Catarse e resistência - Adorno e os limites da obra de arte crítica na Pós-modernidade (LIVRO)

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CATARSE E RESISTÊNCIA ADORNO E OS LIMITES DA OBRA DE ARTE CRÍTICA NA PÓS-MODERNIDADE

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Reitor Ruben Eugen Becker Vice-Reitor Leandro Eugênio Becker

Diretor Valter Kuchenbecker

Conselho Editorial Ruben Eugen Becker (presidente) Adair Busato Edmundo Kanan Marques Geraldo Pereira Jotz João Carlos Jaccottet Piccoli Leandro Eugênio Becker Nestor Luiz João Beck Paulo Augusto Seifert Rosa Blanco Valerio Rohden Valter Kuchenbecker

Av. Farroupilha, 8001 - Prédio 29 - Sala 202 - Bairro São José - CEP: 92425-900 - Canoas/RS Fone: (51) 3477.9118 - Fax: (51) 3477.9115 www.editoradaulbra.com.br E-mail: [email protected]

Filiada a:

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CATARSE E RESISTÊNCIA ADORNO E OS LIMITES DA OBRA DE ARTE CRÍTICA NA PÓS-MODERNIDADE

Ronel Alberti da Rosa

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© do autor 1ª edição: 2008 Direitos reservados desta edição: Universidade Luterana do Brasil

Capa Juliano Dall´Agnol Preparação de texto e revisão Neiva Freitas Projeto gráfico e editoração Isabel Kubaski

Ronel Alberti da Rosa é graduado em Regência pela Escola Superior de Música de Colonia, Alemanha (Musikhochschule Köln) e se aperfeiçoou em Viena (Konservatorium), Salzburgo (Mozarteum) e Roma (Accademia Ottorino Respighi). Doutor em Filosofia pela PUCRS, onde leciona as disciplinas de Estética e desenvolve programas interdisciplinares de música e filosofia.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) R788c

Rosa, Ronel Alberti da. Catarse e resistência: Adorno e os limites da obra de arte crítica na pós-modernidade / Ronel Alberti da Rosa. - Canoas: Ed.ULBRA, 2007. 208p. 1. Arte - crítica. 2. Filosofia da arte - Adorno, Theodor W. - catarse. 3. Adorno, Theodor W. - filosofia - arte. I. Título. CDU 7.01

Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas ISBN 978-85-7528-199-4 Dados técnicos do livro Fontes: GoudyOlSt, Gloucester Papel: offset 75g (miolo) e supremo 240g (capa) Medidas: 14x19cm Impressão: Gráfica da ULBRA Julho/2008

Sumário Introdução

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Identificação e distanciamento 35 1.1 Aristóteles – purificação 37 1.2 Freud – liberação 45 1.3 Adorno – conscientização 52

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Adorno e a construção da Modernidade 2.1 Progresso x reação 73 2.2 Funcional x autônomo 81 2.3 Idéia x ideologia 100

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O Pós-moderno – desconstruindo rumo à nova totalidade? 119 3.1 No País do Espelho 124 128 3.2 Adorno e Derrida – contra rationem, sed pro qua re? 3.3 Selva morale e spirituale – o barroco ex machina 139

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Ars in tempore belli – todos por um

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Não é o fim

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Referências bibliográficas

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Introdução

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Na obra filosófica e literária de Theodor W. Adorno, encontramos exatas 17 ocorrências do termo kátharsis – catarse – somando meras outras duas do vocábulo kathartisch – catártico. Em um legado tão extenso como o de Adorno, certamente não parece tratar-se de um conceito do qual, à primeira vista, pensemos poder afirmar houvesse polarizado o pensamento do autor em algum momento de sua carreira criativa. Contudo, e aqui reside toda a importância desse conceito na obra do filósofo frankfurtiano, a concepção estética de Adorno está centrada, queremos apontar, na construção de uma experiência de arte que rejeita absolutamente o processo catártico purificador – no sentido que lhe empresta Aristóteles – e também difere do significado freudiano do termo: a kátharsis adorniana é aquela lograda por meio da ampliação do grau de consciência – sim, digamolo claramente: o aumento do conhecimento – do fruidor do objeto artístico, enquanto sujeito que resiste aos artifícios que lhe comunicam os sentidos. Nosso trabalho propõe, no título Catarse e resistência, o atrito dialético entre dois conceitos que serão contrapostos – tendo como pano de fundo a arte contemporânea – enquanto paradigmas de momentos irreconciliáveis. Para tal, vamos operar de forma análoga à do Adorno neo-hegeliano e dialético da Filosofia da nova música. Naquela obra, as duas principais correntes estilísticas do início do século XX são apresentadas como opções antagônicas de composição musical, e suas diferenças técnicas potenciadas ad extremum: Adorno apropria-se do dodecafonismo de Schönberg para classificá-lo como progresso na música, enquanto Stravinski tem suas politonalidade e polirritmia neoclássicas apostrofadas como reacionarismo. Esse procedimento é próprio do frankfurtiano: extrapola a oposição de conceitos para, ao confrontá-los, poder avançar no seu movimento dialético. Após a tensão, ganha-se mais clareza sobre a real posição dos pólos envolvidos:

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A opinião corrente considera Schönberg e Stravinski como extremamente opostos um ao outro. Com efeito, à primeira vista, as máscaras de Stravinski e as construções de Schönberg apresentam escassa semelhança. Contudo, é muito possível imaginar-se que os distorcidos acordes tonais montados por Stravinski e a série de sons dodecafônicos [de Schönberg], cujas afinidades são praticamente interditas por ordem do sistema, um dia não soem mais tão diferentes como hoje parecem ser. Eles caracterizam, isto sim, diversos graus de coerência dentro do mesmo. A ambos os compositores é comum a aspiração à obrigatoriedade e à necessidade, em virtude do poder sobre o atomizado.1

A catarse e a resistência que apresentaremos em nosso trabalho também representarão dois momentos estéticos postados em antagonismo, num quadro igualmente traduzível enquanto resistência contra a catarse. E que catarse é esta? E é necessário resistir-se-lhe? Vejamos: a kátharsis de que vamos tratar é um conceito da estética aristotélica apropriado por Adorno. Como veremos com mais detalhe no Capítulo 1.3, o frankfurtiano nutria especial desconfiança por toda obra de arte que procurasse induzir ao descontrole afetivo e à restrição da consciência da realidade: a purificação (kátharsis) induzida pelo assombro e pelo maravilhamento está de par com o mundo ad1 “Die übliche Auffassung betrachtet Schönberg und Strawinsky als einander extrem entgegengesetzt. Strawinskys Masken und Schönbergs Konstruktionen haben in der Tat zunächst geringe Ähnlichkeit. Aber man vermag es recht wohl sich vorzustellen, daß einmal die entfremdeten, zusammenmontierten, tonalen Akkorde Strawinskys und die Folge der Zwölftonklänge, deren Verbindungsdrähte gleichsam auf Geheiß des Systems durchgeschnitten sind, gar nicht so verschieden klingen werden, wie sie heute sich ausnehmen. Sie bezeichnen vielmehr verschiedene Stufen der Konsequenz im Gleichen. Beiden ist gemeinsam der Anspruch auf Verbindlichkeit und Notwendigkeit kraft der Verfügung übers Atomisierte.” [Band 12: Philosophie der neuen Musik: Schönberg und der Fortschritt. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 10084 (vgl. GS 12, S. 71)]

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ministrado: “a purificação do homem de sombrios e impotentes afetos está em relação direta com o avanço da desumanização”.2 É esse o contexto de relevância da obra de arte pós-moderna neste trabalho, e que, em nosso jogo de opostos, alinharemos no pólo [1] kátharsis: o movimento que a arte realiza ao divorciar-se do expressionismo da primeira metade do século XX, tentando um caminho de regresso ao belo e à emoção, reinaugurando a divisa da l’art pour l’art3 e suprimindo a fronteira entre os âmbitos artístico e do quotidiano. Enquanto que, na Modernidade, a arte não mais bela tematizou o que Hegel havia anunciado como a morte da arte bela,4 2 “Die Reinigung des Menschen vom trüben und ohnmächtigen Affekt steht in geradem Verhältnis zum Fortschritt der Entmenschlichung.” [Band 4: Minima Moralia. Reflexionen aus dem beschädigten Leben: Treten Sie näher. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 2164 (vgl. GS 4, S. 295)] 3 “A concepção de beleza da l’art pour l’art torna-se ao mesmo tempo vazia e prisioneira do tema, um evento do tipo art nouveau [...]. A beleza, impotente para definirse a si mesma, [definição] que só extrai a partir do seu outro, qual um cipó parasita, está imbricada no destino do inventado ornamento.” [“Der Schönheitsbegriff des l’art pour l’art wird eigentümlich leer und stoffbefangen zugleich, eine Jugendstilveranstaltung [...]. Schönheit, ohnmächtig zur Bestimmung ihrer selbst, die sie nur an ihrem Anderen gewönne, eine Luftwurzel gleichsam, wird verstrickt ins Schicksal des erfundenen Ornaments.”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4302 (vgl. GS 7, S. 352)] 4 A arte bela, isto é, a ‘arte pela arte’ não se compromete com os parâmetros do humano, sejam eles do social, do político ou do conhecimento: “A exclusividade do ideal do belo, defendida por Hegel em nome da superioridade do conceito em relação à experiência sensível, abre-nos, de fato, os olhos para o que não se enquadra mais neste ideal. Quero apenas lembrar, aí, que a famosa tese hegeliana do “fim da arte” refere-se única e exclusivamente à arte bela. Suas considerações não incluem a arte no seu todo. Por isso mesmo, o que escapa aos critérios da arte bela tornar-se-ia a temática preferida das artes modernas, não mais comprometidas com o ideal hegeliano. Uma vez libertas das verdades mediatizadas pela construção racional, colocar-se-ia à disposição das artes modernas um amplo leque de temas possíveis não mais censurados. E, em segundo lugar, porque a demarcação do belo por Hegel não mais poderia servir às artes modernas como ideal ao qual voltar, de modo irrefletido.” FLICKINGER: Experiência literária e Teoria estética em Th. W. Adorno, 7.

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na Pós-modernidade, a tentativa de recuperar a obra de arte afirmativamente bela produz o fenômeno do kitsch, da hiper-realidade e da kátharsis auto-reprodutiva.5 No pólo [2] resistência, teremos o movimento contrário;6 este, porém, é, ao mesmo tempo, constitutivo de seu oponente. O pensamento adorniano anima-se da resistência interna de elementos de constituição recíproca – reflexo da negatividade de sua dialética, expressão da crítica à instrumentalização da ratio – e não prevê uma síntese final no processo de conhecimento (os negritos nas citações, destacando os termos kátharsis e resistência, são nossos): Na era da opressão social universal, apenas nos traços do humilhado e esmagado indivíduo vive a imagem da liberdade contra a sociedade. [...] Concretamente, a liberdade se dá nas formas cambiantes da repressão: na 5 Em seu texto Arte e natureza na estética do Idealismo [Kunst und Natur in der idealistischen Ästhetik], Dieter Henrich expõe como a morte da arte bela, de que Hegel tratou, preparou o caminho para a existência de uma arte moderna não mais bela: “... pode-se supôr que a estética do Idealismo contribuiu mais para a preparação de uma teoria da arte moderna do que teria sido possível em uma estética da produção livre da subjetividade.” [“... Deshalb ist die Vermutung erlaubt, da in der idealistischen Ästhetik mehr Vorbereitung zu einer Theorie der Kunst der Moderne geleistet worden ist, als es in einer Ästhetik der freien Produktion der Subjektivität möglich gewesen wäre.”] HENRICH, 134. 6 Resistência: “... ato, força, luta, defesa, oposição, reação, movimento, processo, acontece dentro de um contexto qualificado como sendo de opressão, desgaste, invasão, ataque e também introdutor de novidades (uma nova ordem). Este ato, essa força, essa reação, encontra-se qualificado, por sua vez, pela espontaneidade, pela vontade presente, pela autonomia, pelo ‘vigor moral e ânimo’, pela consciência. Também nos é apresentada a palavra resistência como embaraço, empecilho, estorvo, obstáculo. O ‘resistente’, ao mesmo tempo que portador de ‘vigor moral’ e ânimo, aparece no dicionário como “teimoso, obstinado, contumaz.” SCHILLING, F.I. apud SELIGMANN. “... a resistência estaria, portanto, próxima de seu sentido inicial de defesa a uma força invasiva, de uma oposição para durar, conservar-se, sobreviver.” SCHILLING, F.I. apud SELIGMANN.

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resistência contra essa. Tanta liberdade da vontade havia quantas eram as pessoas que queriam libertar-se.7

E é precisamente por não ser síntese final que a arte apresentase como momento perene de tensão,8 como resistência que não termina. A Pós-modernidade vende uma aparência apaziguada, nãodialética, onde não vigoram mais dualidade, atritamento e crítica. Marcuse observou que as massas são condicionadas a não perceber os antagonismos como tal: não entrando em interação, as contradições da atualidade são como que neutralizadas, esvaziadas. Nosso trabalho propõe que a arte pós-moderna pode, sim, manter-se associal e crítica, sustentando a tensão com o mundo empírico e o funcional e contribuindo para desmascarar a hipocrisia pacificada da estética neoliberal. Quanto mais a arte é forçada à resistência contra a vida marcada e estandardizada pelo sistema de dominação, tanto mais ela incita ao caos: esquecida, torna-se desgraça. Daí a falsidade das lamúrias acerca do suposto terrorismo intelectual da Modernidade.9 7 “[...] Lebt im Zeitalter universaler gesellschaftlicher Unterdrückung nur in den Zügen des geschundenen oder zermalmten Individuums das Bild von Freiheit gegen die Gesellschaft. [...] Konkret wird Freiheit an den wechselnden Gessalten der Repression: im Widerstand gegen diese. Soviel Freiheit des Willens war, wie Menschen sich befreien wollten.” [Band 6: Negative Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit: Dritter Teil: Modelle. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3248 (vgl. GS 6, S. 262)] 8 “A característica da arte atual de ser portadora da crise do homem e da sociedade, de ser inovadora em sua linguagem, ou de ser uma expressão marcada pela ambigüidade, não é reconhecida como legítima nem é aceita pela ideologia da sociedade de massa. [...] Não se percebe que a linguagem artística, ligada a profundas mudanças sociais, pode se socorrer de novos recursos, às vezes, revolucionários, para exprimir a nova realidade.” PAVIANI: Estética mínima – notas sobre arte e literatura. Ver o capítulo 1.4: A crise como condição da arte, p. 22-5. 9 “Je mehr Kunst zum Widerstand gegen das von der Herrschaftsapparatur geprägte, standardisierte Leben genötigt wird, desto mehr mahnt sie ans Chaos: zum Unheil wird es als Vergessenes. Daher die Verlogenheit des Gezeters über den angeblichen geistigen Terror

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Para melhor compreender o imbricamento da grande catarse pós-moderna com a resistência que a filosofia adorniana confia à obra de arte autônoma, recordemos que o pensamento de Theodor Wiesengrund Adorno insere-se entre o dos últimos iluministas. Devemos situá-lo na tradição que, com Nietzsche, inicia o caminho sem retorno do desencanto para com a racionalidade.10 Uma das obras capitais que nos legou, a Dialética negativa, expõe sua performance mais virtuosa: procura dar o salto mortal que é a proposta de uma rejeição do conceito – pedra basilar da filosofia nos últimos 24 séculos –, denunciado como instrumento de dominação do homem e da natureza, sem, contudo, pretender abrir mão da ferramenta lógica, da ratio. A partir disto, Adorno vai procurar na arte – que, em seu caso, é fundamentalmente a música – uma reserva ética onde se pode ainda encontrar alguma verdade. No mundo dos homens, essa se perdeu – aliás, o desejo de apreendê-la foi o que levou a filosofia à der Moderne.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Paralipomena. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4396 (vgl. GS 7, S. 404-405)] 10 Os anos de estudo de Adorno foram marcados, na filosofia, pelo hegelianismo de esquerda e pelo marxismo. Antes do ingresso na universidade, em Frankfurt, vinha sendo preparado por Siegfried Krakauer, seu amigo 14 anos mais velho, com leituras de Kant – a Crítica da razão pura -, e de Hegel, mas também dos contemporâneos Lukács e Bloch. A Teoria do romance de Lukács impressionou e influenciou muito o jovem Adorno. Mesmo aos escritos de Ernst Bloch, Adorno chegou porque “tinha ouvido dizer que Bloch tinha afinidade com Lukács”, lendo daí seu Geist der Utopie, [Espírito da utopia] Cf. WIGGERSHAUS, 99. Formação atualizada para uma Europa em que a concretização do Essado socialista utópico parecia ser não mais que uma questão de tempo. A revolução de 1917, com a subseqüente fundação da União Soviética, teve ecos na Europa Central - na Alemanha, em 1918, a proclamação da república, e o levante de 1923, em Bremen, sinalizaram um movimento de mudança do comando da sociedade e deram mostras do vigor da organização do operariado marxista, porém alertaram e fortaleceram a reação da extrema direita. De modo especial, os totalitarismos do século XX - o hitlerista e o stalinista - foram objeto da filosofia de Adorno, e não foi sem incluí-los em seu pensamento que o filósofo fundamentou sua teoria estética, essa igualmente construída como resistência a outro grande totalitarismo, o da Indústria Cultural, sob a forma do romantismo tardio e do neo-classissismo.

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construção de sua masmorra de conceitos, da qual os pensadores não mais conseguiram escapar. Na arte, porém, na dimensão do indeterminado, das possibilidades abertas, está preservado aquilo que não é igual a mais nada: o que Adorno chama de não-idêntico, nãoidêntico este que é constitutivo mesmo da identidade: O sistema absoluto de Hegel, que tem sua base na eterna resistência do não-idêntico, nega – contra sua própria auto-imagem – a si mesmo. Em verdade, sem o não-idêntico não existe identidade.11

A resistência do não-idêntico é o que concede à obra de arte seu caráter associal, e permite-lhe preservar uma forma de conhecimento no mundo onde esse se instrumentalizou. O caráter processual das obras de arte constitui-se pelo fato de elas, enquanto artefato, feitas pelo homem, terem, de antemão, seu lugar no ‘reino natural do Espírito’. Porém, para tornarem-se, de alguma forma, idênticas a si mesmas, necessitam seu não-idêntico, seu heterogêneo, ainda não formado. A resistência da alteridade contra elas, [resistência] da qual elas precisam, leva-as a articular a própria linguagem formal, a não deixar nenhum cantinho sem forma. Essa reciprocidade constitui sua dinâmica.12 11 “Hegels absolutes System, das auf dem perennierenden Widerstand des Nichtidentischen beruht, negiert, gegen sein Selbstverständnis, sich selbst. Wahrhaft ist ohne Nichtidentisches keine Identität...” [Band 6: Negative Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit: Erster Teil: Verhältnis zur Ontologie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3017 (vgl. GS 6, S. 126)] 12 “Der Prozeßcharakter der Kunstwerke konstituiert sich dadurch, daß sie als Artefakte, von Menschen Gemachtes von vornherein im ‘einheimischen Reich des Geistes’ ihren Ort haben, aber, um irgend identisch mit sich selbst zu werden, ihres Nichtidentischen, Heterogenen, nicht bereits Geformten bedürfen. Der Widerstand der Andersheit gegen sie, auf welche sie doch angewiesen sind, veranlaßt sie dazu, die eigene Formsprache zu

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É com base na absoluta não-identidade das coisas que Adorno rejeita a mímese na arte, destacando, porém, que a recusa a essa é que realiza a autonomia da criação, isto é, na tensão em resistir-lhe é que funda-se a racionalidade estética. Que a arte não é redutível à inquestionável polaridade do mimético e do construtivo enquanto fórmula invariável, pode-se reconhecer no fato de que, de outra forma, a obra de arte de [alto] nível teria que ajustar-se entre os dois princípios. Porém, na Modernidade, foi fecundo aquilo que seguiu até um dos extremos, não o que conciliou [os extremos]; quem se esforçou por uma síntese de ambos foi recompensado por um consenso suspeito. A dialética daqueles momentos assemelha-se à [dialética] lógica, que apenas em Um realiza o Outro, e não no meio [entre os dois].13

Adorno identifica o ponto de partida desse processo na aurora do pensamento humano, no mito. Para sobreviver e preservar-se ante à ameaça da Natureza, o homem mimetizou o que está morto,14 o artikulieren, kein ungeformtes Fleckchen übrig zu lassen. Diese Reziprozität macht ihre Dynamik aus.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4154 (vgl. GS 7, S. 263)] 13 “Daß Kunst auf die fraglose Polarität des Mimetischen und Konstruktiven nicht als auf eine invariante Formel zu reduzieren ist, läßt daran sich erkennen, daß sonst das Kunstwerk von Rang zwischen beiden Prinzipien ausgleichen müßte. Aber in der Moderne war fruchtbar, was in eines der Extreme ging, nicht was vermittelte; wer beides zugleich, die Synthese erstrebte, wurde mit verdächtigem Consensus belohnt. Die Dialektik jener Momente gleicht darin der logischen, daß nur im Einen das Andere sich realisiert, nicht dazwischen.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3834 (vgl. GS 7, S. 72)] 14 Na DdA, Adorno e Horkheimer argumentam que a capacidade de mimetismo humana está ligada ao seu instinto de autopreservação. O homem paralisa os movimentos e funções voluntárias para assimilar-se à perigosa Natureza que o circunda. Essa paralisia voluntária já é o primeiro passo em direção à dominação dessa mesma

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amorfo, e, desde então, a racionalidade espera por um momento em que possa dar uma pirueta sobre si mesma e corrigir seu pecado original, tornando-se racionalidade não-instrumental e, ao mesmo tempo, liberta da dialética da regressão. A ratio, que recalca a mímese, não é apenas seu contrário. Ela mesma é mimesis do que está morto. O espírito subjetivo, que desfaz a animação da Natureza, apenas domina a [Natureza] destituída de alma, enquanto imita sua rigidez e dissolve-se a si mesmo enquanto animista. Imitação entra a serviço da dominação, à medida em que mesmo o homem torna-se antropomorfismo do homem.15

Nossa abordagem cobra importância quando consideramos as questões que nos são hoje propostas pela arte pós-moderna: na contemporaneidade em que estamos imersos, a ordem social e, com ela, o processo poiético como tal, realizaram a transição de um paradigma produtivo para um reprodutivo. Testemunhamos em nosso quotidiano as conseqüências da proposta reprodutiva e mimética de uma estética que, a par das mais avançadas tecnologias digitais e de informação, opera visando diluir ao máximo a fronteira entre realidade e aparência,16 em Natureza, pois tem algo de racional e de astúcia. Entretanto, ao mesmo tempo que logra o inimigo, o homem inaugura sua alienação, sobrevivendo ao preço de deixar de ser ele mesmo. 15 “Die Ratio, welche die Mimesis verdrängt, ist nicht bloß deren Gegenteil. Sie ist selber Mimesis: die ans Tote. Der subjektive Geist, der die Beseelung der Natur auflöst, bewältigt die entseelte nur, indem er ihre Starrheit imitiert und als animistisch sich selber auflöst. Nachahmung tritt in den Dienst der Herrschaft, indem noch der Mensch vorm Menschen zum Anthropomorphismus wird.” [Band 3: Dialektik der Aufklärung: Exkurs I: Odysseus oder Mythos und Aufklärung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1195 (vgl. GS 3, S. 76)] 16 Ver BAUDRILLARD, À sombra das maiorias silenciosas – o fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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um vertiginoso processo de semiurgia: mídia e informática criam signos, e estes recriam o mundo.17 Tal estado de coisas clama por um estatuto que permita segregar as tendências meramente reacionárias das que, ainda que revestidas da proposta transgressionista do pós-moderno, seguem imbuídas de um núcleo crítico, arte enquanto última reserva ética e do humano depois dos desastres genocidas perpetrados no último século. Encontra-se ainda em aberto a questão de conceder à arte pósmoderna um estatuto crítico que a legitime frente a um referencial racional e exima-a da pecha de reacionária. As tentativas apresentadas pelos pós-estruturalistas têm todas em comum a recusa em envolver racionalidade – não só a instrumental - no discurso e na argumentação.18 Ora, uma empreitada que vise à legitimação da obra de arte pós-moderna enquanto crítica e histórica - que seria o propósito de tal estatuto - teria de decidir, antes de mais nada, se a Pós-modernidade é rompimento e fim da história ou se é migração e fusão de paradigmas estéticos. E ainda: se o barroquismo resultante dessa segunda via seria um movimento legítimo empreendido pela arte para a recuperação de seus idiomas, quando em risco de esgotamento, e se tal fenômeno é identificável em outros momentos da história da arte. 17 “O ambiente pós-moderno significa basicamente isso: entre nós e o mundo estão os meios tecnológicos de comunicação, ou seja, de simulação. Eles não nos informam sobre o mundo; eles o refazem à sua maneira, hiper-realizam o mundo, transformando-o num espetáculo.” FERREIRA DOS SANTOS, 3. 18 Em Adorno, a resistência à instrumentalização da racionalidade busca uma solução utópica ainda pela via racional na Dialética negativa; ao contrário disso, Derrida, por exemplo, recusa-se a optar entre certo e errado, já que este ato continuaria a afirmar a primazia da razão. Já Lyotard admite a existência dos discursos filosóficos, mas não acredita na possibilidade de sua interação, resignando-se com a existência de várias racionalidades incomunicáveis entre si (metáfora do arquipélago). O pensamento, uma arma perigosa: “O que chamamos de pensar, deve ser desarmado.” Cf. ZIMMERMANN, 18. Entendemos, contudo, que estes sistemas de Lyotard - por incomunicáveis e intransferíveis que sejam - seguem orientando-se por uma medida de racionalidade.

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Nossa opção é por esta última: acreditamos que a racionalidade da obra de arte autônoma, cujas possibilidades Adorno apresenta na Dialética negativa e na Teoria estética, é capaz de justificar os movimentos de interdisciplinaridade e entrelaçamento das linguagens.19 As interpretações apresentadas pelos pós-estruturalistas franceses sempre partiram, no tocante à questão do material, de um pressuposto que não queremos aceitar, de que a filosofia da arte teria doravante que movimentar-se no sentido da recuperação de linguagens pregressas, o que é parte da tentativa de inibir a crescente hipertrofia da racionalidade instrumental. Acreditamos que esse caminho, além de autofágico, aceita tacitamente o selo reacionário impresso por Habermas em O discurso filosófico da modernidade [Der philosophische Diskurs der Moderne], alija a historicidade ainda latente na estética pós-moderna de seu curso temporal e ignora lições históricas que podem fornecer a chave para a compreensão de nosso tempo, como veremos em 3.3 Selva morale e spirituale. Seria muito cômodo despejar genericamente sobre toda obra de arte pós-moderna o arsenal argumentativo amealhado nas décadas de debates em que se fundou a Modernidade, mas isso só faria estigmatizar e segregar suas manifestações. A crítica de Habermas20 só fez aprofundar a suspeita de que a obra de arte pós-moderna seja parte da política de desacreditar as raízes críticas neo-marxistas do projeto da Modernidade. Acreditamos, porém, que enxergar na arte contemporânea nada além da cristalização de uma política conservadora seria abrir mão de, neste momento especial da história – sim, acreditamos ainda estarmos dentro da história, mesmo que os pós-estruturalistas o questionem –, decifrar os sinais com que ela nos acena. 19 O enodamento, ou entremear-se das artes, a que Adorno chamou de Verfransung der Künste, será abordado com mais detalhe no Capítulo 4 de nosso trabalho. 20 Ver Der philosophische Diskurs der Moderne, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991.

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No tocante à Modernidade: o pensamento de Theodor W. Adorno foi um dos principais responsáveis pela delimitação e fundamentação do que seja o espaço do moderno na sociedade, graças à sua peculiar constituição, que conjuga neo-marxismo com recusa à racionalidade instrumental. Para essa recusa, pensa Adorno, é necessário esquivar-se de qualquer ação mimética na feitura da obra de arte. Na relação com a realidade empírica, a arte sublima o ali em vigor princípio do sese conservare em ideal do ser-para-si de suas produções; segundo as palavras de Schönberg, pinta-se um quadro, e não o que ele representa.21

Essa proposta quase utópica, como exposto na PhnM, deve ser perseguida a partir do progresso constante do material, que precisa ser sempre o mais avançado disponível ao artista. Ora, como a Pós-modernidade coloca-se num limbo pós-histórico, no qual, portanto, não pode ocorrer mais progresso algum, suas criações, no tocante ao material, são fortemente marcadas pela citação, pela colagem e pelo reaproveitamento de fórmulas estilísticas do passado, muitas vezes mesclando paradigmas estéticos irreconciliáveis fora de seu referencial histórico, que mais se assemelha a um jardim zoológico de todas as épocas.22 21 “Im Verhältnis zur empirischen Realität sublimiert Kunst das dort waltende Prinzip des sese conservare zum Ideal des Selbstseins ihrer Erzeugnisse; man malt, nach Schönbergs Wort, ein Bild, nicht, was es darstellt.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3737 (vgl. GS 7, S. 14)] 22 Estilisticamente, o Pós-modernismo cristalizou-se antes e com muito maior clareza na arquitetura. Charles Jencks fixa data e hora exatas da passagem do Moderno para o Pós-moderno: teria sido o 15 de julho de 1972, às 15:32h, quando, em St. Louis, nos Estados Unidos, o complexo habitacional Pruitt-Igoe foi implodido com dinamite, por ser considerado um ambiente inabitável para a população de baixa renda que lá deveria viver. A partir daí, os projetos modernistas e funcionais,

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Pronto: está exposto o problema. Os princípios adornianos do progresso do material e da resistência à kátharsis induzida pela mímese têm servido como espécie de sentença geral desabonadora de toda manifestação artística da Pós-modernidade. Queremos, contudo, demonstrar que a filosofia da arte adorniana nunca se fechou a uma superação da Modernidade na arte, e que seu pensamento, ao comparar transições análogas na história da música, previu a supressão dos rígidos padrões do dodecafonismo de Arnold Schönberg e a necessidade de uma interação de materiais e linguagens. Essa previsão adorniana cobrou fôlego a partir da década de 1960, mas já estava presente mesmo em seu período mais radical, o da Filosofia da nova música (1948), durante o exílio nos Estados Unidos. Nosso enfoque será, portanto, a transição do conceito de progresso do material exposto nessa obra para o paradigma inclusivista da arte pós-moderna, demonstrando como essa pode continuar a abrigar seu conteúdo de verdade e resguardar o mesmo núcleo crítico que alguns acreditavam findo junto com a Modernidade. Esse movimento configuraria o impulso pós-moderno de que, segundo Wellmer, a Teoria estética estaria carente para ultrapassar a racionalidade.23 O Wahrheitsgehalt, o conteúdo de verdade da obra de arte, “só passível de obtenção através da reflexão filosófica”, é o cerne da reserva ética que Adorno acreditava poder encontrar não mais no mundo empírico, mas no estético. Para Adorno, “isto, e nada mais, justiherdeiros da Bauhaus e de Le Corbusier, cederam espaço a uma arquitetura plena de barroquismos ornamentais e de citações estilísticas de um passado idealizado: “As torres de vidro, os blocos de concreto e as lages de aço que pareciam destinadas a dominar todas as paisagens urbanas de Paris a Tóquio e do Rio a Montreal, denunciando todo ornamento como crime, todo individualismo como sentimentalismo e todo romantismo como kitsch, foram progressivamente sendo substituídos por blocos-torre ornamentados, praças medievais e vilas de pesca de imitação [...] .” HARVEY, 15. 23 Cf. SEWING, 4-5.

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fica a estética”. 24 A apreensão do conteúdo de verdade sucede sempre através de uma relação negativa com sua face oculta, que é a manifestação do não-verdadeiro. O não-verdadeiro é a totalidade hegeliana,25 contra cujo apetite devorador,26 o não-idêntico fragmentário e ambíguo recorre por meio da criação artística. O verdadeiro, então, é o que não é total, é o fragmento, a incompletude, o aconceitual. Para furtar- se à totalidade e fazer valer seu Wahrheitsgehalt, a obra de arte tem que abdicar de buscar no mundo, através de imitação, seu material constituinte. Por essa razão, a filosofia adorniana da arte descarta o engajamento político, já que, ao funcionalizar-se em ideologia, a arte engajada assume funções miméticas próprias do mundo – funções de que está a salvo apenas 24 “Der Wahrheitsgehalt der Kunstwerke ist die objektive Auflösung des Rätsels eines jeden einzelnen. Indem es die Lösung verlangt, verweist es auf den Wahrheitsgehalt. Der ist allein durch philosophische Reflexion zu gewinnen. Das, nichts anderes rechtfertigt Ästhetik.” ÄT, 192-3. 25 “O total é o não-verdadeiro.” [“Das Ganze ist das Unwahre.”] [Band 4: Minima Moralia. Reflexionen aus dem beschädigten Leben: Zwergobst. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1726 (vgl. GS 4, S. 55)] 26 Assim como no episódio de Odisseu com as sereias, na Dialética do esclarecimento, Adorno encontra também para o afã totalizante do idealismo uma raiz pré-histórica: este nasceria da sensação de carência diante da incompletude, somada à raiva [Wut] para com o objeto a ser apreendido: “O sistema, no qual o espírito soberano se imaginava transfigurado, tem sua origem primeira no pré-espiritual, na existência animal da espécie. Predadores são famintos; o bote sobre a vítima é difícil, muitas vezes perigoso. Para que o animal se atreva, são necessários impulsos adicionais. Estes fundem-se com o mal-estar da fome até transformarem-se em raiva da vítima, cuja expressão, por sua vez, convenientemente aterrotiza e paralisa [a vítima].” [“Das System, in dem der souveräne Geist sich ver klärt wähnte, hat seine Urgeschichte im Vorgeistigen, dem animalischen Leben der Gattung. Raubtiere sind hungrig; der Sprung aufs Opfer ist schwierig, oft gefährlich. Damit das Tier ihn wagt, bedarf es wohl zusätzlicher Impulse. Diese fusionieren sich mit der Unlust des Hungers zur Wut aufs Opfer, deren Ausdruck dieses zweckmäßig wiederum schreckt und lähmt. Beim Fortschritt zur Humanität wird das rationalisiert durch Projektion.”] [Band 6: Negative Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit: Einleitung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 2861 (vgl. GS 6, S. 33)]

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em seu recolhimento monadológico sem janelas.27 De outro modo estaria ajudando, mesmo sem querer, “a estreitar a rede de mentiras da qual a sociedade é tecida”.28 Mesmo a mais sublime obra de arte preserva certa relação com a realidade empírica, na medida em que se retira de sua gravitação; não definitivamente, mas sempre e repetidamente de forma concreta, polemicamente inconsciente contra seu posicionamento histórico. O fato de as obras de arte, enquanto mônadas sem janelas, representarem aquilo que elas mesmas não são, é dificilmente compreensível, a não ser devido ao fato de que sua própria dinâmica - sua historicidade imanente enquanto dialética da natureza e da dominação da natureza – não apenas é da mesma essência que a [historicidade] exterior, mas também, em si a ela se assemelha, sem imitá-la.29 27 “A relação das obras de arte para com a sociedade é comparável à mônada leibnitziana. Sem janelas, portanto sem tomar consciência da sociedade, em todo caso sem que essa consciência acompanhe-a sempre e necessariamente, as obras – e sobretudo a aconceitual música – representam a sociedade.” [“Das Verhältnis der Kunstwerke zur Gesellschaft ist der Leibnizschen Monade zu vergleichen. Fensterlos, also ohne der Gesellschaft sich bewußt zu sein, jedenfalls ohne daß dies Bewußtsein stets und notwendig sie begleitet, stellen die Werke, und die begriffsferne Musik zumal, die Gesellschaft vor.”] [Band 14: Dissonanzen. Einleitung in die Musiksoziologie: XII. Vermittlung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 11880 (vgl. GS 14, S. 413)] 28 SAUERLAND, 3. 29 “Noch das sublimste Kunstwerk bezieht bestimmte Stellung zur empirischen Realität, indem es aus deren Bann heraustritt, nicht ein für allemal, sondern stets wieder konkret, bewußtlos polemisch gegen dessen Stand zur geschichtlichen Stunde. Daß die Kunstwerke als fensterlose Monaden das ‘vorstellen’, was sie nicht selbst sind, ist kaum anders zu begreifen als dadurch, daß ihre eigene Dynamik, ihre immanente Historizität als Dialektik von Natur und Naturbeherrschung nicht nur desselben Wesens ist wie die auswendige, sondern in sich jener ähnelt, ohne sie zu imitieren.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3740 (vgl. GS 7, S. 15)]

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A forma enquanto material e o material enquanto forma: é na radical independência do objeto artístico frente a qualquer influxo externo que Adorno quer fundar a trincheira para que aquilo que chamou de mundo administrado não logre cooptar a arte para suas hostes. A kátharsis aristotélica, então, não teria como se dar, já que se encontraria interditada, desde o fundamento da obra, a identificação emocional com o mundo e com seu fruidor. O que grande parte da criação pós-moderna nos mostra hoje, contudo, é uma corrida pela máxima tecnificação dos expedientes miméticos. Com a mesma indiferença com que transforma imagens em realidade, a tecnologia midiática pós-moderna inverte o processo, e reduz realidade a imagens: o fluxo de desreferencialização da realidade é um dos elementos constituintes do enfermiço fundamento esquizofrênico do espírito [Zeitgeist] pós-moderno,30 diferentemente do Zeitgeist paranóico da Modernidade.31 A redução da realidade a imagens faz parte de um macabro processo de estetização, cuja eficácia pudemos comprovar nos recentes televisionamentos dos ataques com mísseis nas guerras do Afeganistão e do Iraque. A posição de Adorno referente à exclusividade endógena do material e do seu tratamento foi, como veremos ao longo deste trabalho, paulatinamente sendo abrandada em favor de uma interconexão entre as artes e linguagens. Na verdade, como demonstraremos no Capítulo 4, seu ponto de partida – que foi, ao mesmo tempo, seu momento mais radical – já antevia a superação do progresso histórico do material, apontando soluções análogas de hibridismo estilístico em Bach e Beethoven. Nas décadas de 1930 e 1940, época de gesta30 A falta de conexões entre passado, presente e futuro é conseqüência do rompimento da cadeia significativa de sentido, rompimento este que, para Lacan, define a esquizofrenia. Em Deleuze e Guattari, a esquizofrenia está ligada ao capitalismo e à economia, e faz interligações simultâneas com o passado, presente e futuro. Cf. BENETTI, 56-7. 31 HALL, 12.

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ção da Filosofia da nova música, sua condição de último iluminista propugnava uma arte dotada de distanciamento original e primevo no tocante ao material, uma arte musical comparável, em pureza estilística, ao que foi a polifonia de Palestrina no final do Renascimento. A postura adorniana tinha um endereço certo: era necessário que a fascinação emocional e a cegueira crítica decorrentes da imitação estilística, da recorrência e da citação – perigo que ainda rondava através dos wagnerianos tardios e dos neo-clássicos – pudesse ser desarticulada por um ouvinte investido de grau de consciência32 em contínua expansão;33 o esclarecimento político e ético viria a par da conscientização estética.34 32 “Consciência dá veredito sobre a realidade, pergunta por ela, supõe, duvida, decide a dúvida e, nisto, consuma a ‘jurisdição da razão’.” [“Bewußtsein »urteilt über Wirklichkeit, fragt nach ihr, vermutet, bezweifelt sie, entscheidet den Zweifel und vollzieht dabei ‘Rechtsprechungen der Vernunft’«.”] [Band 1: Philosophische Frühschriften: A. Das Problem: Widerspruch in Husserls Dingtheorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 29 (vgl. GS 1, S. 13)] 33 Em sua Theorie der Halbbildung, de1959, Adorno expõe como a Unbildung, a ignorância, pode ser levada a transformar-se em consciência crítica: “A ignorância, enquanto simples ingenuidade, mero não saber, permitiu uma relação imediata com os objetos, e pôde ser elevada até [chegar a ser] consciência crítica, graças ao seu potencial de cepticismo, mordacidade e ironia – propriedades que vicejam no [homem] não completamente domesticado.” [“Unbildung, als bloße Naivetät, bloßes Nichtwissen, gessattete ein unmittelbares Verhältnis zu den Objekten und konnte zum kritischen Bewußtsein gesteigert werden kraft ihres Potentials von Skepsis, Witz und Ironie - Eigenschaften, die im nicht ganz Domestizierten gedeihen.”] [Band 8: Soziologische Schriften I: Theorie der Halbbildung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4911 (vgl. GS 8, S. 105)] 34 “A consciência, a cuja reflexão todo compromisso estético é remetido, ao mesmo tempo desmontou o compromisso estético: daí as sombras de mera veleidade sobre os odiados ismos. O fato de, sem vontade consciente, provavelmente nunca ter ocorrido nenhum exercício artístico, encontra, nos conflitados ismos, meramente autoconsciência. Ela obriga à organização das obras de arte em si; [obriga-as] também a manifestarem-se, contanto que [as obras de arte] queiram afirmar-se na sociedade monopolisticamente estruturada.” [“Das Bewußtsein, auf dessen Reflexion alles

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Para aceitar essa possibilidade, é necessário que lembremos brevemente dois pressupostos inalienáveis da filosofia adorniana da arte. Primeiramente, seu caráter de conhecimento: “Pois na arte não lidamos com um mero jogo de coisas agradáveis ou úteis, porém [...] com um desdobramento da verdade”35 Com essa citação de Hegel, que encabeça a introdução da Filosofia da nova música, Adorno atrela indissoluvelmente a arte ao conhecimento: se a arte resulta do desdobramento da verdade nela implicada, e a busca da verdade, por sua vez, é parte da procura pelo conhecimento, em um processo de conscientização,36 então a fruição da obra de arte não pode pertencer à esfera do prazer desinteressado, como em Kant, mas ao campo da procura pelo conhecimento. Da música que, hoje, quer preservar seu direito à existência, pode-se, num certo sentido, exigir caráter de conhecimento. Em seu material, ela tem de dar forma künstlerisch Verbindliche verwiesen ist, hat zugleich die ästhetische Verbindlichkeit demontiert: daher der Schatten bloßer Velleität über den verhaßten Ismen. Daß ohne bewußten Willen wahrscheinlich keine bedeutende Kunstübung je gewesen ist, findet in den vielbefehdeten Ismen lediglich zum Selbstbewußtsein. Es nötigt zur Organisation der Kunstwerke in sich; auch zur äußeren, wofern sie in der monopolistisch durchorganisierten Gesellschaft sich behaupten wollen.”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3788 (vgl. GS 7, S. 44)]. 35 “Denn in der Kunst haben wir es mit keinem blo angenehmen oder nützlichen Spielwerk, sondern […] mit einer Entfaltung der Wahrheit zu tun.” HEGEL, Ästhetik III in PhnM, 13. 36 “Uma vez pressuposta da consciência sua capacidade de experiência da arte, essa se desenvolve de forma tanto mais rica quanto mais essa consciência penetrar em sua complexão. O entendimento cresce com o [entendimento] da feitura técnica. Que a consciência mata, é balela; mortal é apenas a falsa consciência.” [“...dem Bewußtsein, einmal seine Fähigkeit zur Erfahrung von Kunst überhaupt vorausgesetzt, diese um so reicher sich entfaltet, je tiefer es in ihre Komplexion eindringt. Das Verständnis wächst mit dem der technischen Faktur. Daß Bewußtsein töte, ist ein Ammenmärchen; tödlich ist einzig falsches Bewußtsein.”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4245 (vgl. GS 7, S. 318)]

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pura aos problemas que o material – este mesmo nunca um material puramente natural, porém produzido social e historicamente – lhe oferece; as soluções que ela aí encontra são como teorias: nelas, estão contidos postulados sociais, cuja relação com a práxis pode bem ser extremamente mediada e difícil, e de forma alguma deixa-se realizar sem esforço, mas que, em última instância, decidirá se e como estes [postulados] poderão ingressar na verdade social.37

O conhecimento que encontraremos na arte, assim, será de natureza indireta, já que o consubstanciar-se das questões do mundo só se faz possível através de um processo de rigorosa mediação.38 A verdade que a obra de arte reproduz não é a realidade do mundo capturada em um quadro ou descrita por uma sinfonia, mas a essência primeira e mais oculta das relações sociais, é o espelhamento negativo do mundo administrado. As dissonâncias que os espantam [aos ouvintes] falam de sua própria condição, e somente por isso lhes são insuportáveis.39 O conhecimento que poderemos obter da arte carrega traços 37 “Von Musik, die heute ihr Lebensrecht bewähren will, ist in gewissem Sinne Erkenntnischarakter zu fordern. In ihrem Material muß sie die Probleme rein ausformen, die das Material - selber nie reines Naturmaterial, sondern gesellschaftlich-geschichtlich produziert - ihr stellt; die Lösungen, die sie dabei findet, stehen Theorien gleich: in ihnen sind gesellschaftliche Postulate enthalten, deren Verhältnis zur Praxis zwar äußerst vermittelt und schwierig sein mag und die keinesfalls umstandlos sich mögen realisieren lassen, über die aber in letzter Instanz entscheidet, ob und wie sie in die gesellschaftliche Wirklichkeit einzugehen vermögen.” [Band 18: Musikalische Schriften V: Zur gesellschaftlichen Lage der Musik. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 15528 (vgl. GS 18, S. 732)] 38 Em Alberti da Rosa, A gênese do progresso, encontra-se detalhado o processo de mediação do mundo empírico através do material da obra de arte. 39 “Die Dissonanzen, die sie schrecken, reden von ihrem eigenen Zustand: einzig darum sind sie ihnen unerträglich.” PhnM, 18.

