em documentos conservados pelo Museo Nazionale del Cinema. A fonte de referência para as cores foi a cópia em nitrato alemã, pois a cópia conservada em Milão era posterior, com uma coloração diferente, mais rica em alguns momentos mas menos fiel à coloração de 1913. A análise da cor entre as perfurações permitiu recuperar os tons que haviam desaparecido das imagens. Uma cuidadosa comparação de documentos (sobretudo o roteiro e folhetos com comprimento e sinopses) com as cópias do filme possibilitou a verificação da ordem da montagem e a reordenação de algumas cenas. A restauração foi realizada no laboratório L’Immagine Ritrovata, em Bolonha.

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Nápoles, início do século XX. Assunta Spina é uma bela engomadeira de roupa, noiva de Michele e perseguida por Raffaele. Um dia, durante o piquenique de aniversário de Assunta em Posilipo, ela dança com Raffaele para causar ciúmes em Michele. Enfurecido, ele marca o rosto de Assunta: é preso e condenado a dois anos. No tribunal, Assunta é assediada por Federigo, funcionário que se oferece para fazer com que Michele cumpra a pena em Nápoles. A moça aceita o oferecimento de Federigo e se torna sua amante. Na véspera de Natal, Assunta espera o amante, mas quem chega é Michele, solto antes do previsto. Assunta confessa tudo, e Michele, louco de ciúmes, mata o rival com uma facada. Quando chegam os policiais, Assunta assume o crime e é levada para a prisão. Assunta Spina foi conhecido até 1993 por uma edição feita pela Cineteca Italiana a partir do negativo original sem intertítulos. A Cineteca di Bolonha recebeu da Cinemateca Brasileira uma versão da época em que o filme foi distribuído, uma cópia em nitrato com os intertítulos originais traduzidos para o português. Desta forma, o texto, o grafismo e a coloração original puderam ser reestabelecidos, e algumas novas cenas foram integradas ao antigo material. Isso resultou diferenças na definição fotográfica e no ritmo das cenas em relação à versão anterior. Salvatore Di Giacomo havia tido contatos com a Morgana-Film para a adaptação cinematográfica da peça “Assunta Spina” em 1914, e algumas revistas anunciaram também o elenco, que seria composto pelo ator siciliano Giovanni Grasso e por Adelina Magnetti, a atriz napolitana que, em 1909, interpretara o drama no teatro. O filme acabou sendo realizado pela Caesar Film; apesar disso, parece que existe, em posse dos herdeiros da Magnetti, um trecho filmado durante as récitas teatrais. E por muito tempo acreditou-se que a versão de Serena não fosse a primeira adaptação do trabalho de Di Giacomo – que teve, depois, outras versões: em 1929 com Rina De Liguoro; em 1948 com Anna Magnani, e mais recentemente, falou-se num enésimo remake com Angela Luce e Mario Merola. Ainda em favor da edição de 1915 – uma das obras mais intensas de todo o cinema silencioso italiano, pelo menos do que conhecemos dele – existe um depoimento dado por Gustavo Serena dez anos antes de sua morte. Segundo Serena, se confirmam as repetidas afirmações de Francesca Bertini a propósito de sua colaboração direta na realização do filme. “E quem podia detê-la? A Bertini ficou tão exaltada com o fato de interpretar o papel de Assunta Spina, que virou um vulcão de ideias, de iniciativas, de sugestões. Em perfeito dialeto italiano, organizava, comandava, desafiava os parceiros, os pontos de vista, a angulação da câmara e, quando não ficava convencida com uma cena, queria refilmá-la de acordo com sua concepção. Ficou num verdadeiro estado de graça, como eu também fiquei, tanto quanto Carlo Benetti e o fotógrafo Carta. Alberto Collo nos visitou e quis aparecer no filme: foi a Bertini que inventou o personagem do oficial da guarda que se intimida ao ter que prender Assunta Spina no final. Foi, acredito, o primeiro exemplo de participação especial extraordinária.” (Il Cinema Ritrovato, 1993)

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Il Fuoco O Fogo

Itália, 1915, 35mm, 1.035m, preto-e-branco com viragem e tingimento, 51min a 18qps companhia produtora Itala Film; direção Giovanni Pastrone; roteiro Febo Mari; direção de fotografia Segundo de Chomón; elenco Pina Menichelli (Poetisa), Febo Mari (Mario Alberti) cópia Museo Nazionale del Cinema

Um ardente crepúsculo inspira uma poetisa e um pintor, que até então não se conheciam. Ele apaixona-se loucamente pela mulher, pela qual abandona a própria mãe. Ela o apresenta à sociedade e ele alcança a fama ao retratar num quadro a bela poetisa. Esta, porém, se cansa da aventura e relega o pintor a uma prematura decadência. O restauro foi realizado pelo Museo Nazionale del Cinema a partir de um contratipo em acetato com intertítulos em italiano feito na década de 1960. A cópia foi reconstruída de acordo com a edição mencionada em anotações de trabalho e do certificado de censura conservados no Museo Nazionale del Cinema. Os intertítulos com textos modificados ou faltantes foram reproduzidos baseados nos intertítulos impressos em cartões. As indicações de coloração seguiram indicações das anotações de trabalho, e tingimentos e viragens foram recriados com as mesmas técnicas da época da produção do filme. A diva de Pina Menichelli em Il Fuoco é a pura e inalterada femme fatale. Como a maioria das divas do cinema italiano do período, ela se move sinuosamente e com elegância, dando-se muito mais para a câmara do que para o homem que ela seduz. Mas, diferentemente de muitas outras divas, aqui ela não é tocada por nenhuma doença fatal, aparições assombrosas ou mesmo por uma reputação duvidosa. Pela primeira vez, a mulher é tão artista quanto o homem. [...] Ela é uma predadora experiente. Seu adorno de cabeça em forma de coruja, os dentes cerrados e os lábios entreabertos revelam um instinto animal para a caça, mas não para a devoração da presa. O prazer maior da mulher é estimular o animalzinho, que é o pintor: brincar com ele e depois descartá-lo. Orquestrada já a criação da obra-prima do pintor – um retrato a óleo dela mesma –, ele deixa de ter serventia.

poster pina

[...] A poetisa de Menichelli tem prazer apenas com seu próprio prazer. Ao aprazer-se a despeito de um notável desdém pelo visível objeto de seu prazer, ela exerce um tipo muito puro de narcisismo. Todos os seus movimentos de sedução são ativados por uma força oposta que simultaneamente afasta o que ela precisa atrair de todas as maneiras, mesmo que apenas para poder dispensar e comprazer-se solitariamente. As divas italianas são conhecidas por seu gestual convulsivo e tortuoso, mas observar Menichelli seduzir sua jovem presa de forma tão rápida para em seguida livrar-se dela é compreender verdadeiramente as forças de atração e repulsão. Num maravilhoso toque final de realismo, o artista nota um sinal no colo da diva e o adiciona à pintura. Aborrecida, a poetisa de Menichelli o apaga, novamente corrigindo sua obra, talvez porque atrapalhe o ideal de beleza de sua nudez, mas talvez também porque a torne reconhecível para o público. Ela procura ao mesmo tempo o reconhecimento e o anonimato. No fim, o único traço possível de pesar que a diva demonstrará se configura como outro gesto narcisista: ao tocar o sinal em seu colo, resta a memória de uma paixão consumida pelo fogo. (Linda Williams, Pordenone 2010)

Cartaz O Fogo (página ao lado)

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Giovanni Pastrone (1883 - 1959) diplomou-se violinista ao mesmo tempo que concluiu os estudos em Contabilidade. Em 1903, mudou-se para Turim com a mulher, contratado como segundo violinista da orquestra do Teatro Regio. Dois anos depois, foi admitido como contador da companhia cinematográfica Rossi & C., na qual rapidamente chegou ao posto de correspondente estrangeiro. Em 1907 passou a diretor administrativo da empresa, para, em seguida, associado a Carlo Sciamengo, tornar-se proprietário da produtora, rebatizada Itala Film. A empresa rapidamente se expandiu, tornando-se a terceira companhia de cinema mais importante da Itália – depois da Cines e da Ambrosio. Em 1909, Pastrone contratou André Deed, da Pathé, e graças ao sucesso dos curtas estrelados pelo comediante, conseguiu recursos para investir em filmes históricos como La Caduta di Troia (1911), produções elaboradas, de maior duração, que alcançaram reconhecimento internacional. Outro nome importante que Pastrone trouxe da Pathé foi o espanhol Segundo de Chomón, pioneiro do cinema de animação, que deu às produções da Itala apuro técnico, colocando-a na vanguarda internacional em termos de efeitos especiais. Criador das sequências animadas de La Guerra e il sogno di Momi (1916), codirigido com Pastrone, Segundo de Chomón foi o grande responsável pelas inovações técnicas introduzidas em Cabiria (1914), produção colossal da Itala, marco da história do cinema. Pastrone produziu, dirigiu e concebeu Cabiria desde a realização até a distribuição em larga escala por todo o mundo. Por cinquenta mil francos convenceu o cultuado escritor Gabriele D’Annunzio, sempre endividado, a escrever os intertítulos do filme e a elaborar os nomes exóticos dos personagens, promovendo-o como coautor do filme e dando à produção uma aura de sofisticação. Pastrone também inovou ao investir na infraestrutra de produção, construindo estúdios, antecipando procedimentos de organização que só mais tarde seriam instituídos como padrão, e criando um circuito de salas para distribuição de seus filmes. Quando a moda dos filmes históricos entrou em declínio, tirou Pina Menichelli da Cines para transformá-la na mais fatal das divas, em filmes como Il Fuoco (1915) e Tigre reale (1916), que dirigiu sob o pseudônimo de Piero Fosco. Pastrone também soube aproveitar o carisma da personagem Maciste, de Cabiria, interpretada pelo estivador Bartolomeo Pagano, numa série de filmes de grande apelo popular. Em 1919, no auge do sucesso, abandonou o cinema para se dedicar aos estudos e a experimentos na área médica.

foto inteira

Tigre reale Tigre real

Itália, 1916, 35mm, 1.600m, preto-e-branco com tingimento e viragem, 78min a 18qps companhia produtora Itala Film; direção Giovanni Pastrone; direção de fotografia Segundo de Chomón, Giovanni Tomatis; roteiro Giovanni Verga, baseado no romance homônimo de sua autoria; efeitos especiais Segundo de Chomón; elenco Pina Menichelli (condessa Natka), Alberto Nipoti (Giorgio La Ferlita), Febo Mari (Dolski), Valentina Frascaroli (Erminia), Ernesto Vaser, Enrico Gemelli, Bonaventura Ibáñez, Gabriel Moreau cópia Museo Nazionale del Cinema

Giorgio La Ferlita, embaixador italiano em Paris, encontra a condessa Natka numa festa. A fascinante beleza da condessa o arrebata. Quando eles se reencontram, confessam seus sentimentos um pelo outro: Natka ama Giorgio, mas quer se matar porque o viu com outra mulher. Depois de aventuras, traições, doenças e dramas, Natka não morrerá, porque o amor a redime. Restauração realizada pelo Museo Nazionale del Cinema a partir de uma cópia tingida e virada doada por Giovanni Pastrone ao museu em 1949. A restauração foi executada em 1993 no laboratório L’Immagine Ritrovata, em Bolonha. Tigre real

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Pina Menichelli (1890 -1984) iniciou sua carreira no teatro. Filha de um casal de atores, fez seu primeiro papel nos palcos como atriz de uma companhia teatral que excursionou a Buenos Aires, onde se casou e fixou residência. Entre 1913 e 1914, de volta à Itália, a jovem ingressou na produtora Cines e atuou em mais de 30 filmes. Dentre eles, destaca-se Scuola d’eroi (1914), de Enrico Guazzoni, épico sobre Napoleão. A interpretação de Menichelli chamou a atenção de Giovanni Pastrone. Entusiasmado com a atriz, convidou-a a ingressar na Itala Film. Menichelli partiu então para a sua verdadeira aventura cinematográfica, que a transformaria numa das máximas estrelas italianas. Baseado no romance de Gabriele D’Annunzio, seu primeiro filme pela Itala foi Il Fuoco (1915), dirigido por Pastrone. No ano seguinte, novamente sob a direção do cineasta, atuaria em Tigre reale, impressionando o público com seu erotismo. As duas obras transformaram a atriz no arquétipo da mulher fatal, personagem que encarnaria em diversas produções, algumas censuradas. Anos depois, encerrou sua parceria com Pastrone e, na Rinascimento-Film, produtora fundada por seu marido, o barão Carlo D’Amato, atuou em La Storia di una donna (1920). Cansada do cinema, Pina Menichelli retirou-se definitivamente das telas em meados dos anos 1920, chegando a destruir documentos e fotografias sobre sua carreira e recusando qualquer contato com os historiadores do cinema.

