Categorizar e classificar: um modo de ver o mundo

May 20, 2017 | Autor: Luis Ramalho | Categoria: Anthropology, Cognition, Classification
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Luís Pedro Ramalho, nº 53869, MAGMMA1 | CATEGORIZAÇÕES, CLASSIFICAÇÕES E INVENTÁRIOS

Categorizar e classificar: um modo de ver o mundo Talvez não nos apercebemos mas vivemos num mundo de categorizações, classificações e catálogos. A Antropologia tem dedicado especial atenção atenção a esta manifestação devido a linguagem e construção cognitiva e cultural dos significados. Para tal torna-se preciso recorrer a historia e filosofia da ciência e do conhecimento (epistemologia), e paralelamente a cognição. É alias hoje cada vez mais claro a importância da relação dialéctica e condicionante entre o primeiro e a segunda, e que se iluminam mutuamente e que o primeiro é reflexo do segundo. Como resultado foi construindo uma percepção do mundo onde a ambiguidade, incerteza ou o continum relacional representa um “papel” contrario ao conhecimento, segurança e controlo.

Epistemologia A historia do conhecimento remonta à pelo menos o período do pensamento clássico grego. A articulação entre o “conhecedor” e o “conhecido”, levou desde muito cedo a uma atenção com o processo, método, sentidos e formas de conhecer. Pudesse até dizer que é desta divisão que nasce a ciência. O processo de “auditar” a forma como se conhece moldou o próprio conhecimento e tornou-se ele próprio num conhecimento sobre como apreendemos o mundo que nos rodeia. No entanto é preciso perceber que este processo reflecte uma “incomoda desconfiança” de que o que percebemos do mundo não corresponde exactamente aquilo a que designamos por “realidade”, uma “dimensão natural” do mundo. Apercebemonos desde que que nos tronamos “homens” de que existe uma forte probabilidade de desfasamento entre o que “achamos” que é o mundo e a realidade e o que “realmente” ela é. Esta sensação é-nos dada pelas constantes “falhas” ou “erros” da nossa acção no relacionamento com as “coisas”. O controle e poder sobre este mundo não é absoluto, e o que é mais evidente é que no “caminho” histórico de o conhecermos quanto mais andamos mais esta “sensação” se densifica. O que este percurso nos mostra é uma constante dicotomização na forma de apreender. Desde as correntes filosóficas e religiosas monistas e dualistas que nos debatemos com o problema da inclusão do homem como elemento que interfere e se relaciona dentro do “mundo” que pretende conhecer. O renascimento e humanismo como forma de retomar e interpretar os clássicos gregos veio acentuar este processo dualista de percepção do mundo, sobretudo com o acentuar da divisão entre Homem e Deus, Homem e Natureza. A preponderância da matemática, do calculo e da geometria a par de novos instrumentos culminou com Descartes numa forma de “produção” (método) de conhecimento assente na divisão e isolamento dos “objectos” não só em relação ao “sujeito” como entre eles próprios. O iluminismo viu surgir a divisão entre ciências sociais/humanas, e as chamadas ciências exactas e naturais. A par desta divisão foi-se tornando também claro a divisão entre o empirismo e o racionalismo. Mais ligada ao primeiro ficou assim a ideia de conhecer pela experiência, implicitamente uma ideia de qualificação, enquanto que em relação ao segundo ficou ligada a ideia de saber, pelo pensar (lógico e inductivo) e implicitamente a ideia de quantificação (calculo, ou lei matemática). O positivismo e a modernidade foram o auge da crença absoluta na ciência e criaram a ideia de infalibilidade

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desta, dissipando em parte aquela incómoda suspeita de que realidade e pensamento/conhecimento não eram exactamente a mesma coisa. Nesta época a euforia de que o poder e controlo humano sobre a natureza era absoluto era reinante. No principio do Séc. XX o mundo viu surgir no campo da ciência e epistemologia uma serie de reveses a anterior ideia de que através de leis, raciocínios e experiências se poderia aceder completamente ao conhecimento e através deste “domar” a natureza. Por um lado a hermenêutica (Heidegger) veio situar o conhecimento historicamente, Khun trouxe-nos a ideia dos paradigmas e refutações, Popper a falseabilidade. Por outro as questões a volta da natureza da luz e a incerteza e paradoxos da física quântica (Schrödinger), ou teorema da incompletude de Gödel, vieram demonstrar que a “realidade” ultrapassa “as regras”, pode não ser exacta e objectiva. Há relações de escala espacial e temporal que ainda não somos capazes de apreender bem (1). Daqui surgiu uma posmodernidade relativista, como já anteriormente tinha surgido um movimento romântico, ambos em resposta contraria a uma forma de objectivar e racionalizar um mundo, que também podia e era entendido como ontológico, continuo e relacional.

