Centro Arqueoambiental da Serra dos Campelos (CASC): projeto de estudo e valorização da Necrópole Megalítica (Lustosa- Lousada)

September 3, 2017 | Autor: Joana Leite | Categoria: Megalithic Monuments, Megalitismo, Monumentos Megalíticos, Necrópoles
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Descrição do Produto

Ficha técnica

Título Actas do Encontro Arqueologia e Autarquias Edição Câmara Municipal de Cascais Editores Maria José de Almeida António Carvalho Design e paginação Delfim Almeida Impressão DPI Cromotipo Tiragem 1000 exemplares ISBN 978-972-637-243-1 Depósito Legal 332691/11

Local | Data Cascais, 2011

Capa Fotografia de Danilo Pavone



Encontro Arqueologia e Autarquias

Centro Arqueoambiental da Serra dos Campelos (CASC): projecto de estudo e valorização da Necrópole Megalítica (Lustosa - Lousada)

Manuel Nunes Arqueólogo. Coordenador e co-responsável pelo Projecto Arqueoambiental da Serra dos Campelos/ Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Lousada [email protected]

Paulo Lemos Arqueólogo. Co-responsável pelo Projecto Arqueoambiental da Serra dos Campelos [email protected]

Joana Leite Arqueóloga. Co-responsável pelo Projecto Arqueoambiental da Serra dos Campelos [email protected]

Carlos Gonçalves Assistente de Arqueólogo. Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Lousada [email protected]

Resumo: O presente artigo resulta dos trabalhos arqueológicos presentemente em curso na Serra dos

Campelos (Lustosa – Lousada), relacionados com o processo de requalificação do espaço arqueológico inerente ao projecto de criação do Centro Arqueoambiental da Serra dos Campelos. Este estudo, de clarificação e valorização da actual realidade arqueológica da área considerada, afigura-se, desde 2005, como um projecto de intenção autárquica que prevê uma série de iniciativas com o intuito de valorizar a Necrópole Megalítica, bem como toda a ambiência patrimonial local. Deste modo, foi previsto um conjunto de acções que se estruturam em quatro grandes fases: prospecção; acompanhamento arqueológico; preparação e divulgação; culminado com a criação do Centro Arqueoambiental da Serra dos Campelos.

Palavras-chave: Necrópole Megalítica, Prospecção, Acompanhamento, Arqueoambiental.

Divulgação, Centro

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1. O estado da investigação: ponto da situação 1.1. Necrópole megalítica da Serra dos Campelos: estudos precedentes O percurso de compreensão da necrópole encetou-se em 1971 quando Fernando Lanhas mencionou pela primeira vez a presença de várias mamoas na Serra dos Campelos (Lanhas, 1971:574-576). Contudo, só com o Dr. Armindo de Sousa, a Dra. Fátima de Sousa, o Prof. Dr. Vítor Oliveira Jorge, a Prof. Dra. Susana Oliveira Jorge e o Dr. Huet de Bacelar é que se efectua o primeiro esforço de localização das mamoas que viriam a dar corpo à Necrópole Megalítica da Serra dos Campelos. Apesar da prospecção realizada pelo Dr. Armindo de Sousa ter identificado vinte monumentos funerários, os trabalhos ulteriores realizados em 1975/76 somente reconheceram dezassete, e assinalaram em cartografia quinze (Jorge, 1978:443-445; Jorge, 1982:516). Desse estudo concluiu-se que os monumentos se encontravam distribuídos por ambos os lados da actual EM 562, agrupados em três núcleos principais, o primeiro com seis mamoas, o segundo com duas mamoas e o terceiro com sete mamoas (Fig. 1). Existiam ainda, segundo o Prof. Dr. Vítor Oliveira Jorge, mais duas mamoas nos extremos da necrópole, uma próxima ao cruzamento da EM 562 com a EN 106 e a norte da referida EM 562 e outra a leste da EM 562, contígua dela, nas imediações da localidade de Chã de Baixo (Jorge, 1982:516-517). As mamoas existentes na Serra dos Campelos correspondem a uma necrópole de enterramento colectivo, imperando os monumentos de reduzida dimensão, atribuível provavelmente aos finais do Período Neolítico (Mendes-Pinto, 1992), onde parecem coexistir diferentes tipos de monumentos funerários – túmulos megalíticos e cistas, megalíticas ou não – geralmente, de pequenas dimensões, com um diâmetro médio de 11,4 metros e uma altura média de 1 metro, apresentando todos eles indícios claros de violação (Jorge, 1982:517).

