Cem anos de ecletismos na arquitetura residencial paulistana

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Descrição do Produto

Universidade de Brasilia

Reitor: Ivan Marques de Toledo Camargo Vice-reitora: Sonia Bao da Costa Decana de extensoz Thérése Hofmann Gatti Rodrigues Decano de pesquisa e pos-graduagao: Jaime Martins de Santana

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB

Diretor: José Manoel Morales Sanchez Vice-diretora: Claudia Naves David Amorim Coordenador de pés-graduagao: Marcio Augusto Roma Buzar

Editor: José Manoel Morales Sanchez Editora executiva: Maria Fernanda Derntl Conselho editorial: Andrey Rosenthal Schlee Benny Schvarsberg Claudio José Pinheiro Villar Queiroz Elane Ribeiro Peixoto Luiz Alberto Gouvéa Revisao editorial: Frederico Maranhao de Mattos

Projeto grafico e diagramagao:

Luiz Eduardo Sarmento e Marilia Alves |Grupo Arquitetura etc. I Revisao Ortografica: Sueli Dunck

l.

A772

Elane Ribeiro Arquiletura, estética e cidade : questoes da modernidade / : Peixoto, Maria Fernanda Derntl, organizadoras. — Brasilia Universidade de Brasilia, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2014. 249 p.

ISBN 978-85-60762-17-0. i l

3. Cidades. 1. Arquitetura moderna. 2. Arquitetura — estética. (org.). Peixoto, Elane Ribeiro (0rg.). ll. Derntl, Maria Fernanda

l.

i CDU 72 Ficha catalografica elaborada pela BCE-UnB

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de Brasilia UnB lnstituto Central de Ciéncias — ICC Norte — Gleba A Postal 04431 Campus Universitario Darcy Ribeiro — Asa Norte — Caixa [email protected] E-mail: — / DF CEP: 70904-970 Brasilia Fone: (+55) (61) 3107-6630 I Fax: (+55) (61) 3107-7723

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Arquitetura, Estética e Cidade questes da modernidade

Elane Ribeiro Peixoto Maria Fernanda Derntl [organizadoras]

1*

edigo

Universidade de Brasilia Faculdade de Arquitetura e Urbanismo 2014

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Sobre este livro

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Apresentagao

‘l9

ARQUITETURA

22

A quatro rnaos: Arquitetura rnoolerna lorasileira,1978-82 Sylvia Ficher

$3

e

Marlene Milan Acayaba

Lelé, para sempre um rnoolerno Elane Ribeiro Peixoto

35

Cem anos ole ecletismos na arquitetura

residencial paulistana Pedro Paulo Palazzo

98

A

arquitetura de museus na historia

Maria Cecilia Filgueiras Lima Gabriele

H3 EsTéTtoA 1'56

Arte Flavio

150

e

filosofia: a estética

R.

e os

sentiolos

Kothe

Estética das arquiteturas entre fantasia, eficiéncia retlexao: estudos sobre Kant e Oscar Niemeyer

e

Miguel Gally

H88

Sobre a qualiticagao estética do desenho na arquitetura Claudia cla Conceigao Garcia

‘E33

CIDADE

136

Praoas em Paris e Londres no século XVII Maria Fernanda Derntl

294

lntroolugao do ideario ciolacle-jarolinn no Brasil Ricardo Trevisan

222

luta por reconhecimento: (re)configurar;0es da Esplanada dos Ministérios em Brasilia

O vazio moclerno e a Luciana Saboia

235-

Referéncias

Cem anos de ecletismos na arquitetura residencial paulistana Pedro Paulo Paiazzo

Discipiina: Arquitetura e Urbanismo do Brasil Contemporaneo

O longo

sécuio XX compreende, em seus extremos, dois momentos da arquitetura particular, dominados, para o desgosto dos mestres de vanguarda, pelo uso de ornamentos derivados dos estilos do passado. Podem-se tragar vérios paralelos entre os dois periodos, apesar do progresso material e de meio sécuio de modernismo entre eies. Para seguir um desses paralelos, toma-se como exemplo a arquitetura residenciai de S510 Paulo, cidade cujas classes altas sao prodigas em reconstruir periodicamente a propria morada, sempre atentas as mais novas tendéncias guardada a inevitz-ivei defasagem entre a sua introdugéo nas metropoies culturais e a sua adogao nas periferias. Seguindo esse objeto, pois, busca-se esclarecer as motivagoes sociocuiturais desses dois fenomenos distantes no tempo, mas proximos em espirito, bem como explorar o seu resultado na forma vis|'ve| das residéncias paulistanas.

