CENÁRIOS URBANOS: RISCOS E VULNERABILIDADE NA GESTÃO TERRITORIAL

May 31, 2017 | Autor: Rosemeri Souza | Categoria: Natural Hazards and Risks, Societal Risks Impacts and Hazards
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CENÁRIOS URBANOS RISCOS E VULNERABILIDADE NA GESTÃO TERRITORIAL ORGANIZADORAS Rosemeri Melo e Souza Sindiany Suelen Caduda dos Santos Eline Almeida Santos Raquel Kohler

Criação Editora

Rosemeri Melo e Souza Sindiany Suelen Caduda dos Santos Eline Almeida Santos Raquel Kohler Organizadoras

CENÁRIOs URBANOS Riscos e Vulnerabilidade na Gestão Territorial

Criação Editora Aracaju, SE | 2016

EDITORA CRIAÇÃO CONSELHO EDITORIAL Fábio Alves dos Santos Luiz Carlos da Silveira Fontes José Eduardo Franco Luiz Eduardo Oliveira Menezes Jorge Carvalho do Nascimento José Afonso do Nascimento José Rodorval Ramalho Justino Alves Lima Martin Hadsell do Nascimento

Projeto gráfico: Adilma Menezes Capa: Criação Editora

Cenários urbanos: riscos e vulnerabilidade na gestão territorial Rosemeri Melo e Souza; Sindiany Suelen Caduda dos Santos; Eline Almeida Santos; Raquel Kohler (organizadoras).- Aracaju: Criação, 2016. ISBN 978-85-8413-094-8 (impresso) ISBN 978-85-8413-098-6 (digital) 192 p.,il. 21 cm 1. Cenários urbanos 2.Territórios 3. Geografia I. Título II.Rosemeri Melo e Souza (Org.) III. Assunto CDU 711.4 Catalogação – Claudia Stocker – CRB 5/1202

Os autores são responsáveis pelas opiniões e conteúdos respectivos artigos científicos.

emitidos em seus

APRESENTAÇÃO

Pela articulação entre perigosidade e vulnerabilidade, entre os modos de funcionamento dos processos perigosos e o modo como sociedade e territórios os recebem, lhes resistem e deles recuperam, os riscos correspondem a um tema de estudo eminentemente geográfico. No caso dos riscos naturais, geomorfólogos, climatólogos, hidrólogos e biogeógrafos estenderam os seus temas de trabalho à Geografia Humana, estudando temas de Demografia, Geografia Económica, Social e Cultural, Geografia Urbana e Geografia da Saúde para melhor compreender os efeitos dos processos perigosos sobre a sociedade, o ambiente e os territórios, ou seja para estudar os complexos fenómenos de vulnerabilidade que, conjuntamente com os processos de perigosidade, marcam os estudos sobre riscos. Um outro factor que marca de firma decisiva a importância dos riscos nos estudos de Geografia é a cartografia. Muitos dos trabalhos sobre riscos assentam numa cartografia mais geral ou mais detalhada, conforme os objectivos, dos diferentes elementos que marcam o funcionamento dos processos perigosos (susceptibilidade e probabilidade), mas também da vulnerabilidade social, da exposição de pessoas e do valor dos bens potencialmente afectados. Quer dizer, para tornar os estudos sobre riscos aplicáveis, seja em termos de ordenamento do território, seja em termos da gestão do socorro e

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da emergência, a cartografia é um instrumento fundamental. Além de mostrar o onde (onde há maior probabilidade de acontecerem os desastres; onde as suas manifestações serão mais intensas; onde a recuperação será mais ou menos difícil) ela responde também ao como (apontando para os factores que condicionam e podem desencadear os processos perigosos) e mesmo ao porquê (mostrando os problemas territoriais, ambientais e sociais que são responsáveis pela ocorrência dos processos perigosos e pelas suas consequências. O quando, seguramente uma das respostas mais difíceis de tratar cartograficamente, é o elemento que mais contribui para o grau de incerteza associado aos estudos de riscos. Ainda assim, pelo menos para alguns tipos de riscos naturais, como, por exemplo, as inundações, os mapas de probabilidade podem dar um importante contributo na preparação para esta incerteza e, consequentemente, para a sua gestão. A Geografia é, por natureza, uma ciência interdisciplinar de charneira entre os estudos sobre a natureza e sobre a sociedade. No entanto, no que diz respeito aos estudos sobre riscos e, particularmente, sobre riscos naturais, a interdisciplinaridade tem de ir mais longe. Ao procurar uma melhor compreensão dos processos perigosos, a geologia, a física, a química, a meteorologia, a engenharia são fundamentais. O entendimento mais integral dos processos económicos, sociais e culturais que controlam a vulnerabilidade é muito ajudado pela economia, sociologia e antropologia. O desenvolvimento metodológico que conduz à produção de cartografia de riscos é quase sempre muito apoiado pela matemática e, particularmente, pela Estatística. Se entrarmos no desenho dos processos de mitigação e de gestão do risco, se entrarmos no estudo das fases de gestão da emergência e do socorro, a medicina, a psicologia têm garantidamente um papel a desempenhar… E por aí fora! Praticamente não há saberes formais ou informais, mais científicos ou mais técnicos, mais naturais ou mais sociais, que não possam ser invocados para o estudo dos riscos, mesmo quando se trata de riscos na-

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turais. A interdisciplinaridade (ou formas mais avançadas de integração disciplinar, como a transdisciplinaridade) é um dos paradigmas da ciência do século XXI. Mas, este conceito tem particular sentido no estudo, mais teórico ou mais directamente aplicado, dos riscos. A geografia física e a geografia humana têm um importante papel a desempenhar neste contexto e a cartografia é muitas vezes, para não dizer quase sempre, o principal veículo de interdisciplinaridade que caracteriza o trabalho do geógrafo, que lhe serve de diálogo e que mostra a importância dos estudos sobre o território no complexo processo dos estudos de riscos. A questão dos riscos assume uma particular importância em meios urbanos, por diferentes e várias razões. Em primeiro lugar, porque devido à concentração urbana que afecta todos os países do globo, as cidades não param de crescer, e muitas vezes, para não dizer quase sempre, fazem-no sem o necessário cuidado de termos de ordenamento e gestão do território. Os processos construtivos de edifícios e infra-estruturas desflorestam, transformam a topografia, remexem terras, abrem taludes, criam aterros, aumentam as pressões sobre os solos, impermeabilizam-nos, criam “ilhas” de calor urbano, ou sejam transformam de modo decisivo os modos de funcionamento dos sistemas naturais, expondo os territórios urbanos a um conjunto de processos naturais perigosos, como inundações progressivas ou rápidas, movimentos de vertente e ondas de calor, para citar apenas os mais evidentes. Os exemplos serão muitos nas várias partes do Mundo, em países do Norte e do Sul, em pequenas cidades ou em grandes metrópoles. As cidades crescem muito rapidamente, muitas vezes de forma difusa e desordenada, alastrando pelo espaço em forma “mancha de óleo”, ocupando progressivamente leitos de inundação, vertentes declivosas, espaços florestais. Para além dos riscos ditos naturais, a cidade é hoje o palco principal da vida comunitária, onde se manifestam todos os riscos tecnológicos próprios da vida urbana (incêndios, acidentes rodoviários ou industriais, por exemplo) mas também riscos económicos (falências

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de empresas, especulação imobiliária, inflação), sociais (desemprego, conflitos sociais, insegurança) e ambientais (poluição e problemas sanitários). Em síntese, pelas suas dimensões, características físicas, modo de evolução e condições sociais, a cidade é, em regra, palco de um aumento da probabilidade de ocorrência de processos potencialmente perigosos de todos os tipos. Mas, na cidade aumenta, sobretudo, a exposição de pessoas a este tipo de processos. Na cidade é, também, mais nítida a diferenciação e mesmo a segregação social e económica de algumas comunidades, com criação de territórios urbanos de elevada vulnerabilidade social. Finalmente, na cidade o valor dos bens potencialmente afectados (edifícios, infra-estruturas, bens patrimoniais) é muito maior. Quer dizer, em meios urbanos aumenta, também, de forma significativa, a vulnerabilidade. Os problemas da gestão do risco nas cidades apresentam também importantes elementos de diferenciação que têm sobretudo a ver com o elevado número de pessoas em causa, com a sua forte mobilidade, de acordo com a hora do dia, o dia da semana ou o mês do ano, com a existência e necessidade de funcionamento de estruturas vitais como hospitais, quartéis, escolas. A cidade apresenta, assim, características territorialmente diferenciadas, tanto no que diz respeito à ocorrência e modo de funcionamento dos processos potencialmente perigosos, como no que diz respeito à vulnerabilidade das comunidades que nela vivem. Também os modelos de gestão do risco (prevenção, socorro e recuperação) apresentam um recorte particular nas cidades. Por isso muitos autores falam especificamente de riscos urbanos. A importância do tema levou os promotores do III Ciclo de debates do GEOPLAN/UFS à publicação do livro Cenários urbanos: riscos e vulnerabilidade na gestão territorial, a ser lançado durante o evento. Com ele se pretende contribuir para a discussão deste importante, actual e útil tema geográfico, estudando os mecanismos envolvidos em casos concretos de riscos à escala loca e

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regional, ao mesmo tempo que se apontam algumas soluções que, embora localizadas, podem servir de exemplo na boa gestão dos riscos naturais urbanos. O primeiro trabalho, da autoria de Cláudio Jorge Moura de Castilho, intitula-se “Reforço da urbanização capitalista e territórios ameaçados: o Coque no âmbito do embate entre a racionalidade técnico-instrumental neoliberal e a racionalidade ambiental”. Nele, o autor discute as transformações ocorridas no Coque, uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) localizada em Recife, Nordeste brasileiro. Apresenta-o como um território ameaçado pelo perverso processo de urbanização atual, muito marcado por interesses especulativos. Através deste exemplo, indaga se a constituição das ZEIS representará efetivamente uma conquista social para as classes subalternas ou se corresponde antes a um mecanismo “disfarçado” para deixar os territórios-ZEIS como reserva de terrenos para serem usados em momentos propícios, fazendo valer os interesses voltados, sobretudo, para a acumulação do grande capital. Raquel Kohler aborda os “Aspectos físicos, legais e gestão da arborização viária em Aracaju, Sergipe”. Através de consultas bibliográficas, estudo da legislação municipal, consulta às informações sobre as práticas adotadas pela municipalidade em prol da arborização pública, consulta aos resultados de estudos sobre arborização de Aracaju e trabalho de campo em sete bairros da cidade, a autora analisa o uso e ocupação do solo na capital sergipana, Aracaju, buscando identificar os problemas da arborização nas ruas, com atenção especial aos passeios públicos (calçadas). A “Produção de áreas de risco geomorfológico no sítio urbano de Garanhuns-PE” é o tema do trabalho de Felippe Pessoa de Melo e Rosemeri Melo e Souza, que procuram analisar a produção do risco geomorfológico no sítio urbano de Garanhuns/PE, tendo como marco temporal a década de 1960. Entendendo o risco como uma construção social, os autores percorrem todo o processo de formação territorial do município pernambucano, salientando a evolução

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das ações antropogênicas na paisagem como forma de incremento do risco geomorfológico. As “Mudanças ambientais na zona costeira” tendo em consideração os processos perigosos, a vulnerabilidade e os riscos associados levaram Luana Santos Oliveira Mota e Rosemeri Melo e Souza a estudar o litoral do Município de Aracaju, onde, à semelhança do que acontece em todo o Brasil, a zona costeira se configura como uma área de elevada fragilidade natural e que apresenta um contínuo aumento populacional. As autoras discutem as inter-relações entre meio biofísico e as consequentes derivações antropogênicas da paisagem, assim como o modo como se têm incrementado os riscos, associados à ocupação desmedida e não planejada de grande parte das unidades naturais no município. As dunas costeiras de Sergipe e os riscos/hazards socioambientais e vulnerabilidades biofísicas associadas são o tema do trabalho de Jailton de Jesus Costa e de Rosemeri Melo e Souza, em que são avaliados os riscos socioambientais que contribuem para a vulnerabilidade biofísica dos sistemas dunares de todo o litoral sergipano, a partir do uso de geoindicadores socioambientais, numa análise diacrónica que compara dados de 2009 e 2016. Geisedrielly Castro dos Santos e Rosemeri Melo e Souza estudam os “Manguezais do litoral centro e sul de Sergipe: vulnerabilidade a perda de vegetação associada aos tensores naturais e antropogénicos”. Apresentando como objeto de estudo os manguezais desenvolvidos na margem direita das desembocaduras dos rios Sergipe (município de Aracaju, litoral centro de Sergipe) e Vaza Barris (município de Itaporanga D’Ájuda, litoral sul sergipano), as autoras procuram analisar as modificações fitofisionômicas ocorridas nos manguezais, que permitem explicar a perda da vegetação e justificar as possíveis causas associadas aos tensores de origem natural (dinâmica costeira) e de origem antropogênica (crescimento urbano). Finalmente, as “Complexidades da desertificação no  Alto Sertão de Sergipe: Vegetação e clima” são o tema do estudo apresen-

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tado por Alberlene Ribeiro de Oliveira e Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto, que procuram analisar os processos de degradação ambiental relacionados, principalmente, com o desmatamento do bioma caatinga no Alto Sertão de Sergipe, processos que interferem diretamente no microclima, na biota e nos solos, gerando danos significativos para os ecossistemas e para a sociedade. Este diversificado conjunto de textos constitui um livro importante e útil, que mostra distintos estudos de caso relacionados com riscos urbanos. Analisam-se processos perigosos, estudam-se as suas consequências e propõem-se soluções de gestão. Se no que diz respeito ao desenvolvimento dos processos se obtêm algumas certezas, muitas são também as dúvidas deixadas. Muitas certezas técnicas tornam-se dúvidas científicas a que os autores tentam dar resposta num processo analítico e interpretativo que enriquece e valoriza socialmente a ciência geográfica.

Lúcio Cunha

Coordenador Científico do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território Departamento de Geografia e Turismo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

* Este texto mantém a escrita original da língua portuguesa utilizada em Portugal.

SUMÁRIO

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APRESENTAÇÃO Lúcio Cunha REFORÇO DA URBANIZAÇÃO CAPITALISTA E TERRITÓRIOS AMEAÇADOS: O Coque no âmbito do embate entre a racionalidade técnico-instrumental neoliberal e a racionalidade ambiental Cláudio Jorge Moura de Castilho ASPECTOS FÍSICOS, LEGAIS E GESTÃO DA ARBORIZAÇÃO VIÁRIA EM ARACAJU, SERGIPE Raquel Kohler

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PRODUÇÃO DE ÁREAS DE RISCO GEOMORFOLÓGICO NO SÍTIO URBANO DE GARANHUNS-PE Felippe Pessoa de Melo Rosemeri Melo e Souza

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MUDANÇAS AMBIENTAIS NA ZONA COSTEIRA: Perigo, Vulnerabilidade e Riscos Associados Luana Santos Oliveira Mota Rosemeri Melo e Souza

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RISCOS/HAZARDS SOCIOAMBIENTAIS E VULNERABILIDADES BIOFÍSICAS ASSOCIADAS ÀS DUNAS COSTEIRAS EM SERGIPE Jailton de Jesus Costa Rosemeri Melo e Souza MANGUEZAIS DO LITORAL CENTRO E SUL DE SERGIPE: Vulnerabilidade a Perda de Vegetação Associada aos Tensores Naturais e Antropogênicos Geisedrielly Castro dos Santos Rosemeri Melo e Souza

DA DESERTIFICAÇÃO NO ALTO SERTÃO 169 COMPLEXIDADES DE SERGIPE: Vegetação e Clima Alberlene Ribeiro de Oliveira Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

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SOBRE OS ORGANIZADORAS

189 SOBRE OS AUTORES

REFORÇO DA URBANIZAÇÃO CAPITALISTA E TERRITÓRIOS AMEAÇADOS: O Coque no âmbito do embate entre a racionalidade técnico-instrumental neoliberal e a racionalidade ambiental n Cláudio Jorge Moura de Castilho

INTRODUÇÃO A teoria social crítica sobre o processo de urbanização no mundo moderno tem demonstrado que, no contexto do sistema capitalista de produção, o espaço urbano tem sido produzido (HARVEY, 2004, 2005, 2010; LEFEBVRE, 1999a, 1999b), predominantemente, para garantir os interesses, articulados em torno do Complexo do Mercado Imobiliário-Financeiro-Comercial (CMIFC), fundamentais à acumulação de capital, sobretudo na atual expansão dos interesses do neoliberalismo. The production of space in general and of urbanisation in particular has bocome big business under capitalism. It is one of the key ways in which the capital surplus is absorbed. A significant proportion of the total global labour force is emplo-

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yed in building and maintaining the built environment. Large amounts of associated capitals, usually mobilised in the form of long-term loans, are set in motion in the process of urban development. [...] The connections between urbanisation, capital accumulation and crisis formation deserve careful scrutiny.1 (HARVEY, 2010, p. 166)

Trata-se, em outros termos, da expansão territorial inerente à lógica da racionalidade técnica instrumental, hoje neoliberal e perversa, a qual tem acontecido, muitas vezes, em detrimento dos interesses das classes subalternas, isto é, daquelas classes sociais que vivem do trabalho sob os moldes da exploração do capitalismo. Durante a história do processo de urbanização em Recife (Brasil), cidade que nunca deixou de manter em sua paisagem as características perversas inerentes à formação territorial do capitalismo no Brasil, os interesses da acumulação de capital quase sempre conseguiram sobrepor-se aos interesses da realização plena da vida humana (CASTILHO, 2011), inclusive buscando produzir seus territórios em detrimento dos territórios das classes sociais subalternas. Considerase aqui, território como espaço resultante: [...] d’une action conduite par un acteur syntagmatique (acteur réalisant un programme) à quelque niveau que ce soit. En s’appropriant concrètement ou abstraitement (par exemple, par la représentation) un espace, l’acteur ‘territorialise’ l’espace. Lefebvre exprime parfaitement le mécanisme pour passer de l’espace au territoire: ‘La production d’un espace, le territoire national, espace physique, balisé, modifié, trans1 “A produção do espaço em geral e da urbanização em particular têm-se tornado um grande negócio sob o capitalismo. Isto é uma das maneiras chave através da qual a mais-valia é absorvida. Uma significativa proporção da força de trabalho global é empregada e mantida no ambiente da construção. Um amplo montante dos capitais associados, geralmente mobilizados na forma de empréstimos a longo prazo, é colocado em movimento no processo do desenvolvimento urbano. [...] As conexões entre urbanização, acumulação de capital e formação de crises merece um exame minucioso”. (Tradução livre realizada pelo autor)

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formé par les réseaux, circuits et flux qui s’y installent: routes, canaux, chemin de fer, circuits commerciaux et bancaires, autoroutes et routes aériennes, etc.’. [...] Le territoire, dans cette perspective, est un espace dans lequel on a projété du travail, soit de l’énergie et de l’information, et qui, par consequent, révèle des relations toutes marquées par le pouvoir. L’espace est la ‘prison originelle’, le territoire est la prison que les hommes se donnent.2 (RAFFESTIN, 1980, p.129)

Mesmo sendo a “prisão criada pelos homens”, o território como espaço no qual o trabalho dos homens se projeta é vida. Portanto, quando se retira o território das classes sociais que os produzem, elas também perdem suas formas de existência e resistência, problema que se agrava ainda mais quando não se lhes oferecem alternativas concretas de vida na cidade. Esses territórios estão sendo ameaçados de maneira mais explícita pelos interesses capitalistas que, permanentemente, desejam expandir-se, pela sua própria natureza, também sobre os territórios das classes subalternas, desconsiderando suas territorialidades. Procedendo de uma “problemática relacional”, a territorialidade inscreve-se [...] dans le cadre de la production, de l’échange et de la consommation des choses. [...] C’est toujours un rapport, même s’il est différé, avec les autres acteurs. Toutes production du système territorial determine ou conditionne une consommation de celui-ci. Maillages, nodosités et réseaux 2 “[...] de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator realizando um programa) em qualquer nível. Em se aproximando concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação) de um espaço, o autor ‘territorializa’ o espaço. Lefebvre exprimiu perfeitamente o mecanismo utilizado através do qual se passa do espaço ao território: ‘A produção de um espaço, o território nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que nele se instalam: estradas, canais, ferrovias, circuitos comerciais e bancários, rodovias e rotas aéreas, etc.’. [...] O território, nesta perspectiva, é um espaço no qual a sociedade projetou o trabalho, tanto em termos de energia quanto de informação, e que, por conseguinte, revela relações intrínsecas de poder. O espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que os homens se dão a si mesmos”. (Tradução livre feita pelo autor)

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créent des voisinages, des accès, des convergences, mais aussi des disjonctions, des ruptures et des éloignements que doivent assumer les individus et les groupes. Chaque système territorial secrète sa propre territorialité que vivent les individus et les sociétés. La territorialité se manifèstent à toutes les échelles spatiales et sociales, elle est consubstantielle de tous les rapports et on pourrait dire qu’elle est en quelque sorte la ‘face vécue’ de la ‘face agie’ du pouvoir. 3 (RAFFESTIN, 1980, p. 146)

No atual contexto de separação, ruptura e afastamento, diversas territorialidades, no mundo, vêm sendo ameaçadas no âmbito do agravamento de fortes embates entre os interesses sociais vinculados ao processo permanente de produção capitalista do espaço urbano. Isso acontece, principalmente, quando elas estão vinculadas a territórios localizados em áreas que se tornam estratégicas para a realização dos interesses do processo global da urbanização capitalista, sujeitas, assim, a receberem os investimentos privados e públicos de grande porte. A este respeito, através da reflexão e argumentação realizadas por Rolink (2015) acerca da colonização da terra e da moradia na cidade na era das finanças, pode-se chegar à conclusão de que, para atender seus propósitos, os interesses hegemônicos estão desrespeitando leis urbanísticas instituídas para garantir a manutenção das territorialidades, hoje ameaçadas, das classes subalternas. O que está ocorrendo através de práticas nitidamente urbanísticas higienistas que estimulam processos de gentrificação do espaço. 3 “[...] no quadro da produção, da troca e do consumo das coisas. [...] É sempre uma relação, mesmo que diferenciada, com os outros atores. Toda produção do sistema territorial determina ou condiciona um consumo de território. Malhas, nós e redes criam vizinhanças, acessos, convergências, mas também disjunções, rupturas e afastamentos relativos aos indivíduos ou grupos. Cada sistema territorial guarda sua própria territorialidade manifestando-se em todas as escalas espaciais e sociais. A territorialidade [...] é consubstanciada de todas as relações e poder-se-ia dizer que ela é, de uma certa feita, a ‘face vivida’ da ‘face agida’ do poder’”. (Tradução livre realizada pelo autor)

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Tanto que não se está mais respeitando nem mesmo leis (como a da institucionalização das Zonas Especiais de Interesse Social – Zeis) e instrumentos urbanísticos (Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social – Prezeis) que, desde os anos oitenta do século XX, foram instituídos para garantir o direito das classes subalternas de permanecerem nos seus territórios historicamente ocupados e produzidos. As Zeis são “[...] assentamentos habitacionais populares, surgidos espontaneamente a partir de ocupações em áreas públicas e privadas, não dispondo de infraestrutura básica de urbanização e sem ter a sua situação fundiária regularizada”. (CENDHEC, 1997, p.6). O Coque, localizado em Recife (Figura 1), é um dos territórios cuja territorialidade, historicamente tecida pelos seus moradores, vem sendo, paulatinamente, ameaçada pelos interesses da lógica da racionalidade técnica instrumental do capitalismo neoliberal, pela qual se deseja conquistá-lo para produzi-lo de acordo com os interesses da expansão das ações especulativas – sobretudo no âmbito do CMIFC – na área, muito embora este território seja uma Zeis, desde 1983. Contudo, uma vez que o Coque constitui um território historicamente ocupado, produzido e vivido, possuindo significativas territorialidades, ele também é uma rugosidade, ou seja, um conjunto complexo de “heranças físico-territoriais, mas também [...] heranças socioterritoriais ou sociogeográficas” (SANTOS, 1997, p.36), com potencial para influir no tempo presente: experiência de mobilização social, valores de solidariedade e autonomia, etc. Como tal, não é e não será fácil apagá-las, sem haver movimentos de oposição, os quais, inclusive, acontecem hoje, por meio do uso das diversas redes sociais e informacionais.

Fonte: Imagem do Atlas do Desenvolvimento Humano no Recife, 2005, figura trabalhada por Katielle Susanne, pesquisadora do grupo de pesquisa Movimentos Sociais e Espaço Urbano (MSEU).

Figura 1- Localização da Zeis Coque na cidade do Recife.

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O presente artigo pretende, portanto, contribuir para a discussão, retomada no Brasil, sobre o papel do atual processo de urbanização capitalista perverso que vem ameaçando territórios e territorialidades historicamente conquistados por setores das classes sociais subalternas, a partir de uma experiência que aconteceu em Recife, no âmbito do retorno de maneira mais intensa e célere da postura urbanística higienista norteada pela lógica técnica instrumental neoliberal. Do ponto de vista da metodologia, optou-se por uma abordagem relacional mediante a qual a interdisciplinaridade é considerada como caminho fundamental à apreensão e explicação do processo de urbanização capitalista como uma totalidade complexa. Ademais, A la problématique morpho-fonctionnelle, il faut sinon substituer, du moins ajouter une problématique relationnelle dont les résultats, s’il y en a, seront connotatifs de ceux issus de la première. Quand nous disons ‘ajouter’ on pourrait croire qu’il s’agit d’une évolution linéaire. En fait, il n’en est rien puisque la problématique relationnelle aurait dû preceder la problématique morpho-fonctionnelle, ele auraît dû se situer en amont. La géographie humaine s’est constituée, entre autres, sur le príncipe de différentiation spatiale à partir duquel certains tentent aujourd’hui de construire une axiomatique.4 (RAFFESTIN, 1980, p. 23)

Esta problemática aproxima-nos, por seu turno, de um dos fundamentos essenciais do paradigma da complexidade, o qual, de 4 A problemática morfo-funcional precisa ser substituída, ou ser acrescentada a uma problemática relacional cujos resultados, se existirem, também deverão ser relacionados a ela. Quando nós dizemos ‘acrescentar’ poder-se-ia acreditar que se trataria de uma evolução linear. De fato, mas não é nada disso, visto que a problemática relacional deveria preceder a problemática morfo-funcional, situando-se à montante. A geografia humana constituiu-se, entre outras, sob o princípio da diferenciação espacial a partir do qual alguns tentam hoje construir um axioma”. (Tradução livre feita pelo autor)

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acordo com Morin (2011), refere-se ao fato de que o conhecimento só pode ser socialmente pertinente quando situa seu objeto no contexto e, possivelmente, no sistema global do qual faz parte, criando estratégias que, ao mesmo tempo, sejam capazes de separar e religar, analisar e sintetizar, abstrair e rearticular os elementos do concreto. Ademais, o mesmo autor indagou em que medida esse paradigma também pode ser interessante para explicar as concepções e ideologias estabelecidas em torno da ideia de progresso, as quais às vezes possuem, segundo nossa visão, aspectos prejudiciais à manutenção do equilíbrio entre as relações – de poder – sociedade-espaço. Isso, principalmente, quando a ideia de progresso é reapresentada como uma fábula para mascarar a perversidade da lógica inerente à racionalidade instrumental neoliberal do capitalismo. Nessa perspectiva: Complexidade significa que a ideia de progresso, aqui empregada, comporta incerteza, comporta sua negação e sua degradação potencial e, ao mesmo tempo, a luta contra essa degradação. Em outras palavras, há que fazer um progresso na ideia de progresso, que deve deixar de ser noção linear, simples, segura e irreversível para tornar-se complexa e problemática. A noção de progresso deve comportar autocrítica e reflexividade. (MORIN, 2000, p. 97-98)

Primeiramente, apresentar-se-á a natureza do processo de produção do espaço urbano em Recife (primeira seção); em seguida, discutir-se-á o processo atual dos movimentos sociais como práticas de conquista do espaço urbano também pelas classes subalternas (segunda seção); depois, colocar-se-á o caso do Coque como um território ameaçado pelos interesses especulativos (terceira seção); e, por último, indagar-se-á em que medida as Zeis constituíram efetivamente uma conquista social para as classes subalternas ou se são um mecanismo “disfarçado”, ou seja, uma concessão das classes hegemônicas para

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deixar os territórios-Zeis como reserva de terrenos para serem usados em momentos propícios, fazendo valer os interesses voltados, sobretudo, para a acumulação de capital (quarta seção).

1. NATUREZA DO PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM RECIFE “Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos muda-la”. (Bertold Brecht, 1933)

A natureza do processo de produção do espaço geográfico no Brasil reside, mormente, na primazia, segundo Castilho (2011), dos interesses econômicos voltados, principalmente, para a acumulação de capital em detrimento dos interesses voltados à realização plena da vida humana. Isso está, por sua vez, perfeitamente de acordo com a natureza da formação histórico-territorial do Brasil desde a sua colonização, reforçando, segundo palavras de uma liderança do movimento social Coque (R)Existe, a permanência de uma “lógica predatória de construção das cidades brasileiras”. Desde o início da sua formação urbana que as classes hegemônicas – a dos grandes produtores de commodities e dos comerciantes ligados ao comércio de exportação e importação que detêm os instrumentos garantidores da sua hegemonia no processo de produção capitalista do espaço urbano – em Recife têm ocupado os melhores terrenos do seu espaço. Melhores terrenos em cidades de economia voltada para o exterior – com sítio urbano litorâneo, de baixa altitude e sujeito a alagamentos constantes – significam aqueles de terra firme e de fácil acesso ao Porto e/ou às suas adjacências. Após a ocupação de tais terrenos, produzindo seus espaços de acordo com os interesses do CMIFC, as classes hegemônicas locais passaram a cobiçar outros terrenos da cidade. Inclusive aqueles que, antes por elas mesmas preteridos, foram ocupados e aterra-

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dos pelas classes subalternas que não tinham acesso aos melhores terrenos da cidade. Portanto, sempre no sentido de conquistar espaços da cidade a fim de expandirem suas possibilidades concretas de acumular capitais, as classes hegemônicas foram, progressivamente, ampliando o processo permanente de produção dos seus espaços de existência. Daí porque, sob os parâmetros de práticas urbanísticas contínuas baseadas no higienismo, elas procuraram apropriar-se dos terrenos aterrados pelas classes subalternas, afastando e/ou expulsando estas últimas, isto é, tentando apagar suas territorialidades. O higienismo, ao nível do discurso dos governos como promotores do já referido progresso, procurou combater situações de insalubridade presentes no espaço urbano, ultrapassando o âmbito das ações profiláticas e imediatistas. Nesse caso, a insalubridade da cidade significava a presença da pobreza e de tudo o mais que possa dificultar a realização dos grandes projetos concretizadores da urbanização capitalista. O seu objetivo maior é, portanto, [...] limpar a cidade [...] como a expulsão dos mendigos das pontes e do centro da cidade, a perseguição aos pequenos comerciantes de rua, os protestos contra a degenerescência da moral promovida pelas prostitutas e pelos bandos de desordenados. [...] Outro importante eixo de intervenção dos médicos-higienistas consistiu na morada do pobre, do operário, do vagabundo, ou mesmo a casa operária passaram a ser objeto de controle, a sofrer regulações, perseguições, notificações e de campanhas na imprensa. (MOREIRA, 1992, p. 197)

Enfim, o higienismo consiste em um conjunto de ações implementadas para tornar a cidade mais fluida para a urbanização capitalista, liberando-a dos seus obstáculos, isto é, das classes sociais indesejadas, o que se faz ainda mais grave em países nos quais o processo da cidadania ainda não se completou, estando parte

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significativa da sua população vivendo sob condições, segundo Schwarcz e Starling (2015), de “subcidadania”. A história urbana tem mostrado que esse pensar e agir no espaço retorna de maneira cada vez mais intensa e célere cada vez que o processo de urbanização é reforçado tal como recentemente ocorreu nas cidades brasileiras que se prepararam para sediar os jogos da Copa do Mundo de Futebol 2014. Fazendo parte da história urbana em Recife, o higienismo teve seu início, ainda na segunda metade do século XVII, quando o interventor português Marquês de Montebello havia implementado uma série de ações visando retirar pessoas indesejadas – os pobres – de áreas da cidade que se valorizavam no curso do processo de urbanização em Recife, visando promover a “limpeza” destas áreas. Novamente, no início do século XX, essas práticas urbanísticas tiveram a área do Porto do Recife como local do seu acontecer histórico. Desta vez com o suporte de ações inspiradas em lições do Barão de Haussmann, visando reforçar a funcionalidade e modernização da área portuária, bem como a reprodução de um espaço que representasse os ideais das classes hegemônicas locais que desejavam fazer de Recife uma “cidade europeia”. As avenidas Marquês de Olinda, Rio Branco e Alfredo Lisboa, localizadas no bairro histórico Recife, são exemplos dessa experiência. Entre o final dos anos trinta e início dos quarenta deste mesmo século, essas experiências urbanísticas foram ampliadas na cidade, sob a batuta do então interventor Agamenon Magalhães. Isso aconteceu por meio de ações governamentais de erradicação dos mocambos5, para o que se havia instituído a Liga Social Contra os Mocambos. A avenida Agamenon Magalhães, hoje um dos principais eixos viários da cidade, que passa pertinho do território Coque, é o principal exemplo desta outra experiência urbanística de caráter higienista. 5 Mocambo é um termo local utilizado para se referir a um tipo de habitação popular construída com materiais rústicos pelos próprios moradores.