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da “consciência que ela tem dos sofrimentos” 40 ; como na Fenomenologia do espírito de Hegel, ela progride através de provações. Assim, o progresso que Adorno não acredita existir no mundo – pelo menos não o progresso linear de Hegel e Santo Agostinho – é possível na arte, ainda que, nesse caso, tomando a si todo o sofrimento do progresso do espírito hegeliano, e, como veremos no Capítulo 4, muitas vezes condicionado ao retrocesso das outras esferas do material. Pois o obscuro, que sempre de novo é subjugado pelo progresso do Espírito, conseguiu, devido à pressão que o espírito senhorial exerce sobre a natureza interior e exterior humanas, sempre, até hoje, reconstituir-se em forma diferente. [...] a doutrina da Fenomenologia do espírito deve ser aplicada à arte, [doutrina] para a qual toda imediatidade é um já em si mediado.41

Em segundo lugar, como conseqüência da intensa mediação que condiciona o conhecimento veiculado pela obra de arte, temos a natureza aconceitual de sua mensagem. Aqui, Adorno concede à arte uma vantagem sobre os postulados discursivos da filosofia e das ciências, situando-se na tradição que parte do Nascimento da tragédia, de Nietzsche. Naquela obra, tem início a busca do que Nietzsche localizou no saber trágico dos antigos gregos, e que teria se perdido. O conhecimento que 40 “A música e o pranto abrem os lábios e libertam o homem aprisionado. [...] O homem, como carpideiro e como cantor, penetra na realidade alienada.” [“Musik und Weinen öffnen die Lippen und geben den angehaltenen Menschen los. [...] Als Weinender und als Singender geht er in die entfremdete Wirklichkeit ein.”] PhnM, 122. 41 “Denn das Dunkle, welches in immer erneuten Ansätzen vom Fortschritt des Geistes bezwungen wird, hat vermöge des Drucks, den der herrschaftliche Geist über die inner- und außermenschliche Natur ausübt, zugleich in veränderter Gessalt bis heute stets sich wiederhergestellt. [...] ... auf die Kunst ist die Lehre der Phänomenologie des Geistes anzuwenden, derzufolge alle Unmittelbarkeit ein in sich bereits Vermitteltes ist.” Ibidem, 23.

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Nietzsche tentava apontar nasceria ainda de uma filosofia do futuro, uma filosofia que, sem passar pela mediação do conceito, atingiria diretamente o interlocutor. Há pontos de contato entre o conhecimento aconceitual de Nietzsche e o de Adorno. Para o frankfurtiano, contudo, o conhecimento a ser veiculado pela arte representa, ao mesmo tempo, um esquivar-se a esse mesmo conhecimento. Tomando-se a proposta adorniana da maneira mais radical, poderíamos afirmar que o conhecimento aconceitual que a obra de arte transmite é um solipsismo, isto é, um falar dela mesma, já que, antes de falar das coisas do mundo, tem que obedecer à sua lei superior, que é a da liberdade frente ao condicionamento identitário. Em última análise, o que a obra de arte nos comunica é sua condição de não-identidade. A identidade estética deve socorrer o não-idêntico, oprimido na realidade pela compulsão identitária.42 Adorno parece ter-se dado conta, entretanto, a partir já do final dos anos 1950, de que a unidade exclusivista formal-material que identificara nas composições de Arnold Schönberg e seus seguidores – e onde reconhecia a aplicação de seu conceito do progresso do material – corria o risco de ser ultrapassada pelo processo de atomização dos indivíduos já em curso numa sociedade que estava sendo preparada para a cirurgia capitalista da globalização. O perigo do canto das sereias da Pós-modernidade não seria mais o apontado na Dialética do esclarecimento, o da regressão ao mito, e sim a sedução da hiperindividualidade dos desconstruídos, incapazes de aglutinar energias para um movimento estético libertador. Jean Baudrillard identificou na apatia pós-moderna “a ausência de uma subjetividade capaz de re-polarizar as tensões neutralizadas. O único referente que ainda funciona é o da maioria silenciosa”43 42 “Ästhetische Identität soll dem Nichtidentischen beistehen, das der Identitätszwang in der Realität unterdrückt.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3737 (vgl. GS 7, S. 14)] 43 BAUDRILLARD apud TIMM DE SOUZA: A filosofia e o pós-moderno, 15.

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Nossa tese é que Adorno previu que a interferência recíproca entre os materiais constituintes da obra de arte poderia contribuir para enfeixar tendências em uma resistência efetiva à grande catarse pós-moderna que estava a se anunciar. Honneth, em seu artigo Reviravoltas da recepção: tendências de uma reatualização de Adorno [Kapriolen der Wirkunsgeschichte – Tendenzen einer Reaktualisierung Adornos], ressalta a clarividência do frankfurtiano em identificar mínimas oscilações nos movimentos da sociedade: Quando se trata da determinação de tendências gerais de desenvolvimento da sociedade, a teoria social de Adorno apresenta sempre uma certa inclinação para um dogmatismo assaz rígido; em função disso, em tais passagens emprega-se freqüentemente o conceito marxista de totalidade para poder-se falar de uma crescente tendência de subsunção das relações mundanas sob o imperativo da valoração capitalista. Contudo, essa tendência para uma análise puramente dedutiva da sociedade é mais evidente em Adorno quando ele aplica uma análise mais sutil, de inspiração fenomenológica dos ambientes sociais: aqui aparecem rupturas no “contexto geral de ofuscamento” e que, na forma de gestos, ações e reações morais documentam traços de resistência mimética.44 44 “Die gesellschaftstheorie von Adorno besitzt immer dann eine gewisse Neigung zu einem recht starren Dogmatismus, wenn es in ihr um die Bestimmung allgemeiner Tendenzen der gesellschaftlichen Entwicklung geht: an solchen Stellen wird deshalb häufig von Marx’schen Totalitätsbegriffen Gebrauch gemacht, um etwa von einer wachsenden Tendenz der Subsumption lebensweltlicher Verhältnisse unter den Imperativ der Kapitalverwertung sprechen zu können. Dieser Hang zu einer bloß deduktiven Gesellschaftsanalyse wird bei Adorno allerdings immer dort aufgebrochen, wo er sich der phänomenologisch inspirierte Feinanalyse sozialer Lebenswelten zuwendet: Hier treten Risse und Brüche im allgemeinen “Verblendungszusammenhang” in den Blick, die in Form von Gesten, Handhabungen und moralischen Reaktionen eine Spur von mimetischem Widerstand dokumentieren”. HONNETH: Kapriolen der Wirkunsgeschichte – Tendenzen einer Reaktualisierung Adornos, 33.

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O expurgo da subjetividade na Pós-modernidade e, mais que isso, a percepção de sua falta, faz urgente a insistência no seu resgate. Para falar e conscientizar um ouvinte cada vez mais fechado dentro de sua imaginária “tribo”, seria necessário ao material não mais restringir-se à consubstanciação da forma da obra: como proposto pelo compositor norte-americano John Cage, a partir de suas Variations I, tudo pode ser material na obra musical. E é essa abertura que vai possibilitar que a proposta adorniana de uma arte conscientizadora, distanciada e não catártica siga cobrando validade em plena Pósmodernidade, mister agora sua condição de falar a cada indivíduo, a cada não-idêntico, empregando a sua não-idêntica e respectiva linguagem. Ao mesmo tempo, ao acompanharmos a transição do paradigma da exclusividade do material para o da inclusividade, na selva morale e spirituale da arte pós-moderna, estaremos nos aproximando da proposição de um estatuto de suas manifestações. Temos que a possibilidade de esvaziamento das vanguardas históricas foi prevista por Adorno já durante seu exílio nos Estados Unidos, na década de 1940, e que seus apontamentos sobre o hibridismo estilístico em Bach e Beethoven, na PhnM, oferecem uma base para solucionar o impasse quanto à legitimidade da obra de arte pós-moderna. Em vez de seguir pranteando a Modernidade, supostamente abortada por uma Pós-modernidade reacionária, preferimos não isolar a obra de arte pós-moderna do diálogo com princípios da estética adorniana que podem esclarecer o fundamento de suas motivações. A transição para a Pós-modernidade, assim pensamos, dá-se em um contexto que nos permite classificá-la de barroco da Modernidade: suas características de reação à hierarquia, à forma endógena e à exclusão do subjetivo recordam-nos que, de certa forma, também o contingente e o fragmentário estavam carentes de expressão em uma estética que privilegiava o exclusivismo máximo na forma. Propomos, finalmente, que, desde que o livre emprego dos materiais históricos seja regulado pela forma, quer seja, por um trata31

mento que não imobilize tal material em evocações icônicas de reminiscências estéticas pregressas, poderemos ali encontrar possibilidades que ajudar-nos-ão a diferenciar com clareza quais obras de arte são meramente reprodutoras do processo semiúrgico da grande catarse pós-moderna, e quais seguem interrogando o mundo e apontando para uma possibilidade de história. Iniciaremos este trabalho examinando a kátharsis histórica de Aristóteles, seguindo-se o emprego que Sigmund Freud emprestou ao termo; de imediato, veremos como Adorno emprega os vocábulos kátharsis e kathartisch, definindo o espaço de significância que o autor da Teoria estética lhe atribui. No segundo capítulo, apresentaremos a construção teórica da Modernidade empreendida por Adorno, oferecendo, na forma dialética desse autor, alguns antagonismos que pontuaram sua filosofia da arte. As oposições mais vigorosas contidas na Filosofia da nova música e na Teoria estética são precisamente as que envolvem as idéias de progresso e reação (Schönberg – Stravinski), de arte autônoma e arte funcional (Adorno – Eisler) e de arte e realidade (Adorno – Lukács). Procuraremos apresentar esses antagonismos enquanto tais, a fim de provocar mesmo entre elas um atrito constitutivo, ressaltando que são facetas de um mesmo prisma e ângulos diversos para abordar uma estética que, embora monadológica, é aberta e capaz de falar a cada não-idêntico através de seu idioma único e intransferível. O terceiro capítulo abordará a Pós-modernidade e sua estética desconstrucionista. Aqui, faremos um paralelo entre Adorno e o francês Jacques Derrida, com sua filosofia da differance e da igualmente vigorosa recusa da racionalidade instrumental. Neste ponto, apresentaremos paralelos entre algumas propostas da arte pós-moderna e elementos obscurantistas e protofascistas – particularmente na arquitetura – já identificados por Adorno em seus escritos das décadas de 1930 e 1940, justificando assim seu clamor por uma resistência consciente à cooptação da arte por aqueles parâmetros. Em seguida, 32

situando o pós-moderno como a conseqüência barroca da Modernidade, mostraremos pontos de contato entre o movimento de renovação estética promovido na Itália de 1600 pela Camerata Fiorentina – com as soluções encontradas por Monteverdi para conciliar os dois estilos – e o uso pós-moderno dos materiais históricos. A mudança de curso empreendida por Adorno nos anos 1960, acolhendo em sua teoria da arte uma maior liberdade no material e em seu tratamento será o objeto do capítulo quarto, quando resumiremos nosso apanhado da validade dos pressupostos adornianos sob a luz da contemporaneidade.

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1 Identificação e distanciamento

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1.1 Aristóteles – purificação No capítulo VI de sua Poética, Aristóteles enuncia o efeito que a tragédia ática teria tido sobre o espectador de então: a tragédia “[...] suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação de tais emoções”.45 A palavra (kátharsis) tem no grego o sentido de limpeza e de purificação, na medida em que limpa, depura ou remove algo que esteja sujando, obstruindo, conspurcando o objeto da operação.46 Muito já se escreveu a respeito dessa breve frase, sendo que a exegese discute ainda os possíveis significados que Aristóteles teria querido emprestar ao termo kátharsis. Neste trabalho, o foco de nossa atenção será dirigido aos mecanismos da mímese e da identificação, e no efeito que por eles se dá. Consideremos o completo enunciado de Aristóteles, definindo o que seja a tragédia: É, pois, a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções.47

Contudo, em que consistiria essa purificação operada pelo drama trágico não nos foi explicado por Aristóteles. É possível que a explicação estivesse em outra parte – extraviada – da Poética, já que 45 ARISTÓTELES, Poética, 74. 46 Ver REY PUENTE, Fernando: A kátharsis em Platão e Aristóteles, em Kátharsis – reflexões de um conceito estético. Belo Horizonte: C/Arte, 2002. 47 ARISTÓTELES: Poética, 74.

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o próprio autor, em uma passagem da Política, explicita a intenção de oferecê-la (em 1341b38: “o que falamos da catarse agora de modo simples, novamente enunciaremos acerca da poética com mais clareza” ). A mímese de que fala Aristóteles, em seu enunciado, consiste na imitação, com verossimilhança, de ações humanas – não imitação de homens, mas de suas ações.48 Recorrendo ao emprego da ilusão e da imaginação do espectador, sugere o que pode ser ou acontecer. Daí parte o pensador para explicar o drama trágico: Aristóteles sustenta que a poética é movida pela mímese. Através dela, representase o universal, fazendo com que aflorem os sentimentos de terror e piedade no particular. Os três primeiros capítulos da Poética são dedicados a esta argumentação: o homem é dado à imitação desde a mais tenra infância, sendo através dela que adquire conhecimento e é tocado pelas emoções no mundo. A mímese, a imitação encenada das coisas do mundo, possibilitaria o prazer purificador ao assistirem-se aos dramas trágicos. Ao que parece, duas causas, e ambas naturais, geraram a poesia. O imitar é congênito ao homem (e nisso difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, apreende as primeiras noções) e os homens se comprazem no imitado.49

A imitação das ações é planejada deliberadamente pelo dramaturgo e ensaiada pelos seus intérpretes, como uma forma de chegar com mais vigor ao ethos do espectador, já que o jogo mimético, 48 Otávio Cabral observa que Aristóteles emprega o termo mímesis de forma bastante enfática, “como se o filósofo tivesse a intenção deliberada de reforçar, cada vez mais, a contraposição de seu conceito em relação à mímesis platônica”, que, sendo imitação, “afastava-se da verdade, sendo, portanto, imoral”. Cf. CABRAL, 7. 49 ARISTÓTELES, Poética, 71.

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como afirma Aristóteles, é co-natural ao homem. Se a imitação é mesmo a técnica pela qual o homem conhece as primeiras coisas do mundo, ela seria, também, tanto a forma de educá-lo como de comunicar-lhe emoções. No Livro VIII da Política, encontramos a confirmação de que Aristóteles considerava a kátharsis uma ação que emociona o espectador, porém sem investí-lo de algum conhecimento. Para tanto, ele discorre que a arte – no caso, a música – pode ter tanto um emprego educativo como não educativo; 50 este último seria o catártico, o da purificação emocional. 51 A música, com emprego educativo, parte integrante da (paideia), corporificava uma concepção de caráter, ao espelhar ritmica e melodicamente os mesmos aspectos axiológicos que a poesia clássica helênica.52 Um processo imitativo que, dessa forma, se reproduzia: a poesia homérica fundou o ethos de nobreza helênica, a música da paidéia emulava suas fórmulas de melos e de ritmo, e o homem grego educado consoante esses cânones passava a agir de forma igualmente nobre. No que se refere ao emprego não educativo da música, Aristóteles confirma que a tragédia não se destinava a esse fim, sendo a kátharsis obtida pela paixão (Παθος): A paixão que fortemente se apodera de algumas almas [já] em todas existe, [só] diferindo pela intensidade; por exemplo, a piedade e o terror, ou ainda, o entusiasmo. Com efeito, alguns [indivíduos] são particularmente predispostos a este movimento [da 50 Ver ASPE ARMELLA, Virginia: Mímesis e kátharsis: eixos do conceito de eudaimonia na filosofia de Aristóteles em Kátharsis – reflexões de um conceito estético. Belo Horizonte: C/Arte, 2002. 51 “Não aprender, mas sofrer”: a fórmula, que se refere à experiência do iniciado nos Mistérios, foi transcrita de Sinésio do De philosophia de Aristóteles, e não deixa de sugerir um certo paralelo entre o drama ático e os cultos subterrâneos, onde não se aprendia com a razão, mas experimentava-se pelas emoções. Cf. SOUZA, 68. 52 Ver REIS PEREIRA, 364.

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alma]; mas, [por efeito] dos cânticos sagrados, quando se servem daqueles que são aptos a produzir na alma a exaltação religiosa, vemo-los pacificados, como se tivessem sido sanados e purificados. Ao mesmo tratamento se devem submeter as pessoas em que se manifesta a piedade e o terror ou qualquer outra paixão, e os outros, na medida em que cada qual participe deste [temperamento]; e assim se produzirá em todos uma espécie de purificação e um alívio acompanhado de prazer; do mesmo modo, as melodias catárticas proporcionam aos homens um prazer inocente. 53

Consideremos ainda que, na encenação dos dramas, não apenas o cênico, mas também o auditivo influía no estado de humor do ouvinte, 54 e o autor da Poética era muito zeloso quanto ao emprego adequado da música, dependendo esse do resultado a se obter. Aos diferentes modos55 gregos correspondiam, para Aristóteles, distintas possibilidades de emocionar a platéia. O modo mixolídio possuiria um ethos triste, o dório seria calmo e o frígio provocaria a exaltação 53 ARISTÓTELES: Política, VIII 7, cit. em SOUZA, 174. 54 “Rocha Pereira, 1980, 542-543, considera que a música de Timoteo “no seu nomo Os Persas [...] era “música concreta avant la lettre” ... , pois “imitava os ruídos da batalha de Salamina [...] Os Coros das últimas tragédias de Eurípedes traduzem já uma preocupação pela evolução da música nos seus aspectos melódicos e instrumental. Platão, República, 399c, afirma a este propósito que instrumentos antigos como a lyra e a kithara são substituídos por outros (do mesmo grupo organológico) mas mais evoluídos tecnicamente, produzindo uma maior sonoridade e dando à melodia mais movimento, variedade e expressividade.” ROCHA PEREIRA apud REIS PEREIRA, 425. 55 O que hoje chamamos de modos correspondem à escalas modais herdadas pela tradição musical européia através dos cantos sacros monódicos das primeiras igrejas cristãs da Síria, de Antióquia e Alexandria. O termo, contudo, era desconhecido pelos helênicos, que empregavam a denominação nomos, quer seja, lei, denotativo da raiz política e educativa da arte musical na Grécia clássica.

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em quem o escutasse. 56 Na Política encontramos uma passagem57 na qual Aristóteles discute a proibição do aulos,58 um instrumento de sopro, já que esse impediria a expressão do logos, explicando que o aulos seria um instrumento orgiástico, e não ético.59 O aulos, assim, 56 “Por outro lado, nas próprias melodias há imitação de disposições morais [...] quem as escuta, reage de modo distinto em relação a cada uma delas. Com efeito, umas deixam-nos mais melancólicos e graves, como acontece com a mixolídia; outras enfraquecem o espírito, como as lânguidas, outras incutem um estado de espírito intermédio e circunspecto como parece ser o apanágio da harmonia dórica, porque já a frígia induz o entusiasmo. [...] Relativamente à educação [...] importa usar melodias éticas e harmoniosas da mesma espécie. Tal é a índole da harmonia dórica [...] Além disso, se porventura existe harmonia adequada à tenra idade, pelo fato de implicar simultaneamente ordem e educação, tal parece ser [...] o caso da harmonia lídia.” ARISTÓTELES: Política, 281, 592-3. 57 “Não se deve utilizar a flauta na educação [...] Aliás, a flauta não é um instrumento moral, mas sobretudo orgiástico, pelo que deve ser usada nas ocasiões em que o espetáculo faculta uma purificação, mais que uma aprendizagem.”: Ibidem, 585. 58 Instrumento popular, relacionado ao transe, ao teatro, à sátira, à guerra e aos ritos agrários, este é o aulos. [...] Tocado na região do Mediterrâneo, o clarinete duplo ou oboé tem som penetrante, forte e rude, uma intensidade emocional [...] que o instrumento pode tocar horas a fio sem interrupção. [“Instrument populaire, lié à la fois à la transe, au tréâtre, à la débauche, à la guerre et aux rites agraires, tel appaît l’aulos. [...] Jouée, disons, à la méditerranéenne, la clarinette double ou le hautbois ont des intonations véhémentes, on son fort et rapeux, une intensité émotionelle d’autant plus grande que l’instrument peut jouer des heures sans interruption.”] ROUGET, 390-1. 59 Se a discussão de Aristóteles ficou no campo teórico, o mesmo não se pode dizer do episódio narrado por Heródoto, em sua História: em 493 a.C., em Atenas, a estréia da tragédia “A destruição de Mileto”, de Frínico, provocou pranto incontrolável entre os espectadores, seguido de uma tal catarse coletiva que as autoridades proibiram uma reapresentação da peça e multaram o autor em 1000 dracmas. Cf. RAHMEN, 1. Muitos séculos mais tarde, ainda podemos constatar preocupação semelhante para com o ethos do povo, quando do renascimento dos ideais do classissismo helênico. Em 1570, em Paris, Carlos IX declara, na Académie de Poésie et de la Musique: “É muito importante para os costumes dos cidadãos de uma cidade que a música costumeiramente ouvida e tocada em um país seja mantida dentro de certas leis, de forma que a maior parte dos espíritos dos homens fique contente e se comporte de acordo; já que, onde a música é desordenada, aí grassam os costumes mais

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deveria ser empregado apenas em espetáculos de teatro com vistas à purificação das emoções, e nunca como instrumento de educação da juventude ateniense.60 Aliada à cena, a música e a sonoplastia ganham muito mais expressão, já que o espectador horrorizado pode voltar o rosto ou ocultar a visão de uma cena que o arrebate dolorosamente, mas não se impedir de ouvir o que sucede em cena. Ésquilo, no Prometeu, legou-nos instrução detalhada do acompanhamento sonoro para sua tragédia. Aqui, Kratos e Hefaistos dialogam: 1o. som – cadeias, correntes: – Não te apressarás a lançar-lhe em volta as cadeias (...)? – Ele já pode ver que as tenho na mão. 2o. som – cadeias, martelo, perfuração de pedras: – Lança-lhas em volta dos braços. Bate-me com força esse martelo! Prega-o aos rochedos. – Bate mais, aperta. 61 Para Aristóteles, o efeito catártico só se faz presente quando o drama é encenado, quer seja, apresentado de forma imitativa ao mundo real. Paulo Mendonça, ao comentar o conceito de depravados, e onde ela é bem ordenada, os homens são bem comportados.” [“Il importe grandement pour les moeurs des Citoyens d’une ville que la Musique courante & usitée au Pays soit retenue sous certaines lois, d’autant que la plupart des esprits des hommes se conforment & se comportent selon qu’elle est; de façon que où la Musique est d’esordonée, là volontier les moeurs sont déptavez, & où elle est bien ordonée, là sont les hommes bien moriginez.” ] Cit. em ROUGET, 416. 60 Reportemo-nos a este trecho da República de Platão: “Sócrates: Acima de tudo, pode-se afirmar primeiramente, com toda segurança, que a canção [melos] é composta de três elementos, de logos, harmonia e ritmo [...] A harmonia e o ritmo têm, então, de estar em conformidade com o logos [literalmente: seguir o logos]”. PLATÃO, A República, 2-4. Buch, 34-44, apud MEIEROTT/SCHMITZ, 11. 61 ÉSQUILO, apud RIBEIRO BARBOSA, 35.

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kátharsis em Aristóteles, diz que “tragédia é coisa que acontece, não coisa que é contada”, e que não pode “haver tragédia sem personagens”, isto é, sem quem as pratique.62 Uma mera declamação dos versos dos autores clássicos não surte efeito; as palavras têm de vir acompanhadas de gestual, máscara, sonoplastia.63 Só dessa forma, envolvida em uma ambiência visual e sonora, a atenção do espectador pode sucumbir à sugestão, entregar-se à momentânea identificação com a personagem trágica, partilhar seus sentimentos de horror e desespero e, finalmente, usufruir da purificação catártica. A catarse, porém, não se daria apenas por obra da técnica de encenação e declamação: falta a parcela do próprio espectador, sua subjetividade. Vários autores, como Gilles Deleuze e Felix Guatari, falam de um ‘dispositif’, um dispositivo ou mecanismo que deve, para funcionar, reunir condições objetivas e subjetivas, as quais não podem ser controladas na íntegra. Apenas com essa conjunção estariam dadas as condições para a kátharsis.64 O norte-americano Woodruff também concede importância ao fator subjetividade, descrevendo a kátharsis como um processo no qual, “aparentemente, devemos crer ao mesmo tempo em que um mal está sucedendo e em que não está. O poeta deve fazer- nos reagir a eventos representados no palco como se esses estivessem de fato sucedendo, de modo a provocar terror e piedade, e como se não estivessem, para que despertassem antes pra62 Cf. CABRAL, 10. 63 “Fraenkel (1959, 494) considera que Ésquilo recorre com maestria à música e à imagem pictórica para criar um efeito de empatia no auditório. A música faz parte de um grande complexo construído nas cenas onde estão presentes: a cor, a fala, o canto, o ritmo, e a dança. E, na tragédia Agamemnon, a arte de sugestionar é conseguida pela conexão do sagrado com o horrível, sendo a música, através de sua expressividade, que permite transmitir tal efeito.” REIS PEREIRA, p. 363. 64 Ver BARNER, DETKEN u. WESCHKE: Texte zur modernen Mythentheorie. Stuttgart: Philipp Reclam, 2003.

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zer que dor.”65 A conclusão é a de que o espectador acatava a mímese como a experiência de um equívoco: o prazer catártico por saber sentir uma dor que, no plano da realidade, não havia.66 Para Costa Lima, a mímese aristotélica ensina algo que a ciência dos primeiros princípios, a obra em que Aristóteles mais se empenharia, não se permitia ensinar: que é preciso aprender a viver sobre dupla via, e não sobre a via única da verdade alcançada pelo pensamento.67 Para concluir, apresentamos agora um apanhado dos aspectos mais relevantes que o famoso parágrafo da Poética terá para nosso trabalho: 1) que a purificação ali apontada ocorre por meio da identificação com o que está sendo representado no palco, 2) que a identificação é assim pretendida pelo autor e pelos artistas em cena, 3) que a identificação é lograda através da imitação de ações humanas – para Aristóteles, a , mimesis, é a ferramenta do drama, diferenciando-se essa pelo meio com que imita, pelo objeto imitado e pelo modo como é feita a imitação, 4) que a identificação propicia uma forte descarga emocional no espectador, 5) que, sob forte emoção, em identificando-se com a personagem da tragédia, o espectador dissolve momentaneamente sua subjetividade68 na unidade maior que é a trama a que assiste, 6) que, nesse estado, o espectador não forma juízo crítico acerca do que ocorre diante de si; encontra-se preso de forte emoção – a dor que os atores encenam ele imagina deveras senti-la, como em um processo histérico,69 7) que o 65 WOODRUFF apud COSTA LIMA, 31. 66 Cf. COSTA LIMA, 31-2. 67 COSTA LIMA, 32. 68 Entre os gregos, não podemos falar de subjetividade. O termo mais adequado seria alma; contudo, nessa passagem, tratamos meramente de apontar os pontos relevantes da Poética de Aristóteles para nosso trabalho, recortando-os de seu contexto original e transferindo-o para nosso paradigma de trabalho, que é o da Teoria Crítica e da Pós-modernidade. 69 Comparar p. 46-7: Freud – purificação.

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alívio derradeiro, a purificação, ocorre ao final do drama, quando o espectador recobra a noção de que assistiu meramente a um jogo de palco, cujas conseqüências não poderão lhe atingir.

1.2 Freud – liberação Em 1895, Sigmund Freud publica em Viena seus Estudos sobre a histeria (Studien über Hysterie), um trabalho feito em parceria com Joseph Breuer, naquela época já um médico proeminente da capital austríaca. A obra inicia descrevendo o caso, que mais tarde alcançou notoriedade, de Anna O. Seu verdadeiro nome era Bertha von Pappenheim, e vinha sendo tratada por Breuer já há um ano e meio, quando Freud ficou conhecendo o caso (em novembro de 1882), que muito o impressionou. Nos tratamentos, Breuer empregava a hipnose não para dar sugestões terapêuticas diretas, mas para minimizar a resistência ou vencer a apatia dos pacientes, possibilitando o aflorar de material da região inconsciente da psique. Freud, que partiu do mesmo método de Breuer, viu-se forçado a sustar o uso de quaisquer sugestões hipnóticas e passou a deixar seus pacientes falarem livremente, fazendo associações de idéias, sem procurar direcionar o tema das entrevistas para qualquer ponto de ênfase.70

70 “Logo que tentei praticá-la [a hipnose] com meus próprios pacientes, descobri que pelo menos meus poderes estavam sujeitos a graves limitações e que, quando o sonambulismo não era provocado num paciente nas três primeiras tentativas, eu não tinha nenhum meio de induzí-lo. [...] Vi-me, por conseguinte, defrontado com a opção de abandonar o método catártico na maioria dos casos que lhe seriam apropriados ou aventurar-me à experiência de empregar o método sem o sonambulismo...” BREUER, Josef e FREUD, Sigmund: Estudos sobre a histeria, 136-7.

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Anna O. apresentava sintomas de articulação confusa da fala, perda de consciência e profunda depressão. No momento seguinte às crises, narrava, exaltada, suas alucinações. A doença tinha iniciado quando, debilitada por intenso esgotamento físico, não tinha mais conseguido encontrar condições de seguir cuidando de seu pai, doente terminal. Breuer, que acompanhava a paciente e vinha tratando-a com sessões de hipnose, passou a presenciar como os sintomas iam gradualmente sendo eliminados, de acordo com as lembranças ou visões que ela narrava nas sessões. Um episódio clássico é a cura de sua dificuldade de ingestão: para espanto do médico, o sintoma da paciente desapareceu quando, um dia, Anna O. narrou, sob hipnose, a lembrança que teve de um cão a beber de um copo. O episódio é descrito pelos cientistas: Era verão, numa época de calor intenso, e a paciente sofria de uma sede horrível, pois, sem que pudesse explicar a causa, viu-se de repente impossibilitada de beber. Apanhava o copo de água desejado, mas, assim que o tocava com os lábios, repelia-o como alguém que sofresse de hidrofobia. Ao fazê-lo, ficava obviamente numa absence por alguns segundos. Para mitigar a sede que a martirizava, vivia somente de frutas, como melões, etc. quando isso já durava perto de seis semanas, um dia, durante a hipnose, ela resmungou qualquer coisa a respeito de sua dama de companhia inglesa, de quem não gostava, e começou então a descrever, com demonstrações da maior repugnância, como fora certa vez ao quarto dessa senhora e como lá pudera ver o cãozinho dela – criatura nojenta! – bebendo num copo. A paciente não tinha dito nada, pois quisera ser gentil. Depois de exteriorizar energicamente a cólera que havia contido, pediu para beber alguma coisa, bebeu sem qualquer dificuldade uma grande quantidade de água e despertou da hipnose com o copo nos lábios.71 71 Ibidem, 69.

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Anna O. chamava esse tratamento de talking cure, já que, durante a enfermidade, também perdeu completamente a lembrança de sua língua materna, o alemão, e comunicava-se apenas em inglês. Freud considerava Anna O. a legítima descobridora do método psicanalítico, e nunca se cansou de o afirmar. Foi Breuer, contudo, que usou o vocábulo grego catarse para definir a descarga emocional que se dá e que conduz ao desaparecimento dos sintomas neuróticos. Freud imortalizou esse caso, declarando, em sua publicação sobre histeria de 1895, ser ele protótipo dos tratamentos catárticos, isto é, psicoterápicos. O que o método catártico é capaz de realizar, mesmo na histeria aguda, e como pode até mesmo restringir a nova produção de sintomas patológicos, de uma forma que tem importância prática, é revelado de maneira bem clara pelo caso clínico de Anna O., em que Breuer aprendeu originalmente a empregar tal método psicoterapêutico.72

Na Breve descrição da psicanálise (1924) ainda lemos: O método catártico é o precursor imediato da psicanálise e, apesar de todo o avanço da experiência e todas as modificações da teoria, segue sendo parte integral de seu núcleo.73

A conclusão era que distúrbios psíquicos eram causados por um trauma, que devia ser experimentado novamente pelo paciente, a fim de purificá-lo. 72 Ibidem, 279. 73 “Die kathartische Methode ist der unmittelbare Vorläufer der Psychoanalyse und trotz aller Erweiterungen der Erfahrung und aller Modifikazionen der Theorie immer noch als Kern in ihr enthalten”. FREUD, Sigmund: Kurzer Abriss der Psychoanalyse, cit. em Hysterie und Angst, 11.

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No curso de nossa pesquisa sobre a etiologia dos sintomas histéricos, deparamo-nos também com um método terapêutico que nos pareceu de grande importância prática. Pois verificamos, a princípio para nossa grande surpresa, que cada sintoma histérico individual desaparecia, de forma imediata e permanente, quando conseguíamos trazer à luz com clareza a lembrança do fato que o havia provocado e despertar o afeto que o acompanhava, e quando o paciente havia descrito esse acontecimento com o maior número de detalhes possível e traduzido o afeto em palavras.74

A teoria psicoterápica da catarse como método de cura foi se desenvolvendo ao mesmo tempo em que Freud afastava-se do emprego do hipnotismo, socorrendo-se apenas da livre-associação das idéias do paciente: Vali-me da hipnose de outra maneira, independente da sugestão hipnótica.75

A técnica aprimorou-se e desenvolveu-se entrelaçada com as descobertas de Freud sobre a libido e a sexualidade infantil. Na obra Vida sexual, Freud reafirma sua fé na eficácia do método: Uma importante contribuição para o conhecimento da pulsão sexual em pessoas que estejam pelo menos próximas do normal consegue-se a partir de uma fonte à qual só se pode ter acesso por determinado caminho. Existe apenas um meio de obter conclusões relevantes e confiáveis acerca da vida sexual dos assim chamados psiconeuróticos [...] , que é submetê-los ao tratamento psicoanalítico, servindo-se da terapia cri74 BREUER, Josef e FREUD, Sigmund: Estudos sobre a histeria, 271. 75 Ibidem,15.

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ada em 1893 por J. Breuer e por mim, e chamada então de terapia ‘catártica’.76

Há um claro paralelo entre o alívio dos espectadores do drama ático, após as emoções de horror e piedade, e dos neuróticos tratados por Freud, e esse paralelo pode ser explicado pelo que o cientista chamou de “princípio da constância”, em sua tese exposta na obra Além do princípio do prazer: o sistema nervoso controla a “soma de excitação” presente na psique, procurando evitar um aumento demasiado dessa, o que comprometeria a saúde do indivíduo. Uma experiência traumática de proporções exageradas acaba produzindo um volume de excitação muito grande para ser tratado normalmente, e, assim, é recalcada e conduzida ao subconsciente, de onde, porém, passa a emitir sinais que são os sintomas histéricos. A cura é obtida pela recuperação da lembrança da experiência original: Se a experiência original, juntamente com seu afeto, puder ser introduzida na consciência, o afeto é por si mesmo descarregado, ou “ab-reagido”, a força que até então manteve o sistema deixa de atuar, e o próprio sintoma desaparece.77

Essa recuperação, esse retorno do reprimido [Wiederkehr des Verdrängten] é a chave para se compreender a teoria freudiana da arte. Marcuse reconheceu nesse movimento a face visível da arte, 76 “Einen wichtigen Beitrag zur Kenntnis des Sexualtriebes bei Personen, die den Normalen mindestens nahestehen, gewinnt man aus einer Quelle, die nur auf einen bestimmten Wege zugänglich ist. Es gibt nur ein Mittel, über das Geschlechtsleben der sogennanten Psychoneurotiker […] gründliche und nicht irreleitende Aufschlüsse zu erhalten, nämlich wenn man sie der psychoanalytischen Erforschung unterwirft, deren sich das von J. Breuer und mir 1893 eingesetzte, damals ‘kathartische’ genannte Heilverfahren bedient.” FREUD, Sigmund: Sexualleben, 72. 77 BREUER, Josef e FREUD, Sigmund: Estudos sobre a histeria, p 22.

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quando afirmou que “a arte é, talvez, a forma mais visível do retorno do reprimido”.78 A concepção freudiana da kátharsis, enquanto retorno do reprimido, pode ser, como observa Marquard, de natureza boa ou ruim, dependendo do que foi reprimido e esteja então sendo trazido de volta. Referindo-nos à exposição de Marquard em seu texto sobre a teoria freudiana do inconsciente, concordamos que também a arte - já que ela é o aflorar do que estava sufocado e reprimido - pode se apresentar dessas duas formas: ela é previsão [Vorschein] de felicidade, como exposto em O princípio esperança [Das Prinzip Hoffnung] de Bloch, ou amortecimento da barbárie. Quando Adorno escreve na Minima moralia que “cada obra de arte é um crime encomendado”79 está se referindo ao caráter associal da arte, à sua resistência à assimilação no tecido da sociedade e ao ‘crime’ que comete, ao jogar ao rosto dessa sociedade suas próprias contradições. Ela antecipa a felicidade ou domestica agressões.80 Para Freud, a arte pode ser expressão de protesto contra o mal estar na civilização ou “aquela suave narcose, na qual a arte nos mergulha, a fim de que suportemos uma vida insuportável”.81 O retorno do reprimido, com a kátharsis subseqüente, portanto, pode ser tanto de sintomas patológicos quanto de sonhos, êxtases, atos falhos ou intuições criativas. Esse quadro faz com que a arte, para Freud, torne-se um fenômeno intercambiável. Nesse momento, aponta Marquard, a arte dissolve suas fronteiras, deixando nelas pe78 “Art is perhaps the most visible return of the repressed.” MARCUSE, A Philosophical Inquiry to Freud, cit. em MARQUARD, 390. 79 “Jedes Kunstwerk ist eine abgedungene Untat.” [Band 4: Minima Moralia. Reflexionen aus dem beschädigten Leben: Zweite Lese. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1857 (vgl. GS 4, S. 125)] 80 MARQUARD, 390. 81 “... jene milde Narkose, in die uns die Kunst versetzt [FREUD, Das Unbehagen in der Kultur, 439 apud MARQUARD] um unerträgliches zu ertragen.” Ibidem, 391.