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Na visao de mundo modernista, os “particularismos escandalosos" denunciados por Rousseau seriam substituidos pelos, por assim dizer, “nobres universaiismos”, a ponto de se eliminarem as formas convencionais e reconheciveis dos eiementos de arquitetura.‘ Em contraste, ‘sA, Marcos Moraes de. Ornamentoe numa visao de mundo ecletica, os universalismos, ca- '"°de’"'¥’"°=a°9"S"“@5°§e_ima9e"S racteristicos do que Alan Colquhounz considera a visao 23§5r9g_'t1e$§ra' Rm de Janem ROCCO’ atemporal do neoclassicismo, cedem Iugar ao relativismo historico. Nesse contexto, os particularismos, ou seja, as g/§)i§$'L1'1§;‘é';'i;ié*if‘r2;§f§§é’fn'” formas culturalmente determinadas, tendem a assumir architecture andh;st5,iCa|Change_ uma existéncia propria, vinculada a fatores e interpreta- Ca"‘b"d9e=MaS$a°huSe*F§‘“S“*“*@ 0* goes externos, e pouco afeitos a constituirem um sistema Te°hn°'°gy'1981'(opposmns Books)‘ estilistico autorreferente, tai como 0 eram o modernismo canonico ou mesmo o classicismo tradicional. Esse contexto existiu na época do ecletismo académico e persiste no periodo recente, a que se ventura aqui chamar de ecletismo moderno.

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Condicionantes da Morada Burguesa é influenUma opcao estética nao se da no vacuo, mas e do época da culturais e ciada pelos fatores materiais paulistaelites as Mesmo iugar onde ela se desenvolve. com 0 nas — as quais podemos nos referir genericamente apesar “burguesia", de termo historicamente consagrado alta além dos de inciuirern assalariados da classe média certo merum de dentro capitalistas — operarn e moram quanto tanto técnica da cado, influenciado pelo estado clientes. seus pelas aspiracoes culturais dos

é tenoHoje corno outrora, 0 ecietismo paulistano nao emulaoao na meno autogeno; suas raizes se encontram experido ecletismo europeu. De fato, saindo do circuito obras nas mental da arquitetura de vanguarda dominante oscila publicas, a recente producao residencial na Europa de forentre um pos-modernismo superlativo e um revival Ainda mas tradicionais, tanto eruditas quanto vernaculas. partia sem que boa parte dessa producao seja reaiizada de arquitetos cipacao de arquitetos, encontram-se alguns da opostos renome — predominantemente nos extremos Unido, Reino habitacao social e da morada burguesa. No perbastiao tradicionalista como poucos, Quinlan Terry modernismo, ao tence a uma iinhagem que jamais aderiu da e Porphyrios Associates iigura entre os especialistas ecleprojetos arquitetura oorporativa pos-modernista; ticos polemicos como o Paternoster Square em Londres Na Fran(Figura 1) tem aparecido com certa irequencia. na italia, Krier; ca, ha Breitman+Breitman e o célebre Léon y SaGabriele Tagliaventi, e na Espanha, Cenicacelaya ioa, além de muitos outros.

Figura 1: Whitfield Associates. Paternoster Square, Londres, 19962003. Foto do autor.

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Arquitetura

Em Sao Paulo, com algumas excegoes onde a arquitetura botamca remote a perspectiva de townhousos de Iuxo V||lage Brookl|n Townhouses, por exemplo (FIQLIFS. 2) —, 0

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estilo predominante da construgéo residencial é uma interpretagéo livre do classicismo francés, como no pomposo “Réserve du Parc" (Figura 3). Como a arquitetura de d d t , t b, h oje, a e cem anos a ras am em se mlrava n_o mo e 0 I » frances. Alem do Teatro Mumclpal, claramente |nsp|rado, como tantos outros de sua geraoao, na opera de Charles Garmer, observam-se, numa fotografla de191O do vale do An hangabad, os altos do vale repletos de mansardas, por, tlcos arqueados e torreoes bem ao gosto do C|8.SSlClS|T\0 académico francés, o chamado "neobarroco" (Figura 4).

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Fisura 31Réserv du Paw Fonte: OEstado de S. Paulo, Revnsta do,méVe1coelhodamsecaye man

2004. .

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Flgura 4: V|sta panoramlca do Vale do Anha|1g3_ba§_]I191O_

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2004.