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Posteriormente, durante os anos quarenta e setenta também do século passado, outras experiências pontuais foram realizadas na área central histórica da cidade, abrindo largas avenidas e destruindo territórios ocupados, principalmente, pelas classes subalternas. As avenidas Guararapes e Dantas Barreto são, respectivamente, dois exemplos desse período. A busca da realização da acumulação de capital a todo custo sempre representou de fato a natureza do processo perverso de urbanização capitalista no Brasil. Tanto é que, até o começo dos anos oitenta do século XX, as classes subalternas não tinham direito legal de permanecerem nos seus territórios historicamente construídos no curso da sua existência na cidade. Por outro lado, como o processo de produção capitalista do espaço urbano é contraditório e conflituoso, ele sempre traz em si suas próprias condições no sentido da mudança. Isso pode ser constatado na medida em que, citando Engels, disse Lefebvre (1999b, p. 27) que: Os trabalhadores começam a sentir que eles constituem uma classe na sua totalidade; eles tomam consciência de que, se isoladamente são fracos, representam todos juntos uma força; a separação da burguesia, a elaboração de concepções e idéias próprias dos trabalhadores e de sua situação, aceleram-se; a consciência que eles têm de serem oprimidos se lhes impõe; os trabalhadores adquirem assim uma importância social e política. As grandes cidades são a sede do movimento operário; é aí que os operários começam a refletir sobre sua situação e a sua luta; é aí que se manifesta primeiro a oposição entre proletariado e burguesia [...].

Esse processo de tomada de consciência varia segundo especificidades históricas e geográficas inerentes a cada território. Contudo, mesmo não se tratando de um movimento operário basea-

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do na concepção simplista de luta entre burguesia e proletariado, a experiência tomada como exemplo neste texto refere-se a um movimento social urbano que, baseado em um território, busca a conquista dos direitos sociais “prometidos pela modernidade”. Desse modo: Se é necessário hoje retomar e ampliar o pensamento dos grandes utopistas [...], não é porque eles sonharam o impossível, é porque esta sociedade traz ainda e sempre, nela, sua utopia: a possível/impossível, o possível que ela torna impossível, últimas contradições, geradoras de situações revolucionárias que coincidem mais com aquelas que anunciou Marx; tanto que não é mais suficiente para resolvê-las, um crescimento organizado (planejado) das forças produtivas! (LEFEBVRE, 1999b, p. 180)

Somente assim, e movidos por uma racionalidade diferente da predominante, é que se poderá ousar em termos de movimentos sociais capazes de, efetivamente, conquistar direitos no sentido de produzir espaços urbanos em que justiça social e qualidade de vida constituam valores de todas e todos.

2. MOVIMENTOS SOCIAIS E CONQUISTA DO DIREITO AO ESPAÇO, ZEIS E PREZEIS Diante do até aqui exposto, buscando o acesso – ao mesmo tempo quantitativo e qualitativo – ao conjunto dos direitos fundamentais para a garantia da cidadania na cidade (HARVEY, 2004), também diversos moradores pertencentes às classes subalternas, nos espaços urbanos brasileiros, organizam-se e mobilizam-se para mudar suas condições precárias de existência. Isso pode ser viabilizado a partir da produção do espaço do cidadão, pelo qual, vale a pena reiterar que

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cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade (tempo, frequência, preço), independentes de sua própria condição. Pessoas com as mesmas virtualidades, a mesma formação, até mesmo o mesmo salário têm valor diferente segundo o lugar em que vivem: as oportunidades não são as mesmas. Por isso, a possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está. Enquanto um lugar vem a ser condição da sua pobreza, um outro lugar poderia, no mesmo momento histórico, facilitar o acesso àqueles bens e serviços que lhes são teoricamente devidos, mas que, de fato, lhe faltam. (SANTOS, 1987, p. 81, grifos do autor)

A consciência da relevância do que se acabou de citar na vida das pessoas pobres, por exemplo, levou as classes subalternas a buscar prover seus territórios com o conjunto dos bens e serviços fundamentais rumo à completude da sua cidadania. Graças, notadamente, à visibilidade dos movimentos sociais urbanos que saíam do seu estado de latência, justamente a partir do final dos anos setenta – quando da distensão e abertura política do período da ditadura militar – e início dos oitenta do século XX com o processo da transição democrática, as classes subalternas foram reconquistando seus direitos a partir da retomada do Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU). Este movimento, que teve início, sobretudo, nos anos cinquenta e sessenta do mesmo século, alicerçava-se em princípios de democratização da gestão da cidade com a criação de canais de participação, voltando-se para a defesa do redirecionamento das políticas públicas para as populações historicamente mais espoliadas socioeconomicamente, ressaltando a importância da garantia constitucional da função social da propriedade, regulamentada em

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2001 pela lei que ficou conhecida como Estatuto da Cidade. Tratava-se enfim do esboço do que se passou a defender, posteriormente, de maneira mais incisiva, como direito à moradia na cidade. Do conjunto do processo de lutas sociais, engendraram-se muitas conquistas dentre as quais cita-se as seguintes: inclusão das Zeis na Lei de Uso e Ocupação do Solo de 1983, em Recife; institucionalização do Prezeis, que se ocuparia da regularização da posse dos terrenos e dos processos de urbanização das áreas Zeis; inclusão de dois artigos – 182 e 183 – na Constituição da República Federativa Brasileira (CRFB) promulgada em 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, que regulamentaram as experiências anteriores dos movimentos sociais em Recife; e maior influência da sociedade nos processos da gestão urbana. Desde então, graças a este conjunto de instrumentos legais e urbanísticos socialmente conquistados, não se poderia mais expulsar as classes subalternas dos seus territórios historicamente produzidos por eles mesmos no curso da sua história existencial na cidade, tal como se fazia antes. Mesmo que grande parte das Zeis (Figura 2) se achasse situada em terrenos muito valorizados, por isto, tornaram-se bastante cobiçados pelos interesses do CMIFC inerentes às classes hegemônicas em Recife. Em 2001, instituiu-se, tal como já o dissemos acima, através da Lei Federal nº 10257/01, o Estatuto da Cidade, que regulamentou os artigos 182 e 183 da CRFB, reforçando o estabelecimento de mecanismos para a conquista do espaço do cidadão, condição fundamental para se atingir o direito à cidade. Ao mesmo tempo, defendendo a gestão democrática, a função social da propriedade e o direito à moradia, garantindo: a urbanização e legalização dos assentamentos; o combate à especulação imobiliária; a distribuição mais justa dos serviços públicos no espaço urbano; a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária; soluções planejadas e articuladas para os problemas das cidades; a participação da população na formulação e execução das políticas públicas (Estatuto da Cidade, s/d).

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Figura 2-Distribuição Espacial das ZEIS no Município do Recife/Brasil.

Nota: cada um dos polígonos que representa uma Zeis acha-se localizado em meio a extensas áreas pobres que ainda existem na cidade. Segundo informações obtidas recentemente junto a representantes do Prezeis, hoje, existem cerca de setenta zeis. Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano do Recife, 2005.

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Entretanto, na medida em que, na prática, esse avanço institucional não se concretizou tal como se devia no âmbito do vivido, tais avanços representaram concessões para as classes subalternas, com o propósito de manter a lógica dominante da gigantesca operação relativa ao processo de produção do espaço urbano, calcando-se na urbanização capitalista norteada pela lógica da racionalidade técnica instrumental neoliberal. Nesse sentido: O urbanismo encobre essa gigantesca operação. Ele dissimula seus traços fundamentais, seu sentido e finalidade. Ele oculta, sob aparência positiva, humanista, tecnológica, a estratégia capitalista: o domínio do espaço, a luta contra a queda tendencial do lucro médio etc. Essa estratégia oprime o ‘usuário’, o ‘participante’, o simples ‘habitante’. (LEFEBVRE, 1999b, p.143)

Mas, cedo ou tarde, esta racionalidade técnica instrumental do capitalismo neoliberal é percebida pelos “habitantes simples”, os quais se remobilizam, principalmente, a fim de retomarem a continuidade da luta pelo espaço do cidadão e, por conseguinte, pelo “direito à cidade”.

3. COQUE: UMA ZEIS AMEAÇADA PELOS INTERESSES ESPECULATIVOS Tal como afirma Harvey (2010), também faz parte da lógica do sistema capitalista a continuidade do processo de expansão e reprodução do seu espaço, a fim de fazer-se presente em todos os territórios. Para isso, nos anos recentes, os grandes projetos urbanísticos de caráter “empresarial” vêm sendo utilizado como instrumentos de aceleração da urbanização sob os moldes preponderantes dos interesses da acumulação de capitais a exemplo do que vem ocorrendo em várias cidades do mundo. Nesse sentido, esses

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[...] projetos específicos a um determinado lugar também têm o hábito de se tornarem de atenção pública e política desviando a atenção e até recursos dos problemas mais amplos, que talvez afetem a região ou o território como um todo. Normalmente o novo empreendedorismo urbano se apoia na parceria público-privada, enfocando o investimento e o desenvolvimento econômico, por meio da construção especulativa do lugar em vez da melhoria das condições num território específico, enquanto seu objetivo econômico imediato [...] (HARVEY, 2005, 174)

Os grandes projetos urbanísticos desconsideram, portanto, os territórios e as territorialidades das classes subalternas, desterritorializando-as e, por conseguinte, enfraquecendo-as, pois quando as pessoas são retiradas dos seus territórios elas perdem parte das suas vidas. E esta é a situação atual sofrida pelos moradores da Zeis Coque, como de outros tantos territórios semelhantes em Recife, no Brasil e no mundo. Para esta área estava prevista a execução de grandes projetos urbanísticos tendo em vista ampliação do sistema viário, viabilização da mobilidade rápida do transporte público, retificação do Canal Ibiporã e urbanização das suas margens, construção de um polo jurídico, dentre outras, etc. (Figura 3). Segundo o Coque Vive (2008), durante mais de cinquenta anos, este território perdeu cerca de 51% da sua área, processo que vem acontecendo de maneira paulatina e sutil. Militantes do Movimento Coque (R) Existe alegam que: (a) em 1975, foi executado um projeto de readequação urbanística na área, visando evitar as frequentes cheias do rio, o que removeu muitas famílias para bairros distantes como Ibura e Jordão (Recife) e Janga (Paulista); (b) em 1980, as obras do metrô expulsaram cerca de setecentas famílias da área; (c) em 1985, construiu-se o Fórum Rodolfo Aureliano em terreno da área, dando início ao que hoje se está chamando de um futuro polo jurídico; e (d) em 2012, ocorreu o alargamento da Estação

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Joana Bezerra e do viaduto Capitão Temudo, que passa às suas proximidades. Todas essas obras desapropriaram um número significativo de famílias do território em epígrafe.

Figura 3-Intervenções urbanísticas previstas na ZEIS Coque.

Fonte: Direitos Urbanos, 2013. Trabalhado por Katielle Susanne, pesquisadora do MSEU Nota: a execução de algumas dessas obras foi revista, pelos poderes públicos instituídos, em função de pressão dos moradores locais, que se opuseram contra o processo de remoção que vem ocorrendo, há décadas, também naquele território.

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Neste mesmo ano, moradores do Canal Ibiporã, o qual se situa no interior do território, receberam, sob ambiente de clara “tortura psicológica”, ordens de despejo em troca de indenizações irrisórias, ferindo o seu direito à moradia e passando por cima de leis e decisões públicas tomadas anteriormente, além é claro da legislação de Zeis. A este respeito, ressalta-se que a Prefeitura do Recife já havia aprovado, no Orçamento Participativo (OP) de 2002, a pavimentação e drenagem da rua que margeia o canal, bem como a construção de um Conjunto Habitacional para as famílias que estavam vivendo praticamente em cima do canal sob as condições mais precárias de insalubridade. Porém, a atual gestão urbana do Recife não considerou essas conquistas quando encaminhou as ordens de despejo. Se por um lado essa postura governamental que, no Brasil, vem acontecendo em áreas situadas em todas as grandes cidades – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre, Fortaleza, etc. – aparece-nos como um conjunto de ações fragmentadas e desarticuladas umas das outras; por outro lado, elas se tratam, na verdade, de um conjunto de ações que obedecem à lógica única dos interesses especulativos alienantes e, portanto, alheios às pessoas do território, desrespeitando-as em todos os sentidos. Entretanto, muitos moradores do Coque têm conseguido manter uma unidade de interesses comuns, apesar das adversidades enfrentadas para conseguirem mobilizar mais moradores na Zeis a fim de participarem das assembleias e dos protestos contra a postura governamental supramencionada. Portanto, em um dia da semana, eles conseguiam realizar assembleias nas quais se discutiam as ameaças externas pela implementação dos grandes projetos “empresariais” que têm o Coque como alvo, assim como as estratégias coletivas para responderem às ameaças ao seu território. Dessas assembleias, também, participam em uma perspectiva de rede, junto aos moradores, pessoal da Universidade, de Organizações não Governamentais (ONGs), etc., reforçando sua luta. (Figura 4)

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Figura 4- Assembleias de moradores da ZEIS Coque, realizada nos meses de setembro e outubro do ano de 2013. Fonte: Arquivo do Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Espaço Urbano (MSEU).

Seguindo os parâmetros atuais inerentes aos movimentos sociais no mundo, mas mantendo especificidades locais, os movimentos sociais urbanos no Brasil continuam possuindo como: [...] verdadeiro objetivo [...] aumentar a consciência dos cidadãos em geral, qualificá-los pela participação nos próprios

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movimentos e num amplo processo de deliberação sobre suas vidas e seu país, e confiar em sua capacidade de tomar suas próprias decisões em relação à classe política. [...] A derradeira batalha pela mudança social é decidida na mente das pessoas, e nesse sentido os movimentos sociais em rede têm feito grande progresso no plano internacional. (CASTELLS, 2013, p. 173)

No caso específico ora abordado, os movimentos sociais, como os que ocorrem no e a partir do Coque (R) Existe, buscam, também através do uso de novas tecnologias informacionais, atualizar suas táticas – e estratégias – de mobilização, mantendo seu papel, segundo Castells (2013), de produtores de novos valores, consolidando o espaço público e criando comunidades livres no espaço urbano. Em suas assembleias, são reforçadas as experiências dos movimentos sociais na cidade de Recife e, em especial, no Coque. Isso no sentido de mantê-los unidos e mobilizados até conseguirem fazer valer seus interesses e valores, mostrando que eles possuem um “lugar forte”. Ressalta-se que, para Santos (1997, p.), engendrando-se da proximidade geográfica enquanto contiguidade física entre pessoas capazes de criar solidariedades, laços culturais e identidade, lugar forte é: [...] um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperação e conflito são a base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma ação própria, a vida social se individualiza; e porque a contiguidade é criadora de comunhão, a política se territorializa com o confronto entre organização e espontaneidade. O lugar é o quadro de referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade.

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Criatividade que só pode ser aflorada a partir da escala local, visto que é neste nível do cotidiano que se acham os territórios/territorialidades das classes subalternas, justamente aquelas que criticam e se mobilizam contra o processo homogeneizador dos interesses globais do sistema capitalista. É aí onde estão os pobres, os quais, se de um lado constituem, pela sua própria presença no espaço urbano brasileiro, “obstáculo à difusão dos capitais novos” (SANTOS, 1997, p. 259); por outro, sua presença [...] aumenta e enriquece a diversidade socioespacial, que tanto se manifesta pela produção da materialidade em bairros e sítios tão contrastantes, quanto pelas formas de trabalho e de vida. Com isso, aliás, tanto se ampliam a necessidade e as formas da divisão do trabalho, como as possibilidades e as vias da intersubjetividade e da interação. É por aí que a cidade encontra o seu caminho para o futuro. (Ibidem)

Nos anos 1980, saindo do seu estado de latência, o movimento social local chegou a impedir a realização de dois projetos: a instalação de um estacionamento de grande dimensão para evitar que os automóveis particulares se dirigissem até à área central histórica da cidade; e a construção de um Shopping Center. Mesmo que as propostas de tais projetos tenham chegado até os moradores do Coque, mascaradas pelas conhecidas promessas de geração de empregos e rendas, as obras não foram executadas. Mas as classes hegemônicas nunca desistem e sempre retornam com as mesmas propostas, mascaradas de novas envoltas na fábula do progresso/desenvolvimento, até conseguirem saciar sua permanente sede de expansão territorial. É o que acontece ainda hoje, visto que o seu projeto de cidade continua o mesmo, isto é, calcando-se no higienismo funcional de outrora sob a lógica técnica instrumental neoliberal, o que tem sido facilitado inclusive pelo Estado.

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A este respeito, ressalta-se que, em 2010, formalizou-se uma proposta de instalação do Polo Jurídico na Ilha Joana Bezerra, incluindo a área do Coque. Disso, estabeleceu-se um projeto de Lei nº 17645/10 de iniciativa da Prefeitura do Recife, segundo o qual se aprovaria o plano da Operação Urbana Consorciada Joana Bezerra, com o que se autoriza ações de desapropriação, desafetação de vias públicas no perímetro de intervenção, definição de novos parâmetros construtivos permitindo a verticalização na área, etc., tudo isso para segundo os interesses do CMIFC. Contudo, o movimento social – desta vez liderado pelo Coque (R) Existe – novamente conseguiu intervir nos planos dessa Operação, impondo novos contornos e arranjos ao processo de produção do espaço urbano local. Mais recentemente, em 2013, eles impediram a construção da sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Ministério Público (MP), duas obras que reforçariam a intenção, da parte dos interesses hegemônicos, da implantação do já citado Polo Jurídico na área. Isso notadamente porque, em vez da geração de empregos e rendas, os moradores do Coque perceberam que haveria mais desapropriações e, consequentemente, perda de mais porções do seu território para os interesses especulativos hegemônicos na cidade. Também houve oposição contra a retirada, sem diálogo, das famílias que moravam às margens de trechos do canal Ibiporã, tanto que, segundo lideranças locais do movimento Coque (R)Existe, as indenizações tiveram aumentos significativos. Muito embora, para nós, isto não tenha sido grande conquista uma vez que se deveriam ter concretizado as decisões tomadas no OP anteriormente citadas, garantindo a permanência dos moradores no território sob condições dignas de moradia e, por sua vez, a força do seu lugar de vida. De qualquer maneira, tem-se visto que, no momento em que moradores do Coque percebem que a lógica hegemônica vigente de produção do espaço urbano ameaça o seu território, eles, também, retomam seus processos de organização e mobilização para resisti-

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rem, fortalecendo-se enquanto movimento social. E o seu território fortalece-se na medida em que, como disse Santos (1997, p. 258-59): Nos tempos de hoje, a cidade grande é o espaço onde os fracos podem subsistir. [...] E nesta, o próprio meio ambiente construído frequentemente constitui um obstáculo à difusão dos capitais novos. Graças à sua configuração geográfica, a cidade, sobretudo a grande, aparece como diversidade socioespacial a comparar vantajosamente com a biodiversidade hoje tão prezada pelo movimento ecológico. Palco da atividade de todos os capitais e de todos os trabalhos, ela pode atrair e acolher as multidões de pobres expulsos do campo e das cidades médias pela modernização da agricultura e dos serviços. E a presença dos pobres aumenta e enriquece a diversidade socioespacial, que tanto se manifesta pela produção da materialidade em bairros e sítios tão contrastantes, quanto pelas formas de trabalho e de vida. Com isso, aliás, tanto se ampliam as necessidades e as formas da divisão do trabalho, como as possibilidades e as vias da intersubjetividade e da interação. É por aí que a cidade encontra o seu caminho para o futuro.

Com efeito, os moradores do Coque estão tentando, como podem, encontrar esse caminho com sua arma mais forte, isto é, a (r) existência, cuja base se acha na força do seu lugar de existência. Isto, sobretudo, quando percebem que não fazem parte do propósito global do atual projeto de cidade vigente em Recife. Contudo, o que mais nos intriga é que o Coque, como se viu, é uma Zeis, isto é, um território cuja posse da terra já deveria ter sido legalizada, e toda a área já deveria ter sido urbanizada. Por que será, então, que a completude destas conquistas não aconteceu até o momento atual, a ponto dos moradores ainda se sentirem ameaçados e inseguros?

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4. ZEIS: CONQUISTA SOCIAL OU RESERVA DE TERRENOS PARA O CAPITAL – TENTANDO CONCLUIR! “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”. (Bertold Brecht, 1933)

Como todo processo social, a urbanização – higienista gentrificadora – também não acontece igualmente em todos os lugares. Daí porque os embates entre os interesses especulativos do CMIFC e os da realização plena da vida humana nas cidades brasileiras – e nas de outros países ditos “subdesenvolvidos industrializados”, “emergentes’, etc. – ainda apresentam fortes dificuldades no que tange à sua superação. Se por um lado, como ocorreu em outras cidades do Brasil, a Prefeitura do Recife, em razão das pressões sociais dos moradores do Coque, concedeu o status de Zeis ao seu território; por outro, esse espaço foi, progressivamente, perdendo áreas para instituições vinculadas aos interesses da racionalidade técnica instrumental capitalista neoliberal que pretende transformar o espaço, como tudo que abarca, em mercadoria visando ampliar as formas de acumulação de capitais. O Coque ainda não perdeu mais áreas porque algumas vezes seu movimento social ultrapassou seu estado de latência, tornando-se visível e ativo, na busca de fazer oposição contra as diversas tentativas externas de ocupação territorial da parte das classes sociais hegemônicas locais que cobiçavam porções da sua área para a fixação dos objetos espaciais garantidores dos seus interesses econômicos. Desse modo, talvez a Zeis tenha funcionado como uma estratégia dos poderes hegemônicos para atenuar as tensões sociais do

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ambiente urbano recifense dos anos oitenta do século passado e, ao mesmo tempo, para ganhar tempo na medida em que esses territórios ficavam como que sob uma situação de reserva de terras para serem utilizadas justamente em momentos de crescimento econômico como os que têm ocorrido recentemente. O que se faz visível quando se evidencia que muitas Zeis como a do Coque existem desde 1983, ano em que a lei de Zeis foi instituída em Recife, e que ainda apresentam os mesmos problemas urbanos que manifestavam naquele período – infraestrutura urbana precária, irregularidade quanto à posse do terreno, condições precárias de existência, etc. Isso nos faz indagar em que medida a manutenção desse quadro de referências não foi proposital. Ademais, basta uma conversa informal com algum morador desses territórios para revelar-nos o quanto muitas das atuais lideranças do Prezeis mantêm-se afastadas dos problemas locais, reaparecendo somente em períodos de eleição. Por outro lado, a maioria dos moradores sequer sabe o que são Zeis e Prezeis, fato que corrobora a ausência de vínculos entre o povo e estas duas instituições que, na verdade, representam resultados efetivos de um tempo diferente dos movimentos sociais em Recife. Ocorre também, para quem já teve contato com o Prezeis, verdadeira aversão a certas lideranças deste fórum, alegando que as lideranças tornaram-se pelegas6 e passaram a preocuparem-se mais com seus projetos individuais vinculados a “políticos profissionais” do que com os coletivos do território. O conjunto de problemas acima exposto deixou tais territórios em uma situação de insegurança e vulnerabilidade com relação aos interesses do CMIFC. Com efeito, atualmente, esses territórios – não 6 Este termo vem de pelego, que significa, de acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, “Designação comum aos agentes mais ou menos disfarçados do Ministério do Trabalho nos sindicados operários”, no Brasil. Guardando este significado, o uso deste termo estendeu-se para qualquer manifestação de pessoas que se dizem estar ao lado dos movimentos sociais, mas que de fato acham-se vinculadas, principalmente, aos interesses dos “inimigos”, isto é, dos empresários, do Estado, etc.

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somente o do Coque – têm sido cobiçados pelos interesses imobiliários e financeiros da cidade, principalmente porque o espaço urbano local tornou-se pequeno para tanta cobiça. Do ponto de vista da localização geográfica, o Coque está rodeado por espaços cujo metro quadrado é dos mais caros de Recife, tais como os bairros Ilha do Leite e Ilha Joana Bezerra. Diante do exposto, reconhece-se que a Zeis constitui uma conquista social, mas, concomitantemente e por outro lado, uma estratégia de reserva de terra para o CMIFC da cidade, situando-se no âmbito de um permanente embate entre os interesses da lógica técnica instrumental do capitalismo neoliberal e a dos interesses da realização plena da vida humana. Para resolver a situação acima colocada, faz-se necessário que os territórios das classes subalternas tornem-se lugares efetivamente fortes, para influir na construção de uma gestão urbana capaz de considerar a cidade, em teoria e prática, como uma totalidade complexa para todas e todos. Para que os poderes instituídos devem aproximar-se efetivamente das classes subalternas, a fim de que, no curso do tempo, tenha-se condições de contemplar as necessidades e os desejos de todos. Enfim, nota-se que experiências de movimentos sociais que acontecem, simultaneamente, na escala “do bairro” e “para além do bairro”, tal como colocado por Souza (2006), utilizando-se dos novos meios informacionais (internet, facebook, twitter, etc.) e dos meios tradicionais (assembleias, mobilizações no espaço, etc.) de mobilização social, tornam-se fundamentais para a construção do espaço do cidadão. Se por um lado, isso lhe garantiu avanços significativos em termos de reforço dos valores de solidariedade, autonomia e construção de espaço público; por outro, ao mesmo tempo, problemas internos inerentes à sua própria lógica de organização e mobilização impedem que se dê saltos mais significativos no sentido da cons-

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trução de algo efetivamente diferente em termos de produção do espaço urbano, retornando ao impasse histórico dos movimentos sociais no Brasil. De qualquer maneira, reforça-se a necessidade permanente de utilização do conjunto de meios presentes no território em que as pessoas vivem e a partir do qual elas se organizam e se mobilizam, reaproximando-se geograficamente no sentido do fortalecimento do seu lugar; o que nos remete a uma perspectiva contínua, no tempo e no espaço, de luta social pela conquista do espaço do cidadão.

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ASPECTOS FÍSICOS, LEGAIS E GESTÃO DA ARBORIZAÇÃO VIÁRIA EM ARACAJU, SERGIPE n Raquel Kohler

INTRODUÇÃO Este artigo discute do ponto de vista da organização de um contexto social e geográfico, a paisagem urbana como resultado das relações da sociedade e natureza. Moreira (2012), ressalta que a base da dicotomia homem-meio nasce do pensamento moderno, onde a natureza estabeleceu-se em uma relação de separação e externalidade com o homem. Há necessidade, no momento atual, de uma revisão da tradicional estrutura natureza-homem-economia, até então estabelecida (MOREIRA, 2012). Para Verdum (2012), a relação natureza e sociedade a partir da análise da paisagem, é de extrema importância; consubstancia-se como resultado da vida das pessoas, dos processos produtivos e da transformação da natureza. Como parte do espaço geográfico, a natureza nas cidades, é incorporada e produzida na forma de objetos e ideias (HENRIQUE, 2009). Para Ortigoza (2015), a decodificação da paisagem materializada no espaço é resultado das relações entre sociedade e natureza, sendo possível conhecer a realidade onde se vive. A interpretação

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geográfica da paisagem por sua vez, valoriza a apropriação do espaço pela sociedade, distinguindo-a de outras áreas do conhecimento (ORTIGOZA, 2015). Concorda-se com Sirkis (2005) apud Campanholo, Mielke, Oliveira (2015), quando afirma que a urbanização consiste em um fato irreversível e a natureza, por sua vez, em muitos contextos urbanos, permanece apenas com alguns vestígios em áreas verdes ou somente algumas árvores isoladas, caso da arborização viária. Este artigo aborda aspectos do cenário urbano, especialmente a rua, dada sua importância como propiciadora de múltiplas funcionalidades. Santos (1998), destaca que no Brasil, a negação da rua vinculada às edificações lindeiras tornou-se comum nas propostas arquitetônicas e urbanísticas. As ruas devem ser compreendidas como complemento dos quarteirões e lotes em que se vinculam; os traçados e dimensionamentos devem ser concebidos a partir da ocupação e dos usos desejados para as diferentes categorias de vias (SANTOS, 1998). Observa-se, no entanto, que na cidade consolidada sem esses princípios, a arborização das ruas fica vulnerável às pressões do uso e ocupação do solo. Neste cenário, a arborização inserida sem os critérios necessários, apresenta dificuldades de adaptação, quer pela falta de espaço adequado e usos conflitantes nos canteiros e calçadas, quer pela deficiência da legislação e da gestão municipal. Os passeios públicos fazem parte do sistema viário e localizam-se nas laterais das ruas; regulam a disposição dos lotes e dos quarteirões, interligando diferentes espaços da cidade. De uma maneira geral, 20% a 30% do solo urbano são destinados às ruas em suas diferentes categorias (LAMAS, 1997). Este percentual, no caso brasileiro, tem origem na Lei Federal 6.766/1979, a qual estabelecia o percentual de 35% (mínimo) da gleba para áreas públicas, sendo 10% para as Áreas Verdes de Lazer e Recreação, 5% para equipamentos públicos comunitários e o restante (20%) para o sistema viário (BRASIL, 2016).