Cognição Paralelamente, pela necessidade de se perceber os métodos e processos de conhecer foi-se construindo um conhecimento sobre a forma de conhecer, os órgãos (sentidos), processos ou mecanismos cognitivos. Esta foi revelando progressivamente que havia uma relação entre a estrutura de apreensão, e a forma como são apreendidos os “objectos” ou relações. Isto é, existe uma condicionante da estrutura reflectida na forma sobre como pensamos as “coisas”. Assim, a dualização ou dicotomização, (nas suas formas relacionais variadas como oposição, soma, exclusão, complementarização, reflectidas em cima, baixo, preto branco, esquerdo direito, etc.), a sequencialização ou temporalidade (antes, agora e depois), bem como relações de escala, são reflexos de uma estrutura material (orgânica) com base em impulsos e química, o cérebro (Hancock et All, 2005). Mais do que isso, percebemos que se alimentam mutuamente, e aquilo que percebemos sobre o cérebro é resultado da sua capacidade e limitação. Quero com isto dizer que podemos estar fechados num sistema auto referencial, ou seja a cognição também ela esta condicionada por si própria. A construção da consciência e da mente, que é o único acesso ao conhecimento, da-nos uma falsa exteriorização que induz ela própria a uma “isenção” Notas 1) Para ilustrar este ponto recorro a Isaiah Berlin (1998) e ao seu relato de como premissas de que nos fala foram sendo, por

acumulção de casos, refutadas

“…that every genuine question has one true answer and one only: all the others being false. […] the method which leads to correct solutions to all genuine problems is rational in character; and is, in essence, if not in detailed application, identical in all fields […] these solutions, whether or not they are discovered, are true universally, eternally and immutably” “Mathematics was not a discovery but a human invention: starting from definitions and axioms of their own choosing, mathematicians could, by means of rules of which they or other men were authors, arrive at conclusions that did indeed logically follow, because the man-made rules, definitions and axioms saw to it that they did so…” Men could know ‘from the inside’ only what they had made themselves and nothing else.

Sobre a objectividade e separação do sujeito objecto.

With regard to ourselves we were privileged observers with an ‘inside’ view: to ignore it in favour of the ideal of a unified science of all there is, a single, universal method of investigation, was to insist on wilful ignorance in the name of a materialist dogma of what could alone be known. . (Isaiah Berlin, 1998)

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do “cognoscente” em relação ao “cognoscível”. Esta é alias uma das questões epistemológicas que mais se relaciona com a cognição: a necessidade, sem correspondência real (efectiva) da separação entre objecto e observador. Não só dicotomiza e categoriza, como “esconde” um potencial Muitas poderão ter sido, ao longo da história do conhecimento, as implicações desta sujeição dialéctica do conhecimento. Desde a lógica com a sua estrutura de sequencialidade causal, que muitas vezes conduz as erros e falácias (Afirmação do consequente, Negação do antecedente, entre muitas outras), até a dificuldade de conceber situações de não sujeição temporal, ou de simultaneidade de relações entre diferentes escalas. A introdução do livro: O acaso e a necessidade, de Jacques Monod (1970) começa de forma bem elucidativa para esta questão. Todas estas questões vêem ao encontro do percurso da história da ciência e convergem no ponto daquilo a que chamo ambiguidade. Se por um lado a historia da ciência traz-nos até à ambiguidade do gato vivo ou morto de Schrodinger, a cognição culmina no reconhecimento de que a sua estrutura e processo “atalham” dificuldades de simultaneidade ou ambiguidade. A ambiguidade é assim a negação do caracterizáveis. É algo que se encontra entre categorizações ou fora delas, pois não corresponde aos critérios nominais (atribuídos), nem reais (características emanadas ou manifestadas), ou pelo contrario, no caso da ambivalência, podem simultaneamente pertencer a categorias diversas pois possuem características de várias. A ambiguidade pode ser atribuída à forma cognitiva de interpretar o mundo (estrutura dualista), ao desfasamento do que julgávamos ser “as leis naturais” e o que elas realmente são, ou a ao “interface” entre o mundo e o pensamento, a linguagem. Formas de ambiguidade podem incluir paradoxos ou contradições.