Fig. 1 Carta Militar de Portugal com a implantação dos 3 núcleos da Necrópole Megalítica da Serra dos Campelos. 630

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Até à data realizaram-se duas intervenções arqueológicas. A primeira foi efectuada em 1975/76 pelo Prof. Dr. Vítor Oliveira Jorge, juntamente com o Dr. Armindo de Sousa, a Dr.ª Fátima de Sousa, a Prof. Dr.ª Susana Oliveira Jorge e o Dr. Huet de Bacelar (Jorge, 1978:445). Os trabalhos incidiram sobre a Mamoa 14, tendo contudo apenas um carácter experimental funcionando como ensaio às futuras intervenções na Serra da Aboboreira pelos referidos investigadores (Jorge, 1982:515). A intervenção então realizada limitou-se ao quadrante noroeste, tornando no entanto claro a presença de uma couraça lítica de revestimento do montículo de terra, através da abundância de pequenas lajes e blocos graníticos à superfície (Jorge, 1978:445 e Cf. Fig.6; Jorge, 1982:517). A segunda intervenção, e para a qual não dispomos de quaisquer dados, foi efectuada sob a direcção da Dr.ª Margarida Moreira, na década de noventa, incidindo os trabalhos arqueológicos sobre a Mamoa 13 da necrópole (Stockler, 2000:80).

2. O Centro Arqueoambiental da Serra dos Campelos (CASC) – Projecto de Investigação 2.1. Resumo do projecto O Centro Arqueoambiental da Serra dos Campelos (CASC) em Lustosa (Lousada) afigura-se, desde 2005, como um projecto de intenção autárquica dinamizado pela Câmara Municipal de Lousada – Gabinete de Arqueologia que se desenvolverá entre Junho de 2008 e Novembro de 2009 com o impulso de uma equipa de quatro investigadores adstritos à Câmara Municipal de Lousada (Gabinete de Arqueologia), dois consultores especializados em Pré-História e cinco investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO). A equipa de investigadores da Câmara Municipal de Lousada é formada por Manuel Nunes – arqueólogo do Gabinete de Arqueologia da Câmara e Coordenador científico do projecto CASC, Paulo Lemos – arqueólogo, investigador e co-responsável pelo projecto CASC, Joana Leite – arqueóloga, investigadora e co-responsável pelo projecto CASC, Carlos Gonçalves – assistente de arqueólogo do Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Lousada, investigador e co-responsável pelo projecto CASC e Luís Sousa – assistente de arqueólogo do Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Lousada. A equipa de consultores é constituída por Carla Cristina Stockler Nunes Lima – arqueóloga e Coordenadora do Museu Municipal de Baião e Sérgio Emanuel Monteiro Rodrigues – arqueólogo e Professor Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Paralelamente o projecto conta com a colaboração do (CIBIO) do Instituto de Ciências e Tecnologias Agrárias e Agro-Alimentares (ICETA) da Universidade do Porto (UP), reunindo uma equipa de cinco investigadores, sob a coordenação geral de Paulo Farinha Marques. Esta equipa abarca três áreas, a Arqueobotânica, representada por João Pedro Tereso, Arqueólogo; a área da Flora, Fauna e Vegetação, representada por João Honrado, Professor Auxiliar; e a Arquitectura Paisagista, constituída por 631