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Substituída pela Lei nº 9.785/99, desapareceu a exigência do percentual mínimo, ficando a sob a jurisdição do município a definição das áreas destinadas ao sistema viário, a implantação de equipamento urbano comunitário e espaços livres de uso público, proporcionais à densidade de ocupação da zona em que se situem (BRASIL, 2016). Como o sistema viário ocupa uma grande extensão da cidade, entende-se que a arborização nas ruas é significativa para o esverdeamento das áreas urbanas. A vegetação é importante por muitos benefícios que oferecem, como por exemplo: controle do microclima, da radiação solar, temperatura e umidade do ar, ação dos ventos e da chuva; manejo das águas pluviais; para amenizar a poluição do ar, entre outros, contribuindo consequentemente para a melhoria do ambiente urbano (MASCARÓ, 2010, WATERMAN, 2010). A impermeabilização do solo no leito das ruas, calçadas, quintais e edificações, cria condições que dificultam ou até mesmo impedem a existência da flora e da fauna. Como uma das consequências negativas, destaca-se em muitas situações, a incapacidade de sobrevivência da vegetação, uma vez que o sistema urbano apresenta condições geoecológicas que alteram as condições naturais. Quanto maior for o afastamento das condições originais e mais destacadas forem as artificiais, mais difícil é a sobrevivência da vegetação (TROPPMAIR, 2002). Dadas essas dificuldades, Troppmair (2002) salienta a importância das áreas verdes, porque são especificamente nessas áreas, onde é possível encontrar as condições ecológicas que mais se aproximam das condições normais da natureza. No Brasil, para o cálculo dos índices ou percentuais de cobertura arbórea ou áreas verdes urbanas, a arborização ao longo das vias públicas não é considerada, por entender-se que desempenha principalmente ou unicamente a função estética (SILVA, 1997) e também pela sua descontinuidade no tecido urbano, enquadrada, portanto na categoria de árvores isoladas. O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2010 divulgou resultados sobre a existência de arborização ao lon-

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go do passeio público e ou em canteiro central que divide pistas de uma mesma via. Na região Nordeste, nas capitais do Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Bahia, o censo apontou que apenas 20,0 a 40,0% do total das vias públicas são arborizadas. Os resultados também assinalaram que a incidência de árvores no passeio público é maior de acordo com o rendimento nominal mensal domiciliar per capita revelando que a desigualdade social no país, abrange também os benefícios da arborização urbana (IBGE, 2016). Em 2013, a Campanha Calçadas do Brasil, realizada pelo Mobilize, primeiro portal brasileiro dedicado ao tema da mobilidade urbana sustentável, avaliou 228 ruas e avenidas em 39 cidades de todas as regiões do país. A avaliação considerou oito quesitos, entre os quais o paisagismo para proteção e conforto ambiental. A média nacional atribuída pelos avaliadores ficou muito abaixo do que foi considerado como uma calçada aceitável. A pesquisa revelou que em geral há pouca proteção arbórea ao longo das ruas e avenidas, sendo muito comum encontrar calçadas muito estreitas e também a inexistência de calçadas (nas periferias), nas cidades analisadas (MOBILIZE, 2016). O plantio de árvores no meio urbano requer planejamento, a partir de uma análise detalhada das espécies a serem implementadas, para evitar problemas com a pavimentação, fiação elétrica aérea, tubulação de água e esgoto, muros, edificações, entre outros. Estes problemas tão comuns nas cidades brasileiras, contribuem para o manejo inadequado e prejudicial às árvores (LAERA, 2016). Neste contexto, o objetivo desse artigo é apresentar um panorama geral do uso e ocupação do solo urbano de Aracaju e especialmente detectar os problemas da arborização nas ruas, com atenção especial aos passeios públicos (calçadas). Para dar suporte e alcançar esse objetivo, adotou-se os seguintes procedimentos metodológicos: consulta a referências bibliográficas para o embasamento teórico; estudo da legislação municipal mais significativa no contexto desse estudo; consulta às informações sobre as práticas adota-

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das pela municipalidade em prol da arborização pública, disponibilizadas no portal da Prefeitura Municipal; consulta aos resultados de estudos sobre arborização de Aracaju, realizados nos últimos cinco anos, por pesquisadores de diferentes instituições e visitas in loco em sete bairros da cidade, selecionados a partir dos resultados das pesquisas consultadas, para realização de registros fotográficos dos aspectos mais relevantes.

1. A CIDADE DE ARACAJU, SERGIPE Aracaju está localizada no litoral sergipano, estendendo-se longitudinalmente e paralelamente ao Oceano Atlântico (Figura 1), cujas coordenadas geográficas são: latitude 10° 54’ 40’’ S e longitude 37º 04’ 18” W. O clima é subúmido e pertence ao bioma Mata Atlântica (SERGIPE, 2016). As áreas mais baixas e de ocupação inicial, localizam-se em terrenos de antigos manguezais, viveiros de peixes e restingas; possui algumas elevações com solos argilosos nas zonas norte e oeste da cidade (LIMA, 2016). Segundo o censo demográfico do IBGE, em 2010, Aracaju possuía 571.149 habitantes e a estimativa para 2015, era de 632.744 habitantes; distribuída em uma superfície de 181,85km2, incluindo os vazios urbanos (IBGE, 2016). Pode-se deduzir, portanto, que o sistema viário ocupa aproximadamente 36,00km2 (se considerado 20% da superfície total).

Fonte: Adaptado de Microsoft Corporation, 2016.

Figura 1- Localização de Aracaju em Sergipe

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Nos últimos dez anos observou-se uma crescente verticalização em alguns bairros de Aracaju. Essa verticalização provocou rápidas transformações na cidade (Figura 2) e comprometeu as relações socioespaciais em vários espaços públicos, quer pelas dimensões reduzidas das calçadas, que dificultam a incorporação da arborização e mobiliário urbano, quer pelo dimensionamento, aquém das necessidades, provocadas pelo adensamento, das pistas de rolamento para os veículos (ARACAJU, 2016).

Figura 2- Vista parcial da recente verticalização nos bairros Atalaia e Jabotiana Fonte: Próprio autor, Ptrucio Argolo, 2016.

Genericamente, o resultado encontrado na cidade corresponde às calçadas delimitadas diretamente pelas edificações (especialmente nas áreas mais centrais e bairros populares) e nos demais bairros, a predominância de muros altos e ou grades, em algumas situações

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com grandes extensões, como é o caso dos condomínios; associado a isso, a dimensão mínima adotada nas calçadas, inviabilizou em vários bairros, o plantio de árvores (Figura 3).

Figura 3- Exemplos de calçadas estreitas, sem arborização, em bairros de Aracaju Fonte: Próprio autor, 2016.

2. ARBORIZAÇÃO VIÁRIA NAS RUAS DE ARACAJU 2.1 Legislação urbana e práticas adotadas pela municipalidade Após a planificação de 1855, a cidade recebeu planos somente quando os problemas urbanos mostraram-se mais significativos, no decorrer dos anos sessenta (VARGAS, 2016). O Código de Urbanismo (Lei nº 19, de 10.06/1966), não fazia menção a arborização pública, dado o momento

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histórico em que foi implementado; apenas estabeleceu alguns critérios a serem adotados no sistema viário, como por exemplo: passeios públicos de 1,0m (um metro), para ruas com 6,0m de largura, ficando a definição da largura dos passeios para as ruas com 15m, 20m e 25m a cargo do Departamento de Urbanismo (ARACAJU, 2016). Dada sua longa vigência (trinta e quatro anos), pode-se entender que a materialização do sistema viário local tenha se consolidado sem critérios claros quanto à largura dos passeios públicos e arborização nestes espaços. Em 1992, no Código de Proteção Ambiental do município de Aracaju (Lei nº 17/01/1992), há uma preocupação quanto à arborização, quando menciona que a fiscalização sobre a proteção e preservação da flora e da fauna deve ser realizada pela Prefeitura, a qual estimulará a plantação de árvores no âmbito municipal; que as podas, remoção das árvores, entre outras práticas, devem ser executadas pela Empresa Municipal de Serviços Urbanos-EMSURB; proíbe a utilização das árvores públicas para a colocação de cartazes ou outras finalidades; considera imune de corte, qualquer árvore ou planta pela sua originalidade, idade, localização, beleza, interesse histórico, ou utilização como porta sementes, observadas as disposições do Código Florestal Brasileiro (ARACAJU, 2016). Em 2000, o Código de Urbanismo foi substituído pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju - PDDU (Lei Complementar nº 042, 04/10/2000), o qual se encontra ainda em vigência. Nesta lei observa-se preocupação em relação aos passeios públicos quando define que nos novos loteamentos, as calçadas devem obedecer à largura mínima de 2,00m (dois metros); estabelece que a arborização das vias públicas, por sua vez, deverá ser efetuada a partir de um projeto de paisagismo, que deverá ser submetido e aprovado pelo órgão responsável pela instalação da rede elétrica. O PDDU estabelece dimensionamento dos canteiros centrais das avenidas para o plantio de árvores (um metro quadrado de área) e espaçamentos mínimos de 7,00m ou 10,00m entre as árvores, dependendo do porte e 5,00m, entre postes e árvores (ARACAJU, 2016).

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Em 2010 foi apresentado um Projeto de Lei Complementar, denominado de Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do município de Aracaju, como proposta de atualização do PDDU (não aprovado pelo legislativo municipal). Neste documento observa-se preocupação em relação à arborização das vias públicas, destacando-se alguns aspectos: a Arborização das vias públicas deverá ser efetuada a partir de projeto de paisagismo, aprovado pelo órgão responsável pela instalação da rede elétrica; o Município deve estimular e contribuir para a recuperação da vegetação e plantio de árvores; o horto florestal do município deverá manter o acervo de mudas de espécies da flora local; proibição de utilização das árvores públicas para a colocação de cartazes ou outras finalidades; o planejamento da arborização pública deve considerar o aspecto visual e espacial, as limitações que o local impõe ao crescimento das árvores, o microclima e as condições ambientais, de saúde e segurança da vegetação (ARACAJU, 2016). A questão ambiental, no entanto, teve maior atenção por parte do município apenas em 2013, quando foi criada a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Sema), a qual, em 2014, elaborou o Plano Municipal de Arborização Urbana (PMARB), cujo objetivo principal foi embasar tecnicamente decisões sobre os aspectos relacionados à arborização urbana, associando os aspectos fisiográficos, arquitetônicos, climáticos e culturais da cidade (ARACAJU, 2015). Essa iniciativa assumiu o desafio perante a sociedade aracajuana, de aumentar o índice de área verde, considerado abaixo dos níveis indicados pela Sociedade Brasileira de Arborização Urbana - SBAU, que recomenda 15m² de área verde por habitante (ARACAJU, 2015). As ações da Sema partiram do entendimento de que para a efetiva implementação do plano há primeiramente a necessidade de inventariar o patrimônio arbóreo, o qual deverá ter as seguintes informações: composição florística; espécies adaptadas; espécies inadequadas para o uso na arborização; quais são os bairros com deficiência arbórea; a quantificação dos

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custos com o manejo da arborização; a ocorrência de podas drásticas; o estado fitossanitário das árvores com a identificação das ocorrências de pragas, doenças e a necessidade de podas ou de substituição (ARACAJU, 2015). O PMARB destaca que além dos aspectos físicos, da substituição de indivíduos e técnicas adequadas para o manejo, deve ser levado em consideração a condição especial relacionada ao perfil dos solos de Aracaju, que em muitas áreas são rasos em virtude da superficialidade do lençol freático, o que pode ocasionar o afloramento das raízes, nas áreas pavimentadas (ARACAJU, 2015). O Plano de Arborização destaca que diariamente chegam à prefeitura de Aracaju solicitações para a supressão de árvores, por danificação do passeio público, construção ou ampliação de residências, sujeira provocada pela queda de folhas, conflitos com redes de esgoto e eletricidade, risco de queda, entre outros. Os técnicos do setor concluem que esses problemas têm tornado a relação entre as árvores e a população conflituosa devido às falhas no planejamento da arborização e da própria configuração da cidade (ARACAJU, 2016). Neste sentido, o Plano de Arborização dá ênfase aos programas de educação ambiental, dada sua importância na orientação da população sobre a conservação da arborização urbana, entendendo que esses programas são fundamentais para o processo de reabilitação da arborização de Aracaju (ARACAJU, 2015). A Sema desenvolveu em 2013, uma programação intensa, com o objetivo de levar à população informações sobre a necessidade de preservar a flora remanescente da capital, bem como de proteger a fauna que sobrevive nestes ecossistemas, em especial nas áreas de manguezais e restingas; retratou a relevância da existência dos exemplares da mata atlântica existentes nos arredores de Aracaju; informou ainda sobre os crimes ambientais registrados e apresentou as ações de fiscalização e vistoria que a Secretaria vinha realizando, desde sua criação (março 2013). Nesta ocasião foram distribuídas centenas de mudas de árvores frutíferas e de exemplares

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nativos da Mata Atlântica, com material informativo sobre o plantio e a manutenção das espécies vegetais, para estimular a população a plantar as árvores, a fim de melhorar as condições ambientais da cidade (ARACAJU, 2016). Em maio de 2016, a Sema iniciou a primeira etapa do processo de plantio do Plano de Arborização de Aracaju. O canteiro central da Avenida Delmiro Gouveia, localizada no Bairro Coroa do Meio, foi o primeiro a receber as mudas de árvores floríferas, de várias colorações, de espécies florestais nativas da Mata Atlântica, com o intuito de embelezamento da paisagem. A informação é que o próximo local que receberá a arborização com espécies nativas será a Avenida Santos Dumont, no Bairro Atalaia. A meta da Secretaria para 2016, é plantar 40 mil mudas em toda capital (ARACAJU, 2016). A Sema propõe também a realização do inventário georreferenciado até 2017; a gradativa substituição dos indivíduos que se encontram em falência fisiológica ou aspecto fitossanitário comprometido; o plantio de 100.000 árvores ao longo dos próximos 15 anos; recomenda o limite de 10 a 15% do total da quantidade de árvores de mesma espécie por bairro ou região e equilíbrio entre o número indivíduos de espécies nativas e exóticas. A Secretaria estabelece que os canteiros centrais das vias públicas devem ter largura mínima de 1,0m (um metro) e árvores de pequeno porte; quando a largura for superior a 2,0m (dois metros), árvores de médio e grande porte; espaçamento entre árvores: pequeno porte de 3,0 a 5,0m; médio porte 8,0m e grande porte de 10,0m a 12,0m (ARACAJU, 2015). Em 2015, iniciaram os debates para a nova proposta de atualização do PDDU, a qual ainda se encontra em elaboração. O documento inicial desse processo destaca que Plano Diretor deverá estimular a formação de infraestrutura de calçadas seguras, contínuas, com acessibilidade universal e adequadas à classificação viária; deverá incluir diretriz de incentivo a arborização urbana, a ser implementada por particulares e propõe a institucionalização do Plano Diretor de

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Arborização Urbana (ARACAJU, 2015). Nas conclusões desse documento é ressaltado que o PDDU atual é genérico, fato comum nas propostas de planos diretores de várias cidades brasileiras. Destaca-se que um Plano Diretor deve especificamente tratar dos problemas locais e propor as soluções mais adequadas para cada situação específica (ARACAJU, 2016). O Comitê Consultivo de Arborização do Município de Aracaju (criado em 2011), apresentou sugestões para ampliação e conservação da massa arbórea da cidade. Encaminhou à Sema, uma lista provisória de vegetação para auxiliar na escolha de espécies com potencial de adaptação para que faça parte do Plano Diretor de Arborização. Além disso, foi elaborado um mapa, com um zoneamento (cinco zonas urbanas) por tipo de solo e indicadas 600 espécies mais adequadas por zona, a partir da aptidão tropical de cada espécie e suas características como: porte, diâmetro de tronco, origem e situação ecológica, atributos ornamentais e nomenclatura (LIMA, RANGEL, 2016). 2.2 Pesquisas realizadas sobre arborização de Aracaju Conforme informado pela Sema, no Plano de Arborização, o município ainda não realizou nenhum inventário ou diagnóstico sobre a arborização de Aracaju (ARACAJU, 2015). Existem, no entanto, estudos e pesquisas que apontam como deficiências da arborização local: uso de espécies exóticas inadequadas; número expressivo de árvores senescentes; uso intenso de uma única espécie na arborização de vias; podas drásticas; baixo índice de área verde por habitante; existência de bairros pouco arborizados; falta de manutenção da arborização; alto índice de mortalidade das mudas em campo e a necessidade de revitalização da arborização das praças (SANTOS, 2016; GOIS, FIGUEIREDO e MELO e SOUZA, 2015; SANTOS et al., 2016). No período de 2009 a 2010 foi realizado um inventário florístico, por Santos et al. (2016) em 25 vias públicas (total de 54,14km),

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onde foram avaliados 3.595 indivíduos, divididos em 66 espécies (identificadas 58), distribuídas em 21 famílias botânicas e 8 (oito) não identificadas. Deste total, apenas 33,33% eram de espécies nativas; as demais (66,67%) de espécies exóticas, muitas inadequadas ao local. Os pesquisadores também constataram que a maioria das árvores (46%) apresentava um estado geral regular de qualidade; os principais problemas observados foram a poda drástica (31,2%); necessidade de poda de limpeza (32,2%) e necessidade de substituição de indivíduos velhos e debilitados (10,8%). A pesquisa realizada por Gois, Figueiredo e Melo e Souza (2015), realizada em diversas praças de Aracaju foi importante, porque constatou que a vegetação arbórea está distribuída desigualmente e diretamente relacionada à renda média da população, sendo o Estado, o elo configurador do novo padrão de apropriação da natureza no espaço urbano da capital sergipana. Os resultados também apontaram que a população percebe de modo distinto as áreas verdes, tanto do ponto de vista da espacialidade, como da funcionalidade. Essa pesquisa demonstrou que em Aracaju existem problemas semelhantes aos apontados especialmente pelo IBGE e também pelo levantamento apresentado pelo Mobilize em outras cidades brasileiras (IBGE, 2016, MOBILIZE, 2016). Segundo Santos (2015), o percentual de áreas verdes na cidade, em 2012 era de 8,9%, variando de 1,37% a 25, 09% (com a contribuição das áreas protegidas, com fins de conservação ambiental); neste caso as piores situações foram encontradas na área central. Se consideradas apenas as áreas ocupadas com infraestrutura urbana, os percentuais decresceram significativamente, variando de 0,08% a 8,59%; neste caso, o centro da cidade, foi o espaço que apresentou maiores índices de cobertura vegetal, provavelmente pela contribuição das praças públicas ali existentes. Segundo essa pesquisa os passeios públicos não fazem parte do cálculo percentual das áreas verdes; estes, foram considerados como áreas públicas com valor social comprometido, por apresen-

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tarem-se impermeabilizados e sem cobertura arbórea efetiva; foi considerada área verde do sistema viário apenas a arborização dos canteiros centrais, das rótulas e rotatórias (SANTOS, 2015). Oliveira, em 2013, realizou um levantamento no Horto da Empresa Municipal de Serviços Urbanos – EMSURB e observou que a qualidade de mudas de espécies arbóreas destinadas à arborização urbana e prontas para expedição, apresentavam vários problemas: falta de podas de condução (elevada porcentagem de mudas emitindo brotações laterais); em menor escala, mas igualmente importante, o baixo monitoramento de raízes expostas, injúrias mecânicas e aspectos fitossanitários (deve ser realizado diariamente no viveiro, para não comprometer os aspectos morfológicos e fisiológicos das mudas); apenas 4,07% das mudas expedidas apresentavam uma altura mínima igual ou superior a 1,80m (recomendada pela SBAU). A pesquisa também apontou o vandalismo, como a principal limitação de crescimento das mudas nas vias públicas, seguido pelos problemas fitossanitários. Nesse aspecto, o monitoramento das mudas plantadas deve ocorrer de forma sistemática, associado as ações de educação ambiental (OLIVEIRA, 2016).

3. RESULTADOS DO TRABALHO DE CAMPO Nas visitas in loco nos bairros selecionados, observou-se que a arborização das vias públicas, de acordo com os resultados apresentados por Santos et al. (2016), predomina nas avenidas com canteiro central. Nos canteiros arborizados, observa-se várias situações: uso de indivíduos arbóreos de espécie apenas com finalidade estética (Bairro Atalaia); mescla de árvores e arbustos (Bairro Treze de Julho); espécies arbóreas prejudicadas pela ação do vento (Bairro Centro); árvores com crescimento e desenvolvimento comprometido pela falta de espaço e infraestrutura do canal de drenagem à ceu aberto (Bairro Centro) e canteiros com árvores de mesma espécie, em grande extensão (Bairro São José). Destaca-se tam-

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bém a implementação de nova avenida sem arborização, onde o canal de drenagem foi encapsulado, como é o caso do Bairro Inácio Barbosa (Figura 4).

Figura 4- Vistas parciais dos canteiros centrais nos bairros Atalaia (a), Treze de Julho (b), Centro (c), São José (d) e Inácio Barboza (e) Fonte: Próprio autor, 2016.

Observa-se que nos passeios públicos, a ausência ou inadequação da arborização, justifica-se pelos mesmos serem estreitos, sem o espaço livre para a implementação da faixa de serviços (espaço destinado para colocação de árvores e mobiliário urbano). Nos bairros Coroa do Meio e Atalaia, existem várias ruas com árvores e ou arbustos nas calçadas, no entanto, verifica-se que a delimitação das calçadas com os lotes por muros altos, a alta taxa de impermeabi-

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lização e o uso da vegetação de forma inadequada nas calçadas, impedem o desenvolvimento saudável de algumas espécies, bem como impedem o livre fluxo dos pedestres (Figura 5).

Figura 5- Exemplos de calçadas estreitas e com vegetação de forma inadequada nos bairros Coroa do Meio e Atalaia Fonte: Próprio autor, 2016.

A inexistência de podas ou podas inadequadas, foram observadas nos sete bairros visitados. Destaca-se e ilustra-se, os problemas verificados nos bairros Centro e Atalaia (Figura 6), onde podem ser facilmente encontradas árvores com podas irregulares para liberar espaço aéreo para sinalização viária e especialmente para a fiação da rede elétrica.

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Figura 6- Exemplos de falta de podas, ou podas inadequadas das árvores das calçadas nos bairros Centro e Atalaia Fonte: Próprio autor, 2016.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelos dados apresentados, constata-se que os problemas verificados no uso e ocupação intensiva do solo são conhecidos da administração pública, no entanto, verifica-se pela configuração estabelecida, que o mercado imobiliário exerce influência neste processo. Esta dinâmica de crescimento acarreta problemas de diferentes grandezas. O poder executivo, através do trabalho das secretarias,

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especialmente da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e órgãos municipais específicos têm ciência dos benefícios da presença de árvores na área urbana de Aracaju, bem como dos problemas da arborização existente. Pelos resultados das pesquisas apresentadas pode-se afirmar que os principais problemas da arborização viária de Aracaju referem-se à inadequação do porte das árvores em relação à fiação elétrica aérea, maus tratos culturais em relação à poda de manutenção, ruptura de pavimento tendo como causa o sistema radicular das espécies arbóreas e a não observância de dimensionamento e área mínima das calçadas para implantação da arborização. Considera-se de extrema relevância a realização do inventário arbóreo proposto pela Sema e a participação da população para o efetivo êxito do Plano de Arborização Urbana de Aracaju, pois é a população que está diariamente em contato com a arborização, especialmente a das calçadas; sua colaboração é imprescindível para a manutenção e controle dessa vegetação. Entretanto, percebe-se que essa aproximação com a população é pontual e ainda não gera os resultados esperados pela municipalidade. Para ser efetiva, deve ser permanente, sistemática e de abordagem ampla, isto é, deve contemplar além do esclarecimento sobre plantio, manejo e cuidados, escutar as dificuldades encontradas pela população nas diferentes situações do cotidiano. Entende-se por fim, que a arborização deve ser serviço público essencial e, neste sentido é preciso que o planejamento adote uma postura regenerativa na tentativa de aumentar o número de indivíduos arbóreos adequados, especialmente nos passeios públicos, considerando suas especificidades nas diferentes situações observadas em Aracaju.

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PRODUÇÃO DE ÁREAS DE RISCO GEOMORFOLÓGICO NO SÍTIO URBANO DE GARANHUNS-PE n Felippe Pessoa de Melo n Rosemeri Melo e Souza

INTRODUÇÃO É da natureza humana realizar modificações na paisagem para que ela venha lhe proporcionar mais conforto e/ou recursos de forma menos dispendiosa, mais eficazes e em intervalos temporais compatíveis com as necessidades vigentes. Mas, com o transcorrer dos tempos, essa capacidade de intervenção na natureza foi ficando cada vez mais latente e fugaz, ao passo que o tempo de recuperação do ambiente explorado não foi levado em consideração, desencadeando e/ou intensificando processos como: degradação dos solos, lixiviamento, movimentos de massas, maximização do poder erosivo das águas, queimadas, remoção da flora, minimização da fauna, perda de produtividade dos solos, eutrofização, entre outros. Certos processos ambientais, como lixiviação, erosão, movimentos de massas e cheias, podem ocorrer com ou sem a intervenção humana. Dessa forma, ao se caracterizar pro-

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cessos físicos, como degradação ambiental, deve-se levar em consideração critérios sociais que relacionam a terra com o seu uso, ou pelo menos, com o potencial de diversos tipos de uso. (CUNHA; GUERRA, 2012, p.342)

Um divisor de águas nesse modelo de uso e ocupação do solo foi a Revolução Industrial, a qual promoveu uma ruptura na então lógica de produção, acelerando o referido processo de forma incisiva. Tendo como consequência direta a intensificação dos processos de exploração dos recursos naturais, desencadeando inúmeras e imensuráveis consequências socioambientais. Devido à magnitude espacial e temporal da problemática, é no mínimo complexo abordar a vastidão de resultantes e suas inter-relações, de maneira que não venha apenas a desenvolver uma análise simplista e/ou reducionista dessa temática. Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo analisar a produção do risco geomorfológico no sítio urbano de Garanhuns, tendo como marco temporal a década de 1965. Logo nessa data a dinâmica socioespacial e econômica do município sofre um revés, devido à implantação da política nacional de erradicação do café em áreas consideradas com baixa produtividade, pelo então Instituto Brasileiro do Café (IBC). O processo de compreensão do risco geomorfológico não pode ficar desconectado das ações antropogênicas na paisagem, logo iria de encontro à concepção do fenômeno. O risco é uma construção social. A percepção que os atores têm de algo que representa um perigo para eles próprios, para outros e seus bens, contribui para construir o risco que não depende unicamente de fatos ou processos objetivos. (VEYRET, 2013, p.23)

A materialização desse fenômeno no sítio urbano de Garanhuns tem suas origens propriamente ditas com a ruptura do modelo eco-

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nômico, ou seja, com a substituição da monocultura da cafeicultura pela implantação da pecuária leiteira extensiva. A primeira atividade tinha como característica primordial a utilização de grandes quantidades de mão de obra, pois era realizada de maneira quase artesanal. Já a segunda, além de precisar de quantidades menores de trabalhadores necessitava de um novo perfil, surgindo e sobrepondo-se a figura do vaqueiro em relação à do agricultor. Esse contexto desencadeou fluxos migratórios em direção a áreas urbanas, porém não devido a fenômenos naturais como a seca, mas sim por causa de políticas públicas de ordenamento territorial, provocando um crescimento do contingente urbano de forma repentina e consequentemente o processo de fixação de novas moradias. Adicionado a essa dinâmica um modelado marcado por elevadas amplitudes topográficas e índices pluviométricos que excedem as séries climáticas históricas da região, materializa-se um cenário de risco geomorfológico com ênfase para movimentos de massas. Conforme Ubirajara (2001), com as indenizações fornecidas pelo IBC, os até então agricultores investiram na pecuária leiteira. Esse novo modelo agrário foi responsável por grandes movimentos migratórios em direção as áreas urbanas; uma vez que a pecuária leiteira não exigia grandes quantidades de mão de obra, como a atividade anterior; aumento das áreas desmatadas, para maximização dos pastos; início do processo de assoreamento nos cursos d’água, devido à remoção da mata ciliar, para facilitar o acesso do gado. Porém, essa nova atividade trouxe suas benesses, o gado leiteiro adaptou-se rapidamente a região, e passou a apresentar uma ótima produtividade e a um baixo custo, pois o gado tinha no pasto sua alimentação necessária.

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1. BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO TERRITORIAL Segundo IBGE (2014), o processo de uso e ocupação do espaço geográfico de Garanhuns por indivíduos estrangeiros, remonta ao século XVII. Por apresentar uma topografia de difícil acesso, tornou-se um local atrativo para os africanos que conseguiam escapar do jugo europeu. São muitos os fatores locais que explicam esse papel de obstáculo interposto pelo altiplano garanhuense. Em primeiro lugar o maior afastamento do mar, nesse trecho, da Borborema, fez crescer as dificuldades de penetração através de uma mais larga faixa da Zona da Mata. Também a altitude superior à cota dos 900 m colocando esse relevo entre os níveis mais elevados do Nordeste brasileiro, tornou-se, desse modo, mais difícil de ser atingido. Ainda a presença de espessa vegetação de mata, então a cobrir essa porção do território pernambucano, completou, por muito tempo, um quadro hostil à ocupação humana. (SETTE, 1956, p.45)

De acordo com Barbalho (1982), o nome Garanhuns viria a surgir pela primeira vez durante o processo de penetração dos escravos no Agreste, área a ser alvo de inúmeras expedições militares. Todas tendo como objetivo principal garantir o domínio/controle do território, visto que era um local de conflitos acirrados entre os quilombolas e os europeus. Segundo Sette (1956), a ocupação mais latente, começa a ocorrer com a invasão holandesa em Pernambuco em 1630, dando início a chamada guerra do açúcar. Evento que acarretou na desestruturação do cotidiano dos engenhos da Capitania de Pernambuco, tendo repercussão imediata, queda de produção nos engenhos, e enfraquecimento da disciplina aplicada aos escravos. Mesmo com o fim da ocupação holandesa, em 1654, os portugueses não conseguiram reestabelecer o antigo rigor da disciplina.

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Durante o jugo holandês os escravos fugitivos tiveram tempo suficiente para se organizar em quilombos e traçarem estratégias de fuga para seus condescendentes. Dos quais muitos se instalaram sobre os contrafortes orientais da Borborema, na Serra da Barriga, formando o famoso Quilombo dos Palmares, o qual teve seu auge na segunda metade do século XVII, tornando-se o mais emblemático dos quilombos do período colonial, ocupando uma área que se estendia do Cabo de Santo Agostinho ao rio São Francisco. Sendo alvo de inúmeras incursões portuguesas, que tinham como único objetivo a aniquilação do quilombo. Mesmo sofrendo perdas territoriais, ao longo das décadas, resistiu até 1694. Dentre os seus líderes destacaram-se: Ganga-Zumba e Zumbi. Após quatro anos do término da invasão holandesa, ou seja, em 1658, e vivendo um processo histórico de formação e fortalecimento dos quilombos, no qual a região de Garanhuns estava incluída, surgiu a necessidade de garantir o domínio desse território frente a essa ameaça. A área em questão também era reduto de escravos fugitivos, problema que os portugueses queriam resolver o mais rápido possível, pois a formação de mais um quilombo organizado geraria ônus para coroa e ainda incitaria a formação de outras frentes de resistência. Como nos engenhos do litoral/mata não havia folga para escravos, ao menor cochilo dos brancos e seus feitores, disso se aproveitavam os negros mais ousados para fuga em direção ao interior, subindo os vales dos grandes rios, atravessando a Serra das Russas, refugiando-se onde os brancos sentiam medo de morar, no pleno Agreste de Pernambuco, em cujas vastidões territoriais poderia haver a ferocidade dos tapuias-cariris ou mesmo a de animais selvagens, ambas, contudo, não tão malignas quanto o trato dos brancos litorâneos em relação aos africanos cativos. Para estes o Agreste representava uma Canaã, era a terra da liberdade plena e da vida digna, muito diferente da podridão moral e social de lá de

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baixo, onde a nobreza não passava de apelido destituído de fundamento e muito parecido com safadeza e nada mais. No Agreste, os negros se aquilombavam, fundavam mocambos diversos, reproduziam-se através das índias ou até mesmo de brancas e mulatas raptadas nas fazendas circunvizinhas. (BARBALHO, 1982 apud UBIRAJARA, 2001, p.110).