Il Fauno O Fauno

Itália, 1917, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 65min a 18qps companhia produtora Società Anonima Ambrosio; produção Arturo Ambrosio; direção Febo Mari; direção de fotografia Giuseppe Vitrotti; roteiro Febo Mari; elenco Febo Mari (o fauno), Nietta Mordeglia (Fede), Elena Makowska (Femmina), Vasco Creti (Arte), Oreste Bilancia (Astuzia), Ernesto Vaser (o carreteiro), Fernando Ribacchi, Giuseppe Pierozzi (um jogador) cópia Museo Nazionale del Cinema

Arte, um escultor da Boêmia, sai uma noite para se encontrar com a encantadora Femmina, uma princesa casada, e deixa em casa sua companheira Fede. Sozinha no estúdio do escultor, Fede tem medo; andando entre as estátuas, encontra uma nota que revela a traição de seu amante. Com o coração partido, adormece na frente da lareira onde uma das esculturas, um fauno, adquire vida e se aproxima. Isso marca o início de um caso de amor, mágico, misterioso e devastador. Febo Mari era uma figura de grande proeminência no mundo da produção cinematográfica silenciosa italiana. Ator e diretor, produziu e atuou em muitos filmes claramente inspirados em D’Annunzio. Desafiando as regras do cinema comercial, audazmente utilizou simbolismo e mitologia em seus filmes. O Fauno é considerado sua obra-prima. A restauração foi realizada em 1994 pela Cinémathèque Royale de Belgique, em Bruxelas, e pela Cineteca del Friuli, em Gemona, em colaboração com o MNC, a partir de uma cópia em nitrato original pertencente ao Suomen Elokuva-Arkisto, em Helsinque, e de uma cópia 16mm preservada em Turim. A reprodução das cores foi particularmente complexa devido ao refinado método de tingimento e viragem.

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La Guerra ed il sogno di Momi A Guerra e o sonho de Momi

Itália, 1917, 35mm, 762m, preto-e-branco com tingimento e viragem, 42min a 16qps companhia produtora Itala Film; direção Segundo de Chomón, Giovanni Pastrone; roteiro Giovanni Pastrone; elenco Guido Petrungaro (Momi), Alberto Nepoti (pai), Valentina Frascaroli (mãe), Enrico Gemelli (avô), Stellina Toschi (menina) cópia Museo Nazionale del Cinema

Um menino folheia um livro e brinca com seus bonecos: é Momi, que espera ansiosamente por novidades de seu pai, soldado, com sua mãe e seu avô. Chega uma carta do front e Momi escuta fascinado a leitura dela, que fala da coragem de um jovem montanhês, Berto. Inspirado pelas palavras da carta, Momi senta-se separado dos outros e brinca com seus dois bonecos: Trick e Track. Como num passe de mágica, Trick e Track adquirem vida e travam uma batalha selvagem, juntamente com outros soldados de madeira. Restauração realizada pelo Museo Nazionale del Cinema a partir de uma cópia em nitrato incompleta, virada e tingida, preservada na Cineteca Italiana, em Milão, de cópias em acetato 35mm feitas na década de 1960, e de material em 16mm copiado durante a década de 1980 e preservado em Turim. Os diários de produção e o certificado de censura, conservados no Museo, tornaram possíveis a correção de erros de edição e a inserção de intertítulos. A coloração original foi reproduzida usando-se as mesmas técnicas de viragem e tingimento da época em que o filme foi produzido. A restauração, que é dedicada à memória de Maria Adriana Prolo, criadora do Museo, foi realizada em 1991, no laboratório Bruno Favro, em Turim.

Malombra Malombra

Itália, 1917, 35mm, 1.705m, preto-e-branco com tingimento e viragem, 85min a 16qps companhia produtora Cines; direção Carmine Gallone; roteiro Carmine Gallone, baseado no romance homônimo de Antonio Fogazzaro; direção de fotografia Giovanni Grimaldi; elenco Lyda Borelli (Marina di Malombra), Amleto Novelli (Corrado Silla), Augusto Mastripietri (Conde Cesare), Amedeo Ciaffi (Steinegge), Consuelo Spada (Edith Steinegge), Giulia Cassini-Rizzotto (Condessa Salvador), Francesco Cacace (Conde Salvador) cópia Cineteca del Comune di Bologna

Obrigada a viver presa num castelo, condenada a sair de lá apenas no dia do casamento, Marina di Malombra enlouquece e passa a acreditar que está possuída pelo espírito de sua antepassada Cecília, a quem deve vingar a morte trágica. Quando Lyda Borelli (1887 - 1959) atuou em seu primeiro filme, Ma l’Amor mio non muore (1913), era uma aclamada atriz de teatro e havia contracenado com monstros sagrados, como Eleonora Duse. Este filme, um dos primeiros veículos para uma atriz realizados na Itália, lançou Borelli como a primeira grande diva do cinema italiano. As personagens melodramáticas de Borelli, sua linguagem corporal sofisticada, sua aparência aristocrática e seus longos cabelos loiros levaram as mulheres nas telas e fora delas a imitá-la, criando o que foi chamado de “borellismo”. Em 1914, Borelli migrou para a companhia Cines. Em 1918 casou-se com o conde veneziano Giorgio Cini, e retirou-se do mundo do cinema.

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Il Miracolo

Milagres de São Januário Itália, 1920, 35mm, 1.511m, preto-e-branco, 50min a 18qps companhia produtora Monopolio Lombardo; direção Mario Caserini; direção de fotografia Domenico Bazzichelli; elenco Leda Gys (Maria), Goffredo D’Andrea (Arturo), Nella Serravezza, Elena Bottone, Pietro Concialdi cópia Cineteca del Comune di Bologna

No dia de São Januário, a jovem Maria, vítima de tuberculose e noiva de Arturo, estudante de medicina prestes a se formar, faz ao santo três pedidos. Leda Gys (1892 –1957), nome artístico de Giselda Lombardi, realizou seus primeiros trabalhos na produtora Cines. Sob a direção de Baldassare Negroni, protagonizou três filmes curtos e, entre 1913 e 1914, dividindo-se entre a Cines e sua produtora associada, a Celio, participa de mais de 20 películas. Nessa ocasião, provou sua habilidade em diferentes gêneros cinematográficos: no melodrama, no histórico e também na comédia. Nos primeiros tempos de sua carreira, Leda Gys também esboçou traços da personagem que encarnaria em várias produções – a moça ingênua e romântica, de condição nobre ou miserável, vítima inocente de figuras perversas. Sua consagração, no entanto, viria somente com o filme Christus (1916), de Giulio Antamoro, para o qual emprestou seu rosto sofrido à personagem da Virgem. Em 1917 ingressou na PoliFilm, depois de ter sido sediada em Nápoles, novo polo italiano de criação cinematográfica. Influenciado pelo sucesso do cinema americano, Gustavo Lombardo, dono da Poli-Film, mudaria os rumos de sua produtora, transformando-a na Monopolio Lombardo e adequando as lições estéticas de Hollywood à realidade italiana. Sob a orientação de Lombardo, com quem se casaria pouco depois, atuou em Il Miracolo (1920), de Mario Caserini, e Vedi Napoli e poi muori (1924), de Eugenio Perego. Em 1929, no ápice de sua arte, a atriz abandonou o cinema para se dedicar à criação de seu filho com Gustavo Lombardo.

Trilogia di Maciste A Trilogia de Maciste

Itália, 1920, preto-e-branco com tingimento e viragem, 133min a 18qps companhia produtora produtora Itala Film; direção Carlo Campogalliani; roteiro Carlo Campogalliani; direção de fotografia Fortunato Spinolo; elenco Bartolomeo Pagano (Maciste), Letizia Quaranta (Princesa M. Luisa), Carlo Campogalliani (Tito), Vittorio Rossi-Pianelli (Príncipe), Pierre Lepetit (Cioccolatino), Gabriel Moreau, Ria Bruna (Henriette), Felice Minotti, Oreste Bilancia cópia Museo Nazionale del Cinema

Maciste contro la morte Maciste contra a morte 35mm, 618m, 30min a 18qps

Il Viaggio di Maciste A Viagem de Maciste 35mm, 1.130m, 55min a 18qps

Il Testamento di Maciste O Testamento de Maciste 35mm, 988m, 48min a 18qps

Lyda Borelli

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Bartolomeo Pagano (1878 - 1947) trabalhava como estivador no porto de Gênova antes de ser escolhido por Giovanni Pastrone para o papel do escravo Maciste no épico Cabiria (1914), produção colossal da Itala Film. Há mais de uma versão para a escolha de Pagano para o papel. Uma diz que Pagano teria participado de um concurso para escolher o intérprete da personagem, cujo nome teria sido inventado por Gabriele D’Annunzio numa alusão a tipos mitológicos de existência não comprovada, e que o gigante foi escolhido pelo próprio Pastrone entre cinquenta concorrentes de toda Itália. A outra versão é de que o ator Domenico Gambino, muito impressionado, teria chamado a atenção de Pastrone para o estivador genovês. Imediatamente após a consagração inesperada da personagem em Cabiria, o produtor fez dele protagonista de uma série de bem-sucedidos longas-metragens, sempre aproveitando seu porte físico e a força descomunal em contraste com o caráter bondoso e casto. Estes filmes não serão mais ambientados na Antiguidade clássica. A maioria dos filmes em que Pagano encarnou Maciste, entre 1915 e 1926, se passa nos dias atuais e em cenários que variam de maneira insólita. Sempre disposto a ajudar, Maciste põe seus músculos a serviço dos mais fracos em todos os lugares em que a imaginação dos roteiristas conseguirem chegar, dos estúdios de cinema da Itala Film até o Inferno, passando pelos campos de batalha na I Guerra Mundial, onde lutará como soldado. Maciste se encaixará perfeitamente no ideário ultranacionalista em ascenção na Itália da época, e há mesmo quem aponte, não de todo sem razão, sua semelhança, principalmente no gestual, com Benito Mussolini. Bartolomeo Pagano chegou a alterar legalmente seu nome para Maciste, e foi, no auge de sua carreira como ator, um dos mais bem pagos do cinema italiano. Com o fim do cinema silencioso, a personagem cairá no esquecimento. No final dos anos 1950, um revival do filme épico na Itália ressucitará o invencível Maciste, trazendo-o de volta às marquises dos cinemas em argumentos ainda mais surreais que os da série original – agora obrigando-o a disputar no braço um bom posto na bilheteria com uma turma de concorrentes peso pesado como Hércules, Sansão e Ursus. Carlo Campogalliani (1885 - 1974) iniciou sua atividade no cinema italiano em 1915, primeiro como ator e depois como roteirista, produtor e diretor. Casou-se com a atriz Letizia Quaranta (1893 - 1977) em 1921, fazendo-a estrela de vários de seus filmes e também do teatro. Durante uma temporada teatral do casal na Argentina, o também italiano Paolo Benedetti, entre nós desde 1897, convidou os dois para estrelarem a primeira coprodução internacional realizada no Brasil, a comédia A Esposa do solteiro / La Mujer de medianoche (1924), dirigida por Campogalliani, filmada em Buenos Aires e no Rio de Janeiro – foi a primeira participação de Carmem Miranda num filme, como figurante. A carreira cinematográfica de Letizia entrou em declínio com a chegada do som, mas Campogalliani continuou na ativa como diretor, assinando inúmeros filmes de gênero, principalmente melodramas e filmes épicos, inclusive retornando à personagem Maciste quando esta voltou à moda nos anos 1960. Sua trajetória cinematográfica parece ter caído em total esquecimento, apesar dos 80 filmes que dirigiu entre 1914 e 1964.

Cartaz de A Viagem de Maciste (página ao lado)

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Il Quadro di Osvaldo Mars

‘A Santanotte

Itália, 1921, 35mm, 1.260m, preto-e-branco, 56min a 16qps companhia produtora Rodolfi Film; direção Guido Brignone; direção de fotografia Anchise Brizzi; elenco Mercedes Brignone (condessa Anna Maria di San Giusto), Domenico Serra (Oswaldo Mars), Giovanni Cimara (conde di San Giusto), François-Paul Donadio (camareiro), Armand Pouget (inspetor Rull) cópia Cineteca del Comune di Bologna

Itália, 1922, 35mm, 1.285m, 62min companhia produtora Dora Films; direção Elvira Notari; roteiro Elvira Notari, baseado na canção homônima de E. Scala; direção de fotografia Nicola Notari; elenco Edoardo Notari (Gennariello), Rosè Angione (Nanninella), Antonio Palmieri, Alberto Danza (Tore Spina), Elisa Cava (mãe de Tore), Carluccio cópia Cineteca Nazionale