Estrutura ou linguagem? Na Antropologia a vertente linguistica da estrutura cognitiva tem sido muito abordada, Levi Strauss, Jack Goody, Maurice Bloch, Edward Sapir ou Roy D’Andrade. A par da Antropologia a psicologia (sobretudo cognitiva) também desenvolveu muitos estudos em torno da linguagem, por exemplo: Chomsky (este cumulativamente linguista e psicologia cognitiva) ou Perlovsky. Tomando a linguagem como um reflexo do pensamento ou vice-versa a verdade é que é praticamente impossível dissocia-los, e que esta (linguagem) possui muitas formas potenciadoras de ambiguidade, desde a característica polissémica das palavras, passando pela variação cultural da relação significado significante até ao uso da metáfora ou do enigma (adivinha). A linguagem tornou-se assim o ponto de convergência do conhecimento, ciência, pensamento, cognição, arte, e de ligação entre a ambiguidade e “certeza”. Mais do que isso tornou-se o ponto de partilha, essencial a si própria (linguagem), e ao conhecimento. Mas também, por ser ponte entre a emoção, comunicação e raciocínio, tornou-se fonte de ambiguidade, como explicam Halpern e Kets (2014), a ambiguidade pode dever-se a descrição de uma situação de comum interpretação. Embora muitos autores da área da psicologia atribuam a origem da ambiguidade a falta de informação (Deborah Frisch e Jonathan Baron, 1988). A linguagem constitui-se como forma de apreensão do mundo não só porque estabelece uma relação significativa e descritiva com o objecto, mas também porque é ela própria matriz estruturadora do

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pensamento. Organiza o mundo a semelhança da forma como é constituída, por conjuntos de signos de vão dar significados. Isto tomará especial relevo no caso das categorias e classificações. Como vimos anteriormente o processo cognitivo resulta na dicotomização do mundo, a começar pela relação entre sujeito e objecto, e por consequência também na caracterização, categorização e classificação dos objectos, pois esta é a forma primeira de nos relacionarmos com eles e de os apreender. Embora tenha anteriormente mencionado a caracterização no sentido Platónico e Aristotélico é a categorização que permite agrupar os objectos pelas semelhanças das suas propriedades. A caracterização que menciono consiste na atribuição de características (atribuídas) ou “emanadas/manifestadas”, e é precedente a categorização que os irá dividir em grupos de semelhança de característica, onde serão posteriormente classificados uns em relação aos outros. No sentido biológico (Lineu) a classificação contem já um elemento de conhecimento uma vez que atribui uma regra de comum descendência e ordenamento por regra de complexificação. Quero com isto dizer que tanto o processo de categorização como de classificação são já processos que resultam de e em conhecimento. A categorização como essencialização (e redução aos atributos, características emanadas, isto é evidentes), mas não a capacidades relacionais. Se por um lado a categorização é feita pela partilha de semelhanças ou desses atributos, por outro lado não contempla a capacidade de alteração ou relacionamento entre objectos O caso das ambiguidades filogenéticas (animal, planta, mineral). Ao longo do tempo as categorias têm-se desdobrado devido a “descoberta” de “objectos” que não encontram “sitio” no catalogo.