O Governador da Capitania Pernambuco concedeu a Nicolau Aranha Pacheco, Cosmo de Brito Cação, Antônio Fernandes Aranha e Ambrósio Aranha de Farias, uma sesmaria de 20 léguas, nos campos Garanhuns e Panema. Na sesmaria Garanhuns, fundou-se o sítio Garcia, atualmente esse local corresponde a sede do município. Em 1699, foi expedida uma carta régia que tornava Garanhuns sede da Capitania do Sertão do Ararobá. Em 1762, foi criada a vila de Cimbres. Com isso, Garanhuns passa a ser sede da Freguesia de Santo Antônio de Garanhuns. Devido ao seu notável desenvolvimento, foi elevada a sede de Vicariato em 1796. Conforme o IBGE (2014), setenta e oito anos após sua última elevação a sede, e novamente elevada, sendo que agora a categoria de vila, pela carta régia de 10/03/1811, sendo instalada em 17/12/1813. A lei provincial n° 204, de 04/02/1848, criou o distrito de Correntes e o anexou a Garanhuns, a qual passou a ser cidade em 04/02/1874, pela lei provincial n° 1.309. Em 1879, Correntes é desmembrada de Garanhuns e elevada a cidade. Dando continuidade a esse fenômeno territorial ao longo das décadas o município de Garanhuns foi tendo porções do seu território transformadas em distritos e os mesmos, no transcorrer dos anos, foram se emancipando. 1.1 Constituição dos Primeiros Bairros O processo de ocupação de Garanhuns remonta a importantes fatos históricos ocorridos no estado de

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Pernambuco. No tempo da colonização, Garanhuns, ou Capitania do Ararobá, como era denominada, foi palco de inúmeras perseguições aos silvícolas Tupinambás, antigos habitantes da região, e posteriormente aos negros integrantes do Quilombo dos Palmares, massacrados em 1694. “A princípio, tais fatos, concorreram para o descobrimento e povoamento da região Garanhuense.” (CAVALCANTI, 1983 apud AZAMBUJA, 2007, p.80)

No intrínseco dos anos de 1700 e 1800 o processo de ocupação das terras se deu, de modo excepcionalmente lento, pela atividade pecuária extensiva desenvolvida desde então. Mesmo assim, o arruamento começava a tomar forma, através de uma rede incipiente de caminhos que se confrontavam diretamente com a Igreja Matriz (AZAMBUJA, 2007). Em 4 de fevereiro de 1879, é sancionada a Lei n° 1.309 que eleva a Vila de Santo Antônio de Garanhuns a categoria de cidade. A decisão coincidiu com o projeto de construção da Ferrovia São Francisco, com Terminal Ferroviário em Garanhuns. A sua inauguração no ano de 1887, se estabeleceu com grande efeito, benefícios comerciais e sociais para a região. Sua ligação direta com a Praça do Recife atraiu grande número de forasteiros, que ao adquirirem terras pertencentes a latifúndios, passaram a produzir intensamente, contribuindo para o crescimento do município (CAVALCANTI, 1983 apud AZAMBUJA, 2007, p.80). O modelado ondulado em forma de colinas dificultou o processo de expansão urbana. O bairro Boa Vista teve seu começo de ocupação com a construção de uma igreja para homenagear o santo São Miguel da Boa Vista. Sua inauguração ocorreu em 1922, provocando um fenômeno espacial idêntico ao que ocorreu na porção central da cidade, quanto mais próximo o imóvel ou terreno estivesse de uma igreja católica maior seria o valor imobiliário dessa propriedade.

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A topografia de altas declividades, diretamente ao sul da área foco de urbanização, não inibiu o movimento de expansão. O bairro da Boa Vista teve seu início de ocupação com a idealização da construção de uma igreja em homenagem a São Miguel da Boa Vista. Suas obras foram interrompidas por longo período e somente foi inaugurada em 1922, A partir de então, o bairro recebeu outros tipos de infraestrutura como a construção de um hospital e de importantes serviços sociais. (CAVALCANTI, 1983 apud AZAMBUJA, 2007, p.81)

A ocupação do bairro Magano ocorreu paralela ao da Boa Vista, mas devido à ausência de uma igreja católica no bairro, as propriedades não apresentavam grande valor imobiliário. Essa localidade só iria contar com a presença da igreja católica em 1941 com a inauguração da paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus, e o chamado Cristo do Magano inaugurado em 1954. Em ambos os bairros se nota que não ocorreu o devido planejamento urbano, a lógica de ocupação do espaço geográfico era a localização mais próxima dos centros religiosos católicos. O bairro São José só veio a ter essa nomenclatura depois que o senhor José Ferreira de Assis construiu cerca de cento e cinquenta casas populares nessa localidade, servindo de estímulo para expansão residencial dessa área (CAVALCANTI, 1983). Em contraposição ao crescimento urbano desordenado, surgiu o bairro Heliópolis, que apresentava uma proposta de crescimento urbano mais ordenado em uma porção do modelado que apresentava uma topografia privilegiada, ou seja, com feições topográficas mais aplainadas. Mas novamente com grande influência religiosa, nesse caso o fixo difusor e reestruturador dessa paisagem foi à igreja Evangélica Presbiteriana, área atualmente ocupada pelo colégio evangélico XV de Novembro, Instituto Presbiteriano do Norte e mediações. Conforme AZAMBUJA (2007), a configuração do bairro de Heliópolis representou um marco fundamental na expansão ordenada

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e planejada. Embora, sua manutenção e crescimento não tenham seguido o mesmo padrão. Ao notar a topografia privilegiada da área, o então prefeito Euclides Dourado intensificou o processo urbanístico, através da criação de novos loteamentos, nesse espaço e nas suas proximidades, encaminhando o crescimento urbano em direção as encostas do modelado. Atualmente essa porção do espaço geográfico garanhuense é chamada de Heliópolis, considerada a área nobre da cidade. No que diz respeito à igreja católica, a mesma passou a ter representatividade física através do seminário São José, inaugurado em 1953, sob a supervisão dos padres diocesanos e da Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, construída entre 1957 e 1962 e administrada pelos padres redentoristas.

1.2 Erradicação do Café Devido à implantação da política de erradicação do café implantada pelo IBC, nas áreas consideradas com baixa produtividade pelo novo modelo de produção do espaço agrário, priorizava a redução das áreas destinadas às lavouras em detrimento da pecuária extensiva (Tabela 01), ao passo que a população municipal aumentava (Gráfico 01). Pois, essa nova atividade não necessitava de grandes contingentes populacionais, antítese ao modelo anterior. Tendo como consequência o êxodo rural, entretanto, diferente dos anteriores em que eram causados pela seca, e ao término da mesma o fluxo era reverso, sendo na ocasião de caráter permanente. Desprovidos de renda para aquisição de lotes em áreas apropriadas para moradia, os oriundos do campo passaram a fixar suas moradias nas encostas dos vales.

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Tabela 01 - Dinâmica da paisagem Área - ha Anos

Propriedades Rurais

Exploradas

Lavouras

Pastagens

Vegetação

1940

98.605

60.920

34.856

15.400

10.664

1950

100.445

72.718

38.675

23.391

10.652

1960

113.965

86.833

48.478

27.783

10.572

1970

113.590

93.892

38.318

47.767

7.807

1975

107.547

89.491

32.845

53.084

3.562

Fonte: SALES; TEREZA (1982 apud UBIRAJARA, 2001, p.131).

Décadas do Recenseamento Gráfico 01 - Dinâmica populacional Fonte: IBGE, 2014.

Assim o espaço urbano passa a ser ocupado de forma distinta por dois grupos sociais, um assentado e estabelecido de forma paulatina, com a finalidade principal de fixação residencial; e um segundo que, além dessa característica, utilizava os recôncavos das moradias para atividades agrícolas de subsistência. Para o desenvolvimento dessa atividade foi removida a cobertura vegetal original, aumentando a susceptibilidade natural da área aos agentes erosivos. No caso do descarte dos resíduos residenciais, ambos os grupos sociais realizavam essa atividade nas encostas.

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O processo de urbanização brasileira, caracterizado pela apropriação do mercado imobiliário das melhores áreas das cidades e pela ausência, quase completa, de áreas urbanizadas destinadas à moradia popular, levou a população de baixa renda a buscar alternativas de moradia, ocupando as áreas vazias, desprezadas pelo mercado imobiliário, nesse caso áreas ambientalmente frágeis, como margens de rios, mangues e encostas íngremes. A precariedade da ocupação (aterros instáveis, taludes de corte em encostas íngremes, palafitas, ausência de redes de abastecimento de água e coleta de esgoto) aumenta a vulnerabilidade das áreas já naturalmente frágeis. (GUERRA et al., 2011, p.119)

A priori esse fenômeno socioespacial foi visto como um efeito secundário do processo de modernização do campo. De forma a não chamar atenção do ponto de vista geoambiental, passando quase despercebido até o início da década de 80. Nesse momento, as áreas mais susceptíveis a ocupação urbana ficam cada vez mais escassas, sendo assim começa a consolidar-se uma expansão da poligonal urbana no sentido das encostas, a priori eram ocupadas por populações de baixa renda.

2. SÍNTESE FISIOGRÁFICA 2.1 Localização da Área O território pernambucano está inserido na região Nordeste do Brasil, a qual possui uma área de 1.561.092 km2, estando distribuída pelos estados de Alagoas (27.807,3 km2 - 1,78%), Bahia (566.355 km2 - 36,27%), Ceará (148.853 km2 - 9,53%), Maranhão (335.861 km2 - 21,51%), Paraíba (56.524,2 km2 - 3,62%), Pernambuco (98.192,3 km2 - 6,28%), Piauí (252.718 km2 - 16,18%), Rio Grande do Norte (52.867,1 km2 - 3,38%) e Sergipe (21.914,2 km2 1,4%). Pernambuco está subdivi-

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dido em cinco mesorregiões denominadas de Sertão (37.937,5 km² - 38,63%), São Francisco (24.447,3 km2 - 24,89%), Agreste (24.580,6 km2 - 25,03%), Mata (8.429,2 km2 - 8,58%) e Metropolitana de Recife (2.798,1 km2 - 2,84%). A mesorregião do Agreste desmembra-se nas microrregiões do Alto Capibaribe (1.783,11 km2 - 7,25%), Brejo Pernambucano (2.552,66 km2 - 10,38%), Garanhuns (5.184,7 km2 - 21,09%), Médio Capibaribe (1.763,53 km2 - 7,17%), Vale do Ipanema (5.397,34 km2 - 21,95%) e Vale do Ipojuca (7.899,25 km2 - 32,13%). O município de Garanhuns possui uma área de 458,55 km². Delimita-se pelas coordenadas geográficas -8° 51’ 37” / -8° 55’ 40” e -36° 26’ 06” / -36° 30’ 52”. A cidade faz divisa com 11 municípios (Figura 01). Ao norte, com Capoeiras (7,3 km), Jucati (5,4 km); ao sul, Correntes (12,7 km), Lagoa do Ouro (2,3 km), Brejão (38,97 km), Terezinha (4,25 km); a leste, São João (25,8 km), Palmeirina (3,4 km); a oeste Saloá (8,31 km), Paranatama (9,36 km), Caetés (25,16 km). A referida cidade tem duas rotas principais para capital pernambucana. A primeira pela BR 101, percorrendo um trecho de 242 km; e a segunda passando por duas BRs 423/232, transcorrendo 80,6 km pela 423 até São Caetano - PE, mais 151,4 km na 232 até Recife-PE, totalizando uma rota de 232 km. Optar pela primeira rota implica em uma redução de 10 km na viagem, passando por uma paisagem marcada por uma vegetação de ambientes quentes e úmidos; já o segundo percurso, possibilita o contato com Caruaru-PE, importante polo comercial a nível regional, e a apreciação de paisagens distintas, desde as hiperxerófilas as perenifólias.

Figura 01 - Localização da área de estudo

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2.2 Geologia De acordo com a CPRM (2014), o município de Garanhuns-PE encontra-se situado nos domínios das unidades geológicas de Belém do São Francisco; Cabrobó 2, 3 e 4; e por um pequeno grupo de granitóides indiscriminados. O primeiro é formado pelos litotipos, anfibolito, migmatito, metadiorito, ortognaisse granodiorítico, ortognaisse tonalítico; estando sob os domínios dos complexos gnaisse-migmatíticos e granulitos; tendo uma textura predominantemente argilo-síltico-arenoso; com porosidade de 0 a 15%; tendo um relevo predominantemente de colinas dissecadas e morros baixos. Já o complexo Cabrobó, na unidade 2, é composto por litotipos, biotita e ou muscovita xisto gnaisse, leucognaisse, metagrauvaca, migmatito e níveis de quartzito, anfibolito e mármore; ficando nos domínios das sequências vulcanossedimentares proterozóicas dobradas, metamorfizadas de baixo a alto grau; com a textura, porosidade e relevo iguais a unidade geológica de Belém do São Francisco. A unidade 3 é formada por litotipos, cianita-granada metagrauvaca turbidítica; estando no domínio das sequências sedimentares proterozóicas dobradas, metamorfizadas de baixo a alto grau; tendo textura e porosidade iguais a formação supracitada 2; com o relevo de chapadas e platôs; o quarto grupo é composto de litotipos, quartzitos micáceos, quartzitos-feldspáticos e metarcósios bandados com intercalações de rochas calcissilicáticas; apresentando domínio, textura, porosidade, em conformidade com a unidade 3, seu relevo é montanhoso. A estrutura geológica formada por granitóides indiscriminados possui litotipos, monzogranitos, sienogranitos, granodioritos, tonalitos e sienitos predominantemente inequigranulares finos a médios e, localmente exibem foliação magmática; estando sob os domínios dos complexos granitoides intensamente deformados (ortognaisses); com textura e porosidade idênticas a da unidade anterior; e relevo composto por chapadas e platôs.

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Salienta-se que a CPRM (2014), considera existirem colinas no complexo Cabrobó, unidade 2. Entretanto, ocorre de fato relevo em forma de colinas, observando-se que a localização da área no Planalto da Borborema. Em relação às chapadas dentro dos limites da poligonal municipal, as mesmas não ocorrem. Mas, existe a presença de estruturas com topos tubuliformes, resultantes de processos erosivos, destacando-se as erosões eólica, devido às elevadas altitudes, média de 850 m; e hídrica por causa do elevado índice pluviométrico. CPRM (2014), em relação aos minerais de relevante interesse comercial, o município apresenta cinco áreas. Tendo como substrato principal: água mineral em um reservatório subterrâneo que transcende os limites municipais (278,3 km² - área total), mas sua maior porção está situada no perímetro do município (-8° 50’ 10’’ / -8° 58’ 30” e -36° 26’ 02” / -36° 37’ 46’’); caulim, na fazenda Serra Branca (-8° 53’ 28” / -36° 31’ 41”); ferro, ainda não explorado (-8° 49’ 52” / -36° 31’ 3”) e quartzo (-8° 48’ 59” / -36° 31’ 3”), ambos situados na propriedade Belmonte; rochas ornamentais, na fazenda Aline (-8° 48’ 29” / -36° 27’ 38”) e na propriedade Ferreira Costa (-8° 48’ 40” / -36° 27’ 15”). 2.3 Geomorfologia Tomando como base os limites da poligonal da província da Borborema, e usando a escala de 1: 2.500.000 para análise das unidades geomorfológicas, destacam-se: as depressões Sertaneja e do São Francisco, a primeira ao norte e a segunda ao sul; a chapada do Araripe, a oeste; serra dos Cariris Velhos, a és-nordeste; planalto da Borborema, a és-sudeste; platôs residuais no transcorrer da unidade (Figura 02).

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Figura 02 - Unidades geomorfológicas da poligonal da província da Borborema.

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Compreende-se como sendo parte do planalto da Borborema, todo o setor de terras altas, isolinhas acima de 200 m, situado a norte do rio São Francisco, estruturado nos diversos litotipos cristalinos correspondentes aos maciços arqueanos remobilizados, sistemas de dobramentos brasilianos e intrusões ígneas neoproterozóicas sin-tardie pós-orogênicas. O limite oriental do planalto é genericamente definido pela ruptura de gradiente existente entre a encosta e os patamares rebaixados do piemonte em direção à costa. A depressão sertaneja, a oeste, define o limite ocidental como um semicírculo de terras baixas semiáridas, separado do topo do planalto por uma escarpa, que ressalta os controles litológicos e estruturais (CORRÊA et al., 2010). No Planalto da Borborema, Nordeste do Brasil, as marcantes diferenças climáticas existentes entre as suas escarpas orientais, expostas às precipitações orográficas advindas da umidade trazida pelos ventos úmidos dos setores E-SE, e a vertente norte-ocidental, submetida ao clima semiárido tropical, com larga estação seca e precipitações espasmódicas de verão-outono, exacerbado pelo efeito da sombra pluvial, resultam em domínios morfoesculturais distintos. A leste, as escarpas são recobertas por espessos mantos de alteração; a oeste, faz-se notável a distinção litológica dos modelados de dissecação diferencial, degraus de soerguimento tectônico e extensas paleosuperfícies regionais de gênese complexa. (CORRÊA et al., 2010, p.3)

Para CPRM (2008), o planalto da Borborema abrange a porção central dos estados de AL, PB, PE e RN. Apresenta cotas altimétricas a partir de 500 m de altitude, caracterizando-se por extensas áreas aplainadas e por colinas amplas e suaves, delimitadas por escarpamentos ou degraus, nas bordas leste e oeste. A primeira drena para Zona da Mata Nordestina e é constituída por colinas, tabuleiros e

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planícies costeiras que ocupam o litoral oriental do Nordeste, entre Aracaju e Natal. Trata-se de uma área úmida situada na vertente a barlavento da Borborema. Devido a essa barreira orográfica, os ventos alísios do leste (massa equatorial atlântica) são impedidos a galgar o planalto, promovendo uma intensa pluviosidade, principalmente no inverno. Já a segunda constitui-se de vastas superfícies aplainadas, drenando para depressão Sertaneja. Trata-se de uma área semiárida situada na vertente sotavento da Borborema. Nesse caso os ventos ultrapassam o planalto da Borborema sem umidade, o que explica a falta de chuvas no interior e a presença da caatinga como vegetação dominante. Segundo Oliveira (2008), o planalto da Borborema possui uma forma elíptica alongada na direção NNE/SSW, com extremidade mais larga limitada pelo rio São Francisco a SSW, e a extremidade afinada apontando para Touros-RN, a NNE. O comprimento maior é de 470 km e a largura oscila de 330 a 70 km. As maiores altitudes, entre 1.000 e 1.200 m, ocorrem na parte central e no flanco oeste, onde um conjunto de cumeeiras delimita a depressão Sertaneja. O flanco leste é limitado por gradientes mais suaves, em transição para os tabuleiros costeiros. Sua porção sul apresenta suave transição para o vale do Baixo São Francisco. A extremidade NNE aponta para região de encontro das margens costeira leste e equatorial, no alto tectônico de Touros. Para CPRM (2014), o processo de orogênese Brasiliana-Pan-Africana agregou grandes áreas do Brasil e África, originando o supercontinente Gondwana, quando as cadeias de montanhas brasilianas passaram a ser erodidas e todo o território nordestino passou a se comportar como uma vasta sinéclise até o início do Mesozóico. De forma a ocorrer a deposição de sedimentos marinhos e continentais, hoje preservados nas bacias de Jatobá e Araripe e em pequenas bacias interiores. Nessas bacias formaram-se pequenas concentrações de linhito, ferro e fosfato uranífero, sendo ainda as formações Tacaratu e Inajá importantes reservatórios de

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água subterrânea. No Triássico e no Jurássico iniciou-se um novo ciclo de deposição de sedimentos, que a partir do Cretáceo, desencadeou a fragmentação do Gondwana e a abertura do oceano Atlântico, com a formação de bacias sedimentares similares de cada lado do Atlântico. Essas bacias abrangem rochas e estruturas que refletem os diferentes estágios da quebra do Gondwana (estágios pré-rifte e rifte - respectivamente, pré-quebra e quebra), presentes nas bacias interiores e de margem passiva (sequências do golfo e do oceano), hoje preservadas na costa do Brasil e representadas no estado de Pernambuco pelas bacias de Pernambuco e da Paraíba. Desse modo, formaram-se importantes concentrações de gipsita, calcário e fosfato. A partir do Paleógeno, o Nordeste comportou-se como terra emersa, ocorrendo apenas a formação de pequenas bacias interiores e litorâneas continentais, em resposta à erosão do relevo nordestino e à sua sucessiva pediplanização, que resultou na formação do planalto da Borborema. Entre as latitudes de 10 e 19° S a região entre o vale do São Francisco e a costa oriental do Brasil apresenta uma disposição essencialmente regular. Como pode ser observado nos mapas geomorfológicos, os poucos remanescentes das superfícies Gondwana e post-Gondwana acham-se distribuídos principalmente ao longo da Serra Geral, que constituiu anteriormente um importante divisor de águas que separava os cursos d’água que atingiram diretamente o mar, de uma drenagem que corria para o interior e provavelmente atingia a costa norte do Brasil. Esta antiga disposição da drenagem foi profundamente alterada por movimentos tectônicos que ocorreram no Terciário superior, incluindo a incisão do vale de afundamento do São Francisco através da superfície, em época plio-pleistocênica. (KING, 1956, p.210)

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O município de Garanhuns encontra-se totalmente inserido nos domínios do planalto da Borborema, na borda oriental. Com cotas topográficas que oscilam de 511 a 1.030 m. No primeiro caso, destacam-se os patamares erosivos mais rebaixados e afastados das superfícies de cimeira, formando superfícies aplainadas aluviais; no segundo, a estrutura somital do morro do Magano, localizada a -8° 52’ 42” / -36° 31’ 6”, com o topo levemente aplainado, sua encosta leste serve de acesso principal, por apresentar uma declividade mais suave. Segundo Azambuja (2007), as estruturas geneticamente homogêneas apresentam como elementos denunciais: - Topos - Compartimento tabular, no qual se situa a área urbana, fica estruturado sobre altitudes que variam entre 800 a 950 m. Possuem ruptura de declividade ora convexa ora retilínea, apresentando dissecações que variam de 50 a 100 m entre topo e fundo de vale. Frequentemente, este tipo de relevo apresenta-se fortemente dissecado sobre as unidades de encostas com registro extensivo de paleo-escarificacões estabilizadas pela cobertura vegetal; - Encostas ou Vertentes - São encontradas com frequência três tipos de rupturas de declividade (retilíneas, côncavas e convexas). A referida ainda salienta que em relação aos elementos de acumulação sobressaem: - Rampas de Colúvio - As vertentes são consideradas como elemento de acumulação sub-recente. Formas assaz comuns sobre a transição entre encostas íngremes e terraços fluviais. Sua origem deve-se a sucessivos processos morfogenéticos pontuais, responsáveis pela remobilização do regolito a jusante de tais encostas. São rampas de ondulação suave que adquirem destaque pela coalescência de vários depósitos coluviais. Devido à heterogeneidade dos seus sedimentos, muitas vezes estes locais configuram-se como instáveis, po-

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dendo em certos estágios se transformar em nova área fonte de sedimentos, quando fortemente erodidas; - Plaino Aluvial - Este compartimento ocorre em áreas baixas e planas ao longo dos tributários e do próprio riacho da rua Nova a SSE do perímetro urbano e ao longo do vale do riacho São Vicente a NNE. Frequentemente são limitados por encostas de rampas de colúvio que formam truncamento sobre as áreas de terraços propriamente ditas; - Terraços - Encontram-se preenchidos por material aluvio-coluvionar cortado pela drenagem intermitente, correspondente ao ciclo Paraguaçu de King. São locais extensamente ocupados pela agricultura de gêneros alimentícios. 2.4 Hidrografia O estado de Pernambuco encontra-se sob os domínios das bacias do Atlântico Norte/Nordeste e do São Francisco. A primeira, com uma área de 1.068.670 km², dos quais 34.474,2 km² encontram-se localizados no território pernambucano; a segunda, com 625.756 km², estando 63.501,6 km² situados em PE. Sendo que, o município de Garanhuns fica totalmente inserido na bacia hidrográfica do Atlântico Norte/Nordeste (ANA, 2010). A folha Garanhuns, por se localizar na superfície cimeira, se constitui num divisor de bacias hidrográficas. A região é cortada pelos rios Una, Mundaú e Canhoto. O Rio Una é um dos principais rios de Pernambuco, nascendo na região de Caetés e desaguando no Oceano Atlântico próximo a Barreiros. Tem como afluente, que também corta a região em foco, o Rio da Chata, que nasce em Calçado. O Rio Mundaú nasce próximo à cidade de Garanhuns e drena toda a região a sudeste e sul de Garanhuns através de seus afluentes, destacando-se o Inhaúma. O Rio Canhoto nasce nas proximidades de Caetés,

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passando por Itacatú, Canhotinho, Paquevira, Serra Grande, já no estado de Alagoas. (CPRM, 2008, p.3-4)

Analisando esse sistema hidrográfico em escala regional, o município está inserido na bacia hidrográfica do Mundaú. Uma de suas nascentes fica inserida nas imediações do Parque Ruber Van Der Linden, popularmente denominado de Pau Pombo, no bairro Santo Antônio. Mais precisamente nas coordenadas geográficas de -8° 53’ 33” e -36° 29’ 27”. Essa rede hidrográfica fica localizada nos estados de PE e AL, abrangendo uma área de 4.090,39 km² dos quais 2.154,26 km² estão em Pernambuco, correspondendo a 2,19% de sua área. A porção compreendida no território pernambucano encontra-se delimitada pelos paralelos -8º 41’ 34” / -9º 14’ 00” e pelos meridianos de -36º 03’ 36” / -36º 37’ 27”. Limitando-se com a bacia hidrográfica do rio Una (N, L e O), no estado de Alagoas, e a um grupo de rios secundários (S). O rio Mundaú nasce em Garanhuns, sendo os seus principais afluentes os riachos Conceição e Salgado, e rios Correntes, Mundauzinho e Canhoto (SRHE, 2011). Segundo Marcuzzo et al. (2011), mesmo apresentando baixa densidade de drenagem, a bacia hidrográfica do rio Mundaú possui em seu histórico alagamentos recorrentes que têm grande relação com o relevo cujas terras apresentam elevada amplitude altimétrica, o que favorece a rápida concentração das águas de chuva. Possui considerável variação de sua área, proporcionada pela linearidade da bacia e por fatores geofísicos. Apresentando as seguintes características hidromorfológicas: relação de bifurcação média (4,21), índice de sinuosidade elevado (81,46%), comprimento do canal principal é de 158,27 km e gradiente de 861 m, equivalente vetorial de 113,24 km, área da bacia de 4.457,87 km², perímetro de 382,68 km, forma triangular, comprimento dos canais de 1.029,17 km, amplitude altimétrica de 1.018 m, coeficiente orográfico 0,06 e 4,43 de índice de rugosidade.

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Faz-se necessário ressaltar que a remoção da mata ciliar (originalmente formada por mata atlântica) é um problema complexo ao longo do percurso do rio Mundaú, sendo de fácil identificação fenômenos como deslizamentos de suas margens. Com a implantação do sistema Mundaú II ou barragem do Cajueiro II, o fluxo natural ficou comprometido, ficando a vasão desse ponto em diante (-9° 40’ 51” / -36° 24’ 39”) condicionada ao nível de água do reservatório. Problemática essa que já traz consequências visíveis para dinâmica socioambiental, destacando-se a construção de pequenos diques no leito do rio para a manutenção das atividades agrárias pretéritas a implantação da barragem. 2.5 Sistema Climático

Conforme Jatobá (2014), existem diversas classificações climáticas, uma delas de baixo grau de complexidade, não pela falta de informações e sim pela simplicidade de como são repassadas, é a de Wilhelm Köppen que representa as zonas climáticas através das cinco primeiras letras do alfabeto, estando assim sistematizadas: - (1ª - Grupo): A, quentes; B, secos; C, mesotérmicos úmidos; D, microtérmicos úmidos; E, polares e de grandes altitudes; - (2ª - Tipo): s, estepe, precipitação anual fica entre 380 e 760 mm; w, desértico, precipitação anual total média < 250 mm; f, úmido, ocorrência de precipitação em todos os meses do ano; w, chuvas de verão; s, chuvas de inverno; w’, chuvas de verão/outono; s’, chuvas de inverno/outono; m, monção, precipitação anual > 1.500  mm; T, temperatura do ar no mês mais quente compreendida entre 0 e 10°C; F, temperatura do mês mais quente < 0°C; M, chuvas abundantes, inverno pouco rigoroso; - (3ª - Subtipo): a, verão quente, mês mais quente ≥ 22°C; b, verão temperado, mês mais quente < 22°C; c, verão curto e

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fresco, mês mais quente < 22°C e mais frio -38°C; d, inverno muito frio, mês mais frio < -38°C; h, seco e quente, temperatura anual > 18°C; k, seco e frio, temperaturas < 18°C. Os dados climáticos supramencionados são baseados em médias anuais ou mensais, ou seja, podem apresentar flexibilidades em suas variáveis. O Governo Federal tem uma nova nomenclatura e poligonal para área que concerne o fenômeno climático da seca na região Nordeste, denominada de Região Semiárida, com uma área de 982.563,3 km2, estando distribuídas (municípios/estados): 127 - PI, 150 - CE, 147 - RN, 170 - PB, 122 - PE, 38 - AL, 29 - SE, 265 - BA e 85 - MG (BRASIL, 2005). Para Jatobá e Bindes (2014), diversos sistemas atmosféricos atuam sobre o Nordeste brasileiro. São eles os responsáveis diretos pela diversidade de regimes pluviométricos. Sendo assim, uma das regiões que possuem um dos mais complexos quadros climáticos do planeta. Nela agem sistemas atmosféricos equatoriais, tropicais e extratropicais, estando estruturados da seguinte maneira: - Chuvas de Verão - Carreta-se pala diástole de uma massa de ar continental, que se origina sobre a Amazônia, trata-se da massa Equatorial Continental (mEC). Esse sistema provoca pesados aguaceiros convectivos, mas de curta duração, no oeste de Pernambuco, sul do Piauí e oeste da Bahia. Tem-se assim, no grupo climático BSh o subtipo BShw (clima semiárido com verões chuvosos). A EC é um ar quente e nevoento que adquire grande quantidade de umidade que lhe é fornecida pela Floresta Latifoliada Perenifólia Amazônica e pelos fluxos de ar úmido que se formam no Atlântico e penetram no vale do Amazonas. Essa massa tem como região de origem o Alto Solimões; - Chuvas de Verão Retardadas para o Outono - Esse regime é produzido pelas incursões de um sistema atmosférico de baixas pressões, convectivo que se forma no talvegue das bai-

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xas pressões da faixa equatorial, ou seja, pela Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Ela migra para o sul durante o verão e outono (dezembro a maio), mas de forma descontínua. Acarretam pesados e rápidos aguaceiros convectivos no Sertão dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. A ZCIT, determina o regime de chuva dos climas Aw’ e BShw’; - Chuvas de Outono/Inverno - O regime de chuvas de outono-inverno que se instala, sobretudo, na parte oriental do Nordeste, mas também no semiárido, é provocado por um sistema extratropical, a Frente Polar Atlântica (FPA), e as Ondas de Leste. A Frente Polar Atlântica (FPA) provoca pesados aguaceiros frontais na Zona da Mata nordestina, particularmente nos estados de Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Contudo, penetra pelos vales fluviais que têm uma direção geral NO/SE e E/O e atinge o semiárido (Agreste pernambucano, sobretudo) e determina o clima BShs’; - A massa de Ar Tépida Kalahariana (TK) - Não provoca nenhum regime de chuvas, e sim a semiaridez do Nordeste brasileiro. Ao contrário do que ficou “consagrado” em muitos livros didáticos brasileiros, a presença do semiárido no território nordestino não é determinado exclusivamente pelo planalto da Borborema. A Borborema age secundariamente. A causa principal desse clima semiárido (BSh) reside na instalação permanente, sobre a região dessa massa de ar que é estável, de altas pressões e de baixa umidade. A TK forma-se na parte oriental do Anticiclone Semifixo do Atlântico, sobre os desertos do Kalahari e Namíbia, no sudoeste do continente africano. Ela migra seca e estável, portanto, em direção à faixa das baixas pressões equatoriais e se instala sobre o interior do Nordeste. No inverno, ela atinge até a periferia oriental da Amazônia. Na verdade, o domínio das caatingas é uma decorrência da projeção do ar Kalahariano no Brasil.

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Trazendo esse cenário para o âmbito da pesquisa, observa-se que apesar de Garanhuns ficar situado sob os domínios do clima semiárido, e inclusive inserido oficialmente pelo Governo Federal tanto no antigo Polígono das Secas como na então Região Semiárida, configura-se como uma área de exceção. Apresentando um clima Mesotérmico Tropical de Altitude. Aplicando a classificação climática de Köppen, seria designado como Cs’a. Segundo Andrade (1972 apud Ubirajara 2001, p.79), por se situar na porção mais meridional do Agreste pernambucano, num dos retalhos da superfície da Borborema, na vizinhança do rebordo sul do planalto, a menos de -9° de latitude e com uma distância (em linha reta) inferior a 150 km para o Atlântico. Configura-se com uma variedade climática regional no Brasil. Tratando-se de um clima quase mediterrâneo ou Cs’a. Tal vocação é possível porque Garanhuns encontra-se o ano inteiro sob a influência da massa de ar TK, além de receber no inverno as frentes frias que escalam a costa sul/oriental da Borborema. As médias térmicas de julho a agosto mal chegam a 18°C, com precipitação média anual superior a 80 mm.