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cultura burguesa capitalista dos periodos ecléticos forgosamente rejeita 0 determinismo hereditario do ser, dando maior relevéncia ao estar, por meio do aparentar. Quatremérels continua: Em contraste, a

1e

“[...] entao

se desdenha a simplicidade das moradas ordinarias dos cidadéos. [...] nao se vive mais em casas, desejam-se templos e monumentos publicos".

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13

QUATREMERE DE QU,NCY,Ant0me_

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CaFH¢léF@--- P- 506-

Traduoao nossa.

Este temor premonitorio encontra eco na constataoao por Edgar Graeff“ do declinio da arquitetura publica no século XX, associado a exuberancia da arquitetura particular: M GRAEFF, Edgar A. Uma sistematica

nesta ordem social os ediflcios destinados aos mais altos orgaos do poder publico as mais nobres atividades oulturais e ao proprio oulto religioso aparecem mesquinhos face a grandiloquéncia e ao fausto destinado a habitaoao dos ricos, a escritorios e lojas comerciais e, muito especialmente, as casas bancarias [...]. E

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Goiéniazmhas UrbanaS’2OO6' p'85'

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12

gabarito dos ediflcios residenciais que pontuam a paisagem paulistana evidencia essa inversao de valores, impensavel mesmo nos tempos do suposto “capitalismo selvagem" em que floresceu o primeiro ecletismo. No século XIX dos ecléticos: O

3e

[...] o urbanismo estabeleceu uma hierarquia precisa das estruturas urbanas [...] a emergéncia volumétrica e das qualidades formais (ou estilisticas) devia ser inversamente proporcional a quantidade: do elemento mais difundido, a casa comum de moradia, ao mais excepcional, a construgao monumental.“



Cabe lembrar aqui que excepcional nao significava extravagante, e que no ecletismo de ha um século o que distinguia uma edificagao monumental da arquitetura trivial era, com a maior frequéncia, a exemplaridade no uso completo e criterioso de todas as oonvengoes classicas. A construgao privada era consentido, por outro lado, uma maior liberdade com respeito a essas mesmas convengoes, como ilustram as, estas sim extravagantes, mansoes vitorianas. Comum a ambos os ecletismos, o da era industrial e o atual, e o espirito de emulagao que os animava na reproduoao imperfeita da metropole cultural que lhes serve de modelo. 1

*5 PATETTA,

Luciano. Consideragoes

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Formas do Ornamento Eclético Naturalmente, o uso de estilos tradicionais representa, ca

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como Ia, certos anseios sociais atendidos pelo mercado de projetos e construooes. Contudo, além de representar circunstancias sociais e artisticas diversas, essas ap|icagoes dos estiios europeus ainda se diferenciam por seu grau de erudioao, abrangéncia e intenoao plastica e urbanistica. Se as motivaooes socioculturais do ecletismo paulistano no inicio dos séculos XX e XXI sao semeihantes em sua emulaoao do modelo europeu, a aparéncia do ornamento empregado nos dois casos é substanoiaImente diversa. Ha uma discrepancia grande entre a erudioao e a competéncia de arquitetos da geragao de Victor Dubugras e Ramos de Azevedo, bem como seus sucessores imediatos, e 0 atual nivel da produgao arquitetonica nos estiios historicos. Essa discrepancia é ainda mais escandaiosa se considerarmos o alto nivel de proficiéncia alcanoado pelos atuais tradicionalistas europeus.

Organizados em entidades como o international Network for Traditional Building, Architecture and Urbanism, ou A Vision of Europe. 16

FICHER, Sylvia Os arquitetos da Poll" ensmo e pmsség, em S50 Pam S50 '

17

Paulo: Edusp, 2005.

18

EGBERT, Donaid Drew. The Beaux-

Arts Tradition in French Architecture. Princeton: Princeton University, 1980. p.

42.

PATETFA, Luciano. Consideraooes sobre o Ecletismo... p.15. 19

20 COLQUHOUN,

Alan. Essays in architectural criticism... p. 197.

