CENTRO DE ESTUDOS GERAIS PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL CONFLITOS NA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA: O CASO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA TIRIRICA

June 4, 2017 | Autor: Alba Simon Simon | Categoria: Políticas Públicas, Áreas Naturales Protegidas, Parques, Conflitos socioambientais
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CENTRO DE ESTUDOS GERAIS PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL

ALBA VALÉRIA SANTOS SIMON

CONFLITOS NA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA: O CASO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA TIRIRICA

Niterói, 2003

Conflitos na conservação da natureza: o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca

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CENTRO DE ESTUDOS GERAIS PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL

ALBA VALÉRIA SANTOS SIMON

CONFLITOS NA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA: O CASO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA TIRIRICA

Dissertação apresentada à Pós-Graduação em Ciência Ambiental, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ciência Ambiental. Orientadora: Professora Doutora Vera Rezende

Conflitos na conservação da natureza: o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca

Niterói, 2003

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Conflitos na conservação da natureza: o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca

Simon, Alba Valéria Santos Conflitos na conservação da natureza: o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca/ Alba Valéria Santos Simon. Niterói, UFF/ Pós-Graduação em Ciência Ambiental. Niterói, 2003. 240 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Ambiental) – Universidade Federal Fluminense, 2003. 1. Ciência Ambiental. 2. Parques Nacionais. 3. Conflitos sócio-ambientais. 4 . Gestão Ambiental. I. Dissertação (Mestrado). II. Título

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ALBA VALÉRIA SANTOS SIMON

CONFLITOS NA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA: O CASO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA TIRIRICA

Dissertação apresentada à Pós-Graduação em Ciência Ambiental, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Ciência Ambiental.

Aprovada em 31 de março de 2003 BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Vera Rezende

_____________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Marlice Soares de Azevedo

_____________________________________________________________________ Prof. Dr. Celso Simões Bredariol

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Niterói, 2003

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Dedicatória Dedico esse trabalho, enquanto nova geração, ao meu avô Siegfried Simon, que na década de 1940 ajudou a devastar a Mata Atlântica do Sul da Bahia e a exportá-la para a Alemanha, em nome de uma lógica privatista e utilitária, e que colaborou, através de um exemplo negativo, para a idéia de exclusão do homem do cenário da conservação. Dedico igualmente esse trabalho ao Sr. Zezinho Tomás, sitiante tradicional da Serra da Tiririca, que tem hoje idade próxima a que meu avô Siegfried tinha quando morreu e que, apesar de excluído do conceito de conservação, foi nascido e criado ao pé da Serra do Engenho do Mato, vivendo do plantio agrícola nas matas e colaborando para a preservar até a atualidade o cenário institucionalizado como Parque Estadual da Serra da Tiririca.

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Agradecimentos Apesar da impossibilidade de fazer todos os agradecimentos necessários não posso deixar de registrar o meu muito obrigado a: À FAPERJ, que investiu nesse trabalho através de uma bolsa de estudo de março de 2000 a março de 2002. Vera Rezende, orientadora da dissertação, que mesmo assumindo o timão em plena tempestade, soube bem fazê-la aportar em um porto seguro. Selene Herculano, minha ex-orientadora, pela paciência e imensa colaboração, lamentando os rumos que nossa parceria tomou, alheios à nossa vontade. Wilson Madeira Filho, pelo idealismo, por acreditar, pela ajuda em todos os momentos, por tudo e tudo. Maria Teresa de Jesus Gouveia, pelo sua incansável colaboração, pelo desejo de ajudar, pelo profissionalismo, pela amizade e pelo carinho. Napoleão Miranda, pela grande ajuda e disposição. Geovânia Barros, pela força, pela solidariedade e sobretudo pela paz que nos contaminou nos piores e melhores momentos dessa trajetória. Marcinha Gomes, por ter me induzido a registrar a história da Tiririca. Aos moradores e sitiantes tradicionais do Engenho do Mato: Sra. Anedina Velozo, Otília Velozo, Sr. Anésio Monteiro, Sra. Valdina Cortes dos Santos, Sr. Davi Santos, Sra. Jureta Azevedo, Sra Dacilde de Souza Mendes (Sra. Sila), Sr. Zezinho Tomás e tantos outros, por terem me ensinado a valorizar ainda mais outros saberes. A todos os que me concederam entrevistas, em especial aos técnicos do Parque Estadual da Serra da Tiririca pela confiança depositada no trabalho. Ao Machadão, pelas instigantes histórias sobre a Região Oceânica, contadas com muito humor e paixão nas deliciosas noites regadas por muito vinho na Pizzaria Las Lenas. À Rosângela do Amor Divino, pelo carinho, pelo apoio e por me guiar pelos caminhos espirituais em busca de um significado para tudo isso. À filhotinha Electra Simon Madeira, por ter enfrentado com maturidade os piores momentos deste trabalho e ainda pensar em fazer uma tese no futuro.

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Aos meus pais, Alfredo Eurico Horcades Simon e Ruth Santos Simon, pela paciência nos momentos de crise e de invasão do espaço. À minha irmã Sandra Simon Andueza, pelo gentil e fundamental trabalho de “bastidores” e por valorizar tanto o saber teórico. E, finalmente, à “Equipe sol” da turma 2000 do PGCA, pela obstinada busca por justiça, e, principalmente, pela união e solidariedade diante das tensões vividas cotidianamente ao longo do curso.

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RESUMO A categoria Parque Nacional se constituiu em uma ferramenta conflituosa para a conservação da natureza, na medida em que pressupõe a institucionalização do espaço, com regras de uso e apropriação dos recursos naturais através do seu não uso, ou seja, permitindo apenas um uso indireto, com atividades como turismo, lazer, pesquisa e educação. Regras pautadas no distanciamento entre natureza e sociedade, como única forma de garantir a biodiversidade e o equilíbrio ecológico, e que não levam em consideração a presença humana nesses espaços. Isso significou, em termos políticos, sobrepor uma classificação administrativa excludente aos diferenciados discursos em territórios impregnados de complexas relações sociais.