Ambiguidade Muito esforço têm sido colocado por parte da ciência no sentido de eliminar a ambiguidade, quase poderíamos dizer que essa é a mais valia da ambiguidade, estimular a ciência a resolver paradoxos e “zonas cinzentas”, e que novos avanços tanto na física, informática e até biologia ou genética (2), também lhe são devidos. Como já vimos a ambiguidade pode resultar de questões de linguagem ou de falta de informação, mas a ambiguidade pode também resultar precisamente do processo epistemológico-cognitivo que privilegia a separação, categorização e classificação. Por serem processos baseados num método (linguagem) dualista ou dicotómico. No entanto creio que ambiguidade pode representar um papel extremamente valioso na plasticidade da cognição não só por permitir e alterações subjectivas do objecto como prever alterações objectivas, isto é na abertura da possibilidade de alteração da caracterização e consequente classificação do objecto, bem como manter em aberto a possibilidade de alteração dos critérios de caracterização e das estruturas classificativas. Creio ainda que pode desempenhar um processo que impede a precipitação da decisão através da da exigência de ponderação para a desambiguação. Notas 2) Para além dos desenvolvimentos na epigenética que advieram como resposta a problemas (ambiguidades) colocados pela interacção do meio com a genética (através da expressão e frequência de certos genes) é interessante ver como o trabalho de R. R. Kocherlakota e  N. D. Acland Ambiguity and the evolution of the genetic code, trata o código como uma linguagem possuidora da característica da ambiguidade

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Dito de outra forma, a ambiguidade obriga a renovação dos critérios de caracterização, estruturas de categorização e classificação por exigência de acomodar “objectos” até então ambíguos. Simultaneamente aumenta a percepção ou estreita a relação entre categorias, aquelas que o “objecto ambíguo” colocou em relação. Estas alterações acabam por ter um efeito de melhoria qualitativa da própria estrutura, avanço no conhecimento e na forma de conhecer. O valor da ambiguidade reside nas novas categorias criadas não só por desenvolvimentos – alterações de interesse ou percepção do mundo – mas também por alteração de critérios. Desta forma o mundo vai sendo construído conforme o pensamos e falamos. Vimos como epistemologia e cognição são mutuamente tributários e de como ambos são criados e criam a linguagem, o seu ponto fulcral. Vimos também que todos se relacionam e tem implícito um mecanismo dicotomizador que começa logo pela apreensão do sujeito com o objecto. A forma mais “primordial” de conhecer é organizar essa relação, ou seja categorizar e classificar os objectos. Por fim percebemos que a esta organização por vezes escapam objectos e isto cria ambiguidade. A implicação é uma reordenação do mundo e uma nova estrutura categorizante e classificaria.

O mundo como categorização Herdamos assim uma “condenação” na forma de apreender, tanto pelo instrumento físico (cognitivo), que progressivamente se vai tornando mais eficiente no “processo categorizador” como, e aqui esta a ênfase, herdamos uma forma política, económica e social de ordenar o mundo da qual dificilmente fugiremos. Poderei aqui ser acusado de ser demasiado determinista ou “Levi-Straussiano”, ou mesmo de estar demasiado embuido na dialéctica Hegeliana ou mesmo na materialista, mas creio que provavelmente todas as relações sociais e a cultura tem por base universal a construção e reconstrução do significado, que é como quem diz categorização e classificação. Apesar disso, mais recentemente tem surgido em alternativa epistemologias relacionais, com maior ênfase na relação e no seu resultado do que nas partes, um retorno a filosofias monistas e holisticas. Estes processos acomodam também melhor alterações das partes em sistemas complexos. Poderá este ser um grande “pulo” qualitativo, ou alteração do paradigma como diria Khun. No entanto este avanço tem sido reconhecido apenas devido ao auxilio da computação na analise de sistemas complexos. A história “natural” do homem, isto é enquanto espécie, tem chamado a atenção para o papel de “coleccionador”. A evolução demonstra que enquanto recolector e caçador a sobrevivência da espécie também dependeu da capacidade de categorizar e classificar animais, plantas e sítios. Mais do que isso a componente lexical da criação e evolução da linguagem esta intimamente relacionado com a capacitação do processo categorizador, isto é, ordenador e de atribuição de significado. Bem como a componente verbal (semântica) se terá feito feito pelo relacionamento entre os significados (aquilo a que poderíamos chamar objectos categorizados) analogamente a acção de fabrico de utensílios, isto é pelo estabelecimento de uma relação sequencial e causal das partes. (António Bracinha Vieira, Nathalie Gontier, 2014). Ou seja a categorização de sons, expressões, para além dos já óbvios e mencionados alimentos vem reforçar a ideia de que a base cultural comum da humanidade está ligada a linguagem e esta a categorização.