O Quadro de Oswaldo Mars

A Noite santa

A condessa de San Giusto, aristocrata ociosa que promove reuniões da nobreza em seu castelo, fica aborrecida quando o pintor Oswaldo Mars expõe um quadro de Salomé no qual ela é retratada. Rumores circulam, insinuando um romance entre a condessa e o pintor, que ela nunca encontrou pessoalmente. Ela decide visitá-lo; pouco depois, o pintor é encontrado morto e, consequentemente, a condessa é a acusada do assassinato. O Quadro de Oswaldo Mars, completamente ignorado pelo público e quase liquidado pela crítica, é, sem dúvida, um dos filmes mais interessantes que encontramos em nossas pesquisas. É uma outra prova do quão Eleuterio Rodolfi, como diretor e produtor, é tão interessante quanto desconhecido. Filho de Giuseppe Rodolfi, um ator famoso, Eleuterio começou sua carreira como ator de teatro. Contratado pela Ambrosio em 1911, interpretou e dirigiu filmes, entre os quais Os Últimos dias de Pompeia / Gli Ultimi giorni di Pompei. Em 1917 fundou sua própria companhia, a Rodolfi Film, que produziu 41 filmes de longa-metragem entre 1917 e 1922. Desses filmes, até agora completamente desconhecidos, seis foram localizados na Cinemateca Brasileira: Roberto Burat, La Fuga di Socrate, Stecchini giapponesi, Il Rosario della colpa, Amleto e Il Quadro di Osvaldo Mars. Quem matou o jovem pintor hipersensível, cuja única riqueza era o talento e um entusiasmo febril, e que todos acreditavam amante de uma rica condessa? A princípio, a sensação que se tem é que se trata de um folhetim, talvez de um melodrama, mas as expectativas logo são desmentidas. Trata-se de uma intriga policial inteiramente baseada nas declarações de três testemunhas não isentas de suspeitas, e de uma quarta, o mordomo, que, segundo a tradição, deveria ser o culpado. Cada depoimento corresponde a um ou vários flashbacks. Cada flashback tem um alcance e uma extensão diferente, e é marcado por pontuações de diferentes formatos: fusões, abertura e fechamento de íris, cortinas e demais transições – mais de cem efeitos num filme de cerca de uma hora. Esse abuso deliberado das pontuações que contamina toda a película imprime a Oswaldo Mars um desenvolvimento onírico em um contínuo suspense. [...] Luzes e sombras, contraluzes e penumbras, claro-escuros à Rembrandt, justificados pela presença constante em campo da fonte luminosa. Iluminação violenta e localizada das figuras, em contraste com a sombra contínua e predominante do fundo. Mas O Quadro de Oswaldo Mars é também um filme metadivístico, no qual o corpo da diva se duplica, se transfigura com os traços de Salomé, privado de sua função narrativa direta, no qual a própria diva não apenas é vítima de uma situação complexa, como nela tem um papel essencialmente secundário. O drama passa pela destruição da imagem divística (o quadro dilacerado) e pela revelação da verdade, a cargo de uma menina emudecida ante a visão do drama. A uma montagem complexa, inédita no cinema italiano da época, que sustenta perfeitamente uma intrincada estrutura narrativa, é preciso acrescentar uma fotografia, uma escolha de enquadramentos e de iluminação que aproxima o filme muito mais do cinema alemão do que do italiano. (Vittorio Martinelli, Divas y Divinas)

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A napolitana Elvira Notari (1875 - 1946) é a mais antiga e profícua realizadora do cinema italiano. Além de diretora, era também roteirista e produtora, sócia e fundadora da Dora Film junto com o marido, o diretor de fotografia Nicola Notari. Entre 1906 e 1930, a cineasta escreveu, dirigiu e produziu cerca de 60 longas e filmes de mais de um rolo, uma centena de atualidades e um sem número de curtas. Inspirados sempre na rica cultura popular de sua cidade e na literatura romântica italiana, os melodramas urbanos de Elvira são sempre protagonizados por mulheres e ambientados no submundo daqueles que vivem muito abaixo dos padrões burgueses, em que muitas vezes prevalecem o desrespeito às leis e as histórias de amor sombrias, marcadas pelo ciúme e pela vingança. Filmados quase sempre em locações e com atores não profissionais algumas décadas antes do Neorealismo, e sonorizados durante suas projeções por músicos e cantores populares, os filmes de Elvira Notari foram, por muitos anos, negligenciados pelos estudiosos do cinema italiano.

Vedi Napoli e poi muori

Ver Nápoles e depois morrer Itália, 1924, 35mm, 1.190m, preto-e-branco com viragem, 57min a 18qps companhia produtora Lombardo-Film; direção Eugenio Perego; direção de fotografia Vito Armenise; direção de arte Eugenio Perego; elenco Leda Gys (Pupatella), Livio Pavanelli (Billy), Nino Taranto (Irmão de Pupatella) cópia Cineteca del Comune di Bologna

Billy, empresário americano da cinematografia, com o propósito de rodar um filme sobre as belezas de Nápoles, contrata Pupatella, uma jovem do povo, para o papel de protagonista. Seduzida pela ideia de se tornar uma estrela de cinema, a moça acompanha o produtor quando ele volta aos Estados Unidos, onde os dois iniciam um romance. Um incidente vai despertar o ciúme e a ira de Pupatella, que regressa a Nápoles, mas é seguida por Billy, que está apaixonado.

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Za la Mort – der Traum der Za la Vie

Dannunzianismo e divismo

Itália, 1924, 35mm, 2.550m, preto-e-branco com viragem, 124min a 18qps companhia produtora F.A.J – Film Der National-Film AG; produção Fern Andra; direção Emilio Ghione; roteiro Emilio Ghione; direção de fotografia Eugen Hamm, Franz Stein; elenco Emilio Ghione (Za la Mort), Fern Andra (La Donna di Mondo), Kally Sambucini (Za la Vie), Magnus Stifter, Henri Sze, Robert Scholz, Ernest Anton Rückert cópia Cineteca del Comune di Bologna

Paulo Emilio Salles Gomes

Za la Mort

O bandido Za la Mort e sua companheira Za la Vie juntam esforços para manter a paz no submundo, dando segurança aos cidadãos que circulam pelos locais sombrios do universo subterrâneo parisiense, abrigo de toda espécie de marginais. O casal é o maior obstáculo para um diabólico esquema envolvendo uma personagem mascarada, um misterioso chinês e uma vamp, todos querendo expandir suas atividades criminosas. A quadrilha fará de tudo para eliminar o casal com uma terrível armadilha. Restaurado no laboratório L’Immagine Ritrovata em 1996 a partir de uma cópia em nitrato conservada na Cinemateca da Iugoslávia. Os intertítulos foram traduzidos para o italiano resgatando o grafismo original, e as cores foram reconstruídas pelo método Desmet. Emilio Ghione (1879 -1930) iniciou sua carreira como assistente e dublê na nascente indústria cinematográfica de Turim, no final dos anos 1900. Durante o período, também fez papéis secundários em uma grande variedade de filmes. Contratado pela Cines, foi a Roma e atuou numa série de curtas, entre eles S. Francesco, poverello d’Assisi (1911), de Enrico Guazzoni. Empregado da Celio-Film, trabalhou ao lado da atriz Francesca Bertini. Em 1914 apresentou ao público uma de suas mais famosas personagens, Za la Mort, protagonista de Nelly La Gigolette (1915), primeira aventura de uma série de grande apelo popular. Conhecido pela alcunha de “apache”, Za la Mort é um marginal ao mesmo tempo sentimental e romântico, implacável e cruel. Seu caráter e suas aventuras nos remetem à tradição do folhetim e às personagens dos filmes de Louis Feuillade, como Judex (1926). Nos anos 1920, diante das condições pouco satisfatórias da produção italiana abalada pela concorrência americana, Emilio Ghione acompanharia o êxodo de muitos técnicos e artistas para a Alemanha. Em Berlim, como parte da equipe da National-Film, roda Za la Mort – der Traum der Za la Vie. O filme é estrelado por Ghione e pela atriz Fern Andra, proprietária da National-Film. Viciado em cocaína, amante da boemia, Ghione falece alguns anos depois vítima de tuberculose. Mi viene l’idea de criarne uno col nome di Za-la-Mort, que nel gergo degli apaches vuol dire: Viva la Morte! (Emilio Ghione) Seu nome tem a suave beleza do grito partido de uma boca apunhalada; sua figura, longa e fria, é uma “faca só lâmina”; suas mãos e seus olhos são os de Cesare, o sonâmbulo assassino... Assim é Za, best beloved son da Morte e de um punhal. A medida da verdade de um personagem e/ou de um autor sempre é dada pela identificação de um ao outro. Ghione, a partir do dia em que concebeu Za-la-Mort, não mais se possuiu, e levou esta estranha associação de dois seres às suas consequências últimas: a destruição mútua. É impossível falar de Ghione sem dizer Za, mesmo porque até antes do momento de vir à luz, este já existia como que intrauterinamente em seu autor, e também porque foi só com Za que ele se descobriu e se realizou. (Gustavo Dahl, Cinema Italiano)

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[...] Não obstante a pouca ou nenhuma participação de [Gabriele] D’Annunzio, o cinema italiano da segunda década do século [XX] foi indiscutivelmente dannunziano. Isto quer dizer que muitas películas significativas deste período foram impregnadas de uma atmosfera particular, na qual as lendas acerca do gosto e do comportamento do poeta tinham tanta importância como a obra e a vida real. O dannunzianismo é um universo amplo, complexo, frequentemente contraditório, em que a azione per l’azione e o vivere inimitabile refletem indiferentemente um anseio imperial ou um refinamento perverso. Esse reino do sublime esparziu o seu colorido característico pelas reconstituições cinematográficas da grandeza de Roma, e deixou igualmente sua marca nos melodramas burgueses, em geral de origem francesa, filmados na península. Enquanto as fitas históricas são animadas por sentimentos de grandeza patriótica, lateja nas outras a fatalidade do gozo. Nas primeiras delineia-se o perfil do super-homem de origem nietzchiana e, nos melodramas, a superfemmina que teria povoado a imaginação e a vida de Grabriele D’Annunzio. Se, porém, o dannunzianismo permite compreender muitos aspectos da primeira grande eclosão italiana de atrizes cinematográficas, por outro lado não explica suas origens e está longe de abranger em seu conjunto esse encantador fenômeno artístico e industrial. Vem a propósito a aproximação entre Francesca Bertini e Lord Alfred Douglas. A beleza deste último, segundo Bernard Shaw, não tinha sexo, pois já não se tratava de algo propriamente humano. A impressão que me causou Francesca Bertini, a primeira vez que a vi na tela da Cinemateca Francesa, foi muito semelhante à sensação que Shaw procura evocar a propósito do amigo de Oscar Wilde. A aparição da atriz italiana eclipsou em meu espírito cinquenta anos de presenças femininas cinematográficas. Eu não poderia dizer que Francesca Bertini me pareceu mais bela do que as outras, pois aqui o termo de comparação perde a razão de ser. A própria natureza do seu encanto singularizava-a, destacando-a de qualquer atriz. A beleza de Francesca Bertini não era humana, e como evitar a qualificação de divina? Não me admirei quando mais tarde aprendi, com os cronistas e historiadores do cinema italiano, que a expressão diva foi empregada pela primeira vez, na acepção que se tornou corrente, com referência a Francesca Bertini em 1915. A descoberta da jovem atriz pelo público e o nascimento do divismo confundem-se num só fato, que demonstra mais uma vez como as manifestações mitológicas cinematográficas são espontâneas e estão sob o signo da autenticidade, pelo menos em suas origens. Só a ingenuidade dos publicistas que, como os políticos, trabalham em terreno movediço e pouco conhecido, pode imaginar uma propaganda capaz de criar de toutes pièces, uma Francesca Bertini, uma Lyda Borelli, uma Italia Almirante-Manzini, ou mesmo uma Pina Menichelli e tantas outras.

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[...] Quando, graças à convivência, aumenta a familiaridade com a imagem de Francesca Bertini, a diva imortal humaniza-se e somos levados a admitir, por exemplo, que o seu pescoço não resiste a todos os ângulos; que seus movimentos nem sempre causam o prazer que seria de se esperar. Tocamos aqui, aliás, numa contradição profunda, válida para todas as divas. Elas se movem muito, em ritmos variados e frequentemente obedecendo a um ritual sutil, mas a vocação de todas é o mármore. A obsessão pela estatuária reaproxima-nos do dannunzianismo. No clima dannunziano, entretanto, as mulheres estão longe de ser apenas estátuas. São o terreno natural para exercícios complicados que envolvem o erotismo e a purificação. O cinema das divas reflete um pouco de tudo isso, mas este é um assunto que mereceria uma análise mais acurada para a qual não me sinto competente. Francesca Bertini será sempre para mim um caso a parte. Mas as outras, Lyda Borelli, Italia Manzini, Pina Menichelli, Maria Jacobini, a Bella Hesperia, Leda Gys, Soava Gallone, Vittoria Lepanto (e seria possível enumerar mais uma dúzia de divas excepcionalmente atraentes) propõem um problema que não deixa de ser angustiante, o de suas relações com o público moderno no plano das projeções do desejo. São profundas as modificações sofridas pela linguagem erótica do cinema, e o espectador superficial limitar-se-á a rir de algumas das expressões mais óbvias – certos olhares e meneios do corpo à maneira antiga. Mas um exercício estimulante aguarda as pessoas dotadas de vocação para a sensualidade erudita. Essas obras estão cheias de sinais de conteúdo esquecido, e o esforço de decifração será certamente uma fonte de alegria para os sentidos e a inteligência. O significado de certa temática precisará ser restaurado em toda a sua plenitude. A sensibilidade moderna está bastante embotada para apreender a linguagem erótica dos cabelos, por exemplo, que foi uma das mais elaboradas em todo o cinema mudo. Contudo, por maior que seja a nossa familiaridade com o vocabulário e a sintaxe do velho erotismo cinematográfico, não desaparecerá do nosso espírito uma certa frieza diante das divas. Tenho para esse fenômeno uma hipótese bastante atraente. O cinema revela, através da alquimia secreta da fotogenia, a natureza profunda das formas que registra. As divas eram todas boas moças, com nítida vocação familiar, que na primeira oportunidade abandonaram a carreira dramática em troca dos prazeres do lar. Enquanto as divas se debatiam em amores tempestuosos ou se deleitavam na prática do mal, a câmara insinuava implacavelmente quão sólidas e virtuosas elas eram na vida real. O futuro confirmou não só a virtude, mas a solidez das divas. Quase todas elas são hoje viúvas abastadas que gozam de boa saúde. Uma das poucas que morreu foi Italia Almirante-Manzini. Em São Paulo, em 1941, picada por um inseto venenoso, dizem as crônicas italianas da época. (Suplemento Literário, 30/7/1960)

Francesca Bertini (página ao lado)

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por fim, mas não de menor importância, o cânon “acadêmico” (que emana dos mais recentes desenvolvimentos dos estudos cinematográficos).

A Viagem da mãe Krause até a felicidade

Destaques de Pordenone

O “sexto sentido” do cânon cinemático Paolo Cherchi Usai Historiador e pesquisador de cinema silencioso.