No Brasil, os Parques Nacionais também foram pensados enquanto fortalezas da natureza, idealizados para os locais distantes dos centros urbanos, configurando-se, ao longo do tempo, como estratégias conservacionistas próprias também para locais vítimas de processos de metropolização urbana. O Parque Estadual da Serra da Tiririca, situado nas divisas dos município de Niterói e Maricá, no Estado do Rio de Janeiro, fruto desse ideário conservacionista, é exemplar para apontar a insuficiência do modelo, na medida em que apresenta inúmeros conflitos, advindos dessa concepção. Os conflitos evidenciados no Parque deixam entrever ainda que há a necessidade de se construir uma outra concepção de conservação, que traduza o entendimento do espaço da conservação enquanto espaço da gestão das relações sócio-ambientais. .

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SUMMARY

The category National Park was constituted in a conflicting tool for the conservation of the nature, in the measure in that it’s presupposes the state protection of the space, with use rules and appropriation of the natural resources through yours don't use, in other words, just allowing an indirect use, with activities as tourism, leisure, researches and education. Ruled rules in the estrangement between nature and society, as only form of guaranteeing the biodiversity and the ecological balance, and that you/they don't take into account the human presence in those spaces. That meant, in political terms, to put upon an excluding administrative classification to the differentiated speeches in impregnated territories of complex social relationships.

In Brazil, the National Parks were also thought while fortresses of the nature, idealized to the distant places of the urban centers, being configured, along the time, as own conservationist strategies also for places victims of processes of accelerated urban growth. The State Park of the Mountain of the Mad, located in the exchange value of the municipal district of Niterói and Maricá, in the State of Rio de Janeiro, fruit of that conservationist path, is exemplary to point the inadequacy of the model, in the measure in that it presents countless conflicts, resultants of that conception. The conflicts evidenced in the Park let to glimpse although there is the need to build another conservation conception to translate the understanding of the space of the conservation while I space of the administration of the partner-environmental relationships. .

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

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OBJETIVO

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ESTRUTURA

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METODOLOGIA

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PARTE I TRANSFERÊNCIA E RESSONÂNCIA 1. PARQUES NACIONAIS ENQUANTO MODELO GLOBAL PARA A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA 1.1. A CONSERVAÇÃO ENQUANTO PRODUTO DE CONHECIMENTO OITOCENTISTA 1.2. A MATERIALIZAÇÃO DA CONSERVAÇÃO ATRAVÉS DOS PARQUES NACIONAIS 1.3.O PROTÓTIPO: YELLOWSTONE PARK, CONTRIBUIÇÃO DOS EUA NA INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PARQUE NACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONSERVAÇÃO 1.4. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CONSERVAÇÃO 1.4.1. Conferências mundiais e encontros internacionais 1.4.1.1. Convenção para a Preservação da Fauna e da Flora em seu Estado Natural, Londres, 1933 1.4.1.2. Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América, Washington, 1940 034 1.4.1.3. A IUCN e a Comissão Mundial de Parques, 1948-1960 1.4.1.4. Conferência Mundial sobre Parques Nacionais, Seattle, 1962 1.4.1.5. Assembléia Geral da IUCN, Nova Delhi, 1969 1.4.2. Mudanças de rumo: o Desenvolvimento Sustentável 1.4.2.1.Estratégia Mundial para a Conservação (EMC), 1980 1.4.2.2. Declaração de Bali, 1982 1.4.2.3. “Nosso futuro comum”, 1986 1.4.2.4. Retomada da EMC, Ottawa, 1986 1.4.2.5. IV Congresso Mundial de Parques, Caracas, 1992 1.4.2.6. Estratégia Global da Biodiversidade, 1992 1.4.2.7. Projetos Integrados de Conservação 055

012 012 018 020 025 030 032 036 038 040 041 043 045 047 050 052 054

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2. RESSONÂNCIA NA POLÍTICA CONSERVACIONISTA BRASILEIRA 2.1. A MARCANTE PRESENÇA DE UMA ESCOLA CONSERVACIONISTA NO BRASIL 2.2. O MITO DA NATUREZA INTOCADA 2.3. ANTECEDENTES HISTÓRICOS 2.3.1. Primórdios da idéia de conservação no Brasil 2.3.2. Criação do Serviço Florestal brasileiro e a elaboração do Código Florestal de 1934 2.3.3. O primeiro Parque Nacional do Brasil: Itatiaia, 1937 2.4. OS CONSERVACIONISTAS ENTRAM EM CENA 2.5. CRIAÇÃO DA FBCN, 1958 2.6. O CÓDIGO FLORESTAL DE 1965 2.7. A CRIAÇÃO DO IBDF, 1967 2.8. CONSTRUINDO A BASE PARA UMA POLÍTICA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO 2.8.1. A SEMA, 1973 2.8.2. Plano do Sistema de Unidades de Conservação,1979-1982 2.9. A POLÍTICA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE, 1981 2,10. O MEIO AMBIENTE ENQUANTO DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO, 1988 2.11. O SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, 2000

3. EM BUSCA DE UM CONCEITO PARA CONFLITO SÓCIO-AMBIENTAL 3.1. “PERTUBAÇÕES” CONTRA OS RECURSOS NATURAIS COMO INDUTORAS DA CRIAÇÃO DE PARQUES NACIONAIS 3.2. BREVE RELATO SOBRE A CRIAÇÃO DE ALGUNS PARQUES NACIONAIS NO MUNDO 3.3.O BRASIL NÃO REGISTRA “PERTUBAÇÕES” NO SEU HISTÓRICO DE CRIAÇÃO DE PAQUES NACIONAIS 3.4. CONCEITUANDO CONFLITO SÓCIO-AMBIENTAL 3.4.1. Abordagem do discurso da conservação através de Parques Nacionais 3.4.2. Parques Nacionais como produto de um discurso de classe 3.4.2.1. Conceitos de propriedade e território 3.5. TORNANDO VISÍVEIS OS CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS NOS PARQUES 3.6. CONFLITO ENQUANTO INSTITUCIONALIZAÇÃO DE “PROBLEMAS”