Paulo Farinha Marques, Arquitecto Paisagista e Professor Auxiliar; Raquel Meireles, Arquitecta Paisagista e Ricardo Gomes, Arquitecto Paisagista. 2.2. Descrição do projecto/objectivos O Projecto CASC, integrado num Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos em Junho de 2008, afigura-se desde 2005 como um projecto de intenção autárquica norteado por três grandes eixos, complementares e articulados entre si, concretamente a vertente científica englobando o estudo, a valorização da Necrópole Megalítica e da ambiência patrimonial local e a requalificação/reposição do coberto vegetal primitivo daquele espaço; a vertente pedagógico-didáctica, ou seja, a educação para o património e para o ambiente; e, por último, a dinamização cientifico-cultural, visando a gestão/ divulgação do património natural e arqueológico. Deste modo, e com o intuito de valorizar a Necrópole Megalítica, toda a ambiência patrimonial local e a requalificação do coberto vegetal primitivo daquele espaço, foram previstos um conjunto de objectivos, devidamente apoiados em metodologias adequadas e condições de financiamento estáveis, que se estruturam em quatro grandes fases, designadamente: a) Prospecção, cujo objectivo seria definir com rigor o potencial arqueológico da área estudada relocalizando os monumentos da necrópole e apurando o seu respectivo estado de conservação; b) Acompanhamento arqueológico, do Projecto de Loteamento Industrial de Lustosa (1ª Fase), do Projecto da Via de Ligação da Vila de Lousada à Estrada Municipal 562 e do Projecto de construção de uma Unidade Industrial no Loteamento Industrial de Lousada – 2.ª Fase; c) Preparação e divulgação do sítio arqueológico, para que este se torne fruível pela população, quer a nível patrimonial, quer a nível do coberto vegetal; d) Criação do Centro Arqueoambiental da Serra dos Campelos. Deste modo, e tendo por base os resultados dos trabalhos de campo planeados pretende-se, na conclusão do projecto, uma clarificação e valorização da totalidade do espaço arqueológico da necrópole, bem como das suas áreas envolventes. 2.3. Prospecção arqueológica Concluída em Março de 2006, esta primeira fase consistiu na avaliação do potencial arqueológico que ainda hoje subsiste no local, tendo-se pautado pela realização de uma prospecção de superfície, cujo objectivo consistiu na definição rigorosa do potencial arqueológico da Necrópole Megalítica da Serra dos Campelos, relocalizando, para tal, os monumentos remanescentes, apurando o seu respectivo estado de conservação e, simultaneamente, caracterizando novos elementos arqueológicos (Nunes, Lemos e Leite, 2006:17-18; Nunes, Lemos e Leite, 2007a:14; Nunes, Lemos e Leite, 2007b:2130; Nunes, Lemos e Leite, 2008). Aquando da execução dos trabalhos de prospecção verificou-se que a área se encontrava assaz modificada pelo plantio de eucaliptos e por um intenso e contínuo processo de extracção de granito. Foram estes dois factores que contribuíram para 632

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uma profunda alteração e descaracterização da paisagem. Finda a fase de prospecção concluiu-se que, apesar do indiscutível grau de degradação, a área conservava ainda diversos vestígios patrimoniais notáveis, encontrando-se os monumentos megalíticos, distribuídos por ambos os lados da actual EM 562, agrupados em três núcleos principais (Fig. 2) e caracterizando-se pelas suas reduzidas dimensões, pela variabilidade de tipologias – túmulos megalíticos e cistas, megalíticas ou não – reportando-se muito provavelmente a finais do Período Neolítico e a enterramentos colectivos (Mendes-Pinto, 1992; Jorge, 1982: 517). Esse processo de reconhecimento do actual estado de preservação da Necrópole Megalítica possibilitou a relocalização e a apreciação dos diversos monumentos que a constituem. Deste modo, dos vinte monumentos referenciados no início da década de 70 do século XX, confirma-se a destruição efectiva de oito (Mamoas 3, 4, 5 e 6 – núcleo um; Mamoas 9, 10, 12 e 15 – núcleo três), a identificação de oito (quatro em bom estado – Mamoas 1, 7, 8 e 16 (Fig. 3); três em estado regular – Mamoas 2, 11 e 13; e uma em mau estado – Mamoa 14 (Fig. 4)) e a impossibilidade de averiguação das restantes. A i n d a no âmbito dos trabalhos de prospecção arqueológica foram descobertos sete penedos com gravuras rupestres, dispersos por uma área contígua à Necrópole Megalítica (Fig. 2). Já em 1971, Fe r n a n d o L a n h a s (1971: 574-576) se referia a vários penedos existentes na Serra dos Campelos (Altar dos Mouros, Penedo do Escorregão, Penedo Santo) remetendo-os para a tradição megalítica, embora nenhum desses, cuja memória das comunidades locais ainda sabe identificar, faça parte do conjunto dos 7 penedos descobertos. Refira-se, no entanto, que a emergência de blocos de granito nesta área motivou uma intensa exploração das pedreiras locais que muito afectou a serra e que eventualmente terá condenado a descoberta de mais penedos.