As Giornate del Cinema Muto estão particularmente orgulhosas de cultivar sua parceria com a Jornada através de uma nova seleção de obras-primas escolhidas nas três décadas da programação em Pordenone (efetivamente, o festival celebra em 2011 seu 30o aniversário!). Dada a enorme aclamação crítica que cerca os quatro títulos selecionados este ano para nosso amado festival “gêmeo” de São Paulo, algumas palavras são necessárias para explicar a abordagem de Pordenone acerca da noção de “cânon” do cinema silencioso. Uma nova série plurianual estabelecida pelas Giornate em 2009, “O Cânon Revisitado”, tem como objetivo sugerir uma abordagem em várias camadas da definição de “canônico”, tão oposta à visão reducionista de “o melhor de...” quanto a um conceito abstrato despido de contexto histórico. De nosso ponto de vista, uma distinção deveria ser feita entre o cânon “nacional” (os filmes reconhecidos como clássicos dentro de uma determinada comunidade territorial), o cânon “autoral” (baseado na reputação consolidada de realizadores individuais), o cânon “provisório” (que consiste nos filmes aclamados como obras-primas nos anos imediatamente seguintes ao de seu lançamento), o cânon dos “pioneiros” (compilado pelos pais fundadores da história do cinema e da crítica) e, 68

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A maior reflexão e o debate público sobre a questão nos persuadiram que uma sexta categoria deveria ser adicionada à lista, não em oposição mas como um complemento às outras. Nos anos de formação do movimento dos arquivos de filmes, as instituições de coleta batalharam para reunir um conjunto de trabalhos representativos da arte do cinema em suas primeiras manifestações. Este objetivo era amplamente compartilhado pelos membros fundadores da Federação Internacional de Arquivos de Filmes (Fiaf). Os líderes dessas instituições tinham, em graus variados e por diferentes motivações, o compromisso de emprestar cópias uns para os outros. Entretanto, muitos deles predispunham-se a construir seu próprio “cânon” de cinema através da coleta, duplicação e troca de cópias com organizações amigas. Nesse sentido, os curadores comportavam-se, em alguma medida, como colecionadores: um arquivo que tinha a melhor ou a única cópia existente de um clássico reconhecido, eventualmente a negociava, a fim de obter algum filme marcante guardado por uma instituição amiga. Em anos recentes, a Fiaf desenvolveu uma base de dados de filmes silenciosos, agora disponível na internet (http://fiaf.chadwyck.com/marketing/index,jsp). “Tesouros dos Arquivos de Filmes” está chegando à marca de 50 mil filmes preservados, um número dificilmente imaginável algumas décadas atrás. Se considerarmos que a Fiaf não representa a totalidade dos locais onde se guardam filmes silenciosos, e que nem todos os membros da Fiaf contribuem regularmente para essa obra em construção, é razoável supor que o número de títulos sobreviventes seja consideravelmente maior. Até agosto de 2011, quase 30 anos após seu início em 1982, as Giornate del Cinema Muto exibiram 6.658 filmes silenciosos, o que significa que cerca de noventa por cento do patrimônio cinematográfico silencioso ainda não foram mostrados em Pordenone. Obviamente, a base de dados da Fiaf não pretende fornecer uma visão abrangente do “cânon arquivístico”. O que o projeto “Tesouros” da Fiaf está conseguindo, porém, em relação ao “cânon” do filme silencioso, é um instantâneo do que os curadores de filmes pensavam na tentativa de enriquecer seus acervos, tornandoos maiores e mais significativos para suas respectivas comunidades. Dessa perspectiva, o “cânon arquivístico” pode ser encarado como uma história da preservação de filmes em miniatura. O tributo de Pordenone para a Jornada Brasileira é, em todos os sentidos, também um tributo ao compromisso daqueles curadores, à sua paixão pelo cinema e a seu árduo trabalho nos vários continentes. Quatro títulos são apenas quatro gotas no gigantesco oceano das visões silenciosas, mas reparem como elas são belas. 69

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Von Morgens bis Mitternachts Da manhã à meia-noite

Alemanha, 1920, 35mm, 1.325m, preto-e-branco, 72min a 18qps companhia produtora Ilag-Film; produção Herbert Juttke; direção Karl Heinz Martin; roteiro Herbert Juttke, Karl Heinz Martin, baseado em peça teatral de Georg Kaiser; direção de fotografia Carl Hoffmann; direção de arte Robert Neppach; elenco Ernst Deutsch (o caixeiro), Erna Morena (a mulher), Hans Heinrich von Twardowski (o jovem cavalheiro), Frieda Richard (a avó), Lotte Stein (a esposa), Roma Bahn (a filha, a mendiga, a mulher perdida, a mascarada, a moça do Exército da Salvação) cópia Filmmuseum im Münchner Stadtmuseum

O filme foi expressamente anunciado como “o primeiro filme alemão em preto-e-branco”. Durante as filmagens, Martin (“diretor artístico”) e Neppach (cenário e figurinos) trabalharam apenas em preto-e-branco, e era proibido tingir as cópias: o expressionismo em seu estado puro, mais “caligarístico” do que Caligari. Baseado na peça homônima de Georg Kaiser, uma história banal sobre o cotidiano reflete o drama da humanidade. “Uma chama arde na cabeça do caixeiro: por uma única vez agarrar o mundo, a vida, a alegria, o prazer de todos os sentidos, agarrar tudo isso por uma vez, com as duas mãos, em qualquer lugar, de qualquer forma. Ele rouba e gasta loucamente o dinheiro: choque na família, mudo estupor no banco. O caixeiro quer explorar a vida real. A vida com tudo que ela tem, em sua magnificência. Vícios, prostitutas, o brilho das luzes” (Rudolf Kurtz, Expressionismus und Film, Berlim, 1926). A censura proibiu o intertítulo final, “Ecce homo”, acusando-o de blasfemo. O filme não foi distribuído na Alemanha nem no restante da Europa, mas parece ter feito sucesso no Japão, onde foi localizada a única cópia existente no mundo e de onde o Museu de Cinema de Munique obteve sua cópia, restaurada pelo Centro Nacional de Cinema japonês. Apresentado originalmente com comentários de um benshi, o filme não tinha intertítulos; mas uma lista completa de intertítulos foi encontrada na censura alemã. O estilo gráfico usado na recriação dos intertítulos baseou-se nas palavras que ocasionalmente aparecem na tela. (EP, catálogo Pordenone 2000)

Le Brasier ardent O Braseiro ardente

França, 1923, 35mm, 2,152m, preto-e-branco, 105min a 18qps companhia produtora Films Albatros; produção Alexandre Kamenka; direção Ivan Mosjoukine; roteiro Ivan Mosjoukine; direção de fotografia Joseph-Louis Mundwiller, Nicolas Toporkoff; direção de arte Alexandre Lochakoff, Edouard Gosch; elenco Ivan Mosjoukine (Zed, o detetive), Nathalie Lissenko (Ela), Nicolas Koline (o marido), Camille Bardou (presidente do clube), Huguette de la Croix cópia Cinémathèque Française

A Films Albatros foi uma das mais importantes casas produtoras de filmes na França da década de 1920. Nela foram realizados mais de quarenta filmes silenciosos, e neles, a vanguarda de cenógrafos (entre os quais, o brasileiro Alberto Cavalcanti) e diretores (Jacques Feyder e René Clair, por exemplo) estabeleceu altos padrões de qualidade para a cinematografia silenciosa francesa. A origem da produtora deveu-se a Josef Ermoliev, um dos grandes produtores da Rússia czarista. Em 1919 transferiu para Paris a sede de sua empresa e levou consigo os atores, cenógrafos, diretores e fotógrafos que formavam o núcleo da companhia. Entre eles, os diretores Viatcheslav Tourjanski e Alexander Volkoff, e um dos maiores atores de teatro e cinema russos da época, Ivan Ilitch Mosjoukine (1889-1939).

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O primeiro semestre de 1923 foi o momento de consagração de Mosjoukine em Paris. Esperado com ansiedade, o seriado La Maison du mystère, em dez episódios dirigidos por Alexander Volkoff, finalmente estreou e arrastou multidões aos cinemas. Paralelamente, ator e diretor começaram a rodar Kean. E, a 1 de junho, estreava na consagrada sala Marivaux a segunda e última aventura de Mosjoukine como diretor, Le Brasier ardent, rodado entre o verão e o outono de 1922. Por todas as manifestações, o filme surpreendeu, chocou e dividiu as audiências contemporâneas. Num artigo publicado quinze anos depois (quando Mosjoukine estava morrendo numa clínica nos arredores de Paris), Jean Renoir recordava uma projeção do filme e seu efeito sobre ele: “A audiência uivava e assobiava, chocada com um filme tão diferente do que estava acostumada a ver. Eu fiquei extasiado. Decidi abandonar meu comércio, a cerâmica, e tentar fazer filmes”. (Le Point, dezembro de 1938). Os críticos, em geral, gostaram mais, ainda que tenham ficado perplexos. Ricciotto Canudo não mediu suas palavras e declarou Le Brasier ardent tão “maravilhoso quanto os primeiros balés de Diaghilev”. Visto hoje, o filme continua fascinante, espantosamente original algumas vezes, ainda que insatisfatório em seu conjunto em detrimento da soma de suas partes heterogêneas. Não foi inovador no sentido que foi La Roue, por exemplo, daquele mesmo ano. Mas, como Carl Vincent apontaria depois, ele “popularizava os surtos de inspiração e as experiências de expressão puramente cinemáticas do grupo da vanguarda francesa da época: Epstein, Dulac, e as de outros realizadores ousados, de Delluc aos expressionistas alemães”. Como um portfolio pessoal de sua ampla gama de interpretação, Mosjoukine superou-se. Como escreveu Richard Abel, “o roteiro original de Mosjoukine pode parecer descuidado e extremamente inconsistente, uma mistura de ingredientes estranhamente contraditórios que não se harmonizam. Mas foi escrito, em parte, como veículo para sua vigorosa presença como ator. O pendor que tinha para a fantasia e a comédia excêntricas tornavam-no um mestre Proteu do disfarce, uma síntese de diversos tipos de personagem. No pesadelo de abertura, sozinho, ele interpreta um herético ardendo na fogueira, um cavalheiro elegante, um bispo e um mendigo. No restante do filme, assume uma série de personas contraditórias – um detetive brilhante, um bufão, um cruel mestre da dança, um amante tímido, um filhinho de mamãe”. Mais do que em outros filmes do período, Mosjoukine deveu muito a seu principais colaboradores, o cenógrafo Alexandre Lochakoff e o diretor de fotografia Joseph-Louis Mundwiller. Um jornalista contemporâneo em visita ao estúdio durante a produção descreveu a imaginação vivaz e a economia de recursos com que Lochakoff concretizou, no estúdio acanhado, o cenário da rua do pesadelo de abertura. Quanto a Mundwiller, grande mestre de luz da Alsácia, começara sua carreira na filial russa da Pathé antes da I Guerra Mundial. Além de ter sido o primeiro a filmar o velho Leon Tolstói, ele foi um dos cinegrafistas pioneiros da nascente indústria cinematográfica russa. De volta à França após a guerra, e depois da Albatros, trabalhou com Abel Gance (especialmente na primeira parte de Napoléon) e Raymond Bernard (Le Joueur d’échecs/O Jogador de xadrez). Infelizmente, a carreira de realizador de Mosjoukine acabou com Le Brasier ardent, que foi um fragoroso desastre comercial. Contudo, ao mesmo tempo, é evidente que Mosjoukine foi de fato codiretor da maior parte de seus filmes seguintes, especialmente os dirigidos por Volkoff, cuja carreira também entraria em rápido declínio uma vez separado de seu amigo e principal fonte de inspiração. (Lenny Borger, catálogo Pordenone 2003)

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Gardiens de phare Guardas do farol

França, 1929, 35mm, 1.689m, preto-e-branco, 62min a 24qps companhia produtora Société des Films du Grand Guignol; direção Jean Grémillon; roteiro Jacques Feyder, baseado em peça teatral de Pierre Antier e P. Cloquemin; direção de fotografia Georges Périnal; montagem Jean Grémillon; elenco Paul Fromet, Geymond Vital (Yvon Bréhan), Genica Athanasiou (Marie), Gabrielle Fontan, Maria Fromet cópia Cinémathèque Française