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PARTE II O CASO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA TIRIRICA 4. TRAJETÓRIA DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ESPAÇO TERRITORIAL 4.1. A CONCEPÇÃO CONSERVACIONISTA NORTEANDO A CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA TIRIRICA - PEST 4.1.1. O movimento ambientalista – e sua percepção universalista – induzindo à criação do PEST 4.1.1.1. A militância efervescente 4.1.2. O movimento ambientalista transforma o “problema ambiental” em “problema público”: análise das justificativas para a criação do PEST 122 4.1.2.1. O argumento científico na base do discurso de criação do PEST 4.2. CONTEXTUALIZAÇÃO URBANA DO PEST 126 4.3. COMPOSIÇÃO SÓCIO-AMBIENTAL DO PEST 4.3.1. Descrição da região do PEST sob o olhar da conservação 4.3.2. Descrição da região do PEST sob o olhar histórico 4.3.2.1. A nova era: a Serra sob ameaças reais e potenciais 134 4.4. SITUAÇÃO ATUAL 5. APRESENTAÇÃO DOS PROTAGONISTAS, AMBIENTALISTAS VERSUS PODER PÚBLICO 5.1. DELIMITAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS 5.2. A BANDEIRA DA ÉTICA AMBIENTAL 5.2.1. Disputas na militância conservacionista 5.2.1.1. Comissão Pró-Parque Estadual da Serra da Tiririca: arena política 5.2.1.2. A atuação ambientalista na delimitação oficial do PEST 5.2.2. A voz do outro 5.2.3. A produção do saber científico 152 5.2.4. Principais preocupações percebidas pelos ambientalistas junto ao PEST 5.3. BREVE PERFIL DO ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELA ADMINISTRAÇÃO DO PEST 5.3.1. Projetos atuais e futuros 5.3.2. Principais dificuldades da administração 5.3.3. Breve perfil dos poderes públicos dos municíos atinentes ao PEST: Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói e Diretoria de Meio Ambiente da Secretaria de Obras e Meio Ambiente de Maricá

114 116 118 120 124 128 130 132 136

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5.3.4. Interrelacionamento entre poderes públicos estadual e municipal 5.4. INTERRELACIONAMENTO DOS ATORES: AMBIENTALISTAS CONTRA OS ÓRGÃOS PÚBLICOS

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6. SELEÇÃO DE CONFLITOS 6.1. O CASO DAS POPULAÇÒES TRADICIONAIS 6.1.1. Os sitiantes 6.1.2. Os pescadores artesanais 6.2. O CASO DA FAZENDINHA 6.3. O CASO DO CÓRREGO DOS COLIBRIS 6.4. O CASO DA MINERADORA INÕA 6.5. O CASO DA DELIMITAÇÃO DO PEST

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: FECHANDO UM CICLO

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS

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ABREVIATURAS UTILIZADAS

ACP – Ação Civil Pública APA – Área de Proteção Ambiental APP – Área de Preservação Permanente ARIE – Área de Relevante Interesse Ecológico AFEA – Associação Fluminense de Engenheiros e Arquitetos AMAVAP – Associação de Moradores e Amigos do Vale da Penha BID – Banco Interamericano de desenvolvimento CCNES - Clube de Conservação da Natureza e Exploração Suçuarana CECA - Comissão Estadual de Controle Ambiental CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil CMAP – Comissão Mundial de Áreas Protegidas CNUMAD – Comissão das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente CPNAP - Comissão Mundial de Parques DCN – Diretoria de Conservação da Natureza DIUC – Departamento de Unidade de Conservação DNAEE DRM – Departamento de Recursos Naturais DRNR – Departamento de Recursos Naturais Renováveis EGB – Estratégia Global da Biodiversidade

EMC – Estratégia Mundial para a Conservação da Natureza EUA – Estados Unidos da América do Norte FBCN – Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza FAMNIT – Federação de Moradores de Niterói FAMAR – Federação de Moradores de Maricá

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FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente FECAM – Fundo Estadual de Controle Ambiental GEOCORJ – Grupo Excursionista IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal IEF – Fundação Instituto Estadual de Florestas ITR – Imposto Territorial Rural IUCN - União Internacional para a Conservação da Natureza JB – Jardim Botânico do Rio de Janeiro MCE – Movimento Cidadania Ecológica MP – Ministério Público MMA – Ministério do meio Ambiente NEA - Núcleo de Estudos Ambientais Protetores da Floresta PDBG – Programa de Despoluição da Baía de Guanabara PEST – Parque Estadual da Serra da Tiririca PI – Projeto Integrado PMN – Prefeitura Municipal de Niterói PN – Parque Nacional PNMA – Política Nacional de Meio Ambiente PNUMA –Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PIN – Projeto Integrado Nacional

PUR – Plano Urbanístico Regional REBIO – Reserva Biológica RO – Região Oceânica SEMA – Secretaria Especial de Meio Ambiente SERLA – Secretaria Estadual de Rios e Lagoas SIMMAM – Sistema Municipal de Meio Ambiente SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente

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SMMA – Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Município de Niterói SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia UC – Unidade de Conservação UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza UFF – Universidade Federal Fluminense UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura USU – Universidade Santa Úrsula WRI – Instituto de Recursos Mundiais WWF – Fundo Mundial para a Natureza

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LISTA DE FOTOS E ILUSTRAÇÕES

MAPAS, IMAGENS E LEIS: Imagem de satélite enfocando o Parque Estadual da Serra da Tiririca-----------------------Mapa contendo os limites oficias do Parque Estadual da Serra da Tiririca e os limites propostos pela Comissão Pró – Parque Estadual da Serra da Tiririca ------------------------Decreto-lei n.º 1901 de 29 de novembro de 1991 de criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca – Decreto-lei n.º 18.598 sobre os limites da área de estudo para a demarcação do perímetro definitivo do PEST FOTOS: Vista do PEST mostrando a pedra do Costão, Alto Moirão, Pedra do Elefante e o bairro de Itacoatiara. Foto: Eny Hertz................................................................................................... Vista do Morro das Andorinhas e bairro de Itacoatiara. Foto tirada do Alto Moirão/PEST. Foto: Eny Hertz................................................................................................................... Visão geral do PEST na face Niterói, enfocando: Morro das Andorinhas, Pedra do Elefante, Alto Moirão, Morro do Telégrafo e Serra da Tiririca. Foto: Maria Las Lenas área degradas e plantio de banana na “Serra da Tiririca”/ bairro de Itaocaia/ Maricá. Foto:Alba Simon Saibreira Fernandes Oliveira no Morro do Cordovil/bairro Várzea das Moças/Niterói