Fig. 2 Implantação dos elementos patrimoniais detectados na Carta Militar de Portugal. 633

Com suporte pétreo de xisto ou granito, os penedos gravados ostentam motivos variados (covinhas, podomorfos e cruciformes) que em alguns casos chegam a estar combinados no mesmo painel, denotando uma intencionalidade de perpetuação da significância do painel, como é o caso da combinação das covinhas com os cruciformes – Penedo 12 da Serra dos Campelos (Nunes, Lemos e Leite, 2007b: 22-23).

Fig. 3 Mamoas 7 e 8 da Necrópole Megalítica da Serra dos Campelos.

Fig. 4 Mamoa 13 da Necrópole Megalítica da Serra dos Campelos. 634

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No que concerne à distribuição dos motivos pelo painel gravado a plataforma preferencialmente escolhida para a gravação é a inferior, apresentando uma reduzida distância média ao solo, sendo que a orientação das gravuras no próprio penedo parece apenas obedecer a critérios de índole prática (seguindo as melhores plataformas para gravação) (Figs. 5 e 6).

Fig. 5 Perspectiva geral do Penedo 2. da Serra dos Campelos.

Fig. 6 Pormenor da plataforma inferior do Penedo 2, onde se destaca um podomorfo no centro da composição. 635

Como características gerais de implantação dos penedos refira-se o facto de acompanharem frequentemente caminhos rasgados na serra ou cursos de água de caudal reduzido, se localizarem em atitudes compreendidas entre os 470 e os 570 metros (embora se dispersem por uma das áreas de maior altitude do concelho, nem sempre procuram as suas cotas mais elevadas), apresentarem uma proximidade sempre inferior a meio quilómetro dos núcleos dos monumentos megalíticos e se enquadrarem igualmente na proximidade de alguns núcleos de povoamento como o castro do Bufo, o castro dos Mortórios o castro Sta. Águeda ou o Cabeço da Agrela (Mendes-Pinto, 1992; Mendes-Pinto, 1995:272; Nunes, Lemos e Leite, 2008:41). De ampla diacronia que se supõe estender da Idade do Bronze à Idade Média, as representações rupestres da Serra dos Campelos só poderão ver a sua cronologia mais afinada num contexto de escavações arqueológicas, previstas na 3ª fase do projecto onde serão concebidas todas as acções de preparação e divulgação do sítio. A celebração dos espaços através das gravuras rupestres e o seu elevado grau de abstracção constituem compreensivelmente motivo de distanciamento e curiosidade. Determinar os sentidos/funções inerentes à produção destas manifestações rupestres não se afigura tarefa fácil ou isenta de polémica. Não obstante, e independentemente da perspectiva com que abordemos este fenómeno, há que considerar o facto inultrapassável das gravuras estarem ancoradas ao mundo natural e nesse sentido torna-se fundamental questionar a paisagem (Bacelar, 2003; Berrocal, 2003; Bradley, 2000; Ingold, 2000). Aliás, o modelo de uma forte itinerância que as populações da PréHistória experimentariam certamente propiciaria uma relação muito particular com todo o espaço que as acolhia. Nesse sentido, a constatação de que as gravuras se tendem a tornar mais escassas à medida que a prática da agricultura se vai intensificando reforça a tese da dispersão das gravuras por locais mais apropriados à exploração dos recursos que afectem a mobilidade (Bradley, 1997: 5-9). Talvez a única forma possível de contornar toda a ambiguidade inerente à distância cultural contemporânea relativamente às motivações sociais Pré-Históricas passe em primeira instância pelo reconhecimento de tais limitações, pela projecção de um enredo de hipóteses complementares (e nunca exclusivas) e sobretudo pelo exercício de projecção dos suportes com gravações na paisagem, procurando nomeadamente padrões de regularidade entre as evidências arqueológicas e a sua disposição na dinâmica espaço/tempo que a paisagem constitui. Nesse sentido, a paisagem não deve ser compreendida como natureza, terra ou espaço, muito menos como dicotomia “mundo observado-experimentado”, uma vez que não há “fora nem dentro” por não se tratar da criação de uma imagem à distância, simplesmente se assume como uma relação recíproca entre homem/natureza (dwelling) “landscape becomes a part of us, just as we are a part of it”. (Ingold, 2000: 189-191). É nesse processo vivo de incorporação e não de inscrição, que se deve procurar o seu sentido. É na moldura viva da paisagem que se devem explorar os sentidos da vivência humana. 