Gardiens de phare, título curto e expressivo. Ao pronunciá-lo, evocamos a vida terrível desses homens sem laços com a terra, ignorantes do que se passa, e que não podem pedir ajuda. Face a face com o oceano, devem iluminar a rota dos navios, preservá-los de recifes ameaçadores. Imaginem que um deles tenha necessidade de socorro, que sua vida esteja em perigo. Pior, ele foi mordido por um cão, lá longe, na Bretanha, antes de chegar a seu posto de trabalho. Um simples arranhão, acredita. Mas ele fica inquieto, estranho, a febre o corrói. O pai, que divide o trabalho com ele, atribui seu ar sombrio à tristeza de estar separado da noiva, com quem em breve se casará. Mas os sintomas pioram. Yvon não pode mais beber, e o pai, angustiado, fica chocado com seu olhar fixo, vazio, alucinado. Fora, a tempestade ruge e torna impossível qualquer ajuda. Marie, a noiva, também escuta esse mar infatigável, que lança sua espuma borbulhante sobre os rochedos áridos. De repente, ela toma conhecimento que o cão que mordeu Yvon acaba de ser sacrificado: estava com raiva. Enlouquecida, ela tenta acalmar sua inquietude – talvez Yvon escape da terrível moléstia. Mas, por que o farol não acende quando a noite desce? Ela não ousa imaginar o que de assustador possa ter acontecido. Nenhuma luz varre o mar e, ao longe, escutam-se os apelos desesperados lançados por um rebocador. Na sala de vigia do farol, pai e filho estão sentados de frente um para o outro. O filho, com respiração ofegante e olhos febris. O pai quer se aproximar das lanternas para acendê-las, mas Yvon, em plena crise, inconsciente, lança-se sobre ele: sente necessidade de morder. Uma luta terrível tem lugar enquanto o barco perdido na noite clama por socorro. O pai não pode hesitar: é preciso que sacrifique o filho e, num supremo esforço, ele o empurra através de uma porta aberta e o precipita no vazio. Depois, uma força misteriosa o arrasta a seu dever, seu dever de guarda do farol. Ele se aproxima da lanterna e a acende. [...] Grémillon não ficará sentido se associarmos o sucesso obtido na apresentação com o autor do roteiro e da decupagem, Jacques Feyder [...], e o responsável pela fotografia, Georges Périnal. Foi a estreita colaboração desses três homens que permitiu a brilhante realização de Gardiens de phare. Baseando-se numa peça concebida unicamente para uma situação, Feyder inventa novos desenvolvimentos e personagens secundárias ao redor das duas personagens principais; torna a ação mais viva e contribui com aquele que, aliás, ele chama de espírito do cinema. Adivinha-se que todos os seus esforços concentraram-se também na evolução da terrível moléstia, estudando os primeiros sintomas, observando-lhe as devastações antes de chegar à crise final. Grémillon é um verdadeiro amante do mar. Ninguém o compreende melhor em seus múltiplos aspectos, quer ele siga amorosamente com o olhar uma vaga que morre na praia ou admire as ondas raivosas que se quebram contra os rochedos. Um roteiro como o de Gardiens de phare não poderia encontrar um realizador mais sensível. Ele não se contenta em conduzir uma ação violenta, rápida, incansável. Grémillon ainda a admira mais porque ela se passa num farol. Ele examina todos os

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mecanismos dessa maravilha sob o aspecto mais imprevisto, interessa-se prodigiosamente pelos efeitos que as sombras e as luzes da lanterna jogam sobre os rostos das personagens. Isso o recorda do que ele deve exprimir, e o faz lembrar de seu grande amigo: o mar próximo que, infatigável, lança-se ao assalto do farol. É com um entusiasmo desses que se fazem as grandes obras. Quanto a Périnal, ele dotou o filme de uma fotografia magnífica que, para muitos, foi uma revelação. Não se trata aqui de uma fotografia luminosa. Melhor do que isso, é uma fotografia de atmosfera, cinza sem ser chapada, voluntariamente imprecisa sem ser obscura. Ela aumenta mais a angústia, a opressão. Périnal é um mágico inconsciente. Com a ajuda de telas vermelhas, ele transforma uma marinha ensolarada numa estranha paisagem lunar, e seus jogos de sombras e luzes têm a suavidade de uma imagem de Man Ray. Três artistas carregam todo o peso da interpretação: Genica Athanasiou consegue ser uma jovem bretã emocionante, embora seu rosto não se preste a isso. Fromet, o pai, tem alguns momentos de inesquecível emoção. E Vital Geymond interpreta sobriamente, mas com uma rara força, o papel terrível do filho em que muitos, e não os menores, teriam sucumbido. (Marcel Carné, Cinémagazine, 4/10/1929)

Mutter Krausens Fahrt Ins Glück

A Viagem da mãe Krause até a felicidade Alemanha, 1929, 35mm, 2.858m, preto-e-branco, 118min a 21qps companhia produtora Prometheus Film-Verleih und Vertrieb-GmbH; produção Willi Münzenberg; direção Piel Jutzi; roteiro Willy Döll, Jan Fethke, baseado nas histórias e desenhos de Heinrich Zille; direção de fotografia Piel Jutzi; direção de arte Karl Haacker, Robert Scharfenberg; elenco Alexandra Schmidt (mãe Krause), Holmes Zimmermann (Paul Krause), Ilse Trautschold (Erna Krause), Gerhard Bienert (inquilino), Vera Sacharowa (Friede), Fee Wachsmuth (menina), Friedrich Gnaß (Max) cópia Deutsche Kinemathek Museum Für Film Und Fernsehen

Um clássico da cinematografia proletária revolucionária e um dos últimos filmes silenciosos da era Weimar, o filme foi lançado no bairro de Wedding, Berlim, em 30 de dezembro de 1929. Foi anunciado como um “filme Zille”, em homenagem a Heinrich Zille, o popular ilustrador e cronista da vida da classe trabalhadora que morrera cinco meses antes. Baseado em motivos de histórias e desenhos de Zille, Mutter Krausens Fahrt ins Glück é um melodrama social entremeado de imagens documentais sobre o proletariado de Berlim. Jutzi, diretor alemão que em meados da década de 1920 abandonou os filmes comerciais para se dedicar a documentários sociais, dirigiu o filme em colaboração com os conhecidos pintores ativistas Kathe Kollwitz e Otto Nagel, e com o compositor Paul Dessau. O orçamento reduzido foi propiciado pela Prometheus Films, companhia dedicada à promoção de filmes soviéticos na Alemanha. À semelhança de Berlim, a sinfonia da metrópole / Berlin, die Sinphonie der Großtadt (Walter Ruttmann, 1927), Jutzi usa a câmara e a montagem para capturar a vida real, mas, em contraste com o corte transversal que Ruttmann faz dos vários ambientes urbanos, ele se concentra nos bairros proletários berlinenses. A panorâmica rápida e os planos em chicote das cenas introdutórias buscam mostrar as condições de vida que determinam as ações individuais das personagens. Frequentemente, a câmara se move dos atores para seu ambiente miserável, como para dar lugar à declaração de Zille que “pode-se matar um homem com um apartamento tão facilmente quanto com um machado”. Muitos membros do elenco nunca haviam sido atores; seus rostos rudes, filmados em primeiros planos com a câmara baixa (de acordo com o “estilo russo” de Pudovkin e Eisenstein), sugerem um interesse documental realista e autêntico. A descrição da vida de uma família da

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classe trabalhadora é feita paralelamente à organização proletária de jovens operários. Numa cena famosa, a moça encontra seu namorado politizado numa manifestação de protesto, a princípio vacilante, mas segue a marcha com os outros ao som da Internacional. [...]. O filme repete esta cena no final, construindo, assim, uma alternativa de propaganda política para a conclusão melodramática da história. A ação coletiva e solidária da jovem classe trabalhadora é proposta como solução para o fatalismo do sofrimento individual. A velha mãe Krause não tem a consciência de classe da protagonista da Mãe / Mat (1926) de Pudovkin. A curta (por causa da censura) cena final sugere um anseio utópico. A adaptação feita, em 1975, por Rainer Werner Fassbinder – Mutter Küsters Farht zum Himmel – é uma refutação cáustica desse tipo de solução abertamente otimista da perspectiva de uma desiludida Nova Esquerda alemã. O filme de Jutzi foi rodado entre setembro e novembro de 1929, em locações no bairro berlinense conhecido como “Wedding vermelho” devido à grande quantidade de moradores proletários comunistas. Mutter Krausens Fahrt ins Glück responde ao turbilhão social daquele ano: o crescimento do desemprego depois da crise do mercado de ações e a mortal cisão da classe proletária entre o lumpenproletariat (que o filme caricaturiza e difama com imagens de bêbados e jogadores inconscientes) e os membros mais organizados e conscientes do Partido Comunista. Kuhle Wampe (1932), o filme de Bertold Brecht dirigido por Slatan Dudow, tem a mesma polarização. Alguns anos depois, o apelo implícito dos dois filmes por uma ação coletiva encontraria um eco distorcido na mobilização das massas por Hitler. (Anton Kaes, catálogo Pordenone 2010)

O Maravilhoso leque vivo

Georges Méliès - 150 anos Com exceção de alguns poucos e tímidos precursores, foi Georges Méliès (Paris, 8 de dezembro de 1861 – Paris, 21 de janeiro de 1938) quem tirou do cinema o caráter de instrumento documental que a ele fora atribuído, desde o seu nascimento, pelos irmãos Lumière – razão pela qual Méliès é reconhecido como criador do espetáculo cinematográfico. Com larga experiência como caricaturista, inventor e prestidigitador antes do surgimento do cinematógrafo, Méliès logo colocou seus dons a serviço da nova técnica. Tendo ganhado um protótipo do cinematógrafo criado pelo inglês Robert William Paul, Méliès pôs-se a filmar cenas cotidianas em Paris. Um dia, quando filmava na praça da ópera, sua câmara parou de rodar por alguns segundos. Quando depois ele revelou o filme, percebeu que um ônibus era bruscamente substituído por um coche funerário. O acidente o levou a criar a trucagem da substituição, típica de seus filmes, que deu à sua rica fantasia novas possibilidades de desenvolvimento. Lançando mão deste e de muitos outros truques que ele mesmo descobrira, como a perspectiva forçada, as múltiplas exposições e as filmagens em alta ou baixa velocidade, Méliès produziu centenas de filmes entre 1897 e 1912, muitos dos quais não sobreviveram ao tempo – em larga medida por conta da penúria enfrentada pelo

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artista entre 1914 e 1918, que o levou a vender seus negativos por quilo para reprocessamento industrial. Ainda assim, muitas de suas obras, como Viagem à lua / Le Voyage dans la lune, de 1902, e A Conquista do polo / À la conquête du pôle, de 1912, continuaram em circulação e são hoje reconhecidas como exemplos clássicos do primeiro cinema de ficção científica. Considerado o pai dos efeitos especiais e do cinema fantástico, Méliès foi também o primeiro cineasta a usar desenhos de produção e storyboards para projetar suas cenas, criando um estilo de grande apuro visual que, derivado do teatro de variedades e do ilusionismo, exerceu grande influência sobre os primeiros diretores cinematográficos. Em comemoração aos cento e cinquenta anos do nascimento deste que é um dos verdadeiros inventores da arte cinematográfica, a V Jornada Brasileira do Cinema Silencioso apresenta uma sessão especial dedicada ao mestre, com a exibição de sete de seus filmes.

Le Monstre O Monstro

França, 1903, 55m, preto-e-branco, 2min29seg a 24qps companhia produtora Star Film; produção, roteiro e direção Georges Méliès; elenco Georges Méliès cópia Lobster Films

Inconsolável em sua viuvez, um príncipe egípcio oferece uma fortuna a um sacerdote para que ele lhe conceda a graça de ver, pelo menos uma vez mais, sua falecida esposa com vida.

Le Merveilleux éventail vivant O Maravilhoso leque vivo

França, 1904, 90m, preto-e-branco, 3min24seg a 24qps companhia produtora Star Film; produção, roteiro e direção Georges Méliès cópia Cinemateca Brasileira

O rei Luis XV da França recebe de presente um leque maravilhoso, ilustrado com figuras femininas que ganham vida.

Le Chevalier des Neiges

Jeanne d’Arc

O Cavaleiro das neves

Joana d’Arco

França, 1900, 250m, colorido a mão, 10min a 24qps companhia produtora Star Film; produção, roteiro e direção Georges Méliès; elenco Jeanne d’Alcy (Jeanne d’Arc), Georges Méliès, Bleuette Bernon cópia Lobster Films

A história da guerreira Joana d’Arc contada em 11 cenas, mostrando desde seu nascimento, em Domrémy, em 1412, até sua morte, em Rouen, em 1431.

França, 1912, 390m, preto-e-branco, 13min a 24qps companhia produtora Star Film; produção, roteiro e direção Georges Méliès; elenco Georges Méliès cópia Cinemateca Brasileira

Um pretendente rejeitado, ajudado pelo diabo – a quem vendeu sua alma –, rapta a princesa com quem queria se casar e a mantém prisioneira. O Cavaleiro das Neves parte em seu resgate.

À la conquête du pôle A Conquista do polo

Le Livre magique O Livro mágico

França, 1900, 60m, preto-e-branco, 2min37seg a 24qps companhia produtora Star Film; produção, roteiro e direção Georges Méliès cópia Lobster Films

As gravuras em tamanho real de um imenso livro ganham vida, uma após a outra, fazendo emergir de suas páginas os personagens clássicos das farsas italianas: Pierrot, Arlequim, Pulcinella, Colombina e Cassandra.

França, 1912, 440m, preto-e-branco, 16min a 24qps companhia produtora Star Film; produção Georges Méliès e Charles Pathé; roteiro e direção Georges Méliès; elenco Georges Méliès (professeur Mabouloff), Fernande Albany cópia Cinemateca Brasileira

Versão reduzida da adaptação feita por Méliès do romance de Jules Verne sobre uma expedição ao Polo Norte realizada por cientistas de todo o mundo.

Le Rêve du radjah ou La Forêt enchantée Sonho de um sultão

França, 1900, 40m, preto-e-branco, 2min25seg a 18qps companhia produtora Star Film; produção, roteiro e direção Georges Méliès cópia Lobster Films

Um príncipe indiano adormece em seu palácio e acorda no meio de uma floresta encantada, onde tem que enfrentar ameaçadoras aparições.

