CCarvalho - A Familia da Sociedade Moderna Genese e Estabilizacao dos Espacos de Comunicacao Intima (2010).

Share Embed


Descrição do Produto

A Família da Sociedade Moderna: Génese e Estabilização dos Espaços de Comunicação Íntima*.

Esta comunicação tem por objectivo primeiro o explorar de forma tópica a demarcação qualitativa da família moderna face a formações “domésticas” anteriores. Neste sentido, os termos génese e estabilização -constantes no título- antes mesmo de remeterem para um conjunto de características comunicativas normativamente asseguradas na sociedade moderna, respeitam a todo um complexo conjunto de condições que estão na origem de algo tão estranho ao mundo antigo como a ideia de intimidade. Cabe portanto saber de que modo nos é possível falar de uma diferenciação qualitativa da família moderna.

É comummente aceite que esta transição se consolida a partir da segunda metade do século XVIII no Ocidente Europeu, mas tal transição começa a tomar forma muito antes da Revolução Industrial. Uma grande diversidade de sistemas e códigos interligados acompanharam esta mudança. Os mais evidentes serão desde logo o económico (com a evolução do sistema produtivo), o religioso e moralista (no seu incrementar das responsabilidades inerentes ao amor conjugal e maternal, mas também a partir do papel assistencial de diversas instituições praticando a caritas cristã), o político (que ainda que reconhecendo o primado da privacidade não deixa de intervir incrementando nesta esfera medidas de saúde pública e educação) e o Legal (onde a fonte privilegiada de direito familiar é tendencialmente o matrimónio). No entanto a incidência destes mesmos domínios na diferenciação de um espaço íntimo demarcado da moral e espaço públicos, constitui o aspecto mais amplo de uma mudança que, por um lado vinha sendo anunciada havia muito, e por outro lado está na base de uma semântica da intimidade. Esta semântica catalisa alguns dos elementos presentes nesses mesmos códigos (entre os mais notórios: os ideais de fidelidade pelos quais se regia a cavalaria medieval; a Philia e autenticidade que Cláudio Alexandre S. Carvalho (colaborador da unidade de I&D: LIF - Linguagem, Interpretação e Filosofia). Esta comunicação compulsa algumas das conclusões dos trabalhos doutorais que o autor desenvolve na FLUC, com o apoio de uma bolsa de doutoramento concedida pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. O presente documento estará em breve integralmente disponível em: http://coimbra.academia.edu/CláudioAlexandreSCarvalho. Correio electrónico: [email protected] *

1

marcavam afecções híbridas entre o mundo político e dos “seus”; a tensão entre a Agape e a perdição da Mística; a paixão descoberta como nexo autoreferencial adequado à manifestação da virtude) apropriando-os à semiosis da paixão que acede a uma autonomia plena enquanto ponto de origem e estabilização de um espaço familiar. Pretendo apresentar essa mesma demarcação recorrendo a dois trajectos interconectados: o do discurso filosófico sobre a família (em especial relativo aos deveres e aos fundamentos da comunicação familiar) num trânsito que leva de Althussius a Hegel, e aquele que respeita ao evoluir do código do amor-paixão como legitimador da criação do espaço íntimo. Esta dupla filiação permite compreender aquilo que passa preferencialmente a distinguir a geração do espaço familiar por contraposição aos seus fundamentos anteriores. Se bem que se considere aqui uma evolução histórica das formas familiares isso não implica a defesa de uma perspectiva historicista. Será esta recusa de entender a família humana como irredutivelmente variável (e dependente das suas diversas concretizações: epocal, cultural, geográfica, climática… ), que justifica que tenha optado por começar a análise no mundo pré-moderno. Nas sociedades segmentárias e estratificadas é possível aceder aos aspectos estruturais, organizacionais e imaginários, os quais apesar de haverem sofrido diversas mutações, sobrevivem nas concretizações comunicativas dos modernos espaços íntimos. Uma compreensão da origem de tais vectores participantes da temporalidade geral da família, se bem que incorra num certo nível de generalização, permite captar a orgânica mesma do conceito. Essa temporalidade (ou notação) geral -que consiste nos momentos que geralmente caracterizam o ciclo familiar: aliança, reprodução, formação, continuidade- não deixa de estar presente na família moderna, mas será integrada numa nova semântica. É pela via do romance moderno, que essa semântica se desenvolve, colhendo tendências já presentes noutros sistemas, inaugurando um espaço provido de uma autonomia temporal irredutível a aspectos predeterminados que não decorram eles mesmos dos seus encadeamentos comunicativos e do tempo psíquico dos seus membros. Nesse sentido, a família moderna será caracterizada por um autoencerramento que, nunca perdendo a referência à normatividade socialmente partilhada e a permeabilidade a diversos códigos e discursos (legal, médico 2

educativo…), se institui a partir de acoplamentos contingentes onde adquire estabilidade. Enquanto ilustração da ideia geral que aqui me guia recorro à seguinte afirmação de Durkheim: «A família moderna contém em si, de forma compactada, todo o desenvolvimento histórico da família; ou se não for completamente justo dizer que todas as formas familiares se encontram no tipo actual, na medida em que não está demonstrado que todas estiveram em comunicação directa ou indirecta com ela, pelo menos isso é em grande medida verdadeiro. 1»

Partiremos deste enunciado de acordo com o qual na família moderna estão presentes como que de modo condensado, todas as fases anteriores que presidiram ao seu surgimento. Apresentarei como referi, aspectos relativos à estrutura (inclui os termos e relações), à organização (sistema de atitudes decorrentes das prescrições simbólicas que recaem sobre cada um dos membros e a semântica associada) e ao imaginário (nível de associações míticas que “suplementam” o simbólico e que foram alicerçando o universo normativo). Sem o investigar da evolução das formas e dos discursos da família, esta permanece arreigada à sua imediatitude abstracta na qual todos os seus elementos se afiguram inquestionáveis. É por via desse esforço teórico que se reenquadram e desenganam as frequentes perspectivas nostálgicas da família tradicional, bem como as noções de casa conotadas unicamente com a segurança e a harmonia2. Aquilo que a extensão e diversidade actual das formas de espaços de comunicação íntima reconhecidos manifesta é o produto de uma progressiva autonomização da semântica da intimidade3. Será a transição de um paradigma em que a Casa assegura quase integralmente o funcionamento da sociedade, para um outro em que está parcialmente liberta dessas incumbências que permite o emergir de um modelo radicalmente diferenciador da família ocidental europeia, o qual passa a estar plenamente assente na normatividade e expectativas (e concretizações) agregadas em torno da conjugalidade. Na expressão feliz de V. Cigoli e E. Scabini do Centro de estudos e investigação da Família da Universidade de Milão, a família assume «diferentes formas e capas 3

dependendo da cultura e da passagem do tempo, mas há sementes que passam constantemente pela mó das relações familiares e moldam a sua identidade. 4» O excurso pelas formas familiares antigas permite atender à enorme variabilidade de estruturas, mas também ao modo como os discursos que sobre elas se debruçam procuram ordenar as suas formas de comunicação. Passemos então a uma breve abordagem do lugar da família nas sociedades segmentárias5.

Discursos clássicos. Organização da casa e seu suporte imaginário.