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Vista do PEST enfocando a Mineradora Inoã/ Morro do Catumbi/ Niterói Foto: Alba Simon área de plantio agrícola na “Serra da Tiririca” bairro do Engenho do Mato/ Niterói Vista do PEST enfocando construções residenciais no Morro do Telégrafo/ Itaocaia/Maricá Foto: Alba Simon adensamento do entorno/ bairros de Itaipu e Engenho do Mato/ Niterói. Vista do PEST enfocando o adensamento do entorno bairro Itaipuaçu/Maricá. Foto: Alba Simon Pedra do Elefante e Condomínio Floresta do Elefante/ Maricá . Foto: IEF família de sitiantes tradicionais residentes no Morro do Cordovil/PEST Foto: Alba Simon “casa de farinha” de família de sitiantes tradicionais do Morro do Cordovil/ PEST Foto: Alba Simon residência de morador de baixa renda na área do PEST/ Itaocaia/Maricá Foto:Alba Simon construção de casa em área do PEST/ Itaocaia/ Maricá Fonte: Alba Simon desmatamento para construção de residência em área do PEST. “Conflito Fazendinha”/ Engenho do Mato/ Niterói. Fonte: Alba Simon

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Sou um guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos. E os meus pensamentos são todos sensações. (Alberto Caieiro, “O guardador de rebanhos”, IX, 1-3)

INTRODUÇÃO

Como quem num dia de Verão abre a porta de casa E espreita para o calor dos campos com a cara toda,

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Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa Na cara dos meus sentidos, E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber Não sei bem o quê... Mas quem me mandou a mim querer perceber? Quem me disse que havia de perceber? (Alberto Caieiro, “O guardador de rebanhos”, XXII, 1-8)

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A prática de proteção de áreas naturais sempre foi intentada por centenas de anos, por quase todos os povos do planeta, onde a circunscrição territorial girava principalmente em torno de garantias para subsidiar a utilização de recursos naturais pelas diferentes classes dominantes. O pensamento preservacionista tem seu impulso na metade do século XIX com as idéias de teóricos que passaram a pensar um mundo natural sem a interferência humana, defendendo uma paradoxal igualdade de direitos entre os seres vivos (plantas, animais e homens), separados secularmente pela filosofia nominalista, que distingue a physis (natureza) da nomoi (conhecimento através das palavras). O resgate de uma estética da subjetividade, propondo que a lógica científica não era a única nem a mais eficiente explicação para os fenômenos da vida, termina por consagrar, definitivamente, um olhar estético sobre a natureza, contribuindo para a eleição simbólica de um retrato idealizante e edênico. Contribuindo, assim, para com-sagrar também, paulatinamente, um conceito de conservação que permitia aos homens apenas desfrutar da natureza, sem aviltá-la. O movimento de criação de áreas naturais protegidas nos Estados Unidos foi influenciado por teóricos que criticaram a destruição das florestas provocada pelo avanço dos colonos para o oeste do país e as ações das madereiras e mineradoras contra as áreas naturais. O Yellowstone National Park “nasce” como vitória do movimento preservacionista, nesse sentido, a idéia de assegurar áreas de exuberante beleza, refúgios de "vida natural", áreas de preservação em caráter perpétuo para usufruto público, surgia em contraposição à exploração dos recursos naturais a serviço de um modelo de desenvolvimento e progresso calcado na conquista do oeste americano.

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A criação do Yellowstone Park disseminou-se enquanto prática da conservação por todos o países do mundo. Desse modo, os parques têm sido defendidos e consolidados como idéia de ordem, de separação da natureza para uma devida ordem, em função de uma desordem ambiental. A conservação aparece como uma forma de se colocar ordem no caos provocado pela espécie humana. Esse “protótipo” inaugura, de forma paradigmática, uma inversão de valores onde a "natureza para alguns" considerada como usufruto exclusivo de determinadas segmentos sociais, começa a ser tratada como "natureza para todos", realçando a esfera do bem comum, do bem público e a idéia de usufruto pelas futuras gerações e, sobretudo,. reafirmando o poder e o controle estatal sobre as terras públicas . No cenário conservacionista/preservacionista mundial instaura-se uma "nova" lógica nas relações sociedade e natureza: a lógica da conservação baseada no caráter público do meio ambiente e em regras de uso e apropriação para o “uso indireto” dos recursos naturais. A partir do modelo americano a idéia de Parque passou a significar tanto proteção como acesso público. Até o final do século XIX, o objetivo de proteção das áreas naturais de uma forma geral, era garantir que os recursos naturais nela contidos, com destaque para paisagens de grandes extensão, permanecessem em “estado original” para usufruto da população. Com o desenvolvimento científico-tecnológico e a incorporação de um sistema econômico pautado na exploração da natureza, gerou-se paulatinamente uma mudança de enfoque, incorporando novos conceitos que priorizavam cada vez mais a conservação da biodiversidade. Buscava-se, então, a delimitação de áreas que protegessem as mais significativas amostras de ecossistemas naturais. Ao longo do tempo, com a necessidade de se alcançar outros objetivos de conservação, os Parques passaram a serem vistos como uma das formas de conservação dos recursos naturais e não a única forma, passando nesse sentido a serem considerados categoria de manejo. Até a década de 1960, as únicas formas de conservação de áreas naturais eram restritas a poucas categorias, dependendo de cada país. O único consenso no mundo ocidental eram os PNs, considerados simbolicamente como a própria conservação . A lógica impressa na concepção de conservação consolidada se pressupõe como