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Cinema amador: silêncio nos pampas Dois filmes curtos brasileiros, ambos restaurados no laboratório da Cinemateca Brasileira dentro do Programa de Restauro 2007, merecem destaque na programação da Jornada deste ano. Passos na madrugada (1949) e O Assalto à joalheria (1961) são pérolas do cinema amador realizado no Rio Grande do Sul, no auge da “febre do 16mm” – iniciada já na década de 1920 – que tomou conta de aspirantes a cineastas de todo país. Certamente os títulos teriam se perdido não fosse o empenho do pesquisador Glênio Nicola Póvoas, da Cinemateca Capitólio, de Porto Alegre, que os coletou e os inscreveu, juntamente com um conjunto grande de raridades que incluiu animações e cinejornais, no concurso de restauros patrocinado pela Petrobras. Passos na madrugada foi localizado num conjunto de pequenos e médios rolos de filme cinematografados pelo médico Fernando Machado Moreira (1919 – 1973). Já O Caso da joalheria é cria do esforço coletivo de um grupo de doze jovens diletantes que se reuniram para criar o Foto Cine Clube Gaúcho, em 1951. Este último filme mereceu um prêmio da Cinemateca Brasileira – nas categorias enredo, direção e interpretação – quando exibido no Festival de Cinema Amador, realizado em São Paulo, em 1962.

Passos na madrugada Porto Alegre, 1949, 16mm, 279m, preto-e-branco, 30min a 20qps companhia produtora Estúdio Moinhos do Vento; direção Fernando Machado Moreira; elenco Zilah Rosa de Moreira, Paulo Agrifoglio, Marilia Agrifoglio, Luiz Escobar, Alberto Ruschel cópia Restaurado pela Cinemateca Brasileira a partir de reversível original 16mm de imagem encaminhado pela Cinemateca Capitólio de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Jovem convida seus amigos para passar um final de semana em sua rica propriedade. Durante a madrugada, com todos reunidos na casa, um crime acontece. O delegado e seus assistentes são convocados para investigar o caso.

O Caso da joalheria Porto Alegre, 1961, 16mm, 107m, preto-e-branco, 12min a 20qps companhia produtora Equipe Cinematográfica do Sul; direção João Carlos Caldasso; roteiro Alpheu Ney Godinho; direção de fotografia Alpheu Ney Godinho, Antonio Oliveira; elenco Ivo Conto, Alberto de los Santos, Marcia Regina, João Carlos Caldasso, Hector Arroyo, Maria do Horto Martins, Antonio Oliveira, Atilio de Conto, Alpheu Godinho, Dario de Conto, João Carlos Silva, Edison Nequete, David Camargo, Anibal Damasceno Ferreira cópia Restaurado pela Cinemateca Brasileira a partir de reversível original 16mm de imagem encaminhado pela Cinemateca Capitólio de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Quatro homens planejam o roubo de uma joalheria situada na avenida Farrapos. Um incidente acaba frustrando seus planos. Fotogramas de O Caso da joalheria (página ao lado)

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Janela para a América Latina

Garras de ouro: os enigmas continuam Ramiro Arbeláez Pesquisador e historiador formado pela Universidad del Valle, Cali, Colômbia, com mestrado na Universidade de São Paulo. Publicou artigos e ensaios sobre cinema em diversas revistas colombianas e norte-americanas. Atualmente prepara o documentário Garras de oro, mudo testigo de una injusticia.

A primeira notícia sobre Garras de ouro obteve-a o historiador Jorge Orlando Melo nos Arquivos Nacionais de Washington em 1982, ao encontrar correspondência consular do Departamento de Estado em que se advertia o interesse de impedir a difusão de um filme que estava sendo produzido em 1925-26 por investidores da cidade de Cali, e cujo argumento seria injurioso para os Estados Unidos. O título em inglês seria The Dawn of justice. Naquele momento, ninguém tinha nenhuma informação sobre o filme, mas, em 1985, o cinéfilo Rodrigo Vidal encontrou uma cópia, em suporte de nitrato, numa velha sala de cinema de Cali, onde aparentemente ficou escondida por sessenta anos. Nos créditos só aparecem quatro nomes: o diretor P.P. Jambrina; o diretor de fotografia Arnaldo Ricotti; o assistente de fotografia Arrigo Cinotti, e a empresa produtora Cali Film. Todos eram nomes desconhecidos no âmbito do cinema silencioso colombiano. Os pesquisadores supuseram na época que se tratava de pseudônimos. A Fundação Patrimônio Fílmico Colombiano e o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque restauraram o filme em começos dos anos 1990; e hoje podemos ver uma cópia de 56 minutos, o que corresponde talvez a 90% da duração original. O tema e o argumento do filme são suficientes para explicar a causa pela qual o governo dos Estados Unidos o considerou ofensivo e quis impedir sua divulgação. Mas muito ainda existe para ser investigado sobre os detalhes que relegaram o filme a tantos anos de ostracismo. Garras de ouro é uma denúncia do roubo do Panamá cometido pelos Estados Unidos sobre a Colômbia, em 1903, para a construção do canal interoceânico. A trama do filme acompanha os esforços do diretor do jornal The World, de Nova Iorque, na procura de provas para se defender do processo aberto pelo presidente Theodore Roosevelt. O jornalista escrevera um editorial contra Roosevelt em que afirmava que ele não era digno de se reeleger para um segundo mandato, já que não cumprira o tratado internacional, pelo qual os Estados Unidos se comprometiam a respeitar a soberania colombiana. Um segundo núcleo

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Intertítulo de Garras de ouro

dramático é a história de amor entre um detetive que ajuda o diretor do jornal e uma colombiana, filha de um funcionário do consulado colombiano em Nova Iorque. A trama se desenrola entre esta cidade, Bogotá e o rio Magdalena, o principal símbolo da unidade colombiana. Trata-se do primeiro filme colombiano com um trecho colorido: a tricromia da bandeira da Colômbia. Foi também o primeiro a usar a técnica da viragem (camada de cor que impregna a totalidade da imagem), que ajuda a criar o tom dramático da cada sequência. Em comparação com filmes seus contemporâneos, Garras de ouro destaca-se pela habilidade na construção da intriga, pela fluidez narrativa, direção artística e maturidade na utilização da linguagem cinematográfica. A declarada intenção política do filme também o destaca de outras produções colombianas do período, aumentando os enigmas que o cercam desde sua descoberta. Na busca de decifrar esses enigmas, localizamos notícias de jornais em que se garante que o filme foi produzido na Itália e que a protagonista feminina seria a diva Lucia Zanussi, conhecida por seu trabalho em Maciste all’inferno e Quo Vadis (1925). Sabemos também que tanto o diretor de fotografia quanto seu assistente eram italianos, mas o mais importante é que seu diretor era natural de Cali: P.P. Jambrina era o pseudônimo de Alfonso Martínez Velasco, político liberal, jornalista e comerciante, e prefeito de Cali entre 1930 e 1931. O roteirista também era colombiano: José Vicente Navia, que escreveu o roteiro em Cali e que processou Jambrina após ver o filme, acusando-o de haver se afastado do argumento. A última informação que encontramos é que este roteirista foi peça importante para convencer o Departamento de Estado americano a perseguir o filme. Apesar de tudo, o filme estreou em 13 de março de 1927 no Teatro Moderno de Cali, o mesmo teatro sobre cujas ruínas foi construído o atual Teatro Jorge Isaacs, lugar onde foi encontrada a única cópia sobrevivente.

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Garras de ouro

Garras de oro Garras de ouro

Colômbia, 1926, 35mm, 1.122m, preto-e-branco com viragens e planos coloridos, 55min a 18 qps companhia produtora Cali Film; direção P.P. Jambrina (Alfonso Martínez Velasco); direção de fotografia Arnaldo Ricotti; roteiro José Vicente Navia; elenco Lucia Zanussi cópia Fundación Patrimonio Fílmico Colombiano

O editorialista de The World, jornal da “Cidade dos arranhacéus, capital da Yanquilândia”, precisa encontrar provas para defender-se de uma acusação de calúnia por ter escrito que Theodore Roosevelt, artífice do Panamá, não devia ser reeleito presidente dos Estados Unidos. Roosevelt descumprira o tratado em virtude do qual os Estados Unidos se comprometiam a desenvolver uma via interoceânica através do istmo do Panamá, mantendo a integridade territorial do que então era a Colômbia. Para se defender, o jornalista envia vários detetives à Colômbia para encontrar provas da existência desse tratado. Um desses perdigueiros é Patterson, apaixonado por Berta, filha de um modesto empregado do consulado da Colômbia na “cidade dos arranhacéus”. Primeiro filme antiimperialista na América Latina.

André Deed (Cretinetti)

Oficina Sonora da Jornada Este ano, a Jornada apresenta o resultado do trabalho de uma oficina para realização de trilhas sonoras, coordenado por Gustavo Barbosa Lima, com a participação de um quarteto de cordas formado por alunos da Escola de Música do Estado de São Paulo – EMESP Tom Jobim (Wellington Guimarães e Ana Carolina Guimarães – violinos; William Guimarães – viola; e Joeder Rodrigues - cello). O grupo fará o acompanhamento musical de comédias curtas baseado no repertório erudito tradicional para esse tipo de formação.

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Amoureux de la femme à barbe Apaixonado pela mulher barbada França, 1909, 35mm, preto-e-branco, 6min companhia produtora Pathé Frères; elenco Max Linder

O jovem Max decora bem suas lições, e com a recompensa recebida vai a um parque de diversões. O empresário aproveita-se da paixão fulminante de Max pela mulher barbada e o contrata como auxiliar. Mas Max descobre que a barba da mulher é falsa e foge vestido de urso. Perseguido até sua casa, o pai de Max denuncia o golpe que fora aplicado no filho.

Cretinetti paga i debiti

Como Did paga as suas dívidas Itália, 1909, 35mm, preto-e-branco, 8min companhia produtora Itala Film; elenco André Deed

Cretinetti, assediado por credores, foge através de portas e paredes e se oculta numa valise mágica que anda sozinha por ruas e parques, perseguida por um cortejo cada vez maior. Ao final, Cretinetti vende a mala mágica para um casal simplório, que acaba pagando as consequências das dívidas do habilidoso herói.

Go West

La Nuova cameriera è troppo bella

Prólogos cinematográficos

Itália, 1912, 35mm, com viragens, 8min companhia produtora Società Anonima Ambrosio; produção Arturo Ambrosio; elenco Nilda Baracchi (Robinette), Armando Pilotti

Luciana Corrêa de Araújo

A Nova camareira é bonita demais

Uma linda camareira fica exasperada com as atenções que todos os homens da casa dedicam a ela e pede o socorro de sua patroa. Juntas elas tramam um plano para acalmar a excitação amorosa dos galanteadores ousados. A camareira combina um encontro com cada um, todos à meia-noite, no jardim de inverno. Quando todos os homens estão lá, as duas mulheres trancam a porta e regam todos com a mangueira, acalmando seu ardor.

Lea e il gomitolo Lea e o novelo

Itália, 1913, 35mm, com viragens, 5min companhia produtora Cines; elenco Lea Giunchi (Lea), Giuseppe Gambardella, Lorenzo Soderini

Os pais saem uma noite e deixam a adolescente Lea em casa com a recomendação de que não leia, mas faça dedicadamente seu tricô. Lea perde o novelo de lã (vemos que está preso atrás de sua saia), procura-o por toda parte, e destrói a casa nessa busca. Quando os pais voltam, concluem que o melhor seria que ela lesse.

Le Acque miracolose As Águas milagrosas

Itália, 1914, 35mm, com viragens, 11min companhia produtora Società Anonima Ambrosio; direção Eleuterio Rodolfi; roteiro Arrigo Frusta; elenco Gigetta Morano (Gigetta), Eleuterio Roddolfi (dr. Rodolfi)

Marido, mulher e um simpático vizinho são os principais protagonistas desta comédia muito refinada no plano visual. A traição conjugal faz a felicidade de todos eles. 84

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Pesquisadora, professora de graduação e de pós-graduação em Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), desenvolve pesquisas sobre cinema silencioso brasileiro.

Em 1926, o exibidor Francisco Serrador trazia a novidade dos prólogos cinematográficos para as quatro primeiras salas da Cinelândia carioca. Apresentações de palco que precediam a projeção, os prólogos eram esquetes, acompanhados em geral por números de canto e dança, que remetiam ao tema, personagens e diálogos do filme exibido em seguida. O cineasta e homem de teatro Luiz de Barros ficou responsável pelos prólogos do Odeon e do Glória, enquanto Annibal Pacheco, Benjamin Fineberg e Celestino Silveira, publicistas da Agência Paramount, preparavam os esquetes do Capitólio e do Império. É grande a influência do teatro de revista, seja na estrutura, no tratamento de temas e personagens, nos quadros de música e dança, no humor com diálogos e situações muitas vezes licenciosos. Nos prólogos cômicos, em particular, percebe-se o recurso à paródia, como é o caso de “Vaqueiro estilizado”, prólogo escrito por Pacheco e Silveira para Go West (1925), dirigido e estrelado por Buster Keaton. O esquete arregimenta tipos do teatro de revista (português, mulata, criada) numa paródia que insere referências do cinema hollywoodiano em uma cena típica do subúrbio carioca. O humor popular, a estratégia paródica e a influência do teatro de revista, tão característicos dos prólogos, serão incorporados pelo cinema sonoro brasileiro, marcando também as comédias musicais e as chanchadas.

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O Vaqueiro estilizado

CRIADA O que, seu Manuel? Da sua mulata?

sketch

Prólogo do filme de igual título – pela Seção de Publicidade – Paramount

VAQUEIRO (Entra, puxando uma vaca. Traz uma sacola com garrafas.) Eh! Eh! Vem cá, rapariga! Anda p’ra aqui, não te faças de tola, quando não, pespego-te dois murros no focinho – depois vai queixar-te ao bispo! (Amarra a vaca.) Diabos levem quem inventou esta vida de leiteiro. Leva um homem a vida inteira a dar leite à humanidade, e ninguém reconhece o serviço prestado! Lá quem fosse quem inventou este serviço, com certeza morreu afogado! (Bate à porta.)