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Arquitetura

Pode-se atribuir 0 desastroso resultado da produgao nacional ao baixo nivel geralmente atribuido ao conjunto da pratica arquitetonica na pos-modernidade brasileira, em comparagao com o reconhecimento internacional que teve o modernismo patrio. Ha ainda o agravante de inexistir, no Brasil, uma ideologia do tradicionalismo como a articulada entre os arquitetos europeus.” E preciso lembrar, ainda, que a separagao entre as faculdades de arquitetura e as escolas poiitécnicas, segundo Fisher,” se deu em parte por iniciativa dos modernistas, interrompendo, assim, a tradigéo do ensino académico que na Europa e nos Estados Unidos teve uma sobrevida muito mais Ionga. Existem também fatores socioculturais incidindo na forma dessa arquitetura, alheios a estrita competéncia dos profissionais. Tais fatores seriam responsaveis, na verdade, pela baixa demanda por erudioao e oompeténcia na linguagem eciética da Sao Paulo atuai, e em consequénoia pelo baixo nivel de exigéncia sobre os arquitetos. Na conoepgao arquitetonica do ecletismo, bem como na do classicismo, o ornamento nao é concebivel como um acréscimo dispensavel; antes, eie é a esséncia da distingao entre arquitetura e a “mera” construgao, indigna do arquiteto Um edificio de “rude nudez”‘9 so poderia pertencer aos mais utilitarios dominios da técnica, sendo indecoroso deixar qualquer obra de arquitetura despida de um ornamento adequado ao seu carater. Em virtude dessa preocupagao com o carater, o ornamento eclético, por mais Iivre e criativo que seja o seu uso, mantém sempre um oompromisso com a figuragao. Para CoIquhoun,2° a compreensao da arquitetura “figurativa" inclui necessariamente significagoes convencionais e alusoes espe-

cificas, nao contempladas pela teoria da “forma pura" do ~ modernismo. A riqueza, ou ostentagao, como preferem alguns, necessaria a essa figuragao iica evidente considerando a mensagem que, de acordo com Gombrich,” ela deve transmitir: “Raras civilizaooes estiveram dispostas a negar que 0 mérito interior devesse ser reafirmado por uma demonstragao apropriada de espetaculo exterior".

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ter em mente que o ecletismo e uma manifestagao burguesa por exceléncia. Ele representa a necessidade de demonstrar riqueza e status social, uma vez que estes nao sao adquiridos por direito de sangue, mas tém de ser reafirmados a cada geragao. Assim é que del Brenna” descreve um projeto filantrépioo como 0 A ~ Gabinete Portugues de Leitura, que confiava na recepgao positiva da sua arquitetura nao apenas para embelezar a cidade, mas principalmente para polir a propria imagem da comunidade portuguesa, desejosa de ser vista como moderna e amante da cultura. Deve-se

Em se tratando da expressao de significados por meio do ornamento, Alan Colquhounzs adverte contra os riscos de se fazer um paralelo por demais estreito entre semiologia e critica de arquitetura. Mesmo assim, pode-se entender 0 programa estético de um edificio como um significante, considerando que ele aponta com razoavel consisténcia para o significado que é 0 status social, cultural e economico de seus ocupantes. Neste caso, sobressaem certas variagoes na aparéncia do ornamento classico que vém associadas a diferencas importantes na iungao social desta aparéncia.

2‘ GOMBRICH, Ernst H. The Sense of Order: a study in the psychology of decorative art. Londres: Phaidon, 1979 p. 17.

Giovanna Rosso. Ecletismo no Rio de Janeiro...

22 DEL BRENNA,

23

COLQUHOUN, Alan. Essays in

architectural criticism.

. .

Uma circunstancia da pos-modernidade pode ajudar a explicar a relativa simplicidade do mais “ostentatério" dos ornamentos paulistanos modernos, se comparado ao enfeite nosso de cada dia praticado cem anos atras. Gombrich“ faz a crucial adverténcia de que:

“[...]

a licenga, até mesmo a extravagancia, de certas solugoes pressupunha o arcabouco coerente de uma linguagem comumente aceita".

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24 GOl\/'BRl¢HOrder... p. 179.

Ernst“

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E essa linguagem comum, a tradigao classica, que nao esté mais onipresente na formagao e na visao de mundo dos arquitetos e de seus clientes, como estava até inicio do século XX. A visao, literalmente falando, tampouoo poderia estar presente numa cidade dominada pelo modernismo da verticalizaoao perpetrada em meados do mes, mo seculo. Nessa cidade, qualquer aceno na diregao de uma forma tradicional ja basta para indicar, sem sombra de duvida, a intengao de proclamar: “Neoclassico!" Em contrapartida, é evidente que ha, no contexto das cida-

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des europeias do século XXI, em grande parte preservadas apesar das desastradas campanhas de reconstrugao do pos-guerra, tal como havia na aspiragao que a Sao Paulo de 1900 tinha de se igualar as cidades europeias de entao, um modelo de comparacao e padrao de qualidade muito mais exigentes para 0 que se espera dos arquitetos.