2.4. Acompanhamento arqueológico Visando a protecção dos elementos identificados na fase anterior (prospecção 636

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arqueológica) e a salvaguarda de eventuais vestígios patrimoniais, esta segunda fase (concluída em Agosto de 2007) incluiu o acompanhamento arqueológico da execução de três projectos: Loteamento Industrial de Lousada – 1ª Fase, Via de Ligação da Vila de Lousada à EM 562 e a construção de uma Unidade Industrial no Loteamento Industrial de Lousada – 2ª Fase (Nunes, Lemos e Leite, 2008a). Já em 2008, no âmbito das necessidades de minimização dos efeitos negativos decorrentes do projecto de construção de um Aterro de Resíduos não Perigosos na Serra dos Campelos, freguesia de Lustosa, apresentado à autarquia pela empresa RIMA – Resíduos Industriais e Meio Ambiente, S.A., foram realizados trabalhos arqueológicos de avaliação que abarcaram exclusivamente as estações de arte rupestre n.os 3, 4, 5 e 6 identificados na área da necrópole (Nunes, Lemos e Leite, 2008b). Os trabalhos de acompanhamento arqueológico abrangeram dois grandes vectores. Primeiramente a sinalização, vedação e afastamento da circulação de maquinaria dos monumentos megalíticos remanescentes da Necrópole Megalítica e dos Penedos com manifestações de arte rupestre da Serra dos Campelos, com respectiva margem de segurança e preservação da topografia do terreno envolvente. E, finalmente, o acompanhamento de todos os trabalhos de movimentação e/ou escavação de terras até à rocha natural granítica e, consequentemente, consideradas estéreis do ponto de vista arqueológico. Estes trabalhos visaram essencialmente a salvaguarda de informação, constituindo as intervenções arqueológicas medidas de minimização dos eventuais impactes negativos que a execução dos supracitados projectos poderiam ter sobre o património arqueológico, garantindo-se assim a salvaguarda de todos os vestígios presentes na Serra dos Campelos (mamoas integrantes da Necrópole Megalítica e os Penedos com arte rupestre). Estas medidas não permitiram identificar quaisquer novos indícios de vestígios arqueológicos mas possibilitaram a minimização de eventuais impactes negativos sobre o património arqueológico, podendo-se deste modo afirmar que os mesmos cumpriram os objectivos estabelecidos, revelando-se a metodologia empregue ajustada a esses mesmos propósitos. 2.5. Preparação e divulgação Na terceira fase do projecto desenvolver-se-á todo o trabalho de preparação e divulgação do sítio arqueológico. Tendo por base este pressuposto planeou-se um conjunto de diversas iniciativas tendentes à fruição pública do Centro Arqueoambiental da Serra dos Campelos por forma a reforçar o entendimento científico do sítio. Para tal, o projecto contempla uma série de acções: a) Desmatação, vedação e colocação de painéis informativos em cada um dos monumentos identificados (Mamoas 1, 2, 7, 8, 11, 12, 13, 14 e 16 e Penedos 2 e 12 da Serra dos Campelos) sensibilizando primeiramente os diversos proprietários para o reconhecimento do valor patrimonial destes elementos e recolhendo as devidas autorizações para os trabalhos de vedação e colocação dos painéis informativos em cada um dos monumentos (trabalho esse já realizado para a totalidade dos elementos 637