CRIADA Ora essa! Só se o senhor agora foi crismado, “seu” Manuel! VAQUEIRO Manuel é que não, dona Henriqueta! Depois que eu estive lá nas Américas, passei a chamar-me Buster Keaton! CRIADA Buster... quê?! VAQUEIRO Keaton, sim senhora! É o que lhe digo e o que lhe hão de dizer!

CRIADA (Do interior.) Quem é?

CRIADA Deixe disso, “seu” Manuel! Então eu acredito que o senhor algum dia se perdesse por aqueles lados?

VAQUEIRO “Au láite”! CRIADA Quem?

VAQUEIRO Pois olhe: tanto estive que até conheço toda aquela gente das fitas!

VAQUEIRO “Au láite”, já disse! Quantas vezes quer que eu esteja p’ra aqui a gritar: “Au láite!” “Au láite!” “Au láite!”...

CRIADA Ah, o senhor então já falou com Rodolpho Valentino?

CRIADA (Entreabrindo a janela.) Ué! O cobrador da Light, logo de madrugada?

VAQUEIRO (Gabolas) Se falei! Quantas e quantas vezes! Mais de duzentas mil vezes! Aquilo, era encontrar o tal Randolpho Banselina p’ra cá, p’ra acolá... Em todas as esquinas lá estava o homenzinho! Até uma vez me ficou a dever dois litros de leite que lhe fiei...

VAQUEIRO Não, minha rica menina! Eu cá vendo o bom leite ali da minha vacaria, que é aquela na esquina da rua São Francisco Xavier! CRIADA Escute aqui, “seu” Manuel das Vacas... o senhor...

CRIADA Quem? O senhor? (Ri.) VAQUEIRO Não se ria, dona Henriqueta! Então a menina não acredita? Olhe que o tal Randolpho Banselina muito leite bebeu cá da minha Mulata!

VAQUEIRO Mau, mau, mau, dona Henriqueta! Não me troque o nome. Eu cá nunca fui Manuel das Vacas!

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VAQUEIRO Da minha Mulata, sim senhora! Ali da minha vaca leiteira, que está agora a espreitar-nos! (Aponta a vaca.) CRIADA (Rindo.) É engraçado, mesmo, este seu Manuel das Vacas! (Estremecimento do Vaqueiro.) E mente! Dizer que a sua mulata nasceu na América do Norte, com aquele focinho! VAQUEIRO Não, nascer ela não nasceu. A Mulatinha nasceu aqui. Eu é que a levei para lá. CRIADA E o senhor carregou a Mulata para os Estados Unidos!

Primeira página do original preservado no Arquivo Nacional

VAQUEIRO Pois então? Havia de deixá-la para os piratas ma roubarem! Levei-a e nunca me separei dela. Até dormimos juntos...

ganhar a vida honradamente, que é essa que aí está vendo... (Aponta a vaca.)

CRIADA Não diga!

CRIADA Ah! Agora compreendo! (Ri.) Mas cuidado com essas confusões, heim?

VAQUEIRO É que eu tenho-lhe muita amizade! Sempre comemos à mesma mesa e bebemos do mesmo copo!

VAQUEIRO Não se ria assim, dona Henriqueta! Não se ria, que eu cá não posso fazer a mesma coisa!

CRIADA Chega de potocas, homem! Então o senhor já viu vaca comer na mesa e beber de um copo? (Ri.)

CRIADA Ora essa! Por quê? Foi aposta, seu Manuel... das Vacas?! VAQUEIRO Dê-me uma tapona, mas não me troque o nome; eu agora sou Buster Keaton, não me posso rir e acabou-se!

VAQUEIRO Ai, mau, mau, mau! Eu agora não estou a falar da vaca! A mulata que foi comigo às Américas foi a “oitra”...

CRIADA Buster Keaton? Que nome mais sem pé nem cabeça!

CRIADA Não entendo nada! Então o senhor tem duas mulatas?

VAQUEIRO Então a senhora não o conhece das fitas? Aquele sujeito que não se ri nem que lhe façam cócegas na sola do pé! Não ri nem a pau, o raio do homem! Parece feito de

VAQUEIRO Ai, lá isso é que tenho! Uma em casa, que é lá a mulata que me prepara a janta e me lava as camisas – outra cá por fora, para

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VAQUEIRO Quem foi que disse semelhante besteira? Eu até, sempre que empresto dinheiro a juros, é a primeira coisa que faço... CRIADA Isso acredito! Mas deixemos de conversa fiada. Daqui a pouco a patroa levanta-se e a passa-me um carão desta idade! Deixe ver o meu leite! VAQUEIRO Então, “cantos” litros quer hoje, menina Henriqueta? CRIADA Meio litro chega. VAQUEIRO Só? Então uma casa com trinta e nove pessoas, fora os filantes... bebe meio litro de leite? Coitadinhos! Aquilo, nem bebem leite! É só uma amostra!

Última página do original preservado no Arquivo Nacional

cimento armado! Pois olhe: eu sou igual a ele. Igualzinho!

CRIADA Que tem o senhor com isso? Deixe ver o meio litro – e ponha-se a andar! A sua freguesia está toda esperando e o senhor aqui, a dar à língua!

CRIADA Não acredito! Só experimentando para ver se o senhor não ri!

VAQUEIRO Pois tome-o lá, dona Henriqueta! Tome-o lá... (Num suspiro.) Ai, quem me dera ser esse rico leitinho! Quem me dera!

VAQUEIRO Pois pode experimentar! CRIADA Posso? Então espere aí. (Sai do interior e vem fazer-lhe cócegas.)

CRIADA P’ra que, seu Manuel? O senhor até tem um estábulo...

VAQUEIRO (Resistindo.) Pode fazer! É à vontadinha! Eu não me rio nem que me estrangulem... Não rio, não rio, não rio... (Cai numa gargalhada prolongada.)

VAQUEIRO É que algum golezinho sempre há de ser “bubido” p’la dona Henriquetinha... E esse golezinho é que eu queria ser! Só p’ra lhe conhecer todo o interior da sua geografia corporal!

CRIADA Viu? Não lhe dizia que o senhor não aguentava comigo?

CRIADA Deus me livre! Imaginem, eu com seu Manuel das Vacas dentro do estômago!

VAQUEIRO Também, que admiração! A menina Henriqueta faz as coisas com tanta delicadeza... Que até é um pecado a gente não se rir!

VAQUEIRO É o que lhe digo, menina Henriqueta! Eu cá, não se me dava de mandar tudo isso às urtigas! O leite, mal’as garrafas, mal’as mulatas... (A vaca muge.)

CRIADA Para outra vez, não insista! O senhor não se garante... 88

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Olha essas trombas, Mulata! (Outro tom.) Tudo eu deixava, se vosmecê estivesse pronta a fugir comigo lá p’ras Américas! Lá é que nós íamos fazer umas fitas bem feitas!

CRIADA “Esterilizado”? (Ri.) Não avança, não, seu Manuel! Veja só se eu estou para ficar, também, “esterilizada”! (Ri sempre.) VAQUEIRO Então, menina Henriqueta! P’las suas alminhas! Diga que sim! Vamos p’ras Américas montar um estábulo e vender o bom “láite” de Minas!

CRIADA Deixa de lorota, seu Manuel! Não vê que eu acredito! Foi tempo... VAQUEIRO Ai, Henriquetazinha, Henriquetazinha! Vamos montar um estábulo! Eu serei o teu vaqueirinho, tu serás a minha vaqueirinha... E havemos de ter muitos vaqueirotes, pequenotes, pequerruchotes...

A DONA DA CASA (Surgindo à janela.) Então, Henriqueta! Que palestra é essa! E nós, aqui, à espera, para servir o café! Deixa de vadiação, anda para cima, anda... MULATA (Entrando de repente.) Seu descarado! Apanhei-te, heim?

CRIADA Passo! Deixa de infantilidade, seu Manuel! E as mulatas?

CRIADA (Numa vibrante gargalhada) Bonito! Deu-se o toró! Coitado do Manuel das Vacas!

VAQUEIRO Ora, as mulatas! Mandam-se “prantar” favas – e acabou-se! (A vaca muge.)

VAQUEIRO (Disfarçando e saindo sorrateiramente) “Au láite”! “Au láite”!

CRIADA (Assustada.) Credo! A bichinha está zangada (A vaca muge mais forte.)

Cortina, rápido. Projeção do filme VAQUEIRO ESTILIZADO.1

VAQUEIRO Cata-te, “estapor”! Cata-te, ou dou-te uma costa de mão... (A vaca muge.) Má raios t’a partam! Querem ver que a gaja está a perceber-me o negócio, e vai contar tudo à “oitra”?

Annibal Pacheco Celestino Silveira

CRIADA Ela tem razão, coitada! Está cansada de esperar... VAQUEIRO Pois “antão”, que se morda! Eu também estou cansado de a aturar, mais à “oitra”... Estes raios dão-me um trabalho dos diabos! Mas deixemos as Mulatas, Henriquetazinha! Tratemos de nós! Então, rica menina, vamos ou não vamos p’ras Américas! (Aproxima-se.) Henriqueta! Henriqueta! Por que não fazes a “desinfelicidade” do teu vaqueirinho... Do teu vaqueirinho “esperilizado”! 1 De acordo com a revista Cinearte, o título de lançamento de Go West no Brasil era Vaqueiro avacalhado e o filme foi exibido no Império em maio de 1926.

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Índice de filmes A

F

À la conquête du pôle 77 Acque miracolose, Le 84 Águas milagrosas, As: ver Le Acque miracolose Amoureux de la femme à barbe 84 Apaixonado pela mulher barbada: ver Amoureux de la femme à barbe Assunta Spina 51 Ave Maria: ver L’Ave Maria di Gounod Ave Maria di Gounod. L’ 42 Avventure straordinarissime di Saturnino Farandola, Le 49 Azas italianas sob os céos do Brasil 29

Fascínio da violência, O: ver Il Fascino della violenza Fascino della violenza, Il 48 Fauno, Il 56 Fauno, O: ver Il Fauno Fazenda da Onça 17 Fogo, O: ver Il Fuoco Força Pública do Estado de São Paulo 19 Fragmentos da vida 19 Fuoco, Il 52

G Gardiens de phare 72 Garras de oro 82 Garras de ouro: ver Garras de oro Guardas do farol: ver Gardiens de phare Guerra e o sonho de Momi, A: ver La Guerra ed il sogno di Momi Guerra ed il sogno di Momi, La 57

B Batismo de Carmencita, 25 de junho de 1921 17 Braseiro ardente, O: ver Le Brasier ardent Brasier ardent, Le 70

J

C

Jeanne d’Arc 76 Joana d’Arco: ver Jeanne d’Arc

Caso da joalheria, O 78 Cavaleiro das Neves, O: ver Le Chevalier des Neiges Chegada do aviador De Pinedo a Santo Amaro 19 Chevalier des neiges, Le 77 Como Did paga as suas dívidas: ver Cretinetti paga i debiti Conquista do polo, A: ver À la conquête du pôle Cretinetti paga i debiti 84

L Lea e il gomitolo 84 Lea e o novelo: ver Lea e il gomitolo Livre magique, Le 76 Livro mágico, O: ver Le Livre magique

M Maciste contra a morte: ver Maciste contro la morte Maciste contro la morte 59 Madre e la morte, La 43 Mãe e a morte, A: ver La Madre e la morte Malombra 57 Maravilhoso leque vivo, O: ver Le Merveilleux éventail vivant Matrimônio interplanetário, Um: ver Un Matrimonio interplanetário Matrimonio interplanetário, Un 43 Merveilleux éventail vivant, Le 77

D Da manhã à meia-noite: ver Von Morgens bis Mitternachts

E Exemplo regenerador 17

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Milagres de São Januário: ver Il Miracolo Miracolo, Il 59 Monstre, Le 77 Monstro, O: ver Le Monstre Mutter Krausens Fahrt Ins Glück 73

Sonho de um sultão: ver Le Rêve du radjah ou La Forêt enchantée Spergiura! 42

N

Tambor sardo, O: ver Il Tamburino sardo Tamburino sardo, Il 45 Testamento de Maciste, O: ver Il Testamento di Maciste Testamento di Maciste, Il 59 Tigre real: ver Tigre reale Tigre reale 54 Traidora!: ver Spergiura! Trilogia de Maciste, A: ver Trilogia di Maciste Trilogia di Maciste 59

T

Noite santa, A: ver ‘A Santanotte Nova camareira é bonita demais, A: ver La Nuova cameriera è troppo bella Nozze d’oro 45 Nuova cameriera è troppo bella, La 84 Núpcias de ouro: ver Nozze d’oro

P Passos na madrugada 78 Polidor al club della morte 50 Polidor no clube da morte: ver Polidor al club della morte Príncipe herdeiro da Itália em terras do Brasil, O 29

U Ultimi giorni di Pompei, Gli 50 Últimos dias de Pompeia, Os: ver Gli Ultimi giorni di Pompei

Q

V

Quadro di Osvaldo Mars, Il 62 Quadro de Oswaldo Mars, O: ver Il Quadro di Osvaldo Mars