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resposta ao “desenvolvimento perdulário”, criando a necessidade de aumentar o número de PNs, mesmo para os locais onde o modelo de desenvolvimento seguia regras adversas a essa concepção de conservação. Nesse sentido, o conceito de parques entendido mundialmente diz respeito ao estabelecimento de instituições permanentes, que servem para proteger a biodiversidade do uso direto A idéia que passa a vigorar poderia ser sintetizada um uma frase do tipo “sem parques bem manejados não existem barreiras contra a extinção", consolidando a idéia de que a sobrevivência da natureza, quase que exclusivamente através desse sistema, é imprescindível. Vale dizer, onde não existam mecanismos eficazes para evitar que as áreas silvestres não protegidas formalmente sejam convertidas para uso humano, far-se-ia necessária a figura do Parque. Os PNs têm sido idealizados em locais de “grande perturbação” para a permanência dos recursos naturais ou paisagens, onde as “ameaças” ocorrem com ou sem anuência dos governos. Mesmo após sua criação, os PNs, ainda que localizados em regiões remotas, sempre sobreviveram atormentados por pressões contínuas para o uso direto dos recursos naturais, intensificadas de acordo com as políticas nacionais e o modelo econômico adotado nos países. Ao longo da história de criação dessas unidades de conservação no mundo, percebe-se um envolvimento de conservacionistas e cientistas alocados em movimentos ambientalistas e em centros de pesquisa ou mesmo engendrados na máquina pública estatal. Considerados como ideólogos da conservação, propugnaram a criação de PNs, justificando-os frente a reais ou potenciais “perturbações”, através de argumentos científicos, enquanto direito ao usufruto público das áreas naturais e sobretudo, creditando uma racionalidade ao Estado enquanto instituição pública legítimada para exercer a tutela do patrimônio ambiental. As perturbações ou pressões que ocasionaram a criação dos PNs em várias partes do mundo, foram identificadas a partir de um entendimento “conservacionista”, creditando aos governos toda a responsabilidade por sua gestão e pela resolução dos “entraves” técnicos e burocráticos existentes no caminho para garantir-se a conservação. Nesse sentido, conservar a natureza, passava a significar priorizar o direito de usufruto público das áreas naturais protegidas, em detrimento de um possível uso privado, mesmo que esse “uso” fosse realizado de forma coletiva por comunidades tradicionais. Desta forma, o uso público se sobrepunha ao uso comunitário em nome de um “nosso futuro comum”.

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O discurso do desenvolvimento sustentável polemizou os debates sobre conservação nas décadas de 1970 e 1980. A pressão internacional exercida sobre o caráter restritivo dos PNs, que em muitos países havia sido responsável pela exclusão social de populações tradicionais, aliada às necessidades de otimizar a conservação da biodiversidade, através da criação de políticas voltadas para o uso sustentável dos recursos naturais do planeta, e à busca pela eficiência para as necessidades de conservação através de outras categorias de manejo de Unidades de Conservação, foi colaborando para uma maior flexibilidade quanto a presença humana nas Unidades de Conservação. Os ideólogos da conservação, confinados agora nos Parques, foram contornando toda e qualquer tentativa de se considerar essa flexibilização. Nesse sentido, os Parques ainda hoje vão se mantendo tal como em sua origem, como instituições permanentes, com vistas à preservação da biodiversidade através da proteção quanto ao uso direto . No Brasil, registra-se que a importância do tema - que atinge um crescimento de interesse surpreendente em menos de trinta anos, a contar a partir da participação oficial do país na Conferência de Estocolmo, em 1972 -, obriga a Academia, que havia se acomodado em uma posição estática de mera repassadora de um conhecimento catedrático, a dedicar-se a compreender essa mudança de paradigmas e, de certa forma, a “reinventar seu passado”, na medida em que não só havia se transformado a perspectiva crítica como cabia reconhecer que nunca houvera sido de outra maneira. Ou seja, para compreender a natureza como um dado essencial e o homem como inserido na metamodelização da biodiversidade, seria mister reinventar nossos antepassados, encontrando pistas arqueológicas dessa “resistência ambiental”

na

própria

produção

de

conhecimentos.

Nesse

sentido,

e

apenas

exemplificativamente, não faltará quem observe importantes ilações preservacionistas já nas Ordenações Filipinas ou perceba precursores da teorização conservacionistas em estadistas do Império ou chame a atenção para a primeira idéia de se estabelecer Parques no Brasil como partindo do engenheiro abolicionista liberal André Rebouças (cf. Pádua, 2002). De todo modo, a partir da consagração do modelo Yellowstone, os laços entre cientistas brasileiros e o movimento conservacionista internacional, principalmente com a UICN (União Mundial para Conservação da Natureza), colaboraram na consolidação desta concepção de conservação através de PNs no Brasil, influenciando na criação de nossos primeiros PNs: o Parque Nacional de Itatiaia, (1937), o Parque Nacional da Serra dos Órgãos e o Parque

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Nacional do Iguaçu (ambos de 1939). No Brasil, todavia, essa dinâmica, apesar da existência de um movimento pró-Parque, foi liderado por conservacionistas/cientistas que sempre estiveram engendrados na máquina pública. Estes “conservacionistas estatais” foram os responsáveis por implantar no Brasil a política de Unidades de Conservação – UCs - e principalmente a de PNs - PNs. O fato de estarem integrados na máquina pública, permitiu a esses conservacionistas, ideólogos da conservação e propugnadores dos PNs, um rodízio nas principais instituições ambientais e o conseqüente asseguramento da política de UC no país. A passagem dos conservacionistas pelo poder público e pelas instituições de pesquisa vai sendo registrado pelo número de áreas protegidas que vão sendo criadas, principalmente a a grande maioria dos PNs das décadas de 1970 e 1980. A possibilidade de criação destas áreas se dá em função da presença deles nas comissões de elaboração de leis, decretos e colegiados. Os laços entre cientistas brasileiros e o movimento conservacionista internacional já houvera resultado, em 1958, na criação da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza - FBCN -, a qual se transformou no braço não governamental dos conservacionistas que atuavam no governo e nas instituições de pesquisa, sendo considerada a grande influenciadora das instituições responsáveis pela política de UCs. As diretrizes para a criação de futuros parques brasileiros foi estabelecida por este movimento conservacionista, a partir da concepção americana de parques, que considerava como condição essencial dispor de áreas espaçosas e amplas onde a ciência, a estética e a recreação pudessem se harmonizar com a preservação do patrimônio natural, em caráter definitivo. Importante assinalar que o Brasil importou o conceito e a política internacional dos PNs mas não importou a gestão; restringindo, assim, a possibilidade do uso comunitário nas áreas já ocupadas por populações historicamente localizadas. Ao instituir o zoneamento como parte da política de gestão dos PNs, consolidou-se uma lógica de conservação baseada no uso indireto dos recursos naturais, através somente da pesquisa, da contemplação da natureza, da educação e do lazer, eliminando-se a possibilidade de vislumbrar novas formas de uso comunitário. A lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidade de Conservação – SNUC, Lei 9985/2000, consolidou a concepção de conservação materializada nos PNs desde a criação do