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netrar o mundo, sendo que a convertibilidade do artístico e do nãoartístico faz com que não exista nada mais que não possa ser arte. E aqui Freud, de maneira ainda mais radical que, antes dele, Hegel, decreta a inutilidade de tentar-se ancorar a arte ao ideal do belo, assumindo de forma decidida a arte moderna como expressão do inconsciente.82 Freud não limitou o método catártico psicoterapêutico a seus pacientes, isto é, a pessoas de carne e osso. Nos Sonhos e delírios na Gradiva de Jensen, obra da maturidade, o cientista adverte que vai se debruçar sobre neuroses, interpretações e sonhos que nunca foram sonhados, sintomas que nunca foram sentidos por pessoas vivas, e sim pela personagem de um livro. Na Gradiva, do escritor Wilhelm Jensen, Freud vai descobrir o que ele considerou ser um modelo perfeito de uma cura, através da interpretação dos sonhos que a própria personagem, o arqueólogo Norbert Hanold, efetua, recuperando-se de seu desinteresse pela vida e do olvido de um amor de infância.83 Finalizando, a purificação terapêutica promovida por Freud e Breuer apresenta, com a kátharsis de Aristóteles, uma dialética de pontos de intersecção e de diferença: 1) a cura dá-se não pela identificação, mas pela lembrança de episódio ou sentimento verdadeiramente experimentado e recalcado pelo paciente, 2) a cura é almejada, mas o paciente teme que a recordação possa ser dolorosa, e resiste inconscientemente a associar idéias que a ela conduzam, 3) a associação livre de idéias é a ferramenta pela qual médico e paciente vão se aproximar do episódio que deve ser recordado, 4) a lembrança pode se apresentar, em especial nos sonhos, de forma distorcida, cifrada, e nem sempre imediatamente reconhecida pelo paciente, 5) o processo todo de recuperação do episódio recalcado é da

82 Cf. MARQUARD, 390-1. 83 Ver FREUD: Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen.

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personalíssima esfera pessoal do paciente, não sendo seu drama íntimo capaz de suscitar sentimento ou cura – purificação – semelhante em outros indivíduos, 6) o alívio propiciado pela catarse liberta o paciente de distúrbios psíquicos de forma duradoura, não tendo sentido a repetição do processo para uma maior eficácia.

1.3 Adorno – conscientização Detenhamo-nos agora no emprego que Adorno faz em sua obra dos conceitos de catarse e catártico, e procedamos a uma análise pontual dessas menções, para delas melhor extrairmos o significado que o autor propõe. O filósofo frankfurtiano realiza uma inversão do sentido mais corrente do vocábulo: em lugar de purificar as emoções, ou por meio das emoções, em Adorno o que vai ser submetido à limpeza é tudo que esteja obstruindo a consciência do sujeito, a ignorância, o não-saber, a alienação. De uma kátharsis puramente emocional, vinculada a uma arte que busca cooptar o âmbito afetivo do sujeito, ele quer distância. Para conduzir à consciência de si e da teia social e política que o envolve, o espectador deve manter-se distanciado, acionando o processo de associação de idéias para melhor reconhecer e julgar o que vê-ouve-sente diante de si. Em 1931, Adorno defende em Frankfurt sua tese de habilitação, Kirkegaard, a construção do estético,84 orientado por Paul Tillich, 84 Carta a Alban Berg de 16 de janeiro de 1931: “O livro [a tese], cujo título exato é A construção do estético na filosofia de Kirkegaard, é, dessa vez, totalmente independente de sua função oficial, sendo meu propósito puramente filosófico, e acredito, apesar de servir como tese de habilitação, que presta para algo, e que é nova e original. [...] Talvez goste de saber que, contra ela, são empregados os mesmos argumentos a que estamos tão acostumados, na música: que é intelectual demais, incompreensível, louca, que falta coesão...” [“Das Buch, dessen genauer Titel lautet ‘Konstruktion

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de quem já era assistente de fato. Neste trabalho, Adorno anuncia o que vai se cristalizar como cerne de suas convicções de filosofia da arte: que ela não é feita para conciliar; é próprio da música nova só trazer à tona sua mensagem (a “verdadeira mensagem na garrafa”,85 de que fala no final da 1a. parte da PhnM), quando bate frontalmente com sua antítese; na oposição dialética reconhecer-se-á seu conteúdo de verdade. Adorno cita Arnold Schönberg, do prefácio das Sátiras para coro: “O caminho do meio é o único que não leva a Roma.”:86 O declínio que o Idealismo preparou para si mesmo pode até tê-lo libertado da aparência da autonomia – conciliação enquanto kátharsis não é concedida àquele que está em completa decadência.87

des Ästhetischen in Kirkegaards Philosophie’, ist diesmal von der offiziellen Funktion ganz unabhängig und rein eine philosophische Sache meiner Intention und ich glaube, dab sie wirklich, trotzdem sie als Habilitationsschrift dienen mub, etwas taugt und etwas Neues und Originales ist. [...] Vielleicht macht es Ihnen Spab zu hören, dab dagegen ungefähr dieselben Argumente gemacht werden, an die wir von der Musik her so gut gewöhnt sind: Überintellektualität, Unverständlichkeit, Verrücktheit, Zerzetzung...” ADORNO-BERG: Briefwechsel, 250-1. 85 “A nova música [...] repercute sem ser escutada, sem eco. [...] Ela é a verdadeira mensagem na garrafa.” [“... die neue Musik [...] verhallt ungehört, ohne Echo. [...] Sie ist die wahre Flaschenpost.”] PhnM, 126. 86 “Denn einzig in den Extremen findet das Wesen dieser Musik sich ausgeprägt; sie allein gessatten die Erkenntnis ihres Wahrheitsgehalts. »Der Mittelweg«, heißt es im Vorwort Schönbergs zu den Chorsatiren, »ist der einzige, der nicht nach Rom führt.«” Band 12: Philosophie der neuen Musik: Einleitung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9992. 87 “Der Untergang, den der Idealismus sich selber bereitet, vermag darum zwar vom Schein der Autonomie ihn zu befreien - Versöhnung als Katharsis ist dem vollkommen untergehenden nicht gewährt.” Band 2: Kierkegaard. Konstruktion des Ästhetischen: VI. Vernunft und Opfer. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 893.

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Na Dialética do Esclarecimento, temos uma crítica feroz a todo entretenimento enquanto estratégia planejada por uma indústria que, penetrando nos veios mais recônditos da sociedade e dos sentimentos do indivíduo, está em curso de roubar as emoções humanas aos que por direito lhes pertencem. Aqui aflora o Adorno microssociólogo da Minima moralia, que quer resistir ao empobrecimento dos contatos entre as pessoas. As emoções veiculadas por uma arte que enfoca encenações banais do quotidiano seriam parte de uma política que, através da liberação homeopática de libido, quer, no fim das contas, é “controlar com mais segurança” as massas, quer seja, servir de válvula de escape para abortar eventuais desejos individuais de enxergar por trás dos mecanismos que movem as coisas. É nesse cenário orwelliano que Adorno identifica e estigmatiza um renascimento da Poética: para ele, o sistema que aí está acaba por revelar a verdadeira face regressiva da kátharsis de Aristóteles: [O entretenimento] é apresentado pela Indústria Cultural como uma mentira descarada. Ela é vivenciada meramente como analgésico, que se desfruta em bestsellers religiosos, em filmes de enredo psicológico e em women serials (séries televisivas para a família) enquanto ingrediente agridoce para, na vida, controlar com mais segurança as próprias emoções humanas. Neste sentido, a purificação dos afetos provoca diversão, a qual Aristóteles atribui à tragédia e Mortimer Adler ao cinema. Da mesma forma como no referente ao estilo, a Indústria Cultural revela a verdade sobre a kátharsis.88

88 “… der Kulturindustrie wird sie zur offenen Lüge hergerichtet. Sie wird nur noch als Salbaderei erfahren, die man sich in religiösen bestsellers, in psychologischen Filmen und women serials als peinlich-wohlige Zutat gefallen läßt, um im Leben die eigene menschliche Regung desto sicherer beherrschen zu können. In diesem Sinn leistet Amusement die Reinigung des Affekts, die Aristoteles schon der Tragödie und Mortimer Adler wirklich dem Film zuschreibt. Wie über den Stil enthüllt die Kulturindustrie die Wahrheit über die Katharsis.” [Band 3: Dialektik der Aufklärung: Kulturindustrie. Aufklärung als Massenbetrug. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1358]

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A seguinte passagem da Minima moralia faz eco à citação anterior: Adorno coloca em dúvida a purificação dos sentimentos descrita por Aristóteles, mas rejeita com veemência ainda maior que a arte degenere em prazeroso entretenimento. Recordemos que a epígrafe inicial da sua Filosofia da nova música é a igualmente vigorosa recusa de Hegel, em sua Estética, de aceitar a arte como entretenimento.89 Quando se refere ao “prazer masoquista de não ser mais nenhum Ego”, encontramos um Adorno cujas reflexões moral-psicológicas foram por muito tempo subestimadas.90 Nessa passagem, aludindo a um processo de dissolução da subjetividade, podemos constatar sua previsão do processo que só viria a se instaurar com mais vigor em plena Pós-modernidade dos anos 90: Ao mesmo tempo ela [a subjetividade] é absorvida, na condição de mal geral, pelo mecanismo da identificação imediata do individual com a instância social, mecanismo este que há muito já tomou conta dos comportamentos supostamente normais. Em lugar daquela kátharsis, cuja eficácia é, de qualquer modo, questionável, surge o prazeroso (em sua própria fraqueza também um exemplar da maioria) e, com isto, não apenas, como dantes os pacientes internos dos sanatórios, para ganhar o prestígio de ser caso patológico interessante, porém muito mais, justamente graças ao seu desvio, identificando sua pertença para transferir para si o poder e a grandeza do coletivo. O narcisismo que, com a decadência do Ego teve retirado seu objeto libidinoso, é substituído pelo prazer masoquista de não ser mais nenhum eu [...]91 89 Ver nota 35. 90 Ver HONNETH, Axel: Kapriolen der Wirkunsgeschichte – Tendenzen einer Reaktualisierung Adornos, in Forschung Frankfurt. Frankfurt am Main Johann Wolfgang Goethe Universität, 3-4.2003. 91 “...Zugleich werden sie, als ein allgemeines Übel, von dem Mechanismus der unmittelbaren Identifikation des Einzelnen mit der gesellschaftlichen Instanz absorbiert, der die angeblich

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Na Teoria estética, Adorno propõe que a arte deve tanto mais espiritualizar-se quanto mais acolher em si um não-idêntico, nãoidêntico aqui compreendido como algo oposto ao espírito.92 A espiritualidade estética sempre se deu melhor com o ‘fauve’, com o selvagem, do que com o culturalmente ocupado. A obra de arte em si, enquanto espiritualizada, torna-se o que dantes se lhe atribuía como ingerência sobre outro espírito, torna-se kátharsis, sublimação da natureza. O sublime, que Kant atribuía tão somente à natureza, tornou-se, depois dele, um constituinte histórico da própria arte.93

Para Adorno, a “satisfação substituta” provocada pela aparência age de par com a dominação, isto é, enquanto estiver sedado por normalen Verhaltensweisen längst ergriffen hat. Anstelle jener Katharsis, deren Gelingen ohnehin in Frage steht, tritt der Lustgewinn, in der eigenen Schwäche auch ein Exemplar der Majorität zu sein und damit nicht sowohl, wie ehedem die Sanatoriumsinsassen, das Prestige des interessanten pathologischen Falls zu gewinnen, als vielmehr gerade vermöge jener Defekte sich als dazugehörig auszuweisen und Macht und Größe des Kollektivs auf sich zu übertragen. Der Narzißmus, dem mit dem Zerfall des Ichs sein libidinöses Objekt entzogen ist, wird ersetzt durch das masochistische Vergnügen, kein Ich mehr zu sein…” [Band 4: Minima Moralia. Reflexionen aus dem beschädigten Leben: Immer davon reden, nie daran denken.” Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1760] 92 “Es vergeistigt als Natur die Kunst. Ihr Geist ist Selbstbesinnung auf sein eigenes Naturhaftes. Je mehr Kunst ein Nichtidentisches, unmittelbar dem Geist Entgegengesetztes in sich hineinnimmt, desto mehr muß sie sich vergeistigen.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4202] 93 “Ästhetische Spiritualität hat von je mit dem ‘fauve’, dem Wilden besser sich vertragen als mit dem kulturell Okkupierten. Als Vergeistigtes wird das Kunstwerk an sich, was man ihm sonst als Wirkung auf anderen Geist, als Katharsis zusprach, Sublimierung von Natur. Das Erhabene, das Kant der Natur vorbehielt, wurde nach ihm zum geschichtlichen Konstituens von Kunst selber.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4203]

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essa kátharsis regressiva, o sujeito ver-se-á impedido de tomar consciência do mundo e de seu lugar nele. No seguinte trecho da Teoria estética, lemos como a sublimação, através da prática da liberação dosada dos afetos, teria a função de sufocar um afeto mais profundo e urgente do homem, que é o de fundar sua subjetividade na consciência da incompletude em que se encontra devido à insatisfação de seus instintos, quadro esse que começou a instaurar-se, como Adorno e Horkheimer descrevem no episódio de Ulisses e as sereias da Dialética do Esclarecimento, já na aurora mítica da humanidade: A purificação dos afetos na Poética de Aristóteles não se declara mais tão abertamente a favor dos interesses da dominação, porém conserva-os ainda, à medida que seu ideal de sublimação encarrega a arte de, em vez de satisfazer fisicamente os instintos e as necessidades do público em questão, instaurar a aparência estética enquanto satisfação substituta: a kátharsis é uma ação purificadora contra os afetos, concorde com a repressão. A kátharsis aristotélica tornou-se arcaica enquanto peça de mitologia da arte, inadequada aos verdadeiros efeitos. Daí terem as obras de arte, por meio de espiritualização, realizado em si mesmas aquilo que os gregos projetavam como seu efeito exterior: elas são, no processo entre a lei da forma e seu material, sua própria kátharsis.94

94 “Die Reinigung der Affekte in der Aristotelischen Poetik bekennt sich zwar nicht mehr so unverhohlen zu Herrschaftsinteressen, wahrt sie aber doch, indem sein Ideal von Sublimierung Kunst damit beauftragt, anstelle der leibhaften Befriedigung von Instinkten und Bedürfnissen des visierten Publikums den ästhetischen Schein als Ersatzbefriedigung zu instaurieren: Katharsis ist eine Reinigungsaktion gegen die Affekte, einverstanden mit Unterdrückung. Überaltert ist die Aristotelische Katharsis als ein Stück Kunstmythologie, den tatsächlichen Wirkungen inadäquat. Dafür haben die Kunstwerke in sich durch Vergeistigung vollbracht, was die Griechen auf ihre auswendige Wirkung projizierten: sie sind, im Prozeß zwischen Formgesetz und Stoffgehalt, ihre eigene Katharsis.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4306]

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A Dialética do Esclarecimento identifica o início do processo iluminista não no movimento histórico que se deu a partir do século XVIII, mas no primeiro impulso do homem de se valer de associações e de linguagem como ferramenta para fundar sua subjetividade, remontando assim a um passado remotíssimo da humanidade e sendo, portanto, tão intrínseco a ele quanto sua conseqüência mais funesta, que é a realização desse processo à custa de tudo o que seja exterior ao sujeito, resultando daí a dominação da natureza e do próprio homem pelo homem. De forma semelhante, Adorno identifica a kátharsis de Aristóteles como um proto-elemento psicológico da Indústria Cultural; para ele, na verdade, uma construção teórica do filósofo grego, cujo “efeito salutar” não perde ocasião de colocar em dúvida. Pior: suspeita que a purificação apontada na Poética possa ter tido apenas um efeito superficial e de recalque de afetos mais fundamentais: A doutrina da kátharsis imputa já à arte, na verdade, o princípio que, finalmente, a Indústria Cultural toma sob a sua tutela e administra. O index de tal inverdade é a justificável dúvida acerca de se o efeito salutar de Aristóteles alguma vez realmente ocorreu; a substituição deve ter desde sempre chocado instintos reprimidos.95

Na Teoria estética, lemos da dificuldade em traçar uma linha de separação entre a arte e o kitsch, este espreitando sempre para emergir em meio às próprias obras. Adorno tem dúvida de que o kitsch possa ser reduzido a um mero re-arranjo de elementos do objeto artístico com ênfases e proporções barrocas, ele seria quase parte cons95 “Die Lehre von der Katharsis imputiert eigentlich der Kunst schon das Prinzip, welches am Ende die Kulturindustrie in die Gewalt nimmt und verwaltet. Index solcher Unwahrheit ist der begründete Zweifel daran, ob die segensreiche Aristotelische Wirkung je stattfand; Ersatz dürfte eh und je verdrückte Instinkte ausgebrütet haben.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4306]

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tituinte da arte, o negativo oculto mas sempre presente, sem o qual a criação artística não consegue se afirmar: O kitsch parodia a kátharsis. Porém, essa mesma ficção produz também uma arte exigente, e sempre foilhe parte essencial: a documentação de sentimentos realmente existentes, o ‘dar de si’ da matéria prima psíquica é-lhe estranha. É inútil tentar traçar abstratamente os limites entre a ficção estética e a pilhagem sentimental do kitsch.96

A cultura, para o filósofo frankfurtiano, contribuiu muito pouco para investir o homem da não-identidade prometida e devida. Isto deve-se principalmente ao fundamento sobre o qual essa se construiu, e que foi denunciado, juntamente com Horkheimer, na Dialética do Esclarecimento: um modelo de racionalidade que rapidamente se instrumentalizou, encetando um processo de exclusão da natureza e de todos os outros homens. A civilização tem consciência de que carrega essa culpa, por isso gosta de apontar a kátharsis na arte como uma retribuição ao homem pelas muitas privações que lhe impinge, ou seja, o suposto efeito catártico é cultuado também pela arte, que lhe coloca em destaque e lhe apregoa uma eficácia de panacéia: O modelo do esteticamente vulgar é a criança que, na publicidade, entrefecha os olhos quando saboreia o pedaço de chocolate, como se tal fosse pecado. No vulgar, o recalcado retorna com as marcas do recalque;

96 “Kitsch parodiert die Katharsis. Dieselbe Fiktion aber macht auch Kunst von Anspruch, und je war ihr wesentlich: Dokumentation real vorhandener Gefühle, das Wieder-vonsich-Geben psychischen Rohstoffs ist ihr fremd. Vergebens, abstrakt die Grenzen ziehen zu wollen zwischen ästhetischer Fiktion und dem Gefühlsplunder des Kitsches.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4308]

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expressão subjetiva do fracasso justamente daquela sublimação que a arte apregoa zelosamente como kátharsis e que a si atribui como mérito porque sente quão pouco – igual a toda a cultura – até hoje conseguiu. Em tempo de administração total, a cultura já não precisa rebaixar os bárbaros que criou; basta-lhe que, através de seus rituais, fortaleça a barbárie, subjetivamente sedimentada desde tempos imemoriais.97

As duas citações a seguir dizem respeito a um tema que examinaremos mais adiante: as diferenças entre o marxismo de Theodor Adorno e o de outros colegas seus, artistas, em especial a relação com Bertold Brecht e Hans Eisler.98 Consideremos, por ora, os seguintes parágrafos, extraídos da Crítica cultural e sociedade e das No97 “Modell des ästhetisch Vulgären ist das Kind, das auf der Reklame das Auge halb zukneift, wenn es das Stück Schokolade sich schmecken läßt, als wäre das Sünde. Im Vulgären kehrt das Verdrängte mit den Malen der Verdrängung wieder; subjektiv Ausdruck des Mißlingens eben jener Sublimierung, welche die Kunst als Katharsis so übereifrig preist und sich als Verdienst zuschreibt, weil sie spürt, wie wenig sie bis heute - gleich aller Kultur - glückte. Im Zeitalter totaler Verwaltung braucht Kultur gar nicht mehr primär die von ihr geschaffenen Barbaren zu erniedrigen; es genügt, daß sie die Barbarei, die seit Äonen subjektiv sich sedimentierte, durch ihre Rituale bekräftigt.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4309] 98 Brecht apostrofou todo o grupo de filósofos da escola de Frankfurt de “frankfurturistas”, por não quererem se envolver ativamente na luta de classes (apenas contemplando e analizando a Alemanha da época de longe, isto é, como “turistas”), e Eisler, depois de ler o “Zur gesellschaftlichen Lage der Musik”, escreveu: “Também um senhor Wiesengrud-Adorno, que [...] se esforça em aplicar ‘métodos marxistas’ mas fica na pura interpretação da realidade, sem nem fazer a tentativa de pesquisar as forças que a poderiam [à realidade] modificar. É um caso singular de confusão de materialismo dialético com misticismo dialético!” (Auch ein Herr Wiesengrund-Adorno, der … sich bemüht, ‘marxistische Methoden’ anzuwenden, bleibt bei der reinen Interpretation der Wirklichkeit stehen, ohne auch nur den Versuch zu machen, die Kräfte, die sie ändern könnten, zu erforschen. Es ist ein eigentümlicher Fall der Verwechslung des dialektischen Materialismus mit dem dialektischen Mystizismus!” EISLER, apud MAIER, p. 139) Ver ALBERTI DA ROSA: A gênese do progresso – influências estéticas na Filosofia da Nova Música de Theodor W. Adorno. Caxias do Sul: EDUCS, 2003.

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tas sobre literatura, onde o frankfurtiano acusa Brecht, em sua peça “Círculo de giz caucasiano”, de ter abandonado o distanciamento [Verfremdung] de suas fases anteriores e ter-se rendido à tentação de querer envolver o espectador com emoções, ao invés de desvelar-lhe as reais motivações das personagens. Mesmo um autor como Baudelaire, comenta Adorno, isto é, mesmo alguém que acredita que a arte não tem destino de verdade e de esclarecimento das condições sociais, não se entregaria tão completamente, como Brecht aqui o teria feito, ao emprego de uma simulação catártica em sua obra: O Brecht tardio não estava tão distanciado assim do humanismo oficial; um ocidental jornalístico poderia muito bem elogiar o ‘Círculo de giz caucasiano’ enquanto apologia da maternidade, e quem não se emocionaria quando a magnífica criada é apresentada como exemplo à madame atormentada pela enxaqueca. Baudelaire, que dedicou sua obra a isso, que cunhou a expressão l’art pour l’art, seria menos apropriado a uma tal kátharsis.99 A solidariedade política é substituída pela crença em uma panacéia. A adequação à realidade de uma tal kátharsis comprovou-se tanto na guerrilha da concorrência quanto nos sistemas uni partidaristas.100 99 “Der späte Brecht war von offizieller Humanität gar nicht so entfernt; den ‘Kaukasischen Kreidekreis’ könnte ein journalistischer Abendländer recht wohl als Hohelied der Mütterlichkeit preisen, und wem ginge nicht das Herz auf, wenn die prächtige Magd der von Migräne geplagten Dame als Exempel vorgehalten wird. Baudelaire, der sein Werk dem widmete, der die Formel l’art pour l’art prägte, wäre zu solcher Katharsis weniger geeignet.” [Band 11: Noten zur Literatur: Engagement. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9492] 100 “Politische Solidarität wird vom Glauben an die Panazee ersetzt. Die Realitätsgerechtigkeit solcher Katharsis bewährte sich im Guerillakrieg der Konkurrenz ebenso wie im Einparteiensystem.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: George und Hofmannsthal. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 7780 (vgl. GS 10.1, S. 0)]

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Conteúdo de verdade – como exposto na introdução – é um termo dos mais centrais na estética adorniana.101 Ele constitui o material processado pela forma para a feitura do objeto de arte, tal ocorrendo através de sua natureza de ser história sedimentada. Adorno adapta para isso a teoria da produção marxista ao campo da estética, defendendo que a produção é feita a partir de uma matéria bruta, na qual, porém, encontra-se sedimentada a história e a situação imediata da sociedade. Nesse processo, a criação artística é interpretada como sendo o primeiro estágio, a produção de um bem, um estágio ainda individual em sua realização.102 A execução da verdadeira obra de arte, portanto, desdobraria a verdade ali implicada, trazendo à tona seu momento histórico e condição social de realização e contribuindo, dessa forma, para a conscientização do fruidor do objeto artístico. O emprego de material a-histórico (isto significa para Adorno: não mais atual, ultrapassado) resultaria em uma obra que não teria con-

101 Adorno abre seu Kirkegaard: a construção do estético, com um parágrafo que se tornará paradigmático para toda sua obra, onde trata da filosofia enquanto estética – e, mais tarde, vice-versa, do estético enquanto filosofia – anunciando que o conteúdo de verdade haverá de ser buscado e preservado tanto na filosofia como na arte: “Onde quer que se tenha pretendido apreender as obras de filósofos como sendo poesia, perdeu-se seu conteúdo de verdade. A lei filosófica da forma exige a interpretação do verdadeiro no estrito âmbito dos conceitos. Nem a expressão da subjetividade do pensador nem a pura coerência do criado em si mesmo decidem acerca de seu caráter enquanto filosofia, mas apenas se algo de verdadeiro ingressou nos conceitos, neles se apresenta e embasa-os racionalmente.” (“Wann immer man die Schriften von Philosophen als Dichtungen zu begreifen trachtete, hat man ihren Wahrheitsgehalt verfehlt. Das Formgesetz der Philosophie fordert die Interpretation des Wirklichen im stimmigen Zusammenhang der Begriffe. Weder die Kundgabe der Subjektivität des Denkenden noch die pure Geschlossenheit des Gebildes in sich selber entscheiden über dessen Charakter als Philosophie, sondern erst: ob Wirkliches in die Begriffe einging, in ihnen sich ausweist und sie einsichtig begründet.”) [Band 2: Kierkegaard. Konstruktion des Ästhetischen: I. Exposition des Ästhetischen. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 653 (vgl. GS 2, S. 9)] 102 Ver ALBERTI DA ROSA: A gênese do progresso.

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dições de responder aos questionamentos que a sociedade lhe faz naquele momento, perdendo assim seu conteúdo de verdade. As quatro citações seguintes são extraídas do capítulo Expressionismo e verdade artística, das Notas sobre literatura: Se arte significa, afinal, a dissolução do Ego em uma unidade superior, tendo de, enquanto kátharsis, abranger toda a profundidade do Ego, então ela cobra direito de validade recém ao ser verdadeira. Não é que um estado de coisas, um fato, uma alma reflita a veracidade de seu ambiente, e sim que em seu campo de visão inclui apenas o que for adequado ao substrato da experiência, sobre o qual a arte se ergue.103 A veracidade da experiência do Ego é necessária, para conduzir a obra do caos da alma à pureza de uma vontade diferenciada. A kátharsis exige veracidade da experiência de mundo. Pois a poesia só é capaz de transportar o Ego à legitimidade supra temporal da humanidade se essa desenvolve a imagem dessa humanidade [...] segundo sua adequação típica conjunta.104 103 “Bedeutet Kunst schließlich das Auflösen des Ich in eine höhere Einheit, muß sie als Katharsis die ganze Tiefe des Ich umfassen, so hat sie dann erst Geltungsrecht, wenn sie wahrhaftig ist. Nicht etwa: einen Zustand, einen Vorgang, eine Seele spiegelt aus der Wirklichkeit von deren Umwelt, sondern: in ihr Blickfeld nur das einbezieht, was adäquat ist dem Erlebnisuntergrund, über dem die Kunst aufwächst.” [Band 11: Noten zur Literatur: Expressionismus und künstlerische Wahrhaftigkeit. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9809 (vgl. GS 11, S. 609)] 104 “Die Wahrhaftigkeit des Icherlebnisses ist notwendig, das Werk aus dem Chaos der Seele zur Reinheit eines gesonderten Willens emporzuzwingen. Die Katharsis erfordert Wahrhaftigkeit des Welterlebnisses. Dann nur vermag die Dichtung das Ich in die überzeitliche Gesetzlichkeit der Menschheit überzuführen, wenn sie das Bild dieser Menschheit - bedeute sie nun noch Feind oder schon Ziel - nach ihrer typischen gemeinsamen Eignung entrollt.” [Band 11: Noten zur Literatur: Expressionismus und künstlerische Wahrhaftigkeit. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9809 (vgl. GS 11, S. 609-610)]

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Apenas uma humanidade verdadeira, brotando de uma experiência típica, pode ser um objetivo. Sendo a veracidade individual um mandamento em toda forma de vida, o pensamento da kátharsis determina o mandamento artístico típico e específico.105 Tendo a arte pré-expressionista perdido sua veracidade individual (e, com ela, contudo, também sua veracidade típica, na medida em que não mais abrangeu a criação da humanidade, crendo ter superado a kátharsis!), agora o expressionismo está também em perigo de perder sua veracidade típica.106

O compositor russo Igor Strawinski serviu de parâmetro a Adorno, em sua Filosofia da nova música, para explicitar dialeticamente a oposição de reação e progresso, ocupando o outro pólo o austríaco Arnold Schönberg. Essa dualidade, a que retornaremos no capítulo 2 deste livro, foi apresentada por Adorno naquela obra, como pano de fundo para a questão do material e seu processamento na composição musical. Adorno ressalta criticamente em Strawinski, entre outros, o uso que considerou exagerado de figuras rítmicas de ostinati – a repetição por longos trechos de uma fórmula rítmica e/ou harmônica –, o que resultou na evocação, mormente na Sagração da Primave-

105 “Nur eine wahre, aus dem typischen Erlebnis hervorquellende Menschheit vermag Ziel zu sein. Ist die individuale Wahrhaftigkeit Gebot in jeder Lebensform, so prägt der Gedanke der Katharsis die typische zum spezifisch künstlerischen Gebot.” [Band 11: Noten zur Literatur: Expressionismus und künstlerische Wahrhaftigkeit. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9809 (vgl. GS 11, S. 610)] 106 “War der vorexpressionistischen Kunst die individuale (und damit freilich auch die typische, insofern nämlich sie die Menschheitsschöpfung gar nicht mehr einbezog, die Katharsis überwunden glaubte!) Wahrhaftigkeit verloren gegangen, so droht der Expressionismus die typische zu verlieren.” [Band 11: Noten zur Literatur: Expressionismus und künstlerische Wahrhaftigkeit. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9810 (vgl. GS 11, S. 610)]

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ra, de uma ambiência bárbara e primitiva (a Sagração leva o subtítulo de Quadros da Rússia pagã). Nos Escritos musicais II (Vergegenwärtigungen), lemos: Strawinski [...] foi o primeiro músico a ousar o que na literatura só aflorou mais tarde, um gesto sádico que, antes dele, só racionalizado em forma de chocar de espadas e de vagas do triunfo tinha se tornado som, e por isso um som malévolo. A liberação daquela camada através do lúdico e da imaginação tem um duplo sentido. Ela combina com a ressurreição da rudeza física e é, ao mesmo tempo, sua kátharsis na imagem estética.107

É no elogio à ópera Lulu, a obra-prima de Alban Berg, seu professor de composição, que Adorno explicita qual é a kátharsis que espera que a arte conceda: a da consciência ampliada pelo “olhar nos olhos”, a de uma consciência que possibilite ao indivíduo oprimido pela racionalidade – ao não-idêntico que ainda nunca recebeu a parcela que lhe cabe – o lampejo que lhe faça compreender o processo “civilizatório” por meio do qual o mundo está sendo administrado, e a esperança de encetar uma revisão desse processo. Um evento, então, não de cegueira e de entrega, mas de ampla abertura dos olhos e da consciência:

107 “Was viel später erst literarisch durchdrang, hat er (Strawinski) als erster Musiker gewagt, einen sadistischen Gestus, der vor ihm nur rationalisiert zu Schwertgeklirr und Wogenprall des Triumphs, und darum böse, Klang geworden war. Die Freisetzung jener Schicht durch Spiel und Imagination ist doppelten Sinnes. Sie paßt zur Auferstehung der physischen Roheit und ist zugleich deren Katharsis im ästhetischen Bild.” [Band 16: Musikalische Schriften I-III: II Vergegenwärtigungen. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 13257 (vgl. GS 16, S. 403)]

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A Lulu não é catártica no sentido aristotélico, e sim no freudiano: ela descobre o reprimido, olha-o nos olhos, fá-lo consciente e faz-lhe justiça, na medida em que se iguala a ele [ao reprimido]; instância superior, diante da qual ocorre a revisão do processo civilizatório. O brilho da obra, que divide o obscurecimento da arte contemporânea e nela não tem comparação, é o casamento do oprimido com a esperança.108

Para Adorno, como vimos, a kátharsis reveste-se de um significado bastante próprio, sendo a purificação original do termo entendida enquanto remoção ou desobstrução do que esteja obscurecendo a consciência do espectador da obra de arte. A relevância dessa concepção será demonstrada em detalhe no capítulo dedicado à Pósmodernidade. Por ora, enumeremos algumas características da kátharsis assim como compreendida pela filosofia adorniana: 1) ocorre quando o espectador identifica os elementos da obra de arte (o material) e compreende as leis de seu tratamento e interligação (a forma); 2) esse processo de identificação não aproxima, mas, sim, distancia o espectador do objeto artístico, propiciando uma visão crítica do que está assistindo; 3) material e forma da obra de arte autônoma respeitam estritamente a não-identidade do mundo, sendo a imitação – que configuraria uma violência à não-identidade das coisas – rigorosamente alijada do processo artístico; 4) a compreensão faz com que o fruidor do objeto artístico amplie seu grau de consciência, mas essa consciência em avanço se aplica estritamente à obra de 108 “Kathartisch ist die Lulu nicht im Aristotelischen sondern im Freudschen Sinn: sie holt das Verdrängte herauf, sieht ihm ins Auge, macht es bewußt, und läßt ihm Gerechtigkeit widerfahren, indem sie ihm sich gleichmacht; höhere Instanz, vor der die Revision des zivilisatorischen Prozesses stattfindet. Der Glanz des Werkes, der die Verfinsterung der zeitgenössischen Kunst teilt und in ihr nicht seinesgleichen hat, ist die Vermählung des Unterdrückten mit der Hoffnung.” [Band 13: Die musikalischen Monographien: Zu Werken. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 11136 (vgl. GS 13, S. 486)]

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arte experimentada, sendo intransferível a qualquer outra; 5) nesse processo de conscientização, a subjetividade do espectador é reforçada e convidada a formar opinião (mas não a tomar partido; a estética adorniana não acolhe opções binárias); 6) ao invés de mergulhar emotivamente na obra, o espectador procede analiticamente, observando de fora o drama e tirando dele conclusões; 7) a purificação tem origem nas conclusões tiradas pelo espectador, removido que foi o obscurecimento da consciência, tendo essa kátharsis caráter liberador e duradouro.

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2 Adorno e a construção da Modernidade

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O que o ‘ético’ condena com tanto sarcasmo no ‘estético’ enquanto desmedida da grandeza é, contudo, em menor proporção, sua melhor parte, a parcela de um materialismo que está em busca de um mundo melhor, não para esquecer em seus sonhos o mundo presente, mas para modificá-lo pela força de uma imagem, que pode inteiramente ser delineada apenas a partir de uma escala abstrata, mas cujos contornos se enchem de carne e sentido a cada momento dialético considerado à parte.109

É imprescindível situar rigorosamente o pensamento de Theodor Wiesengrund Adorno no espaço histórico que lhe coube ocupar, se quisermos compreender a motivação mais fundamental de sua filosofia. Em 1903, em Frankfurt, Theodor Wiesengrund Adorno nasce quase junto com o século que determinaria seu pensamento, e ao qual responderia na forma de um conjunto de escritos contundentes e reveladores das motivações humanas, algumas as mais insuspeitas, e, outras, as mais terríveis. A microssociologia, a ética, o estudo da sociologia dos meios de comunicação e do capitalismo, a psicologia da moral, a estética e a musicologia: todos esses campos do pensamento adorniano110 devem ser compreendidos a partir da desilusão diante das transformações então em curso na Europa e do ceti109 “Was so höhnisch der »Ethiker« dem Ästhetiker als Hybris der Größe vorwirft, ist doch im Kleinen dessen bestes Teil als Zelle eines Materialismus, der »nach einer besseren Welt« sich umsieht, nicht um träumend die gegenwärtige zu vergessen, sondern zu verändern aus der Kraft eines Bildes, das wohl als ganzes »nach dem abstrakten Maßstab ‘überhaupt’ gezeichnet« sein mag, dessen Konturen jedoch in jedem einzelnen dialektischen Moment leibhaft und eindeutig sich erfüllen.” [Band 2: Kierkegaard. Konstruktion des Ästhetischen: VII. Konstruktion des Ästhetischen. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 946 (vgl. GS 2, S. 186)] 110 Ver HONNETH, Axel: Kapriolen der Wirkunsgeschichte – Tendenzen einer Reaktualisierung Adornos, in Forschung Frankfurt. Frankfurt am Main Johann Wolfgang Goethe Universität, 3-4.2003.

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cismo quanto aos possíveis frutos de um engajamento político ativo. Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche e Karl Marx, os três mestres da suspeita (Michel Foucault), já tinham preparado o terreno, revelando pulsões e encadeamentos nunca suspeitados, aprofundando a desconfiança no positivismo científico e encerrando, para a filosofia, a era milenar da metafísica. Quando Adorno nasceu, portanto, a Europa estava pronta para ingressar na Modernidade,111 aqui entendida como superação da subjetividade do romantismo; o expressionismo era o idioma com que principalmente compositores e artistas plásticos anunciavam o fim de uma época. Contudo, para ser absolutamente moderno, como exigiu Baudelaire, faltava às artes um embasamento teórico, e um dos mais significativos foi-lhe fornecido em um processo no qual participaram pensadores marxistas agrupados em torno da Escola de Frankfurt. Theodor Adorno, como veremos nas páginas que seguem, explicitou, com seu pensamento estético, os fundamentos da música nova enquanto filosofia.112 Os três subcapítulos que seguem estão construídos em forma de oposição dialética, e seu cerne é a tensão sobre a qual se ergue a Modernidade. No primeiro, a oposição entre a música dodecafônica e a neo-clássica, exposta por Adorno na Filosofia da nova música (2.1); a seguir, as controvérsias de Adorno com Hanns Eisler (2.2) e com Georg Lukács (2.3). Seus cruzamentos, se111 Monceri ressalta que a diferenciação, na Alemanha, entre Neuzeit [era moderna] e Modernität [modernidade] surge em 1886, quando Eugen Wolff, em uma conferência, cunha o termo Moderne em idioma alemão. O maior teórico do ‘moderno’ de então foi o austríaco Hermann Bahr, com suas publicações “Zur Kritik der Moderne” (Zurique, 1890), “Die Überwindung des Naturalismus” (Dresden u. Leipzig, 1891), “Studien zur Kritik der Moderne” (Frankfurt a.M., 1894) e “Renaissance – Neue Studien zur Kritik der Moderne” (Berlin, 1897). Em G.M. Chiodi (“Metodi” e allegorie della temporalità moderna), lemos que Neuzeit indica uma noção temporal, e Moderne uma categorial. Cf. MONCERI, 16. 112 “Filosofia da música, hoje, só é possível enquanto filosofia da nova música” [“Philosophie der Musik heute ist möglich nur als Philosophie der neuen Musik.”] PhnM, 19.

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melhanças e disparidades oferecem pontos distintos de observação da constituição da estética adorniana, e preparam-nos para investigar sua validade na Pós-modernidade atual.

2.1 Progresso x reação Enquanto a dinastia dos Hohenzollern, em uma manobra para preservar o poder que ainda detinha, cedia aparentemente, instituindo uma monarquia parlamentarista sob o príncipe Max von Baden, nas artes de início do século XX era possível observar um processo análogo. Especialmente na música, velhas formas tentavam perpetuar-se, submetendo-se a operações cosméticas que não alteravam seus fundamentos estéticos. Na Filosofia da nova música, Adorno contrapõe dialeticamente dois princípios de sua filosofia da arte, tomando como paradigmas dois compositores que polarizaram a discussão musical daquele momento: o russo Igor Stravinski e o austríaco Arnold Schönberg. A obra, concebida como um excurso à Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer, só foi terminada no exílio norteamericano, em 1948,113 mas a análise ali exposta refere-se ao período histórico da dissolução da tonalidade, entre os anos 1918-1940. A tese de Adorno consistia no seguinte: o material empregado em uma obra de arte – e devemos saber que Adorno pensa sempre em música, quando fala em obra de arte – para escapar à servidão sob

113 Adorno se ocupava com a oposição progresso versus reação já desde 1930, quando combinou com o compositor Ernst Krenek, a quem conhecia desde o Festival de Música de Frankfurt de 1924, que escreveriam artigos para a revista Anbruch abordando a teoria do material musical enquanto produto histórico-filosófico. Krenek enviou o seu, intitulado Progresso e reação; o de Adorno chamou-se Reação e progresso. Ver GdP, 86.