A investigação histórica revela como numa acepção geral, aquilo que se denomina por “família” abarca no mundo antigo parte substancial das funções sociais. Isso é constatado desde logo no facto de que é a posse de propriedade e a pertença a um grupo de parentesco que determinam o acesso ao exercício da cidadania. A diferenciação inicial da realidade familiar decorre da contraposição à Polis e sua estrutura política, sendo que é a partir desse momento que, além do culto dos antepassados em que se enaltece a continuidade em que o indivíduo está inserido, é a reprodução da espécie que surge como o seu fim próprio. O sentido eurocêntrico do significante família, designando a circunscrição privada de par conjugal e sua descendência, só no século XIX se desvincula das suas anteriores referências: o conjunto de membros da Household (incluindo servos, mas também a clientela e parentes colaterais no caso da família senhorial) e a rede de alianças e parentesco alargado6. Na ausência de termo correspondente a família, Genea (geração, descendência, linhagem) e Oikos seriam as raízes daquilo na sua forma composta –oikogeneia- abrange as diferentes dimensões que hoje permanecem associadas: casamento, sangue e co-residência, às quais se adicionava o factor produção. Xenofonte num dos discursos arquétipos relativo à sábia administração da Casa, composto no final do séc. IV ac., faz corresponder a Casa ao conjunto de bens (animados e inanimados) sob a propriedade da sua “cabeça”, entenda-se submetidos ao Oikonomos7. A este respeito, o modelo que Aristóteles apresenta na Política e nos Livros Económicos8 mostra-se matricial pois não se limita à enumeração dos elementos da Casa, enumeração essa já presente muito anteriormente em Hesíodo 9, mas delineia 4

as relações diversas entre os componentes da estrutura familiar, e sua organização interna, respondendo à crítica que Platão move à propriedade privada no livro IV da República. No seu estudo sobre o suporte agrário das construções políticas gregas, V. Hanson enalteceu uma clara descontinuidade entre os discursos filosóficos atenienses relativos à Oikonomia, e, a efectividade da Casa baseada na Autarkeia e num complexo agregado de associações religiosas que lhe são inerentes10. Ainda que (face à purificação “eugénica” de Platão) Aristóteles levasse em linha de conta a importância da posse e exclusividade em que se estruturam os laços familiares, o modelo aristotélico exposto nos livros iniciais da Política constitui um depurar considerável dos elementos religiosos – descritos com grande acutilância na Cidade Grega de Fustel de Coulanges11 -, que eram a herança grega de cultos tribais mais recuados. Estes elementos respeitam aos vínculos telúricos e de sangue em que se funda a religião familiar. Tais vínculos inserem a casa numa relação de assistência mútua com um número mais extenso de agregados, mas também a tornam o lugar do culto aos antepassados que cabe à mulher apaziguar nas suas demandas de justiça. É esta mesma força da união da Casa com a terra e os seus antepassados que constitui o eixo motriz das criações trágicas12. Tais demandas não são apenas inconciliáveis com a ordem política sustentada nas leis dos homens, mas ameaçam elas mesmas o equilíbrio da unidade familiar a partir do seu interior. Podemos sustentar que o esforço de Aristóteles consiste em reter desses elementos de forte valor imaginário – respeitantes à autoridade do pai13, à “piedade” da mulher, e à subordinação eficiente dos filhos e dos escravos- a sua funcionalidade produtiva e reprodutiva. Este limitar da esfera de influência da justiça familiar,14 toma como critério uma normatividade à partida sustentada na natureza das coisas, mas que se estende até considerações relativas à psique dos indivíduos. Contrariamente ao que ocorre em Da Geração dos Animais, Aristóteles não baseia as diferentes atribuições do masculino e do feminino na anatomia, mas numa avaliação das disposições psíquicas, na qual parte da prevalência do emotivo da psique feminina e da deliberação na masculina15. No caso da mulher, tal preconcepção não é estranha à consolidação do imaginário trágico e suas representações da inconstância feminina 16. É a proximidade da mulher ao culto sagrado, e a ambivalência deste entre a violência sangrenta e a fertilidade, que serve 5

para justificar a sua segregação ao âmbito “privado” da casa. Será a complementaridade dos princípios deliberativo e obediente que funda as relações assimétricas domésticas, estabelecendo Aristóteles uma analogia entre o governo da casa e o regime político monárquico, a qual podemos ver perdurar até ao racionalismo de C. Wolff17. A família é também a esfera formativa, produz cidadãos virtuosos sendo neste ponto enaltecida a dialéctica entre obediência e o domínio que resgatam o indivíduo às suas inclinações naturais. A fundação da família na diferença sexual, é reproduzida na sua vertente formativa, entre o irmão que sai para a comunidade política e a irmã que, como “moeda” de troca, transita para uma outra casa, submetendo-se aí ao domínio de um novo senhor. Esta reprodução do modelo patriarcal está manifesta desde logo no encargo do Pater familias em formar moralmente a mulher recebida da casa de proveniência em idade precoce, assumindo ele mesmo a função de pai. Nesse sentido notava M. Foucault no segundo volume da História da Sexualidade como nada seria mais equívoco do que pensar a Casa, e em particular a relação conjugal, como esfera de realização sexual18. Os traços imaginários em que se sustenta a ideologia da casa estão concretizados num ostensivo controlo das emoções por parte do senhor (enkrateia), sendo este auto-domínio de valor moral que não só legitima a subordinação da mulher, filhos e escravos19, mas constitui também a condição do seu reconhecimento público. Esta mesma estrutura está presente no mundo romano, onde o predomínio da virolocalidade e dos laços agnáticos, bem como o casamento decorrente de alianças inter-clãs ou com motivações políticas, acentuam a dimensão da autoridade masculina. O casamento in manu (conventio in manum) que prevalece no período da República deposita no chefe a responsabilidade de administração da sua propriedade e a sua transmissão adequada aos descendentes. É com Cícero que vemos esta estrutura arquetípica das relações familiares ganhar substância por via de um discurso relativo aos deveres práticos envolvidos em cada uma das relações familiares. É assim possível verificar, sobretudo no De Officis, a discordância das disposições legais que atribuem ao Pater familias o poder de vida e de morte daqueles que estão no Domus sendo sua propriedade animada20, face àquilo que efectivamente seria a experiência familiar quotidiana e os “deveres especiais” 6

pelos quais ela seria pautada. Essa divergência, entre o domínio legal e as práticas correntes, pode estar relacionada com o facto de que é «a propriedade transmitida dentro da família, mais do que qualquer outro factor, a determinar o lugar na hierarquia social.21» Daí a necessidade de um enorme dispositivo legal em que esta fosse regulamentada enquanto foco de potenciais conflitos. Releva do trabalho historiográfico que a real extensão do poder do pai não transpõe o poder decisório quanto à transmissão dos bens e o seu papel determinante na concessão de matrimónio aos seus subordinados. Defende S. Dixon que um dos traços imaginários do poder restrito ao chefe de família reside no silenciar dos restantes membros da Casa. Tal subordinação transparece do termo Infans que traduz a dependência e o afastamento da possibilidade expressiva22. Além da sua tradução legal o autoritarismo severo está baseado num modelo mental que condiciona o acesso retrospectivo às origens. Dionísio de Halicanasso23 diz que Rómulo teria investido os pais com os poderes de: Prisão, Punição física e Morte24. Tal perspectiva surgirá em L. Morgan25 e mais tarde na visão também evolutiva de L. De Mause, referindo a coerção absoluta que não distingue entre filius familiae e escravos. Será aqui relevante recuperar as teses de G. Dúmezil quanto à tripartição do poder como modelo do imaginário retrospectivo 26. De recordar que, para o filólogo era possível sustentar que as três funções sociais que delineou eram redutíveis a dois extremos opostos que em diferentes momentos monopolizavam a segunda função, a violência (era curiosamente este o modelo subjacente à tematização da eticidade grega por parte de Hegel). Num dos extremos temos o poder autoritário associado à soberania política e religiosa e no oposto o poder sagrado associado à feminilidade como domínio da produção e fertilidade circunscritos à casa. Aquilo que se verifica, contrariamente à leitura de uma sentimentalização progressiva da república até ao império, é a presença de um mutualismo de obrigações familiares. O homem compete com o exterior assegurando no seu governo a aquisição de bens e a defesa do agregado, enquanto que o código de honra da mulher redunda no seu recato e castidade, sendo a guardiã do lar. A pietas desta coincide, na sua acepção mais forte, com uma devoção pura e incondicional, obsequium (deferência) que é o sustentáculo das relações familiares. 7