Entre os modernos ecléticos Iocais e seus clientes, a facilidade de execugao e a visibilidade importam mais do que a harmonia e a corregao do partido decorativo. Colunas, cornijas e frisos parecem ter como UlCO parametro de projeto a distancia de observagao e a conveniéncia dos gesseiros. Pesadas molduras no alto dos edificios, executadas com moldes retilineos sempre que possivel, contrastam com a decoracao relativamente sobria e refinada no térreo, mais proximo do observador. Todas essas sao, afinal de contas, decisoes projetuais bastante sensatas do ponto de vista da relacao custo-beneflcio do ornamento como elemento de marketing do imovel.

25 BROLIN,

Brent C. Architectural

°’”a”"’"’= ba"‘Sh'“e'“a"d 'e“"“-

York: Norton, 2000.

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Nao se pretende, com essa descricao, insinuar que o ecletismo de um século atras nao tinha a visibilidade em mente. Na verdade, as qualidades épticas ja eram uma preocupacao da tradicao classica bem antes de Le Corbusier proclamar a importancia do efeito da luz sobre os solidos (alias, parafraseando Boullée).25 Além disso, ja foi dito que a ostentagao de riqueza e a demarcacao de classe social eram os motores do ecletismo na arquitetura residencial.

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Figura 6: Wladimir Alves de Souza. Solar dos Prado, atual Museu da Casa Brasileira. S50 Paulo, 1945. Foto do autor.

Mas, para um eclético formado na tradicao classica como Wladimir Alves de Souza, outros fatores tinham precedencia sobre a regra da “visibilidade maxima". A0 contrério da atual pratica de se reservar os acabamentos mais nobres para as areas pdblicas e uma economia de materials nos interiores, os “bons costumes”, ainda em 1940, lhe comandavam por, numa obra como 0 Solar dos Prado, atual

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Arquitetura

Museu da Casa Brasileira, o relevo mais modesto e discreto das pilastras na fachada frontal (Figura 6), reservando a riqueza das sombras e a profundidade escultorica das colunas embutidas para a fachada do jardim.

Conclusao



A arquitetura eclética paulistana pertence aos ciclos de revival dos estilos historicos, inspirados nos ciclos exemplares que ocorrem na Europa. A identidade desta arquitetura se da justamente em referéncia aos modelos europeus, e em particular tranceses, como padroes de estética tanto quanto como paradigmas de qualidade de vida no primeiro mundo.

Os exemplos brasileiros diferem, contudo, de seus modelos do Norte, sendo adaptados as técnicas construtivas e as circunstancias sociais predominantes no pals. Enquanto a arquitetura tradicional europeia valoriza a qualidade da alvenaria estrutural e exige um estorco de insercao no meio urbano, a brasileira parece pautada ainda

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pelo fetiche do objet-type caracteristico do modernismo,“ considerando tao somente a aparéncia do edificio como 26COLQUHOUN,A|an. Essaysin uma espécie de commodity imovel, sem consideracao a’C"'le°’“""°””"'5’”---- P- T68pela hierarquia das fungoes urbanas. Ultramar, 0 discurso , sobre 0 resgate dos valores esteticos e politicos da cidade pré-moderna acompanha um emprego erudito da linguagem formal. No Brasil trata-se de um uso mais esquematico — para nao dizer livre e abstrato — do ornamento, que remete ao padrao de vida pelo qual a metropole cultural é admirada, mas escamoteando as questoes de civilidade e urbanidade presentes no discurso europeu. Se o ecletismo paulistano na virada do século XX era literato, municiado com a erudicao dos arquitetos e com as contribuicoes das comunidades imigrantes, 0 de hoje se limita a indicar, com gestos sumarios e livres, a reintroducao dos estilos historicos na paisagem e no leque das opgoes do comprador. E as mesmas criticas se tazem ouvir, hoje como ontem, a respeito do carater internacional dos estilos historicos adotados. Preza-se, nostalgicamente, o retorno a um “auténtico" estilo nacional, senao o neocolonial do discurso dos anos192O, entao a um modernismo

utanisticamente “barroco" e tipico da produoao brasileira nos aclamados anos de194O a 1960. Ja desponta, clara"nente nas revistas de arquitetura e mais discretamente '10 mercado, o novo ciclo de revival que traz de volta o modernismo brasileiro na forma de um amalgama anacroni:0 entre as escolas carioca e paulista. E depois?

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Teoria e Historia

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