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a Indústria Cultural, deve estar indissoluvelmente ligado ao momento histórico de sua criação, deve ser “história sedimentada”, e seu tratamento deve obedecer a leis as mais intrínsecas ao próprio material musical, sem traço de imitação do mundo e nem de si mesmo. As exigências do material para com o sujeito provêm muito mais do fato de o próprio material ser espírito sedimentado, socialmente pré-formado através da consciência dos homens.114

A isso, Adorno qualifica de progresso na música, o qual guarda como propósito a recuperação do Ursinn, do “sentido primeiro” do material, sentido esse que preserva sua mensagem original de forma intocada. “Arrancar à muda eternidade as imagens musicais primeiras é o verdadeiro propósito do progresso da música.”115 Esse Ursinn do material, contudo, nunca poderá ser recuperado, já que, uma vez colocado na obra de arte, todo o seu emprego subseqüente resultará em diluição e enfraquecimento do sentido original,116 até que esse enfraquecimento termine por não ter mais como 114 “Die Forderungen, die vom Material ans Subjekt ergehen, rühren vielmehr davon her, dab das ‘Material’ selber sedimentierter Geist, ein gesellschaftich, durchs Bewubtsein von Menschen hindurch Präformiertes ist.” PhnM, 39. 115 “Der sprachlosen Ewigkeit die musikalischen Urbilder zu entreiben ist die wahre Intention des Fortschrittes von Musik”. ADORNO, Reaktion und Fortschritt, in Th. W. Adorno und Ernst Krenek, Briefwechsel, 179. 116 Por exemplo, na época de Beethoven, a máxima tensão harmônica disponível era representada pelo acorde de sétima diminuta. Na Sinfonia IX, 4o. movimento, imediatamente antes da entrada do barítono solista com as palavras do hino de Schiller, Beethoven inova com uma dissonância que inclui sete notas diferentes: sobre um acorde de ré menor, um acorde de sétima diminuta - uma tensão inconcebível para a época. O compositor coloca, então, na boca do barítono solista, as palavras “O Freunde, nicht diese Töne,” (Ó amigos, estes sons não!), como que protestando ante a crueza da dissonância, “sondern lasst uns angenehmere zustimmen!” (entoemos [sons] mais agradáveis.). Com seu repetido emprego, contudo, a eficácia deste recurso harmônico

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impedir uma cooptação pelas forças regressivas da Indústria Cultural. A resistência exige um resgate da sensação de “sentido primeiro” das constelações sonoras117 – claro, não das já ocorridas, mas da idéia de Ursinn, fazendo com que os ouvintes experenciem a nova música podendo dela fruir momentos de cristalização histórico-social na arte. Em suma, o compositor tem que, aceitando a dialética e a historicidade do material, submeter a obra inteiramente à sua ditadura técnica, e isso com o emprego dos mais avançados meios à disposição: ” Progresso não significa outra coisa senão o emprego sempre do material no estágio mais avançado de sua dialética histórica.“ 118 A oposição Schönberg e Stravinski na Filosofia da nova música, porém, não é crítica musical: enquanto filosofia, quer servir como instrumento; os opostos servem para um desvelamento de suas potencialidades enquanto arte e filosofia. Não abriga valoração intrínfoi-se desgastando, sendo que se tornou inofensivo e, num compositor como o romântico tardio Max Reger, mal tinha condições ainda de cumprir a função de acorde modulante. Ver GdP, 88. 117 Em sua última obra, a Teoria estética, Adorno observa já a virtual impossibilidade de prosseguir-se indefinidamente com o progresso histórico do material. A partir daí é que vai ocorrer sua mudança em favor de um avanço constante não mais do material, mas do tratamento, na forma. “ [...] Chopin teve sorte, bastava-lhe apenas empregar a então esquecida tonalidade de FÁ sustenido maior, e já obtinha o belo; ademais, com a diferença histórico-filosófica de que, no início do Romantismo na música, realmente materiais como as escalas singulares de Chopin irradiavam algo do vigor do inexplorado [...] .” [ “ [...] Chopin habe es gut gehabt, er habe bloß die damals unabgegriffene Tonart Fis-Dur zu greifen brauchen, und schon sei es schön gewesen; übrigens mit der geschichtsphilosophischen Differenz, daß in der früheren musikalischen Romantik tatsächlich Materialien wie Chopins aparte Tonarten etwas von der Kraft des Unbetretenen ausstrahlten [...] .”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3766 (vgl. GS 7, S. 31)] 118 “Fortschritt heibt nichts anderes als je und je das Material auf der fortgeschrittensten Stufe seiner geschichtlichen Dialektik ergreifen.” ADORNO, Theodor, KRENEK, Ernst: Briefwechsel, 177.

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seca da obra dos compositores; quer, sim, é denunciar a reação enquanto farsa do novo que ela não é – a reação na música dá respostas a perguntas que não mais existem, já que seu tempo esgotou-se.119 Acompanhemos, nas linhas abaixo, o caminho feito pelo pensamento de Adorno até formar sua proposição. Em um mundo conflitado e ambivalente, a música do início do século XX encontrava-se igualmente dividida entre duas grandes correntes. Apesar de Richard Wagner já ter levado o tecido harmônico à sua máxima expansão,120 próximo a uma ruptura com os cânones da harmonia tradicional, faltava o aglutinador para um movimento de renovação verdadeira; um neo-classicismo insistente, corporificado em especial pelos impressionistas franceses e por compositores da ala romântico-nacionalista, seguia afirmando uma estética esgotada, trocando apenas alguns elementos formais, sem alterar o fundamento, contudo, do material composicional. Esses procedimentos consistiam basicamente em a) empregar acordes dissonantes de forma insistente ou inusitada, com o resultado de roubar-lhes a tensão, como na Sonata em LA para violino e piano, de César Franck, com os repetidos acordes de 7a e 9a no primeiro movimento. b) não resolver os acordes dissonantes, apenas fazendo com que esses se alternem, de forma que percam seu significado como dissonância, como nas Nuages, de Claude Debussy. 119 Ver nota 1. 120 Wagner construiu sua ópera Tristão e Isolda com proposições harmônicas que admitiam a possibilidade de vários desenlaces. As múltiplas opções de resolução das cadências e a harmonia exploradas por Wagner como linguagem praticamente tocaram a fronteira da atonalidade – na 1a. Cena do 1o. ato e na Morte de amor de Isolda, Wagner emprega todas as 12 notas do espectro. O Acorde de Tristão, que se celebrizou como ícone wagneriano, é uma acorde que admite uma série de interpretações quanto à sua função harmônica. Em O acorde de Tristão e a crise da harmonia moderna [Der Tristan-Akkord und die Krise der modernen Harmonie-Lehre], Martin Vogel examina, uma a uma, todas as análises do acorde publicadas desde 1879. Cf. NATTIEZ, 245.

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c) fazer com que duas ou mais tonalidades sejam tratadas simultaneamente em uma obra (politonalidade). Esse recurso foi empregado com maestria por Igor Stravinski (Petruschka e A sagração da primavera), e em várias obras de Bela Bartok e Darius Milhaud. No Quarteto de cordas Número 1, de Karol Szymanowski, chegamos a encontrar até quatro tonalidades diferentes interagindo simultaneamente. d) usar elementos arcaizantes, em especial os modos medievais, herdeiros das escalas gregas. Esses modos antigos ainda continuam vivos no folclore de várias regiões do globo (modo eólio na música andina, mixolídio no folclore do nordeste do Brasil, hipodórico nas canções populares da Irlanda). Assim, encontramos, entre outros, exemplos na música de Debussy (modos frígio e mixolídio nos “Nocturnes”), Stravinski (modo dórico na “Ronda primaveril”) e Bela Bartok (modo mixolídio no “Divertimento para cordas”)121 A genuína mudança de paradigma veio com Arnold Schönberg, que em seu texto A composição com doze (12) notas [Die Komposition mit Zwölf (12) Tönen],122 expõe, em 12 parágrafos, o sistema que, imagina, conseguirá superar o impasse tonal/atonal. Adorno conheceu a linguagem do círculo de compositores da IIa. escola de Viena123 em 121 GdP, 31-34. 122 Schönberg já vinha experimentando desde 1907 uma linguagem atonal livre em suas composições — Erwartung [1909], Die glückliche Hand [1913] e Die Jakobsleiter [1922]. Foi em 1923, na 5a. e última das Klavierstücke [Peças para piano], que Arnold Schönberg fez uso, pela primeira vez, da técnica dodecafônica para organizar o material temático de uma composição. Ao invés de atonalidade livre, Schönberg opta por um sistema de organização extremamente rígido, como forma de impedir o material de recair em um tonalismo pós-expressionista. A este respeito, ver GdP, 34-40. 123 A Ia Escola de Viena foi a do classissismo de Haydn, Mozart e Beethoven (17701827), a IIa é a do dodecafonismo de Arnold Schönberg, Alban Berg e Anton von Webern (1923-1944).

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1924, no Festival de Música de Frankfurt, quando assistiu a fragmentos da ópera Wozzeck, de Alban Berg.124 Já ali reconheceu que o rígido sistema dos austríacos fornecia a solução para o dilema estético em que a música encontrava-se. Principalmente, resolvia a questão da recorrência na música, em que identificava traços miméticos perigosamente próximos da ideologia totalizante do hegelianismo de direita, da obra de arte total – a Gesamtkunstwerk de Richard Wagner – e da própria Indústria Cultural enquanto mecanismo de manipulação dos menores e mais íntimos anseios individuais de uma população. Todas as tentativas de manter a ordem harmônica tradicional, ainda que tecnicamente bem resolvidas, como as de Claude Debussy e Igor Stravinski, estão, para Adorno, junto com as forças de reação.125 Compositores da nova música, os dodecafonistas em torno de 124 Um ano mais tarde, Berg recebia uma carta de Adorno, na qual ele pedia formalmente para que o recebesse como aluno particular de composição: “Prezado senhor Berg, talvez se recorde de mim: no Festival de Música de Frankfurt de 1924, fui-lhe apresentado pelo maestro Scherchen, e lhe falei de minha intenção de ir a Viena e trabalhar consigo. Este desejo está agora maduro, e gostaria de perguntar-lhe se me aceita como aluno.” [“Sehr geehrter Herr Berg, vielleicht entsinnen Sie sich meiner: auf dem Frankfurter Tonkünstlerfest 1924 ließ ich mich Ihnen von Scherchen vorstellen und sprach Ihnen von meiner Absicht, nach Wien zu gehen und bei Ihnen zu arbeiten. Der Plan ist nun spruchreif geworden und ich möchte Sie fragen, ob Sie mich wohl annehmen möchten.”] (ADORNO, BERG.: Briefwechsel, 9). Berg foi para Adorno não apenas professor de composição – suas cartas e telegramas, ao longo de dez anos de correspondência, demonstram o quanto os dois achavam importante não se restringir às discussões sobre pura técnica musical. Os documentos contêm tanto referências a Husserl, Walter Benjamin e Kirkegaard quanto a Cocteau, Proust, Thomas Mann e Schostakovitsch. Ver GdP, 51-2. 125 As teorias que pretendiam conceder ao sistema diatônico um direito ontológico próprio, seja deduzido da música das esferas de Pitágoras, ou das relações da série harmônica, como ainda da psicologia auditiva, propunham que a única possibilidade válida de se escrever música seria atendo-se às leis do cosmo, da física acústica ou da constituição e limites da alma humana. Para Adorno, este tipo de argumento, o preferido dos neoclássicos – ele cita explicitamente Paul Hindemith – não passa de uma “superestrutura útil para composições reacionárias”. E revida: “Basta observar que

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Arnold Schönberg detinham, como garantia da autonomia de seu sistema, cânones com regras tão severas quanto os da polifonia palestriniana do século XVI, e que não apenas proibiam a resolução de dissonâncias: as dissonâncias estavam simplesmente abolidas,126 já que os sons, como reza o título de Schönberg, seriam “nur aufeinander bezogen”, isto é, relacionados apenas entre si, e não mais com base em uma nota fundamental, em um sistema de funções harmônicas: Chamei este processo de método de compor com doze sons relacionados apenas entre si. Este método consisum ouvido desenvolvido está em condições de apreender as mais complicadas relações de sons harmônicos com a mesma precisão quanto [apreende] as simples, sem experimentar por isso qualquer ímpeto de “resolução” das pretensas dissonâncias, antes disso, rebela-se espontaneamente contra tais resoluções, de forma semelhante como no período barroco [do Baixo contínuo], quando as seqüências de quintas eram rejeitadas como uma espécie de regressão ao arcaísmo”. [“... da das entwickelte Gehör die kompliziertesten Obertonverhältnisse harmonisch ebenso präzis aufzufassen vermag wie die einfachen, und dabei keinerlei Drang zur ‘Auflösung’ der vorgeblichen Dissonanzen verspürt, sondern vielmehr gegen Auflösungen als einen Rückfall in primitivere Hörweisen spontan sich auflehnt, ähnlich wie in der Generalbaära die Quintenfortschreitungen als eine Art archaischer Regression geahndet waren.”] PhnM, 39. Ver também GdP, 36-7. 126 “Há composições modernas em cujo contexto estão ocasionalmente incluídos acordes tonais; essas tríades é que são cacofônicas, e não as dissonâncias.” [“Es gibt moderne Kompositionen, die in ihren Zusammenhang gelegentlich tonale Klänge einstreuen. Kakophonisch sind solche Dreiklänge, und nicht die Dissonanzen.”] PhnM, 40. A IIa. Escola de Viena deixa bem claro, como Adorno ressalta, que a tonalidade e a consonância – simbolizada pelo acorde de DÓ maior – está completamente desvalorizada, isto é, como dinheiro velho, perdeu seu valor: “No Wozzeck, como também em Lulu, o acorde perfeito de DÓ maior aparece em contextos completamente desvinculados da tonalidade, cada vez que se fala em dinheiro. O efeito é de algo banal e, ao mesmo tempo, obsoleto. A moedinha do DÓ maior é denunciada como falsa.” [“In ‘Wozzeck’ sowohl in ‘Lulu’ erscheint, in sonst von der Tonalität losgelösten Zusammenhängen, der CDur-Dreiklang, sooft von Geld die Rede ist. Die Wirkung ist die pointiert Banalen und zugleich Obsoleten. Die kleine C-Dur-Münze wird als falsch denunziert.”] PhnM, 60. Lembrando que, no alemão original, falsch, o falso da moedinha tem o mesmo significado que errado, enquanto seja errado compôr ainda com acordes tonais.

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te, antes de mais nada, no uso contínuo de uma série de doze sons diferentes. Isto significa, evidentemente, que nenhuma nota é repetida no seio da série, e que essa utiliza todos os doze sons da escala cromática.127

Essa recusa extrema da repetição, inscrita já na carta fundadora da nova estética – o trecho acima foi extraído do parágrafo cinco –, oferecia a garantia de máxima interdição da mímese e dos anseios totalizadores do romantismo tardio e do neoclassicismo. A II a. Escola de Viena foi a vanguarda histórica da nova música; as próximas gerações aprofundaram a proposta de Schönberg e perseguiram uma organização total dos parâmetros do som, no chamado serialismo integral, determinando já na escolha do material não apenas a seqüência das alturas dos sons – as notas –, mas também de durações, timbres, intensidade, articulação. A racionalidade total da música é sua organização total. Por obra da organização, a música, emancipada, anseia recuperar a integridade perdida, a força e o contexto, também perdidos, de Beethoven.128

Uma estética, portanto, que recusava a intersecção com o humano – uma estética de forte caráter exclusivista, na qual nada do 127 “Ich nannte dieses Verfahren Methode der Komposition mit zwölf nur aufeinander bezogenen Tönen. Diese Methode besteht in erster Linie aus der ständigen und ausschlieblichen Verwendung einer Reihe von zwölf verschiedenen Tönen. Das bedeutet natürlich, dab kein Ton innerhalb der Reihe wiederholt wird und daß sie alle zwölf Töne der chromatischen Skala benutzt [...].” SCHÖNBERG, Arnold: Die Komposition mit zwölf Tönen, in MEIERTOTT Lenz u. SCHMITZ Hans-Bernd (Hrsg.) Materialien zur Musikgeschichte, 177. 128 “Die totale Rationalität der Musik ist ihre totale Organisation. Durch Organisation möchte die befreite Musik das verlorene Ganze, die verlorene Macht und Verbindlichkeit Beethovens wiederherstellen.” PhnM, 70.

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mundo é material constituinte da obra de arte, a não ser mediado e transformado por uma técnica em permanente processo de superação, expressão de resistência à subjetividade.129 Para Adorno, nessa direção apontava o progresso na música.

2.2 Funcional x autônomo Os primeiros artigos publicados por Theodor Adorno foram de crítica musical, ainda em sua época de colegial, antes mesmo de ingressar na Universidade de Frankfurt.130 Mais tarde, o próprio desenrolar dos acontecimentos do século XX e seu exílio forçado na América do Norte contribuíram para a formação e o amargo amadurecimento de seu pensamento estético, em especial acerca da manipulação da obra de arte e da dominação do homem na sociedade contemporânea. No subcapítulo anterior, Progresso x reação, verificamos a constituição do conceito adorniano de progresso na música e sua intenção ao defender a técnica como ferramenta de resistência à Indústria Cultural. Neste, explanaremos sobre a tensão entre arte autônoma e arte engajada, lembrando que, no pensamento adorniano, temos que ter sempre em mente que as oposições e os parâmetros escolhidos servem, enquanto pólos de tensão, de instrumento de conhecimento do mundo. 129 “A nova ordem da música dodecafônica extingue virtualmente o sujeito.” [“Die neue Ordnung der Zwölftonmusik löscht virtuell das Subjekt aus.”] PhnM, 70. 130 Adorno ingressou na universidade de Frankfurt em 1924. Antes disso, já tinha publicado Die Hochzeit des Faun – grundsätzliche Bemerkungen zu Bernhard Sekles neue Oper [As bodas do fauno – observações sobre a nova ópera de Bernhard Sekles] (Neue Blätter für Kunst und Literatur, 1921), “Bela Bartok” (Neue Blätter für Kunst und Literatur, 1922), “Paul Hindemith” (Neue Blätter für Kunst und Literatur, 1922), e “Bernhard Sekles” (Frankfurter Zeitung, 1922).

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Alguns pensadores marxistas próximos a Adorno eram partidários de um engajamento máximo da arte como função social para a libertação do homem, argumentando que meramente estudar as motivações sócio-políticas que moldam as massas não basta, sendo necessário agir para modificar o mundo. A arte, para seu colega compositor Hanns Eisler (1898-1962), era um instrumento não só para conhecer o mundo, mas para transformá-lo. De acordo com Marx e Engels, para quem a atividade de conhecer o mundo não se resume a interpretá-lo, mas a transformá-lo revolucionariamente, Eisler lamentava que os filósofos do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt não se engajassem de forma mais prática contra o status quo, queriam ser “marxistas sem política”131 Após ler A situação social da Música [Zur gesellschaftlichen Lage der Musik], 1932, de Adorno, escreveu: Também um senhor Wiesengrud-Adorno, que [...] se esforça em aplicar ‘métodos marxistas’ mas fica na pura interpretação da realidade, sem nem fazer a tentativa de pesquisar as forças que a poderiam [à realidade] modificar. É um caso singular de confusão de materialismo dialético com misticismo dialético!132

Toda a obra de Hanns Eisler foi dedicada a aplicar o marxismo-leninismo ao estudo da música e de sua função na sociedade. 131 “Falta a estes frankfurturistas, como Brecht os chamava, uma postura verdadeiramente combativa contra a burguesia. Simplesmente não se pode ser marxista sem política.” [“Es fehlt bei diesen Frankfurturisten, wie der Brecht sie nannte, eine echte Kampfstellung gegen das Bürgertum. Man kann eben nicht Marxist sein ohne Politik.”] EISLER, apud BUNGE, apud MAIER, 152. 132 “Auch ein Herr Wiesengrund-Adorno, der [...] sich bemüht, ‘marxistische Methoden’ anzuwenden, bleibt bei der reinen Interpretation der Wirklichkeit stehen, ohne auch nur den Versuch zu machen, die Kräfte, die sie ändern könnten, zu erforschen. Es ist ein eigentümlicher Fall der Verwechslung des dialektischen Materialismus mit dem dialektischen Mystizismus!” EISLER, cit em MAIER, 139.

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Mesmo tendo aprendido a técnica dodecafônica com Schönberg, na época o estágio mais avançado para a composição musical, Eisler manteve em toda sua obra um nível bastante simples na escolha do material. Como ele mesmo afirmara, já tinha se despedido da “lírica de concerto burguesa” com seus Zeitungsauschnitte op. 11, e temia que composições por demais complexas não tivessem o desejado apelo revolucionário sobre o operariado.133 Não que Eisler não acreditasse na superação do abismo existente entre os compositores de vanguarda e o proletariado – seu propósito era unir uma boa técnica composicional, não demasiado complexa, com a reprodução e a distribuição oferecidas pelos novos meios de comunicação de massa. Utilizando novos recursos artísticos é possível aproximar-se da consciência social das massas de um modo tão intenso e irrefutável que o desnível não se percebe como um obstáculo, e sim como o momento mais eficaz da obra de arte.134

133 Bertold Brecht trabalhou junto com Eisler em várias encenações, e endossava sua concepção de como trabalhar a consciência do espectador: “A música de Eisler não é, de forma alguma, o que se possa chamar de simples. Ela é musicalmente bastante complicada, e não conheço nenhuma mais séria. Ela possibilita, de forma admirável, uma certa simplificação das mais difíceis questões políticas, cujo entendimento é de vital importância para o proletariado. [...] Essa música também é, em certo sentido, filosófica. Ela também evita efeitos narcóticos, em especial porque liga a solução de questões musicais a uma elaboração clara e nítida do sentido político e filosófico dos textos.” [“Die Musik Eislers ist keineswegs das, was man einfach nennt. Sie ist als Musik ziemlich kompliziert, und ich kenne keine ernsthaftere als sie. Sie ermöglichte in einer bewunderungswürdigen Weise gewisse Vereinfachungen schwierigster politischer Probleme, deren Lösung für das Proletariat lebensnotwendig ist. [...] Auch diese Musik ist in einem gewissen Sinne philosophisch. Auch sie vermeidet narkotische Wirkungen, hauptsächlich indem sie die Lösung musikalischer Probleme verknüpft mit dem klaren und deutlichen Herausarbeiten des politischen und philosophischen Sinnes der Gedichte.”]. BRECHT, 247-9. 134 EISLER, 39.

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Adorno não reconhece essa possibilidade, insiste na autonomia da criação artística e alerta para o perigo de manipulação política da música. No primeiro parágrafo da Dialética negativa, ele apresenta seu credo filosófico, que responde à crítica de Eisler. O fato de a transformação do mundo pela filosofia não ter se efetivado como desejado, obriga-nos a continuar interpretando-o, rejeitando uma mentalidade derrotista. A conclusão sumária, de que ela [a filosofia] tenha meramente interpretado o mundo e, por resignação, se atrofiado diante da realidade, constitui-se num derrotismo da razão, depois que fracassou a modificação do mundo.135

Adorno vê na autonomia da arte, em sua independência de qualquer função, sua característica mais essencial. Concebendo a criação artística enquanto inegociável não-funcionalidade, Adorno coloca-se na tradição do que Kant em 1790 já havia determinado sobre arte e beleza: “Beleza é a adequação de um objeto, na medida em que essa é nele percebida sem a pretensão de um objetivo”.136

135 “Das summarische Urteil, sie habe die Welt bloß interpretiert, sei durch Resignation vor der Realität verkrüppelt auch in sich, wird zum Defaitismus der Vernunft, nachdem die Veränderung der Welt mißlang”. ND, 15. 136 “Schönheit ist Form der Zweckmässigkeit eines Gegenstandes, sofern sie ohne Vorstellung eines Zwecks an ihm wahrgenommen wird “ (KANT apud FÜLLSACK, 25) A autonomia adorniana não é, contudo, idêntica ao “interessenloses Wohlgefallen”, ao prazer desinteressado kantiano; o objeto de arte não tem ingerência direta na sociedade, mas resiste ao direcionamento por parte da Indústria cultural. Essa desqualifica a arte, apresentando-a como se fosse uma reserva natural de irracionalidade, onde os pensamentos [racionais] não entram. [“Kunst hegt er als Naturschutzpark von Irrationalität ein, aus dem der Gedanke draußen zu halten sei.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Frühe Einleitung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4551 (vgl. GS 7, S. 499)]

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O projeto de Eisler de “aproximar-se da consciência social das massas”, contudo, não tinha nada de ingênuo ou de simplificação gratuita. Ele tinha consciência de que estava sendo um pioneiro na aplicação da dialética materialista à estética musical, e isto justamente em um momento histórico em que a tonalidade tinha chegado a um esgotamento e os compositores experimentavam com novas técnicas de criação.137 Para não cair em uma “sociologização superficial de materialismo vulgar”, era imperioso estudar-se, para uma dialética da música, “o nascimento e o ocaso, bem como o desgaste e a renovação do material musical nos estilos socialmente condicionados da música, em suas funções cambiantes”.138 Pensar uma sociedade livre também é o projeto de Adorno; uma sociedade semelhante à idealizada por Marx, em que os indivíduos pudessem exercer a autonomia que por direito lhes cabe. Essa sociedade está ainda por se realizar no futuro. Vem daí a importân137 De forma muito hábil, Eisler criava momentos de orientação harmônica dentro da série. Isto resultava em uma dodecafonia com orientações tonais, funcionando como um sistema de faróis que orientam um navio cujo timoneiro não pode enxergar a costa, devido à escuridão. Este estilo desenvolvido por Eisler não desobedece em nada as regras do serialismo, e ao mesmo tempo se apóia nos hábitos de audição harmônica do ouvinte, criando assim uma ambiência sonora não demasiado estranha para os ouvidos não acostumados. O próprio Schönberg, constata Adorno, utilizava o novo sistema para dele extrair resultados extra-seriais. Adorno verifica que “Schönberg violenta a série” [“Schönberg vergewaltigt die Reihe” PhnM, 106], por utilizar, dentro de seu material, elementos residuais de tonalismo e, mesmo assim, não renegar a nova linguagem: “Na realidade, Schönberg considera a técnica dodecafônica na praxis da composição como mera preformação do material. Ele “compõe” com as séries de 12 sons, dispõe delas com superioridade, mas como se nada tivesse acontecido. Daí resultam continuamente conflitos entre a constituição do material e o procedimento a ele imposto.” [“Schönberg betrachtet in der Tat die Zwölftontechnik in der Komponierpraxis als bloße Vorformung des Materials. Er ‘komponiert’ mit den Zwölftonreihen; er schaltet mit ihnen überlegen, doch auch, als ob nichts geschehen wäre. Dabei ergeben sich ständige Konflikte der Beschaffenheit des Materials und der diesem auferlegten Verfahrungsweise.”] PhnM, 106. 138 EISLER, 19-20.

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cia, para os dois filósofos, da ciência da história: suas filosofias são determinadas pela história. É no futuro que se concretizará a sociedade igualitária. O modo de produção da vida material determina os processos sociais, político e espiritual da vida em geral. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida é que determina a consciência.139

A crise por que passava a música burguesa, com a dissolução da linguagem tonal, era interpretada por Eisler como sintoma de uma crise muito mais ampla, por que passava a sociedade como um todo.140 A música, entretanto, por ser uma atividade artística marcada por um individualismo mais exacerbado que outras artes, apresentava com mais evidência os sintomas de decomposição da cultura burguesa: “uma arte que perde seu caráter social, perde-se a si mesma”.141 Esse caráter social da arte é que precisaria ser recuperado. O pensamento de Eisler sempre foi no sentido de superar a atividade

139 MARX, apud OVSIÁNNIKOV, 26. 140 “... a crise da música é um reflexo de uma crise bem mais ampla, de um ordenamento social e de uma visão de mundo historicamente superadas. Uma crise ética, mais que estética. A atualidade de Eisler demonstra a atualidade do problema que está na base da produção musical, isto é, da relação entre arte e massas em uma fase histórica que vê a progressiva crise das concessões estéticas da burguesia e a elaboração, para as classes emergentes, de novas formas de expressão e de comunicação orgânica.” [“... la crisi della musica à un riflesso di una ben piú ampia crisi di un ordinamento sociale e di una visione del mondo storicamente superati. Una crisi etica, prima che estetica. L’attualità di Eisler dimostra l’attualità della problematica che sta a monte della sua produzione musicale: cioè del rapporto tra arte e masse in una fase storica che vede la progressiva crisi delle concezioni estetiche della borghesia e l’elaborazione di nuove forme di espressione e di comunicazione organiche alle classi emergenti. Si trata del problema di superare il distacco (...) tra intelletuali e popolo.”] LOMBARDI, 124. 141 EISLER, 31.

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artística individual – ocorrida a partir de seu desligamento dos ritos e práticas do cotidiano – com vista ao resgate da coletivização. A coletividade, porém, receberia, no futuro, a música com uma consciência de classe bem diferente da que tinha na Antiguidade: “Se as massas exigem da arte efeitos embriagadores, ou no mínimo os aceitam, devese ao fato de que, dessa forma, buscam equivalentes psíquicos para atividades e vivências que lhes são negadas por sua situação social”.142 Aqui residiria o perigo da ação da música sobre uma população inculta: a música burguesa, com promessas de felicidade, serve para apaziguar a consciência da classe operária. Vejamos: Eisler constata que, quanto mais consciente uma comunidade, tanto menor a influência da música em seu meio – “na comunidade primitiva a música opera de um modo totalmente diferente de uma sociedade com alto grau de civilização”.143 Aqui temos um ponto de confluência dos pensamentos de Eisler e Adorno: repudiando a kátharsis individual manipuladora e intencional, ambos apontam que a real purificação só se dá por meio da consciência. Essa é a verdadeira catarse. Então, em um futuro ideal e marxista, o homem altamente conscientizado (o ser comunista)144 não terá mais necessidade da aparência [Schein] do Belo – sua emoção estética será racional, no reconhecimento da forma. Assim faz sentido o que Hegel escreveu: “É possível que, em uma sociedade liberta, a arte se extinga; em seu lugar se encontrará a filosofia”.145 Nesse contexto – de relação das forças políticas com a arte – a atenção de Eisler foi chamada pelo forte repúdio que o movimento fascista apresentava contra o que eram os mais destacados composi142 Ibidem, 223. 143 Ibidem, 475. 144 Ibidem, 47. 145 HEGEL apud EISLER, 470.

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tores burgueses de música moderna, Arnold Schönberg, Igor Stravinski e Béla Bártok. Esses, apesar de serem artistas da burguesia, despertavam verdadeiro horror nos nazistas alemães e nos correligionários em outras nações européias. Esse fenômeno contradizia o princípio defendido por Eisler de que a estética comporta-se sempre de forma partidarista, isto é, os grupos sociais se identificam sempre com seus interesses.146 Ora, como acontecia que a direita européia – burgueses, portanto – rejeitava a música dos mais refinados dentre os compositores de sua classe? Eisler conclui que esses compositores, ainda que vivam dentro do capitalismo, são progressistas, possuindo um caráter antecipador, criando obras “iluminadas por um mundo que ainda não existia”: 147 suas músicas “não supõem relações entre pessoas, relações que já não existem na sociedade burguesa, não evocam ‘sentimentos afetivos’”.148 Essa “boa” música burguesa, reflete Eisler, sobreviverá à derrocada da classe em cujo seio foi gerada, e seu legado será recebido pelas massas trabalhadoras do futuro. Segundo a estética marxistaleninista, a obra de arte nasce das condições sociais em uma época determinada, e, portanto, era mesmo de esperar-se que a contradição entre a burguesia e o proletariado, tão acirrada naquele início de século XX, tivesse sua imagem refletida pela música. Ao contrário de 146 Ainda da Estética marxista-leninista de Ovsiánnikov (p. 8-9): “Por exemplo, para as classes progressistas e, concretamente, para o proletariado e todos os trabalhadores, a arte só tem valor se expressar os aspectos do mundo espiritual que contribuem para a formação dos sentimentos, idéias, características e qualidades da vontade úteis ao desenvolvimento progressista da sociedade, à edificação do socialismo e do comunismo. Ao contrário, para as classes reacionárias e conservadoras da sociedade burguesa, o valioso consiste em expressar, através da arte, diversos aspectos da consciência burguesa – política, moral, religiosa, etc. – por exemplo o individualismo, o nacionalismo, o erotismo, o misticismo, a depressão, o temor e outros.” 147 EISLER, 39. 148 Ibidem, 34.

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Lukács (1885-1971), que via as composições dessa época como “produtos em decomposição”, resultado da simultânea ascensão da classe burguesa no século XIX e da concomitante decadência da arte, Eisler sustentava que as convulsões político-sociais na Europa eram próprias de “uma época e uma sociedade prenhe de futuro”, e que estavam testemunhando não meramente uma decomposição, mas também uma transição dialética para uma nova era que já se anunciava. Quanto a essa transição, Adorno sempre foi pessimista, já que, para ele, o homem e o mundo, divorciados, não terão como herdar um ao outro. Seu trabalho filosófico tem de ser entendido a partir da Teoria Crítica, isto é, filosofia não no sentido de uma teoria geral do Ser: ela deve ser compreendida como uma análise do estranhamento a que o homem está submetido no mundo. Para a arte, isso traz graves conseqüências, uma vez que, imerso num mundo em constante reificação, o indivíduo converte-se em mero abstrato coletivo149 e não consegue afirmar sua autonomia. Nossa realidade, então, é determinada pelo estranhamento que a nós se impõe, sendo o sujeito forçado a submeter-se ao imperativo identitário, totalitarista, tendo de abdicar de sua não-identidade e fundir-se com o conceito. Conceito que, no pensamento de Adorno, nunca abrange completamente o objeto que quer significar – tal objeto sempre terá arestas ou pontas diferentes da mais detalhada descrição possível. Toda arte produzida sob esse mandamento não faz outra coisa que prestar vassalagem à identidade conceitual, esgota-se em si mesmo e nunca poderá ser uma “mensagem na garrafa”, de que Adorno fala na Filosofia da nova Música. Enfrentar essa questão é a tarefa da filosofia enquanto Teoria Crítica. Adorno acredita que praticamente não haja esperança de se escapar ao estranhamento, já que todos estamos imbricados na sociedade. Assim, a crítica por ele exercida não possui um sentido positivo, centrado em si próprio – esse se manifesta enquanto “dialética negativa”, dialética 149 ADORNO, apud COSTA PASSOS, 25.

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essa que tem a missão de romper com a relação sujeito-objeto. A dialética negativa de Adorno, com sua crítica ancorada nas relações sociais, possui um determinado caráter moralizante: já que toda a sociedade está arruinada pelo capitalismo, é urgente a resistência moral contra essa situação. A filosofia – a lógica – envenenou o mundo, por isso lemos na Dialética negativa que o antídoto para a filosofia seria desencantar o conceito, solapar sua ontologização em uma unidade conceito-objeto, buscando a reflexão também nos espaços entre conceito e objeto.150 Para resistir à racionalidade iluminista que tenta expulsar o paradoxal e o ambíguo, e não dá trégua em sua voracidade identificadora, Adorno propõe uma dialética que aponte para a verdade que está escondida nos interstícios do particular, daquilo que é distinto, sem visar a qualquer síntese final apaziguadora. Um mundo inteiro sintetizado seria um mundo inteiro reificado. Na Minima moralia, Adorno explica que pensar a dialética negativa é uma tentativa de vencer os imperativos da lógica com suas próprias armas – daí o perigo constante em sucumbir à sedução: “a astúcia da razão gostaria de impor-se mesmo contra a dialética”.151 As conseqüências disso para a música são que uma música autônoma deve empregar, para escapar à gravitação do racionalismo, sua própria racionalidade, “uma racionalidade boa” – boa porque é mediada pela fantasia. A racionalidade da obra de arte tem por objetivo sua resistência contra a existência empírica: dar forma ra150 “Die Entzauberung des Begriffs ist das Gegengift der Philosophie.” [Band 6: Negative Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit: Einleitung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 2846 (vgl. GS 6, S. 24)] 151 “Die List der Vernunft möchte noch gegen die Dialektik sich durchsetzen.” [Band 4: Minima Moralia. Reflexionen aus dem beschädigten Leben: Vermächtnis. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1942 (vgl. GS 4, S. 171)]

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cional a obras de arte significa a maneira como elas se constituem conseqüentemente.152

Adorno acredita que a filosofia só subsiste, mesmo depois de Hegel, porque perdeu-se o momento de sua realização: “Filosofia que uma vez parecia estar ultrapassada mantém-se viva porque foi perdido o momento de sua realização”.153 Dentro do quadro histórico da atividade humana, as probabilidades de desagregação [Zerfall] não são casuais, elas fazem parte do próprio desenvolvimento do homem. Esse tema é o fio condutor da Dialética do Esclarecimento, a obra que constitui a base para a Filosofia da nova música e também para o Komposition für den Film. A localização dessa desagregação na natureza mesma do homem é decisiva para a noção adorniana de história. Porém, ao contrário de Hegel e de Marx, Adorno aponta a contingência como fator sempre presente na história. Na Dialética negativa, ele escreve que a seqüência das coisas fundamenta-se no acaso – nada tem necessariamente que acontecer. Acreditar que o andar dos acontecimentos se dá de forma necessária implicaria em admitir que todo o sofrimento, toda a desgraça humana, Auschwitz e Hiroshima, tinham necessariamente que acontecer para que a história pudesse seguir adiante: essa sua maior crítica à visão necessitarista da história de Hegel. As ocasionais quedas na barbárie são inerentes à condição histórica humana, não há um plano guiando a sucessão dos acontecimentos.154 152 “Die Rationalität der Kunstwerke bezweckt ihren Widerstand gegen das empirische Dasein: Kunstwerke rational gessalten heißt soviel, wie sie in sich konsequent durchbilden.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Paralipomena. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4435 (vgl. GS 7, S. 430)] 153 “Philosophie die einmal überholt schien, erhält sich am Leben, weil der Augenblick ihrer Verwircklichung versäumt wurde.” ND, 15 154 Hegel, com sua filosofia da história que vai se desdobrando como uma dedução lógica, legitima toda dor e sofrimento do mundo; Adorno quer romper com essa linha reta, romper com a idéia de história como um trilho de bonde que só pode

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A filosofia, que deveria alavancar a instauração de uma nova ordem livre de mitos, vai vendo enfraquecidas suas proposições, mesmo porque não consegue desvencilhar-se do que há de científico – de lógico – em seu cerne. O que a ciência não quer – ou não pode mais – usar é então abraçado pela filosofia, o que só aumenta seu risco de regredir em mitologia. O progresso filosófico zomba de si mesmo porque, quanto mais ele adensa os conteúdos de fundamentação e quanto mais vulneráveis tornam-se as formulações, tanto mais ele se converte em pensamento identitário.155

A Dialética do Esclarecimento investiga a história dessa desagregação [Zerfall] ; aqui Adorno concentra sua crítica à noção de história de Marx, para quem é possível eliminar-se a possibilidade de erro, já que não é o homem que carrega o germe da ruína, e sim as relações entre os homens que estão (até agora) defeituosas: caberia, então, ao marxista, por meio da ação no mundo, corrigi-las! A Dialética do Esclarecimento mostra, pelo contrário, que não as relações, mas o próprio homem, sua essência, é ambígua. Em resumo: Adorno e Horkheimer sabem que têm um compromisso para com o espírito do Esclarecimento – na forma como esse se cristalizou no início da era moderna – em contrapartida à

tomar aquela via, sem outra alternativa: é o que exige no Prismas (“Que a Naturbefangenheit (dependência da natureza) não tenha a última palavra!”) e explica nos Três estudos sobre Hegel: “A história é contingente, daí oferecer-se, a cada momento, a possibilidade de acontecer ‘diferente’”. Ver GdP, 45-51. 155 “Der philosophische Fortschritt äfft, weil er, je dichter er die Begründungszusammenhänge fügt, je hieb- und stichfester die Aussagen werden, immer mehr Identitätsdenken wird.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Fortschritt. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8452 (vgl. GS 10.2, S. 636)]

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superstição e ao autoritarismo. Mas ambos não compartilham o otimismo quanto ao futuro, e, acima de tudo, não apostam na racionalidade como valor sine qua non. Ao contrário do quadro de Goya “O sono da razão gera monstros”, os frankfurtianos temem que a razão desperta, a lâmina afiada da lógica, cause males ainda piores à humanidade. Visto assim, o Esclarecimento não significa e nem pode significar um progresso absoluto, e esse fato reside em sua essência: uma vez que ele se estabelece como supressão da servidão, ele mesmo exige dominar, o que, a partir daí, conduz à nova dominação. Essa dialética é, de certa forma, construída por empréstimo de Hegel. Em Hegel, a substância é superada pela subjetividade e, no final, transformada em positivo, torna-se autoconsciência. Já na Dialética do esclarecimento, pelo contrário, não há um final positivo: o Esclarecimento supera a natureza por meio da razão e da subjetividade, mas esse, por sua vez, regride novamente ao estado natural. Os autores querem mostrar como a submissão de tudo que é natural sob a égide do sujeito culmina com a tirania do objetivismo cego. Concluindo: a civilização apresenta, como seu derradeiro resultado, o regresso ao temido estado natural. Uma das teses principais da obra é que já o mito é esclarecimento. O pensar é o ponto crucial do problema: esse pensar é determinado de forma muito abstrata como predomínio do geral sobre o específico, num processo em que o geral se constitui como conceito. Pensar sujeito e objeto um cobrindo o outro está na origem da questão, “o sujeito objetivado e o objeto sendo mera abstração que lhe é atribuída”.156 E aqui chegamos a um dos eixos cruciais do pensamento adorniano e sua abertura para a estética: contra esse pensar “cindido”, 156 ADORNO, apud COSTA PASSOS, 30.

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a arte deve procurar levar o específico (que Adorno equipara ao nãoidêntico) a assumir o que lhe é de direito, exigindo-se que não se violente pelo pensamento identitário, transformando-se em conceito. No momento em que a arte tivesse condições de cumprir essa missão, se isso pudesse ser realizado em uma humanidade “pacificada” – no sentido de satisfeita -, cumprir-se-ia a condição segundo a qual Hegel previu a morte da arte, em uma transição para uma sociedade de filósofos: “Somente numa humanidade pacificada, a arte deixaria de viver – se ela morresse hoje, como ameaça suceder, seria apenas o triunfo do mero Dasein sobre o olhar da consciência que a ele ousa resistir”.157 Porém, Adorno sabe que essa é uma exigência quase impossível de ser atendida: o pensamento iluminista tenta cobrir, por meio do conceito, o específico, que tem de esquivar-se a esse movimento de apropriação. Uma vez apreendido, o objeto artístico vai transformar-se em identidade, e regride ao mito; é a partir da margem escura – sua porção que resiste a ser iluminada, resiste a ser esclarecida – que a obra de arte pode reagir e afirmar sua não-identidade. Com base nisso, Adorno constata que “as únicas obras [de arte] que hoje contam são aquelas que não são obras”.158 Enquanto escrevia a Dialética do Esclarecimento junto com Horkheimer, Adorno já estava redigindo a primeira parte de sua Filosofia da nova Música, terminada em 1940, e, ao mesmo tempo, envolvido com os trabalhos de pesquisa de cinema da Fundação Rockefeller. Alguns conceitos apresentados na DdA, que se referem mais especificamente à arte musical, são aprofundados na PhnM. Tenhamos em mente que, partindo da DdA, cumpre ao filósofo pensar a interdição 157 “Erst einer befriedeten Menschheit würde die Kunst absterben: ihr Tod heute, wie er droht, wäre einzig der Trimph des bloßen Daseins über den Blick des Bewußtseins, der ihm standzuhalten sich vermißt.” PhnM, 24. 158 “Die einzigen Werke heute die zählen, sind die, welche keine Werke mehr sind.” Ibidem, 37.