P. Saller27 mostrou como as disposições legais quanto à incondicionalidade do poder do Pater familias e à indiferença afectiva dos progenitores, devem ser tomadas à luz de um conjunto de dados demográficos e culturais grandemente difundidos no mundo antigo. Entre estes contam-se como principais: as altíssimas taxas de mortalidade, com especial destaque para a infantil, a disparidade de idades de matrimónio com a mulher extremamente jovem e o marido muitas vezes já no declinar da vida, e a constante luta pela subsistência. São estes alguns dos factores que contribuem para um resfriar dos investimentos afectivos. Mas de acordo com o estudo deste autor o padrão da coerção física esteve ausente da relação conjugal e filial, e no que toca à servidão ela tem lugar numa relação de reciprocidade, em que a fidelidade é o garante de protecção e sustento. É a partir do laço conjugal que irradiam as distinções afectivas da Casa, Cícero afirma que: «Uma vez que o instinto reprodutivo é por natureza (...), o primeiro laço de união é aquele entre marido e mulher, o seguinte entre pais e filhos 28; encontrando-se portanto em casa com tudo em comum.29» O privilégio dos laços biológicos decorrentes da relação conjugal sobrepõe-se portanto a uma visão puramente administrativa da Casa 30. Mas é preocupação do filósofo sobretudo assegurar que, por ponderação racional, o amor à pátria deve sobrepor-se a todos os vínculos familiares, não só o conjugal mas também o que o compele a honrar os ascendentes. Ainda assim o apelo para a guerra não prescinde da menção à patria domusque, remetendo para a memória dos antepassados mediada nas imagines do lar31. Cumpre portanto desmistificar a ideia enraizada de que a família das sociedades pré-modernas seria desprovida de vivência emocional. Diversos historiadores, analisando inscrições lapidares, confirmaram a inequívoca a presença de amor conjugal e paternal. É também evidente desde a primeira Literatura latina, de Plauto a Lucrécio, que as relações familiares são profundamente marcadas por valores afectivos. No final da República começam a surgir sucessivos discursos e alterações legais promovendo o casamento como dever cívico e punindo os celibatários e inférteis. Ocorrerá nesse momento um retorno às elaborações de Cícero quanto aos valores que devem fundar essa esfera da sociedade sobrepondo-se ao decorum ou ao interesse 8

económico. Essas alterações conduzirão a uma considerável valorização da mulher (indicada na passagem do preço da noiva ao dote), mas também a um processo que P. Veyne qualificou como interiorização da virtu masculina32. A evolução nas considerações dos Estóicos, atesta bem de uma alteração análoga àquela que se verificou no processo de elevação do cristianismo a religião de Estado. Em ambas, depois de uma fase inicial em que se contesta o artificialismo da instituição casamento, esta será integrada na doutrina da sageza, comportando valores de fidelidade e respeito mútuo33.

Condições estruturais da família moderna segundo a Demografia e Antropologia contemporâneas.

Verifica-se portanto que mesmo no mundo antigo, a patria potestas não é coincidente com uma simples redução dos elementos da casa à propriedade, pois há de facto um privilegiar dos laços de descendência conjugal relativamente à ascendência e colaterais. Mas o surgimento das condições que tornam o ocidente europeu favorável ao acolher de um modelo demarcado do padrão antigo, está dependente antes mesmo da reorganização do imaginário do género, de uma série de factores estruturais. Não nos sendo aqui possível avançar pelos diversos desenvolvimentos que os demógrafos e antropólogos deram à hipótese do “padrão da Europa Ocidental”, primeiramente estabelecida por J. Hajnal34, devemos salientar alguns dos aspectos que o diferenciam e as características que levam a situá-lo na origem de uma substancial alteração nos modelos estruturais e organizacionais em que se sustentava a família nas sociedades antigas e “orientais”. Apesar de rejeitarem uma visão unificada da família, as investigações conduzidas por P. Laslett 35 vieram em grande medida confirmar as suas especulações estatísticas. Tentando um elencar de acordo com uma distância crescente relativamente às formas antigas, destacam-se: 1) o enorme número de indivíduos excluídos da possibilidade de formar família, os quais constituem em grande medida a força produtiva; 2) Um significativo decréscimo das taxas de mortalidade em comparação com o restante espaço euroasiático; 3) A idade tardia do casamento e uma 9

aproximação das idades dos cônjuges36; e 4) a decisiva coincidência da união com o surgimento de um novo grupo doméstico, ou seja, a prevalência da neolocalidade. De referir ainda o recurso à contracepção que alguns autores como D. Herlihy situam na idade média. Reactualizando hipóteses malthusianas37 E. A. Wrigley38 chama a atenção para a extrema importância que tais padrões assumiram na transformação das condições de vida para um standard (de estabilidade e de capacidade económica) capaz de permitir a emergência de valores propriamente familiares. A sua tese geral é de que «As sociedades que incitam ao casamento precoce e aos altos níveis de fertilidade estão inconscientemente a promover altos níveis de mortalidade» 39. Importante para este nível de estabilização e autonomia é sobretudo o predomínio da neolocalidade40, que além da ausência de ascendentes e colaterais aparentados, limita o recurso a serviçais. No mundo medieval e pré-moderno só a Casa Senhorial, obediente à arquetípica proporção entre o tamanho da casa e o prestígio social e político do proprietário, é que alberga um número superior à média vigente na generalidade das sociedades, mantendo por vezes centenas de pessoas sob o seu tecto. Por norma, é na dependência das propriedades e produção da Casa senhorial e posteriormente na aristocrática, que se organizam as famílias dos camponeses frequentemente arrendatários e participantes no sistema que Laslett denominou de life cycle servant41. Aquilo que J. Goody sublinhou na sua obra A Família e Casamento na Europa foi como aquela multifuncionalidade que a Casa continua a assegurar depois do declínio romano, não impede a existência no seu seio de unidades distintas onde, a par com os vínculos conjugal e filial, se verifica a existência de co-habitações mais extensas tendo por fim a criação de sinergias económicas (produção e consumo). Investigações arqueológicas 42 confirmaram recentemente as hipóteses do antropólogo relativamente à coexistência num mesmo grupo doméstico, de unidades reprodutivas e económicas distintas. Essa propensão é dita anterior às normas cristãs que favorecem a exogamia e a monogamia. De acordo com o mesmo autor, o abandono dos sacra familiae e gentilicia em favor de um pendor introspectivo, onde se marca a origem de uma unidade familiar demarcada da continuidade do grupo mais extenso, está nas origens do individualismo ocidental. Este individualismo é grandemente devedor das repetidas invectivas da 10

Igreja relativamente aos interesses baseados na consanguinidade e manutenção do património, os quais se traduzem muitas vezes em casamentos preferenciais com a prima paterna. O Direito Canónico, pondo sob a sua jurisdição o casamento, torna a união entre as famílias secundária face às determinações individuais. Isto apesar da sua função de manutenção do poder e de cálculo económico nunca se ter erradicado. Mesmo nas sociedades estratificadas, o critério da consanguinidade como base do espaço doméstico prevalece muitas vezes sobre o conjugal. Consensus facit nuptias fora a doutrina sustentada pelo episcopado romano a partir do século XII, período que contribuiu para unificar as práticas rituais conducentes ao casamento. Como mostra JL. Flandrin, apesar de já anteriormente a conjugalidade ser um importante modo de diferenciação da casa, no século XVI ainda encontramos as suas funções e fins determinados pela envolvência comunitária, pelos parentes, e pela imposição cristã dos bons costumes43. Para o encerramento íntimo, mesmo no caso das frequentes empresas familiares, contribuem de sobremaneira as alterações que se começam a verificar desde o final do Renascimento na arquitectura. Serão de destacar sobretudo nos Países Baixos 44 e mais tarde na Inglaterra, um conjunto de modificações nas quais o pendor funcional que preside à organização do espaço familiar satisfaz simultaneamente a diferenciação de géneros e gerações (mas também destes em relação ao mundo dos serviçais45). A diferenciação interna ao nível material contribuirá para um adensar da coloração emocional em que se sustentam as suas relações (cada vez mais cingidas à marital, filial, e fraterna)46. Entre as inovações introduzidas, R. Sarti destaca o corredor como o grande promotor da privacidade, ao por fim à promiscuidade que daí em diante estará restrita a situações de carência económica (caso das famílias proletárias nas cidades industriais nos séculos XIX-XX). A introdução do corredor, põe fim a uma organização dita em enfilade na qual os compartimentos eram contíguos e com acessos múltiplos, não assegurando divisão entre público e privado, nem a distinção precisa entre íntimo e manifesto. É possível dizer que, ao passo que na generalidade do modelo euroasiático estamos perante uma complexidade de tipo estrutural (na terminologia de Laslett), no encerramento da família moderna a complexidade decorre do forte investimento emocional nas relações que se inicia e fortalece na profunda “personalização” do lar. 11