patrimoniais, no decorrer de 2007). b) Escavação de quatro monumentos (concretamente os elementos que constituem o núcleo três da Necrópole Megalítica da Serra dos Campelos, designadamente as Mamoas 11, 12, 13 e 14) – a realizar no biénio 2008/09, para que seja possível a sua análise individualizada, no que concerne à sua caracterização tipológica, dinâmica construtiva, integração no espaço envolvente, e respectiva requalificação. Escavação de salvamento das Mamoas 12 e 14 uma vez que se encontram muito descaracterizadas, apresentando-se actualmente em mau estado de conservação. Relativamente às Mamoas 11 e 13, e considerando os seus razoáveis estados de preservação, uma vez que foram menos afectadas pelos trabalhos de plantio de eucaliptos realizados nas últimas décadas na serra, proceder-se-á à realização de sondagens de avaliação das mesmas, visando sempre a sua preservação física original, para um melhor entendimento e usufruto futuro por parte das comunidades. c) Escavação dos Penedos 2 e 12 da Serra dos Campelos com manifestações de arte rupestre em suporte de granito e xisto, associados à Necrópole Megalítica da Serra dos Campelos. De salientar que estes penedos foram identificados aquando da realização do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do Loteamento Industrial de Lustosa, Lousada – Vertente Património (2006). Efectuar-se-ão sondagens de avaliação do potencial arqueológico da área envolvente aos dois penedos visando a salvaguarda da informação arqueológica da área considerada, de forma a proceder-se ao correcto registo destes elementos patrimoniais e eventualmente à recolha de informações que ajudem a uma melhor caracterização cronológica dos mesmos. Finalmente, este processo só se dará por terminado após a implementação de uma série de iniciativas, designadamente: criação de uma rede de percursos pedestres arqueoambientais; preparação/edição de um conjunto de brochuras e panfletos temáticos; preparação de materiais audiovisuais pedagógicos; realização de sessões públicas de esclarecimento; realização de uma exposição itinerante, intitulada “Memórias de Campelos”; e publicação de artigos científicos, como base de apoio imprescindível ao futuro Centro Arqueoambiental da Serra dos Campelos, que funcionará, em última instância, como pólo aglutinador das memórias dispersas pela Serra dos Campelos, através da criação de exposições interactivas permanentes e/ou temporárias, de um espaço museológico e de espaços destinados à arqueologia experimental. 2.5.1. Acções já efectuadas: escavação da Mamoa 12 Os trabalhos de escavação iniciaram-se na Mamoa 12 da Necrópole Megalítica da Serra dos Campelos, uma vez que a mesma se inclui na área de implantação do Centro Arqueoambiental da Serra dos Campelos, conjuntamente com a Mamoa 13, e por se encontrar profundamente descaracterizada, assim como toda a área de implantação do monumento, fruto dos trabalhos de terraplenagem realizados nas décadas de 80/90 para o plantio de eucaliptos. De acordo com o Prof. Dr. Vítor Oliveira Jorge, em finais da década de 1970, o monumento teria nove metros de diâmetro máximo e um metro de altura. Apresentava indícios nítidos de violação e era evidente a presença de uma couraça lítica de 638