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da manipulação da obra de arte. As palavras-chave são história, progresso e técnica. Adorno sabe que, mesmo juntando-se todas as peças do quebracabeça que é a constituição técnica de uma obra de arte, não poder-seá reproduzi-la. A técnica, contudo, é a resposta que o artista pode dar ao mundo que regride à barbárie. A racionalidade boa – da obra de arte – é a arma para combater a racionalidade instrumental do mundo. Para esquivar-se à cooptação pelas forças regressivas, o compositor tem de empregar o material em seu mais recente apuro técnico, pois, no mesmo instante em que uma nova técnica é incorporada, sua potência já começa a diluir-se. Esse material que, para Adorno, é história sedimentada, não renega a fonte de onde brotou, mas só conquista sua maioridade ao superá-la e assumir plenamente sua identidade autônoma. O progresso na música é, portanto, como vimos no subcapítulo anterior, um movimento oscilante da obra de arte para negar-se à apreensão pelo conceito. Na PhnM, encontramos como isso seria possível: 1) pelo irrompimento do irracional na obra de arte; 2) pela máxima racionalização do procedimento composicional; 3) pela submissão à dialética do material e 4) pela recusa em apreender o heterogêneo.159 Esse era o nó que Eisler tinha mais dificuldade em desatar: a questão da técnica. Reconhecia o método schönberguiano de composição com 12 sons como uma solução lógica para o esgotamento do sistema tonal. Porém, temia que o novo estilo não conseguisse resistir à fetichização da técnica e ao misticismo que soem acompanhar procedimentos criativos demasiado complexos.160 O cerne da 159 GdP, 80. 160 Ainda que não tenha se dedicado tão exaustivamente quanto Adorno à questão da técnica, Eisler não deixou de apresentar suas reflexões, algumas coincidentes com a de seu colega frankfurtiano. Quando examina a obra de Carl Philipp Emmanuel Bach, constata o grande retrocesso que se dá, a enorme simplificação composicional que representa aquela passagem estilística do barroco para o rococó. Ainda assim,

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questão era o seguinte: Eisler era um compositor de boa formação, e que compunha para o povo utilizando-se de fórmulas simples – bem mais simples do que era capaz. Mas Eisler sabia também que trabalhar dessa forma era coisa para poucos; ao fim e ao cabo, faltariam compositores de qualidade para o proletariado. A solução estaria provavelmente, pensa Eisler, em uma mudança da função social da música. Não bastaria, então, apenas apropriar-se de novos métodos de criação; seria preciso, ao contrário, observar quais modificações do material seriam trazidas pela “nova arte revolucionária”.161 Uma transformação do papel da música na sociedade de uma forma geral traria necessariamente um novo critério estético. Discordando de Adorno, não teriam importância, nessa concepção, qualidades como “moderno” ou “ultrapassado”, e sim “útil” (e mais: útil para quem?) e “inútil”. O progresso na música, para Eisler, não se resume em incorporar novos procedimentos técnicos, e sim em fazê-lo para novos objetivos sociais.162 Para Eisler, valia o aforisma brechtiano: “o verdadeiro progresso [avanço] não está em ser progressista, mas em progredir [avançar]”,163 isto é, a ação tem mais valor que a postura intelectual. Os novos objetivos sociais a que visa o progresso na música, com os meios para atingi-los, são parte do problema da conciliação de sujeito e objeto, homem e natureza, e é também um dos temas fundaobserva Eisler, houve um progresso: nasceram novas possibilidades expressivas, uma nova emocionalidade, graças à possibilidade que então se abria para contrapor temas de caráter beligerante. O que ocorreu, naquele momento, foi o que Adorno também apontou na PhnM: para haver um desenvolvimento de um dos parâmetros da música, outro ou outros têm que retroceder. A síntese, acredita Adorno, só viria com a Segunda Escola de Viena sob Schönberg. 161 EISLER, 128. 162 Ibidem, 42. 163 “Wirklicher Fortschritt ist nicht Fortgeschrittensein, sondern Fortschreiten.” BRECHT, 26.

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mentais da arte. Adorno, com sua estética de orientação metafísica,164 acredita que, se a conciliação fosse efetiva, a arte tornar-se-ia até desnecessária, pois arte é o aspirar [Sehnsucht] a um algo, um objetivo. A arte não media esse objetivo, porque ela tem seu lugar de manifestação [faktischer Ort] no seio do estado do irreconciliado. Todas as obras de arte, e toda a arte são enigmas; isto sempre confundiu a teoria da arte. O fato de que obras de arte digam algo e, ao mesmo tempo, o ocultem, define o caráter enigmático sob a linguagem.165

O caráter enigmático não é decifrado pela “compreensão” da obra: “Decifrar o enigma é como [tanto quanto] indicar a razão de sua indecifrabilidade [Unlösbarkeit]”. Por um lado, estética é teoria filosófica e, portanto, alheia à arte. Por outro lado, há necessidade de uma reflexão filosófica. Obras de arte são formas objetivas e têm em si a pretensão de objetivar-se; nessa decifração, o enigma revela seu conteúdo de verdade.166

A infinita espera de uma interpretação é o que caracteriza o estatuto da arte, espera essa que nunca terá um fim, pois a linguagem 164 SCHULZ, 80. 165 “Alle Kunstwerke, und Kunst insgesamt, sind Rätsel; das hat von altersher die Theorie der Kunst irritiert. Daß Kunstwerke etwas sagen und mit dem gleichen Atemzug es verbergen, nennt den Rätselcharakter unterm Aspekt der Sprache.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4019 (vgl. GS 7, S. 182)] 166 “Einerseits gilt: Ästhetik ist philosophische Theorie und insofern der Kunst Fremd. Andererseits besteht die Notwendigkeit einer philosophischen Reflexion. Kunstwerke sind obkektive Gebilde und haben den Anspruch des Objektiven an sich, an dessen Enträtselung das Rätsel seinen Wahrheitsgehalt enthüllt.” SCHULZ, 86.

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significativa sofre, diante desse objeto, um processo de subversão que remonta a algo de muito arcaico e irresolvido, algo que a racionalidade objetiva não consegue dobrar: a verdadeira linguagem da arte é muda. Esse fundamento mudo da linguagem da arte fala ao homem de uma forma irreconciliada; sua mensagem não pode satisfazer aos que buscam a identidade de idéia e objeto – recuperar esse imemorial e verdadeiro momento é a função da arte. A interpretação do objeto de arte, portanto, tem que ser realizada sempre se tendo em vista o contexto da sociedade, mas não como Marx o fez, tentando explicar a produção artística apenas de forma econômica, e sim como Benjamin, realizando uma interpretação empírico-especulativa que vê a arte ameaçada pelo arruinamento [Verfall] e tematiza as possibilidades que então se oferecem. A exegese da arte tem de proceder não apenas de forma crítica-sociológica, mas também histórico-filosófica. Segundo Adorno, uma visão artística adequada à nossa época só pode ser transmitida por uma estética não mais ligada à tradição, isto é, a arte quer representar o específico e não-idêntico, e só pode realizar isso por meio da ambigüidade. O pensamento que procura subjugar a obra de arte sob um conceito, forçando-a a igualar-se a esse conceito, é aquele que se aferra ao real, ao dogma, à totalidade, ao visível. A arte não-idêntica afasta-se dessa realidade, ela busca a abstração. A recepção junto ao ouvinte será, via de regra, a de não cumprimento das expectativas. Esse é um procedimento que até podemos encontrar na música tradicional, porém ali esclerosada enquanto expediente de efeito, como é o caso da cadência quebrada (V7 => VI)167 a 167 Na harmonia tradicional, a cadência à tônica (V7 => I) é o gesto de, resolvendo a tensão do acorde construído sobre o 5o. grau, retornar ao acorde Fundamental, construído sobre o 1o. grau, correspondendo ao movimento de arsis e thesis. A cadência quebrada, ou cadência de surpresa, ou ainda de engano [Trugschluss], prolonga a sensação de afastamento da tônica através da resolução não sobre a Tônica ( I ), mas, por exemplo, sobre o 6o grau, a Superdominante (V7 => VI).

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partir do barroco. A música autônoma, como Adorno a preconiza, traz em sua recepção momentos de ambigüidade e de paradoxo. Paradoxo por recusar-se ao movimento esperado de resolução, por furtar-se à identificação, e ambigüidade por não oferecer solução acabada, por deixar ou em aberto ou por oferecer uma abertura para diversos sentidos de interpretação. Brandindo a obra de arte, o homem-Édipo pode dar a única resposta possível ao enigma da esfinge proposto pelo mundo.168 As obras de arte erguem-se sobre os enigmas propostos pelo mundo para devorar os homens. O mundo é a esfinge; o artista, seu Édipo tornado cego; e as obras de arte são da mesma natureza que a sábia resposta que atira a esfinge no abismo. Assim, toda arte está contra a mitologia. Em seu ‘material’ natural está sempre contida a ‘resposta’, a única resposta possível e correta, mas nunca separada da própria obra.169

Como observa em seu estudo sobre a ambigüidade, os múltiplos aspectos e valores resultantes da obra de arte moderna são caracterizados por um constante movimento de esquiva, que nunca cessa, oscilando de um extremo a outro, visitando os significados mais diversos, por excludentes que sejam. Nunca confirma um significado definitivo, pois encontrar um sentido “verdadeiro” equivaleria a paralisar o movimento que anima sua condição autônoma. O enigma perdura para a eternidade, pois Édipo se recusa a responder com meros “sim” ou “não”. 168 GdP, 57. 169 “Die Kunstwerke versuchen sich an den Rätseln, welche die Welt aufgibt, um die Menschen zu verschlingen. Die Welt ist die Sphinx, der Künstler ihr verblendeter Ödipus und die Kunstwerke von der Art seiner weisen Antwort, welche die Sphinx in den Abgrund stürtzt. So steht alle Kunst gegen die Mythologie. In ihrem naturhaften ‘Material’ ist die ‘Antwort’, die eine mögliche und richtige Antwort, allemal schon enthalten, aber ungeschieden.” PhnM, 125-126.

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As emoções mais brutas, como terror, alegria, tristeza, etc., com as quais a arte se contenta durante o período anterior, exercem, agora, pouca atração sobre o artista. Ele deseja empenhar-se em despertar emoções sem nome até então, de natureza mais refinada. Ele mesmo vive uma existência relativamente distinta e complexa e o trabalho que produz deve, necessariamente, acordar emoções mais apuradas nos espectadores suscetíveis a elas, emoções que não somos capazes de expressar com as palavras. 170

O conceito de arte autônoma fica, assim, ligado à idéia do indeterminado. O caminho rumo à indeterminação é tomado pela arte no exato momento da criação, ao receber seu caráter de aparência [Schein], dissociando-se da realidade que a modelou.

2.3 Idéia x ideologia A tensão entre arte política e arte autônoma examinada no tópico anterior permitiu-nos constatar pontos de convergência entre as teorias da estética e da sociedade. Em Adorno, particularmente, o pensamento estético é uma extensão de sua teoria do conhecimento: para ele, arte é conhecimento.171 Passaremos agora a examinar a con170 KANDINSKI apud

, 179.

171 Veja-se a Introdução da Filosofia da Nova Música de Adorno, que abre com a citação de Hegel: “Pois na arte temos que ver, não através de um simples jogo agradável ou útil [...] mas através de um desdobramento da verdade.172” “Denn in der Kunst haben wir es mit keinem bloß angenehmen oder nützlichen Spielwerk, sondern… mit einer Entfaltung der Wahrheit zu thun.” HEGEL, Ästhetik III, apud ADORNO, PhnM, 13.

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trovérsia Adorno-Lukács, abordando de outro ângulo a questão da arte realista e sua condição de produzir conhecimento. A posição de Adorno, já a conhecemos : Se o romance quiser permanecer fiel ao seu legado realista, e dizer como as coisas realmente são, então tem de renunciar a um realismo que, reproduzindo apenas as fachadas, só ajuda a iludir ainda mais.172

O encontro que teve em Viena com Lukács em 1925, onde não conseguiram conciliar suas idéias,173 seria paradigmático para o restante da vida de Adorno, que sempre teve que se haver com críticas acerca de sua recusa de uma intervenção militante na sociedade. Ele permaneceria fiel à máxima kantiana de total inutilidade da arte: Mas a função da arte no mundo totalmente funcional é sua não funcionalidade; seria pura superstição ima172 “Will der Roman seinen realistischen Erbe treu bleiben, und sagen, wie es wirklich ist, so muß er auf einen Realismus verzichten, der, indem er die Fassade reproduziert, nur dieser bei ihrem Täuschungsgeschäft hilft.” [Band 11: Noten zur Literatur: Standort des Erzählers im zeitgenössischen Roman. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8867] 173 A este respeito, escreve Adorno ao seu professor de composição, Alban Berg (21/junho/1925): “Em Viena deu-se logo uma discussão com Lucáks [...] o pensador marxista que, como o senhor sabe, eu muito admiro; pessoalmente ele me impressionou muito, mas objetivamente não foi possível nos entendermos, o que me doeu muito, principalmente por se tratar de Lukács, que, intelectualmente, me influenciou mais do que praticamente qualquer outro.” [“In Wien dann kam es sogleich zu einer Diskussion mit Lukács [...], dem marxistischen Denker, den ich, wie Sie wissen, sehr verehre; menschlich hat er sehr stark auf mich gewirkt, aber sachlich war eine Verständigung unmöglich, uns das mußte mir bei Lukács besonders schmerzlich sein, der geistig mich tiefer fast als jeder andere beeinflußt hat.”] ADORNO-BERG: Briefwechsel, 17.

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ginar que ela pudesse agir diretamente [no mundo] ou provocar uma tal ação.174

Só através da não funcionalidade é que Adorno compreende a obra de arte. Apenas assim pode-se assegurar a autonomia da criação artística. Enquanto produto da sociedade, a arte permanece fato social, mas sua relação para com a sociedade será sempre a de desafio, de contradição. Essa a posição de Adorno – arte como reserva de resistência à sociedade – contra a teoria do espelhamento, ou do reflexo, propugnada por Lukács, segundo a qual a arte deve refletir a realidade do mundo.175 A arte moderna ou de vanguarda, segundo Lukács, é decadente, juntamente com todos seus seguidores,176 e ele não a considera adequada para mobilizar politicamente as massas de espectadores. Nisso, alinha-se ao que Brecht escreveu sobre o emprego da música no teatro: Hoje, não se pára de escrever música “avançada” para as salas de concerto. Um único olhar aos espectadores dos concertos nos revela quão impossível é o emprego de uma música que provoca tal efeito para objetivos políticos e filosóficos.177

174 “Aber die Funktion der Kunst in der gänzlich funktionalen Welt ist die Funktionslosigkeit; purer Aberglaube, sie vermöchte direkt einzugreifen oder zum Eingriff zu veranlassen.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Paralipomena. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4509] 175 A este respeito, ver o capítulo Vers une musique formelle, em ALBERTI DA ROSA: Música e mitologia do cinema. 176 Ver SCHMIDT-BETSCH, 12. 177 “Immer noch wird heute die ‘fortschrittliche’ Musik für den Konzertsaal geschrieben. Ein einziger Blick auf die Zuhörer der Konzerte zeigt, wie unmöglich es ist, eine Musik, die solche Wirkungen hervorbringt, für politische und philosophische Zwecke zu verwenden.” BRECHT, 249.

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Já Adorno não imagina como uma obra de arte engajada possa resistir à dominação, servindo-se dos mesmos expedientes do dominador. Como observa na Teoria estética, “mesmo aquelas obras de arte que se posicionam de forma polêmica contra o status quo, operam de acordo com os princípios aos quais elas se opõem”.178 Para resistir ao status quo e à repressão que ele opera na sociedade, a solução seria empregar a racionalidade de forma mimética: assimilando num grau extremo a racionalidade instrumental, a obra de arte consegue resistir-lhe e mesmo superá-la, dando-se a possibilidade de reconciliação das razões formal e estética. “A racionalidade do dodecafonismo não é aquela ruim e vazia do utilitarismo [des praktischen Systems]”:179 trata-se da boa racionalidade, porque ela é mediada com fantasia.180 Nenhuma obra de arte pode se desenvolver em uma sociedade baseada na força sem valer-se de sua própria força; assim, contudo, entra em conflito com sua verdade, com o governo de uma sociedade futura, que não conhece e não mais necessita do poder.181

178 “Noch das sublimste Kunstwerk bezieht bestimmte Stellung zur empirischen Realität, indem es aus deren Bann heraustritt, nicht ein für allemal, sondern stets wieder konkret, bewußtlos polemisch gegen dessen Stand zur geschichtlichen Stunde.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3740] 179 SCHEIBLE, 54. 180 GdP, 75. 181 “Kein Kunstwerk kann in einer auf Macht gegründeten Gesellschaft gedeihen, ohne auf die eigene Macht zu pochen, aber damit gerät es in Konflikt mit seiner Wahrheit, mit der Statthalterschaft für eine kommende Gesellschaft, die Macht nicht mehr kennt und ihrer nicht mehr bedarf.” [Band 12: Philosophie der neuen Musik: Strawinsky und die Restauration. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 10288]

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A crítica de Lukács à decadência da arte de vanguarda é revidada por Adorno, que a equipara ao banimento imposto pelos nacional-socialistas ao expressionismo na República de Weimar, desqualificado como arte degenerada [entartete Kunst]. O aflorar do inconsciente nas criações expressionistas configuravam-se, para o pensador húngaro, como um desvirtuamento do caminho natural da arte, que deveria manter vínculo com a face visível da vida em sua superfície, rejeitando a expressão de pulsões ocultas e reprimidas como as identificadas por Freud. Devemos considerar, antes de mais nada, que cada catarse estética é um reflexo concentrado e conscientemente produzido de comoções cujo original pode-se encontrar sempre na própria vida [...]. Por isso, é necessário registrar que a crise catártica desencadeada pela arte no receptor reflete os traços mais essenciais dessas constelações vitais.182

Ainda assim, queremos insistir que, em sua aversão ao ideologismo e ao partidarismo, Adorno não quis perceber que a “decadência” atacada por Lúkács nada tem a ver com a “degeneração” dos nazistas, referindo-se, isto sim, à produção vanguardista distanciada do humano, criticando a produção super-tecnicizada.183 Permanece, contudo, perigoso autorizar comissões oficiais de estética a avaliar o processo da criação artística, e nisso a crítica de Adorno é tanto ao III Reich como à União Soviética stalinista: Toda a literatura moderna, desde que não se enquadre em uma fórmula, seja do realismo como do socialismo, é condenada e sujeita sem delongas ao odioso 182 LUKÁCS, 509. 183 Cf. SCHMIDT-BETSCH, 12.

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rótulo de decadente, uma afronta que tem encoberto todos os horrores da perseguição e morte, e isso não apenas na Rússia.184

A tese de Lukács é que a linguagem da obra de arte – mediada pelo reflexo artístico da realidade – é a linguagem da realidade, não podendo ser reduzida à opinião subjetiva do criador,185 já que – e aqui em concordância com Adorno – é fortemente determinada por sua historicidade. Qualquer que seja a posição que se adote frente ao problema de se a música é uma espécie de reflexo geral da realidade [...], ninguém negará o papel da composição musical enquanto orientadora da evocação, bastando que quem o examine possua uma vaga idéia do papel histórico da música.186

Já para Adorno, “a arte converge com a realidade apenas na cristalização da própria lei da forma, e não na aceitação passiva dos objetos”.187 Aparentemente, a intenção de Lukács era superar a tradição idealista através de uma teoria do conhecimento de orientação

184 “Die gesamte moderne Literatur, soweit auf sie nicht die Formel eines sei’s kritischen, sei’s sozialistischen Realismus paßt, ist verworfen, und es wird ihr ohne Zögern das Odium der Dekadenz angehängt, ein Schimpfwort, das nicht nur in Rußland alle Scheußlichkeiten von Verfolgung und Ausmerzung deckt.” [Band 11: Noten zur Literatur: Erpreßte Versöhnung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9213] 185 Cf. SCHMIDT-BETSCH, 4. 186 LUKÁCS, 424. 187 “Nur in der Kristallisation des eigenen Formgesetzes, nicht in der passiven Hinnahme der Objekte konvergiert Kunst mit dem Wirklichen.” [Band 11: Noten zur Literatur: Erpreßte Versöhnung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 9223]

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dialética e marxista fortemente carregada de ideologia. A concepção marxista de história marca o pensamento estético do húngaro:188 em Lukács, a consciência histórica da humanidade encontra-se permanentemente avançando, sendo a arte parte integrante desse avanço. O progresso da arte, para Lukács, consequentemente, é não apenas o avançar no tempo, mas o expandir da consciência de classe do indivíduo – daí a arte que visa ao progresso tem de visar, igualmente, à conscientização do homem.189 Em um grande artista moralista, como Brecht, a preservação do núcleo da catarse é tão visível como a profunda desconfiança frente ao efeito meramente emocional da arte. O efeito de distanciamento [...] propõe-se a destruir a catarse vivencial, meramente imediata, para dar lugar a outra que, mediante a comoção racional do homem inteiro do quotidiano, imponha-lhe uma real conversão.190 188 Entretanto, em seu clássico História e consciência de classe, como aponta Konder, Lukács ainda rejeitava a teoria do reflexo como instrumento de conhecimento, daí ela ainda não integrar, naquela fase, seu pensamento estético. Foi em obras subseqüentes que Lukács reformulou sua teoria, e passou a admitir que a consciência – e, com ela, também a consciência artística – reflete a realidade. Cf. KONDER: Os marxistas e a arte, 151. 189 “O progresso não se resume em incorporar novos procedimentos técnicos, e sim em fazê-lo para novos objetivos sociais”. EISLER, 42. Parceiro de Adorno no Komposition für den Film, Hanns Eisler acredita que critérios como “moderno” ou “ultrapassado” não serão capazes de dar conta da potencialidade que a música tem para agir no meio da sociedade. Ser meramente moderna e não contribuir no engajamento das massas seria insuficiente. Moderna é a arte que aponta para o futuro de indivíduos conscientizados e trabalha com a finalidade de construir uma nova sociedade (comunista). MmC, 44. 190 LUKÁCS, 514-5. A teoria brechtiana da dramaturgia rompeu com o tradicional objetivo da encenação teatral, que, desde a Antigüidade, sempre havia sido a comoção do espectador junto ao drama dos protagonistas. Os Escritos sobre teatro de Brecht levam justamente o sub-título - por uma dramaturgia não aristotélica.

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A forma otimista como Lukács entende a existência de um progresso histórico não é compartilhada por Adorno, para quem as muitas recaídas e regressões à barbárie não asseguram poder-se afirmar sua existência, a não ser condicionada por ciclos inesperados que eclodem fortuitamente. O progresso que Adorno vislumbra é o do material, na obra de arte, e, ainda assim, só de parâmetros isolados do material, à custa do atraso de outros.191 Uma visão tecnicista de progresso como a dos marxistas ortodoxos traz em seu bojo, para Adorno e seus colegas da Escola de Frankfurt, a temida dominação completa da Natureza, já que só depois dessa posse total do saber sobre o mundo empírico todos os indivíduos poderiam se unir em uma única sociedade sem classes. Mais difícil ainda: como o frankfurtiano adverte, “quem busca precisar o conceito corre o risco de destruir o seu alvo”.192 Dessa forma, sinaliza que a tarefa de apreO ideal do teatro de Brecht é fazer com que as pessoas, a partir do reconhecimento de que a situação política, social, econômica e cultural em que se encontram não foi determinada por Deus ou pela natureza, aprestem-se para a ação. Brecht distancia-se, assim, não só de Aristóteles mas também de Lessing e sua expectativa de educar para a virtude. “Uma dramaturgia não-aristotélica nunca deveria apresentar suas ações enquanto destino implacável, a que os homens estão entregues, indefesos, ainda que reajam de forma nobre e valente. Ela [a dramaturgia nãoaristotélica] deve examinar de perto este destino e revelar nele a intriga de outros homens.” [“Nichtaristotelische Dramatik würde die Ereignisse, die sie vorführt, keineswegs zu einem unentrinnbaren Schicksal zusammenfassen und diesem dem Menschen hilflos, wenn auch schön und bedeutsam reagierend, ausliefern, sie würde im Gegenteil gerade dieses ‘Schicksal’ unter die Lupe nehmen und es als menschliche Machenschaften enthüllen.”] BRECHT, 243-4. 191 Por exemplo, depois de Bach, a Escola de Mannheim aceita o retrocesso de abrir mão da polifonia. Carl Philipp e os outros filhos de Johann Sebastian Bach já compõe em estilo Rococó. O classissismo, assim, nasce da repressão ao contraponto, desenvolvendo-se – progredindo – apenas a melodia acompanhada, o que viabilizará, em algumas décadas, o aparecimento de Haydn e Mozart. 192 “Wer den Begriff präzisieren will, zerstört leicht, worauf er zielt.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Fortschritt. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8420 (vgl. GS 10.2, S. 617)]

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ender o progresso pode ser vã – mais do que isso: pode ser a única que não se deve tentar, já que a própria natureza do conceito é tão fugidia que se subtrai a um saber. A angustiante pergunta que não pára de ressoar – isto é, se há progresso – acaba se transformando em armadilha que, uma vez respondida, só se presta à conservação do ruim. Para Adorno, a aflição individual diante da falta da palavra salvadora – progresso – resume a interdição de defini-lo de forma generalizada. Pensar o progresso deve estar comprometido com manter-se à distância dele - sua possibilidade é a de “afastar a catástrofe”.193 Adorno argumenta que, “se identifica progresso com redenção, entendida essa, pura e simplesmente, como intervenção transcendental, então ele perde, junto com a dimensão temporal, qualquer significado perceptível e se volatiliza em teologia a-histórica”.194 Schmidt-Betsch acredita que o projeto de Lukács era ancorar filosoficamente a ânsia de onipotência dos comandos socialistas195 193 “Augustin hat erkannt, daß Erlösung und Geschichte nicht ohne einander sind und nicht ineinander, sondern in einer Spannung, deren gessaute Energie schließlich nicht weniger will als die Aufhebung der geschichtlichen Welt selber. Um kein Geringeres jedoch ist im Zeitalter der Katastrophe der Gedanke an Fortschritt überhaupt noch zu denken.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Fortschritt. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8428 (vgl. GS 10.2, S. 622)] 194 “Wird Fortschritt gleichgesetzt der Erlösung als dem transzendenten Eingriff schlechthin, so büßt er, mit der Zeitdimension, jede faßliche Bedeutung ein und verflüchtigt sich in geschichtslose Theologie.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Fortschritt. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8427 (vgl. GS 10.2, S. 621)] 195 Lukács alude em sua Estética ao conflito entre “uma sensibilidade artística viva” e “as tarefas vitais do homem inteiro que vive na realidade”: com isso, estava se referindo à tarefa de construir a sociedade socialista sem classes. E cita Gorki, que descreve um conflito deste tipo em suas memórias de Lenin: “Lenin estava ouvindo algumas sonatas de Beethoven, e disse: ‘Não conheço nada mais belo que a Apassionata, poderia escutá-la todos os dias. É uma música maravilhosa, além do humano. Sempre penso, com um orgulho talvez ingênuo e pueril, que os homens são

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para fazer justamente o que Adorno queria evitar, isto é, resgatar a arte de sua mediação objetiva e infiltrar, a partir de fora, sua objetividade.196 Lukács, sugere John Baldacchino, teria incorrido em um engano que arrastou consigo muitos pensadores marxistas, mesmo alguns dos mais rigorosos: o fato de Karl Marx não ter legado nenhuma estética197 deu margem a que surgissem vários escritos teóricos apócrifos, que impuseram uma concepção de estética que Marx “teria querido escrever (!)”.198 Ademais da tragédia cultural nos países socialistas, essas estéticas “pretensamente corretas” falharam em ocultar uma atitude de certa maneira sectária, que mesmo um pensador rigoroso como Lukács não conseguiu evitar. Típico delas é o descarte da Modernidacapazes de realizar tais milagres.’ Logo, estreitou os olhos, sorriu e terminou amargo: ‘Mas não posso escutar música com muita freqüência. Mexe com os nervos, a gente tem vontade de falar bobagens e acariciar a cabeça de homens que vivem neste imundo inferno, e, apesar disso, conseguiram criar tanta beleza. E hoje não é permitido acariciar a cabeça de ninguém, porque podem arrancar-te a mão. Deve-se é golpear essas cabeças, bater nelas sem compaixão, ainda que em nosso ideal sejamos contra toda violência entre os homens. Hm, hm, temos um trabalho de uma dificuldade demoníaca.’” LUKÁCS, 497-8. 196 “O primado do objeto não deve ser confundido com tentativas de fazer a arte emergir de sua mediação subjetiva e de infiltrar sua objetividade a partir de fora. Arte é a prova da proibição da negação positiva: prova de que a negação do negativo não é o positivo, não é a conciliação com um objeto ele mesmo irreconciliado.” [“Der Vorrang des Objekts ist nicht zu verwirren mit Versuchen, Kunst aus ihrer subjektiven Vermittlung herauszubrechen und ihr Objektivität von außen her zu infiltrieren. Kunst ist die Probe auf das Verbot positiver Negation: daß die Negation des Negativen nicht das Positive, nicht die Versöhnung mit einem selber unversöhnten Objekt sei.”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Paralipomena. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4514] A este respeito, ver SCHMIDT-BETSCH, 4. 197 Ver MmC, 32-6. 198 BALDACCHINO, 11.

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de, seguido de uma rígida e restrita teoria do realismo que era tanto culturalmente míope como filosoficamente enganadora.199

O realismo socialista, perseguindo objetivos bem funcionais e inseparavelmente ligado à ideologia, não faria mais que falsificar a realidade – o verdadeiro realista seria o que nega o reflexo do mundo no palco. Na Teoria estética, lemos: Primado do objeto e realismo estético opõem-se hoje quase que contraditoriamente, e isto segundo um critério realista: Beckett é mais realista que os realistas socialistas, os quais, com seu princípio, falsificam a realidade. Se estes a [à realidade] tomassem suficientemente a sério, se aproximariam do que Lukács condena, ele que, durante sua prisão na Romênia, teria dito que agora sabia que Kafka era um escritor realista.200

Os dois autores são irredutíveis: de sua parte, Adorno lê Lukács de forma algo estreita. Em Arte e verdade objetiva [Kunst und objektive Wahrheit], Lukács não fala de uma mera duplicação da realidade físi-

199 “Apart from the cultural tragedy in socialist countries, these would-be ‘correct’ aesthetic theories failed to conceal a samewhat sectarian attitude wich even a rigorous thinker like Lukács could not enterely avoid. Typical is the dismissal of Modernism, followed by a rigid and restricted theory of realism that was both culturally myopic and philosophically misleading.” Ibidem, 11. 200 “Vorrang des Objekts und ästhetischer Realismus sind heute fast kontradiktorisch einander entgegengesetzt, und zwar nach realistischem Maß: Beckett ist realistischer als die sozialistischen Realisten, welche durch ihr Prinzip die Wirklichkeit verfälschen. Nähmen sie diese streng genug, so näherten sie sich dem, was Lukács verdammt, der während der Tage seiner Haft in Rumänien geäußert haben soll, nun wisse er, daß Kafka ein realistischer Schriftsteller sei.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Paralipomena. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4513]

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ca por meio da arte.201 Mais de uma vez, o pensador húngaro ataca o que chama de materialismo mecânico [mechanischer Materialismus];202 sua busca era por um equilíbrio entre natureza e sociedade, pela relação de indivíduo e sociedade.203 O reflexo artístico da realidade deve também ser julgado a partir deste ponto de vista [dialético]. Pois, se a dialética em geral – e, pelo que importa a nossas presentes considerações, a dialética da essência e da aparência - é um fato elementar e básico da vida, é claro que não se pode nem pensar em um reflexo mecânico, ‘fotográfico’ da realidade enquanto fundamento da vida quotidiana e do trabalho.204

Quando diz que a arte de vanguarda é decadente, ele se refere ao distanciamento, à elevada organização técnica que a separa do mundo, em vez de nele permanecer para forçar mudanças na sociedade. Lukács, aparentemente, surpreende-se com a face não humana da arte moderna e por isso quer recuar ou permanecer em uma estética figurativa, estética essa que, para os marxistas críticos frankfurtianos, abriga o perigo da manipulação ideológica. Para Lúkacs, catarse (a kátharsis de Aristóteles) e mímese permanecem pilares insubstituíveis da experiência estética, e, para realizá-las, a obra de arte não pode 201 Seu objetivo era aplicar à estética a concepção de Lênin de que a representação artística realista não coincide com o real, sendo meramente sua imagem. Para Lukács, a arte deve refletir não a superfície do real, mas sua essência. (Cf. KONDER: Os marxistas e a arte, 152). Ver também MmC, 32-5. 202 LUKÁCS (Kunst und objektive Wahrheit) apud SCHMIDT-BETSCH, 4. 203 A arte, para Lukács, tem que defender a integridade do humano, tem que se constituir em uma barreira contra o que subtraia ao homem sua qualidade de assim o ser – daí ele não aceitar a arte expressionista, que, a seu ver, mostra o homem envilecido, decadente, falsificado. 204 LUKÁCS, 20.

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acolher nem a ambigüidade nem o caos nem a contradição. Essas manifestam-se no mundo apenas por ele estar coberto por uma película de desumanidade, e a tarefa de limpar – purificar – as nódoas cabe à arte, a uma arte marxista fortemente otimista. Não é necessário ser um especialista em teoria musical para reconhecer-se o fato, manifestamente dado na história, de que a música não se libertou nunca (ou, para dizê-lo de forma mais prudente, nunca se libertou de todo) de seu vínculo inicial de conteúdo e mímese, e nem o quis libertar-se. É um fato geral, um fato histórico-social da evolução da arte, que, nos últimos séculos, abrandou-se significativamente a antiga rigidez que dominava a música.205

A desumanização que Lukács observou no severo contraponto dodecafônico da música nova, e que gostaria de corrigir, guarda parentesco com o que Max Weber chamou de desencantamento do mundo206 – o conceito weberiano de racionalização adotado por Adorno, que divide com o pensador húngaro o luto por um mundo cada vez mais iluminado pela fria luz da alvorada da ciência.207 Com a diferença que Adorno não anela um retorno nostálgico a um mundo sem técnica,208 da 205 Ibidem, 425. 206 Ver GdP, 73-5. 207 “Mas a Terra totalmente esclarecida resplandece como sinal de uma calamidade triunfal.” [“Aber die vollends aufgeklärte Erde strahlt im Zeichen triumphalen Unheils.”] [Band 3: Dialektik der Aufklärung: Begriff der Aufklärung.”] Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1105 (vgl. GS 3, S. 19)] 208 Para o conceito de racionalização em Max Weber e sua aplicação na estética musical, ver MONCERI, Flavia: Musica e razionalizzazione in Max Weber. “A análise empírica da forma específica que o conceito de racionalização assume na esfera estética [de Max Weber] é possível quando se utiliza o conceito de ‘progresso’. Em seu texto sobre Werfreiheit [isenção de valores, neutralidade axiológica], de 1917, Weber dedica algumas páginas esclarecedoras à possibilidade de aplicar-se tal

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mesma forma como nunca tinha acalentado a ilusão de a arte ainda representar traço de humanismo, já que o próprio humanismo e o esclarecimento foram expostos em toda sua contradição, desde a publicação da Dialética do esclarecimento. Sua estética é decididamente antihumanista. Para ele, “a desumanidade da arte tem que superar a do mundo, por amor ao homem”.209 Falar em magia da arte é palavrório, porque a arte é alérgica a uma recaída na magia. Ela se constitui em um momento do que Max Weber chamou de desencantamento do mundo, entretecido com a racionalização; daí provêm todos seus recursos e processos de produção; a técnica, desprezada pela sua [da arte] ideologia, é parte intrínseca dela, ao mesmo tempo em que a ameaça, pois guardou em si tenazmente seu legado mágico, apesar de todas as metamorfoses por que [a arte] passou.210

Cabe-nos agora tratar da kátharsis em Lukács, um conceito que admite proximidade com o de Adorno. Ambos os autores, é cerconceito à história e à sociologia da arte.” [“L’analisi empirica della specifica forma che il concetto di razionalizzazione assume nella sfera estetica risulta possibile quando si utilizzi il concetto di ‘progresso’ [Fortschritt]. Nel saggio sulla Wertfreiheit, del 1917, Weber dedica alcune illuminanti pagine alla possibilità di applicare tale concetto alla storia e alla sociologia dell’arte.”] MONCERI, 61. 209 “Die unmenschlichkeit der Kunst muß die der Welt überbieten um des Menschlichen willen”. PhnM, 125. 210 “Die Rede vom Zauber der Kunst ist Phrase, weil Kunst allergisch ist gegen den Rückfall in Magie. Sie bildet ein Moment in dem Prozeß der von Max Weber so genannten Entzauberung der Welt, der Rationalisierung verflochten; alle ihre Mittel und Produktionsverfahren stammen daher; die Technik, welche ihre Ideologie verketzert, inhäriert ihr ebenso wie sie sie bedroht, weil ihr magisches Erbe in all ihren Verwandlungen zäh sich erhalten hat.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3858 (vgl. GS 7, S. 86)]

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to, rejeitam a simples cópia naturalista do mundo, a emulação aristotélica feita pelo homem enquanto animal imitador. Quando Lukács fala em kátharsis, ele está se referindo a uma assimilação do sujeito em uma “totalidade sadia” [gesunde Totalität], que ele propugna ser o caminho para uma verdadeira individualidade.211 Vejamos: em contato com a arte, o indivíduo inicia um processo de purificação, que o levará à conscientização do seu papel social e político. Nesse processo, ele experimenta um divórcio das condições empíricas do mundo, elevando-se graças à sua crescente consciência social e experimentando uma totalidade sadia, isto é, sadia porque depurada de elementos reacionários que não eram parte intrínseca de sua personalidade. A transformação de todo o homem no homem inteiro provoca, assim, uma expansão e enriquecimento de conteúdo e forma, real e potencial de sua psique. Novos conteúdos derramam-se sobre ele, que amplia seu patrimônio de vivências. Enquanto ele é instruído pelo meio homogêneo da obra a compreendê-la e apropriar-se do novo que nela há, desenvolve-se, ao mesmo 211 O conceito de kátharsis, originalmente do âmbito da estética, foi ainda apropriado com significados diversos por outros pensadores políticos do século XX. O italiano Antonio Gramsci escreve que “pode-se empregar o termo catarse para indicar a passagem do momento meramente econômico (ou egoístico-passional) para o momento ético-político, ou seja, a elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens. Isto significa, também, a passagem do ‘objetivo ao subjetivo’. A estrutura, a força exterior que esmaga o homem, que o assimila a si, que o torna passivo, transforma-se em meio de liberdade, em instrumento para criar uma nova forma ético- política, em origem de novas iniciativas” (Gramsci, 1977: 1244). A catarse significa, assim, o momento em que a esfera egoístico-passional, a esfera dos interesses corporativos e particulares, eleva-se ao ético-político, ao nível da consciência universal. Constitui o momento da passagem de “classe em si” a “classe para si”, em que as classes conseguem elaborar um projeto para toda a sociedade através de uma ação coletiva, cujo objetivo é criar um novo “bloco histórico”. A idéia de catarse nada mais é do que a síntese do projeto gramsciano. Cf. SIMIONATTO, 8.

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tempo, sua capacidade de perceber novas formas, relações, etc. como tais e com elas se comprazer.212

E aqui resta-nos ainda fazer uma menção à questão da técnica em Lukács. Em Adorno, como vimos, ela é parte constitutiva de uma política de resistência; está sempre buscando superar-se em refinamento, novidade e engenho, como única forma de “desumanizar-se” mais que o homem, mais que o mundo e, a partir daí, poder devolverlhe a catástrofe sofrida com o Esclarecimento.213 Lukács, ao contrário, acredita que a obra de arte realista, mesmo quando gestada em meio à classe proletária, e mesmo que sua ação seja fortemente inibida pelos obstáculos oferecidos pela própria sociedade, pode gerar seu efeito catártico, isto é, o desenvolvimento do indivíduo purificado de sua mácula reacionária, conquistando o que ele chama de saúde do homem [Gesundheit des Menschen].214 Em suma, para Lukács, a técnica não é conditio sine qua non para o cumprimento do destino da arte realista, pois, sendo arte verdadeira – reflexo da realidade – necessariamente se elevará acima das condições sociais onde foi criada. A emoção estética pode, sem dúvida, produzir-se também com a introdução e a utilização de meios expressivos publicísticos em uma estrutura estética.215 212 “Die Verwandlung des ganzen Menschen in den Menschen ganz bewirkt also hier eine sowohl inhaltliche wie formale, sowohl tatsächliche wie potentielle Erweiterung und Bereicherung seiner Psyche. Neue Inhalte strömen auf ihn ein, die seinen Schatz an Erlebnissen vergrößert. Indem er durch das homogene Medium des Werks angeleitet wird, sie aufzunehmen, das inhaltlich Neue an ihnen sich anzueignen, entwickelt sich damit simultan seine Wahrnehmungsfähigkeit, neue Gegenstandsformen, Beziehungen etc. Als solche zu erkennen und zu genießen.” LUKÁCS apud SCHMIDT-BETSCH, 63. 213 Ver nota 207. 214 Ver SCHMIDT-BETSCH, 64. 215 LUKÁCS, 525.

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Resumindo: a kátharsis, assim como Lúkács a concebe, é um princípio estético fundamental e imprescindível no caminho para uma consciência que não apenas reconhece as potencialidades emocionais e racionais do indivíduo, mas também as aceita como intrinsecamente humanas.216 Nisso, ele incorporou o otimismo expresso por Lessing em sua Dramaturgia de Hamburgo [Hamburgische Dramaturgie], que “formula sua finalidade social fundamental como ‘transformação das paixões em disposições virtuosas’”. Acreditamos que o conceito de catarse é muito mais amplo [que o de Aristóteles]. Como em todas as categorias importantes da estética, também na catarse comprova-se que sua origem primeira está na vida, não na arte, onde ela chegou a partir daquela. Como a catarse foi e é um momento constante e significativo da vida social, seu reflexo tem que ser, forçosamente, um motivo sempre recolhido pela conformação estética e, ademais, um elemento já presente entre as forças formadoras da reconfiguração estética da realidade.217

Para encerrar, resumamos também nossas considerações acerca da autonomia defendida por Adorno para o objeto de arte, em que, para responder à tese socialista-realista que atrela fenômeno e doutrina, propugna uma estética da negatividade. Adorno e Lukács, em suas irreconciliáveis posições, trilham caminhos que, às vezes, parecem muito próximos; ambos sustentam que uma cópia naturalista do mundo empírico 218 orientada por um ideal cientificista e 216 Ver SCHMIDT-BETSCH, 64. 217 LUKÁCS, 500-1. 218 Lukács diferencia o realismo que defende – em especial o da literatura do século XIX – do naturalismo explicando que “a arte consiste sempre em reter o significativo e o essencial, e em eliminar o acessório e o inessencial”. LUKÁCS: La signification présente du réalisme critique, apud KONDER: Os marxistas e a arte, 153.