Será então a partir de uma convergência cada vez maior na família nuclear que os discursos modernos sobre a intimidade se produzirão a partir do século XVII. É neste período em que «pela primeira vez na história da Europa, o casamento começa a ser considerado como uma relação privada entre dois indivíduos ao invés de um vínculo com um sistema mais extenso de uniões políticas, lucro económico e alianças.47» O pai vai deixar de ser o supervisor da força de trabalho ainda que mantendo a autoridade, a mãe já não equivale a um determinado valor objectivado no dote e no trabalho doméstico, mas passa a surgir como base moral e emocional da casa. Associado a esta sacralização da figura materna há que enaltecer também uma relativa dessexualização da mulher, que no período medieval estivera associada à cedência aos impulsos libidinais48. No período inicial do Feminismo, com Wollstonecraft, será precisamente o asseverar da castidade da mulher e das suas qualidades morais que estará na base da promoção dos seus direitos 49.

O Direito Natural moderno e o refundar dos deveres familiares.

Muitos dos aspectos pelos quais o Direito Canónico uniformizou o casamento, estarão presentes na teorização da comunidade natural primeira presente no Jusnaturalismo. Isso é notório na incidência sobre a autonomia do par conjugal em detrimento dos interesses familiares, a extrema rejeição de práticas endogâmicas, o casamento reconhecido como única forma de assegurar a transmissão de propriedade, a interdição de determinadas práticas sexuais, e sobretudo a ética que subjaz à relação entre marido e mulher. Mas é já evidente o refundar da organização e fins da família. Ele que tem um primeiro momento de grande pungência em J. Althusius. A tónica continua a ser na reprodução e formação dos indivíduos enquanto fins, mas agora fundados em obrigações naturais que diferenciam este tipo de consociação simbiótica e apresentam já as bases de uma temporalidade demarcada do exterior. Na sua Jus Symbioticum Althusius parte da pulsão de autoconservação e da afecção natural (tal como o farão Pufendorf e Locke), prosseguindo o trajecto da sociabilidade natural à formação de simbioses superiores. No que tocante à simbiose familiar, ela funda-se num pactum entre cônjuges que tem por fim primeiro não a reprodução, nem o assegurar da 12

continuidade do grupo, mas a conquista conjunta dos quid peculiare50; conquista possível a partir da confiança como sua causa eficiente. Considera Althusius que é na comunidade natural que devem ser procuradas as bases comunicativas subjacentes a todas as outras comunidades -a justiça e piedade em que tal comunidade está baseada- deve ser estendida aos níveis superiores. Num dos parágrafos iniciais da Politica afirma: «A associação simbiótica, privada e natural, é aquela em que pessoas, casadas, consanguíneas e afins, respondendo à afecção natural e à necessidade, acordam numa comunicação definitiva [permanente] entre si. 51» A influência de Aristóteles e Cícero é evidente na sua definição da estrutura e organização doméstica, mas esta passa a estar inserida num plano comunicativo, ou seja, não está assegurada senão na sua (re)actualização constante. Nos termos do filósofo, ao marido cabe comunicar a protecção e sustento, e à mulher a obediência e modéstia, sendo por via da manifestação adequada dos sentimentos que se assegura a descendência. Apesar destas considerações indicativas de uma autonomia da família nuclear, a sua independência permanece parcial, na medida em que continua inserida numa ordem mais extensa de Jura sanguinis relativa ao clã. É ainda sob o vestígio de uma ordem política baseada no consortio familiar que Althussius se move. Esta mesma sustentação do edifício social difere das instituições civis pelo carácter não voluntário e natural, cuja ordenação sustenta todas as comunicações dos níveis superiores. Também Pufendorf apresentará um discurso dos deveres familiares como origem da ordem social, mas este já não parte de um contrato do qual se deduzem deveres. Aquilo que constituirá a posterior valorização do seu pensamento em torno da família, reside sobretudo no sublinhar da antecedência desta face a qualquer discriminação contratual quanto ao que deve constituir princípio. Nesta transformação da caritas ordinata52, o contrato é a esfera de reconhecimento legal de algo que estava previamente inscrito nos costumes partilhados numa comunidade, os quais se vêem por intermédio desse contrato submetidos a critérios da ordem do útil e racional. No primeiro livro do seu De Officio, o tratamento da obligatio naturalis ocorre sob o signo de uma austeridade dos valores cristãos relativos aos deveres de obediência e às restrições sexuais. Ainda assim salienta Pufendordf, como ocorrerá também em Locke no ataque ao patriarquismo de R. Filmer, a necessidade de restringir a patria potestas, 13

diz: «Não parece necessário à essência do matrimónio que a autoridade inclua o poder de vida e morte, e a punição severa, mas também o poder de dispor totalmente da propriedade da mulher.53» O poder paternal é também considerado ser delegado nos progenitores pela lei natural. É interessante notar, dados os pressupostos ontológicos inovadores de Pufendorf -nomeadamente a distinção entre o domínio da lei objectiva e da interioridade- que no que respeita à família e em particular aos filhos: A estima não é um dever a preencher apenas por signos exteriores, mas deverá proceder de um sentimento interior efectivamente vivido 54. O carácter anterior da família como esfera de obrigações naturais será acentuado por Locke ao sublinhar a descontinuidade jurisdicional do poder do pater familias relativamente ao domínio da lei política. O avanço teórico inequívoco provém da sua concepção da propriedade como sendo primeiramente não respeitante à posse de algo material mas de “si mesmo”. Tal como Locke no segundo dos Tratados do Governo Civil, também Rousseau considerará no Contrato Social55 que «nada na natureza dos seres humanos pode justificar que alguém se torne sujeito à autoridade de outros.56» Por outro lado, a autoridade parental que Rousseau concede como essencial para conduzir o indivíduo à autonomia é desadequada como guia da prática política, uma vez que, guiando-se o pai pelas afeições naturais, no caso do magistrado isso conduziria ao nepotismo. Mas a crítica de Rousseau a uma sustentação das instituições na natureza das coisas não impede a sua adesão a uma visão profundamente assimétrica das relações de género. Esta constituirá o alicerce central da pedagogia do século XVIII a qual permanece profundamente influenciada pela obra inovadora de Locke Some Thoughts Concerning Education. Tal subscrição por parte de Rousseau está patente na sua defesa do modelo familiar da República romana como sendo o mais conforme aos desígnios naturais de cada elemento da casa.

A “Socialidade” e o Iluminismo Escocês.