3. CRESCIMENTO URBANO Devido à implantação da política de erradicação do café implantada pelo IBC nas áreas consideradas com baixa produtividade pelo novo modelo de produção do espaço agrário, o qual priorizava a redução das áreas destinadas às lavouras em detrimento da pecuária extensiva (Tabela 02), ao passo que a população municipal aumentava (Gráfico 02). Pois, essa nova atividade não necessitava de grandes contingentes populacionais, antítese ao modelo anterior. Tendo como consequência o êxodo rural, entretanto, diferente dos anteriores em que eram causados pela seca, e ao término da mesma o fluxo era reverso, sendo agora de caráter permanente. Desprovidos de renda para aquisição de lotes em áreas apropriadas para

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moradia, os oriundos do campo passaram a fixar suas moradias nas encostas dos vales. Tabela 02 - Dinâmica da paisagem. Área – há Anos

Propriedades Rurais

Exploradas

Lavouras

Pastagens

Vegetação

1940

98.605

60.920

34.856

15.400

10.664

1950

100.445

72.718

38.675

23.391

10.652

1960

113.965

86.833

48.478

27.783

10.572

1970

113.590

93.892

38.318

47.767

7.807

1975

107.547

89.491

32.845

53.084

3.562

Fonte: SALES; TEREZA (1982 apud UBIRAJARA 2001, p.131).

Décadas do Recenseamento Gráfico 02 - Dinâmica populacional. Fonte: IBGE, 2014.

Assim o espaço urbano passa a ser ocupado de forma distinta por dois grupos sociais, um assentado e estabelecido de forma paulatina, com a finalidade principal de fixação residencial; e um segundo que além dessa característica, utilizavam os recôncavos das moradias para atividades agrícolas de subsistência. Para o desenvol-

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vimento dessa atividade foi removida a cobertura vegetal original, aumentando a susceptibilidade natural da área, aos agentes erosivos. No caso do descarte dos resíduos residenciais, ambos os grupos sociais realizavam essa atividade nas encostas. A priori esse fenômeno socioespacial, foi visto como um efeito secundário, do processo de modernização do campo. De forma que não chamou atenção, do ponto de vista geoambiental, passando quase despercebido até o início da década de 80. Nesse momento as áreas mais susceptíveis a ocupação urbana, ficam cada vez mais escassas, sendo assim começa a consolidar-se uma expansão da poligonal urbana no sentido das encostas, que a princípio eram ocupadas por populações de baixa renda. Em 1982, o perímetro urbano tinha uma área de 9,1 km², alongando-se no sentido latitudinal; dos quais 0,37 km² localizados a SSO, constituindo uma poligonal fechada, ligada ao sítio urbano primário por segmentos vicinais. Ao norte, a porção urbana que transcendia a BR 423 era modesta, devido a sua distância do centro comercial, 0,97 km em linha reta, tomando como base o transepto latitudinal: Sede da Prefeitura Municipal (-8° 53’ 45” / -36° 29’ 36”) e a BR 423 (-8° 52’ 47” / 36° 29’ 36”). A leste, a mancha urbana já se estendia até os limites municipais. Ao passo que se afastava do centroide comercial, diminuía-se a concentração residencial, mas com a presença de lotes/imobiliários bem definidos. Ao sul, destaca-se alongamento urbano no sentido das encostas, visto que, o setor comercial desenvolveu-se nas proximidades de vales, com encostas abruptas. A oeste, a mancha urbana estende-se margeando as superfícies de cimeiras e os limites dos vales. Essa configuração geoespacial por si só já materializa um cenário propício a riscos geoambientais, adicionando a esse contexto um modelo inadequado de descarte dos resíduos residenciais, o risco foi dinamizado. As encostas dos vales eram utilizadas como lixões públicos municipais oficiais e local de descartes dos esgotos. No primeiro caso, sobressaem os lixões situados na intersecção das ruas

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Cônego Benigno Lira e Olavo Bilac e o da comunidade da Liberdade, chamado pelos habitantes locais de Buracão da Raposa. À medida que os resíduos residenciais eram despejados nas vertentes, formava-se uma base de dejetos compactada, a qual com o transcorrer do tempo alcançava o nível de base das casas, em seguida eram recobertas com restos de materiais oriundos da construção civil, e novamente compactada, utilizando água e instrumentos artesanais para apiloamento por soque, posteriormente essa nova área servia para expansão das residências preexistentes ou construção de novas moradias. No segundo caso, os fluxos hídricos residenciais e provenientes das chuvas, foram direcionados para as vertentes dos vales. Tendo em vista que eles proporcionavam um fácil descarte e de baixo custo, desconsiderando a saturação permanente das encostas, aumentando sua susceptibilidade natural a movimentos de massas (deslizamentos e desmoronamentos), situação agravada nos períodos de chuvas mais concentradas. Nesse caso, os corpos d’águas atuam de duas formas distintas, porém associadas, sendo elas os intemperismos: químico, com liquefação/dissolução dos solos; e do físico, deslocamento de material das encostas e dos fundos dos vales, através da força de arrasto das águas, no caso em questão, ampliadas devido às grandes amplitudes topográficas. Perpassados 13 anos do intervalo temporal que serviu de marco para o presente trabalho, ou seja, em 1995, a urbanização apresenta-se de forma mais intensiva; ocorrendo a maximização do adensamento residencial no perímetro urbano, redução de lotes/terrenos vazios; expansão de 5,6 km² dos seus domínios/limites. Ao norte, expande-se 1,14 km² o que representa 20,35% do assentamento urbano, sendo 0,66 km² nas vertentes do vale localizado ao norte da BR 423; 2,44 km², 0,24 a oeste da BR 424 e 2,44 km² no bairro do Magano, de forma que 0,17 km² a NO e 0,07 a SE. A oeste, amplia-se 1,48 km², dos quais 0,51 km² estão situados nas imediações do vale a oeste da rua Araci de Almeida - bairro Severiano Moraes

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Filho. A porção sul é a que apresenta os maiores índices: 2,97 km², o que corresponde a 53,03%. Sendo assim, o assentamento urbano de 1982 – 1995 cresce 61,53%, aumentando ainda mais a descarga de resíduos residenciais nas vertentes dos vales, comprometendo a estabilidade das encostas. Desencadeado esse modelo de uso e ocupação do solo, torna-se difícil/complexo contê-lo, uma vez que uma ordenação urbana implica em ônus para os cofres públicos e morosos impasses judicias (para desapropriações). Sendo mais complexa a questão, pois o município possui peculiaridades topográficas e climáticas, conforme foi explicitado anteriormente que limitam as áreas de ocupação antrópica. Considerando a inexistência de intensões públicas municipais que almejem e possam arcar com a reestruturação do cenário urbanístico do município, deve-se pensar de imediato em pelo menos conter os avanços urbanísticos nas encostas, evitar futuras ocupações nos fundos dos vales e estruturar seus sistemas de descartes de resíduos. O perímetro urbano entre o intervalo temporal de 1995 a 2010 ampliou-se 6,13 km², ou seja, 41,70%. A porção ao norte da BR 424 maximiza-se 2,48 km²; sendo 1,55 km² as suas margens; 0,92 km² nos transversos da BR 423 (0,68 km² a leste e 0,24 a oeste). Ao leste, teve um incremento de 0,71 km², ocorrendo o primeiro contato contínuo do sítio urbano nos limites municipais. Ao sul, aumentou 2,35 km², tendo como característica principal a formação de extensões urbanas contínuas. A porção oeste apresenta um ritmo de crescimento mais modesto (0,58 km²), devido à topografia local (900 m - média) e por já estar densamente ocupada. 3.1 Risco Geomorfológico Os danos e destruições infligidas à natureza já não se realizam apenas na esfera inverificável das cadeias de efeitos químicos, físicos e biológicos. Mas aguilhoam de modo cada vez mais pungente os olhos, o nariz e os ouvidos (BECK, 2010).

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A categoria de análise denominada de risco envolve variáveis sociais, ambientais, econômicas, entre outras. E para cada uma delas ainda existe a questão temporal, pois uma determinada variável pode apresentar distintos graus de risco com o transcorrer do(s) dia(s), semana(s), mês(eses), ano(s), década(s). Para elucidar a explanação basta pensar em uma encosta com elevada amplitude topográfica e com residências assentadas, o risco de movimentos de massas é constante no decorrer do dia, mas ao passo que o dia transcorre e os dejetos residências são lançados nela, a probabilidade de fenômenos é maximizada. Entretanto, o referido trabalho tem como âmago os riscos geomorfológicos relacionados a movimentos de massas. O perímetro em questão naturalmente já possuía uma susceptibilidade natural para esses fenômenos, a qual foi ampliada de forma significativa com a maximização das atividades antropogênicas nas encostas e fundos de vales. Deve-se reforçar de que quando se aborda a temática movimentos de massas em áreas que possuem residências fixadas, a problemática não se limita a análises físicas, mas também a socioespacial, pois os agentes antrópicos e fisiográficos envolvidos podem desencadear uma dinâmica espacial que pode vir a resultar em degradação ambiental, perdas de vidas humanas e prejuízos econômicos. Dinâmica que inclui múltiplas competências da ciência geográfica, porém com uma especificidade: a geografia analisa os fenômenos espaciais não apenas do ponto de vista de uma variável e sim de maneira interligada e sempre refletindo de que forma esses fenômenos podem vir a interferir no homem. Nesse contexto de risco no sítio urbano destacam-se as porções do modelado que apresentam elevada amplitude topográfica, remoção de cobertura vegetal, intensa pressão antrópica para fixação de moradias, descarte inadequado de resíduos residenciais líquidos e/ou sólidos, prática de atividades agrárias de subsistência e pontos de concentração de fluxo hídrico superficial. Para analisar o referi-

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do fenômeno de forma vertical faz-se necessária à compreensão de que o risco é oriundo de um processo de construção social, sendo assim ele nada mais é do que um dos múltiplos resultantes de processos de uso e ocupação do solo incompatíveis com as especificidades do ambiente, no que concerne à sua capacidade de absorção perante as pressões impostas. Balizado pelas concepções supramencionadas desenvolveu-se um modelo de estimativa do risco relacionado a movimentos de massas (Figura 03), o qual foi ordenado em três graus de probabilidade (baixo, médio e elevado). Sendo constatado que 10 Km² do sítio urbano (48%) apresenta baixa viabilidade para sofrer de forma direta com esse fenômeno, 7,22 km² (34,66%) possui média possibilidade e 3,61 (17,34%) apresenta baixa expectativa.

Figura 03 - Modelo do grau de susceptibilidade a movimentos de massas e/ou seus efeitos diretos.

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Mesmo à classe de risco de baixa viabilidade sofre de maneira direta com os movimentos de massas (deslizamentos, desmoronamentos e soterramentos). Apresentar os menores índices não significa que o ambiente está seguro. Logo, a referida área tem um elevado contingente populacional, com dois perfis socioeconômicos distintos (tempos de resposta) conforme já foi explanado no referido trabalho. Existindo ainda a questão da área se configurar como uma zona de latente expansão residencial, característica essa que pode vir a contribuir ainda mais com desfechos catastróficos para a sociedade garanhuense, sejam eles de forma direta através dos processos erosivos e/ou de degradação do solo, ou de maneira indireta pela contaminação dos corpos d’águas devido a doenças de veiculação hídrica. Nesse caso, atuando em duas frentes. Contaminação direta a partir da ingestão e indireta através do consumo indireto proveniente da deglutição de produtos agrários e/ou carne de animais que utilizam esse recurso como fonte de abastecimento. É latente a necessidade de readequação do modelo de uso e ocupação do solo para o perímetro urbano. Dentre as medidas para mitigação dessa problemática recomenda-se: recomposição da cobertura vegetal com flora nativa; ruptura do modelo de descarte dos resíduos residenciais (líquidos), o qual realiza sua descarga (sem tratamento) no topo das vertentes, transformando-as em cachoeiras antrópicas e maximizando o poder de erosão dos corpos hídricos; preservação dos fundos dos vales, os quais já começam a evidenciar processos de fixação de residências; leves desvios no padrões da drenagem dos corpos hídricos provenientes das chuvas, de forma que o processo de escoamento não ocorra de maneira concentrada. A sociedade tem como uma de suas características, no que concerne as suas inter-relações com a natureza, utilizar e/ou gerir seus recursos como se eles fossem infinitos e/ou tivessem um elevado poder de recuperação frente às modificações a eles impostas. Entretanto esse pensamento começa a dar sinais de mudanças, devido aos avisos/respostas que o meio físico vem dando ao homem.

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Não sendo incomum, os noticiários informarem cada vez com mais frequência fenômenos nos centros urbanos como: deslizamentos, desmoronamentos, soterramentos, enchentes, contaminação hídrica, degradação dos solos, queimadas, formação de ilhas de calor, assoreamento dos corpos d’águas, doenças de veiculação hídrica, redução na vazão dos rios e rebaixamento/reacomodação do solo devido seu uso intensivo. Nesse viés dentre os doze bairros garanhuenses destacam-se: Dom Helder Câmara, Dom Thiago Póstma, José Maria Dourado, Magano, Santo Antônio, Heliópolis, Francisco Figueira e Severiano Morais Filho. Estando as porções situadas nas proximidades das encostas que são zona de transição para os vales as porções mais susceptíveis a fenômenos relacionados a movimentos de massas. Com base nos dados explicitados, observa-se que os impactos antropogênicos são alarmantes em 66,66% dos bairros. Entretanto as porções mais impactadas dessas áreas são as que estão passando por processo de maximização de sua área residencial e/ou realizando atividades agrárias (subsistência e/ou extensiva). Deixando evidente que o modelo de uso e ocupação do solo é incompatível com as especificidades do ambiente. Comprometendo de forma síncrona os recursos naturais e a seguridade socioespacial.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O homem vem realizado modificações na paisagem para os mais diversos fins, sem levar em consideração a capacidade de recuperação da paisagem frente ao que lhe é imposto. Fenômeno esse que compromete o equilíbrio dos ambientes em múltiplas escalas. Os reflexos da assincronia dessa dinâmica são cada vez mais fáceis de visualizar no transcorrer das paisagens. Não sendo incomum os meios de comunicações noticiarem de forma latente notícias relacionadas a deslizamentos, soterramentos, desmoronamentos, enchentes, assoreamento de cursos d’águas, entre

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outras. Nas quais quase sempre envolvem prejuízos financeiros e/ ou perdas de vidas humanas. Após esses ocorridos, geralmente são tomadas medidas mitigadoras do problema, porém em escala local. Característica que não surte o efeito desejado, pois a paisagem é um geossistema integrado, o qual transcende os limites territoriais criados pelas sociedades ao longo dos tempos. Outra característica bem marcante desse modelo de intervenção (posterior ao fenômeno) é incapacidade e/ou desconsideração de compreensão dos processos geo-históricos que culminaram para a materialização do fenômeno. De forma que os profissionais tendem a realizarem leituras/ interpretações assíncronas e direcionais do ocorrido, desconsiderando a conjuntura socioespacial ou apenas a considerando em detrimento do meio físico. Em ambos os casos resultam de análises superficiais da problemática, tendo como resultantes medidas ineficazes. O ambiente social, independentemente de sua origem geo-histórica, tem seu assentamento em um ambiente físico e o meio físico mesmo que anteceda ao surgimento do homem sofre suas influências diretas e indiretas, as quais cada vez são incisivas e fugazes. Sendo assim, a análise e interpretação das paisagens e de suas dinâmicas não pode ser realizada sem levar em consideração as interações entre o dito cenário físico e as interferências antropogênicas. Questão que aparentemente tem uma resolução simples: a composição de equipes multidisciplinares para realização das análises e interpretações no que concerne à problemática. Caminho que já começa a ser trilhado de maneira bem singela. Em alguns estudos têm se demonstrado mais eficazes que o atual modelo. Entretanto, não totalmente eficazes. Primeiro, porque o homem é incapaz de compreender a natureza e as inter-relações entre os seus mais distintos elementos, inclusive ele (o homem). Segundo, porque após os estudos/análises, a fase que sucede, ou seja, a implantação do projeto fica subordinada à mercê de políticos que

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nem sempre possuem maturidade intelectual e/ou interesse na resolução da problemática, culminando em modificações incisivas nas recomendações das esquipes e tendo como consequência direta a ineficácia das ações.

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MUDANÇAS AMBIENTAIS NA ZONA COSTEIRA: Perigo, Vulnerabilidade e Riscos Associados n Luana Santos Oliveira Mota n Rosemeri Melo e Souza

INTRODUÇÃO Nas mais diversas obras envolvendo a temática paisagem litorânea, é frequente deparar-se com a designação da zona costeira enquanto espaço de atração e elevada concentração populacional nos mais diversos países, estados e municípios. Este ambiente está associado a usos múltiplos, desde o habitual veraneio, perpassando pelas moradias fixas até os variados propósitos econômicos. No Brasil, a apropriação do espaço litorâneo deu-se por razões diferenciadas ao longo da história. À época das grandes navegações e colonização do país, a importância da fixação na zona costeira dava-se pela posição estratégica (defesas do território), assim como pela importância econômica (atividade portuária). Ressalta-se que, não obstante tal característica, a zona costeira também se constituía, contraditoriamente, como área de repulsa em razão das difíceis condições de habitabilidade que muitas destas apresentavam. A mudança de cenário no litoral brasileiro está vinculada a histó-

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ria mais recente do país, principalmente durante o século XX. Neste período há uma ressignificação da ocupação do ambiente costeiro, em que se abandona o valor puramente estratégico e/ou de função portuária, passando a preponderar o apelo paisagístico oferecido pelas belezas naturais típicas dos espaços praianos. É dentro desta perspectiva que a frente litorânea das cidades que se desenvolveram nas proximidades da costa, passou a ser valorizada economicamente e, consequentemente, em sua grande maioria, ocupada pelas classes de maior poder aquisitivo. No que concerne aos estruturantes naturais, a zona costeira caracteriza-se como um ambiente de interface entre o oceano, continente e atmosfera e, por esta razão, está sujeita a ação de diversos agentes transformadores da paisagem. Dentre os elementos físicos que modelam este ambiente, destacam-se a ação das ondas, das correntes costeiras, da variação das marés e dos ventos (DAVIS; FITZGERALD, 2004; ESTEVES, 2003; STIVE et al, 2002). Adicionalmente, enfatiza-se a própria dinâmica de unidades naturais, a exemplo das dunas, lagoas e manguezais. De tal modo, a atuação dos agentes físicos modifica constantemente a zona costeira, dando-lhe uma dinamicidade própria, e transformando-a em uma das paisagens mais sujeitas a alterações em curtas escalas temporais. Apesar da elevada variabilidade natural atribuída ao referido ambiente, há uma grande valorização e consequente exploração da orla marítima, associado ao apelo paisagístico, os quais têm resultado na crescente ocupação da faixa litorânea. De tal modo a zona costeira é fisicamente modificada em consonância com as diferentes demandas sociais, resultando em diferentes padrões de uso e ocupação. A partir do momento que o homem se especializa na paisagem há um processo de modificação das estruturas preexistentes, muitas vezes danoso ao ambiente, pois este tem suas funções modificadas a ponto de não conseguir absorver os efeitos de determinados eventos. Assim, quando o ambiente perde tal capacidade, também

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é suprimida a sua propensão a responder a eventos de ordem natural e, por conseguinte, recobrar-se destes (RODRIGUEZ; SILVA; CAVALCANTI, 2004). É neste estágio que há o surgimento ou potencialização dos riscos, tendo em vista que paisagens intensamente antropizadas perdem a capacidade de resiliência, e tornam-se muito mais suscetíveis aos mais diversos fenômenos. Diante do exposto, destaca-se a paisagem costeira do município de Aracaju, composta por feições geomorfológicas costeiras extremamente frágeis, a exemplo do terraço marinho, dos cordões litorâneos, das dunas e áreas interdunares, dos manguezais e das lagoas. Acrescenta-se ainda a este ambiente, a dinâmica das desembocaduras do rio Sergipe e Vaza-Barris, localizadas ao Norte e ao Sul do município, respectivamente. É sobre essa base biofísica, cuja análise revela elevada fragilidade natural, que está ocorrendo o contínuo aumento populacional. Este complexo conjunto de inter-relações entre meio biofísico e as consequentes derivações antropogênicas da paisagem tem alargado consideravelmente os riscos, associados à ocupação desmedida e não planejada de grande parte das unidades naturais, fato que é diagnosticado na análise do município de Aracaju.

1. RISCO: CONCEITUALIZAÇÃO E TIPOLOGIAS O risco tende a ser incessantemente adjetivado em função dos atores preponderantes na sua produção ou no seu desencadeamento. Desta forma, há uma gama de variáveis: riscos ambientais, riscos naturais, riscos geológicos, riscos geomorfológicos, riscos sociais, riscos tecnológicos, riscos biológicos, etc. A despeito das inúmeras adjetivações, todas as categorias de riscos englobam os componentes da probabilidade/incerteza e um resultado que implica em algum tipo de perda. Em uma breve análise sobre a modificação dos tipos de risco ao longo da evolução da sociedade, percebe-se que houve trans-

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formações na forma como o risco é produzido, e, principalmente, compreendido e sentido. Com o advento da modernidade, vários riscos foram extintos, a despeito de outros terem surgido, contraditoriamente, do mesmo processo (ANAES DE CASTRO, 2000; BECK, 2011; GIDDENS, 1991). É nesse sentido que Smith; Petley (1991) e Veyret (2013) apontam para a existência de uma situação paradoxal entre o implacável progresso humano e o aumento do sentimento de insegurança, e, consequente aumento da vulnerabilidade das sociedades modernas. Isto porque o crescimento econômico e os riscos estão enraizados no mesmo processo de mudança que está em curso. Veyret (2013), particularmente, identifica que atualmente a sociedade é muito mais sensível a alterações de ordem natural, seja na escala local ou global, em função de atividades econômicas desenvolvidas, como turismo e agricultura, das quais inúmeros países dependem. Enchentes, nevascas ou secas prolongadas geram hoje prejuízos econômicos muito maiores do que os causados à sociedade pré-moderna, uma vez que os componentes “perdas e prejuízos” são infinitamente maiores. Atentando-se para a definição do risco, observa-se que há uma série de autores que têm se dedicado recentemente ao estudo dessa temática. Identificam-se inúmeras conceitualizações e elevadas quantidades de métodos para sua mensuração, conquanto esta multiplicidade gere, por vezes, algumas imprecisões na composição do supracitado conceito. No quadro 1 é trazido algumas das principais conceitualizações do risco. Constata-se que as diversas definições para risco, apesar de partirem de abordagens diferenciadas, centralizam o conceito em torno do ideário de incerteza, probabilidade, perdas e prejuízos. A partir das definições expostas, percebe-se ainda que o conceito de risco transcende a escala espacial, permeando a escala temporal, uma vez que entremeia não apenas a concretude de perdas e prejuízos, mas também, a previsibilidade de determinados acontecimen-

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tos que podem levar a tais circunstâncias. Assim, a definição de risco tem intrínseca a ela o elemento passado e presente para a realização de diagnósticos, e, está carregado de futuro, ao necessitar de prognósticos para sua mensuração. Quadro 1 – Conceitualização do Risco Conceitos Risk is the perception of an individual or group of individuals in the likelihood of a potentially hazardous and damage-causing event. (Risco é a percepção de um indivíduo ou um grupo de indivíduos a respeito da probabilidade de um evento potencialmente perigoso e causador de danos). Percepção de um perigo possível, mais ou menos previsível por um grupo social ou por um indivíduo que tenha sido exposto a ele. Representação de um perigo que afetam os alvos e que constituem indicadores de vulnerabilidade. É a tradução de uma ameaça, de um perigo para aquele que está sujeito a ele e o percebe como tal. Possibilidade de ocorrência de um acidente. Corresponde à probabilidade de acontecimento de um evento perigoso como prejuízo para o ser humano, a sociedade e o ambiente. Refere-se à probabilidade de ocorrência de processos no tempo e no espaço, não constantes e não determinados, e à maneira como estes processos afetam (direta ou indiretamente) a vida humana. Grande perda prevista devido a um determinado fenômeno natural e em função tanto de um perigo natural quanto da vulnerabilidade. A probabilidade de ocorrência de um perigo. A probabilidade de ocorrer consequências danosas ou perdas esperadas (mortos, feridos, edificações destruídas e danificadas, etc.) como resultado de interações entre um perigo natural e as condições de vulnerabilidade local. Uma medida de probabilidade e severidade de um efeito adverso para a saúde, propriedade ou ambiente. Risco é geralmente estimado pelo produto entre a probabilidade e as consequências. Entretanto, a interpretação mais genérica de risco envolve a comparação da probabilidade e consequências, não utilizando o produto matemático entre estes dois termos para expressar os níveis de risco. Measure of the expected losses due to a hazard event occurring in a given area over a specific time period. Risk is a function of the probability of particular hazardous event and the losses each would cause. (Medida das perdas esperadas devido a um evento de risco que ocorre em uma determinada área durante um período de tempo específico. Risco é uma relação da probabilidade de determinado evento de risco e as perdas que cada um pode causar). Organização: autoras, 2016.

Autores Almeida (2014)

Veyret (2013)

Cerri; Amaral (1998) Cunha; Ramos (2013) Castro, et al (2005) Nações Unidades, 1984. p. 80. Anaeas de Castro (2000) UNDP, 2004.

Augusto Filho (2001)

CBSE, 2006.

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Dentre as classificações do risco, sobressai-se o risco ambiental. Este é tido por vários autores, das vertentes geográfica, geológica e ciências afins, como o conceito que engloba todas as outras dimensões do risco. Egler (1996) classifica o risco ambiental em três categorias básicas: risco natural, risco tecnológico e risco social. Em uma mesma linha de pensamento, Veyret (2013, p. 63) define o risco ambiental como “a associação entre os riscos naturais e os riscos decorrentes de processos naturais agravados pela atividade humana e pela ocupação do território”. Inserido na vertente dos riscos ambientais, encontra-se o risco natural. Considera-se que ao tratar de riscos é impossível dissociá-lo da presença do homem, assim o termo “natural” diz respeito ao processo que pode desencadear o risco, seja este geológico, atmosférico, etc. Tal como a conceitualização, a mensuração do risco envolve uma gama de variáveis e cálculos distintos, em que se destaca a não existência de uma fórmula única capaz de integrar todos os componentes do risco, nas suas diversas acepções. Nesse sentido observa-se nas mais diversas literaturas que a mensuração varia conforme a tipologia do risco e o enfoque que se deseja dar a pesquisa.

2. PERIGO (HAZARD): COMPONENTE NO ESTUDO DO RISCO É de suma importância destacar que à medida que se discute o risco, há outros conceitos que são complementares a exemplo do perigo (hazard) e da vulnerabilidade. Esses são intrínsecos a concepção de risco, uma vez que este existe em função de um perigo, pode ter a possibilidade de ocorrência alargada pelo grau de vulnerabilidade de um dado ambiente e população e, ao sair do campo da probabilidade e se concretizar, pode resultar em um desastre. Com a proposta de distinguir os conceitos de risco, perigo e desastre, fundamental na análise dos riscos, Anaeas de Castro (2000) propõe analisar a relação entre estes três conceitos. Para a autora

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a ideia de perigo está relacionada à existência de um fenômeno em potencial, o qual pode vir a ocorrer, e no caso de geração de danos, configurar-se como um desastre. É por esta razão que no cerne do risco, está imbricada a probabilidade de ocorrência de um perigo, que pode vir a provocar alguma situação negativa, em maiores ou menores proporções, a depender da vulnerabilidade natural e social de um dado ambiente. Smith; Petley (1991) consideram que o risco, por vezes, pode ser tomado enquanto sinônimo de perigo, no entanto, há uma dissemelhança ao considerar que o perigo é a melhor visualização de como ocorrências naturais ou processos induzidos pela ação humana, com potencial para gerar perdas, ou seja, uma fonte de futuros desastres. Já o risco é a exposição real de algo de valor humano a um perigo e muitas vezes é medido como o produto da probabilidade e da perda. Em suma, o perigo é a causa, o risco é a provável consequência. Diante do exposto, constata-se que o estudo do perigo é tão importante quanto o risco, dado que não há situações de riscos que não sejam precedidas por um perigo. Ao analisar uma situação de perigo e, consequentemente, de risco, sempre há a propensão clara de observá-lo tendo em vista o viés humano, afinal o risco se concretiza diante da probabilidade da geração de algum dano àquele. Exemplos clássicos, muito utilizados nos estudos, são os casos das enchentes ou fenômenos atmosféricos (a exemplo dos ciclones). Enchentes em áreas de planície de inundação e ciclones em regiões tropicais são apenas fenômenos naturais intrínsecos às características biofísicas destes ambientes, só possuem a denotação de “perigo” quando da sua ocorrência em áreas antropizadas. Assim, os perigos naturais não são puramente fenômenos físicos fora da sociedade, pois podem também estar ligados às incontáveis decisões individuais (SMITH; PETLEY, 1991). A colocação de White (1974, p.03) corrobora essa elucidação “by definition, no natural hazards exists apart from human adjustament to it. It always involves human initiative or choice. Floods would

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not be hazards were not man tempted to occupy floodplains1”. O mesmo se aplica aos riscos, ainda mais fortemente, uma vez que o risco em todos os termos está associado à presença humana. Muito embora alguns autores considerarem que o perigo está atrelado a uma decisão individual de ocupar áreas propensas à ocorrência de eventos perigosos, é importante salientar que muitos dos desastres testemunhados atualmente não podem ser justificados somente pela escolha humana de ocupar ou não uma área suscetível a eventos perigosos. O advento da modernidade trouxe em seu âmago a evolução da técnica, contudo, esta não atingiu a todos com singularidade. Seja na escala local ou global, observa-se que situações socioeconômicas distintas geram diferentes formas de ocupação do espaço. É neste fato que reside a justificativa de grande parte dos desastres que têm ocorrido, uma vez que, indivíduos menos abastados tendem a ocupar áreas periféricas, geralmente associadas a áreas de encostas, planícies de inundação, etc., naturalmente mais sensíveis a determinados eventos. Tal circunstância decorre muito mais em razão da precariedade econômica, fruto da desigualdade social, do que necessariamente em razão de uma escolha individual. Não significa dizer, todavia, que áreas ocupadas por indivíduos com melhor situação econômica não sejam também suscetíveis a tais eventos, no entanto, a capacidade de resiliência desta população é infinitamente maior, o que pode amenizar os efeitos de uma possível tragédia. No sentido de distinguir o perigo (hazard) quanto a sua origem, Smith; Petley (1991) trazem importante contribuição ao estudo do perigo – a conceitualização dos perigos ambientais (environmental hazards), que extrapola o entendimento dos perigos naturais (natural hazards). Aquele é utilizado para denotar as ameaças que pesam sobre a sociedade humana por eventos que se originam ou são 1 Por definição, não há perigo natural para além do ajuste humano a ele. Este sempre envolve iniciativa ou escolha humana. Inundações não seriam considerados perigos, se o homem não ocupasse as áreas de várzeas.

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transmitidos através do meio ambiente. Assim, a classificação do perigo (hazard) apenas como natural já caiu no descrédito diante da complexa relação entre natureza e o homem (JONES, 1993; SMITH; PETLEY, 1991; WHITE, 1974). Afinal, poucos são os eventos naturais que não repercutem sobre as atividades humanas, para além do fato da ação humana ter contribuído sobremaneira para a criação de hazards. O contexto discutido aponta para a seguinte premissa: o perigo e o risco só existem em função da existência do homem, tendo suas origens atreladas a fatores naturais, a fatores humanos, ou ainda, a ação conjunta destes fatores. É nesse sentido que Anaeas de Castro (2000) considera a existência de três tipos de perigo, qualificados quanto ao agente desencadeador: o perigo natural (quando a origem do fenômeno que produz o dano tem sua origem na natureza); o perigo antrópico (quando o fenômeno que produz a perda tem sua origem em ações humanas) e; o perigo ambiental (quando o evento que causa o prejuízo tem causas combinadas). A autora ainda considera que perigos naturais podem ser agravados pela ação humana, e os perigos antrópicos podem ser agravados pela ação natural. Ante o exposto, verifica-se a importância da análise simultânea dos agentes naturais e sociais no estudo do perigo, e consequentemente do risco. Como afirma Smith; Petley (1991) os perigos e desastres são os dois lados de uma mesma moeda, por conseguinte, não podem ser entendidos, tão pouco explicados tendo por ponto de partida apenas um viés de análise, ou por premissas exclusivas das ciências sociais ou das ciências naturais.