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positivista não permite que a obra de arte desenvolva seu potencial mediador de conhecimento.219 É necessário termos claro, contudo, que mesmo a arte autônoma adorniana não é absolutamente vazia de função; ela se ab-roga ser reação contra algo, ser autônoma em relação a algo, que é o mundo e a sociedade. Ela permanece, então, negativamente dependente das funções sociais. Outro ponto que devemos ter claro é que Adorno muito facilmente identifica arte realista com arte a serviço do princípio do reflexo, o que nem sempre ocorre. Schmidt-Betsch considera exagerada essa posição de Adorno, comparando-a com a de Platão, que expulsa da cidade os poetas, por estes apenas imitarem a realidade das coisas, em detrimento do pensar filosófico, que asseguraria o verdadeiro conhecimento das coisas. Adorno, de sua parte, bane a arte realista do repertório, pois enxerga nessa mera cópia da natureza.220 Tudo isso porque, segundo concordam vários autores,221 a estética de Adorno possui um fundamento idealista e abstrato, a partir do qual se sustenta sua proposta de autonomia radical. O caráter idealista de sua estética é construído a partir de uma análise crítica do ofuscamento a que o indivíduo é submetido no mundo, o contexto de ofuscamento universal [universaler Verblendungszusammenhang]. Porém, se considerarmos que o ofuscamento atinge a tudo e a todos os indivíduos, estará também dando razão a uma ideologia em detrimento de uma idéia, quer seja, generalizando – tomando como absoluto – o ofuscamento, em vez de considerar a possibilidade de abrir-se para uma interdisciplinaridade das artes e dos materiais, a qual possa superar a tensão entre arte 219 Cf. SCHMIDT-BETSCH, 4-5. 220 Ibidem, 6. 221 De nossa bibliografia, especialmente queremos destacar, referentes a este ponto, Peter Bürger, Christine Eichel, Burkhard Lindner, Martin Zenck e Petra Cornelia Schmidt-Betsch.

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autônoma e arte engajada. Como veremos no Capítulo 4, esse é um tema urgente diante das questões que nos propõe a Pós-modernidade: veremos se ainda é possível à arte responder com enigmas aos enigmas do mundo.

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3 O Pós-moderno – desconstruindo rumo à nova totalidade?

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A postura crítica de Adorno referente à racionalidade propiciou que sua Teoria estética tenha sido tomada, ainda que de forma algo modificada, como ponto de referência para os postulantes do Pós-estruturalismo. Pouco antes de morrer, Michel Foucault declarou, em uma entrevista a Gérard Roulet, que “há evidentes paralelos entre a análise da sociedade atual, disciplinarista e carcerária, e o ‘mundo administrado’ de Adorno”.222 Ao mesmo tempo, contudo – e logo veremos como essa é uma das questões mais prementes da Pós-modernidade – , o conteúdo neo-marxista da filosofia adorniana foi diminuído e expurgado, favorecendo e agudizando-se apenas os aspectos mais aleatórios do “anything goes” da estética pós-modernista. Em nossa leitura atual de Adorno, percebemos com clareza a linha que conduz - ou no mínimo indica - a recepção pelos pensadores da estética Pós-moderna. A Dialética do esclarecimento, percebe-se, antecipou eventos que apenas agora estão a cobrar seus desdobramentos. Quem, há vinte anos, lia a Dialética do esclarecimento, fazia-o em uma perspectiva determinada por Marx e pelo Lukács da primeira fase, e o Nietzsche ali oculto nem era percebido; hoje, ao contrário, temos dificuldade em diferenciar Adorno e Horkheimer de Foucault, e em determinar qual exatamente a passagem onde, apesar de toda a crítica à dominação, ainda se aferram à razão e ao sujeito.223

222 Nessa mesma série de entrevistas, Foucault lamenta que seus próprios professores, na universidade, nunca tivessem lhe falado da Escola de Frankfurt, pois isso teria lhe poupado muito tempo e trabalho. Cf. BRIEL, 4. 223 “Wer vor zwanzig Jahren die Dialektik der Aufklärung las, tat dies in einer von Marx und dem frühen Lukács bestimmten Perspective, und der heimliche Nietzscheanismus wurde gar nicht bemerkt; heute hingegen haben wir Schwierigkeiten, Horkheimer und Adorno von Foucault zu unterscheiden und die Stelle genau zu bezeichnen, an denen sie trotz alles herrschaftsentlarvender Kritik doch an der Vernunft und am Subjekt festhalten.” SCHNÄDELBACH apud BRIEL, 5.

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Um conteúdo do pensamento do frankfurtiano que, certamente, nunca encontrará um lugar na estética pós-moderna é a questão do não-idêntico, visto à luz do infinito processo pós-moderno de criação de signos. Explicando: os signos, na Pós-modernidade, funcionam como plataformas que admitem apenas a escolha binária por parte do indivíduo, na base do SIM ou NÃO. Isto é conseqüência do desenvolvimento tecnológico, que reduz toda informação à linguagem binária dos computadores para, em seguida, reapresentá-la ao mundo. Ora, este modelo elimina a possibilidade de acolhimento do terceiro excluso, duramente conquistada pela arte moderna, a possibilidade de não ter necessariamente que ser uma ou outra coisa, a possibilidade de existir no limiar, no limbo do quase-ser. As técnicas digitais de gravação e armazenamento de informação e de imagens são expressão disso: as curvas sinoidais de uma onda sonora são forçadas a enquadrar-se ao modelo binário digital. Digitalizados, os signos pedem escolha. Não uma escolha que respeite a diferença de cada coisa - a diferença, por exemplo, da não-identidade, que é o conteúdo de verdade da obra de arte - mas uma escolha rápida, “impulsiva, boa para o consumo”.224 Lyotard recusa como exagero a crítica adorniana ao alheamento [Entfremdung] da obra de arte (o filósofo francês acredita que essa se fecha ao exterior como forma de proteger-se a si mesma); acreditamos, porém, que a obra de arte crítica nunca poderá existir condicionada à economia binária de signos da estética pós-moderna. Outras possibilidades, inclusive previstas por Adorno, poderão garantir a criação artística mesmo se aceitarmos a possibilidade do fim do progresso histórico do material, mas nunca forçada a escolhas que dela expurguem sua carta de autonomia.

224 FERREIRA DOS SANTOS, 5.

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Já com Derrida há mais pontos de contato, como observa Habermas: Adorno e Derrida são igualmente resistentes a modelos conclusivos, totalizantes e englobantes; em especial são contra o orgânico na obra de arte. Assim, ambos concedem primazia ao alegórico diante do simbólico, à metonímia diante da metáfora, e ao romântico diante do clássico. Ambos valorizam o fragmento enquanto forma de representação, e colocam toda forma de sistema sob suspeita.225

Com a afirmação habermasiana, ainda assim, queremos concordar apenas em parte, quer seja, com Adorno e Derrida suspeitando de quaisquer sistemas – e, em especial, avessos aos totalizantes –, e valorizando, em contraposição, o fragmentário. Contudo, já no tocante à forma, queremos insistir em que a estética adorniana defende um objeto artístico de cujo próprio material deriva o tratamento - a forma a ser deduzida; nessa máxima racionalização, onde material é forma e forma é material, ela vai buscar a chave para recusar-se ao subjetivismo romântico. Enquanto Derrida, sim, rejeita o orgânico na obra de arte, a estética de Adorno permanece clássica – recordemos que seu professor de composição, Alban Berg, e seus modelos, Arnold Schönberg e Anton von Webern, são os da Segunda Escola de Viena, não por acaso assim denominada em alusão à Primeira Escola de Viena, a dos clássicos Haydn, Mozart e Beethoven.

225 “Adorno und Derrida sind in gleicher Weise sensibilisiert gegen abschlußhafte, totalisierende, sich alles einverleibende Modelle, insbesondere gegen das Organische im Kunstwerk. So betonen beide den Vorrang des Allegorischen vor dem Symbolischen, der Metonymie vor der Metapher, des Romantischen vor dem Klassischen. Beide betonen das Fragment als Form der Darstellung, stellen jedes System unter Verdacht.” HABERMAS apud BRIEL, 6.

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Nas páginas que seguem, esboçaremos, primeiramente, um quadro do fenômeno pós-moderno na arquitetura, já que aí manifestouse primeiro o espírito que depois se transferiu para outras esferas da sociedade. Logo após, examinaremos, tendo em mente a comparação feita por Habermas, traços pontuais do pensamento dos dois filósofos, já que Derrida é, entre os pós-estruturalistas, aquele que aparentemente mais herdou da estética adorniana.

3.1 No País do Espelho É difícil resistir à tentação de segregar o filão cultural e estético da Pós-modernidade, ligando-o à “atual onda de reacionarismo político que varre o mundo ocidental”.226 Desde Der philosophische Diskurs der Moderne, de Habermas, a Pós-modernidade passou a ser vista não como um fenômeno ativo, em movimento, mas como reflexo reacionário da crise internacional das esquerdas. Uma vez que nos encontramos no limiar de seu deslocamento – um deslocamento relacional, que torna sem referência a noção de realidade, de política, das artes – e não em posição de ver o pós-moderno “como uma positividade plenamente desenvolvida”,227 só podemos pensálo a partir de dentro, avaliando-o, principalmente, frente à Modernidade. Lyotard oferece uma resposta que, no caso da arquitetura, pensamos, ainda funciona, mas que, nas artes – como veremos mais adiante – fica carente de uma análise menos generalizante: ele sugere que o pós-moderno “indica simplesmente uma disposição de espírito, 226 GOTT, apud FEATHERSTONE, 1. 227 FEATHERSTONE, 3.

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ou melhor, um estado da mente”.228 Seu propósito, compreendemos, foi o de tentar desvincular o movimento de sua denominação, já que pós-moderno indica uma idéia de inserção em uma periodização histórica, ainda que a ela posterior. Jameson, consoante sua linha marxista, ainda classifica de acordo com categorias históricas, e insiste na periodização: para ele, o que estamos vivendo é o dominante cultural, ou a lógica cultural, da terceira grande etapa do capitalismo – o capitalismo tardio. Na arquitetura, manifestou-se primeiro e com mais clareza a proposta estética pós-moderna, sendo que apenas depois – e, algumas vezes, de maneira algo forçada – foi aplicada a outras esferas do social. A estratégia pós-moderna, de desacreditar como ultrapassado o projeto modernista, sentenciando seu término e obsolescência – vide Habermas -, não deixa de apresentar similitudes com, por exempo, os projetos da arquitetura fascista na Itália e Alemanha das décadas 193040. Portais, colunas, rotundas, arquitraves e outros indicativos de simetria apontam para uma hierarquização do espaço.229 A par da monumentalização das construções, assistimos à imitação de uma arquitetura do aprazível: uma aldeia de pescadores, uma granja no campo, um castelo medieval, o que corresponde quase de forma idêntica à filosofia da chamada Blut-und-Boden-Architektur, a arquitetura sangue e solo, o estilo regionalista do nacional-socialismo - as construções trilham o caminho contrário ao funcionalismo e à impessoalidade da Bauhaus. O propósito é voltar a sugerir inspirações de estilo de vida, mediar a fantasia dos moradores e usuários. A arquitetura pós-moderna quer dar a impressão de verdade, ainda que suas janelas sejam falsas, que suas escadas não conduzam a nenhum mezzanino, que suas colunas sejam dispensáveis para a sustentação dos portais.

228 LYOTARD, apud FEATHERSTONE, 3. 229 DAMUS, 298.

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A arquitetura própria da Pós-modernidade não se distingue pela homogeneidade, mas pela variedade. Tudo é possível. Os projetos dão a impressão de ser uma grande loja, ou melhor, quase um programa de televisão. As transmissões alternam-se constantemente, para cada um oferecendo algo: alegre ou sério, refinado ou grosseiro, exigente ou banal, divertido ou educativo. E tudo é não-verdadeiro, é apenas faz-de-conta.230

O faz-de-conta caracteriza a arquitetura pós-moderna como uma arte de fachadas. Nisso, contudo, ela se diferencia da arquitetura da Alemanha nacional-socialista.231 Aquela tinha de ser, ou pelo menos aparentar ser realmente monumental. Ao contrário disso, a arquitetura pós-moderna limita-se a ser apenas indicativa. Ela apenas sugere, sem pretender evocar autenticidade, algo que verdadeiramente não é. E as fachadas – intercambiáveis – possibilitam a variedade de estilos, já que, aplicadas como máscaras sobre projetos basicamente iguais, evocam a ilusão da diferença. A fachada, agora elemento autônomo, cria uma aparente diversidade, mas que não passa de uma diversidade simbólica e alegórica. A forma não obedece mais, como na cartilha da Bauhaus, à função. Nascida da “raiva do humanismo e do legado do Iluminismo”, denunciando a razão abstrata e uma profunda aversão a todo projeto que buscasse a emancipação humana universal pela mobilização das

230 “Die der Postmoderne zugerechnete Architektur zeichnet sich nicht durch Einheitlichkeit aus, sondern durch Vielfältigkeit. Alles ist möglich. Die Architekturszene vermittelt vermittelt den Eindruck eines Warenhauses, treffender: sie gerät in der Nähe des Fernsehens. Ständig wechseln die Programme, bieten für jeden etwas, Heiteres und Ernstes, Feines und Grobes, Anspruchsvolles und Jedermannsgeschmack, Ulterhaltsames und Bildendes. Und alles ist nicht wirklich, ist nur ein Als-Ob.” Ibidem, 307. 231 Ibidem, 308.

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forças da tecnologia, da ciência e da razão232 , a arquitetura pós-moderna inverteu a máxima funcionalista da Modernidade: em vez de form follows function – da função decorre a forma – agora está valendo forma follows fiasco – do fiasco decorre a forma233 – eis o credo da arquitetura de fachadas. Ernestine Bennersdorfer, em seu artigo Luta dos símbolos: sobre a gênese da estética nacional-socialista [Kampf der Symbole: zur Genese der nationalsozialistischen Ästhetik], apresenta três características dominantes na estética nacional-socialista, todas presentes no ideário da arquitetura pós-moderna: 1. Modernização: as fileiras de colunas e de bandeiras passaram a expressar a uniformidade e a organização militar aspirada pelo nacional-socialismo, eliminando a possibilidade de caos e desorganização, próprios de um passado atrasado e impuro. 2. Monumentalização: os nacional-socialistas lançaram mão de uma inclemente prática do ecletismo (na arquitetura e nos cartazes de propaganda), assimilando símbolos arcaicos (a cruz suástica) para instrumentalizá-los com fins políticos. As citações, contudo, eram, sempre apresentadas em dimensões monumentais, como expediente para conquistar credibilidade. 3. Desproletarização: foi posta em ação uma política que, ideologicamente nascida do discurso da social-democracia, foi adaptada e recontextualizada para adequar-se à linha do partido. social e do Leistungsbewusstsein, o que poderíamos traduzir como consciência dos objetivos (de ascensão): ambos foram insistentemente expostos como objetivo para uma desproletarização das massas trabalhadoras.

232 BERNSTEIN apud FERREIRA DOS SANTOS, 16. 233 Cf. FERREIRA DOS SANTOS, 35.

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Não há dúvida de que a arquitetura fascista, assim, apresentase enquanto manifestação aurática, em oposição às desencantadas propostas democráticas.234 Fica, dessa forma, exposta a ligação entre o fascismo e a concepção da l’art pour l’art:235 Ambos concedem ao estético primazia sobre as normas éticas. Como disse Mussolini, em seu discurso de 28/10/1923, em Milão: “Quem diz ‘fascismo’ diz, antes de tudo, beleza”.236

3.2 Adorno e Derrida – contra rationem, sed pro qua re? A preocupação constante em negar-se ao conceito filosófico pode caracterizar Adorno, aponta Briel,237 como precursor de Derrida e do pós-estruturalismo – some-se, à recusa do conceitual totalizante, sua crítica ao sujeito, seu estilo fragmentário de escrita, e a crítica e diálogo constantes com Hegel. Entretanto, nesses pontos de contato 234 Ver FALASCA-ZAMPONI, Simonetta: Fascist Spectacle – the Aesthetics of Power in Mussolini’s Italy. 235 “A idéia da beleza, que o princípio da l’art pour l’art estabelece, não precisa, na verdade [...] ser formalmente classicista; amputa, porém, como perturbador, todo conteúdo que, já aquém da lei formal – portanto anti-artístico -, não se curva a um cânone dogmático do belo.” [“Die Idee der Schönheit, welche das l’art pour l’art-Prinzip aufrichtet, soll zwar, [...] nicht formal-klassizistisch sein, schneidet aber doch jeden Inhalt als störend ab, der nicht schon diesseits des Formgesetzes, also gerade anti-artistisch, einem dogmatischen Kanon des Schönen sich beugt.”] [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4302 (vgl. GS 7, S. 352)] 236 Cf. FALASCA-ZAMPONI, 16. 237 BRIEL, 7.

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entre a filosofia adorniana e o pós-estruturalismo, e em especial o de Jacques Derrida, é que se escondem, veremos, algumas diferenças muito relevantes. Como o título deste sub-capítulo anuncia, Adorno e Derrida são contra a racionalidade [contra rationem]. Cumpre-nos investigar, agora, a favor de quê [pro qua re] eles sejam. De saída, podemos dividir em dois campos bem distintos o cerne do que os dois pensadores acreditam ser a esfera de ação de suas filosofias: enquanto Adorno segue a linha marxista, e – constatando um desvio nas relações humanas – espera por um reequilíbrio na esfera do social, Derrida concentra sua atenção na lógica e na linguagem – essas é que teriam sido desvirtuadas de sua função primeira. Derrida, em verdade, nunca se qualificou como pós-estruturalista ou pós-moderno. O termo pós-estruturalista é mais corrente no idioma alemão, enquanto que no inglês e no francês tem mais aceitação a denominação pós-modernista. Contudo, mesmo vasculhandose as obras de Lyotard, Foucault, Baudrillard, Lacoue-Labarthe e outros, não encontramos uma denominação única para essa tendência. Como aponta Briel (BRIEL, 51-2), dependendo do texto e da passagem, ela recebe outro nome: nouveaux philosophes (Negt), Pós-estruturalismo (Raulet), Pós-modernidade (Habermas), Neo-estruturalistas (Frank), Desconstrucionistas (Culler). As características da estética da Pós-modernidade,238 tais como indeterminação, fragmentação, iconoclastia, dissolução da subjetividade, ironia, hibridismo de gêneros e estilos, interatividade e ludicismo, têm raízes na segunda grande onda de desencanto ocorrida no século 20. A primeira, iniciada na primeira década do século, foi a que gestou a Escola de Frankfurt, filha da desilusão com a racionalidade e do pessimismo quanto ao engajamento ativo para a mu238 Concordamos com Briel, que sugere que o termo Pós-modernidade represente um estado de coisas, enquanto que Pós-estruturalismo seria o movimento filosófico que procura teorizar sobre ele. Ver BRIEL, 52.

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dança do status quo. A segunda dá-se precisamente enquanto reação à proposta expressionista, que expurga da arte qualquer traço de subjetividade, através de uma organização máxima – fundada essa já na escolha do material –, e que objetiva determinar in vitro o desenvolvimento de toda a obra239 – daí a ânsia pós-modernista em recuperar a indeterminação e o hibridismo – em oposição à organização integral e à exclusividade endógena na escolha do material -, e instaurar a iconoclastia, o humor e a interatividade. A Segunda Escola de Viena e seus seguidores imediatos haviam logrado o alijamento máximo da subjetividade – a organização serial concretizou na música a descoberta de Freud: que o eu do sujeito não constituía, absolutamente, uma peça única, mas que se dividia pelo menos em três instâncias, ego, superego e id. Esse ponto de partida do desconstrucionismo240 – a teoria freudiana do ego – foi adotada e aprofundada pelo movimento expressionista, mas só com os teóricos do Pós-estruturalismo é que atingiu seu barroquismo pleno. Para Michel Foucault, o sujeito não passa de um produto do iluminismo e de seu discurso humanista. Uma vez superada essa crença histórica, o homem tenderia, em um processo natural – mas acompanhado e apoiado pela arte –, a desintegrar-se: “..assim, podemos bem apostar que o homem desaparecerá, como uma visão de areia na beira do mar”.241 Louis 239 O serialismo integral, derivado do dodecafonismo de Arnold Schönberg, preconizava uma organização total dos parâmetros do som. Enquanto Schönberg tinha procurado romper apenas com a relação funcional das alturas dos sons, determinando uma ordem rígida de aparecimento de cada uma das notas durante a composição, o serialismo integral estendeu esse rigor de tratamento à duração, intensidade, ataque, articulação, timbre, etc. 240 Derrida ressaltou várias vêzes que sua intenção não era a destruição do sujeito, e sim sua desconstrução, o que equivale a uma metamorfose com propósito de reinserção no mundo. Cf. BRIEL, 58-9. 241 “... alors qu’on peut bien pariser que l’homme s’effacerait, comme à la limite de la mer un visage de sable.” FOUCAULT, Michel: Les mots e les choses, 398, apud BRIEL, 57.

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Althusser, em seu Marxismo e humanismo, de 1963, comenta da seguinte forma a relação entre humanismo e marxismo: É possível definir o status do humanismo e, ao mesmo tempo, descartar suas pretensões teóricas, reconhecendo sua função prática enquanto ideologia. No que concerne estritamente à teoria, contudo, pode-se e deve-se falar do anti-humanismo teórico de Marx, e ver, neste anti-humanismo teórico, a pré-condição absoluta (e negativa) do conhecimento (positivo) do próprio mundo humano e de sua transformação prática. É impossível saber-se qualquer coisa sobre o homem, com exceção da absoluta pré-condição de que o mito (teórico) filosófico do homem está reduzido a cinzas.242

Também Derrida, em Les fins de l’homme, através de seu ataque à filosofia, ataca o humanismo e, com esse, ainda, a idéia monolítica de homem e de sujeito. Sua tese é que o humanismo iluminista, com objetivos orientados por uma concepção ainda metafísica de mundo e de homem, mantém o sujeito perenemente prisioneiro da idéia de finitude, já que seu propósito maior seria a subsunção em uma unidade maior e metafísica, que pode ser Deus, a Verdade, etc.243 Uma vez desativados os propósitos humanistas de apequenar e “sujeitar” o homem a uma união metafísica corretiva e 242 “... it is possible to define humanism’s status, and reject its theoretical pretensions while recognizing its practical function as an ideology. Strictly in respect to theory, therefore, one can and must speak of Marx’s theoretical antihumanism, and see in this theoretical antihumanism the absolute (negative) precondition of the (positive) knowledge of the human world itself, and of its practical transformation. It is impossible to know anything about man except on the absolute precondition that the philosophical (theoretical) myth of man is reduced to ashes.” ALTHUSSER apud CALINESCU, 128. 243 DERRIDA, Jacques: Les fins de l’homme, apud BRIEL, 57.

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definitiva, esse, então liberto, poderá voltar a pensar-se a si mesmo. Essa é a meta do desconstrucionismo de Derrida. Contudo, a reinserção do homem liberto no mundo tem de ser precedida, acredita ele, pelo banimento do sistema lógico-verbal que faz surgir a noção humanista de sujeito: “é necessário analisar, incessantemente e no contexto de seus interesses, todo o aparato conceitual que permitiu, até hoje, que se falasse de ‘sujeito’”.244 Para isso, será mister primeiro corrigir a violência praticada pela escrita sobre a comunicação oral. Para fazer frente ao logocentrismo que se alça a ser coisa-em-si, em vez de permanecer como significado, Habermas assinala que Derrida “quer ressaltar a indissolúvel implicação do inteligível com o substrato simbólico de sua expressão, e até mesmo do primado trancendental do símbolo frente à sua significação”.245 Dando seguimento à tentativa de Ferdinand de Saussure de reequilibrar a relação entre fala e escrita,246 Derrida investiga o que passou a chamar de Differance, a partícula intersticial que marca o descompasso entre fala e escrita. Aqui, queremos apontar uma dissensão entre os projetos adorniano e do pós-estruturalista Derrida. Em que pese a proximidade que sugerem os conceitos de Differance de Derrida e do não-idên-

244 “[Il s’agit] d’analyser sans fin et dans ses intérêts toute la machinerie conceptuelle qui a permis de parler de ‘sujet’ jusqu’ici.” DERRIDA: Il faut bien manger, 104, apud BRIEL, 60. 245 “...die unauflösliche Verflechtung des Intelligiblen mit dem Zeichensubstrat seines Ausdrucks, sogar den transzendentalen Primat des Zeichen gegenüber der Bedeutung zur Geltung bringen”. HABERMAS, 203. 246 Saussure, como já antes dele Rousseau, qualifica a usurpação do escrito sobre o verbal como esquecimento: foi esquecido o fato de que aprende-se antes a falar que a escrever. Apesar disso, justamente o escrito é empregado como auxiliar para recordarse o que foi dito. Para Derrida, tanto a ciência como as artes construíram sua existência - que urge ser desconstruída - sobre este ato de usurpação. Cf. FÜLLSACK, 55-9.

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tico adorniano,247 seus objetivos têm direções diversas. Derrida propõe uma reestruturação da relação entre significante e significado, em um processo que prevê a desautorização de filosofia e ciência, construídas que foram essas sobre a subjugada oralidade. O processo de denominação das coisas do mundo ter-se-ia independizado de seu propósito primordial, e a cura, pensa o filósofo francês, terá de ser feita a partir do fundamento da civilização, arrancando-se toda a linguagem, junto com ciência e a filosofia, e recolocando-as no mundo sobre novos moldes. Também Adorno, de forma análoga a Derrida, quer que o nãoidêntico, degradado pelo método científico a quantité neglieable, não seja mais mutilado ou abreviado pelo símbolo, que a episteme não destrua seu objeto para encontrá-lo. A filosofia, segundo sua categoria histórica, tem seu verdadeiro interesse lá onde Hegel, de acordo com a tradição, manifestou seu desinteresse: no aconceitual, único e específico; naquilo que, desde Platão, foi rejeitado enquanto passageiro e insignificante, sobre o qual Hegel colou o estigma de existência podre [faule Existenz]. Seu tema [da filosofia] deveriam ser as qualidades contingentes, degradadas enquanto percentual desprezível.248

247 Para o não-idêntico, ver páginas 15, 16 e 22 deste livro. 248 “Philosophie hat, nach dem geschichtlichen Stande, ihr wahres Interesse dort, wo Hegel, einig mit der Tradition, sein Desinteressement bekundete: beim Begriffslosen, Einzelnen und Besonderen; bei dem, was seit Platon als vergänglich und unerheblich abgefertigt wurde und worauf Hegel das Etikett der faulen Existenz klebte. Ihr Thema wären die von ihr als kontingent zur quantité négligeable degradierten Qualitäten.” [Band 6: Negative Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit: Einleitung. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 2838 (vgl. GS 6, S. 1920)]

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O projeto filosófico adorniano, contudo, é perseverar no Esclarecimento, em suas linhas gerais. Apesar da dialética insolúvel proposta pela racionalidade, o não-idêntico adorniano não visa suprimir o humanismo, para chegar ao lugar que lhe cabe. Adorno não aceita a dialética tal como foi proposta por Hegel, enquanto processo que culmina sempre em síntese. Sua recusa diz respeito à lógica hegeliana do terceiro excluso,249 à Aufhebung, mas não à dialética como ferramenta filosófica. Para resistir à fúria englobadora da racionalidade, é preciso organizar a obra de arte com uma racionalidade ainda mais desumana250 que a construída pelo mundo e devolver-lhe o enigma proposto.251 É certo que uma proposta de regressão é rejeitada por Derrida tanto quanto por Adorno – a déconstruction não pode justificar o caminho de retorno a um primitivismo sem culpas, pois tal redundaria em mitologia de símbolos, em mitograma. Porém, a diferença está nas ferramentas escolhidas por Derrida e por Ador249 “Porém, como tal totalidade [a de Hegel] constrói-se consoante à lógica, cujo cerne é o princípio do terceiro excluso, tudo o que a ela não se adecua - tudo o que for distinto qualitativamente – recebe a pecha de contraditório.” [“Da aber sich jene Totalität sich gemäß der Logik aufbaut, deren Kern der Satz vom ausgeschlossenen Dritten bildet, so nimmt alles, was ihm nicht sich einfügt, alles qualitativ Verschiedene, die Signatur des Widerspruchs an.”] (ADORNO: Negative Dialektik, 17). Nessa passagem da Dialética negativa, Adorno expõe sua não aceitação da Aufhebung hegeliana enquanto síntese. Na história da filosofia, a lei da identidade formulada por Parmênides – “O ser é, e o não-ser não é” – fundou um princípio de realidade que exclui uma terceira possibilidade – o terceiro, excluso da realidade, passou a pertencer ao âmbito da contradição. Porém, para Adorno, arte é contradição e não comunicação, ou, menos ainda, ciência. A arte acolhe o irracional, o terceiro excluso, o paradoxal; ela não existe para ser guardiã do sentido lógico das construções da filosofia do homem – a contradição é que dá sentido à arte. 250 Ver nota 209. 251 Para Adorno, “a técnica é constitutiva para a arte, ainda que não baste somar-se todos os momentos técnicos para obter-se a obra: ela é chave e explicação da resposta com que o homem vai revidar o enigma proposto pelo mundo, é o túnel que leva ao interior das obras”. GdP, 93.

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no para fazerem valer seus diferentes e não-idênticos: Adorno crê que essa tarefa pode ser confiada à filosofia, ainda que, para isso, tenha que superar uma dialética quase imbatível – cada avanço do pensamento lógico aprisiona crescentemente o próprio pensador em uma trama cujo preço é a inserção em um sistema de dominação do homem pelo próprio homem, até chegar ao ponto extremo, que será equivalente ao estágio inicial, primitivo e mitológico: nessa tentativa de salto sobre a própria sombra, a filosofia precisará da arte como aliada, na qualidade de reserva ética de uma racionalidade não-instrumental252 e preservadora do específico e do não-idêntico. Derrida, pelo contrário, nem considera essa alternativa, já que, para ele, a filosofia – bem como a ciência – foram partícipes da usurpação lingüística perpetrada com o beneplácito do Esclarecimento. A desconstrução poderia ser unicamente confiada a um processo artístico e performático, em suma, estético – a filosofia desempenharia aqui, quando muito, um papel subordinado. Abrindo mão do pensamento lógico, sua crítica permite que a sociedade prossiga no processo em que se encontra, em um perigoso jogo aleatório, do qual a arte só em um momento fortuito poderá encontrar uma saída. Uma teoria a cujo desenlace Derrida, seu próprio idealizador, não teve como se furtar, já que seu pensamento recusa justamente a teleologia – entendida aqui como uma cura da sociedade – enquanto metafísica hegeliana de subsunção em uma unidade totalizante (que seria, nesse caso, o Bem). A solução anarquista apresentada pelo pensamento derrideano – conseqüência da desqualificação do fundamento 252 Para resistir ao status quo e à repressão que ele opera na sociedade, a arte tem de empregar a racionalidade de forma mimética: assimilando num grau extremo a racionalidade instrumental, a obra de arte consegue resistir-lhe e mesmo superá-la, dando-se a possibilidade de reconciliação das razões formal e estética. “A racionalidade do dodecafonismo não é aquela ruim e vazia do utilitarismo [des praktischen Systems]” (SCHEIBLE, 54) : trata-se da boa racionalidade, porque ela é mediada com fantasia. Ibidem, 75.

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lingüístico da filosofia - é inferior, cremos, à opção enunciada por Adorno, de separar os dois campos: o frankfurtiano não aceita o condicionamento da filosofia à arte, e menos ainda a crença de que o jogo da história, entregue a si mesmo, possa reverter o processo de dominação. Nisso, ele permanece marxista e iluminista: o pensador, acreditando em uma possibilidade latente de melhoria, não deve se retirar da sociedade.253 Adorno rejeita rigorosamente este jogo de azar, também e justamente por recordar a omissão dos intelectuais na política da República de Weimar e suas catastróficas conseqüências.254

As correções operadas por Adorno na teleologia hegeliana e na de Karl Marx, em especial a inclusão da contingência - do acaso – no processo histórico, sustam a legitimação do sofrimento na história; a filosofia adorniana não aceita que tenham sido necessários Auschwitz e Hiroshima para que a história seguisse adiante.255 Ainda assim, uma teleologia da libertação é aceita e até construída por Adorno: melhor que cair no pessimismo indiferente, próprio da política pós-modernista e a-histórica, deixando que – já que todas as direções são supostamente equivalentes – a sociedade, entregue a si mesma, gire até encontrar sua alea. Recusa absoluta a qualquer sentido, mesmo à própria idéia de verdade, cria, ao que tudo indica, um senti-

253 BRIEL, 150. 254 “Das Risiko dieses Va-Banque-Spiels lehnt Adorno, auch und gerade in Erinnerung an den Rückung der Intellektuellen aus der Politik der Weimarer Republik und dessen katastrophale Folgen, rigoros ab.” BRIEL, 150. 255 Ver nota 154.

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mento absoluto e indubitável de certeza, ainda que este não possua mais nenhum conteúdo.256

Entendemos que a absoluta indiferença pós-moderna para com a história derive de seu fundamento, o contemplar-se como posterior ao fim da história, e considerando disponíveis todas as épocas, estilos e pensamentos – para usar uma expressão bem atual, qual um zapping de controle remoto de televisor, podendo saltar à vontade de canal em canal. Contudo, apesar dessa postura indiferente, ou quiçá justamente em função dela, os pós-modernistas encontram-se, como aponta Ferenc Fehér, prisioneiros da situação de “estar depois”:257 sua ahistoricidade impede a conjunção de forças para uma resistência efetiva, o que vai realimentar o sentimento, já observado por Lyotard,258 de melancolia e nostalgia (saudades da história?). O pós-moderno coloca-se a si mesmo no depois da história, mas sente uma melancolia imensa por não poder mais fazer história. Gianni Vattimo descreve com propriedade esse paradoxo: Na realidade, afirmar que nós nos situamos num momento posterior à Modernidade e conferir a esse fato uma significação de algum modo decisiva pressupõe a aceitação daquilo que caracteriza mais especificamente o ponto de vista da Modernidade, ou seja, a idéia de história e seus corolários: as noções de progresso e superação.259 256 “Vollkommene Absage an jeden Sinn, sogar an die Idee von Wahrheit selbst, verschafft offenbar ein Gefühl absoluter, zweifelsfreier Gewißheit, auch wenn diese gar keinen Inhalt mehr hat.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Die Kunst und die Künste. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8138 (vgl. GS 10.1, S. 449)] 257 FEHÉR, 12. 258 Cf. FEHÉR, 10. 259 VATTIMO, apud COMPAGNON, 103.

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Uma vez cumprida a previsão de Max Weber de, na esteira da racionalização do mundo, concretizar-se a autonomia da arte,260 a esfera estética - então impermeavelmente divorciada dos âmbitos ético e político – não terá mais como dela emanar pressupostos para uma reversão do quadro de dominação. Dominação sutil – construída sobre uma base de otimismo tecnológico e fusão da arte com a vida – que de forma alguma apresenta-se como ameaçadora: “Como agir, se não se ouve nenhum grito de socorro? Quem pegará em armas contra um mar de delícias?”261 O discurso de Neil Postmann, na abertura da Feira do Livro de Frankfurt de 1984, expressou justamente a intuição de que, muito mais sombria que a previsão de George Orwell, em 1984, poderá revelar-se a de Aldous Huxley, em Admirável mundo novo: toda a sociedade permanentemente conectada em terminais de diversão virtual, criando um sistema de controle tipo premiação (permissão para entrar no jogo) e castigo (exclusão), “onde as leis do mercado agem de forma muito mais eficaz do que o jamais poderia ser a censura política”.262 A emancipação completa da esfera do artístico, assim, corresponde ao paradigma minimalista da Pós-modernidade, na me-

260 Fehér, em seu ensaio sobre a condição pós-moderna, ressalta que a emancipação total da arte sempre foi considerada uma espécie de Terra Prometida para os teóricos da estética, de Schiller a Lukács – uma promessa que se revelou inatingível por meio de revolução política. Para o historiador húngaro, “a única diferença entre eles era que Schiller estava completamente consciente da resignação política inerente à sua proposta, enquanto Lukács negava-se a admitir, mesmo para si mesmo, que seu humanismo estético era uma fuga das contradições do mundo que havia eufemisticamente denominado de ‘socialismo não clássico’”. FEHÉR, 17. 261 “Was aber, wenn überhaupt keine Notschreie zu hören sind? Wer ergreift schon gegen ein Meer von Amüsement die Waffen.” POSTMANN apud BÜRGER, Christa, 34. 262 “... die Marktzwänge sind wirksamer, als politische Zensur es sein könnte.” NEWMAN, apud BÜRGER, Christa, 38.

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dida em que a atomização de todas as esferas implica numa dissociação da obra de arte inclusive de seu fundamento históricosocial – lembremos que Adorno vê no material da obra de arte uma sedimentação do momento histórico em que foi gestada – e resultando não em uma estética apolítica, mas, dando razão a Habermas, em uma política neoconservadora, ao obstruir a conjugação de correntes para uma política de resistência e de libertação. Concluímos, concordando com Fehér, para quem uma destotalização extrema pode resultar em uma nova totalização: o sentimento de estar depois da história sugere a desautorização de todas as normas – lembrando Dostoiévski, “se Deus não existe, tudo é permitido”263 – , apagando-se as motivações morais intrínsecas e culminando na perda total da liberdade.

3.3 Selva morale e spirituale – o barroco ex machina O último livro de madrigais de Claudio Monteverdi, intitulado pelo autor Selva morale e spirituale, foi publicado postumamente em 1651. As composições nele contidas são uma síntese do projeto monteverdiano de aproximar as técnicas do stil antico – a polifonia renascentista – e da seconda pratica – o estilo homofônico do nascente Barroco. Examinar a proposta de Monteverdi, na transição de uma estética de feição metafísica, em vias de esgotamento, para uma renovação idealista e subjetivista ajudar-nos-á a melhor responder aos atuais questionamentos concernentes à obra de arte.

263 DOSTOIÉVSKI, apud FEHÉR, 26.

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Examinado do ponto de vista do tratamento do material, a Pósmodernidade apresenta-se como o barroco do moderno.264 Uma vez que o pós-moderno arroga-se a livre escolha dos materiais pregressos, permite-nos situá-lo em um horizonte tipicamente contemplativo, quer seja, não ativo. O italiano Omar Calabrese prefere, inclusive, o termo neobarroco à Pós-modernidade. Para Calabrese, o neobarroco “consiste na busca de formas – e em sua valorização – na qual assistimos à perda da integridade, da globalidade, da sistematização ordenada em favor da instabilidade, da polidimensionalidade, da mutabilidade”.265 Em vez da vanguarda – a avant-garde -, vigora a transvanguarda, isto é, a possibilidade de dirigir-se tanto rumo ao passado como à frente – ao imaginário do que possa ser o futuro. Esse rumo à frente, porém, não é o mesmo do progresso do material; trata-se, muitas vezes, de um processo de hibridismo tecnológico que acopla, em uma mesma obra, linguagens do passado com os meios mais recentes de comunicação e digitalização. O homem barroco e o do século XX são um único e mesmo homem agônico, perplexo, dilemático, dilacerado entre a consciência de um mundo novo – ontem revelado pelas grandes navegações e as idéias do Humanismo, hoje pela conquista do espaço e os avanços da técnica – e as peias de uma estrutura anacrônica que o aliena das novas evidências da realidade – ontem, a Contra-reforma, a Inquisição, o Absolutismo; hoje, o risco da guerra nuclear, o subdesenvolvimento das nações pobres, o sistema cruel das sociedades al264 Fazemos este paralelo reportando-nos a características da arte do século XVII tais como a teatralidade, o conflito, a busca da verossimilhança das cenas retratadas e o forte apelo emocional, tudo isso levando à tentativa de resgate do drama trágico grego sob uma nova forma, a ópera. Em 1607, estréia em Mântua Orfeo, de Claudio Monteverdi. 265 CALABRESE, 12.

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tamente industrializadas. Vivendo aguda e angustiosamente sob a órbita do medo, da insegurança, da instabilidade, tanto o artista barroco quanto o moderno exprimem dramaticamente o seu instante social e existencial, fazendo com que a arte também assuma formas agônicas, perplexas, dilemáticas.266

Se o progresso constante do material, como descrito por Adorno,267 constitui-se no mais eficaz antídoto contra a regressão, há que se acordar que a disponibilidade de materiais já esgotados pelo uso caracterizam uma condição que Walter Benjamin já havia pelo menos intuído em seu A origem do drama barroco alemão [Ursprung des Deutschen Trauerspiels]. Para Kilb, “o frágil [desagregado] material da fantasia alegórica nasce da situação histórica do barroco enquanto ponto de cruzamento do mundo figurativo clássico e da semântica cristã; esse é o ponto de partida daquela ‘especulação figurativa’ que é constitutiva das alegorias”.268 Queremos aqui qualificar esse barroco da Pós-modernidade como continuação de alguns fundamentos estéticos, mas também como condução ad extremum de outros, na forma de ironia enquanto símbolo da recusa ao projeto da Modernidade. Barroco, assim, define não apenas um período específico da história da cultura, mas uma atitude geral e uma qualidade formal das obras de arte que a expressam.269 Desse ângulo, fica-nos muito claro que o livro de Benjamin 266 ÁVILA, Affonso: O Barroco e o homem contemporâneo, apud FEATHERSTONE, 17. 267 Ver nota 118. 268 “Das brüchige Material der allegorischen Phantasie entspringt der epochalen Situation des Barocks als Kreuzungspunkt von antiker Bilderwelt und christlicher Semantik; von hier geht jene ‘Bilderspekulation’ aus, die den Allegorien konstitutiv ist.” KILB, 108. 269 Ver CALABRESE, 31.