Como um todo, o denominado Iluminismo Escocês pode considerar-se como o denunciador das insuficiências da tradição contratualista vigente no direito natural. 14

Além de enaltecerem a importância dos sentimentos como origem de normatividade social, muitos dentre os seus autores denotam o racionalismo do contrato como incapaz de reconhecer não só a anterioridade dos grupos familiares em relação à lei positiva, mas também o papel daqueles mesmos grupos na génese de tal lei. Será também nesta linha de autores, que de um modo mais consciente se reconhece, que em todos os aspectos da intimidade os planos normativo e comunicacional, não decorrem de uma tradução de desígnios essenciais inerentes às entidades e relações da estrutura familiar, mas de uma selecção de aspectos naturais e psíquicos que assumem diferentes graus de relevância na constituição da família e nas expectativas que sobre ela recaem. James Dunbar assinala nos Essays on the History of Mankind in Rude and Cultivated Ages (1780), que é em virtude da prolongada dependência maternal, do estado inerme do bebé carente de cuidados, que os vínculos paternais são mais duradouros estendendo-se muito para além do instinto. Mas, sensível à variedade cultural e temporal de tais expressões do cuidado, o autor irá mesmo pôr em causa a naturalidade da afecção materna, a qual, considera, sem a evolução e reforço dos costumes, seria inconstante57. Estas teses estão presentes também em A. Fergusson que valoriza o modo como a vida familiar não é redutível a explicações baseadas no automatismo instintivo nem num racionalismo contratual. Já no Ensaio sobre a História da Sociedade Civil (1767) estava bem patente como a pulsão de autoconservação, ao ser inserida num curso temporal sob os princípios de amizade e confiança mútuas que caracterizam o espaço familiar, gera um suplemento além do instinto inerente à pertença filogenética bem como do calculo egoísta. Em Principles of Moral and Political Science destaca a inversão da ontogénese presente na família humana, ao enaltecer como nesta, depois de a cria atingir a independência física, os laços afectivos não se dissolvem, mas pelo contrário, fortalecem-se «à medida que se misturam com a estima e a memória dos primeiros afectos.»58. A “inversão” está também patente na forma como nada está assegurado inicialmente na relação entre os cônjuges, dependendo as suas “concretizações” não de uma compatibilidade ou complementaridade social, mas de realizações comunicativas. Nesses vínculos estabelecidos entre dois indivíduos têm importância tonalidades afectivas que após a união serão transpostas para uma realidade familiar circunscrita. 15

É interessante notar como reencontraremos em Lacan por ocasião de um notório afastamento do primado do puro instinto em Freud, precisamente esta tónica de que o conceito de família exige pensar não numa simples acomodação dos instintos, mas a sua regulação numa economia “paradoxal”, cujas comunicações sintetizou na ideia de complexo59. A obra de D. Hume é também matricial na medida em que considera que a moralidade não está apenas assente em aspectos naturais à espécie, mas contém diversas disposições artificiais decorrentes do costume, as quais parece considerar como ancoradas numa inércia simbólica com capacidade de resistência a todas as suas “desmistificações”. É por via do hábito, inculcado no domínio pré-verbal que, considera o filósofo, é possível o estabilizar das afecções familiares, mas também assegurar a sua transmissibilidade entre gerações 60. Mais tarde, John Millar, em The Origin of the Distinction of Ranks (1779), chegou mesmo a pensar hábito de uma determinada família como provido de autoridade hereditária61. No que respeita ao carácter adquirido da castidade e recato feminino, Hume defende que tais qualidades associadas à honra familiar superam a constituição natural do humano e o princípio do prazer. O céptico considerava que é precisamente porque estão além de um fundamento funcional que tais elementos, profundamente dependentes da atribuições imaginária do género, conferem à família o seu valor social. Um dos vectores cardinais em que assentam as construções normativas sobre a família, as quais preservam o suplemento do imaginário de género, é o da modéstia feminina, que conduz a uma compulsiva necessidade de restringir a esfera de acção da mulher. Relativamente a esta observava Dunbar que «o belo sexo [fair sex] merecia maior veneração nas antigas nações celtas da Europa que entre os Gregos e Romanos, os quais estamos acostumados a considerar mais civilizados» 62. Será precisamente esta reminiscência histórica, a par com elementos já presentes no amor cortês, mas também a influência da visão igualitária presente na moral cristã, o antecedente das concepções iniciais do código do amor-paixão. É a partir das concretizações de tal código enquanto sustentação da semântica da comunicação amorosa que será possível estabelecer uma intimidade autónoma que terá vinculada uma reorganização das expectativas relativas ao binarismo do género.

16

Novela e Intimidade, a gestação de regularidades morais63.

Para Luhmann o surgir de um código que permite encenar a manifestação de determinados sentimentos como adequados à eleição amorosa e intimidade, não é casual ou extemporâneo, se bem que tal surgimento não seja provido de uma necessidade estrita e outras formas fossem possíveis 64. O código responde a tendências de mudança patentes na estrutura social 65 dentre as quais temos vindo a apontar sobretudo uma crescente autonomia da família relativamente às pressões familiares e sociais, abrindo a um projecto a dois. Mas será sobretudo o desenvolvimento da economia como sector produtivo, e um crescendo das interacções impessoais, que «permite que a família seja liberta do preenchimento de qualquer papel acima das suas preocupações imediatas.66» Foi a paixão amorosa, definível como a manifestação psíquica e física de um sofrimento relativamente a um dado objecto, que permitiu o surgir de mecanismos “simbióticos” orientados por expectativas partilhadas a promover uma diferenciação plena, intensa e irredutível da semântica. Desde os romances dos inícios do século XVII, ela é a “prisão amada” mas também o injustificável, algo de que não se pode prestar contas e que tinge toda a vivência pessoal67. A integração da paixão na semiosis narrativa não parte de uma estabilidade de processos comunicativos assegurados à partida, ela baseia-se no envolvimento intencional dos amantes que carece de co-observação na construção de sentido. A autonomia da mulher no movimento passional, será requisito essencial da nova semântica da intimidade, ela deixa de ser objecto passivo e passa a ter um papel na encenação do sentimento amoroso68. Isto é notório na medida em que mesmo nas situações em que permanece passiva ou reactiva, qualquer ténue sinal é fonte de problematização para o amante e capaz de retro-alimentar a comunicação. Luhmann afirma: «a inacessibilidade da mulher adorada», garantida anteriormente pela diferença de estratos sociais que caracterizava o amour-loitain, passa a residir «na decisão da própria mulher69» É no entanto certo que ao acentuar a dimensão actancial dos géneros, os padrões relativos ao que é expectável do masculino e do feminino continuam a ser marcadamente assimétricos preservando aspectos imaginários respeitantes à mobilidade e racionalidade masculina e à passividade casta e emotividade da mulher. 17

Os abundantes livros de etiqueta e de “auto-ajuda” não conseguiriam implantar a nova semântica subjacente à intimidade na medida em que o “formulário” de que dispõem está desconectado de uma sequência narrativa, na qual os amantes se confrontam com a contingência. É assim sintomático que uma das obras com maior preponderância para a sua consolidação, Pamela, or Virtue Rewarded (1740) de Samuel Richardson, tenha ganho forma a partir de publicações de folhetins onde os leitores encontravam modelos inspiradores de correspondência epistolar. Será a partir da segunda metade do século XVIII que as convenções literárias começam a ter repercussão efectiva nos modos de comunicação familiar. É a partir desse ponto que a ficção e as suas promessas começam a ter alguma relevância normativa no que concerne ao encerramento no espaço íntimo. Como vimos, esta possibilidade está completamente afastada do mundo antigo e pré-moderno, em que o novo espaço íntimo está ainda inserido no entorno comunitário e seu dispositivo moral. Em termos gerais a semântica evolui de um enraizamento nos requisitos objectivos que devem presidir à eleição e união do par conjugal e que mantêm referência a uma moral universal que determina o adequado –proveniência social, beleza, idade relativa, sexo-, para uma autonomia ideal dos amantes, na qual se vê “engrandecida” pela superação dos constrangimentos iniciais 70. Cingidas na sua aplicação à cultura aristocrata, as regras de galanteria, a que o código se cinge inicialmente, consistem na obediência performativa a um guião conforme às expectativas que recaem sobre os amantes. Uma aplicação estrita que mantendo-se em relação a um determinado ideal da complementaridade, exclui a individualidade na aproximação dos amantes. A ausência de uma performatividade auto-reflexiva mediando o acesso ao código na comunicação amorosa faz com que mais tarde esteja conotada com o ridículo. Já em pleno século XVIII é sob o signo da autenticidade e da personalização do sentimento que a semântica se estabiliza, sendo que se assiste a uma temporalização do “ideal”. Mas a novela está ainda ancorada na constante co-avaliação dos amantes, mantendo-se o código ainda à mercê do seu desmascarar como mera aplicação racional do amor-próprio. Este pendor que alguns apelidaram de “racionalista”71, participa de um momento intermédio do código e permanece associado à “aliança” e como tal de um “nivelar” dos estratos económicos. Podemos ver já aqui a canonização dos valores pelos quais se rege a família burguesa, 18