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primeiro PN no Brasil, considerando-os como categorias de manejo do grupo de Unidades de Proteção Integral (cf. seu art. 7º, parágrafo 1º). Desse modo, os objetivos desse grupo de UCs são os de preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, e por conseguinte, os objetivos básicos do Parque Nacional (cf. art. 11º) são os da preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. Vale dizer, a nossa legislação mais recente – considerada a “mais avançada do mundo” – perpetua a mesma lógica excludente, pautada na centralização estatal da propriedade e fruto ainda de uma dinâmica pseudo-liberal oitocentista. No centro do debate sobre os PNs está, portanto, a normatização de conservação, impressa e consolidada pela lei máxima das UCs – SNUC. A criação de UCs e em especial de PNs são baseadas na noção de “territorialidade da biodiversidade”, orientada por princípios validados cientificamente, e vista como uma questão em separado das questões inerentes ao território social onde as Unidades se inserem. A delimitação definitiva, consagrando a institucionalização do espaço e a conseqüente construção de um entorno, corresponde a uma outra lógica, a lógica da conservação cujas regras de uso e apropriação do espaço se dão através do uso indireto dos recursos naturais, se contrapondo às dinâmicas de uso e apropriação do espaço enquanto espaço social imerso em um território. Os PNs representam a institucionalização do espaço e seus atributos ambientais adversos ao espaço social. A institucionalização da concepção de conservação através da categoria de manejo denominada Parques Nacional tem evidenciado conflitos socioambientais. O estudo do caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca – PEST, tem, como conseqüência, o propósito de demonstrar como esta concepção, consolidada na política brasileira de UCs, está por traz dos conflitos evidenciados. A criação do PEST obedece a mesma trajetória de muitos parques no mundo, estabelecendo-se como reação ou resposta ao modelo de desenvolvimento que vinha ocorrendo na região onde se insere e à premente necessidade se transformar aquele região rica em biodiversidade em um espaço jurídico protegido e reconhecido como de uso comum de todos. O Parque Estadual da Serra da Tiririca situa-se na Região Sudeste do Brasil, no Estado

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do Rio de Janeiro e se insere na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O Parque foi criado pela Lei 1901, de 29 de novembro de 1991, com objetivos conservacionistas, pautados na proteção integral do ambiente e no uso comum para as atuais e futuras gerações. Trazia ainda a finalidade de proteger a fauna, a flora e as belezas cênicas, além de contribuir para a amenização climática, para a recarga natural do lençol freático, para a redução da erosão, e, sobretudo, para assegurar o direito de acesso da população a esse anbiente privilegiado. O ato de criação legal do PEST não considerou um limite físico definitivo para seu perímetro. Nesse sentido, a lei assegurou uma “área de estudo”, configurando uma delimitação provisória, garantindo a delimitação definitiva no processo participativo e criando para isso uma Comissão paritária formada pela sociedade civil e pelo Estado. Todavia, após 11 anos de criação, o PEST ainda se encontra sem a delimitação definitiva e sofrendo fortes pressões para a utilização do espaço. . O PEST está localizado nas regiões de expansão urbana dos municípios de Niterói e Maricá, abrangendo áreas de inúmeros loteamentos e condomínios, alguns consolidados desde a década de 1940, e outros surgidos após a criação do Parque. O PEST possui em seu interior áreas com atividades de exploração mineral, áreas consideradas historicamente habitadas por comunidades locais (pescadores e pequenos colonos) - que a utilizam para plantio agrícola - e áreas desapropriadas para um Plano de Ação Agrária, ocorrido na década de 1960, além de outras ocupações reais e potenciais. Os conflitos evidenciados vêm desde a de criação do PEST e se configuram por sua inserção regional e local, pelo seu histórico de ocupação, pela precariedade administrativa do Estado e outras questões inerentes a institucionalização do espaço. Esta “institucionalização de conflitos” através da categoria Parque traz à tona os questionamentos entre a institucionalização do espaço para delimitação de um território voltado para os objetivos de conservação e a realidade social, econômica e política, inerentes a este território. O PEST é um produto do movimento ambientalista e comunitário das cidades de Niterói e Maricá. A necessidade de transformar TODA a Serra em uma UNIDADE de Conservação, fôra considerado condição indispensável para resguardar um fragmento de um ecossistema maior, a Mata Atlântica, contextualizando-a no cenário da conservação, garantindo assim a permanência dos ecossistemas enquanto investimento para as futuras gerações, atingindo plenamente os objetivos de conservação.

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A institucionalização do espaço através do Parque Estadual da Serra da Tiririca coloca também em cheque sua condição de submissão às políticas institucionais locais e às demandas e pressões para a ocupação de sua área e de seu entorno - uma vez que se encontra em área de expansão dos municípios atinentes – e, sobretudo, aos interesses políticos locais, que não consideram a conservação atraente, por se constituir em entrave ao crescimento imobiliário e à arrecadação financeira através de impostos. Os resultados diretos refletem na não consecução dos objetivos de conservação impressos na lei de criação do PEST e na crescente pressão sobre o órgão gestor responsável, o Instituto Estadual de Florestas – IEF - que historicamente sofre com a falta de infra-estrutura, devido a não ser ainda prioridade política estadual a questão ambiental florestal. O caminho para a minimização dos conflitos evidenciados com a criação de Parque Estadual da Serra da Tiririca está no campo da gestão ambiental e na consolidação da participação da sociedade inerente ao processo de gestão.

OBJETIVO

Esta Dissertação tem por objetivo justamente contribuir para uma leitura sobre as implicações da concepção de conservação da natureza materializada nos PNs e, em especial, no Parque Estadual da Serra da Tiririca. Procura analisar o processo de criação e implantação do Parque Estadual da Serra da Tiririca e os conflitos evidenciados pela sua criação, configurados nesta pesquisa como advindos da institucionalização da concepção de conservação. Possibilitando, a partir dessa análise, colaborar para a sinalização dos caminhos a serem percorridos para uma gestão ambiental plenamente participativa.