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sobre o drama barroco alemão anteviu a relação de material e forma que foi se dar recém na transição para a Pós-modernidade: “o imaginário da Antiguidade clássica e da Idade Média ingressa no Barroco como material em ruínas, em uma esfera de simultaneidade, assim como os processos artísticos após o fim das vanguardas”.270 Apenas Benjamin não soube reconhecer que o reaproveitamento de fragmentos da Antiguidade clássica, expressos em forma de alegoria no drama barroco, serviu, em compositores como Monteverdi e Bach, apenas como base. Seu verdadeiro projeto foi a criação de uma superestrutura transformadora e, em que pese a sensação de esgotamento estilístico reinante – tanto no início do século XVII como na Pósmodernidade –, dando novo impulso ao processo histórico de progresso do material. Enquanto, por volta de 1600, a Camerata Fiorentina esmeravase em reconstruir a tragédia clássica, tendo construído uma nova forma dramática - a ópera - a partir de fragmentos do imaginário renascentista do que teria sido o teatro grego, o esgotamento das vanguardas, em meados de 1950, de sua parte, forneceu aos pós-estruturalistas todos os elementos – os materiais e os processos – de que necessitavam para, através de procedimentos não técnicos, mas de meta-linguagem, apresentar seu projeto de uma estética posterior a todas as estéticas. Não apenas os materiais, também os paradigmas formais passam a ingressar no infinito jogo das constelações. Assim, a techné pós-moderna não é um procedimento artístico no sentido de um tratamento do material, porém um meta-procedimento, no qual podem

270 “Als verfallenes Material tritt das Bilderwelt aus Antike und Mittelalter im Barock in einen Raum der Simultaneität wie die Kunstmittel nach dem Ende der Avantgarden.” KILB, 110.

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ingressar diferentes formas, de acordo como tenhamse historicamente sedimentado.271

O projeto pós-moderno inverteu alguns pressupostos da Modernidade, fazendo disso sua política de autolegitimação: indeterminação (em vez da forma fechada), a inclusão total dos materiais (ao invés da endogenia exclusiva dos serialistas), a fragmentação, a iconoclastia e a ironia (contra a arte utópica), hibridismo de gêneros e estilos (contra a progresso constante do material), e a interatividade (assinalando o fim do controle do autor sobre a performance). Habermas, em seu discurso ao receber o prêmio Adorno, citou o arquiteto Wolfgang Pehnt, declarando que “a Pós-modernidade apresenta-se decididamente como uma anti-Modernidade”.272 Os teóricos da anti-Modernidade teriam visado, antes de mais nada, a legitimidade do moderno: “Os explosivos conteúdos da Modernidade cultural [...] têm de ser desarmados, de preferência declarando-os ultrapassados”.273 Vamos, porém, discordar da análise habermasiana no que ela contém de estigmatização do pós-moderno: a contemporaneidade foi forjada, sim, na oposição ao projeto do moderno; contudo, não pensamos que sua oposição seja exclusivamente reacionária, como quer

271 “Nicht nur die Stoffe, auch die Formparadigmen treten nun in das unbegrenzte Spiel der Konstellationen ein. So ist die postmoderne techné kein künstlerisches Verfahren im Sinne der Durchbildung des Materials, sondern ein Meta-Verfahren, in das verschiedenste Formen, so wie sie geschichtlich sich abgesetzt haben, eingehen können.” Idem. 272 “Die Postmoderne gibt sich entschieden als eine Antimoderne.” PEHNT apud HABERMAS apud KILB, 84. 273 “Die explosiven Gehalte der kulturellen Moderne [...] müssen entschärft werden, am besten dadurch, daß man sie für passé erklärt.” HABERMAS, apud KILB, 85.

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Habermas. Em primeiro lugar, estilisticamente, podemos reconhecer muitos aspectos que enquadraremos com autoridade enquanto conseqüência da Modernidade, e não como mera reação: a pluralidade das formas, o jogo com as regras e convenções – esvaziadas agora de sua autoridade canônica –, a negação da negatividade. Em segundo, o Pós-moderno está plenamente imbuído da idéia da transgressão, e aqui temos que reconhecer que transgressão e revolução constituem o fermento clássico da idéia de Modernidade. Uma obra só é moderna se foi, antes, pós-moderna. Visto dessa forma, o Pós-modernidade não significa apenas o fim da Modernidade, porém sua condição de nascimento, e essa condição é constante.274

Retornemos à nossa comparação com o tratamento do material: a música nova da Segunda Escola de Viena encontra analogia com o contraponto palestriniano, do apogeu do Renascimento, de cânones e estilo severos. Em oposição a esse rígido controle da forma, compositores que tinham se iniciado através do dodecafonismo estrito, começaram, de forma análoga à teoria dos afetos da Camerata Fiorentina e à Le nuove musiche (Florença, 1601) de Giulio Caccini,275 a permitir cada vez mais a inclusão de elementos extramusicais na escolha da matéria-prima. Podemos ter uma idéia mais clara examinando a tabela abaixo, onde listamos, para comparação, as motivações estéticas básicas da criação musical dos dois períodos:

274 LYOTARD, apud KILB, 87. 275 Ver GdP, 42-4.

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Musiche antiche276 (Polifonia sacra do Renascimento)

Le nuove musiche (Camerata Fiorentina - Barroco)

Polifonia - contraponto com regras severas para a condução das vozes, criação e resolução das dissonâncias. Não importando o texto, a composição deve obedecer à rigidez formal ditada por elementos puramente musicais.

Harmonia – as regras do contraponto são abrandadas em favor da descrição dos afetos contidos no texto (cantado): as dissonâncias podem aparecer sem preparação e no tempo forte dos compassos.

Hierarquia dos elementos na obra musical: 1) melodia 2) ritmo 3) texto Os elementos abstratos intramusicais constituem exclusivamente o material.

Hierarquia dos elementos na obra musical: 1) texto 2) ritmo 3) melodia A composição passa a ser regida por elementos exógenos (as palavras do texto)

Afetos - excluídos da obra de arte – o Afetos – a obra de arte almeja transmicaráter de um moteto ou missa de tir os afetos contidos no texto: “Degli Palestrina ou Josquin des Près é dado affetti nascono gli effetti”. 277 apenas simbolicamente na escolha dos intervalos e das durações das notas. Uma missa pascal é praticamente indiferenciável de uma natalina . Objetividade

Subjetividade

O divino e inatingível: objeto da obra O homem e suas emoções: objeto da de arte obra de arte Distanciamento

Envolvimento

276 Ibidem, 40-4. 277 “Dos afetos nascem os efeitos”: no tratado Le nuove musiche (1601) Giulio Caccini, um dos primeiros teóricos do estilo barroco, defende o condicionamento do componente melódico das composições à expressão dos afetos contidos no texto a ser cantado: “Como estou agora convencido de que obras, como as feitas em nossos

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O Barroco da Camerata Fiorentina não se fundou apenas na recusa ao contraponto palestriniano. Muitas de suas ferramentas de linguagem derivaram de uma extrapolação de fórmulas já disponíveis. Comparando o quadro anterior com o que segue - que ilustra elementos equivalentes, mas da transição da Modernidade à Pósmodernidade -, podemos verificar um processo similar: Segunda Escola de Viena – Vanguarda Música Pós-moderna histórica – Dodecafonismo e Serialismo Material – exclusivamente elementos Material – inclusão de elementos musicais (intervalos, durações, timbres, exógenos (imagens, ruídos, citações de intensidades). obras já existentes). Forma – deduzida somente a partir do Forma – inclusão de fontes externas material; máxima exclusividade no tra- para determinação (experimentação de tamento. John Cage com o I Ching). Organização – máxima; serialismo in- Organização – livre; elementos aleatótegral. rios. Recorrência – a repetição é interdita, tanto a duplicação de notas do acorde [rejeição à timbrística do Romantismo] quanto a de células rítmicas ou melódicas; negação máxima da mímese.

Recorrência – a repetição torna-se toda uma corrente: o minimalismo, pesquisado na música clássica africana, leva ao máximo a imitação dentro da mesma obra; emprego da mímese.

dias, não resultam em outro deleite senão aquele propiciado ao ouvido pelas harmonias, e de que, sem a compreensão das palavras, o humor [do ouvinte] não pode ser tocado, veio-me a idéia de criar uma espécie de canto, de certa forma análoga a um discurso harmônico, onde apresento um certo nobre desprezo pelo cantar [...una certa nobile sprezzatura del canto], vez por outra tangendo algumas dissonâncias, mas deixando o baixo descansar, com exceção das passagens onde, de acordo com o uso comum, pretenda empregá-lo [o baixo] juntamente com as notas das vozes internas executadas por instrumentos para expressar alguma emoção qualquer, para o que apenas elas [as dissonâncias] se pressam.” CACCINI, Le nuove musiche, apud NESTLER, 189.

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Objetividade

Anulação da subjetividade, mas sem objetividade

O social: objeto da obra de arte.

O emocional: objeto da obra de arte.

Utopia – a obra de arte propõe-se a Nostalgia – após o fim da história, toindicar o caminho para uma sociedade dos os estilos estão disponíveis para evojusta no futuro. car o passado. Pureza estilística – apenas elementos Hibridismo estilístico – kitsch enquanendógenos e tratamento rigoroso da for- to meta-linguagem, mistura de estilos. ma Distanciamento – a música é organiza- Catarse – a música tem de influir sobre da racionalmente para falar à ratio do o homem em sua totalidade, em seus homem (resquício do projeto Iluminista). afetos, idéias, sentidos. BUCKINX, 20.

O norte-americano John Cage (1912-1992) recusou as alturas como parâmetro musical determinante e escolheu o tempo como material de experimentação. Em sua obra, encontramos a inclusão de fontes de sons não-determinados, como campainhas ou aparelhos elétricos produtores de ruídos (ironia) em Paisagem imaginária 1 [Imaginary Landscape One] (1939) ou de um prato toca-discos e um Long-play escolhido ao acaso (iconoclastia), em Creio em nós [Credo in us] (1942). Suas pesquisas com a indeterminação culminaram na radical 4’33’’, obra que realiza a máxima inclusão de material graças, paradoxalmente, à extinção desse elemento: o pianista entra em cena, senta-se ao instrumento e mantém-se exatos 4 minutos e 33 segundos imóvel, com as mãos estendidas sobre o teclado. Durante esse tempo, o espectador escuta os ruídos porventura produzidos pela platéia mesma, ou seja, os sons ambientes determinados pelo acaso, investido de uma parcela de interatividade e tornando-se co-participante no resultado final da obra, o que seria

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impensável na música rigidamente planejada dos dodecafonistas da vanguarda histórica.278 A inclusão máxima e aleatória de material na obra de arte confirma a estética pós-moderna como apologia do impuro, opondose – uma vez mais – à idéia de pureza estilística exercida pelo serialismo integral, nos anos 1940/50. Essa, porém, pensamos ter sido uma reação que se deu em patamar equivocado. Vejamos: é certo que os desdobramentos da Segunda Escola de Viena conduziram a uma extrema organização do material sonoro. Aquele, contudo, notabilizou-se por ser um processo que se deu no âmbito da técnica – a motivação de Schönberg, no que foi bem percebido por Adorno, era não banir o estético para o exílio no interior da obra de arte, mas sim libertá-lo de suas limitações e injetá-lo no quotidiano na condição de potencial renovador vital,279 isso através do cruzamento com elementos do inconsciente. Adorno, cujo conceito de progresso musical está estreitamente ligado ao da gênese do material sonoro e à descoberta freudiana da tripartição da subjetividade, caracteriza os momentos de irrompimento do irracional na obra de arte, tais como a interferência, na música, ou as manchas “que se introduzem contra a vontade do autor”, na pintura, como “emissários do Id”.280 Na resistên278 “Em obras posteriores ao 4’33’’, o material utilizado por Cage poderia ser tanto Mozart (HPSCHD) como obras de outros compositores (Musicircus). Ainda que o pensamento de Cage estivesse ligado aos utopistas norte-americanos (McLuhan, Buckminster-Fuller), ele se distanciou de qualquer idéia de uma história direcionada, e mais ainda de idéias de progresso constante.” BUCKINX, 136. 279 Ver BÜRGER, Peter, 10-11. 280 A instigante expressão adorniana “Boten des Es”, mensageiros do Id, teve uma tradução infeliz na edição brasileira como “mensagens do MI bemol” (FNM, 40), evidenciando uma lamentável confusão do termo alemão Es, que é realmente o nome da nota musical MI bemol, mas que nessa passagem se refere ao Id no sentido freudiano: “Die Narben jener Revolution des Ausdrucks aber sind die Kleckse, die auf den Bildern so gut wie in der Musik als Boten des Es gegen den kompositorischen Willen sich festsetzen...” PhnM, 44.

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cia dos compositores neoclássicos em utilizarem-se de toda a paleta cromática da escala, ele vê a instituição, sobre os outros sons, de um tabu, como um “délire de toucher, que Freud remete à proibição do incesto”.281 Na Filosofia da nova música, as primeiras obras do atonalismo livre são equiparadas a “documentos no sentido dos documentos oníricos dos psicanalistas”. Mesmo na análise do conceito de dissonância, de cuja emancipação as notas podem agora gozar no sistema atonal, Adorno suspeita uma face velada e inconsciente que acompanhou, durante toda a história da arte, as criações artísticas: Talvez a emancipação da dissonância não seja, na verdade, como ensina a história oficial da música, o resultado da evolução do romantismo tardio pós-wagneriano, mas a propensão a ela tenha acompanhado como uma face oculta toda a música burguesa, desde Gesualdo e Bach, de forma comparável, talvez, ao papel que, na história da ratio burguesa, tem secretamente o conceito do inconsciente. E aqui não se trata de simples analogia, e sim a dissonância foi, desde o princípio, veículo de tudo aquilo que cedeu ao tabu da ordem. Ela [a dissonância] responde pela censurada pulsão dos instintos.282 281 “Zuweilen handelt es sich um eine beschränkte Auswahl aus den zwölf Tönen, etwa wie in der Pentatonik, so als wären die andern Töne tabu und dürften nicht berührt werden: man mag beim Sacre wohl an jenes délire de toucher denken, das Freud aufs Inzestverbot zurückführt.” Ibidem, 140. 282 “Vielleicht ist die Emanzipation der Dissonanz überhaupt nicht erst, wie die offizielle Musikgeschichte lehrt, das Ergebnis der spätromantisch-nach-Wagnerischen Entwicklung, sondern der Wunsch danach hat als Nachtseite die gesamte bürgerliche Musik seit Gesualdo und Bach begleitet, vergleichbar etwa der Rolle, die der Begriff des Unbewußten insgeheim in der Geschichte der bürgerlichen ratio spielt. Dabei handelt es sich um keine bloße Analogie, sondern die Dissonanz war von Anbeginn Bedeutungsträger alles dessen, was dem Tabu der Ordnung verfiel. Sie steht ein für die zensurierte Triebregung.” Ibidem, 146.

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Ihab Hassan apresenta uma série de oposições estilísticas entre o Moderno e o Pós-moderno; das referentes ao tema de nosso trabalho, listamos, para comparação, as seguintes.283 Modernidade

Pós-modernidade

Hierarquia Domínio/logos Forma (conjuntiva, fechada) Projeto Metáfora Romantismo / simbolismo Seleção Sintoma Tipo Paranóia Propósito Obra acabada Distância Criação, totalização, síntese Presença Centração Semântica Paradigma Hipotaxe Significado Narrativa / grand histoire Código mestre Sintoma Genital / Fálico Determinação Transcendência

Anarquia Exaustão/silêncio Antiforma (disjuntiva, aberta) Acaso Metonímia Parafísica / dadaísmo Combinação Desejo Mutante Esquizofrenia Jogo Processo Participação, interatividade Descriação, desconstrução, antítese Ausência Dispersão Retórica Sintagma Parataxe Significante Antinarrativa / petite histoire Idioleto Desejo Polimorfo / Andrógino Indeterminação Imanência

283 HASSAN, apud HARVEY, 17.

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Apesar das flagrantes oposições listadas por Hassan, o barroco pós-moderno – um barroco ex machina, nascido da tecnificação de procedimentos já disponíveis – deu provas de que a questão do tratamento do material não tem, necessariamente, de ser encarada como mera coleta nas galerias da história. A resposta está na forma como o material ingressa na obra de arte. A citação pura e simples e a colagem foram próprias dos primeiros sintomas de recusa ao projeto modernista. A inclusão, entretanto, de elementos anacrônicos com propósito crítico é um expediente que encontrou expressão tanto em momentos históricos de transição estilística - em Monteverdi, Bach e Beethoven – como na Segunda Escola de Viena, o que foi reconhecido mesmo por Adorno, quando escreve que “Schönberg violenta a série”. 284 Vejamos como: na última peça do op. 35, para coral, Schönberg emprega como material apenas tríades285 [Dreiklänge]. Também no final que refez para a Segunda Sinfonia de Câmara, onde aplica, sobre um material que guarda reminiscências do cromatismo orgânico do final do romantismo, os princípios de construção da técnica dodecafônica.286 Na PhnM, ao aludir à Segunda Sinfonia de Câmara,287 Adorno observa como temas ainda tonais da fase anterior de Schönberg são 284 “Schönberg vergewaltigt die Reihe.” PhnM, 106. 285 A tríade é a superposição de três sons de uma escala à distância de terça. Por exemplo, DÓ + MI + SOL, ou RÉ + FÁ + LÁ. Essas terças que formam a tríade, contudo, podem ser de qualquer espécie (maior, menor, diminuta ou aumentada), o que pode resultar em tríades dissonantes. Ainda assim, a tríade enquanto fenômeno sonoro estará sempre diretamente associada à tonalidade, pois, originalmente, em sua dissonância, também exigia a resolução em uma outra tríade “perfeita” (consonante). Daí a maestria de Schönberg, que se dá à ousadia de utilizar um material constitutivo básico de música de relações tonais mas, através de um procedimento altamente técnico, consegue dobrá-lo e fazê-lo integrar-se à estética atonal. 286 Ver GdP, 30-2. 287 PhnM, 100.

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por ele reaproveitados, só que agora separados de seu antigo contexto hierarquizado: apresentam-se transfigurados, deformados, podendo expressar-se, então, de uma maneira que lhes era interdita na estrutura tonal: são “a imagem da erupção”.288 Essa imposição de um discurso atonal a um material com resíduos de tonalidade é análoga à fusão lograda por Bach, em suas composições, da polifonia antiga (horizontalidade) com a harmonia do baixo continuo289 (verticalidade). Assim como Bach esqueceu aquelas proibições [das regras do contraponto], e, em vez disso, obrigou a polifonia a legitimar-se sobre o baixo continuo, da mesma forma a verdadeira indiferença do vertical e do horizontal só se concretizará quando a composição, de maneira vigilante e crítica, realizar, em cada instante, a unidade de ambas as dimensões.290

288 “Drang und Ziel: das Bild des Ausbruchs.” Idem. 289 A nova música monódica – centrada na supremacia da melodia -, a partir de 1600, teve um apoio decisivo na prática do baixo contínuo [it.:basso continuo, al.:Generalbaß]. O costume de reduzir todas as vozes cantadas em um sistema executável ao órgão, com o propósito de apoiar o coro, já existia desde a segunda metade do século XV. A novidade é que, a partir de 1620, essa intavolatura - essa redução - simplifica-se. Passa-se a escrever apenas a nota mais baixa – mais grave - do acorde, sendo que os sons restantes são indicados apenas por algarismos. A praxis de ler este baixo cifrado é o que se chama executar [realizar] o baixo contínuo. Em pouco tempo, tornou-se inimaginável fazer música, no século XVII, sem o acompanhamento do contínuo. Essa denominação, que se referia originalmente a uma prática, tornou-se estrutural, e hoje falamos de um acompanhamento de baixo contínuo e mesmo de uma era do baixo contínuo. Ver Nestler, 189-90. 290 “Wie Bach jene Verbote vergaß und statt dessen die Polyphonie zur generalbaßmäßigen Legitimation zwang, so wird die echte Indifferenz von Vertikale und Horizontale nur dann zustandekommen, wenn die Komposition in jedem Augenblick wach und kritisch die Einheit der beiden Dimensionen herstellt.” PhnM, 111.

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Em outras palavras, de forma análoga a Bach, que se serviu do contraponto (horizontal) para compor harmonicamente (verticalmente), Schönberg serviu-se da tonalidade para compor atonalmente. A explicação para isso está em que Schönberg não se importa mais com o que utiliza como fonte temática; apenas o procedimento é importante, e, nesse caso, o compositor estará empregando um material ao qual a aprisionada consciência do consumidor ainda não se fechou completamente.291 A violência com que Schönberg insere esses gestos expressivos de outra época em sua nova e rígida disciplina serial resulta em um conflito – desejado pelo compositor – que nunca se resolve, entre o material – a seqüência de notas que elencou – e o procedimento imposto a esse: as tríades apresentam-se de maneira a nunca evocarem a perdida tonalidade mas, sim, sempre obrigadas a expressar o atonalismo pretendido pelo autor.292 Busquemos, no início histórico do Barroco, um precedente para isso: em 1610, quando Claudio Monteverdi estreou na basílica de São Marcos, em Veneza, suas Vespro della beata Vergine, as passagens híbridas com sonoridades arcaicas podem ter causado estranheza aos que a escutavam pela primeira vez. O compositor, cujas criações alavancaram a transição entre o Renascimento e o início do Barroco, chamou sua obra de Vespro della B.[eata] Vergine da concerto composta sopra canti fermi.293 O fato de erigir um grande monumento sonoro – as Vésperas da Virgem constituem uma peça ambiciosa, exigindo um 291 Dos três compositores da Segunda Escola de Viena, Alban Berg é considerado o mais lírico; ele não se furtava a empregar séries que contivessem sugestões da extinta tonalidade, e até contava com a possibilidade de irromper um contexto tonal em meio a uma composição dodecafônica sua: “Berg hat versucht, den Bann der Zwölftonmusik zu brechen.” [“Berg procurou romper a proibição da música dodecafônica”] : Ibidem, 105. 292 GdP, 83-5. 293 A prática do cantus firmus remonta à dificuldade encontrada pelos compositores, a partir do século XV, em assegurar uma unidade estrutural entre as partes da missa (Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei), com textos muito díspares entre

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coro grande o suficiente para dividir-se em 10 vozes, sem contar os solistas e a parte instrumental – de caráter revolucionário no tratamento da forma e na concepção espacial prevista para sua execução, não impediu Monteverdi de utilizar, em cada movimento, um cantus firmus, isto é, uma linha condutora extraída do repertório do canto gregoriano. Ora, o canto gregoriano era uma herança medieval ainda aproveitada na técnica composicional renascentista como base para a escrita do contraponto, o qual constituía a composição propriamente dita. Monteverdi, aqui, emprega material não apenas da prima pratica294 – o estilo palestriniano – mas da distante Idade Média. Contudo, em cada parte da obra – tome-se como exemplo a Ave maris stella –, mesmo que o movimento inicie-se com um contraponto claramente híbrido com a herança renascentista,295

si. A melodia do cantus firmus, originalmente um canto gregoriano do repertório tradicional – função mais tarde delegada a qualquer melodia, mesmo de procedência profana , era confiada então, com as durações de suas notas muito aumentadas, a uma voz – geralmente ao assim chamado tenor, isto é, à voz que sustenta, que carrega o cantus -, enquanto as outras teciam imitações e contrapontos à sua volta. Ver NESTLER, 131-2. 294 Monteverdi buscava uma fusão dos estilos antigo e novo de compor. A prima pratica era a denominação para o contraponto do final do Renascimento, e, paralelamente a este, Monteverdi aperfeiçoou uma nova concepção, a que chamou, no prefácio de seu Livro V de Madrigais (Scherzi musicali, 1605) de seconda pratica. Em 1607, Giulio Cesare Monteverdi, seu irmão, comparou, no prefácio à segunda edição do Livro V, os dois estilos de composição: “Prima pratica é a maneira de compor que se ocupa da perfeição da Armonia [referindo-se às tradicionais regras do contraponto polifônico]. Seconda pratica é a maneira de compor que se ocupa da perfeição da Melodia e que determina que o discurso [o texto cantado] comande a Harmonia. Por essas razões, ele [Claudio Monteverdi] denominou-a seconda em vez de nova.” MONTEVERDI G.C. apud MEIEROTT-SCHMITZ, 38. 295 Comparar também com o Et misericordia eius e com o Duo seraphin e o Gloria Patri. Neste último, ocorrem simultaneamente, sobre os melismas dos solistas, o acompanhamento do continuo, e um cantus firmus – de tradição ainda mais arcaica, um resquício da Idade Média na música do Renascimento, mas que pode ser observada mesmo em Johann Sebastian Bach, no coro de abertura da Paixão segundo São Mateus.

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Monteverdi só o faz com a intenção de apresentar o material com que vai trabalhar: na seqüência, o tema já é tratado sobre o princípio harmônico do basso continuo, genuinamente barroco. Ou seja: Monteverdi obriga o material a dizer o que ele quer com a nova linguagem da seconda pratica, sem permitir que retroceda em reminiscência nostálgica, unindo as técnicas composicionais da prima com as da seconda pratica. A capacidade para trabalhar um tema mesmo à revelia de suas potencialidades combinatórias abre, como estamos vendo, possibilidade para um tratamento não retrógrado de materiais historicamente já esgotados: uma síntese já observada em Bach e nos últimos quartetos de Beethoven. Desde a afirmação da música homofônica, na era do baixo contínuo, as mais profundas experiências dos compositores anunciaram a insuficiência da homofonia para a constituição coerente de formas concretas. O resgate feito por Bach da polifonia antiga – justamente as fugas de construção mais progressiva, como a em dó menor do primeiro livro do Cravo bem Temperado, a [fuga] em seis vozes da Oferenda Musical e as posteriores, da Arte da Fuga, aproximam-se da ricercata – e as passagens polifônicas do Beethoven tardio são os maiores monumentos de tal experiência.296 296 “Seit der Etablierung der homophonen Musik im Generalbaßzeitalter haben die tiefsten Erfahrungen der Komponisten die Unzulänglichkeit der Homophonie zur verbindlichen Konstitution konkreter Formen angemeldet. Der Rückgriff Bachs auf die ältere Polyphonie gerade die konstruktiv vorgeschrittensten Fugen wie die in cis-moll aus dem ersten Band des Wohltemperierten Klaviers, die sechsstimmige aus dem Musikalischen Opfer und die späteren aus der Kunst der Fuge nähern sich der Ricercata - und die polyphonen Partien beim letzten Beethoven sind die größten Denkmale solcher Erfahrung.” PhnM, 88. A ricercata de que fala Adorno é referência a uma das primeiras formas puramente instrumentais – tenhamos em mente que a música, até meados do século XVI, era basicamente vocal. Ricercata - ou ricercar – significam procura, ou busca, em italiano. O que deve ser procurado pelo ouvinte é o tema, que várias vezes reaparece em meio ao contraponto imitativo das vozes. Ver NESTLER, 163-4.

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Nessa costura do subjetivo e do objetivo vislumbramos uma chave para posterior resolução, à luz da Pós-modernidade, da questão do fim histórico da estética e do progresso da técnica: se tal fusão conseguiu dar-se em determinados momentos da história, quando, mais de uma vez, parâmetros estéticos acusavam sinal de esgotamento, acreditamos ser possível, na contemporaneidade, também deles extrair princípios para um adequado projeto de estatuto da arte pósmoderna. Nos avanços polifônicos de Bach e Beethoven, buscava-se, com desesperada energia, o equilíbrio do coral [construído sobre o] baixo contínuo e uma polifonia genuína, enquanto equilíbrio entre dinâmica subjetiva e necessária objetividade.297

O exame desses específicos casos históricos assegura-nos que não apenas a escolha do material – ainda que extraído do passado – determina o momento estético da obra. Mais importante é integrar os elementos entre si de forma orgânica, fazendo com que se sujeitem a um tratamento no qual possam ser levados a assumir função não de sonoridade reminiscente, mas de seu legítimo momento histórico. O tecido [contrapontístico] deve ser concebido de forma tal que a relação das vozes [das partes] entre si engendre o decurso de toda a peça, e, finalmente, a forma. Isto, e não o fato de ele ter escrito um contraponto tão bom no sentido tradicional é que constitui a verdadeira superioridade de Bach sobre toda a música polifônica posterior – não a linearidade enquanto 297 “In den polyphonen Vorstoßen Bachs und Beethovens war mit verzweifelter Energie der Ausgleich von Generalbaßchoral und echter Vielstimmigkeit, als einer zwischen subjektiver Dynamik und verbindlicher Objektivität, angestrebt.” PhnM, 88-9.

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tal, mas sua integração no todo, harmonia e forma. Nisto, a Arte da Fuga não tem comparação.298

Nas Vespro della Beata Vergine, além de superar a indiferença para com o fundamento afetivo do texto, Monteverdi ataca a objetividade impessoal da prima pratica: Monteverdi desespiritualiza as Vespro, ao vinculálas à Catedral de São Marcos. Como? Na polifonia sacra de Palestrina, as relações entre o fundamento sacro da obra e sua manifestação sonora eram fortemente mediadas pelas regras do contraponto: apenas o simbolismo de alguns intervalos – a maior parte derivada dos originais gregorianos – indicavam, de forma muito sutil, o impetus primeiro da composição. Uma missa ou moteto pascal tornavam-se, dessa forma, praticamente indistinguíveis de, por exemplo, uma obra natalina ou de outra temática qualquer. Nas Vespro della beata vergine, Monteverdi, além de subordinar os sons ao texto (ver Hierarquia dos elementos na obra musical, no quadro da página 145), abole mesmo a possibilidade de a obra ser executada em outro lugar, ligando definitivamente o material sonoro ao espaço previsto para seu desdobramento, suspendendo todo um estágio de mediação entre material e obra: São Marcos era a única igreja em Veneza onde os diferentes grupos de coros, instrumentistas e solistas de canto podiam postar-se – nos diversos nichos das naves – para efetuar, à distância, as imitações e os efeitos de eco previstos pelo compositor. Transportemos essa questão para a contemporaneidade: quando escutamos Arvo Pärt, com seus ingredientes modais, barrocos e minimalistas (Frates, 1977), ou Frederic Rzewski, misturando elementos clássicos-românticos, contemporâneos e populares (Variações sobre El pueblo unido, 1975), ou ainda Sofia Gubaidulina, que, em Noite em Memphis, 1968, trans298 “Das Gewebe muß so konzipiert sein, daß das Verhältnis der Stimmen zueinander den Verlauf des ganzen Stückes, schließlich die Form erzeugt. Das, und nicht daß er einen im herkömmlichen Sinn so guten Kontrapunkt geschrieben hätte, macht die wahre Überlegenheit Bachs über alle nachfolgende polyphone Musik aus - nicht die Linearität als solche, sondern deren Integration in das Ganze, Harmonik und Form. Darin hat die Kunst der Fuge nicht ihresgleichen.” Ibidem, 92.

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forma até mesmo uma série dodecafônica em símbolo arquetípico,299 temos de entender que o progresso do material não precisa necessariamente ser o das vanguardas históricas de 1930/50, obrigando-se a incorporar continuamente as mais novas conquistas da técnica. A seguinte passagem da PhnM já previa que a série e a organização schönberguiana expandir-seiam para acolher não mais apenas alturas ou parâmetros outros dos sons isolados, mas constelações inteiras de significados: Só pode-se esperar que passe o inverno quando a música se emancipar também da técnica dodecafônica. Mas isto não através de uma recaída na irracionalidade, que a precedeu e que, hoje, deveria, a todo o momento, ser contrariada pelos postulados das severas regras criadas pela dodecafonia, porém mediante a absorção do dodecafonismo pelo livre compor, e de suas regras pela espontaneidade do ouvido crítico.300

Assim, o progresso do material pode ser visto também a partir do tratamento que a ele se dispensa. Acreditamos ser esse um parâmetro aceitável para a avaliação da estética pós-moderna: a inclusão de elementos exógenos e anacrônicos tem sua legitimidade condicionada pela técnica. Ao material, então, fica vedado esgotarse enquanto citação ou colagem – não é aceitável seu emprego reduzido a ícone, imutável e não transformável no processo da obra: sem se perder na nostalgia do perdido som primeiro [Urklang] e da recuperação emulativa do sentido primeiro [Ursinn], tem de obrigar-se a gerar sempre novas combinações formais. 299 Ver BUCKINX, 133-150 e GRIFFITHS, 239-328. 300 “Aufs Überwintern ist nur zu hoffen, wenn die Musik auch von der Zwölftontechnik noch sich emanzipiert. Das aber nicht durch Rückfall in die Irrationalität, die ihr vorausging und die in jedem Augenblick heute von den Postulaten des strengen Satzes durchkreuzt werden müßte, welche die Zwölftontechnik ausgebildet hat, sondern dadurch, daß die Zwölftontechnik vom freien Komponieren, ihre Regeln von der Spontaneität des kritischen Ohrs absorbiert werden.” PhnM, 110.

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4 Ars in tempore belli – todos por um

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Em 1951, estreou Music of changes, de John Cage, peça que incluía operações aleatórias na determinação da seqüência da execução. A partir daquele momento, ficou claro que a evolução da música nova não seria mais ditada exclusivamente pelos pressupostos da Segunda Escola de Viena. Em solo europeu, a indeterminação foi sacramentada definitivamente com Karlheinz Stockhausen,301 que, em 1957, apresentou em Darmstadt sua Peça para piano 11 [Klavierstück XI], onde, pela primeira vez, serviu-se plenamente do aleatório para a determinação da forma.302 O material dessa composição consta de 19 grupos de notas, os quais podem ser executados em qualquer ordem.303 Anunciava-se, aparentemente, o fim do prin301 “Stockhausen era o nosso homem na Europa, o mais receptivo à música de Cage e de outros norte-americanos” [“Stockhausen war Unser-Mann-in-Europa, der Freundlichste gegenüber der Musik von Cage und den anderen Amerikanern.”] TUDOR apud KURTZ, 124. 302 “Depois de um seminário, em que Tudor tinha analisado a ‘Music of Changes’ [de John Cage], [...] contei a Boulez do Klavierstück XI, que eu tinha escrito pouco antes. Ele mostrou-se, primeiro, surpreso, depois ficou furioso e começou a vociferar, [dizendo] que não entendia uma idiotice daquelas, que eu estava era com medo de escrever tudo com exatidão na partitura, e que eu queria era me esquivar da responsabilidade [de compor]. Tudor só ria o tempo todo, maroto. Depois daquilo, demorou ainda mais de um ano até que Boulez me enviou os primeiros esboços dos 5 formantes da sua Sonata 3 [também uma peça com a forma determinada pelo aleatório]”. [“Nach einem Seminar, in dem Tudor die ‘Music of Changes’ analysiert hatte, [...] erzählte ich Boulez von ‘Kavierstück XI’, das ich kurz vorher geschrieben hatte. Er war zunächst überrascht, wurde dann wütend und schimpfte, solchen Unsinn könne er nicht verstehen, ich hätte Angst, alles genau in der Notation festzulegen, und wollte Verantwortung von mir fortschieben. Tudor lachte die ganze Zeit über verschmitzt. Es hat dann noch mehr als ein Jahr gedauert, bis Boulez mir die ersten Skizzen seiner ‘‘dritten Sonate’’schickte.” ] STOCKHAUSEN apud KURTZ, 124. 303 “Nessa obra, sobre uma folha de papel de 53 x 93 cm, há 19 grupos de notas, irregularmente distribuídos, todos deduzidos a partir dos mesmos princípios básicos, células estruturais rítmicas e tipos. O pianista devia olhar ‘sem intencionalidade’ para a folha e começar com o grupo onde seu olhar primeiro caísse. Andamento, dinâmica e articulação eram livres. Ao final de cada grupo havia uma indicação de

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cípio da autodeterminação da forma, que Adorno, como um dos principais teóricos e pensadores da música nova, tinha contribuído para fixar. Assim como esse, logo outros princípios ancorados na Filosofia da nova música começaram a fazer água. Novamente Cage, com as Variations I e II, deu o sinal para que, também no tocante à pré-formação do material, fossem abertas as comportas à inclusão de todo e qualquer elemento. Era o fim da exclusividade do material: o emprego de qualquer som passava a ser lícito e até desejado. E não apenas isso: também técnicas outras obtiveram salvo-conduto para ingressar no meio musical e trabalhar seus elementos. Em O envelhecimento da música nova [Das Altern der neuen Musik], Adorno, atento a uma possível esclerose e policiamento ideológico das vanguardas, saúda os procedimentos composicionais de Varèse, importados da esfera da ciência: A obra de Edgar Varèse é testemunha de como seria possível dominar-se musicalmente a experiência de um mundo tecnificado, sem artesanato e sem crenças ingênuas em uma cientificação da arte. Ele, que é engenheiro, e entende seriamente de técnica, trouxe à praxis composicional aspectos tecnológicos, não para torná-la infantilmente científica, mas para proporcionallhe espaço para a expressão precisamente de tal espécie de tensões, de que a envelhecida música nova se encontra carente. Ele acessa a técnica a efeitos de pâandamento, dinâmica e articulação, com a qual devia ser iniciada o próximo grupo, também escolhido ao acaso.” [“In diesem Werk sind auf einem Papierbogen von 53 x 93 cm 19 Nottengruppen – alle von denselben Grundprinzipien, rhytmischen Zellenstrukturen und Gessalttypen abgeleitet – unregelmäßig verteilt. Der Pianist sollte ‘absichtslos’ auf den Papierbogen schauen und mit der Gruppe beginnen, auf die zufällig sein Blick zuerst gefallen war. Tempo, Lautstärke und Anschlagsart waren frei. Am Ende jeder Gruppe stand eine Tempobezeichnung, Lautstärke und Anschlagsart, in der die nächste Gruppe gespielt werden sollte, erneut durch einen zufälligen Blick gefunden.”] Ibidem, 122.

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nico que ultrapassam a medida humana dos meios musicais.304

Portanto, não só a forma passou a admitir o acaso e a interatividade, através da participação dos intérpretes (e, às vezes, do público): essa mesma forma - que passava a lidar agora com simplesmente toda espécie de som - também tornou-se híbrida de técnica musical e de ciência. Na escolha do material, havia liberdade completa: não bastando a inclusão de ruídos e notas artificialmente distorcidas pela eletrônica – sons que nunca existiram realmente na natureza –, ficava também suspensa a lei do progresso do material. A tese pós-estruturalista de que a história teria acabado e que não haveria mais para onde progredir como que autorizou os compositores a servirem-se de materiais passados. Começaram a aparecer experimentos como os de Henryk Gorecki (Czernica, Polônia, 1933) e suas Três peças em estilo antigo (1963), Alfred Schnittke (Engels do Volga, Rússia, 1934), que, em sua Sinfonia I (1972) estende ao máximo o emprego de estilos históricos, unindo citações de Beethoven, free jazz, canto gregoriano e música de salão e Denis Bouliane (Quebec, 1955), entretecendo estruturas pós-seriais aos mais variados estilos antigos.305

304 “Wie die Erfahrung einer technifizierten Welt ohne Kunstgewerbe und ohne den Köhlerglauben an die Verwissenschaftlichung der Kunst musikalisch sich bewältigen ließe, dafür zeugt das Werk von Edgar Varèse. Er, der Ingenieur ist und im Ernst etwas von der Technik weiß, hat dem Komponieren technologische Aspekte zugebracht, nicht um sie infantil zu verwissenschaftlichen, sondern um Raum zu schaffen für den Ausdruck von Spannungen eben solcher Art, wie sie die gealterte Neue Musik einbüßt. Er wendet die Technik an Wirkungen von Panik, die das Menschenmaß musikalischer Mittel überschreiten.” [Band 14: Dissonanzen. Einleitung in die Musiksoziologie: Das Altern der Neuen Musik. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 11457 (vgl. GS 14, S. 159)] 305 Ver BUCKINX, 133-150 e GRIFFITHS, 239-328.

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À parte a inclusão crescente dos materiais, a música, paralelamente às outras artes, começou a encetar uma aproximação de parâmetros estéticos não próprios do som, como cor e espaço. Obras como Atmosferes (1961), do húngaro Gyorgy Ligeti, inauguraram o emprego de massas sonoras – conseguidas graças ao seu microtonalismo, isto é, um contraponto muito fechado e cromático entre todas as vozes – similares à composição de uma obra plástica, um quadro ou uma escultura. Paralelo à aproximação de uma estética própria das artes plásticas, ocorre uma espacialização do som: em Grupos [Gruppen], para três orquestras, Stockhausen encontra soluções que lembram o policoralismo veneziano do século XVII (e as Vespro de Monteverdi), e ele vincula som e espacialidade nos três concertos (22 a 25 de novembro de 1969) em que apresenta seus Hinos [Hymnen] na caverna de estalactites de Jeita, no Líbano.306 Durão traz, em seu texto, um exemplo de movimento feito pela literatura, ao aproximar-se de elementos semânticos próprios da música, no caso o serialismo – no qual a repetição de uma figura só pode ocorrer depois da apresentação de todas as outras figuras escolhidas pelo autor para integrar sua ‘série’. O trecho é de Gertrud Stein: Estou escrevendo para mim e para estranhos. Essa é a única forma que posso fazer isso. Todo mundo é real para mim, todo mundo é como uma outra pessoa para mim. Ninguém que conheço pode querer saber disso e então escrevo para mim e para estranhos. / Cada um está sempre ocupado com isso, nenhum deles dessa forma jamais quer saber disso e cada um se parece com algum outro e eles vêem isso. É muito importante para mim saber disso, sempre ver isso quem se parece com outros e dizer isso. Escrevo para mim e para estranhos. Faço isto para mim e para aqueles que sabem que eu sei disso que eles se parecem com os outros, que eles 306 Ver KURTZ, 232-4.