as qualidades dos amantes a que se dá destaque na codificação são: a honestidade e castidade da mulher e o temperamento e capacidade económica do homem. Será por via de um considerável disciplinar das paixões que tende a fundir os conceitos de amizade e amor, que o novo espaço íntimo será concebido 72. É possível dizer que antes de ser o engodo de uma doce e santificada privacidade o casamento surge como promessa de libertação73. Mas de facto só no fechar do século com o romantismo irão emergir fortes reacções contra a «submissão estrutural da mulher e do decalque da hierarquia política no seio da família 74» Mas é precisamente o ponto fulcral de uma “domesticação” das paixões, fim do envolvimento amoroso, que não está à partida assegurado. No seu estudo sobre a transição da literatura e teatro renascentistas para o romance moderno, mostrou D. Gil como a associação entre sexualidade, domesticidade e heterosexualidade, componentes essenciais do romance, não está inicialmente assegurada75. O autor defende que num primeiro período a sexualidade está presente apenas uma componente associal76, que irá gradualmente progredir para a ideia de manifestação afectiva própria de uma comunicação a dois, abrindo à partilha de uma percepção única do mundo. Ora a forte intensidade emotiva manifesta por exemplo na poesia de Philip Sidney, estará na origem de duas tradições opostas mas com pontos de contacto. A novela amorosa baseada na contenção e regramento das paixões, surge a par com a literatura libertina cujo jogo das paixões põe à prova as regularidades morais em que aquela se sustenta. É significativo assinalar como estes géneros literários distintos recorrem sistematicamente a personagens do campo oposto: o domínio libertino requer a jovem cândida e a novela necessita da ameaça de um Don Juan predador. Alguns autores, como é o caso de Henry Fielding, tiveram incursões em ambos os domínios encenando num caso o mundo das identidades instáveis e das práticas sexuais perversas77 e outro onde tais elementos ainda que presentes surgem sublimados78. A denúncia assertiva do carácter opressivo e arbitrário da família surge apenas na literatura libertina, e é vislumbrada no amor romântico também ele denunciador da mesquinhez burguesa. O código da passion manterá, nas suas variantes, o tema da conquista como unificador. Radicalmente novo no amor romântico é o ultrapassar da sequência tradicional da conquista, substituído por um incremento substancial da intensidade do 19

encontro dos amantes. E esta intensidade é tributário não só da integração do tema da sexualidade, mas sobretudo na maior complexificação da vivência psíquica já não orientada por qualidades do mundo objectivo mas pela partilha por parte dos amante de uma vivência única. Isto conduz ao pôr de parte o modelo de uma promessa futura, mas também o abandono de qualquer espécie de fundamento para a semântica da intimidade. Só a inclusão na semântica de elementos radicalmente demarcados das formas regulares de comunicação pode permitir a sua demarcação, e assegurar que a selectividade do código permite superar todas as improbabilidades comunicativas. É dessa forma que são aceites como reforçando a comunicação: insensatez, loucura e instabilidade na relação amorosa. O amor torna-se tautológico e incondicional. É a consciência de um amor que se perverte na rotina que enforma o tropo romântico da renúncia à saída da plenitude da paixão. Isso transparece do influente romance epistolar de Goethe, Os Sofrimentos do Jovem Werther, cuja tendência se mantém até Lucinde. Mas desde o século XVII que se anunciava já, nos termos de Roger de Rabutin, a coincidência do casamento com o fim do amor 79. No entanto naquilo que foi a concretização romanesca do ideais românticos, a necessidade de um cooling out do instante da paixão mantém-se80, mas os seus aspectos excessivos não serão mais dissipados por meio de uma aplicação de regras estritas, e sim pela abertura a um projecto de vida ocorrendo no tempo. O surgir de regularidades morais ao longo de um projecto de vida traduz-se pelo abandonar as promessas impossíveis do instante, “trocadas” por uma construção objectiva do mundo pessoal81. A paixão deve descer do êxtase em que se inicia, de forma a adquirir uma extensão temporal e material onde a sua componente passional é “amplificada” emocionalmente. A geração do espaço de intimidade não responde apenas à necessidade de uma comunicação constitutiva da individualidade contraposta à impessoalidade de meios comunicativos exteriores, o seu resguardo é também uma defesa contra os mesmos níveis de excesso em que se gerou.

Hegel e a afectividade do lar.

Regressemos então ao excurso filosófico. A proximidade ao alvor do círculo romântico alemão82, permite a Hegel dar-se conta desta mesma tensão entre o desejo 20

imediato dos amantes e o seu protelar no tempo íntimo. O amor que põe como base legitimadora da instauração do espaço familiar coincide apenas parcialmente com a sua concepção romântica. A noção de amor presente em Hegel difere do ideal romântico da fusão vivencial, na medida em que, a instituição da intimidade deve impor barreiras àquele mesmo movimento que lhe deu origem. Nos Fundamentos da Filosofia do Direito Hegel insiste em privilegiar a estabilidade da família e em especial a sua contenção emocional, traduzida num ideal de lar onde a esposa mantém o papel zelador. Todo o discurso filosófico relativo à família irá confluir em Hegel que valorizará o modo como é nesta esfera que se opera a transição da “substancialidade imediata” da vida natural para a autodeterminação da consciência. Tal como no Iluminismo escocês o vínculo conjugal não é domínio do contrato, ele constitui sim a sua “suspensão”. Daí a crítica a Kant que na Metafísica dos Costumes, apesar de recusar a reprodução sexual como o cerne da união83 (como sustentava o Direito Natural84), não deixa de considerar que tal união deve estar precedida de uma licença de “commercium sexuale”85. É a partir desta que o filósofo de Königsberg, vê legitimada a «união de duas pessoas de sexos diferentes para uma posse vitalícia dos atributos sexuais de cada um»86. Só este abrigo sob um contrato vitalício garante que no gozo sexual do outro não o reduzimos a uma coisa. Ora para Hegel a substancialidade imediata da família não reside no encontro sexual concebido como jogo de inclinações/apetites, mas numa ideia de Liebe em que a independência abstracta e particular de cada indivíduo é preterida em detrimento da sua inserção moral, esta sublinha que o eu (“eine Person für sich”) não tem significado senão a partir da sua inserção num nós. Ou seja, a teoria de Hegel quanto ao fechamento da família enaltece como nela o instinto deixa de ser o universal, remetendo para uma continuidade; o universal é a estrutura e organização familiar em que ele toma sentido e se converte num conjunto de formas e actividades. Hegel está ciente de que apresenta uma concepção de família historicamente recente, plenamente demarcada da consanguinidade, bem como dos direitos deduzidos da primazia da linhagem87. Ao reclamar a necessidade de que os cônjuges estejam reciprocamente disponíveis, entregando-se livremente, na sua personalidade infinita88, Hegel não está somente a introduzir o tema da interdição do incesto, mas a 21

