CAUSAS DO DESASTRE DA CICLOVIA NO RIO

June 4, 2017 | Autor: Fernando Alcoforado | Categoria: Engineering, Project Risk Management, Risk Management, Disaster risk reduction
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CAUSAS DO DESASTRE DA CICLOVIA NO RIO Fernando Alcoforado* O website da GLOBO.COM informa que a Secretaria Municipal de Obras (SMO) da Prefeitura do Rio apresentou relatório sobre a ciclovia da Avenida Niemeyer. Neste relatório, a SMO informa que a ciclovia não contempla riscos consideráveis. A frase está em três ofícios da SMO da Prefeitura do Rio. Em nenhum deles há menções a ondas ou ressaca. A principal preocupação descrita em um dos documentos é sobre a maré, referente ao mês de abril do ano passado. Na manhã de quinta-feira (21/04/206), um trecho de 35 metros da ciclovia foi atingido por uma forte onda e desabou causando a morte de pelo menos duas pessoas. Segundo o GLOBO.COM, Moacyr Duarte, engenheiro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estudou o projeto básico completo da construção e afirmou ao RJTV que a Prefeitura não previu a possibilidade de ressacas. Ele chamou o projeto de "simplório e insuficiente" (Ver o website ). O desastre na ciclovia do Rio de Janeiro se soma aos inúmeros acidentes em obras ocorridos nos últimos tempos no Brasil que parecem ter se tornado uma rotina atual das obras públicas no Brasil. A pressa na execução de obras, o despreparo dos engenheiros e o desrespeito à legislação estão por trás das falhas registradas em grandes obras no Brasil. A pressa na execução de obras com os cronogramas apertados acontece em todos os Estados e esferas dos governos federal, estaduais e municipais. Devido à pressa, muitos projetos são mal feitos do ponto de vista técnico faltando, até mesmo detalhes que só são discutidos durante a execução das obras, dando margem a que as empreiteiras sigam seus interesses, que muitas vezes é o de economizar em materiais e superfaturar. É evidente que, neste contexto tão atribulado vivido pela engenharia brasileira, a experiência e a qualificação dos engenheiros responsáveis pela execução de projetos e obras faz a diferença. É o contingente de engenheiros com vivência em projetos e em canteiros de obras que seria capaz de evitar os desastres ocorridos nos últimos tempos no Brasil. Um fato é evidente: tem faltado engenharia nas obras de engenharia do Brasil. Quando não há capacitação adequada das pessoas envolvidas, a chance de se cometer uma imperícia é muito maior. O despreparo de muitos engenheiros resulta do fato de muitos profissionais da engenharia não receberem a adequada formação de grande parte das faculdades de engenharia do país, privatizadas a partir do governo FHC e mantidas pelos governos Lula e Dilma Roussef. Muitas dessas faculdades de engenharia privadas são caça-níqueis na busca incessante pelo lucro e são constituídas por docentes sem gabarito para o exercício da função e, normalmente, sem um olhar para as novas tecnologias. Muitos docentes estão apenas reproduzindo técnicas ultrapassadas, que fazem o aluno decorar o uso de fórmulas, mas não ensinam o porquê das coisas. Além do despreparo dos profissionais de engenharia, há carência de engenheiros no Brasil, especialmente aqueles com larga experiência. No Brasil, temos 6 engenheiros para cada mil pessoas economicamente ativas no Brasil. Nos países capitalistas centrais, esta relação é de 18 para 28. Portanto, a engenharia brasileira está sendo sucateada devido à precariedade do sistema de ensino no Brasil que

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impacta fortemente e negativamente na formação do engenheiro pela Universidade brasileira, especialmente pelas faculdades privadas caça-níqueis. Para evitar acidentes em obras como os ocorridos nos últimos tempos no Brasil é preciso que haja bons projetos, serviços de engenharia consultiva e execução de obras embasadas técnica e economicamente e com elevado nível de segurança. Para que isto ocorra, é necessário que sejam utilizadas equipes bem estruturadas, formadas por profissionais experientes no desenvolvimento de trabalhos nas mais diversas áreas da engenharia. É importante observar que toda obra de engenharia requer a necessidade imperiosa de planos de prevenção, de precaução e de gestão de riscos, além da intensificação da fiscalização para evitar a ocorrência de eventos catastróficos como o da ciclovia do Rio de Janeiro. Prevenção e precaução são duas faces da prudência que se colocam frente a situações quando há a possibilidade de dano. Os princípios da prevenção e da precaução deveriam nortear toda política de execução de obras de engenharia e de proteção ambiental. Segundo Jean-Pierre Dupuy, professor de Filosofia Social e Política na Escola Politécnica de Paris, “a distinção entre risco potencial e risco comprovado funda a distinção paralela entre precaução e prevenção. A precaução é relativa a riscos potenciais e a prevenção a riscos comprovados” (DUPUY, Jean-Pierre. O tempo das catástrofes. São Paulo: Realizações Editora, 2011). Em caso de certeza da ocorrência do dano que uma obra de engenharia deve proporcionar, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou de incerteza, é preciso agir também prevenindo com base no princípio da precaução. Nesse processo, cumpre aferir em que medida é necessário evitar certa atividade. Deve-se atentar, portanto, para a distinção existente entre risco, de natureza futura, sobre o qual se assenta o princípio da precaução; e perigo, de cunho imediatista, associado à lógica da prevenção. Prevenção significa ato de antecipar-se e precaução, por sua vez, equivale à admissão antecipada de um cuidado. O cálculo econômico deve servir de base às decisões relacionadas com a prevenção e a precaução. Na tomada de decisão sobre as alternativas econômicas a serem adotadas, um fator que complica bastante a solução de um problema é a incerteza. Outro fator complicador é a insuficiência de informações. No caso do desastre na ciclovia do Rio de Janeiro, pode-se afirmar, em princípio, que houve erro de projeto pelo fato de não terem sido engastadas às vigas a plataforma por onde circulavam os ciclistas e negligência ao desconsiderar no projeto estrutural a ocorrência de uma onda de grande proporção. O fato de não engastar ou amarrar devidamente às vigas a plataforma da ciclovia pode ser consequência do despreparo da equipe de engenharia responsável pelo projeto estrutural e, também, da ganância pelo lucro das empresas de reduzirem custos em sua execução comprometendo, desta forma, a segurança da ciclovia. O CONFEA/ CREAs deveriam atuar, também, para ajudar a apurar e a punir os responsáveis pelos acidentes nas obras de engenharia que ocorrem cada vez com maior frequência, gerando descrédito para todos os engenheiros do país. *Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,

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1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: [email protected].

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