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revestimento do montículo de terra, através da abundância de pequenos blocos graníticos à superfície (Jorge, 1982: 517). Contudo, e tal como pudemos constatar após a realização dos trabalhos de prospecção (1.ª fase), a área de implantação da mamoa encontrava-se extremamente revolvida em consequência das sucessivas terraplenagens do terreno. Consequentemente o monumento não se apresentava perceptível, nem era visível o seu tumulus, vislumbrando-se todavia raras pedras em granito de tamanho médio/ pequeno, provavelmente provenientes da couraça lítica da mamoa, numa extensão aproximada de quinze metros, sendo a sua altura difícil de precisar, dado o seu elevado estado de destruição. No início dos trabalhos de escavação, o terreno onde se implantava o monumento apresentava-se limpo e sem vegetação, salvo a herbácea habitual (Fig. 7). Os trabalhos iniciais incidiram na desmatação mecânica da área, numa superfície superior a 320 m2. Após o desbaste da vegetação superficial, a escavação desenvolveu-se pelo método estratigráfico, levantando-se as diferentes unidades por decapagem a colherim ou, quando a natureza dos estratos o exigiu, com ferramentas mais pesadas. A crivagem das terras foi sistemática sempre que se verificou a ocorrência de maior volume de espólio. O registo estratigráfico foi efectuado pelo método da Matriz Harris, tendo-se procedido à implantação da quadrícula de escavação, em malha ordinária de 2x2 metros, segundo um esquema de coordenadas alfanuméricas corrente. Os trabalhos arqueológicos foram executados num total de vinte e sete quadrados, perfazendo uma área global de 108 m² escavados, tendo-se atingido o solo geológico natural na totalidade da mesma. Saliente-se que a superfície intervencionada revelou uma reduzida possança estratigráfica, pautando-se a profundidade média atingida nos 0,45 metros. Finalizada a intervenção na Mamoa 12 constatou-se a ausência de qualquer indício concreto, a nível estrutural, do monumento em si, havendo unicamente a salientar a

Fig. 7 Aspecto da área de implantação da Mamoa 12 da Serra dos Campelos, ao início dos trabalhos de escavação. 639

descoberta de rasgos artificiais preservados ao nível da rocha de base (Fig. 8), dando conta da passagem de maquinaria de apoio (ao plantio de eucaliptos ou qualquer outra prática agrícola) que terá contribuído para o arrasamento definitivo do monumento. Estes rasgos artificiais de grande extensão (atingindo um máximo de 8,80 metros) desenvolviam-se em duas direcções predominantes (Fig. 9 e 10), uma N-S e outra EO, ambas com uma nítida regularidade de espaçamento entre si (sensivelmente de um metro), apresentando uma largura média de 0,10 metros e uma profundidade variável (entre os 0,11 metros e os 0,36 metros), rasgando e encontrando-se presentes em mais de 90 % da área intervencionada. Independentemente de todas as condicionantes a escavação revelou a existência de algum espólio, quer ao nível de fragmentos cerâmicos (num total de sete), quer ao nível de material lítico talhado (num total de cinco). De entre estes últimos de destacar um fragmento de lâmina em sílex, uma lasca de sílex, um núcleo de sílex e um fragmento de movente, atestando deste modo toda a ambiência Pré-Histórica que o local teria tido. 2.6. Criação do Centro Arqueoambiental da Serra dos Campelos Funcionando como pólo aglutinador das memórias dispersas pela Serra dos Campelos, a área adstrita ao Centro Arqueoambiental (cerca de 17.500 m²), precisamente o local de implantação das Mamoas 12 e 13 da Necrópole Megalítica da Serra dos Campelos, visa a articulação paisagística entre os espaços arqueológicos identificados

Fig. 8 Pormenor dos trabalhos de escavação dos rasgos artificiais detectados na Mamoa 12.