sublinhar o modo como a intimidade conjugal será construída a partir de uma estranheza inicial. Daí que frise a inadequação de um sentimento vazio que ficasse atido ao instante da união na satisfação sexual. A elevação do “sentimento natural” arbitrário e contingente à “unidade ética substancial” foi o modo como o filósofo concebeu o carácter formador da família, condição imprescindível da vinda a si da consciência. A passagem da individualidade à união num “nós” é concebida como libertadora pois esta prolonga-se num tempo orientado por fins próprios, cuja sustentação em deveres ínsitos não restringe mas expande as potencialidades individuais. Sendo certo que Hegel terá permanecido arreigado a uma estrita divisão sexual do trabalho que se serve sobretudo no imaginário trágico (e o que faz associar a casa aos penates), a sua lição reside na impossibilidade de falar em algo como família senão como espaço de domínio e disciplinação de si-mesmo. Este disciplinar tem primeiramente uma valência sexual (sublimada), mas incide igualmente na formação da descendência, a qual constitui o momento cimeiro da objectivação do amor. A liberdade dos filhos deve ser alienada pois, de acordo com o modelo pedagógico subjacente, só o sentimento de subordinação pode conduzir ao desejo de crescer 89. Este crescer a que Hegel se refere é tributário de um modelo de individuação onde as substâncias éticas do masculino e feminino estão em opostos absolutos. Como sugeriu J. Kristeva (seguida de L. Irigaray e J. Butler) será no carácter préverbal da família, na proximidade ao natural (e ao sentimento) indicada no laço materno, que poderemos captar a ordenação do imaginário social 90. A partir de uma analogia com os pressupostos da Psicanálise, a mesma autora nota como o aceder à racionalidade, pré-requisito da transição para a sociedade civil, toma como critério o índice de afastamento da relação materna 91. Essa capacidade de se desligar da eticidade maternal, que é a relação primeira mas restrita ao nível do sentimento, é tida como mais completa na individuação masculina. Antes mesmo da teoria freudiana, que Lacan reificará no complexo de castração, é já no filósofo alemão que encontramos delineados os traços indeléveis que já em meados do século XX constituirão o alvo da Escola Crítica de Frankfurt ao diagnosticar a origem patriarcal da família burguesa. Tais traços enaltecem a família como lugar de repressão das potencialidades individuais no que toca à divisão sexual e à filiação. 22

Modelos de comunicação íntima estabilizada.

Só a evolução da semântica do amor paixão, que Hegel aceitou parcialmente como origem da família, permite entrever as raízes de uma concepção libertadora das assimetrias de poder do espaço doméstico e alterar o acesso ao espaço público. Será o abandono do paradigma da conquista para um outro em que a comunicação manifesta a intensidade da co-identificação a garantir uma aproximação dos géneros. 92 O decisivo será o tempo familiar passar a estar dependente da auto-observação dos agentes a partir de uma modalidade emocional que pauta os ritmos de consolidação ou dissolução familiar. A paixão foca uma descoberta de si e do seu desejo que a autobiografia moderna revelará na, sempre necessária, negociação com as determinações simbólicas que recaem sobre o indivíduo permitindo-lhe a sua construção identitária. A. Giddens foi um dos diversos autores que situou o surgir de uma família sustentada em valores democráticos a partir de uma “correcção” do ideal romântico, o qual vê definhar num estaticismo.93 O seu conceito de “amor convergente” remete para uma ênfase num registo mais equalitário dos papéis de género e sustentado no diálogo e negociação orientados pela realização mútua. É este mesmo modelo que E. Beck-Gernsheim94 considera responsável pela quebra da hegemonia da família nuclear heterossexual, com a vinda à visibilidade, sobretudo a partir das últimas 4 décadas, de novas formas de intimidade unidas por uma exigência de realização mútua não necessariamente decorrente do primado da gratificação sexual, ou pelo menos de uma forma de sexualidade restrita à genitalidade e reprodução. Mesmo constatando a pluralidade de formas familiares originadas na semântica da intimidade, não devemos prescindir de encontrar padrões de estabilidade na comunicação íntima. A partir de uma investigação psicossociológica, Koerner e Fitzpatrick 95 tentaram isolar valores em torno dos quais se centra a comunicação na família moderna. Referem que «o desejo psicológico de cognição equilibrada e necessidade pragmática de compreender o outro (…) favorecem a congruência e precisão» da sua análise. Consideram que código chave que abre a porta para os valores que estruturam a família é inequivocamente o da intimidade, é nela que 23

encontramos o seu carácter distinto, mas ao qual há a adicionar ainda: paixão, individualidade e factores externos. A intimidade põe em jogo os eixos axiológicos exclusivos de um espaço com imunidade relativa face ao exterior. Mas o que une todos os conceitos mais ou menos “ocos” que podem ser eleitos para qualificar este espaço –confiança, respeito, amor, e afeição mútuos- , é precisamente a operação de clausura, de auto-encerramento inaugurada no início do “ciclo de vida” familiar. A interacção íntima entre os indivíduos ocorre mediada no imaginário e semântica social. É sempre por via da heteroreferência, cujas selecções e encadeamentos são contingentes, que se instaura um tempo partilhado. Será para entender o outro vector, a paixão, que é necessário estar atento à evolução da semântica que serviu de base ao romance moderno. A paixão remete aqui para o prolongar das afecções mútuas num espaço íntimo. Daí as referências sempre patentes à gratificação sexual e à união de dois na partilha de uma visão do mundo. O terceiro tópico é aquele que se associa à luta Feminista, nele encontramos a individualidade remetendo para as possibilidades ideais de independência (a soberania relativa de cada um dos membros) e a equidade (sujeitos com tratamentos iguais) contrariando as tendências de submissão sobrevivendo no imaginário. Este último vector é aquele em que encontramos o recente debate por parte dos sociólogos quanto à passagem gradual do ideal de um “eu-nós” (prosseguindo e perseguido no tempo norteado pelo ideal romântico da fusão) que por uma enorme diversidade de factores, começando pela crescente autonomia económica da mulher, foi erodindo e cedeu em face do primado da realização pessoal, naquilo que configura o «paradoxo conjugal contemporâneo» 96. Há ainda o que denominam de factores externos, onde constam alguns aspectos decorrentes da temporalidade da família. É neste parâmetro que são incluídos: a segurança pessoal, mas também a descendência. Ora, seriamos levados a conceber a descendência biológica como ocupando um lugar de destaque, precisamente porque os discursos normativos permanecem ancorados no imaginário da procriação. Mas na família moderna, tal como considerava Hegel, a propriedade comum (“existência exterior matrimónio”), mas também a descendência, são resultado de um determinado processo/projecto, e não o objectivo último das uniões.

24

Um outro paradoxo em que se sustenta a família moderna e que se agudizou nas sociedades baseadas na economia de mercado, assenta na aparente rarefacção da família. É justamente no momento em que a família está impossibilitada de desempenhar as funções que lhe continuam a estar associadas senão de modo supletivo, que lhe é atribuído o papel hercúleo de assegurar a realização pessoal. A diferenciação da família já não é possível de ser descrita a partir da oposição inicial entre público e privado. Aquilo que se designa por intimidade passa a dizer respeito a uma autonomia gerada a partir de uma sobreposição de códigos que servem de reserva à recursividade do tempo íntimo. Como vimos, na família moderna essa permeabilidade está presente desde o início, tendo “apenas” sido intensificada pela incidência da economia sobre todos os aspectos da vida íntima. Num trabalho mais recente97, os mesmos autores sustentam que aquilo que se altera decisivamente na família contemporânea é o facto de surgirem, a par com os padrões comunicativos da família tradicional, modos alternativos de tratar essa incidência de factores comunicativos exteriores, a sua análise foca especificamente o modo como são tratadas as comunicações provenientes dos mass media. O ponto de partida da investigação é o de que está interdita uma determinação in abstracto daquilo que é uma família disfuncional. Dizem os autores que isso equivaleria a ignorar «o contexto no qual ocorre o comportamento, o qual pode ser radicalmente distinto e conduzir a diferentes desfechos do tempo familiar»98. Só a análise mesma da história do agregado permite diagnóstico. Dos 4 modelos que os autores propõem destaco aqui dois. Um é precisamente aquele que está conotado com a família nuclear burguesa, denominado de “consensual”, e o outro que é marcado por uma lassidão relativamente à comunicação que sobre ele incide. O primeiro modelo é aquele que impõe entraves a um tratamento dos processos comunicativos incidindo sobre a família, recorrendo a fórmulas consagradas pela autoridade. O segundo é aquele em que o espaço familiar não só está à mercê dos processos comunicativos mas também por uma redução dos comportamentos ao arbítrio individual. Dados os seus pressupostos é compreensível que os autores não sejam peremptórios no que toca às virtudes de cada um dos padrões de tratamento da informação e comunicação que perpassa a família. Seria no entanto ocasião para perguntar juntamente com Hegel: mas o que seria isso de uma família meramente reactiva e sujeita a tudo? Lacan foi o autor que respondeu de um 25

modo lacónico ao acentuar como o declínio inexorável da imago paterna poderia ser visto não só como o ponto de origem de todas as patologias psíquicas mas também do próprio advento da Psicanálise.