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estão separados e no entanto se repetem. Há alguns que gostam disso que eu saiba que são como muitos outros e repetem isso, há muitos que nunca poderão de fato gostar disso. / Há muitos que conheço e eles sabem disso. Estão todos repetindo e eu ouço isso. Adoro isso e digo isso, adoro isso e agora escrevo isso. Isto é agora a história de como alguns deles são isso.307

O retorno a fontes do passado mostra que, tanto na história quanto na arte, há apenas um progresso muito limitado por fatores imponderáveis, e que agora, na passagem para a Pós-modernidade, somos testemunhas de criações que, ao mesmo tempo, conjugam progresso e reação, material antigo e tratamento inovador. Pode-se até admitir que haja um progresso, sim, mas não na obra de arte como um todo, e sim meramente um progresso localizado (apenas de parte do material), e a um custo muito alto (o atraso das outros parâmetros do material).308 Mesmo porque, se o material é história sedimentada, e essa é expressão do progresso do Espírito - mesmo que, para Adorno, o Espírito não avance em linha direta como em Hegel -, é claro que os materiais sofrerão da mesma contingência que encontramos na história. Adorno formulou-o assim: Na arte, não vigora o conceito de progresso, como sabiam Hegel e Marx, de forma tão ininterrupta como para as forças produtivas técnicas. A arte está imbricada até as entranhas no movimento histórico de crescentes antagonismos. Nela, há tanto ou tão pouco progresso quanto na sociedade.309 307 Tradução de Durão, F. STEIN apud DURÃO. 308 Por exemplo, o timbre em detrimento das alturas, ou as alturas em detrimento das durações ou das articulações etc. 309 “[...] das Verhältnis der Kunst zum Fortschritt. In ihr gilt sein Begriff, wie Hegel und Marx wußten, nicht ebenso ungebrochen wie für die technischen Produktivkräfte.

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Enquanto uma esfera progride, as outras são obrigadas a retroceder. Assim, também na arte podem acontecer circularidades, saltos e retrocessos. O atraso que Adorno tinha constatado, na passagem da música de Bach para a da melodia acompanhada da Escola de Mannheim, por exemplo, era justificado por dar condições a um avanço na questão da harmonia. Sempre que, no decurso da história, uma esfera [um parâmetro] do material se desenvolvia isoladamente, as outras sempre ficavam para trás, castigando, na unidade da obra, a mentira da “mais avançada”.310

Eisler faz uma análise semelhante do fenômeno Wagner, que, para conseguir fazer valer suas infinitas modulações – o fator novo e avançado de seu material – teve que restringir as regras da semântica no desenvolvimento das frases: Aqui temos um exemplo no qual um progresso musical constitui um atraso. Tudo o que conhecemos através de nossos professores clássicos quanto à lógica musical, à formação e fluidez de uma frase musical, tudo isso nos é tomado por esse diabólico Richard Wagner, dando-nos em troca uma nova harmonia, extremamente sedutora.311

Bis ins Innerste ist die Kunst in die geschichtliche Bewegung anwachsender Antagonismen verflochten. In ihr gibt es so viel und so wenig Fortschritt wie in der Gesellschaft.” ÄT, 309. 310 “Wann immer ein isolierter Materialbereich im geschichtlichen Zuge entwickelt wurde, stets sind andere Materialbereiche zurückgeblieben und haben in der Einheit des Werkes die fortgeschritteneren Lügen gestraft.” PhnM, 55-6. 311 EISLER, 486.

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Determinante será, então, o tratamento dispensado ao material. E aqui chegamos a um ponto central de nosso trabalho, já que o progresso do material revelou-se como sendo intermitente e mesmo circular: o que ainda pode emanar a “idéia de progresso” será o domínio do material, o escrever, mesmo com letras antigas, palavras novas. Todos os progressos nos âmbitos culturais são aqueles do domínio do material, da técnica. O conteúdo de verdade do espírito, ao contrário, não é indiferente a isso. Um quarteto de Mozart não é apenas mais bem feito que uma sinfonia da escola de Mannheim, mas, sim, enquanto mais bem feito e mais harmônico é, também, em sentido enfático, de qualidade superior.312

A Pós-modernidade questiona a atualidade de uma filosofia da arte, mas, ao mesmo tempo, clama por um estatuto que legitime suas proposições. Ou será que os exageros de anacronismos e citações do passado, depois de desarticularem os movimentos de vanguarda, tornaram também anacrônica a necessidade de uma estética? Pensamos que a urgência está em uma reflexão que inclua seriamente a experiência estética em seu estatuto. Retornemos às Variatons I, de John Cage: a partitura não mostra notas musicais, parece mais um gráfico, com linhas e setas que se cruzam. Isso não é apenas um efeito superficial. Depois de séculos seguindo sons da esquerda para a direita, em seqüência temporal e constante, a obra de arte musical 312 “Alle Fortschritte in den kulturellen Bereichen sind solche von Materialbeherrschung, von Technik. Der Wahrheitsgehalt des Geistes ist dagegen nicht gleichgültig. Ein Quartett von Mozart ist nicht bloß besser gemacht als eine Symphonie der Mannheimer Schule, sondern rangiert als besser Gemachtes, Stimmigeres auch im emphatischen Sinn höher.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Fortschritt. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8449 (vgl. GS 10.2, S. 634)]

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começou a independizar - se do parâmetro temporalidade, e a forma da partitura expressa isso. Da mesma forma, com a composição de Stockhausen para piano, “a partitura apresenta-se ao pianista enquanto coexistência de diferentes partes, como uma imagem, cuja percepção não está condicionada a uma determinada seqüência da contemplação. A música engloba agora uma dimensão que, até então, estava reservada às artes plásticas”.313 No artigo A arte e as artes [Die Kunst und die Künste], Adorno expõe sua idéia do que chamou de Verfransung der Künste. O termo Verfransung significa, em alemão, uma sobreposição de franjas [Fransen], um sobrepor-se, um emaranhar de tecidos. Adorno adota-o em sua estética e aplica-o às artes. Fábio Durão emprega, em português, o vocábulo ‘enodamento’ das artes,314 mas vamos preferir ‘emaranhamento’, que descreve um movimento de aproximação e um entremear-se das artes e linguagens, pois ‘enodamento’ refere-se, antes, a nós, nós que só aparecem quando objetos encontram-se já em fricção uns com os outros. O emaranhamento ali referenciado expressa um fenômeno de supressão dos limites que a vanguarda histórica impunha aos materiais e linguagens, e marca o início do movimento que o pensamento estético de Adorno vai realizar em direção a um intercâmbio das linguagens. Esse movimento, aprofundado, desvelará um fundamento comum a todas as artes, e que reside no fato de todas elas serem linguagem. O emaranhamento [Verfransung] apresenta-se como uma preclara visão das direções tomadas pela arte da Pós-modernidade, - o mais importante - abrindo a possibilidade de diálogo entre a filosofia da arte adorniana e as práticas contemporâneas de criação. Como podemos 313 “Dem Pianisten stellt sich die Partitur als Koexistenz verschiedener Teile dar: wie ein Bild, dessen Wahrnehmung nicht an eine bestimmte Reihenfolge der Betrachtung gebunden ist. Die Musik, so stellt Adorno fest, schließ nun eine Dimension ein, die bis dahin der bildenden Kunst vorbehalten war.” EICHEL, 11. 314 Ver DURÃO, Fábio: As artes em nó. Rio de Janeiro: Alea, vol. 5, no. 1, jan./jul. 2003.

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entender no trecho seguinte, ele ofereceria mesmo a chance de, assimilando coisas do mundo (complexos externos à realidade estética), participar do mundo, sem imitá-lo: O emaranhamento das formas artísticas acompanha, quase sempre, um apreender dos complexos exteriores à realidade estética. Justamente este [apreender] é estritamente oposto ao princípio de sua reprodução. Quanto mais um gênero admite dele em seu interior, [...] tanto mais participa do que lhe é estranho, coisal, em vez de o imitar. Ele [o gênero] torna-se virtualmente uma coisa entre as coisas, torna-se aquilo de que não sabemos o que é. Tal não-saber é o que concede a inevitável expressão da arte.315

Nesse participar do mundo sem imitá-lo, temos a possibilidade, prevista por Adorno, de, mesmo admitindo a inclusão, poder a obra de arte seguir cobrando potencial crítico, já que, a partir daí, vai realizar um entremeamento com os materiais presentes no mundo, falando a cada não-idêntico indivíduo com uma não-idêntica linguagem – o que, se nada mais restar, seguirá sendo o destino de cada obra de arte. A própria inclusão da imponderabilidade histórica na composição, agora de forma imediata, estreita os vínculos de arte e história. Normalmente, poder-se-ia objetar que uma aproximação desses dois planos aumentaria o risco de dissolução da fronteira en315 “Die Verfransung der Kunstgattungen begleitet fast stets einen Griff der Gebilde nach der außerästhetischen Realität. Er gerade ist dem Prinzip von deren Abbildung strikt entgegengesetzt. Je mehr eine Gattung von dem in sich hineinläßt, [...] desto mehr partizipiert sie am ihr Fremden, Dinghaften, anstatt es nachzuahmen. Sie wird virtuell zum Ding unter Dingen, zu jenem, von dem wir nicht wissen, was es ist. Solches Nicht-Wissen verleiht einem der Kunst Unausweichlichen Ausdruck.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Die Kunst und die Künste. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8140 (vgl. GS 10.1, S. 450)]

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tre arte e mundo, roubando-se-lhe a possibilidade de seguir guardando uma reserva ética (o conteúdo de verdade que preserva sua condição de não-idêntico) e de crítica à sociedade. Porém, a inclusão do material e a aleatoriedade devem entrar na obra de arte Pós-moderna emancipada não de forma icônica, simbólica e imutável: entram para ali então serem submetidas ao tratamento da forma. O compositor vai servir-se delas para dizer o que, sozinhas, não mais poderiam, e seu sentido será – continuará sendo – recuperar o Ursinn, o sentido primeiro que aqueles materiais, hoje esgotados, um dia tiveram: à frente, na seqüência da história. Eis o impulso que a teoria estética adorniana precisaria para superar a racionalidade, ancorando-se o fundamento da obra de arte pós-moderna crítica não mais no progresso do material, mas no tratamento desse.316 Adorno não compunha mais desde meados da década de 1940,317 mas, depois de regressar à Alemanha, continuou fazendo visitas regulares aos encontros de música nova, em Darmstadt,318 e seus diálogos com Stockhausen tiveram seqüência por cartas, como recorda o próprio Stockhausen.319 O aprofundamento desse contato 316 A superação da razão [Selbstüberschreitung der Vernunft] preconizada por Adorno deve ser entendida enquanto superação de uma racionalidade unilateral no sentido da Dialética do esclarecimento. Nem na Dialética negativa nem na Teoria estética, Adorno abandonou a ratio enquanto instância de referência crítica. Ver SEWING, 4-5. 317 Seus últimos opus datam de 1945: Drei Klavierstücke e Drei kurze Klavierstücke, bem como a revisão das Drei Gedichte von Theodor Däubler für vierstimmigen Frauenchor a capella. Mais sobre Adorno compositor em ALBERTI DA ROSA: A gênese do progresso. 318 No curso de 1951, Adorno substituiu Schönberg como docente, que tinha cancelado suas aulas por motivo de saúde. Cf. KURTZ, 58-9. 319 “Em uma carta de 14 de maio de 1960 a Adorno, com quem Stockhausen, naquela época, mantinha uma correspondência em tom assaz confidencial, ele escreve: ‘Sua grande força revela-se no número de seus adversários.’” [“In einem Brief vom 14. Mai 1960 an Adorno mit dem Stockhausen damals mehrfach in recht vertrautem

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data da mesma época em que teve início a revisão, por Adorno, de sua tese do progresso do material. Na Teoria estética, finalmente, já lemos que “nenhuma obra de arte merece o seu nome se afastar de si o contingente à sua própria lei.”320 Certa vez, em uma conversa, colocado diante da questão da determinação total, Stockhausen restringiu-a através do conceito, emprestado da física, de um inevitável momento de ‘indeterminação’. Essa indeterminabilidade, porém, não é nenhuma concessão que arranque a imperfeição irracional do material musical à dominação musical da natureza, mas, sim, refere-se a onde a própria determinabilidade construtiva encontra seu substrato.321

Dentro da filosofia adorniana da arte, a parcela que fala do emaranhamento das artes, normalmente não percebida, reconhece um movimento de aproximação de estéticas antes separadas por conceitos irreconciliáveis (determinação e contingência, inclusão do material e domínio da forma). A intercontextualização, contudo, não pode se esgotar em citação a-histórica, tem de efetivar-se mantendo forma conexa, para que essa, tratando e transTon korrespondierte, schreibt er: ‘Ihre große Stärke zeigt sich in der Zahl Ihrer Gegner.” Ibidem, 144. 320 “Kein Kunstwerk verdient seinen Namen, welches das seinem eigenen Gesetz gegenüber Zufällige von sich weghielte.” ÄT, 329. 321 “Stockhausen hat einmal im Gespräch, vor die Frage der totalen Determination gestellt, diese durch den der Physik entlehnten Begriff eines unvermeidlichen Moments von ‘Unbestimmbarkeit’ eingeschränkt. Diese Unbestimmbarkeit aber ist keine Konzession, welche die irrationale Unvollkommenheit des musikalischen Materials der musikalischen Naturbeherrschung abnötigte, sondern benennt, woran die konstruktive Bestimmbarkeit selber erst ihr Substrat findet.” [Band 16: Musikalische Schriften I-III: Musik und Technik. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 13005 (vgl. GS 16, S. 247)]

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formando esses materiais, realize a identidade a partir da diversidade imanente. Toda a obra de Stockhausen pode ser compreendida como o experimentar possibilidades de contexto musical em um contínuo polidimensional. Tal maestria, que permite fundar contexto em uma imprevisível variedade de dimensões, cria, a partir de dentro, a união da música com o visual, com a arquitetura, com o plástico e com a pintura. Quanto mais os meios contextualizadores de cada um dos gêneros artísticos se expandirem para além de onde estavam represados, como que se formalizando, tanto mais estarão os [distintos] gêneros subordinados a uma identidade.322

Os conceitos que Adorno sugere poderem entremear-se, observa Nicholsen, “são retirados de seus contextos originais e colocados em relação uns aos outros”.323 O pensamento inter-relacional de conceitos normalmente alheios entre si realiza-se no estilo da Teoria estética, na qual as frases circundam a intenção de imitação, sem que essa se realize. Ali, Adorno, ao citar, de uma golfada, autores díspares, consuma, em um livro que normalmente se proporia a apenas tratar de estética, uma estetização da teoria, realizando na prática uma recupera322 “Die gesamte Arbeit von Stockhausen kann als Versuch aufgefaßt werden, Möglichkeiten musikalischen Zusammenhangs in einem vieldimensionalen Kontinuum zu erproben. Solche Souveränität, die in einer unabsehbaren Mannigfaltigkeit von Dimensionen es gessattet, Zusammenhang zu stiften, schafft von innen her die Verbindung der Musik mit Visuellem, mit Architektur, Plastik und Malerei. Je mehr die zusammenhangbildenden Mittel der einzelnen Kunstgattungen über den angessammten Vorrat hinaus sich ausbreiten, gleichsam sich formalisieren, desto mehr werden die Gattungen einem Identischen unterworfen.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/ II: Die Kunst und die Künste. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8120 (vgl. GS 10.1, S. 438-439)] 323 NICHOLSEN, Shierry, apud DURÃO, 5.

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ção, em sua filosofia da arte, do princípio da montagem. Na seguinte passagem, nosso negrito visa destacar o efeito de montagem: Mal se pode dizer tratar-se de impertinente generalização de [elementos] divergentes histórica e filosoficamente, quando deduzimos os gestos antiharmônicos de Michelangelo, do Rembrandt tardio, e da última fase de Beethoven, em vez do triste e subjetivo desenvolvimento, a partir da dinâmica do próprio conceito de harmonia, finalmente, sua insuficiência. A dissonância é a verdade sobre a harmonia.324

Ou ainda: Sob este aspecto da consciência da inverdade do verdadeiro, toda arte participa do humor, e complementa a tenebrosa Modernidade; Thomas Mann destacou isto em Kafka, em Becket, é evidente.325

Realizar a identidade (da obra) a partir da diversidade imanente dos materiais, graças a uma lei da forma que os integre e os modifique (desenvolva) conseqüentemente: essa tese, Adorno começou a planejar desde a época em que ainda aceitava com dificuldade os movimentos surrealista e dadaísta. O que Adorno não queria enxergar como uma tentativa de reanimação dos materiais a partir de seu previsível esgotamento técnico e histórico cobrou força quando, no iní324 “Kaum generalisiert man unziemlich geschichtsphilosophisch allzu Divergentes, wenn man die antiharmonischen Gesten Michelangelos, des späten Rembrandt, des letzten Beethoven, anstatt aus subjektiv leidvoller Entwicklung, aus der Dynamik des Harmoniebegriffs selber, schließlich seiner Insuffizienz ableitet. Dissonanz ist die Wahrheit über Harmonie.”ÄT, 168. 325 “Unter diesem Aspekt, dem Bewußtsein der Unwahrheit des Wahren, partizipiert jegliche Kunst am Humor und vollends die verfinsterte Moderne; Thomas Mann hat das an Kafka betont, bei Beckett liegt es auf der Hand.” Ibidem, 472.

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cio dos anos 1960, deu- se conta de que a Verfransung, o emaranhamento das artes, era um fenômeno imbricado no próprio processo de desenvolvimento do material: “o emaranhamento das artes é um falso ocaso da arte”.326 Como a fênix que renasce das próprias cinzas, a reanimação das artes precisava passar pela sua ‘morte’, que foi, na primeira metade do século XX, o desaparecimento da arte bela, e, na segunda metade, o fim do avanço técnico dos materiais, aliado ao condicionamento da forma a este avanço. O emaranhamento das artes, hostil a um ideal de harmonia, que, por assim dizer, pressupõe relações ordenadas dentro dos gêneros enquanto garantia de sentido, deseja sair do aprisionamento ideológico da arte, [aprisionamento] que atinge, como uma esfera autárquica do Espírito, até sua constituição enquanto arte. É como se os gêneros artísticos, negando os contornos que lhes dão forma, se pusessem a roer o próprio conceito de arte. O fenômeno primeiro do amaranhamento das artes foi o princípio da montagem, que eclodiu antes da Primeira Guerra Mundial na explosão do cubismo e, independente dele, em experimentadores como Schwitters e, depois, no surrealismo e no dadaísmo.327 326 “Die Verfransung der Künste ist ein falscher Untergang der Kunst.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Die Kunst und die Künste. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8143 (vgl. GS 10.1, S. 452)] 327 “Die Verfransung der Künste, feind einem Ideal von Harmonie, das sozusagen geordnete Verhältnisse innerhalb der Gattungen als Bürgschaft von Sinn voraussetzt, möchte heraus aus der ideologischen Befangenheit von Kunst, die bis in ihre Konstitution als Kunst, als einer autarkischen Sphäre des Geistes, hinabreicht. Es ist, als knabberten die Kunstgattungen, indem sie ihre festumrissene Gessalt negieren, am Begriff der Kunst selbst. Urphänomen der Verfransung der Kunst war das Montageprinzip, das vor dem Ersten Krieg in der kubistischen Explosion und, wohl unabhängig davon, bei Experimentatoren wie Schwitters und dann im Dadaismus und im Surrealismus hochkam.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II:

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A absorção de desenvolvimentos tecnológicos externos à obra de arte resulta freqüentemente - especialmente através da autoreprodução midiática de signos - na utilização desses recursos da técnica em meios também meramente externos. Aqui, queremos abordar um tema no qual a filosofia adorniana da arte demonstrou uma clara mudança de orientação: o cinema. Nesse, encontramos exemplos de sobra de como as técnicas digitais de efeitos especiais são empregadas para apenas reforçar desnecessariamente parâmetros já evidentes de imagem e som. A superação da racionalidade que está ao alcance da obra de arte contemporânea tem, contudo, de ser conquistada a partir de um progresso imanente, ainda que decorrente do englobamento de técnicas processuais a si alheias. No uso da tecnologia para apenas duplicar o que já está sendo dito por funções internas da organização da obra de arte,328 reside o núcleo da crítica de Adorno e Eisler em seu Música para cinema [Musik für den Film], de 1944. Os meios técnicos de reprodução, que, ao surgirem, fascinaram pensadores como Benjamin e Brecht, foram em Hollywood inseridos em um processo automático de reprodução de suas próprias potencialidades, sem ingressar no núcleo criativo, que é o da forma da obra de arte.329 Aqui, porém, apresenta-se a chance para que o cinema também se alinhe nas fileiras da obra de arte emancipada: na inclusão de mídias que mantenham um diálogo de tensão e de negatividade com aspectos constitutivos seus, os quais se vêem obrigados, por natureDie Kunst und die Künste. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8139 (vgl. GS 10.1, S. 450)] 328 No pensamento adorniano, o conceito de técnica na indústria cultural só tem em comum o nome com aquele válido para as obras de arte. Na arte, a técnica diz respeito à organização imanente da obra, à sua lógica interna; sob a Indústria Cultural, a técnica não vai além de um expediente para revestir a superfície exterior – a aparência, o Schein – do objeto com meios que visam à reprodução hiperrealista do mundo. 329 Ver MmC.

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za, à representação da realidade. Enquanto nas artes plásticas a dissolução do figurativo já completa um século - ocorrendo mesmo que a figura, depois de depurada de seu potencial icônico, pode agora retornar às telas e assumir um novo papel - o cinema, em função das funções temporalidade e linearidade (da narrativa), ainda encontra dificuldade em manifestar-se como fantasmagoria, a qual Martin Zenck define como “a forma ilusória da arte por excelência, porque nela é tematizado o caráter de aparência da arte enquanto ficção dentro de uma ficção”. A ilusão seria encenada conscientemente, como nas visões da Noite de Valpurguis, na segunda parte do Fausto, na paródia à Noite de Valpurguis e no capítulo da neve da Montanha Mágica de Thomas Mann, na música de Wagner e na poesia de Baudelaire.330 Apesar de tudo, persiste a discrepância entre as tendências mais avançadas das artes plásticas e as do cinema. Essa [discrepância] ainda compromete suas [do cinema] mais ousadas intenções. No momento, ele [o cinema] tem, ao que tudo indica, que buscar seu potencial mais criativo em outras mídias que nele têm entrada, como em alguma [espécie de] música. O filme para televisão ‘Antítese’, do compositor Mauricio Kagel, é um dos mais penetrantes exemplos disso.331

330 ZENCK, 206. 331 “Bei all dem indessen besteht die Divergenz zwischen den fortgeschrittensten Tendenzen der bildenden Kunst und denen des Films fort. Sie kompromittiert noch dessen kühnste Absichten. Offenbar hat er im Augenblick sein fruchtbarstes Potential bei anderen Medien zu suchen, die in ihn übergehen, wie manche Musik. Der Fernsehfilm ‘Antithèse’ des Komponisten Mauricio Kagel bietet dafür eines der eindringlichsten Beispiele.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Filmtransparente. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 7983 (vgl. GS 10.1, S. 358)]

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A partir de 1965, então, Adorno começa a admitir a possibilidade de o cinema também ser arte emancipada, autônoma e crítica. Para isso, será necessário o emprego de música que não se restrinja a emoldurar a cena projetada na tela, mas que conduza a atenção do espectador para um jogo cambiante de negatividade para com a ação, através de comentários não do que aparece em cena, mas da intenção subjacente às intenções das personagens. A estética do cinema deverá, antes, recorrer a uma forma subjetiva de experiência, à qual, apesar de sua gênese tecnológica, se assemelha, e que constitui aquilo que tem de artístico. [...] O cinema seria arte enquanto reposição objetivante dessa espécie de experiência.332

Essa já tinha sido a proposta de Adorno e Eisler em 1944, no Komposition für den Film, mas foi a partir de 1965 que a interação de linguagens e a inserção de material não exclusivamente deduzidos da obra de arte passaram a ser admitidos por Adorno como alternativa viável e capaz do mantenimento do potencial crítico – mesmo do cinema. Que beleza seria, se, na atual situação, pudéssemos afirmar que os filmes seriam tanto mais obras de arte quanto menos se apresentassem enquanto obras de arte.333 332 “Die Ästhetik des Films wird eher auf eine subjektive Erfahrungsform rekurrieren müssen, der er, gleichgültig gegen seine technologische Entstehung, ähnelt und die das Kunsthafte an ihm ausmacht. [...] Kunst wäre der Film als objektivierende Wiederherstellung dieser Weise von Erfahrung.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Filmtransparente. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 7978 (vgl. GS 10.1, S. 355)] 333 “Wie schön wäre es, wenn man, in der gegenwärtigen Situation, behaupten dürfte, die Filme seien um so mehr Kunstwerke, je weniger sie als Kunstwerke auftreten.” [Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Filmtransparente. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 7988 (vgl. GS 10.1, S. 361)]

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A arte crítica da Modernidade sofreu um assédio muito intenso, já a partir da metade do século passado, da parte de técnicas inovadoras, a maioria proveniente da informática. O processo que aí se instaurou resultou em uma assimilação meramente tecnocrática dessas tecnologias, que não concretizaram a interação com o núcleo formal da obra de arte. As novas técnicas como que apenas cobriram sua superfície externa, relegando o conteúdo a uma repetição de fórmulas historicamente já vistas e apenas revestindo-a de aparência avançada – criando uma hiper-realidade, um patamar ficcional que se propõe a não divorciar-se do mundo empírico, onde a realidade é ‘embelezada’, intensificada, “um real mais real e interessante que a própria realidade”.334 Os meios de comunicação, novos senhores do mundo, esteticizam, com o emprego de novos e persuasivos ingredientes midiáticos, guerras e massacres freqüentemente incitados por eles mesmos. Enzensberger denuncia que “grande parte da intelligentsia iugoslava demonstrou que a produção do ódio e a preparação da guerra civil pertencem, ainda hoje, às mais relevantes tarefas dos agentes culturais”.335 Esse estado de guerra civil (Enzensberger) faz com que as obras de arte também se encontrem em guerra – ars in tempore belli –, em seu próprio campo, contra criações que objetivam não outra coisa do que reforçar a cultura do massacre enquanto diversão de massa: “o transe gerado pela assimilação da mídia não é explicado por uma relação imitativa, mas pelo feed-back direto estabelecido entre a imagem e a realidade. Inúmeros criminosos têm a sensação de não serem eles próprios participantes de suas ações [...] como se tudo não passasse de uma ‘cena de televisão’”.336 A inutilidade de

334 FERREIRA DOS SANTOS, 3. 335 ENZENSBERGER, 48. 336 Ibidem, 49.

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toda a cultura, depois de Auschwitz, na palavra de Adorno,337 expressa o impasse de falar e mesmo de criticar o genocídio servindose da mesma ferramenta – a racionalidade – responsável pela sua execução. Mas na guerra da Pós-modernidade vale tudo: tanto quanto pseudo-reportagens sobre serial-killers, também o Holocausto foi já produzido e apresentado em várias versões de seriados de televisão e de filmes premiados por Hollywood. Para Kunow, a tensão entre acontecimento e estrutura estética impede a ficção de ser um instrumento apropriado de memória cultural. Elie Wesel explica que “quanto mais um romance é um ‘bom romance’, tanto menos ele é verdadeiro. Por definição, Auschwitz nega a arte e coloca-se além da linguagem”.338 O transe de que fala Enzensberger – conseqüência do feedback direto entre imagem e realidade – é um sintoma que tem condições de ser anulado, desde que a tensão entre sujeito e mundo recupere seu vigor. Para que exista essa tensão, contudo, tem que haver sujeito, quer seja, nossa questão passa pela recuperação da subjetividade, hoje atomizada, dos indivíduos. E não apenas o sujeito teria que recuperar- se: tem que haver também mundo, pois a permeabilidade entre sujeito desconstruído e mundo-como-se-fosse-televisão – com sujeito e mundo intercambiáveis – nunca permitirá uma estrutura crítica, pois falta ponto de partida enquanto núcleo de referência (subjetividade centrada) e alvo objetivo (mundo). 337 “Toda cultura, depois de Auschwitz, inclusive sua urgente crítica, é lixo.” [“Alle Kultur nach Auschwitz, samt der dringlichen Kritik daran, ist Müll.”] [Band 6: Negative Dialektik. Jargon der Eigentlichkeit: Dritter Teil: Modelle. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 3425 (vgl. GS 6, S. 359-360)] 338 “Again, it is the tension between event und aesthetic structure that makes fiction an inappropriate organ of cultural memory: ‘the more a novel on this subject is a ‘good novel’ , the less it is the truth. By definition, Auschwitz denies art and places itself beyond language.’” WIESEL apud KUNOW, 250.

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A arte pode ser o lugar de onde partirá o movimento de recomposição da tensão sujeito-mundo. Seu movimento de entrelaçamento de técnicas e linguagens está avançando – em um momento em que os mais pessimistas previam o esgotamento de seu referencial ético e crítico – graças à absorção de ‘complexos exteriores à realidade estética’339 e recuperando seu destino de devolver ao mundo os enigmas que esse nos propõe.340 Para que esse processo de todos-porum (onde todas as linguagens e todas as técnicas acudem a cada linguagem, a cada técnica e a cada obra de arte em particular), contudo, não se esvazie em mera auto reprodução espetacular de signos, os complexos do mundo absorvidos no seio da obra de arte têm que servir imanentemente à forma, têm de passar a ser constitutivos da sua técnica. Temos aqui, portanto, a explicação de por que a racionalidade tem de continuar a fazer parte da obra de arte: os elementos exteriores à realidade estética que, na obra de arte, transformam-se não em meras partes dela, mas na obra de arte mesmo – em sua forma e técnica –, só podem completar esse processo se conduzidos pela racionalidade, “uma racionalidade boa” – boa porque é mediada pela fantasia.341

339 Ver nota 315. 340 Ver nota 169. 341 Ver nota 152.

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5 Não é o fim

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Concluímos que a expulsão da obra de arte pós-moderna da lista das expressões que resistem às tendências reacionárias da globalização tem de ser revertida, para bem da recuperação de um status que a arte, desde sua dessacralização, vinha aprofundando crescentemente: o de oposição à sociedade. Ora, a indiferenciação característica da contemporaneidade aboliu tanto a tensão entre sujeito e mundo como a que constituía a raiz crítica das artes em relação à vida quotidiana. Apenas na medida em que o Espírito, em sua forma mais progressiva, sobrevive e avança, é possível a resistência contra a onipotência da totalidade social. Uma humanidade em que o Espírito em progresso não domine o que ela está prestes a liquidar, mergulharia naquela barbárie que deve impedir uma organização racional da sociedade.342

Permeada pelo quotidiano e pelo exercício da interatividade, mídias baseadas fortemente na tecnologia digital enveredaram rapidamente pela senda tecnocrática de, sem comentá-lo, recriar o mundo com sensações intensificadas e estetizadas. A tentativa de retorno à arte bela, contudo, apenas produziu um sem-número de deformações kitsch do que poderia ter chegado a ser obras de arte. As críticas de reacionarismo, dirigidas à arte contemporânea como um todo, só fizeram silenciar o debate acerca do que seria um importante resgate na resistência ao que alguns filósofos classificam como sendo a terceira fase do capitalismo mundial. 342 “Einzig wofern Geist, in seiner fortgeschrittensten Gessalt, überlebt und weitertreibt, ist überhaupt Widerstand gegen die Allherrschaft der gesellschaftlichen Totale möglich. Eine Menschheit, der nicht der fortschreitende Geist übermachte, was sie zu liquidieren sich anschickt, versänke in jener Barbarei, die eine vernünftige Einrichtung der Gesellschaft verhindern soll.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4296 (vgl. GS 7, S. 348)]

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Este livro visou conceder à obra de arte pós-moderna uma plataforma a partir da qual pudesse, se esse for o caso, continuar exercendo sua negatividade em relação ao mundo empírico. Para isso, tomamos o conceito aristotélico da catarse na forma como foi apropriado por Adorno, enquanto efeito emocional-emotivo desencadeado pela mímese, com toda a carga dialética de que essa se alimenta desde que possibilitou, no alvorecer da racionalidade humana, a sobrevivência da espécie, ao mesmo tempo em que a condicionou a alienar-se para sobreviver. O rigor com que, no curso dos séculos, os dominadores vetaram o retrocesso a modos de vida miméticos tanto a seus próprios descendentes quanto às massas dominadas - começando pela proibição religiosa de imagens, passando pelo desprezo social aos atores e ciganos, até à pedagogia, a qual desacostuma as crianças a serem infantis - é a condição da civilização. Educação social e individual confirma os homens no comportamento objetivante [própria] de trabalhadores, impedindo-os de perderem-se nos altos e baixos da Natureza que os circunda. Toda distração, toda entrega tem um traço de mimético. Enrijecendo-se contra isso é que se forjou o Ego. Através de sua constituição realiza-se a transição de mímese reflexiva para reflexão controlada.343 343 “Die Strenge, mit welcher im Laufe der Jahrtausende die Herrschenden ihrem eigenen Nachwuchs wie den beherrschten Massen den Rückfall in mimetische Daseinsweisen abschnitten, angefangen vom religiösen Bildverbot über die soziale Ächtung von Schauspielern und Zigeunern bis zur Pädagogik, die den Kindern abgewöhnt, kindisch zu sein, ist die Bedingung der Zivilisation. Gesellschaftliche und individuelle Erziehung bestärkt die Menschen in der objektivierenden Verhaltensweise von Arbeitenden und bewahrt sie davor, sich wieder aufgehen zu lassen im Auf und Nieder der umgebenden Natur. Alles Abgelenktwerden, ja, alle Hingabe hat einen Zug von Mimikry. In der Verhärtung dagegen ist das Ich geschmiedet worden. Durch seine Konstitution vollzieht sich der Übergang von

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A esse, contrapusemos antiteticamente a resistência oferecida pelo sujeito à cooptação de sua individualidade na massa indistinta e atomizada do anything goes das políticas da sociedade pós-moderna, caracterizando-a enquanto processo que ocorre em um contexto de opressão – lembrando Foucault, que nos demonstrou que “onde há poder, há resistência”.344 Uma opressão, contudo, a que, como observou Postmann, não se responde com gritos de socorro, imersa que se encontra a humanidade em um mar de delícias contra o qual ninguém levanta armas:345 a grande purificação emocional pós-moderna. A ataraxia burguesa espalhou-se pura e simplesmente sobre tudo que fosse capaz de reagir. Atingindo o Eros, ela se volta diretamente contra aquele outrora mais precioso dos bens, a eudaimonia subjetiva, pela qual era reclamada a purificação dos afetos.346

As teorias da arte dos pós-estruturalistas sempre se mostraram exageradamente preocupadas em buscar um estatuto para a obra de arte contemporânea fora do âmbito da racionalidade. Mesmo que essa racionalidade pudesse existir em seu seio, a condição de sua comunicabilidade seria nula, já que mesmo sua execução e mostra constituiriam-se de deturpações do pensamento do criador por uma reflektorischer Mimesis zu beherrschter Reflexion.” [Band 3: Dialektik der Aufklärung: V. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 1426 (vgl. GS 3, S. 205)] 344 FOUCAULT, M: História da sexualidade, 91. 345 Ver nota 261. 346 “Die urbürgerliche Ataraxie hat sich über alles Reagieren schlechthin ausgebreitet. Indem sie den Eros ereilt, kehrt sie sich unmittelbar gegen jenes ehemals höchste Gut, subjektive Eudämonie, um dessentwillen die Reinigung von den Affekten verlangt war.”[Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Aldous Huxley und die Utopie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 7547 (vgl. GS 10.1, S. 104105)]

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linguagem que nunca chegará ao interlocutor. Ora, temos que essa posição enfraqueceu ainda mais a arte nova, rejeitada primeiro pelo público por mostrar-lhe a verdadeira face horrível da sociedade347 e, agora, por intelectuais de esquerda que lhe queimam o estigma de reacionária. Para assegurar à arte a continuação de seu criticismo, fomos buscar em alguns textos dos últimos anos de Theodor Adorno seu testemunho em favor de uma revolução dentro da constituição do material da obra de arte. O original e o reproduzido perdem, desde a observação de Benjamin, sua diferenciação – numa época, porém, em que essa indiferenciação faz eco a outras permeabilidades tão ou mais graves, e é midiaticamente atrelada a uma política de ‘dividir para reinar’ - a atomização da subjetividade pós-moderna -, cresce em importância a revisão feita por Adorno da inclusão do material, pois essa torna a obra de arte potencialmente esquiva à reprodução, já que pode assimilar parâmetros e dimensões sempre mais numerosas, reconfigurando, agora em outro patamar, a corrida pelo progresso na arte defendida por Adorno na PhnM. Essa idéia, como demonstramos, já estava presente em germe na Filosofia da nova música, e, nos últimos escritos do frankfurtiano, propiciou uma mudança mesmo em suas antes intransigentes posições relativas à possibilidade de o cinema expressar-se como obra de arte emancipada. Na seqüência, traçamos um paralelo entre a condição estética pós-moderna e o esgotamento estilístico e o hibridismo do material que caracterizaram a transição da polifonia renascentista para a seconda pratica da Camerata fiorentina, tomando como exemplo o compositor Claudio Monteverdi. Chegamos a esse caso particular depois de examinarmos os comentários de Adorno na PhnM relativos ao

347 Ver nota 39.

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hibridismo também em Johann Sebastian Bach e nas fugas dos últimos quartetos de Beethoven. Temos então, que, nos períodos em que a linguagem do material apresenta fadiga, não há porque decretar-se o fim da evolução e passar-se logo a repetir conceitos desgastados. O Ursinn, em que Adorno concentra a exigência de progresso na música, nunca pode ser recuperado, é verdade, depois de sua primeira execução. Concorde à negatividade de uma estética que necessita de um impulso pós-moderno para superar a racionalidade, o progresso dá-se num aparente retrocesso, no movimento de tentar resgatar o Urklang, o som primeiro. Outrossim, a inclusão de ‘elementos extra-estéticos’ seria a solução para que a fênix da arte renasça de suas cinzas, desde que esses elementos entrem na corrente de elaboração e tratamento material, e não se apresentem como mera citação icônica e a-histórica. Se o material, na obra de arte, é verdadeiramente a resistência contra sua pura identidade, então o processo [dessa identidade] é também, essencialmente, nelas [nas obras], o [processo] entre material e intenção. Sem essa, sem a forma imanente do princípio identificador, existiria tão pouca forma quanto sem os impulsos miméticos. O excedente das intenções anuncia que a objetividade das obras não é puramente reduzível à mímese.348

A imanência da técnica da obra de arte recebe, nesse momento de transição, seiva que é, ao mesmo tempo em que histórica (pro348 “Ist das Material wahrhaft im Kunstwerk der Widerstand gegen dessen blanke Identität, so ist ihr Prozeß in ihnen selber wesentlich der zwischen Material und Intention. Ohne diese, die immanente Gessalt des identifizierenden Prinzips, wäre so wenig Form wie ohne die mimetischen Impulse. Das Surplus der Intentionen bekundet, daß die Objektivität der Werke nicht rein auf Mimesis reduzibel ist.” [Band 7: Ästhetische Theorie: Ästhetische Theorie. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 4093 (vgl. GS 7, S. 227)]

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veniente de estéticas passadas), renovadora (por incluí-las eximidas da obrigação de significar o que um dia foram). E todo esse processo, queremos repetir, não tem como ocorrer se abandonarmos a obra de arte ao laissez faire da escritura automática: a racionalidade tem que estar presente e constituinte; o tratamento do material – eminentemente racional e teleológico – é que decidirá uma nova significação a gestos recuperados da história. Esse movimento é o que chamaremos de vertical, enquanto que o movimento horizontal na procura de matéria prima para a obra de arte é o entremear-se das linguagens das outras artes e outras técnicas, a aproximação prevista por Adorno em seu A arte e as artes [ Die Kunst und die Künste]. Vertical e horizontal têm de buscar, na obra de arte crítica e autônoma, o mesmo ponto de intersecção que Adorno tão bem identificou na música de Bach, ao legitimar um parâmetro (a horizontalidade, o contraponto) em função do outro (a verticalidade, a harmonia).349 O entrelaçamento de artes e técnicas é a possibilidade de reconstituir a tensão entre sujeito e mundo, tensão essa desintegrada pelas políticas pós-modernas de dissolução do sujeito em mero abstrato coletivo. A obra de arte, portanto, acolhendo em si elementos do mundo, e devolvendo-os ao mundo transformados pela racionalidade estética, estará assumindo seu papel na resistência à grande catarse pós-moderna. No momento em que nos entregamos sem reservas ao material e suas tendências, em vez de obrigar, de cima para baixo, a composição a procedimentos seriais, esperamos extrair o seu sentido. Característico disso é o trabalho com [música] eletrônica, que não emprega apenas sons ‘eletrônicos’, e sim, a partir da natureza

349 Ver nota 290.

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destes sons, procura ler estruturas composicionais. Aparentados-opostos a estes são as experiências com o princípio da indeterminação [do acaso], estimulados em teoria por Mallarmé, e, de forma prática, pelo norte-americano John Cage. Eles pretenderiam uma cura do violento mecanismo no qual a coisa é [pré]determinada até o absurdo, até o autoaniquilamento da intenção composicional subjetiva.350

O conflito com a Modernidade, possivelmente, é inextirpável da condição pós-moderna. A possibilidade de uma superação da racionalidade, prometida e esperada no século passado, acredita passar, na obra de arte, pela inclusão máxima do material, porém sem abrir mão do tratamento da forma, agora uma rua de mão dupla, recebendo e trocando técnicas com outras áreas do conhecimento. Nesse caso, a Pós-modernidade define-se enquanto projeto, enquanto desejo de superação – da racionalidade –, como um compasso de espera sem pausa escrita. Sua busca é nossa busca, a de perceber em que foi que mudamos, que bagagem trouxemos da Modernidade e o que foi que deixamos pelo caminho.

350 “Indem man sich ohne Vorbehalt dem Material und seinen Tendenzen überläßt, anstatt Reihenverfahren von oben her der Komposition aufzuzwingen, hofft man deren Sinn zu gewinnen. Bezeichnend dafür die elektronische Arbeit, die nicht etwa elektronische Klänge ‘verwendet’, sondern aus der Beschaffenheit dieser Klänge kompositorische Strukturen herauszulesen versucht. Verwandt-entgegengesetzt sind die theoretisch durch Mallarmé, praktisch durch den Amerikaner John Cage angeregten Versuche mit dem Zufallsprinzip. Sie möchten von dem gewaltsam Mechanischen heilen, in dem sie der Sache selbst bis zum Absurden, bis zur Selbstauslöschung der subjektiven kompositorischen Intention sich überantworten.” [Band 18: Musikalische Schriften V: Zum Stand des Komponierens in Deutschland. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 14505 (vgl. GS 18, S. 136-137)]

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