ESTRUTURA

Importa registrar que a autora esteve envolvida com a temática Unidade de Conservação ao longo de sua vida profissional e principalmente com a criação e a implementação do Parque Estadual da Serra da Tiririca – PEST. Esse envolvimento se deu enquanto membro do

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movimento ambientalista que o idealizou e o instituiu, enquanto gestora pública na Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura de Niterói, colaborando na elaboração da legislação municipal de proteção, à Serra da Tiririca e, após a criação do Parque, como Chefe de Gabinete do Instituto Estadual de Florestas, estando envolvida com sua implementação e gestão. Em 1998, a autora realizou relatório para a Comunidade Européia, a partir do qual elaborou ensaio acadêmico intitulado “Aspectos sócio-ambientais e jurídicos do Parque Estadual da Serra da Tiririca” (Revista Plúrima, n.º 5. Porto Alegre: Síntese, 2001, pp. 9-51), relativo à inserção local do Parque, realçando os aspectos sócio-ambientais e problemas advindos com a sua criação. Nesse sentido, a motivação inicial para a realização desta pesquisa, partiu de uma vivência histórica e cotidiana com o PEST e de uma certa inquietação em acreditar que todas as pressões, problemas e conflitos ali evidenciados, contrários aos objetivos de conservação impressos na lei que o criou, eram inerentes a uma deficiência instrumental. Afinal, a autora enquanto “Estado”, esteve defronte às mesmas questões e com poucas possibilidades práticas de resolvê-las. Percebeu-se, então, que os objetivos de conservação, inerentes aos PNs, estariam diretamente relacionados ao conceito ou a uma concepção de PN que vigia no Brasil. Nesse sentido, a pesquisa se ateve a um resgate da concepção de parques no Brasil e no mundo, para compor uma leitura mais apurada sobre as questões do PEST, não se preocupando em considerar outras categorias de conservação da natureza de proteção integral, como Reservas Biológicas, Estações Ecológicas e nem mesmo as de uso sustentável, como as Áreas de Proteção Ambiental, Reservas da Biosfera e outras existentes no Brasil. Não obstante a caracterização dos conflitos sócio-ambientais como sujeito central do texto, vale referir que o termo conflito foi colocado no título de forma propositalmente ambígua, significando a um tempo a idéia de disputa e a de divergência. A Dissertação foi estruturada em duas partes cada uma com três capítulos, além da introdução e da conclusão. Na primeira parte, intitulada “Transferência e Ressonância” aborda-se a questão política da adoção do modelo de PN. Objetiva-se trabalhar com o viés político que considera a construção de modelos internacionais para a preservação ambiental e as estratégias de

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disseminação para validá-los mundialmente, incentivando a incorporação nacional da lógica conservacionista. Desse modo, o capítulo 1, “Parques Nacionais enquanto modelo global para a conservação da natureza” procura descrever a evolução mundial da estratégia conservacionista e a eleição do PN como modelo a ser privilegiado. No capítulo 2, “Ressonância na política conservacionista brasileira”, trata-se de examinar a importação do modelo de PNs pelo Brasil, seu histórico e o cenário político-administrativo que possibilitou um relativo sucesso para essa demanda. O capítulo 3, “Em busca de um conceito para conflito sócio-ambiental”, fechando a primeira parte, procura definir melhor as tensões entre meio ambiente e sociedade, através da construção de um metodologia para a abordagem dos conflitos, buscando identificá-los face a uma seara de falas e perspectivas forçosamente diferenciadas. Na segunda parte da dissertação, sob o título “O caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca” o objetivo não é exatamente demonstrar como o referencial teórico da primeira parte se adequa ao exame empírico, mas, talvez, na realidade, tenha sido o inverso, ou seja, o convívio com as questões e a vivência das paixões é que parece ter produzido essa retirada estratégica, em busca do olhar científico. Esse duplicidade na feitura da dissertação, que busca a confluência entre teoria e prática, e se desdobra em outras dimensões, como na militante que se quer acadêmica ou vice-versa, nos sussurrou a estética de abordagem, que, partindo das teorias de representação dos atores sociais, que fechara o capítulo 3 na parte anterior, emprestava-lhe uma dimensão maior e simbólica. Desse modo, no capítulo 4, “Trajetória de institucionalização do espaço territorial”, apresentamos o palco onde irão se desenrolar os conflitos sócio-ambientais. Palco curioso, onde a formação da autora como bióloga observa com perplexidade e certa nostalgia o mapeamento da biodiversidade local, já não conseguindo mais distinguir o recorte científico pontual, que é capaz de observar a fauna e a flora sem ver a realidade social. Fruto de uma justaposição de olhares (talvez a tal interdisciplinaridade), o objetivo passara a ser o de cotejar a fala da ciência como uma ferramenta a mais a materializar uma lógica de delimitação de espaço, numa espécie de corrida colonialista promovida pelo olhar político do ambientalismo. O capítulo, então, ao descrever um cenário, se desdobra justamente sobre a palavra descrever, e narra este cenário por meio da consolidação do discurso de proteção do patrimônio ambiental através da fala do movimento ambientalista emergente. No capítulo 5 entram em cena os atores sociais. Sob o título “Apresentação dos

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protagonistas, ambientalistas versus poder público”, a lógica da conservação se delineia através de duas falas centrais e configuradas de forma antagônica. O meio ambiente, visto constitucionalmente como patrimônio a ser preservado para as atuais e futuras gerações, sendo dever do poder público e da coletividade a sua manutenção, encontra justamente nos protagonistas descritos a metonímia desse dever cívico. Finalmente, no capítulo 6, “Conflitos selecionados” temos um panorama da ação dramática local, pontuada em momentos exemplares que objetivaram abordar alguns temas centrais cotejados pela pesquisa, como a inserção da populações tradicionais, o conflito de competências no licenciamento local, a conservação da rica biodiversidade como produto da resistência política da militância ambientalista, o declínio de uma lógica desenvolvimentista impactante para o meio ambiente e a judicialização das relações sociais, clamando pelo discurso político-jurídico como delimitador de espaços de atuação. Finalmente, nas Considerações Finais, fechamos um ciclo, que esperamos não seja tão só pessoal ou de uma geração, mais que represente o ingresso em novo estágio, de maturidade administrativa e de ação social em prol de uma gestão ambiental que perceba a necessidade de investimento também na sustentabilidade política das UCs.