REFERÊNCIAS

Johannes Althusius. 1995. Politica. An Abridged Translation of Politics Methodically Set Forth and Illustrated with Sacred and Profane Examples, ed. and Trans. Frederick S. Carney. Foreword by Daniel J. Elazar. Indianapolis: Liberty Fund). Michael Anderson. 1984 [1980]. Elementos para a história da Família Ocidental 1500-1914 (Tradução de Ana Falcão Bastos), Lisboa: Editorial Querco. Elisabeth Beck-Gernsheim. 1998. Was kommt nach der Familie? Einblicke in neue Lebensformen, München. Marcel Bénabou. 1990. « Pratique matrimoniale et Représentation philosophique. Le crépuscule des stratégies? » in Andreau, J. & Bruhns, H (textes réunis et présentés) Parenté et Stratégies Familiales dans l'Antiquité Romaine. Actes de la Table Ronde des 2-4 octobre 1986, Paris / Rome: École française de Rome. Tommy Bengtsson, Cameron Campbell, James Z. Lee, et al. 2004. Life under Pressure: Mortality and Living Standards in Europe and Asia, 1700–1900. The MIT Press Cambridge, Massachusetts London, England. Stephanie Coontz. 2005. Marriage, A History: From Obedience to Intimacy, or How Love Conquered Marriage. New York: Viking Press. James Dunbar. [1780]. Essays on the History of Mankind in Rude and Cultivated Ages. London. Adam Ferguson. 1792. Principles of Moral and Political Science. 2 vols. Jean-Louis Flandrin. 1983. « Histoire de la famille et histoire des mentalités ». Communications

historiques,

Volume

(http://id.erudit.org/iderudit/030903arHistoire

18, de

numéro la

famille

1, et

p.

136-149

histoire

des

mentalités). _____ 1984 [1976], Familles : parenté, maison, sexualité dans l'ancienne société, Paris : Seuil.

26

Anthony Giddens. 1992. The Transformation of Intimacy: Sexuality, Love, and Eroticism in Modern Societies. Stanford: Stanford University Press. Jack Goody. 1995. Família e Casamento na Europa, Celta. John Hajnal. 1965. ‘‘European Marriage Patterns in Perspective.’’ In Population in History, eds. V. D. Glass and D. E. C. Eversley. London: 101–146. ____. 1982. ‘‘Two Kinds of Pre-Industrial Household Formation System.’’ Population and Development Review 8:449–494. Helena Hamerow. 2002. Early medieval settlements: the archaeology of rural communities in Northwest Europe, 400–900, Sabon: Oxford University Press. Victor D. Hanson. 1999. The other Greeks: the Family farm and the agrarian roots of Western civilization. Berkeley: California Press. David Herlihy. 1985. Medieval Households. Cambridge: Harvard University Press. Immanuel Kant. 1991. The Metaphysics of Moral. Cambridge: Cambridge University Press. Julia Kristeva. 1982. Powers of Horror: An Essay on Abjection. New York: Columbia University Press. Jacques Lacan. 1987. A Família, Assírio & Alvim. Barbara Laslett. 1973. “The Family as a Public and Private Institution: An Historical Perspective”. Journal of Marriage and the Family, 35, 3, 480-492, Aug 73. Peter Laslett with the assistance of WALL, R. (ed.). 1972 (reprint 1977). Household and Family in Past Time. London/ New York/ Melbourne: Cambridge University Press. Peter Laslett. 1983 [1965]. The World we have lost: Further explored. 3rd. ed. London: Melhuen. François Lebrun. 1975. La vie conjugale sous L’Ancien Régime., Armand Colin, Paris, 1975. Niklas Luhmann. 1991 [1982]. O Amor como Paixão. Para a Codificação da Intimidade. Lisboa: Difel. Ascan F. Koerner & Mary Anne Fitzpatrick. 2006. “Family Communication Patterns Theory: A social cognitive Approach”. in Engaging Theories in Family Communication. Multiple Perspectives. Linda Mckie. 2005. Families, Violence and Social Change. Berkshire: Open University Press. 27

Gérard Neyrand. 2002. “Idéalisation du conjugal et fragilisation du couple, ou le paradoxe de l’individualisme relationnel” Dialogue – Revue de Recherches cliniques et sociologiques sur le couple et la famille (vol. 1, n. 155), pp. 80-88. Martha C. Nussbaum & D. M. Estelund, (ed.). 1997. Sex and Social Justice. Essays on Law and Nature. New York / Oxford : Oxford University Press. Samuel Von Pufendorf. 1964. The Two Books On The Duty Of Man And Citizen According To The Natural Law By Frank Gardner Moore Professor of Latin in Columbia University Reprinted. Roger de Rabutin, comte de Bussy. 1972. Histoire amoureuse des Gaules. Vol. 3. Paris: 1858. Kraus Reprints. Richard P. Saller. 1994. Patriarchy, property and death in the Roman family. Cambridge: Cambridge University Press. Günter Sasse. 1996. Die Ordnung der Gefühle: Das Drama der Liebesheirat im 18. Jahrhundert. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft. Werner Schneiders. 1971. Naturrecht und Liebesethik. Zur Geschichte der praktischen Philosophie im Hinblick auf Christian Thomasius. Hildesheim: Olms Verlag. Jonathan Sperber. 2005. Property and Civil Society in South-Western Germany 1820–1914. Oxford UP. Lawrence Stone. 1977. The family, sex and marriage in England 1500-1800. London: Harper & Row. Ian Watt. 1957. The Rise of the Novel: Studies in Defoe, Richardson, and Fielding. Berkeley: University of California Press. 1

«La famille moderne contient en elle, comme en raccourci, tout le développement historique de la famille ; ou s'il n'est peut-être pas juste de dire que tous les types familiaux se retrouvent dans le type actuel, parce qu'il n'est pas démontré que tous ont été en communication directe ou indirecte avec lui, du moins cela est-il vrai de beaucoup.» “ Introduction à la sociologie de la famille”. 2 Linda Mckie (2005), Families, Violence and Social Change, Open University Press, Berkshire. 3 que surgiu de um acréscimo de importância de uma instância que podemos apresentar como macroerótica . 4 Id. Family Identity. Ties, Symbols, and Transitions. Vittorio Cigoli Eugenia Scabini Catholic University, 2006) Milan, Italy. Center for Family Studies and Research at the Catholic University in Milan. 5 Por sociedades segmentarias abrange-se aquelas cuja diferenciação é assegurada por referência a diferentes segmentos coincidentes com os grupos familiares. 6 Unida na sua descendência de um antepassado comum Entre outros ver o estudo de Flandrin. 7 Oeconomicus, vi.4, 1970, p. 261 8 Ainda que a sua autoria seja disputada a congruência põe Pseudo-aristóteles próximo das concepções Peripatéticas. 9 Em Os trabalhos e os Dias.

28

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.