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3. VULNERABILIDADE: A OUTRA FACE DOS ESTUDOS DO RISCO O conceito de vulnerabilidade é bastante discutido entre os autores, não obstante a maioria desses a considerarem como um potencial para perda em função da maior ou menor fragilidade de uma área ou de uma população. Destarte, os estudos de vulnerabilidade tendem a realizar uma intersecção entre a exposição ao perigo e a propensão, este entendido como as circunstâncias que levam ao aumento ou redução da capacidade do ambiente em se recuperar de determinado evento (CUTTER, 2012). Cutter (1996) enquadrou os mais diversos conceitos de vulnerabilidade em três vertentes: (a) vulnerabilidade como exposição ao risco/perigo; (b) vulnerabilidade social; (c) vulnerabilidade dos lugares. A primeira classificação refere-se basicamente à vulnerabilidade biofísica de um ambiente, ou seja, as condições naturais que o fazem ser mais frágeis ou menos frágeis frente a um determinado evento. A segunda classificação, a vulnerabilidade social, inclui a suscetibilidade dos grupos sociais a perdas potenciais em função de eventos perigosos ou desastres. Já a terceira classificação refere -se à união entre as duas anteriores, no qual é considerada a vulnerabilidade biofísica e a vulnerabilidade social dos ambientes. A vulnerabilidade constitui um dos principais elementos no estudo do risco, ainda que, as diferenciadas formas de mensuração, tal como as distintas formas de entendimento acerca do conceito, possam gerar imprecisão na delimitação do risco. De tal modo, a classificação da vulnerabilidade, e, consequentemente, do risco, está em demasiado sujeita ao objeto de estudo de cada pesquisador. Para o caso da vulnerabilidade biofísica, é considerado o conjunto de fatores naturais componentes de uma dada paisagem, a exemplo do solo, geologia, parâmetros climáticos, geomorfologia e vegetação. A sobreposição desses fatores determina a fragilidade do ambiente frente a determinados processos, além de explicitar a

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capacidade deste em suportar e se recuperar de eventos extremos. Já a vulnerabilidade ambiental inclui a análise dos fatores biofísicos agregados à intervenção antrópica no ambiente, mensurados segundo o uso e tipo de ocupação do solo. No que concerne à vulnerabilidade social, autores como Cutter (1996, 2003, 2011), Wisner et al (2004), Hufschimdt, Crozier, Glade (2005), Mendes et al (2011) e Cunha (2013), consideram essa como fundamental para dimensionar o risco. Esta vertente de análise da vulnerabilidade prima por um estudo voltado essencialmente para a exposição e a capacidade de recuperação das comunidades, frente a situações de perigos, sejam eles de origem natural, antrópica ou ambos. Para Cunha (2013) a vulnerabilidade social deve ser apreciada com suporte em uma fórmula ou índice que consiga expressar as complexas relações econômicas, sociais e culturais que se dão em um determinado espaço. O objetivo é conhecer o suporte territorial de uma comunidade frente à manifestação de processos perigosos. Assim, é precípuo que se conheça a vulnerabilidade dos indivíduos, das comunidades e dos territórios, a fim de que as políticas públicas adotadas, para prevenção e mitigação do risco, sejam condizentes com a realidade da comunidade. Tendo a vulnerabilidade vertentes diferenciadas de análise, que poderão implicar em resultados distintos na mensuração do risco, há de se considerar a necessidade de intersecção entre os diferentes vieses de estudo, a fim de abarcar a dimensão social e natural do espaço.

4. PERIGO, VULNERABILIDADE E RISCOS ASSOCIADOS AO AMBIENTE COSTEIRO Os elementos que compõem o estudo dos riscos associados a sistemas complexos, tais como a zona costeira, requerem análises bastante aprofundadas em função da maior fragilidade das unidades

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que a compõe, da grande exposição destas a determinados eventos e, sobretudo, dos elevados níveis de derivações antropogênicas. O ambiente costeiro vem sendo submetido a excessivas modificações ambientais, relacionadas aos diversos tipos de intervenção antrópica, a exemplo: da supressão e/ou alteração da estruturação natural das unidades costeiras (dunas, manguezais, lagoas, cordões litorâneos, etc.), a retirada da vegetação natural, aterros, poluição dos corpos hídricos superficiais e subterrâneos, ocupações irregulares, entre outros. Somado aos altos índices de derivações antrópicas, comuns a grande parcela da costa brasileira, há de se considerar os perigos intrínsecos ao ambiente costeiro. Como discutido anteriormente, este conceito é uma construção social e remete a existência de um fenômeno de origens múltiplas, que pode vir a desencadear algum tipo de perda. Para o caso da paisagem costeira, os perigos variam a partir dos próprios condicionantes físicos e que agem e transformam tais paisagens. Em razão da diversidade das feições geomorfológicas os perigos podem estar associados as mais diversas origens, não obstante, para o caso da costa brasileira, a maior parte destes estarem relacionados à confluência dos eventos de origem natural – fenômenos climáticos, geológico-geomorfológicos e a própria dinâmica costeira, conjunto às ações antrópicas, classificados, assim, como perigos ambientais. Para a efetividade do estudo dos riscos, é primordial que além da individualização dos tipos de perigo, considere-se o ambiente e a população sobre os quais estes incidem, a fim de elucidar a resposta e a capacidade de recuperação frente a eventos perigosos. É nesse contexto que a análise da vulnerabilidade se torna crucial na definição e mensuração do risco, dado que revela o potencial para perda de um ambiente ou de uma população, tendo por premissa a análise do poder de resiliência de cada um destes. As particularidades que constituem a zona costeira suscitam a compreensão do complexo perigo-vulnerabilidade-risco em vertentes diferenciadas do uso e mensuração habituais. O fato deste ambiente ser apontado corriqueiramente como de elevada vulne-

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rabilidade biofísica, não exime a necessidade de mensuração desta. Mesmo constituindo-se como uma paisagem de elevada fragilidade ambiental, diante dos diversos fenômenos de ordem natural e antrópica, a zona costeira é composta por diferentes feições geomorfológicas com estruturas e funções distintas dentro da paisagem. Diante desse fato, têm-se variações no valor da vulnerabilidade biofísica, afinal, um campo de dunas e uma planície de maré, apesar de constituírem-se como ambientes de elevada vulnerabilidade natural, reagem e possuem capacidade de resiliência diferenciadas frente a um mesmo fenômeno. Eventos pluviométricos intensos, por exemplo, têm efeitos distintos sobre áreas de terraços marinhos e as áreas de escarpas dos tabuleiros costeiros, mesmo diante do fato de ambas as unidades serem enquadradas como ambientalmente frágeis. Em escala de detalhes, dentro de uma única unidade costeira têm-se também diversos índices de vulnerabilidade biofísica. O próprio Terraço Marinho, composto por sequências de cordões litorâneos, entremeados por baixios úmidos e lagoas pode apresentar diferentes respostas a um mesmo evento, como o dado exemplo dos excessos pluviométricos. Diante de tal circunstância, é fundamental mensurar a partir de características como geologia, geomorfologia, pedologia, cobertura vegetal e características climáticas, o valor da vulnerabilidade de tais feições, tendo em vista que qualquer alteração no índice de vulnerabilidade é crucial para a mensuração do risco, e consequentemente, para o ordenamento da ocupação. Além da vulnerabilidade natural, o que vai definir o risco, associado ao perigo o qual a paisagem está sujeita, é o tipo e o nível de ocupação presente ao longo da costa. É nesse sentido que se destaca o papel da vulnerabilidade social. Os padrões de ocupação ao longo da frente litorânea são diversos, e por vezes se contrapõem à estruturação natural das unidades, o que consequentemente eleva a vulnerabilidade da população frente à ocorrência de determinados eventos. Além da densidade

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das estruturas antrópicas, a vulnerabilidade social leva em consideração, primordialmente, a população que reside no dado ambiente. Como à zona costeira é conferida uma gama de atividades econômicas, perpassando pelo extrativismo vegetal e a pesca até atividades turísticas e imobiliárias, os padrões de uso e ocupação estão associados a diversas classes econômicas. De tal modo, a análise da vulnerabilidade social avalia o poder de resiliência da população frente a determinados eventos. O fenômeno da erosão costeira, por exemplo, é um processo natural e inerente às praias, resultando apenas em variações do posicionamento da linha de costa. Quando da sua ocorrência em ambientes antropizados, os resultados relacionam-se à destruição de infraestrutura e consequentes prejuízos socioeconômicos, tornando-se, nesse momento, um perigo. O cerne do estudo da vulnerabilidade social está na forma como tais prejuízos serão sentidos pelas populações afetadas. A depender do poder aquisitivo destas, a recuperação diante destes eventos será rápida ou extremamente morosa. É nessa conjunção que o risco diferencia-se não apenas em função dos estruturantes e fenômenos naturais, mas também em razão das distintas condições socioeconômicas e da densidade de estruturas antrópicas. A fim de elucidar a interligação entre perigo, risco e vulnerabilidade associados à zona costeira, destaca-se a figura 1.

Elaboração: autoras, 2016.

Figura 1 – Componentes do estudo dos riscos associados à Zona Costeira

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5. ESTUDO DE CASO: A PLANÍCIE COSTEIRA DE ARACAJU/SE A paisagem costeira em destaque está localizada no litoral central do estado de Sergipe, compreendida entre as desembocaduras do rio Sergipe (ao Norte) e Vaza-Barris (ao Sul) (Figura 2). A planície costeira de Aracaju, disposta externamente à Formação Barreiras, é composta por depósitos holocênicos do Quaternário, individualizados em (BITTENCOURT et al, 1983): Depósitos Marinhos (compreendem os terraços marinhos holocênicos); Depósitos de Mangue (compreendem as áreas de Planície de Maré e seus subambientes) e; os Depósitos Eólicos (constituem as dunas fixas, semifixas e móveis, que bordejam toda a costa). A análise das formas e funções das unidades e subunidades que estruturam a paisagem costeira do município estudado revelam elevada fragilidade em razão da dinâmica intrínseca a estas unidades, associada aos diversos agentes de ordem natural atuantes, típicos destes ambientes. A despeito da fragilidade, a frente litorânea do referido município tem sido alvo da intensa especulação imobiliária, fato que está provocando um reordenamento da ocupação, em que se destaca o maior fluxo em direção à costa. Aliado a este processo, vem ocorrendo de maneira vertiginosa, a continua substituição das unidades naturais, a exemplo de dunas, cordões litorâneos, lagoas e manguezais, por áreas intensamente antropizadas. Diante de tal circunstância, manifesta-se um cenário de perigos associados a alteração da estruturação da paisagem, em razão da potencialização dos efeitos de determinados eventos de ordem natural. Estes perigos, classificados como ambientais em razão das origens múltiplas, perfazem basicamente os processos de sedimentação associados à frente litorânea e aos eventos pluviométricos intensos. Como dito anteriormente, perigos só são assim considerados em razão da sua ocorrência em áreas antropizadas, tendo em vista que os eventos pluviométricos intensos, típicos das regiões

Organização: autoras, 2016.

Figura 2 – Localização da Área de Estudo

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inseridas no clima tropical úmido, só são assimilados enquanto perigo, quando da possibilidade de ocasionar algum tipo de perda. A julgar pelo intenso processo de ocupação, é eminente a preocupação com a capacidade do ambiente costeiro em suportar tal intervenção, assim como recobrar-se diante dos eventos perigosos aos quais está sujeito. Tal apreensão advém do fato da elevada vulnerabilidade biofísica das unidades que compõem a planície costeira de Aracaju, diante dos perigos elencados. Deste modo, as modificações ambientais derivadas da intervenção antrópica resultaram no surgimento e potencialização dos riscos, associados à ocupação desmedida e não planejada. Dentre os principais riscos associados à planície costeira destacam-se: os alagamentos e a erosão costeira (Quadro 2). No que se refere aos riscos a alagamentos, sobreleva-se a influência antrópica como principal indutora, a partir dos seguintes processos: aterramento de lagoas, impermeabilização do solo e transformação dos canais de maré em esgotamento. No tocante ao aterramento de lagoas e baixios úmidos, destaca-se como principal cenário de ocorrência deste processo, a Zona de Expansão de Aracaju. Esta concentra unidades costeiras como lagoas, dunas e manguezais, caracterizadas pela elevada vulnerabilidade biofísica. Em períodos de maior concentração pluviométrica, entre os meses março e agosto, os baixios úmidos ficam completamente encharcados, as lagoas permanentes aumentam de área e as lagoas temporárias aparecem. Além disso, estes subambientes exercem a função de drenar os excessos pluviais, tal como abastecer os lençóis freáticos, muito próximos à superfície nesta área. A figura 3 demonstra, com ênfase para a Zona de Expansão, os baixios úmidos e lagoas que entremeiam a sequência de cordões litorâneos em períodos chuvosos e secos.

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Quadro 2 – Riscos associados a Planície Costeira de Aracaju/SE Modificações Antrópicas na Paisagem

Efeitos e consequências

Riscos associados

Lagoas/Baixios Úmidos

Aterro e retirada da vegetação

Interrupção da drenagem natural dos excessos pluviais

Alagamentos

Área Interdunar associada a áreas úmidas

Aterro

Interrupção da drenagem natural dos excessos pluviais

Alagamentos

Unidades e Subunidades Costeiras Terraço Marinho

Campo de Dunas Dunas Móveis (frontais)

Manguezais

Planície de Maré

Interrupção por rodovias e Desmontes

Retirada de vegetação, aterro, poluição

Alteração/Interrupção do transporte bidirecional Erosão de sedimentos entre as Costeira dunas e o ambiente praial adjacente Mudança nos processos de sedimentação e comprometimento da Alagamentos/ função de molhe hidráulico Erosão (atua amortecendo Costeira a energia das ondas incidentes)

Canais de Maré

Impermeabilização das margens, Transbordo dos canais supressão das durante períodos de áreas de planície Alagamentos excessos pluviométricos e de inundação e transformação marés enchentes de sizígia. em canais de esgotamento

Praia/Pós-Praia

Estruturas de contenção, construção de bares e restaurantes

Alteração da morfodinâmica praial

Erosão Costeira

Desembocaduras Fluviais

Ocupação irregular e estruturas de contenção (espigões)

Alteração da morfodinâmica praial e da modificação natural de posicionamento da linha de costa

Erosão Costeira

Ambiente Praial

Organização: autoras, 2016.

A despeito destas condições naturais e das importantes funções ecológicas realizadas pelas unidades, a Zona de Expansão tem recebido nos últimos anos grande contingente populacional, o que

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tem resultado no contínuo aumento de área ocupada, e consequente supressão de determinadas feições. O problema reside no fato de que o aumento da ocupação tem ocasionado a impermeabilização do solo, associados aos constantes aterros dos baixios úmidos e das lagoas, sem a construção de infraestrutura de macrodrenagem adequada para suportar tal intervenção. Diante dessa conjuntura, a função natural das lagoas tem sido alterada, e o resultado são os contínuos alagamentos nos períodos chuvosos. Por conseguinte, além de constituir-se como área de vulnerabilidade biofísica diante dos eventos pluviométricos, grande parte da Zona de Expansão enquadra-se também como área de risco a alagamentos, tendo em vista a perda da capacidade do ambiente de recobrar-se naturalmente destes eventos.

Figura 3 – Baixios Úmidos e Lagoas em períodos secos e chuvosos Fonte: Elaboração das autoras, 2016.

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Os alagamentos em Aracaju também são oriundos de outros fatores, a exemplo da transformação dos canais de maré em canais de esgotamento pluvial, que atualmente caracterizam-se como redes de esgotamento sanitário. A figura 4 aponta para as derivações antropogênicas dos canais de maré, visualizados em sua forma natural ainda na década de 1960, os quais vieram a ser canalizados entre as décadas de 1970 e 1980. Essa canalização resultou, evidentemente, na supressão da planície de inundação dos canais de maré, áreas que serviam de zona de espraiamento para o fluxo pluvial excessivo e variações da maré. Vale destacar que estes canais desembocam no estuário do Rio Sergipe, sem nenhum tipo de tratamento.

Figura 4 – Derivações antrópicas dos canais de maré da planície costeira de Aracaju Organização: autoras, 2016.

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Em razão desse processo, as áreas que bordejam estes e outros canais são consideradas pontos críticos de alagamento. Nos períodos de maior concentração pluviométrica os canais e bueiros transbordam aumentando o risco a alagamentos, para além da contaminação, tendo em vista que a água que percola nesses canais é poluída. Tais riscos têm se intensificado em razão do aumento de área impermeabilizada, retirada de áreas de cobertura vegetal natural e incremento populacional, sem a devida implementação de projetos de macrodrenagem que comportem tal crescimento. Somado a esta problemática, outro fator que tem potencializado os riscos a alagamentos nessa porção da planície costeira é a alteração da dinâmica sedimentar no estuário do rio Sergipe. A ação das marés sobre a avenida Beira-Mar estava resultando no solapamento da base desta. Em razão desse processo, o poder público municipal realizou obra de contenção (molhes hidráulicos) no ano de 2015 a fim de redirecionar o fluxo do canal e reduzir a força com que as ondas, oriundas das variações das marés, atingiam esta avenida. Além dos molhes de contenção, sucedeu-se o aterro de uma porção de aproximadamente 500 m de extensão e cerca de 40 m de largura, para fins de construção de uma orla. Após a conclusão destas obras, os alagamentos nos bairros circunjacentes tornaram-se mais constantes, e o principal, não decorrem mais apenas dos períodos de maior concentração pluviométrica. Estes têm ocorrido principalmente quando do período das marés de sizígia, cuja amplitude varia entre 0 m e 2,5 m na área estudada. A figura 5 aponta para as alterações relatadas. Nela é possível verificar as mudanças na morfologia da área, bem como perceber as implicações do aterro e molhes na dinâmica sedimentar. Observa-se, por exemplo, que a área de despejo do canal de esgotamento, pela qual este fluía, foi estreitado. Tal processo pode estar causando o afunilamento do fluxo água, que durante o pico das marés adentra o canal com mais força, resultando no transbordo dos canais e bueiros, e consequentes alagamentos.

Organização: autoras, 2016.

Figura 5 – Modificações antrópicas na dinâmica sedimentar do estuário do rio Sergipe

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Outra problemática relacionado à planície costeira aracajuana é o risco associado à erosão costeira. Grande parte da ocupação da frente litorânea do município concentra-se na proximidade da margem direita da desembocadura do rio Sergipe, nos bairros da Atalaia e Coroa do Meio. Como as desembocaduras caracterizam-se pela elevada variabilidade morfodinâmica, oriunda da confluência dos agentes fluviais e marinhos, apresentam elevada vulnerabilidade biofísica, e portanto, quando ocupadas, tornam-se áreas de risco. Em razão dessa elevada dinamicidade e das constantes intervenções nas margens da desembocadura do rio Sergipe, processos erosivos resultaram na destruição de aparatos turísticos, bares e restaurantes entre os anos de 2007 e 2008, causando prejuízos socioeconômicos. A desembocadura do rio Vaza-Barris também passou por processos erosivos severos no mesmo período, acarretando na destruição de uma rodovia. Como esta área apresenta menor índice de ocupação, os prejuízos foram de menor intensidade. Além das construções nas proximidades da desembocadura, enfatiza-se a supressão das dunas frontais como agente desencadeador dos processos erosivos. Uma vez que estas feições apresentam relação direta com o ambiente praial, a partir da troca bidirecional de sedimentos, qualquer alteração pode resultar em uma dinâmica diferenciada. Para o caso de Aracaju, o campo de dunas frontais e fixas foram interrompidas pela construção de uma rodovia litorânea – José Sarney, que cessou, em alguns pontos, a troca sedimentar entre as unidades. Esse processo tem causado déficit sedimentar em algumas praias, o que tem ocasionado processo erosivos, e elevado os riscos associados à ocupação nas proximidades da linha de costa. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O risco está na interface entre um perigo e a concretude de um desastre. O fato de um evento perigoso intercorrer não implica, necessariamente, na materialidade de um infortúnio, tendo em vista

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que o elemento desencadeador deste é o ambiente sobre o qual o perigo incide. Por esta razão, conjectura-se que a medida do risco é a vulnerabilidade biofísica e social de um local. Dado que o risco é uma probabilidade, essa gama de elementos que envolve o seu estudo requer a análise de múltiplos fatores, a fim de que a mensuração deste revele um cenário o mais próximo da realidade factível. Já que o risco precede a ocorrência de um desastre, sua avaliação é de fundamental importância para o planejamento e ordenamento da ocupação, principalmente quando se trata de ambientes complexos, tal como a zona costeira. Dentro desta perspectiva, observou-se para o município de Aracaju/SE os impactos resultantes da intervenção antrópica na planície costeira, em razão da supressão e modificação das unidades naturais que a compõe. O rápido crescimento urbano em direção à frente litorânea não foi precedido de planejamento e estudos que visassem aos impactos provenientes de tal intervenção, fato comum a grande parte das cidades litorâneas brasileiras. Para o caso do município em destaque, a ocupação deu-se basicamente sobre o terraço marinho e manguezal, cuja principal característica era a presença de baixios úmidos, áreas alagadas e canais de maré. Esse processo culminou no surgimento e potencialização dos riscos associados à ocupação, principalmente no que concerne aos alagamentos. Na área de ocupação mais recente do município, a Zona de Expansão, o processo está ocorrendo da mesma maneira tal qual aconteceu na área de urbanização consolidada, mesmo diante dos evidentes impactos originários de uma intervenção sem planejamento. Assim, a continua supressão de lagoas, aterramentos dos baixios úmidos e impermeabilização do solo tem potencializado os riscos associados a alagamentos. Além dos riscos já mencionados, destaca-se também os problemas associados à erosão costeira, fruto da ocupação nas adjacências das desembocaduras fluviais, e às alterações na morfologia dunar. Destarte, observa-se que a avaliação do perigo, da vulnerabili-

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dade e dos riscos são relegados dentro do planejamento urbano das cidades litorâneas. Em razão da contínua exploração econômica da orla marítima, seja na vertente imobiliária, extrativista ou turística, não há a consideração das fragilidades destes ambientes e dos riscos decorrentes desta intervenção. De tal modo, em vez do planejamento prévio, associado à manutenção da estruturação natural de unidades cruciais e ordenamento da ocupação, opta-se pelas medidas de mitigação do desastre, quando este poderia ser evitado ou minimizado a partir da avaliação dos riscos.

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RISCOS/HAZARDS SOCIOAMBIENTAIS E VULNERABILIDADES BIOFÍSICAS ASSOCIADAS ÀS DUNAS COSTEIRAS EM SERGIPE n Jailton de Jesus Costa n Rosemeri Melo e Souza

INTRODUÇÃO O risco (hazard) socioambiental (natural e antrópico) deve ser considerado na perspectiva de uma situação de normalidade de uso/ ocupação de um sistema ambiental, não se restringindo apenas aos eventos isolados como a seca, enchentes, tempestades, tsunamis, geadas, ressacas, deslizamentos, entre outros. O conceito de risco aqui desenvolvido, considera os elementos antropogênicos e a noção de possibilidade de perigo, de acordo com Monteiro (1991). O autor argumenta que risco está ligado aos termos latinos risicu e riscu, ligados por sua vez a resecare, que significa ‘cortar’ /’ romper’ o equilíbrio reinante a partir das condições biofísicas. As condições biofísicas (solos, clima, cobertura vegetal, depósitos geológicos, dentre outros) de um sistema, por si só, revelam um quadro de riscos para as diferentes formas de uso e ocupação do solo. Tal quadro de riscos confere certos graus de vulnerabilidade

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aos sistemas ambientais, diretamente dependente da quantidade de riscos presentes (Figura 01).

Figura 01 – Definição de Vulnerabilidade Socioambiental Organização: Jailton de Jesus Costa, 2016.

Nesta perspectiva, Brum Ferreira (1993) define risco ambiental como o produto da frequência e da magnitude dos fatores de risco naturais e antrópicos pela vulnerabilidade a esse mesmo risco. Talvez os primeiros a trazerem a vulnerabilidade para o debate ambiental relacionado aos estudos sobre o risco sejam os geógrafos. Estes têm colocado em relevo estas categorias no contexto de uma linha de investigação que se ocupa do estudo dos natural hazards (riscos naturais – grifo nosso) (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2004a). De acordo com Egler (1996), a vulnerabilidade dos sistemas naturais, compreendida como o patamar entre a estabilidade dos processos biofísicos e situações instáveis, onde existem perdas substantivas de produtividade primária, é um dos critérios básicos que servem de metodologia para a avaliação do risco ambiental, a exemplo dos geoindicadores socioambientais. Geoindicadores socioambientais que condicionam os sistemas dunares a um estado de vulnerabilidade provocado pela alteração no equilíbrio dinâmico de tais ambientes podem se referir tanto

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à situação dos componentes biofísicos como a interferências de ordem antrópica. Por serem caracterizados como os mais impactantes, os danos derivados de atividades antrópicas remontam a uma situação de alerta quanto à manutenção da integridade biofísica dos sistemas dunares litorâneos. Além dos riscos e da vulnerabilidade nesses ambientes, há ainda que se destacar a resiliência que, segundo o IPCC (2007) é entendida como a “capacidade de um sistema de absorver perturbações mantendo seu funcionamento normal”. A proposta desse estudo foi avaliar os riscos socioambientais contribuintes à vulnerabilidade biofísica dos sistemas dunares em todo o litoral sergipano, a partir do uso geoindicadores socioambientais, comparando dados de 2009 e 2016. Nesse contexto, os indicadores de vulnerabilidades traduzem os riscos de um sistema ambiental que pode ser afetado pela perda do equilíbrio natural, rompendo a sua capacidade de resiliência, ou seja, de voltar às condições anteriores, após sofrer algum impacto.

1. METODOLOGIA Para atingir o objetivo proposto e concluir o estudo, os procedimentos metodológicos aplicados acompanharam o método de abordagem, nesse caso, o modelo GTP – Geossistema/Território/ Paisagem. Foram adotadas três etapas: documental, trabalho de campo e síntese. A etapa documental foi construída a partir da coleta de dados (bibliográficos, cartográficos e imagéticos) preliminares, analógicos e digitais, em fontes diversas disponibilizadas em órgãos da administração pública direta e indireta. O objetivo desta etapa foi construir a revisão teórico-metodológica do presente estudo, além de caracterizar, mesmo que sumariamente, suas abrangências.

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A etapa trabalho de campo compreendeu visitas à área de estudo, realizadas entre 2009, na ocasião da realização do curso de Bacharelado em Geografia do primeiro autor, sob orientação da segunda autora e 2016 para atualização e comparação da vulnerabilidade biofísica nos sistemas dunares, além da coleta de informações e o mapeamento das áreas. Utilizou-se o mapeamento da EMBRAPA, de autoria de Pereira; et al. (2010) com ortofocartas com resolução espacial de 60cm e o levantamento aerofotogramétrico desenvolvido pela Secretaria de Planejamento de Sergipe (2007). Nessa etapa, foram utilizadas as seguintes técnicas: observação empírica; registro fotográfico; esboços da paisagem; referenciais de orientações e localização e registro em cadernetas de campo. Foram escolhidos 3 (três) hotspots, ou seja, 3 áreas de alta diversidade biológica e sob alta pressão antrópica, a saber: Litoral Norte (Praia do Jatobá – Município de Barra dos Coqueiros); Litoral Centro (Praia de Aruanda – Município de Aracaju) e Litoral Sul (Praia do Saco – Município de Estância). Na etapa síntese foram analisados e tabulados os resultados, além da escrita final do artigo. A elaboração de listas de controle de campo (field check lists) a fim de avaliar as condições que produzem uma aceleração do ritmo da degradação dunar costeira em Sergipe define-se como instrumento metodológico principal. A vulnerabilidade biofísica dos sistemas dunares litorâneos foi avaliada a partir da listagem das variáveis que mais contribuem para situação de risco das dunas e da categorização dos resultados em graus distintos de vulnerabilidade pré-estabelecidos. Tais listas de controle ao serem compostas por variáveis quantitativas e qualitativas categorizadas em níveis de vulnerabilidade estabelecidos segundo a adaptação do Programa ELOISE/DUNES (Environmental Long-term Interactive Changes on South Atlantic Coasts and Estuarine Envi­ronments) da União Europeia, são consideradas

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instrumentos de medição dos fenômenos envolvidos na estruturação da dinâmica dunar. Nesse sentido, as checklists foram organizadas com base na seleção de 46 variáveis, todas elas divididas em categorias de informação. São cinco as seções que compreendem informações quanto ao sítio e morfologia dunar, às características da praia, às características da superfície dunar nos primeiros 200 metros, às pressões de uso e às medidas de proteção recente. Cada variável abrange três a cinco possibilidades de caracterização sendo que cada alternativa corresponde a uma pontuação de 0 a 4. Assim, quanto maior o valor determinado, maior o grau de vulnerabilidade; ou seja, maior é a situação de risco das dunas. No caso das medidas de proteção recentes, o oposto acontece, maior é o grau de controle e proteção apontados pelas variáveis nos sistemas dunares em estudo. Dessa forma, no tocante as seções A, B e C, o significado dos valores de 0 a 4 será representado por tabelas numéricas relacionadas aos níveis de vulnera­bilidade propostos, já as seções D e E serão explicadas a partir de quadros qualitativos baseados em variações nos tons de cinza em que quanto menor a intensidade da cor, menor o grau de vulnerabilidade. 2. RESULTADOS E DISCUSSÕES 2.1 A Importância dos Sistemas Dunares Por constituir ambientes de formação geológica recente e de grande variabilidade ambiental, a zona costeira apresenta ecossistemas em geral fisicamente inconsolidados e ecologicamente imaturos e complexos. Essas circunstâncias lhe conferem características de vulnerabilidade às alterações das variáveis ambientais. Essa é decorrente de diversos fatores que atuam isolados ou em conjunto, com grau de interação entre eles variando em função de sua natureza e constituindo a paisagem (COSTA, 2009).