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“Lists simultaneously inventoried and organized the accumulated world” Delbourgo e Müller-Wille (2012) Talvez devido a ancestralidade e a preponderância evolutiva outras dimensões da categorização foram “crescendo”. Colectar informação através da categorização e classificação foi aumentado ao longo da historia, cada vez mais e mais sofisticados métodos para o fazer foram surgindo. A quantificação e as relações categoriais e classificarias desenvolveram-se matematicamente e desenvolveram a matemática, e toda a forma de relacionar os “dados” obtidos estão intrinsecamente ligados ao surgimento e desenvolvimento da ciência (3): “…how manuscript specimen lists in Venice fostered exchanges among networks of apothecaries and botanists. In so doing, she emphasizes the commercial and artisanal origins of specimen lists and suggests how vernacular lists documenting plants, recipes, and pharmacopoeias may have shaped the discourse and practice of botany rather than the other way around […] Their portrait of Linnaeus suggests a pivotal early modern scientific life structured by the organizational power of the list, from the administration of his personal life to his production of a new ‘natural’ system of plant taxonomy” Delbourgo e Müller-Wille (2012). Os reflexos do impacto da categorização e classificação estendem-se para além daquilo a que poderíamos chamar “campo teórico” do conhecimento. Refiro-me a um “nível” emotivo-psicológico e a um nível de estruturação de poder político, social e até económico. Conhecer é poder e fazer o conhecimento é poder mais. Desde a determinação da escolha do que se categoriza e classifica passando pelo critério da forma de como categorizar até a posse dos dados. A ordenação ou organização é por si só um exercício de poder, e que cria poder, como diz Delbourgo e Müller-Wille (2012): “The logic of the list is not that of prose or flowing speech. It does not derive from sentences composed of subjects, objects, and predicates. Rather, as Jack Goody first made clear and as Cornelia Vismann recently reminds us, lists ‘are a non-syntactic formation of items.’ A list is not a statement or an argument. Instead, its logic is spatial. It draws things together (often, but not always, referring to physical things), abstracting, enumerating, and linking them” Este poder exerce-se primeiramente pela “ordenação do mundo”, através da criação de regras a que tudo é submetido por classificação. Pode ser exercido legalmente, política, ou economicamente (4). Mas sobretudo tem sido ligado a ideia de governança e de controlo social através da recolecção de dados (o conceito foucaultiano de biopolitics), ou informações que são quantificadas relacionadas e “supostamente” permitem melhores tomadas de decisão, mas também para manipulação discursiva e controlo legal ou “policial” dos cidadãos. São os números do desemprego, o PIB, o deficit, a taxa de escolarização e alfabetismo, a mortalidade infantil ou a esperança de vida. Fazem leis, e fazem taxas de impostos. Como diz ironicamente Ian Hacking (1982): Notas 3) “Even in the age of DNA fingerprinting and computer modelling, these sciences still depend on collecting objects in the field and on large permanent collections” Robert E. Kohler, 2007 4) Moreover, especially in its critical cadences, the social drew heavily upon the debunking strategies of Marxist approaches to ideology. To reveal that a scientific category (for example, race) or a scientific claim (for example, the passivity of the ovum in human conception) was socially constructed was ipso facto to challenge its validity and to imply a covert political agenda. (Lorraine Daston, 2009)

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“It is illegal to die, nowadays, of any cause except those prescribed in a long list drawn up by the World Health Organization”, ou “Like every tax incentive in the subsequent 317 years, it did not have the desire effect. The intended, overt biopolitics never worked – and that is the rule. But the subversive biopoliticas set the stage of categorization in wich we still live.” Mas são também a idade, escolaridade e rendimento dos consumidores de determinado produto a ser lançado, as estatísticas que levam a compram de divida pública ou a cotação de determinada empresa. O poder da categorização e classificação serve as conveniências do poder político e económico, mas existe também uma obvia uma relação entre o poder como exercício pratico e o “ponto de vista psicológico”. A categorização faz a “posse simbólica”, categorizar e classificar é uma forma de nos apossarmos do objecto, como que se tomássemos ou adquiríssemos a existência do objecto pela sua caracterização. Os “dados” são mais do que informação são memória e desta forma são modos de controlar o tempo e a mudança evolutiva, de fugir ao medo da finitude existencial, de tornar eterno a “colecção” e emanciparse ao “destino”. São também a forma de expiar a culpa pela responsabilidade no desaparecimento de espécies. Como dizem Fernando Vidal e Nelia Dias (2005): “…a sense for the futility of human ambition, the inexorability of time and fate, and the pointlessness of wishing to correct God’s works (Ecclesiastes 1:2, 1:10, 3:1, 7:13). Loss and forgetting were part of life, and of course they remain so. Yet, in contrast to the ancient sensibility, the late-modern feeling for the fragility of things is permeated by the sense of future oriented responsibility that comes from humanity’s living in the Anthropocene”.