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e os elementos naturais que a compõem, designadamente na sua vertente fitológica. O propósito último será, então, o de projectar na área do Centro uma paisagem vegetal tanto quanto possível contemporânea da edificação da necrópole, permitindo uma leitura integrada e in tempore dos monumentos megalíticos identificados. Conquanto assente numa concepção elementar, comum à maioria dos projectos de investigação que envolvem estudos de paleobotânica (análise de carvões vegetais,

Fig. 9 Rasgos artificiais detectados ao nível da rocha de base na Mamoa 12 da Serra dos Campelos.

frutos, sementes, grãos e pólenes provenientes da detecção a partir de sedimentos obtidos em contexto de escavação arqueológica que, para além de informações de índole paleoecológica, fornecem dados preciosos acerca da paleoeconomia das comunidades em estudo), a metodologia que se pretende ver implementada no âmbito deste projecto propõem-se prosseguir uma abordagem inovadora cuja acuidade e rigor científicos constituem, per si, o garante de uma solução sustentada e ajustada à necessidade de intervenção nos espaços envolventes aos monumentos megalíticos que serão alvo de recuperação e enquadramento paisagístico. Com efeito, partindo de uma abordagem multidisciplinar que recruta diversas áreas científicas – Arqueologia, Paleobotânica, Ecologia e Arquitectura Paisagista – intenta-se uma aproximação à realidade paleoambiental coeva da edificação dos monumentos funerários. Sabendo de antemão que os dados provenientes do estudo arqueobotânico, nomeadamente no que respeita à identificação das espécies botânicas a partir dos 641

carvões vegetais recolhidos e a consequente correlação com a sua eventual previvência na paisagem envolvente no momento da edificação das mamoas, colocam significativos problemas interpretativos, propõem-se o seu cruzamento com aqueles provenientes de estudos fitossociológicos e de carácter paleoambiental a serem desenvolvidos na área de influência do sítio considerado (Serra dos Campelos), bem como com as informações respeitantes a estudos palinológicos, antracológicos e carpológicos desenvolvidos em regiões geográficas próximas, como é o caso da Serra da Aboboreira (Cruz, 2004:26-31). Os resultados deste processo deverão, finalmente, servir de base ao trabalho da equipa de arquitectura paisagista do CIBIO cuja finalidade será a de reconstituir, num espaço restrito, um fragmento da diversidade vegetal que se supõe coetânea e coexistente da necrópole. Deste modo, o espaço naturalizado em torno dos dois monumentos megalíticos existentes no local e do edifício a construir – que compreenderá, para além de diversos espaços exteriores vocacionados para a arqueologia experimental e educação ambiental, um edifício que funcionará como núcleo interpretativo, assegurando múltiplas valências: espaço museológico, gabinetes de trabalho, auditório, etc. – para além de responder às necessidades e especificidades do projecto, será planeado em função de dois factores interpretativos indissociáveis: as espécies que se pressupõe terem existido na região aquando da construção e utilização dos monumentos megalíticos e as relações de visibilidade dos monumentos na paisagem e entre si.

 Apesar do postulado inscrito no “The Principle of Least Effort” (Shackleton e Prins, 1992), segundo o qual “People collected fuel-wood that was closest to the homestead, and that all species were collected in direct proportion to their abundance in the surrounding environment. They moved further a field only when immediate surrounds were depleted (…)” reflectindo, portanto as espécies que efectivamente cresceriam na envolvente, o facto é que as relações desenvolvidas entre as comunidades humanas e o meio ambiente não se restringem a uma mera atitude recolectora em virtude de uma estratégia de economia de tempo e de energia, antes envolvendo complexas relações de carácter cultural e social que, em certas culturas humanas, atribuem valores distintos a determinadas espécies de árvores, influenciando a escolha do combustível lenhoso a recolher e a utilizar (Dillon, 2006:5).

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Fig. 10 Plano final da Mamoa 12 (Luís Sousa).

Encontro Arqueologia e Autarquias

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