Vedi Napoli e poi muori 63 Ver Nápoles e depois morrer: ver Vedi Napoli e poi muori Viagem da mãe Krause até a felicidade, A: ver Mutter Krausens Fahrt Ins Glück Viagem de Maciste, A: ver Il Viaggio di Maciste Viaggio di Maciste, Il 59 Vida das borboletas, A: ver La Vita delle farfalle Vita delle farfalle, La 46 Von Morgens bis Mitternachts 70

R Raggio di sole 48 Raio de sol: ver Raggio di sole Real Nave Itália no Rio Grande do Sul, A 29 Rêve du radjah ou La Forêt enchantée, Le 76 Rossi Actualidades n.126 – Um Sarau no Paço de São Cristóvão 19

S Sangue napolitano: ver Assunta Spina ‘A Santanotte 63 Saturnino Farandola: ver Le Avventure straordinarissime di Saturnino Farandola Sogno di un tramonto d’autunno 44 Sonho de um ocaso do outono: ver Sogno di un tramonto d’autunno

Z Za la Mort: ver Za la Mort – der Traum der Za la Vie Za la Mort – der Traum der Za la Vie 64

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INSTITUIÇÕES QUE CONTRIBUÍRAM COM FILMES DE SEUS ACERVOS Itália

Alemanha

Cineteca di Bologna www.cinetecadibologna.it Via Riva di Reno 72 40122 Bolonha

Deutsche Kinemathek – Museum für Film und Fernsehen www.deutsche-kinemathek.de Potsdamer Straße 2 10785 Berlim Filmmuseums München Munich Film Museum St.-Jakobs-Platz 1 D-80331 Munique

Colômbia

Crédito das imagens capa, páginas 14, 15, 20, 21, 22 e 23 - acervo Cinemateca Brasileira, arquivo pessoal de Pedro Lima páginas 28, 75, 79 e 85 - acervo Cinemateca Brasileira páginas 4, 7, 16, 17, 18, 24, 25 e 26 - acervo família Gilberto Rossi páginas 30, 44, 47, 49, 53, 55, 58, 61, 67, 83 e 96 - acervo Museo Nazionale del Cinema página 68 - acervo Deutsche Kinemathek – Museum für Film und Fernsehen páginas 81 e 82 - acervo Fundación Patrimonio Fílmico Colombiano páginas 87 e 88 - acervo Arquivo Nacional

Referências bibliográficas Abel, Richard (ed.). Encyclopedia of Early Cinema. Oxon (Inglaterra): 2005. Divas y Divinas. Figuras del Cine mudo Italiano. Istituto Italiano di Cultura: 2000. Galvão, Maria Rita. Crônica do Cinema Paulistano. São Paulo: Editora Ática, 1975. Gomes, Paulo Emilio Salles. Crítica de Cinema no Suplemento Literário. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra e Embrafilmes, 1981.

Bases de dados e catálogos disponíveis na internet Festival Il Cinema Ritrovato www.cinetecadibologna.it/cinemaritrovato2011/ev/archivio2011 Giornate del Cinema Muto de Pordenone www.cinetecadelfriuli.org/gcm/ed_precedenti/screenings_db.html The Internet Movie Database www.imdb.com Museo Nazionale del Cinema www.museonazionaledelcinema.it/collezioni/Muto.aspx

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Fondazione Cineteca Italiana www.cinetecamilano.it Manifattura Tabacchi, viale Fulvio Testi 121 20162 Milão

Fundación Patrimonio Fílmico Colombiano www.patrimoniofilmico.org.co Carrera 13 no13-24 Piso 9. Auditorio. Bogotá

Centro Sperimentale di Cinematografia-Cineteca Nazionale www.fondazionecsc.it Via Tuscolana, 1524 00173 Roma

França Cinémathèque Française www.cinematheque.fr 51 rue de Bercy 75012 Paris

Museo Nazionale del Cinema www.museocinema.it Via Montebello 15 1024 Turim

OUTRAS INSTITUIÇÕES COLABORADORAS Felix Bloch Erben GmbH & Co. KG Verlag für Bühne Film und Funk www.felix-bloch-erben.de Hardenbergstraße 6 10623 Berlim Alemanha Friedrich-Wilhelm-Murnau-Stiftung www.murnau-stiftung.de Murnaustr. 6 65189 Wiesbaden Alemanha

Lobster Films www.lobsterfilms.com 13, rue Lacharrière 75011 Paris França Le Giornate del Cinema Muto Cineteca del Friuli www.cinetecadelfriuli.org Palazzo Gurisatti -Via G. Bini 5033013 Gemona (UD) Itália

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CINEMATECA BRASILEIRA

V JORNADA BRASILEIRA DE CINEMA SILENCIOSO

Ministra de Estado da Cultura Ana de Hollanda

Curadoria Carlos Roberto de Souza

Secretária do Audiovisual Ana Paula Santana

Curadoria musical Livio Tragtenberg

Sociedade Amigos da Cinemateca Maria Dora Genis Mourão (Presidente) Gabriel Jorge Ferreira (Vice Presidente) Andréa K. Lopes (Coordenadora Administrativa)

Desenvolvimento do projeto Equipe de Difusão/ Núcleo de programação da Cinemateca Brasileira

A Jornada Brasileira de Cinema Silencioso é uma atividade realizada com a colaboração de toda a equipe da Cinemateca Brasileira e da SAC: Adilson Inácio Mendes, Adinael Alves de Jesus, Adriana Cardoso Machado de Souza, Agda Vaz Batista, Agnaldo Tadeu Dias, Alex Koga, Alexandre Gonzalez Araújo, Alexandre Miyazato, Alexandro Nascimento Genaro, Ana Cristina Bezerra da Silva, Ana Lewiski de Andrada Coelho, Ana Vera do Amaral F. L. Martins, Anna Paula Nunes, André Bonani, Andréa C. Senna, Andréia Duo, Andréa K. Lopes, Arthur Teixeira Sens, Baltazar F. Andrade, Bia Ferreira Leite, Bianca Leme, Bruno de Souza Pinto, Bruno Feitosa Santos, Bruno Machado da Silva, Bruno Marques Pucci, Bruno Pilsa Logatto, Camila Daher Fink, Camila Ferrari de Moraes, Carina Misobuchi, Carlos Cesar Lyra Gomes, Carlos Eduardo Grieder de Freitas, Carlos Roberto R. de Souza, Carlos Wendel de Magalhães, Carmen Lúcia Quagliato, Cássia Damião da Silva, Cecília Lara, Cezar Ricardo Palmeira, Christiana Chiappetta, Cícero Antônio Brasileiro e Silva, Cinara Dias, Cintia Nakashima, Clara Gattoni Liutkevicius, Claudete dos Santos Ferreira Leite, Cláudia Rossi, Cláudio Augusto Guidetti Piovesan, David Wallace Farias Garcia, Daniel Laviano, Daniel Oliveira Albano, Daniel Shinzato, Daniel Silveira Souza, Daniela Bueno Coutinho, Daniela Giovana Siqueira, Danilo Tamashiro, Dario Malta Ciriacco, Débora Ferreira dos Reis, Deigmar Maciel Alves, Dimas Luppi Kubo, Diego Becker da Silva, Eliana de O. Queiroz, Eliana Erika Miyasilo, Elisa Inês Ximenes Vieira, Elisa Silva Ril, Elisabete da Silva, Elton Campos, Eny Moura Dias, Eric Sandro Silva Kureck, Erica Affonso Greco, Ernani Roberto de Oliveira Cioffi, Ernesto Otto Stock Filho, Etienne Yamamoto, Fabiana Gomes de Mattos, Fábio Kawano, Fabiola Teixeira do Nascimento, Felipe Trindade Diniz, Fernanda Andrade Cavagnon, Fernanda Guimarães, Fernanda Helena de Oliveira Valim, Fernando Gagliardi Fortes, Flavia Barretti, Francine Yurie Tomo, Francisco Cesar Filho, Frederico de Faria Arelaro, Gabriela Sousa de Queiroz, Gilvando de Oliveira dos Santos, Gisa Millan, Gisele Alemar de Souza Santos, Giulia Frozza, Giuliano Conti, Guilherme Farkas, Ingrid Gonçalves, Ivan Xavier de Souza, Jair Leal Piantino, Jesus Fernandez da Silva, João Marcos de Almeida e Silva, José Augusto Zagatto Barrichello, José Francisco de Oliveira Mattos, Josiane da Ponte, Juliana Almeida Santos, Karina Seino, Karina Oliveira Nascimento, Katia Cristina Dolin Lopes, Kelly Santos de Lima, Larissa Domingos de Sá, Leandro Pardí, Leonardo Zerino, Leticia Falcão, Ligia Falci, Ligia Silva Farias, Luana Fernanda da Silva, Luciana Bonillo Pilon, Luciana Ramos Pereira, Luisa Saul Malzoni, Luiz Fernandez Carneiro, Luiz Gonzaga Fernandes, Luricéia Costa da Silva, Maina Ortiz Fantini, Maiara Paula Munhoz Ferreira, Marcela Otero Sonim, Marcela Wieck, Marcelo Costa Comparini, Marco Aurélio Duque Lourenço, Marcos Leandro Kurtinaitis Fernandes, Maria Aparecida dos Santos, Maria Aparecida da Silva Santana, Maria Aparecida da Silva, Maria Fernanda Curado Coelho, Maria Talib Assad, Maria Tereza da Silva, Mario Joo Pung Kim, Mariana Alves de Lima e Menna, Marilia Almeida Santos de Freitas, Marina Aleixo, Marina Couto, Marina Kagan, Marina Pugliesi Vitale, Millard Schisler, Moema Muller, Myrna Baumann Malanconi, Nancy Hitomi Korim, Nathalia Colsato Prado, Olga Toshiko Futemma, Olívia Cano Margonari, Pamela Ribeiro Cabral, Paula Maia, Patricia de Filippi, Paula Cecilia Fernandez da Silva, Priscila Castro Cavichioli, Pedro Martins A. de Souza, Rafael Nascimento da Cunha Carvalho, Raphael Figueiredo Xavier, Rayane Jesus da Silva, Renata Aparecida Costa Machado, Ricardo Constantini, Rodrigo Archangelo, Rodrigo Fonseca Carvalho de Mercês, Rosemary do Nascimento Cioffi, Sérgio José da Silva, Sérgio T. Felicori, Simone Alves, Sônia Maria da Rocha, Stefany do Carmo Previdelli, Stela Maris, Suzana Knop dos Santos, Sung Sfai, Talita Guessi, Tathiana Solano Lopes, Theo Varella Costa Russo, Thais Bayer, Thais Sandri, Thiago de Castro Jodas, Thiago Dell’Orti Bolanho, Thiago Ignácio, Thiago Sezoski Zacchi, Tulio Fernandes Silva, Umberto Nunes Pinheiro, Valéria Aparecida Oliveira de Souza, Valquiria Carmo Cestrem, Victor Martins de Souza, Virgínia das Flôres Baptista Vieira, Vivian de Luccia, Vivian Malusá, Vivianne Arques Gomes, William Vilson de Freitas, Yara Mitsue Iguchi.

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Cecília Lara Marcos Kurtinaitis Marina Couto Nancy Korim Rafael Carvalho Vivian Malusá Produção executiva Vivian Malusá Coordenação de produção Marina Couto Produção Cecília Lara Letícia Falcão Produção musical Paula Maia Coordenação editorial Remier Lion Projeto gráfico Élcio Miazaki Textos do catálogo Carlos Roberto de Souza Livio Tragtenberg Luca Giuliani Luciana Araújo Luís Alberto Rocha Melo Marcos Kurtinaitis Paolo Cherchi Usai Rafael Carvalho Remier Lion Traduções Adriana Iozzi Klein Carlos Roberto de Souza Cecília Casini Revisão de textos Ana Paula Gomes

Pesquisa Carlos Roberto de Souza Carolina Rozin Fernando Fortes Karina Seino João Marcos de Almeida Marcos Kurtinaitis Rafael Carvalho Remier Lion Digitalização de imagens Fernando Fortes João Marcos de Almeida Karina Seino Túlio Fernandes Transcrição, tradução e revisão de intertítulos Carlos Roberto de Souza Cecília Casini Cláudio Augusto Piovesan José Francisco de Oliveira Mattos Larissa Domingos de Sá Luiz Gonzaga Fernandes Assessoria de imprensa ATTi Comunicação Vinheta Eugênio Puppo Site Bruno Logatto João Marcos de Almeida Marília Freitas Impressão do material gráfico Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Stilgraf Projeto de iluminação Lucio Kodato Equipamento de iluminação Quanta

Agradecimentos Akira Tochigi Andrea Meneghelli Andreina Sarale Anna Sperone Antonella Felicioni Brigitte Veyne Camille Blot-Wellens Camille Lebon Carmen Accaputo Carmen Prokopiak Dan Nissen Dirk Förstner Emilie Cauquy Federica Dini Gabrielle Claes Gudrun Weiss Guy Borlée Laura Argento Leonilde Callocchia Ligia Farias Livio Jacob Lorena Iori Luca Giuliani Luciana Correa de Araújo Luigi Boledi Luigi Virgolin Maria Chiba Michelle Pistolesi Myriam Garzón de García Rito Alberto Torres Moya Roberto Della Torre Roberta Basano Samantha Leroy Sara Margelli Sergio Minehiro Kitayama Simone Molitor Stefan Droessler Stefania Carta Stephanie Hausmann Véronique Chauvet

Som R4Som Pro Transporte de cópias FEDEX KM Comex Legendagem eletrônica 4Estações Despachante alfandegário KM Comex Seguro de filmes Allianz

Cartaz de A Trilogia de Maciste (página seguinte)

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