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Os impactos ambientais induzidos pela pressão humana são extremamente significativos nas áreas costeiras, trazendo sérios problemas, sendo, muitas vezes, superiores à capacidade do limiar de resiliência dos sistemas naturais, exercendo pressões no ambiente ou produzindo vários impactos negativos sobre as unidades de paisagem, como as dunas costeiras, praias, planícies fluviais, marinhas e lacustres, tabuleiros costeiros, entre outros. Dentre as unidades de paisagem temos as formações dunares que, segundo o artigo 12, inciso XVI da lei 5.858 de 22 de março de 2006, é a unidade geomorfológica de constituição predominantemente arenosa, com aparência de cômoro ou colina, produzida pela ação dos ventos, situada no litoral ou no interior do continente, podendo estar recoberta, ou não, por vegetação. De acordo com o parecer técnico nº 02000.009040/2001-31 datado de 07.08.2003 (CONAMA), além da importância das dunas como elemento estruturante da dinâmica costeira, outros importantes serviços ambientais foram elencados no parecer citado, constando abaixo os de maior significância, a saber: a) Recreio e ao turismo: “a paisagem dunar é usada pelas comunidades tradicionais, veranistas e os agentes econômicos, através do desenvolvimento de atividades como campismo, passeios, ecoturismo, turismo comunitário”; b) Expansão do ecossistema manguezal: “uma complexa interação fundamentada pelo fornecimento de sedimentos para origem dos bancos de areia, apicuns e restingas; incremento de áreas para pouso de aves migratórias e de alimento e refúgio para a fauna estuarina”; c) Atrativo para investimentos socioambientais e econômicos: “as dunas costeiras móveis e fixas proporcionam um conjunto de atrativos (paisagem, ecodinâmica, biodiversidade) que atuam como base na tomada de decisão para a implantação de complexos turísticos sustentáveis, levando em conta a manutenção de suas funções na dinâmica

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costeira e recursos naturais para o suporte dos investimentos”; d) Fonte de inspiração artística e suporte de valores culturais, espirituais e religiosos para a sociedade. e) Irreversibilidade das reações ambientais: “a proteção das dunas fundamentará a continuidade dos processos evolutivos naturais do sistema costeiro, pois, a nível continental, estão conectadas pelos diferentes padrões climáticos, agentes morfogenéticos (ventos, hidrodinâmica fluvial e flúvio-marinha, ondas, marés e correntes marinhas) e biodiversidade”. Atrelado a este último serviço, é indispensável ressaltar como importância ambiental a regularização da linha de costa pela proteção da costa contra ventos, retenção da água nos aquíferos costeiros pelo aumento da superfície de captação de água pluvial. Porém, a destruição dessas funções ambientais obriga a sociedade a pagar muito caro por sua recriação artificial, sob a forma de amuradas, muros de contenção, enrroncamentos e de obras emergenciais quando da ocorrência de progradação das marés por efeitos de tempestades (DIEGUES, 1991, p. 86). Em nível global, o problema da erosão na região costeira também vem sendo associado a todos os fatores de degradação e extinção das dunas, aliado à subida do nível relativo médio do mar e mudanças do clima. O uso descontrolado dos recursos naturais promove altos níveis de degradação ambiental. As pressões exercidas sobre o meio ambiente, em virtude tanto de atividades socioeconômicas como daquelas resultantes dos fatores ecológicos, acarretam transformações na dinâmica dos ecossistemas. Os ecossistemas atuais são o resultado de mudanças nos sistemas naturais que aconteceram ao longo de milhões de anos e afetaram a totalidade dos elementos bióticos – plantas e animais – e abióticos – relevo, rochas. Essas mudanças estão se multiplicando

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no presente e não afetam somente o conhecimento da história e evolução dos ecossistemas: colocam em risco a sobrevivência da população da Terra pela destruição de recursos básicos, em particular na zona tropical (COLTRINARI, 1999). Em outras palavras, Odum (1971) salienta que um ecossistema compreende a comunidade natural e seu meio ambiente abiótico, tratados conjuntamente como um sistema funcional de relações complementares, nas quais há transferências e circulação de energia e matéria. 2.2 Riscos Socioambientais nos Sistemas Dunares Através dos trabalhos de campo realizados no recorte temporal da pesquisa (2009 – 2016), verificou-se, na área de estudo, os seguintes riscos socioambientais de acordo com o quadro 01 a seguir: Quadro 01 – Riscos Socioambientais presentes na área de estudo Risco Ambiental Consequências

Geológico

Climático

Hidrogeológico

A Geologia da área é essencialmente formada por materiais de origem sedimentar, ou seja, inconsolidados, frágeis e de elevado risco ambiental no tocante aos diversos usos e ocupações. Diante da pressão exercida, verificam-se variações do nível freático e subsidência; fenômenos associados à variação da linha de costa, erosão costeira, migração de dunas e de cordões dunares; e assoreamento de rios e lagoas e paleolagunas. Em condições de grande pluviosidade, as características biofísicas das dunas são alteradas em virtude da capacidade de infiltração da água no solo visto a composição ser predominantemente arenosa. O regime pluvial atua na compactação das areias, porque o aumento da umidade une as partículas de areias preenchendo os macroporos, com isso diminui a competência dos ventos sobre os sedimentos, que por sua vez, terão que agir com mais intensidade para arrastá-los, o que geralmente não acontece e contribui para a redução da dimensão do campo dunar, dificultando assim, a mobilidade das dunas. Devido à elevada condutividade hidráulica dada pela permeabilidade dos sedimentos arenosos, via percolação, há um elevado armazenamento de água nos aquíferos dunares que alimenta os recursos hídricos dos mangues e lagoas localizadas nas áreas de tabuleiro e da Planície Litorânea. A ausência de fiscalização ambiental e a consequente deposição de resíduos sólidos (hospitalares, residenciais, comerciais, dentre outros), acabam poluindo esses importantes aquíferos.

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Continuação

O desmonte das dunas, por conta da ocupação indevida, na zona de praia, facilita a invasão das águas do mar, uma vez que, a destruição das feições dunares (enquanto barreiras naturais) interfere no processo natural de acumulação dos sedimentos, acarretando assim em efeitos erosivos que contribuem para alteração no perfil litorâneo, num processo de resistasia. Geomorfológico O impedimento da deposição dos sedimentos no seu facie originário acarreta a acumulação em outro ponto. Passa a haver uma reorientação de deriva, o que ocasiona uma progradação dos bancos arenosos. É nesse sentido que se percebe na Praia do Saco (Litoral Sul) um rebatimento na ampliação da faixa de restingas (bancos arenosos). Risco Ambiental Consequências As feições dunares se prolongam em zonas desnudas (corredores de deflação eólica) de vegetação onde a ação do vento provoca o arraste das areias. Quando existe uma formação vegetal mais densa com indivíduos de porte arbustivo e quase sem brechas, observa-se, neste caso, uma tentativa dos processos biofísicos de reconstituição do sistema por conta das feições existentes. A vegetação assume, nesse sentido, um papel importante que é o de propiciar através das raízes a fixação das areias criando uma barreira natural. O processo de fixação dunar, pela vegetação, vai interferir negativamente no dimensionamento e evolução do campo dunar. Há ainda a introdução de espécies exóticas que pode ocorrer de forma intencional, acidental ou invasora, as quais resultam em comunidades toFlora talmente diferentes das originais, ocasionando profundas alterações na sua estrutura. Adicionalmente, outros fatores antrópicos relacionados às atividades portuárias e paisagísticas têm proporcionado, ao longo do tempo, a introdução de espécies exóticas, além disso, ocorre também a deposição de galhos resultantes da poda e/ou jardinagem sobre as dunas para retenção de areia. A presença dessa palhagem serve como um obstáculo ao transporte de areia, o que acarreta numa maior acumulação de areia), entretanto sem a fixação da mesma, uma vez que a real fixação de areia só ocorre quando na presença de espécies psamófilas (RANWELL; BOAR, 1986). Além disto, esta acumulação de areia pode reduzir a presença de espécies pouco tolerantes à movimentação de areia, pelo aumento da compactação e pela diminuição da área fotossintética ativa das plantas (CORDAZZO, 2007). A fauna é um pouco escassa neste ambiente, devido às altas taxas de salinidade, baixas taxas de umidade, instabilidade térmica; sendo assim, poucos animais são adaptados a este hábitat. Mas os que ali vivem, a exemplo de aves migratórias, tartarugas marinhas, dezenas de animais invertebrados como escorpiões, baratas, entre outros, tem invadido as residências Fauna e estabelecimentos comerciais pela própria destruição de seu habitat natural, uma vez que os bares/casas são construídos no campo dunar. A ocupação do solo, a intensificação da sua erodibilidade, a alteração dos corpos d’água e o aumento do fluxo turístico causam perda de habitats para a fauna, especialmente aquela não adaptada ao convívio humano.

142 Jailton de Jesus Costa; Rosemeri Melo e Souza Continuação

Risco Antrópico Consequências A construção de estruturas fixas sobre as dunas e praias constitui a maior agressão ao equilíbrio das dunas: as estruturas fixas caracterizam-se por barrar a movimentação constante das areias e o ciclo natural de deposição e transporte de areias. As construções que implicam arrasamento das dunas provocam o término de uma barreira de proteção ao interior, Ocupação ficando essa zona mais frágil; e, indiretamente, criam a necessidade de construção de estruturas pesadas de defesa costeira – esporões e molhes. Assim os efeitos antrópicos exercem interferência muito expressiva, já que as construções ao longo impedem a contribuição regular dos sedimentos de origem continental. Destacam-se também como grande ameaça aos sistemas dunares instalações comerciais voltadas ao lazer, situadas à beira-mar. Na área mais visitada por banhistas presenciam-se bares voltados para o turismo de Lazer lazer, porém com precárias instalações, a exemplo do litoral Norte e Sul, uma vez que uma revitalização dos pontos comerciais na Praia de Aruanda (litoral centro). O pisoteio das dunas por pessoas e pelo gado e o tráfego de veículos causa o deslizamento de variadas quantidades de areia e a destruição da cobertura vegetal. A presença de brechas provocadas por ação eólica, Pastagem / além de caminhos abertos de acesso à praia que com frequência de pisoPisoteio teios conduz à multiplicação de brechas, comprometendo a permanência da vegetação principalmente no setor de antedunas. O pisoteio do gado contribui para a degradação, pois as patas dos animais compactam as areias dificultando sua absorção das águas da chuva. É utilizada de maneira ilegal para construção civil, servido como aterros para obras. Nota-se que nas últimas décadas, a vegetação das dunas vem Extração sendo descaracterizada pela intensiva extração de areia para diferentes Mineral usos e implantação de loteamentos, o que torna difícil saber qual era a vegetação original deste sistema ambiental, principalmente no litoral Norte e Sul. É importante mencionar que o problema do destino dos resíduos sólidos, que, muitas vezes, é deixado na praia por turistas ou usuários deste ambiente, e pela comunidade local provoca um efeito negativo sobre este ecossistema. Atualmente, o lixo deixou de ser apenas um Deposição problema sanitário em zonas urbanas e tornou-se um dos principais de Resíduos grupos de poluentes em ecossistemas costeiros, inclusive em áreas Sólidos não urbanizadas. O lixo jogado propicia o aumento de insetos e roedores, contamina o solo e o lençol freático, além da morte de animais e surgimento de doenças para a população como hepatite e leptospirose. Fonte: Trabalho de Campo. Elaboração: Jailton de Jesus Costa, 2016.

Como exposto no quadro 01, percebe-se que os elementos biofísicos e antrópicos estão tão relacionados que causa até certa dificuldade na construção de um quadro seccionado.

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Faz-se necessária a geração de conhecimentos que estimulem a conscientização ambiental da população para a proteção deste e dos demais sistemas ambientais. 2.3 Vulnerabilidades Biofísicas nos Sistemas Dunares A vulnerabilidade biofísica dos sistemas dunares litorâneos foi avaliada em períodos secos e chuvosos, a partir da listagem das variáveis que mais contribuem para situação de risco das dunas e do ordenamento das mesmas conforme os graus distintos de vulnerabilidade pré-estabelecidos (Quadro 02). Quadro 02 – Níveis de Vulnerabilidade Biofísica Dunar NÍVEL 0 0 – 20% NÍVEL 1 > 20 –40% NÍVEL 2 > 40-60% NÍVEL 3 > 60 –80% NÍVEL 4 >80-100%

Nível de vulnerabilidade em que o grau de transformação do sistema dunar não põe em risco a sua capacidade de auto-regeneração; o grau de vulnerabilidade está compreendido entre 0 a 20%; estado de degradação das feições não ultrapassa o limiar de resilência; sensibilidade baixa. Nível de vulnerabilidade em que já se percebem sinais de mudanças no conjunto do sistema; a sensibilidade de baixa passa a se acentuar; o nível 1 compreende o intervalo de valores maiores que 20% até 40%. Percebem-se sinais de degradação significativa, já se faz necessária uma certa restrição a uma maior utilização. As feições dunares se posicionam sobre o limiar de resilência. Considerável nível de degradação dos sistemas. Valores maiores que 40% até 60% estão compreendidos neste intervalo. Observam-se mecanismos de pressão muito significativa; as feições dunares não apresentam mecanismos de re­sistência aos efeitos negativos; a sensibilidade é elevada; são maiores que 60% e chegando a 80% os valores percentuais do nível 3. Evidenciam-se efeitos de degradação severa e generalizada. Nível de degradação extremamente elevado compro­metendo o caráter das geoformas. Limiar de resiliência ultrapassado. Nível de maior caráter impactante que com­ preende o intervalo de valores maiores que 80% até 100% de vulnerabilidade.

Fonte: Adaptado e Modificado de Laranjeira, 1997

Com base no fruto da aplicação das field chek lists em 2009 e da nova aplicação em maio de 2016, chegou-se nos seguintes resultados: a) Litoral Norte: nesta porção do litoral houve um acréscimo de 18% no período (2009 – 2016) levando a situação do nível 1 para o nível 2 de vulnerabilidade (Figura 02).

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Figura 02 – Vulnerabilidade Biofísica para o Litoral Norte Organização: Jailton de Jesus Costa, 2016.

Durante a aplicação da metodologia, percebeu-se que foram construídos novos bares/restaurantes na zona de praia, além da grande quantidade de condomínios residenciais que se instalaram no município após a construção da Ponte Construtor João Alves. Alguns moradores e proprietários de bares/restaurantes atribuem o cenário ambiental atual à Lei Seca, uma vez que no passado, grande parte dos moradores se deslocava para as praias de Aracaju, o que contribuía para uma melhor preservação do local. Com o incremento da população a partir da construção dos condomínios, o que aumenta a pressão exercida pelos diversos utilizadores e com a falta de medidas de proteção recentes, percebe-se a mudança no ambiente dunar e de praia em Jatobá. É consenso entre estes atores sociais, o aumento frequente de resíduos sólidos jogados nas dunas, a queima da vegetação, a retirada de areias para a construção, dentre outros impactos. b) Litoral Centro: nesta porção do litoral sergipano, houve acréscimo de 15%, também com mudança de nível, saindo do 3 e indo para o último nível de vulnerabilidade, onde evidenciam-se efeitos de degradação severa e generalizada

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(Figura 03). Nível de degradação extremamente elevado compro­metendo o caráter das geoformas. Limiar de resiliência ultrapassado.

Figura 03 – Vulnerabilidade Biofísica para o Litoral Centro Organização: Jailton de Jesus Costa, 2016.

É notório perceber que além do campo dunar que está protegido pela PETROBRAS, não existe mais feições dunares. As que foram verificadas em 2009, deram lugar a dezenas de condomínios, bares e outras construções. Não se identificou nenhuma medida de proteção recente, apenas o aumento significativo da pressão exercida pelos diversos utilizadores. c) Litoral Sul: É nessa porção do litoral que se deu o maior acréscimo no índice de vulnerabilidade, chegando a 20% quando comparado ao estudo de 2009. Houve a mudança do nível 2 para o nível 03 de vulnerabilidade, conforme a figura 04.

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Figura 04 – Vulnerabilidade Biofísica para o Litoral Sul Organização: Jailton de Jesus Costa, 2016.

Percebe-se que as construções civis (bares, condomínios, residências) foram as maiores responsáveis pelo incremento da vulnerabilidade. Não foram encontradas as medidas de proteção que haviam em 2009, a exemplo de placas e outdoors voltadas à Educação Ambiental. Alguns moradores que estavam presentes no momento da aplicação, atribuem que as condições pioraram depois da inauguração das duas pontes no litoral sul, a saber: Ponte Gilberto Amado sobre o Rio Piauí, entre os municípios de Indiaroba e Estância e a Ponte Joel Silveira sobre o rio Vaza Barris, que liga Aracaju ao município de Itaporanga D’Ajuda.

3. CONCLUSÕES Após a comparação entre o estudo de 2009 e 2016, percebe-se o aumento da degradação severa dos sistemas dunares sergipanos. As dunas costeiras de Sergipe apresentam-se descaracterizadas em virtude tanto de formas de uso e ocupação humana como por geoindicadores que se referem à situação dos componentes biofísi-

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cos definindo, assim, um quadro delicado quanto à permanência das características naturais responsáveis pela manutenção do equilíbrio dinâmico dos sistemas. Os principais vetores de ocupação da zona costeira, responsáveis pelas pressões exercidas sobre os sistemas dunares, são retratados pelo avanço das edificações e construções sobre a linha de costa e na zona de acumulação praial; pela prática agrícola; por atividades de turismo e lazer; além de outros fatores que acarretam efeitos negativos de grande amplitude nestes ambientes. O Litoral norte que antes se caracterizava por condições de estabilidade, atualmente percebe-se condições de degradação. Conclui-se que se o poder público não aplicar a legislação vigente que protege esse sistema ambiental, num futuro próximo não se encontrará tais feições nas áreas estudadas.

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MANGUEZAIS DO LITORAL CENTRO E SUL DE SERGIPE: Vulnerabilidade a Perda de Vegetação Associada aos Tensores Naturais e Antropogênicos n Geisedrielly Castro dos Santos n Rosemeri Melo e Souza

INTRODUÇÃO Os ambientes de sedimentação costeira tiveram seus processos de formação associados às oscilações do nível do mar durante o período Quaternário, as formas mais recentes surgiram no Holoceno, a menos de 10.000 A.P. (MARTIN; SUGUIO; FLEXOR, 1993). Um dos exemplos desses ambientes são as planícies de marés, já investigadas em várias partes do mundo e com estimativas do tempo de deposição do pacote sedimentar relacionadas às transgressões e regressões marinhas (WOODROFFE, 1982; BITTENCOURT et al, 1983). As planícies de marés ocorrem em todo o mundo, em geral nas reentrâncias costeiras localizadas em zonas estuarinas, determinadas por condições únicas dos componentes geomórficos, geofísicos e biológicos (THOM, 1982). Quando esses ambientes de sedimentação (ou substratos lamosos) ocorrem em associação com vegetações do tipo halófitas conhecidas como mangues, tem-se a formação de ecossistemas manguezais. Para a existência de manguezais

150 Geisedrielly Castro dos Santos; Rosemeri Melo e Souza

é necessário de acordo com Chapman (1975) que ocorram sete requisitos básicos: temperatura do ar preferencialmente entre 20ºC e 5ºC; correntes marítimas mais quentes; áreas protegidas da ação mecânica das ondas como lagunas e baías costeiras; água salgada; regime de marés e substrato lamoso. Mesmo reconhecendo que a maioria das planícies de marés se originou ao longo do Quaternário é possível verificar a formação desses ambientes em um período mais recente, em escala de médio prazo (cerca de décadas) sendo determinadas, portanto, pela disponibilidade de sedimentos e pelas condições estuarinas locais. Da mesma forma que a feição geomorfológica planície de maré se forma em curto prazo, o manguezal também se desenvolve. Mesmo em face do seu rápido desenvolvimento, os manguezais possuem elevada resistência e resiliência. A resistência corresponde ao tempo que o ambiente leva para mudar em resposta a um dado distúrbio na paisagem, já a resiliência corresponde ao tempo que o componente ambiental leva para se recuperar de uma mudança na paisagem (SHAEFFER-NOVELLI; CITRÓN-MOLERO; SOARES, 2002). A área de estudo do presente artigo corresponde aos manguezais desenvolvidos na margem direita das desembocaduras dos rios Sergipe (município de Aracaju, litoral centro de Sergipe), e Vaza Barris (município de Itaporanga D’Ájuda, litoral sul sergipano) - Figura 11. O processo de formação das referidas desembocaduras justifica o desenvolvimento recente dos manguezais, sendo esses explicados por diversos autores. Para a margem direita da desembocadura do rio Sergipe a análise evolutiva das cartas náuticas a partir do ano de 1891 até o ano de 1924 demonstrou a existência de duas coroas arenosas. Essas coroas arenosas possuíam inúmeros canais de maré, sendo divididas por três canais principais (Norte, Central e Sul), por onde o rio Sergipe entrava em contato com o Oceano Atlântico. Devido à di1 Manguezais existentes na margem direita das desembocaduras dos rios Sergipe (município de Aracaju) e Vaza Barris (município de Itaporanga D’Ajuda).

Manguezais do Litoral Centro e Sul de Sergipe

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nâmica fluviomarinha no local, emergiram de forma gradativa nas coroas alguns pontais arenosos, sendo estes os responsáveis pela consolidação das duas coroas e posterior ligação ao município de Aracaju pela restinga existente no bairro Atalaia (chamado à época de Pontal Sul). A consolidação das coroas arenosas permitiu o alargamento do canal Norte, fechando o canal Central e isolando o canal Sul (MONTEIRO, 1963; WANDERLEY, 2006; SANTOS, 2012; SANTOS, 2014). Esse processo evolutivo é compatível com a proposição de FitzGerald; Kraus & Hands (2000) para o modelo de transpasse de sedimentos denominado rompimento do delta de maré vazante (ebb-tidal delta breaching). A margem direita da desembocadura do rio Vaza Barris foi analisada por Oliveira & Melo e Souza (2015). De acordo com as autoras a formação da área de estudo segue o modelo de quebra da plataforma do pontal arenoso (Spit Plataforma breaching). Este modelo ocorre em canais migratórios, onde a formação de um canal secundário na desembocadura promove o rompimento na plataforma do pontal arenoso, sendo que este novamente sofre acresção a partir do fornecimento de sedimentos existentes nos deltas de maré vazante e promovem a contínua migração do canal. Com a erosão do Pontal arenoso a Updrift (barlamar do sentido da deriva litorânea, equivalente à margem esquerda da desembocadura) os sedimentos acumularam-se dando origem ao pontal arenoso a Downdrift (sotamar do sentido da deriva, equivalente a margem direita da desembocadura). Tendo em vista o processo evolutivo das zonas estuarinas que compõem a área de estudo, o presente capítulo tem por objetivo analisar as modificações fitofisionômicas ocorridas nos manguezais, no sentido da perda da vegetação, e suas possíveis causas associadas aos tensores de origem natural (dinâmica costeira) e aos tensores de origem antropogênica (crescimento urbano).



Figura 1 – Localização da área de estudo Elaboração: autores, 2016.

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1. RESISTÊNCIA E RESILIÊNCIA DOS MANGUEZAIS Fisiograficamente, Citrón; Lugo; Martinez (1985) revisaram a classificação elaborada por Snedaker & Lugo (1974) e dividiram os manguezais em três tipos: Florestas Ribeirinhas, Florestas em Franjas e Florestas de Bacias. As Florestas Ribeirinhas desenvolvem-se nas bordas dos rios, com melhor crescimento no baixo curso estuarino. Possui como principal influência um fluxo de água doce variando de moderado a alto, com alta carga de nutrientes. A salinidade nesse tipo de manguezal varia da ordem de 10.000 a 20.000 ppm ou menos, as concentrações de sais são baixas durante as estações secas e altas durante as estações chuvosas. Com relação à distribuição de energia sobre o ambiente, nesses tipos de manguezais a mesma ocorre sobre toda sua superfície. O gênero Rhizophora é predominante nesse tipo de manguezal, com ocorrência em menor escala de florestas mistas dos gêneros Laguncularia e Avicennia (CITRÓN; LUGO; MARTINEZ, 1985) – Figura 2. As Florestas em Franjas ocorrem nas bordas estuarinas na direção do mar, protegendo a linha de costa e/ou entorno de ilhas sobrelavadas. A distribuição de energia sobre esse ambiente ocorre sobre sua área frontal, se concentrando em pequenas áreas. Em direção ao interior desses tipos de manguezais a diminuição do fluxo de água promove alta concentração de salinidade. Gêneros de Rhizophora e Avicennia predominam sobre esses ambientes, o primeiro localiza-se na área de maior concentração energética e o segundo no interior desses ambientes (CITRÓN; LUGO; MARTINEZ, 1985). As Florestas de Bacias são manguezais que se desenvolvem nas bacias interiores das planícies de maré influenciados pela água salgada. Contudo, recebem maior fluxo de água doce e possuem menor concentração de salinidade sendo o ambiente favorável à dominância dos gêneros Laguncularia e Avicennia. A

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Avicennia domina florestas de Bacia onde a salinidade é de cerca de 50.000 ppm, já a Laguncularia ocorre nas áreas de Bacias com salinidade intermediária entre 30.000 e 40.000 ppm (CITRÓN; LUGO; MARTINEZ, 1985).

Figura 2 – Espécies de vegetação arbórea que formam os manguezais. A- Rhizophora mangle L.; B – Avicennia schauerianna L.; C – Laguncularia racemosa L. Fonte: Fotografias A e B de Sindianny Caduda (2016) e C de Luana Oliveira (2016).

Os manguezais podem ocorrer em variados tipos de ambientes costeiros, as suas estruturas e comportamentos variam de acordo com a dominância dos rios, do regime de marés e da energia das ondas atuantes (THOM, 1982). Contudo, o seu desenvolvimento estrutural recebe maior influência dos fatores ambientais que compõem a sua assinatura energética (ODUM, 1967). A assinatura energética corresponde aos fatores que operam sobre um sistema ambiental e influenciam suas funções, sendo eles: energia solar, temperatura do ar, precipitação, fornecimento de água fluvial, regime de marés e nu-

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trientes. Os tensores naturais e antrópicos atuam como dissipadores de energia dentro do sistema ambiental podendo promover declínio no desenvolvimento estrutural dos manguezais (ODUM, 1967). A assinatura energética determina o desenvolvimento da estrutura dos manguezais, contudo a resistência e a resiliência dos manguezais variam de acordo com o tipo de manguezal em associação aos condicionantes geomórficos. Shaeffer-Novelli; Citrón-Molero; Soares (2002) associaram as séries ambientais geomórficas e a resistência e a resiliência dos manguezais a mudanças do nível do mar e mudanças em nível de paisagem local e esquematizaram suas conclusões conforme descrito no quadro 1. Quadro 1 – Resistência e Resiliência das séries ambientais a mudanças Configurações ambientais (THOM, 1982).

Resistência a Resiliência em mudanças. nível de paisagem.

Alta Sedimentação e marés baixas (Série I).

Alta

Alta

Alta Sedimentação e marés altas (Série II).

Alta

Alta

Alta Sedimentação e Alta energia das ondas (Série III).

Baixa

Baixa - Média

Alto fluxo de água doce e Alta energia das ondas (Série IV).

Média

Média - Alta

Vales afogados.

Alta

Alta

Plataformas carbonáticas.

Baixa

Baixa

Fonte: Modificado de Shaeffer-Novelli; Citrón-Molero; Soares, 2002.

Tendo em vista sua capacidade de resistir às mudanças e se adaptar a novas condições ambientais impostas a sua sobrevivência, os manguezais são considerados ótimos indicadores de mudanças costeiras ocorridas por oscilações do nível do mar. Mesmo em face da sua extrema capacidade em se adaptar às mudanças ambientais, os manguezais não conseguem resistir por todo o tempo às ações antrópicas que insistem em descaracterizar e degradar esses ecossistemas em benefício da expansão do crescimento urbano, ignorando funções importantes desempenhadas para o ambiente e manutenção da biodiversidade costeira.

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2. VULNERABILIDADE DOS MANGUEZAIS DO LITORAL CENTRO E SUL DE SERGIPE AOS TENSORES NATURAIS E ANTROPOGÊNICOS. Dentro das séries ambientais geomorfológicas idealizadas por Thom (1982) a área de estudo pode ser enquadrada em dois modelos: - Desembocadura do Rio Sergipe – Ambiente dominado por ondas (Figura 3): De acordo com Thom (1982) nos ambientes dominados por ondas ocorrem elevada energia das ondas e pouca descarga fluvial. Ilhas barreiras e/ou baías barreiras são características desses ambientes. Existe um variável grau de modificações das formas de relevo pela maré. As halófitas (mangues) ocorrem nas margens das lagunas formadas nessas costas.

Figura 3 - Ambiente dominado por ondas Fonte: Woodroffe, 1982 apud VALE, 2004.

- Desembocadura do rio Vaza Barris - Ambiente dominado por ondas e rio (Figura 4): Na proposta de Thom (1982) esses ambientes são caracterizados por elevadas energias das ondas e descarga fluvial. Os sedimentos transportados pelos rios são rapidamente redistribuídos ao longo da planície costeira. A colonização por mangue ocorre ao longo dos canais distributários abandonados em áreas próximas à foz e nas lagunas adjacentes.

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Figura 4 - Ambiente dominado por ondas e rio Fonte: Woodroffe, 1982 apud VALE, 2004.

Conforme sua constituição geomorfológica e dinâmica fluviomarinha, os manguezais da área de estudo possuem como tensores naturais: a descarga fluvial e a energia das ondas, estas constituem uma ameaça a sua estabilidade, tendo em vista que esses elementos possuem a capacidade de remover os sedimentos que compõem o substrato (ou a planície de maré) assim desestabilizando a vegetação fixada. Outro impacto produzido pela energia das ondas e descarga fluvial é o assoreamento das planícies de marés pela deposição de areia, o que também pode ser um fator nocivo para a vegetação de mangue. Os manguezais da área de estudo evoluíram em um período relativamente recente, cerca de 50 anos, a partir do momento em que as desembocaduras fluviais permitiram a formação de ambientes lagunares abrigando as planícies de marés da ação mecânica da energia das ondas e da descarga fluvial (Figura 5). Contudo, os manguezais foram afetados de formas diferenciadas em cada uma das desembocaduras. No Vaza Barris o tensor ambiental determinante para a perda de vegetação de mangue foi à dinâmica fluviomarinha, já no rio Sergipe a degradação do manguezal foi provocada por tensores antropogênicos oriundos da expansão urbana de Aracaju.

Elaboração: autoras, 2016.

Figura 5 – Evolução das planícies de marés e manguezais nas desembocaduras dos rios Sergipe e Vaza Barris

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Na margem direita da desembocadura do rio Vaza Barris, os manguezais localizam-se ao longo de uma laguna. A planície de maré existente foi afetada pela migração do canal fluvial e intensificada pela energia das ondas, conforme pode ser verificado no esquema evolutivo B da figura 5. O recuo da linha de costa promoveu o assoreamento da planície de maré pela deposição arenosa, o que promoveu a morte da vegetação de mangue do gênero Laguncularia, como pode ser verificado na figura 6.

Figura 6 – Assoreamento pelo recuo de linha de costa e morte da vegetação de mangue na desembocadura do rio Vaza Barris2 Fonte: Geisedrielly Castro dos Santos, 2016.

O recuo de linha costa na margem direita do rio Vaza Barris pode ainda ser evidenciado pela existência de escarpas erosivas na praia da Caueira e pela exposição da vegetação de mangue morta remobilizada pela ação marinha, conforme se identifica na figura 7.

2 Na imagem da esquerda ao fundo a vegetação de mangue morta pelo assoreamento e o registro da maré mais alta ocorrida no dia 08 de abril de 2016. Na imagem da direita o mangue morto em meio à vegetação fixadora de dunas frontais de formação mais recente.

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Figura 7 – Evidências de erosão na praia da Caueira - desembocadura do rio Vaza Barris3 Fonte: Geisedrielly Castro dos Santos (2016).

Na desembocadura do rio Sergipe, os manguezais se localizam atualmente ao longo da laguna conhecida por Maré do Apicum no bairro Coroa do Meio (Figura 8). O processo de degradação do manguezal foi verificado por Santos (2012) como sendo originado a partir das intervenções antrópicas, conforme é apresentado no mapa evolutivo da figura 5 - A. A descaracterização do manguezal começou a se processar a partir da constituição do bairro Coroa do Meio no início da década de 1970. O aumento populacional na cidade de Aracaju-SE fez com que a prefeitura reivindicasse junto a União a posse da área que corresponde ao bairro Coroa do Meio que até então fazia parte dos Terrenos de Marinha, com isso foram iniciados os projetos de urbanização do bairro e os primeiros aterramentos da planície de maré. Santos (2012) ainda analisou que no período subsequente até o início da década de 1990, a área de estudo passou por novas transformações com a estruturação do bairro pela prefeitura e também com diversas moradias precárias sobre o manguezal pertencentes 3 Na imagem à esquerda evidências de escarpas erosivas sobre a pós-praia, sendo esta formada por dunas frontais que margeiam a planície de maré. Na imagem da direita vegetação morta remobilizada pela ação marinha.

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à população mais carente que migrou dos interiores da Bahia e Alagoas e também do próprio estado de Sergipe.

Figura 8 – Manguezal existente na Maré do Apicum – desembocadura do rio Sergipe4 Fonte: Geisedrielly Castro dos Santos (2012).

Até o início de 2000 essas moradias precárias permaneciam sobre a área de manguezal conjuntamente com todas as transformações efetuadas no bairro com o intuito de urbanizá-lo. Todas essas ações antrópicas sobre a planície de maré e sobre o ecossistema manguezal foram determinantes para a sua degradação. A partir dos anos 2000 foram realizadas ações governamentais com o intuito de retirar as moradias precárias que existiam sobre o Manguezal além de dar uma melhor qualidade de vida à população (FRANÇA & CRUZ, 2005). Essas ações retiraram a ocupação direta sobre o manguezal, mas não se preocuparam com a recuperação e/ ou conservação do ecossistema, como resultado as ações predatórias persistiram com o incremento do lançamento do esgotamento sanitário da cidade (Figura 9). Os principais tensores antropogênicos e os impactos sobre o manguezal da desembocadura do rio Sergipe estão descritos no quadro 2.