De volta a questão Toda esta “obsessão” caracterizadora, categorizadora, classificatória e quantificadora é também reflexo de algo subjacente a tudo o que foi dito anteriormente, e que nos remete de novo para a ambiguidade como ponto de partida: A fobia, medo do inconsolável, incompreensível. Aquilo a que chama-mos hoje a sociedade ou civilização do risco. Uma tentativa de previsibilidade reconfortante, uma forma de segurança na capacidade de decisão e de projecção do futuro. Uma quantificação e categorização do próprio tempo e da evolução que não é possível. Perceber isto é concluir que se o desconhecido e incontrolavel causam medo então grande parte deste processo não é racional, é sobretudo emocional. “Emotion, then, is explicitly given a decisive role as vehicle for values” (Fernando Vidal e Nelia Dias 2005) Mas é também perceber que o desconhecido e incontrolavel não se encontra só no futuro, é gerado pela própria categorização e classificação, é gerado na linguagem, é a ambiguidade, o paradoxo, contradição ou incoerência. Está a ciência condenada a corrigir-se a si própria? Porque cada avanço que produz pode trazer um erro ou uma nova pergunta? Sim, mas é esse o propósito e tem sido esse o “motor”

Este trabalho também ele projecta-se no futuro sob a forma de analise da classificação da violência, e creio que seria do interesse da Antropologia resolver a questão: Como categorizar ou classificar fenómenos que por sua natureza são mutáveis (dinâmicos), as suas propriedades ou características dependem das relações que estabelecem, simplesmente estão sujeitos a interpretação com variação cultural, ou escapam a compreensão narrativa como diz Kirsten Hastrup (2003): “…are by defenition beyond discursive apprehension.”

Bibliografia: Berlin, Isaiah - The divorce between the sciences and the humanities, in The Proper Study Of Mankind: An Anthology of Essays. Pimlico, 1998 Bracinha Vieira, António – Origem e Evolução da Linguagem: Dados e hipóteses, in Homem origem e evolução. Glaciar, 2014 D’Andrade, Roy – The cultural part of cognition. 1981 Daston , Lorraine - Science Studies and the History of Science. 2009 Delbourgo J. and S. Muller-Wille - ‘Listmania’, Isis, 710-715. 2012 Frisch, Deborah e Baron, Jonathan - Ambiguity and rationality Geurts, Bart. - On an ambiguity in quantified conditionals. 2012 Gontier, Nathalie – Teorias sobre a evolução da linguagem: Uma Análise das pressões selectivas que se pensa poderem estar na origem da linguagem, in Homem origem e evolução. Glaciar, 2014 Hacking, I. - Biopower and the Avalanche of printed numbers, in Humanities in Society, 275-295. 1982 Halpern, Joseph Y. e Kets, William – A logic for reasoning about ambiguity. 2014 Hastrup, Kirsten – Violence, suffering and human rights. 2003 Kohler, Robert E. - Finders, Keepers: Collecting Sciences And Collecting Practice. 2007 Kuper, A. - The Return of the Native, in Current Anthropology, 389-402. 2003 Monod, Jacques - O acaso e a necessidade, 1970 P. A. Hancock, J. L. Szalma, and T. Oron-Gilad - Time, emotion, and the limits to human information processing, in Quantifying Human Information Processing, Edit. Dennis K. McBride,Dylan Schmorrow, Lexington books, 2005 Sun, Ron – Desiderata for cognitive architectures. 2004 The Cambridge Handbook of Thinking and Reasoning. Edited by Keith J. Holyoak and Robert G. Morrison. 2005. Pp 163-654  Vidal F. and Dias N., eds. - Endangerment, Biodiversity and Culture, London-New York, Routledge.  2015.

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