4 Na imagem da esquerda ao norte da Maré do Apicum algumas plântulas do gênero Laguncularia e Avicennia. Na imagem da direita na direção sul da laguna parte do substrato exposto e plântulas do gênero Laguncularia.

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Figura 9 – Despejo de resíduos oriundos de esgotamento sanitário sobre o manguezal entre 2012 e 2016 Fonte: Geisedrielly Castro dos Santos.

Quadro 2 – Tensores antropogênicos atuantes na área de estudo Ano/ Período

Tensores antropogênicos

1965 a 2003

Aterramentos; Arruamentos e construção de ponte; Edificações; Moradias do tipo palafitas.

Assoreamento do substrato; Morte do Mangue; Morte da fauna associada; Poluição das águas.

2003 a 2014

Retiradas das Palafitas Expansão do crescimento urbano.

Assoreamento do substrato; Morte do Mangue; Morte da fauna associada; Poluição das águas.

2014 a 2016

Assoreamento do substrato; Expansão do crescimento urbano; Morte do Mangue; Despejo de resíd0uos oriundos de esMorte da fauna associada; gotamento sanitário. Poluição das águas.

Principais impactos sobre o manguezal

Elaboração: autoras, 2016.

O fato das pressões antrópicas serem os principais condicionantes responsáveis pela degradação da planície de maré na desembo-

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cadura do rio Sergipe, não significa que a área de estudo também não sofra a influência do recuo de linha de costa (e com isso da erosão costeira) como foi identificada na desembocadura do rio Vaza Barris. Trabalhos realizados por Rodrigues (2008); Santos (2012) apontaram que toda a margem direita da desembocadura sofreu com processos erosivos em médio prazo devido a mudanças na direção do talvegue do rio Sergipe associadas à dinâmica dos deltas de maré vazantes, grande parte desses processos erosivos foram intensificados devido à degradação de parte da planície de maré que possuía a função de molhe hidráulico protegendo a linha de costa da Coroa do Meio (Figura 10). Bittencourt; Dominguez; Oliveira (2006) ressaltaram que as duas desembocaduras analisadas neste trabalho correspondem ao setor costeiro considerado como de elevada variabilidade.

Figura 10 – Escarpa erosiva expondo obra de contenção a erosão costeira na praia dos Artistas na Coroa do Meio – desembocadura do rio Sergipe Fonte: Geisedrielly Castro dos Santos (2012).

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os manguezais exercem muitas funções ambientais dentre elas podem ser destacadas sua importância como principal fonte de matéria orgânica para as regiões estuarinas; berçário de diversas espécies de peixes e aves e proteção da linha de costa, a partir do extenso sistema de raízes que reforça o processo de captura dos sedimentos transportados em suspensão pelo fluxo fluvial e marinho retardando as forças da erosão ao longo da linha de costa. Esses ecossistemas além de possuírem inúmeras funções ambientais também são extremamente resistentes a mudanças na paisagem e possuem boa capacidade de adaptação as transformações ambientais, a depender do tempo de interferência e de sua magnitude. Contudo, a influência de tensores de origem natural e antropogênica são capazes de alterar drasticamente a estrutura desses ecossistemas. Os manguezais que compõem a área de estudo, representado pelas zonas estuarinas associadas à desembocadura do rio Sergipe e a desembocadura do rio Vaza Barris, sofreram transformações na estrutura de seus manguezais associados aos tensores ambientais. A desembocadura do rio Sergipe foi afetada por tensores de natureza antropogênica representados pelo crescimento urbano da capital sergipana Aracaju, sendo que estes se processaram sobre a paisagem desde a década de 1960 até os dias atuais, promovendo a degradação do manguezal e consequente diminuição na área de distribuição desse ecossistema na região estuarina. A desembocadura do rio Vaza Barris foi afetada por tensores de origem natural associado a dinâmica fluviomarinha, representada pela migração do canal fluvial e intensificada pela energia das ondas. Estes promoveram o recuo de linha de costa e assoreamento da planície de maré causando a morte da vegetação de mangue. As desembocaduras fluviais analisadas são consideradas como zonas de elevada variabilidade em decorrência da dinâmica fluviomarinha existente, resultante da atuação da descarga fluvial em

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contraposição a energia das ondas que incidem sobre o setor costeiro analisado. Nas situações exemplificadas no presente capítulo a vulnerabilidade a perda de vegetação é representada pela atuação da dinâmica fluviomarinha e pelo crescimento urbano, identificadas com maior intensidade na desembocadura do rio Sergipe e com menor intensidade na desembocadura do rio Vaza Barris. Contudo, tensores antropogênicos podem vir a constituir outro fator de interferência sobre os manguezais da zona estuarina do Vaza Barris tendo em vista o adensamento populacional já existente na praia da Caueira e que pode avançar ao longo da margem direita da desembocadura do rio Vaza Barris. Os dados e as reflexões apresentadas neste capítulo têm por finalidade atrair a atenção da sociedade como um todo para a importância da conservação dos manguezais tanto para a manutenção da biodiversidade do planeta quanto para as consequências imediatas sobre o ambiente resultantes da sua degradação, como o exemplo da erosão costeira em áreas urbanas. A pesquisa a qual está vinculado os dados aqui apresentados recebe financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES através de bolsa de estudos de doutorado.

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COMPLEXIDADES DA DESERTIFICAÇÃO NO ALTO SERTÃO DE SERGIPE: Vegetação e Clima n Alberlene Ribeiro de Oliveira n Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

INTRODUÇÃO A relação sociedade-natureza é conflituosa, pois provoca crises socioambientais e pode desencadear a degradação e/ou desertificação nos espaços. Por sua vez, a desertificação constitui processo e, portanto, dinamismo, associado aos fatores naturais e pelas derivações antropogênicas que promovem o desequilíbrio dos meios físico, químico, biológico e socioeconômico. Entender a desertificação é compreender suas complexidades no que se refere as condições naturais, resultado de mudanças climáticas, determinadas sobremaneira da pressão de atividades humanas sobre ecossistemas frágeis. Nesse sentido, a desertificação é complexa e afeta a estrutura e o funcionamento dos sistemas ambientais que resulta em perda da capacidade produtiva dos ecossistemas, a salinização e ablação dos solos, assoreamento dos cursos fluviais, retiradas da cobertura vegetal, variabilidade climática, migração, dentre outros problemas que desestabiliza o equilíbrio da natureza e dos processos sociais.

170 Alberlene Ribeiro de Oliveira; Josefa Eliane Santana de Siqueira Pinto

A desertificação repercute em todo sistema socioambiental e em diversas partes do mundo, como países da América, Europa, Ásia, África e Oceania. Incide sobre 33% da superfície da terra, onde vivem aproximadamente 2,6 bilhões de pessoas, ou 42% da população mundial. São agravados na região subsaariana, com mais de 200 milhões de habitantes, representando 20 a 50% das terras degradadas. Não obstante, na Ásia e na América Latina, por exemplo, a degradação dos solos é austera. Para o Brasil, de acordo com os dados oficiais, a área susceptível a ocorrência da desertificação abrange 1.338.076 km² e 1.482 municípios, sendo habitada por mais de 30 milhões de pessoas (BRASIL, 2004). No estado de Sergipe, os municípios do Alto Sertão Sergipano, objeto de estudo, estão inseridos nas áreas susceptíveis à desertificação do semiárido brasileiro. A tabela 1 mostra as áreas susceptíveis à desertificação (ASD’s) por estados brasileiros e números de seus respectivos municípios. Tabela 1-Áreas susceptíveis a desertificação (asd’s) por estado brasileiro

Estado Alagoas Bahia Ceará Maranhão Paraíba Pernambuco Piauí Rio Grande do Norte Sergipe Espírito Santo Minas Gerais

Áreas semiáridas 33 159 105 150 90 96 143 6 22

Número de municípios das ASD’s Áreas Áreas de subúmidas entorno secas 13 7 107 23 41 38 1 26 47 11 39 6 48 71 12 3 28 14 23 61 59

Total das ASD’s 53 289 184 27 208 135 215 158 48 23 142

Fonte: Brasil, 2004.

Nesta tabela utilizaram-se como critério as áreas semiáridas, subúmidas secas e do entorno em que o estado de Sergipe possui

Complexidades da Desertificação no Alto Sertão de Sergipe

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quarenta e oito áreas susceptíveis à desertificação (BRASIL, 2004). É importante destacar que são necessários além da dinâmica climática, outros elementos naturais e sociais envolvidos neste processo, como enfatiza Monteiro (1988, p.08) o estudo da desertificação no Nordeste do Brasil é um grande desafio, em virtude das implicações climáticas e antropogênicas nunca darão um visão compreensiva se elas forem tomadas separadamente. A intensa exploração dos recursos naturais, desmatamento indiscriminado, extrativismo mineral e agropecuária extensiva, vêm ultrapassando o limite de utilização destes recursos, promovendo a degradação física, química e biológica do solo; a perda da cobertura vegetal nativa e a redução da disponibilidade de água. Assim, os solos desnudos de vegetação são relativamente mais susceptíveis aos processos de escoamento superficial (ravinas, voçorocas), que refletem as condições de uso insustentável dos solos, da vegetação, dos recursos hídricos e da biodiversidade. Essas atividades, associadas às alterações na periodicidade da sazonalidade climática, atuam como significativas para potencializar manifestação do processo de degradação/desertificação. Este artigo tem como objetivo analisar os processos de degradação ambiental relacionados principalmente ao desmatamento do bioma caatinga no Alto Sertão de Sergipe, que interferem diretamente no microclima, na biota e nos solos e que gera danos para os ecossistemas e para a sociedade. Nesse sentido, buscou-se estruturar o trabalho da seguinte forma: Na primeira seção fez-se uma explanação sobre a vegetação e o clima, suas dinâmicas e transformações ambientais no Alto Sertão de Sergipe; na segunda seção foi explicitado sobre a metodologia utilizada no trabalho; a terceira seção, os resultados e discussões por meio da literatura e trabalho de campo, e por fim, as considerações finais acerca do objeto de estudo pesquisado.

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1. ASSOCIAÇÃO VEGETAÇÃO E CLIMA NO ALTO SERTÃO DE SERGIPE A caatinga é um ecossistema exclusivamente brasileiro e o principal do nordeste ocupando 54% desta região e 10% do território nacional estabelecida nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais totalizando em uma extensão areal próxima a 900.000 km2 (ANDRADE et al. 2005; MMA, 2011). Além disso, é uma unidade fitogeográfica endêmica que ocorre no Nordeste do Brasil (NASCIMENTO, 2006, p.127). No Alto Sertão de Sergipe, apresentam-se dois tipos deste bioma, a caatinga hipoxerófila e hiperxerófila. A caatinga hipoxerófila é adaptada ao período de seca, inferior a sete meses, principalmente nos municípios de Gararu, Porto da Folha, Nossa Senhora da Glória e Monte Alegre de Sergipe, e a caatinga hiperxerófila é mais resistente à chuva, onde a escassez dura acima de sete meses e ocorrem nos municípios de Poço Redondo, Canindé de São Francisco, Porto da Folha, Gararu e Monte Alegre de Sergipe. Há quem classifique cinco tipos de Caatinga: seca não arbórea, seca arbórea, arbustiva densa, de relevo mais acentuado e as de Chapadão do Moxotó (CONTI; FURLAN, 2005). A variedade de aspecto está, em grande parte, relacionada às condições do relevo e suas consequências climáticas na escala local. Nas áreas deprimidas, de médias pluviométricas mais reduzidas, a caatinga se apresenta áspera e com maior ocorrência de cactáceas, ao passo que nas altitudes mais expressivas (chapadas e serras), é mais densa, com predominância de espécies arbóreas (CONTI, 2008, p. 331).

A vegetação é um elemento importante para a proteção do solo, visto que reduz a intensidade de sulcos, ravinas e voçoro-

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cas. Assim, Souza (2008) elucida que a retirada da vegetação é a ação mais comum que pode desencadear o processo de desertificação, em decorrência do aumento da erosão e seus efeitos na fertilidade do solo. No entanto, a vegetação nativa sergipana, ao longo do tempo, foi substituída pela pecuária extensiva e pela agricultura. Esta alteração teve início com a colonização semiárida do nordeste brasileiro e repercute nos dias atuais com novas formas de apropriação, diversificação da agropecuária, com técnicas modernas, sistema de irrigação, extração mineral, novas relações de trabalho e de produção e urbanização. O mosaico fisionômico da vegetação da caatinga no Alto Sertão de Sergipe é decorrente do clima e da formação dos solos da área. São plantas típicas de clima semiárido, adaptadas ao calor e a ausência de chuvas; Possuem troncos tortuosos, folhas caducas e pode-se apresentar rala ou fechada, baixa ou alta (FRANÇA & CRUZ, 2007). O regime pluviométrico do Estado é associado às condições atmosféricas e sistemas sinóticos que atuam no leste do Nordeste do Brasil (NEB) e possuem uma característica própria diferente dos demais regimes do NEB, apresentando uma grande variabilidade sazonal (SEMARH, 2011). Sergipe encontra-se situado na porção oriental da região Nordeste, sob a influência das massas de ar Tropical Atlântica (mTa) e Equatorial Atlântica (mEa) e de sistemas frontológicos que se individualizam na Frente Polar Atlântica (FPA) e nas Correntes Perturbadas de Leste (Ondas de Leste), as quais são decisivas na manutenção de um regime pluviométrico caracterizado por chuvas mais abundantes no período outono/inverno (CARVALHO & FONTES, 2006). As variações sazonais e anuais do clima apresentam significativa contribuição da variabilidade de precipitação, configurando alguns anos extremamente secos e outros chuvosos que se devem à atuação de distintos mecanismos dinâmicos que interagem entre si e são responsáveis pela distribuição de chuvas, alteração da paisa-

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gem, provoca transtornos na economia e consequentemente existência de conflitos socioambientais em escala temporoespacial. A variabilidade espacial da precipitação caracteriza-se por três faixas climáticas distintas, a subúmida, abrangendo o litoral sergipano; a faixa de transição, denominada de Agreste; e o Sertão que engloba os municípios do Alto Sertão Sergipano (SEMARH, 2010). Segundo a Convenção Mundial de Combate à Desertificação (UNCCD ou CCD) o Estado de Sergipe foi classificado como área frágil, sendo que do litoral para o interior tem-se uma estreita faixa litorânea, sem risco de desertificação. Uma faixa central que abrange todo o Estado, no sentido N-S, considerada subúmida, já com riscos de ocorrência de áreas em processo de desertificação. E uma faixa do sertão considerada semiárida, com riscos elevados de desertificar-se (Figura 1). Problemas relacionados à degradação ambiental, associados ao clima e à vegetação, estão entre os mais preocupantes. A desertificação, como uma de suas implicações, merece atenção peculiar pela intensidade da deterioração do substrato do solo que repercute na diminuição da capacidade produtiva, sobretudo de alimentos que gera vulnerabilidade socioambiental, constituindo-se em ação de risco. Nesse sentido, Veyret (2007, p.11-30) afirma que: O risco, objeto social, define-se como a percepção do perigo, da catástrofe possível. Ele existe apenas em relação a um indivíduo e a um grupo social ou profissional, uma comunidade, uma sociedade que o aprende por meio de representações mentais e com ele convive por meio de práticas específicas [...] Esta é sentida pelos indivíduos e pode provocar, ao se manifestar, prejuízos às pessoas, aos bens e à organização do território. À luz dos acontecimentos que podem desencadear uma crise, a análise dos prejuízos remete ao que se denomina vulnerabilidade.

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Figura 1- Áreas susceptíveis à desertificação no estado de Sergipe Fonte: Atlas da SRH (2012) Elaboração: OLIVEIRA, A. R.; MELO, F.F.

O risco não se trata de abordá-los de um ponto de vista apenas natural ou social, ainda que se possa fazê-lo, mas de buscar evidenciar sua expressão geográfica tendo por base a imbricação direta dos diferentes elementos componentes do espaço geográfico (MENDONÇA, 2010). Desse modo, é relevante compreender a dinâmica da natureza-sociedade, pois ambos refletem no ambiente e interfere na qualidade de vida, seja de forma positiva e/ou negativa. Por sua vez, a vulnerabilidade surge em diferentes escalas nos territórios e podem ser afetados de modos distintos, com capacida-

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des e respostas desiguais perante problemas semelhantes. Gallopin et al (2007) afirma que a vulnerabilidade é um atributo de um sistema (e portanto, podem-se distinguir áreas que são vulneráveis de áreas que não são), que se mantém exposto a uma perturbação e ainda assinalam que um sistema pode ser vulnerável a uma determinada perturbação, e não sendo vulneráveis a outros. Neste contexto, o Alto Sertão de Sergipe apresenta cenários de riscos ambientais e vulnerabilidade social, resultado de uso inadequado do solo através das atividades agropecuárias e do avanço do desmatamento da caatinga.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O Alto Sertão de Sergipe (Figura 2) abrange uma área de 4.908,20 km², composto por sete municípios, Canindé de São Francisco, Monte Alegre de Sergipe, Poço Redondo, Porto da Folha, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora de Lourdes e Gararu. Estes municípios estão inseridos nas áreas susceptíveis à Desertificação (ASD) do Semiárido Brasileiro. Essa delimitação foi publicada, em 2004, pelo Ministério do Meio Ambiente/Secretaria de Recursos Hídricos no Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil), e nele consta-se a relação de municípios, por estados da Federação participantes das ASD (BRASIL, 2004). A elaboração do trabalho foi estabelecida a partir de levantamento bibliográfico e realização de trabalho de campo nos municípios do Alto Sertão de Sergipe, nos dias sete a onze de dezembro de 2015, onde foram observadas sistematicamente as prováveis degradações ambientais relacionadas ao uso e ocupação do solo. A partir das observações foi criado o quadro síntese para avaliação. Como apoio ao trabalho de campo foi utilizado câmara digital para realizar os registros fotográficos.

Fonte: Atlas da SRH (2012) Elaboração: OLIVEIRA, A. R.; MELO, F.F.

Figura 2- Localização do Alto Sertão de Sergipe

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Também foram confeccionados mapas de localização da área de estudo e das áreas susceptíveis à desertificação no estado de Sergipe. Para tanto, foi utilizada a base cartográfica do Atlas Digital sobre Recursos Hídricos do Estado de Sergipe/SEPLAN/SRH-2012, assim como o Sistema de Processamento de Informações Georreferenciadas na versão do ArcGis 10.2.1 e suas extensões para geração do banco de dados digitais georreferenciados. Ademais, foi elaborado o climograma. Para construí-lo foi utilizada série histórica de precipitação do período de 1976 a 2008 disponibilizada pelo Centro de Meteorologia da SEMARH/SRH em Aracaju/SE (2015). Os dados foram armazenados no software Excel 2010 e a média mensal foi tabulada para posterior construção de gráficos e análise da área em estudo.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES O Alto Sertão de Sergipe apresenta áreas com riscos de degradação ambiental (Figura 3), com presença de formação de sulcos, ravinas e voçorocas, provocados pela dinâmica natural dos sistemas e pelas derivações antropogênicas1.

1 Termo usado por Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (1978), em palestra intitulada: Derivações Antropogênicas dos Geossistemas Terrestres no Brasil e Alterações Climáticas: perspectivas urbanas e agrárias ao problema de elaboração de modelos de avaliação, apresentado no Simpósio sobre comunidade vegetal como comunidade biológica, faunística e econômica. Para MONTEIRO, as derivações e/ou alterações antropogênicas nos sistemas ambientais podem ocorrer tanto positivamente, quanto negativamente.

Fonte: Atlas da SRH (2012) e Trabalho de campo, 2015. Elaboração: OLIVEIRA, A. R.; MELO, F.F.

Figura 3- Alto Sertão de Sergipe: Municípios e indicadores de degradação do solo

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As atividades como a agricultura, a pecuária e a mineração estão presentes no Alto Sertão de Sergipe. Estas, quando realizadas de forma inadequada, poderão suscitar processos de desertificação. A expansão do desmatamento do bioma caatinga é um dos fatores complexos que modifica o sistema ambiental e provoca a supressão da microfauna no solo, redução de matéria orgânica, perda de solo, áreas improdutivas e o processo de migração. Essas transformações proporcionam conflitos socioambientais e criam novas dinâmicas na paisagem e nas apropriações da natureza e da sociedade. A caatinga é o terceiro bioma mais degradado do Brasil, perdendo apenas para a Floresta Atlântica e o Cerrado (MYERS et al, 2000). Estima-se que 80% da vegetação encontra-se completamente modificada, devido ao extrativismo e à agropecuária, que apresenta na maioria dessas áreas em estádios iniciais ou intermediários de sucessão ecológica (ARAÚJO FILHO, 1996). Segundo Silva (2012), a área natural de Sergipe encontra-se praticamente devastada, sendo que 87% da vegetação deram lugar a novas paisagens, e o que restou está representado por remanescentes florestais desconectados do ponto de vista da ecologia da paisagem. A expansão do desmatamento é visível em áreas de dissecação homogênea e de superfície de dissecação diferencial nos municípios do Alto Sertão Sergipano (Figura 4), são consequências principalmente de fatores externos, sobretudo daqueles relacionados às atividades agropecuárias. Com os desmatamentos, há intensificação da evaporação, diminui a infiltração e disponibilidade de água na superfície, desencadeia irregularidade nas chuvas, provoca lixiviação dos solos e assoreamento dos rios, modificações no ciclo do carbono na atmosfera e diminuição da produção agrícola com a perda de nutrientes ao longo do tempo. Significa consequentemente destruição da flora e da fauna, repercutindo em alterações socioambientais como um todo, em escalas diversas.

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Figura 4 – Desmatamento em áreas de dissecação homogênea e diferencial nos municípios de Monte Alegre de Sergipe (à esquerda) e Nossa Senhora de Lourdes (à direita) Fonte dos dados: Trabalho de campo, 2015. Organização: OLIVEIRA, A.R.

Nesse sentido, o solo desprotegido ou desnudo promove a formação de uma crosta superficial decorrente do impacto direto das gotas de chuva (efeito splash), o que reduz a infiltração da água e aumenta o escoamento superficial (runoff), diminuindo as possibilidades de estabelecimento da cobertura vegetal. Os solos descobertos são susceptíveis à erosão hídrica e eólica, causando uma remoção líquida de nutrientes das áreas degradadas levando ao seu empobrecimento (GUTIÉRREZ & SQUEO, 2004). Os processos naturais (relevo, solo, vegetação, clima e recursos hídricos) estão inter-relacionados formando um ciclo contínuo no sistema, pois quando há alteração entre os elementos compromete a funcionalidade e quebra o seu estado de equilíbrio dinâmico (SPORL & ROSS, 2004). Pinto & Netto (2008, p. 136) corroboram com estudiosos e pesquisadores ao definir que a derrubada da mata faz diminuir também o volume de pólens em suspensão na baixa troposfera, elementos que desempenhariam o papel de núcleos higroscópicos e estimulariam o processo de formação de nuvens, com reflexo para a atmosfera e para a superfície. O clima é uma das variáveis relevantes na discussão dos problemas que suscitam a degradação ambiental e a possível desertificação no es-

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paço semiárido do Alto Sertão Sergipano. Outros elementos naturais como o solo e a vegetação, bem como a influência da ação humana, a partir das atividades desenvolvidas no solo de forma inadequada também contribuem para que ocorram desequilíbrios nos sistemas. As chuvas no semiárido sergipano ocorrem de forma irregular em seus totais e em sua distribuição ao longo do ano, tendo um período seco de primavera-verão e um período chuvoso de outono-inverno, entre abril e agosto. A estação seca é de sete a oito meses e a chuvosa de cerca de quatro meses, o que contribui com a fragilidade dos sistemas naturais e socioeconômico. As precipitações pluviométricas médias anuais variam entre 368 mm e 630 mm. A irregularidade de pluviosidade de um ano para o outro, o baixo índice de precipitação e a má distribuição durante o ano são características comuns da região. A figura 5 representa um climograma dos totais de chuvas do período de 1970 a 2008 dos municípios do Alto Sertão de Sergipe.

Figura 5- Climograma dos municípios do Alto Sertão de Sergipe. Fonte: Centro de Meteorologia da SEMARH, 1976-2008 Elaboração: OLIVEIRA, A. R.

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Ao analisar a figura 5, pode-se destacar que nesta série histórica de 1976 a 2008 os totais de chuvas dos municípios do Alto Sertão de Sergipe apresentam máximos pluviais nos meses de abril, maio, junho e julho, pois nestes períodos acontece a realização dos cultivos agrícolas. Em Canindé de São Francisco e Poço Redondo existem o perímetro irrigado Jacaré-Curituba e Nova Califórnia e que não são dependentes dos elementos climáticos para a realização da lavoura, no entanto, não beneficia a todos igualmente. Os meses mais secos ocorrem entre agosto e março. É conveniente lembrar que tal comportamento é médio, devendo haver irregularidades na sua distribuição cronológica em períodos não muito bem definidos. O quadro síntese abaixo foi elaborado a partir das observações em campo na área de estudo e revela os entrelaçamentos entre os fatores naturais (solo, chuva e vegetação) e antrópicos (cultivos, pecuária e estradas) e as respostas do sistema ambiente. Tensores

NATURAIS ANTRÓPICOS

Impacto Ambiental / Respostas do Sistema Ambiental Erosão do solo

Ganho e perda do solo;

Chuva

Assoreamento de rios e reservatórios; Formação de sulcos, ravinas e voçorocas.

Vegetação

Desmatamentos; Aumento da erosão edáfica; Desequilíbrio da fauna.

Cultivos

Uso de agrotóxico, poluição do solo, da água e do ar.

Pecuária

Compactação do solo

Mineração

Aceleração dos processos erosivos.

Fonte: Trabalho de campo, 2014. Elaboração: OLIVEIRA, A. R.

O desmatamento é um dos indicadores para a aceleração dos processos erosivos, pois com a retirada da vegetação para a realização das atividades agropecuárias e mineração, o solo começa a erodir e pode provocar impactos ambientais, como formação de sulcos, ravinas e voçorocas; carreamento de sedimentos para cursos d’água; assoreamento de rios e reservatórios; desequilíbrio da

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fauna. Além disso, a utilização de agrotóxicos nos cultivos agrícolas agride não somente o solo, mas também a água e o ar, pois é um sistema de imputs e outputs que influencia em todos os processos, seja natural, social e econômico. Outro exemplo são as gotículas de chuvas em solos desnudos durante um evento chuvoso, quando parte da água cai diretamente no solo, o processo de drenagem ocorre de forma mais rápida e apresenta uma perda considerável da superfície do solo, justificando assim, a formação de ravinas e voçorocas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O desmatamento acelerado do bioma caatinga no Alto Sertão Sergipano vem modificando as paisagens, as relações de produção, por vezes, irreversíveis, evidenciada nos eco-geossistemas da área de estudos, em conexão entre sociedade-natureza, visto que o processo de uso da terra tornou-se mais intenso e degradante que evidenciou área de risco ambiental e vulnerabilidade social. Deste modo, a degradação da natureza, é fruto do capitalismo, modernidade, urbanização e industrialização. À medida que o sistema econômico capitalista avança na conquista e na ocupação do território, este se constitui no principal agente produtor do ambiente. Estudos individualizados e soluções diferenciadas são necessários devido à diversidade dos ambientes naturais e dos fatores socioeconômicos de cada território para assim evitar ou minimizar os riscos e vulnerabilidades associados a esta problemática no Alto Sertão de Sergipe. O reflorestamento e diminuição de pressão sobre a vegetação e o solo são intervenções relevantes para impedir que prejudiquem mais ainda o sistema socioambiental. Além disso, práticas sustentáveis devem ser incentivadas nos ambientes de clima seco para que possa ser evitada a criação e a expansão dos processos de desertificação.

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185

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SOBRE AS ORGANIZADORAS

ROSEMERI MELO E SOUZA Geógrafa, Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela UNB, com Pós-Doutorado em Biogeografia (GPEM, Austrália). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e Líder do GEOPLAN, nas áreas de Geografia Física e Ordenamento/Planejamento Territorial, Legislação, Gestão e Monitoramento Ambiental. Professora Associada do Departamento de Engenharia Ambiental da UFS. E-mail: [email protected] SINDIANY SUELEN CADUDA DOS SANTOS Bióloga, Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFS. Pesquisadora do GEOPLAN, atuando em Fitogeografia de Mangue, com ênfase em Morfometria Geométrica, Comunidades Tradicionais e Educação Ambiental. Professora Assistente Substituta do DBI/ UFS. E-mail: [email protected] ELINE ALMEIDA SANTOS Geógrafa, Mestre e Doutoranda em Geografia pela UFS. Bolsista FAPITEC/SE e Membro do GEOPLAN, desenvolvendo pesquisas na linha de Dinâmica e Avaliação Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: Pesca/ Dinâmica Ambiental, Gênero, Educação Ambiental e Turismo. Professora da Educação Básica em Indiaroba. E-mail: [email protected]

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RAQUEL KOHLER Arquiteta, Urbanista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional pela UFRGS e Doutoranda em Geografia pela UFS. Membro do GEOPLAN e Laboratório da Cidade, desenvolvendo pesquisas na linha de Dinâmica e Avaliação Ambiental. Professora Assistente do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFS. E-mail: kohler.raquel@ gmail.com

SOBRE OS AUTORES ALBERLENE RIBEIRO DE OLIVEIRA Pedagoga, Geógrafa, Mestre e Doutoranda em Geografia pela UFS. Membro do GEOPLAN, atuando em Geografia Física, com ênfase em Climatologia, Biogeografia e Educação Ambiental. Professora da Educação Básica em Poço Verde. E-mail: alberlenegeo@ hotmail.com CLÁUDIO JORGE MOURA DE CASTILHO Geógrafo, Doutor em Geografia, Ordenamento Territorial, Urbanismo pela Université de Paris III (Sorbonne-Nouvelle), com Pós-doutorado na Università Ca Foscari di Venezia. Coordena o MSEU e atua em Geografia Urbana com ênfase em Serviços Sociais, Políticas Públicas, Trabalho e Desenvolvimento Territorial. Professor Associado da UFPE. E-mail: [email protected] FELIPPE PESSOA DE MELO Geógrafo, Mestre em Geociências e Análise de Bacias Sedimentares, e Doutorando em Geografia pela UFS. Membro do GEOPLAN, desenvolvendo pesquisas na linha de Dinâmica e Avaliação Ambiental. Professor da Educação Básica de Alagoas e Pernambuco. E-mail: [email protected]

190 Cenários Urbanos

GEISEDRIELLY CASTRO DOS SANTOS Geógrafa, Mestre e Doutoranda em Geografia pela UFS. Bolsista CAPES e Membro do GEOPLAN, desenvolvendo pesquisas na linha de Dinâmica e Avaliação Ambiental, atuando em Geografia Física com ênfase em Geomorfologia Costeira. Professora Assistente Substituta do DGEI/UFS. E-mail: [email protected] JAILTON DE JESUS COSTA Geógrafo, Doutor em Geografia pela UFS. Pesquisador do GEOPLAN e do GPEA, atuando nas áreas de Biogeografia/Fitogeografia, Climatologia Geográfica, Geografia Física, Geologia e Geomorfologia. Professor Adjunto 4 da UFS, lotado no CODAP. E-mail: [email protected] JOSEFA ELIANE SANTANA DE SIQUEIRA PINTO Geógrafa e Doutora em Geografia pela UNESP. Vice-coordenadora do PPGEO/UFS e pesquisadora do GEOPLAN, atuando em Climatologia Geográfica com ênfase em clima, semiárido, recursos hídricos, dinâmica ambiental, bacia hidrográfica, análise socioambiental, clima socioambiental urbano e agricultura. Professora Associada do Departamento de Geografia da UFS. E-mail: [email protected] LUANA SANTOS OLIVEIRA MOTA Geógrafa, Mestre e Doutoranda em Geografia pela UFS. Membro do GEOPLAN, desenvolvendo pesquisas na linha de Dinâmica e Avaliação Ambiental, atuando em Geografia Física com ênfase em Geomorfologia Costeira e Planejamento Ambiental. Professora da Educação Básica de Sergipe. E-mail: [email protected]

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