METODOLOGIA

A presente dissertação baseou sua metodologia sobre três abordagens: a da pesquisa bibliográfica e documental, a do trabalho de campo para coleta de dados através de entrevistas e exame in loco dos fatos, e a experiência empírica, na ação participação nas reuniões da Comissão Pró-Parque e outras correlatas, como as Audiências Públicas para defunição Plano Urbanistíco (PUR). Para compor os capítulos relativos à trajetória cronológica dos PNs no Brasil e no mundo, baseamo-nos nas publicações de autores atuais, optando-se por utilizá-los por se entender que, ao estarem tentando refazer a história da conservação, elegendo, do ponto de vista deles, os principais eventos, obras e conferências, estes autores estariam revelando, no fundo, uma evolução da lógica da conservação e afirmando uma materialização desta nos PNs. Como nosso viés era o de justamente compreender essa lógica construtivista, não nos

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importava, nesse momento, questionar o método histórico-antropológico, mas interpretar seus resultados operacionais. As informações sobre as áreas que compõe o PEST, os documentos oficiais e trabalhos científicos existentes sobre o mesmo já eram de pleno conhecimento da autora, facilitando em muito a pesquisa. Por outro lado, as dificuldades giravam em torno do levantamento relativo ao histórico local e a informações e materiais específicos sobre a região. Nesse sentido, primou-se por fazer um levantamento documental sob duas vertentes: 1) a apuração da existência de documentos escritos (propagandas, documentos, notícias de jornal, títulos de propriedade, ações judiciais etc.) – face às escassas publicações existentes sobre a história de Niterói - e 2) entrevistas orais. O resultado foi a absorção de um material multivariado e diferenciado que conta com elementos como depoimentos orais de moradores e sitiantes antigos, de velhos contadores de histórias, de etnógrafos autodidatas, de notícias em jornais locais, de folders de ONGs, de anotações em trabalhos de campo, de laudos de biólogos, de denúncias na internet e muitos outros. Na busca de documentos, livros e registros do histórico de ocupação da região onde se insere o Parque, percebeu-se a inexistência de bibliografia ou de documentos relevantes. Todavia, na insistência por fontes fidedignas, deparamos com um contundente documento, escrito com pouco rigor literário, mas repleto de pesquisas e informações, de autoria de um antigo morador popularmente conhecido como Machadão, e que havia se dedicado a escrever os Quinhentos anos da Região Oceânica. Para sua vasta pesquisa, feita no correr de vários anos, sem compromisso formal, de maneira autodidata e permeado de fontes orais, este senhor havia consultado, contudo, toda a bibliografia existente sobre Niterói, bem como alguns documentos a que teve acesso. A pesquisa de Machadão se tornou muito importante para um análise geral da ocupação e da dinâmica econômica e política da região do Parque desde 1500. Foram analisadas, ainda, as diversas reportagens dos jornais locais e de grande circulação, desde a criação do PEST até os dias atuais, na intenção de se perceber como foi registrado pela imprensa todo o histórico de criação e o tratamento dado aos “problemas” evidenciados durante e depois da criação do Parque (cf. Anexo 2). Foram analisados, também, todos os processos administrativos e judiciais existentes, assim como planos e projetos relativos ao PEST existentes no Instituto Estadual de Florestas.

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A ida a campo para as entrevistas tomou como motivação a idéia de que, além da ferramenta Parque, entendida como modelo internacional de gestão, e portanto impessoal e mesmo desterritorializante, as falas da população local e dos atores socias ligados ao PEST permitiriam cotejar um outro Parque, construído dialogicamente. As entrevistas ocorreram nos períodos de novembro de 2001 a março de 2002 Partiu-se de roteiros semi-estruturados, configurando-se em uma conversa informal. Algumas entrevistas foram feitas sem a utilização do gravador devido a solicitação de alguns entrevistados. Apesar das inúmeras tentativas, não foi possível entrevistar o subsecretário de Urbanismo da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói e o Diretor de Meio Ambiente da Secretaria de Obras e Meio Ambiente de Maricá. Foram realizadas entrevistas com: a) Universo Institucional: -

Presidente do IEF

-

Diretor de Conservação da natureza do IEF

-

Coordenador da Comissão Pró-Parque

-

Administrador do Parque Estadual da Serra da Tiririca

-

Técnicos do PEST

-

Secretário Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói

-

Subsecretário de Meio Ambiente de Niterói

-

Diretor de Projetos e Planejamento da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói.

-

Técnicos da Subsecretaria de meio ambiente de Niterói

-

Promotor de Justiça da Promotoria de Justiça da Cidadania, Direitos Difusos e Meio Ambiente..

b) Universo das ONGs: -

Membro do Projeto Ecoando

-

Membro do Grupo Excursionaista Serra da Tiririca - GEST

-

Membro da Associação de Moradores do Vale da Penha – AMAVAP

-

Membro do Movimento Ecológico de Itaipuaçu – MEI

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-

Membro do Grupo Caminhante Independente.

-

Membro do Grupo NEA – Protetores da Floresta

-

Membro do grupo histórico Cidadania Ecológica.

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c) Setor Privado e Outros: -

Diretor da Empresa Imobiliária PATRIMÓVEL

-

Proprietário da Empresa Imobiliária TERRABRAS

-

Proprietário da Mineradora Inoã

-

Moradores residentes em área do PEST

-

Moradores antigos dos bairros do Engenho do Mato e Itaipu

-

Sitiantes tradicionais do Engenho do Mato

-

Moradores de comunidades de baixa renda em área do PEST no Engenho do Mato. Os depoimentos orais dos sitiantes antigos tiveram dois objetivos básicos: 1) perceber

como estes sitiantes visualizavam o PEST, uma vez que eles eram moradores tradicionais da Serra da Tiririca e alguns ainda realizam o plantio de banana e outras culturas consideradas impactantes sob o ponto de vista conservacionista; 2) de tentar reconstruir a história agrícola da região do Engenho do Mato, que foi palco de diversos conflitos fundiários, entre os quais um Plano de Ação Agrária idealizado na década de 1960, cujo objetivo era exatamente assegurar o direito destes sitiantes a continuar produzindo, tendo em vista as investidas do setor imobiliário na década de 1950. A conversa com estes sitiantes foram cruciais para o entendimento da forma de ocupação deste território como também dos laços culturais e afetivos que estes moradores tinham e têm com a Serra da Tiririca. Os sitiantes entrevistados haviam sido contemplados por este plano governamental e, uma vez contactados, se mostravam muito arredios a conversarem sobre o assunto, em função de entenderem como precária a situação jurídica de suas terras, encarando com desconfiança a criação de um Parque, enquanto uma espécie de confisco estatal de suas terras. Para eles, tanto as empresas imobiliárias da década de 1950 quanto a criação do Parque na década de 1990 eram igualmente tentativas de retirá-los do local onde nasceram e trabalhavam. Ambos, especulação imobiliária e Parque, haviam procurado tomar um espaço de uso secularmente comunitário. Desse modo, o trabalho de colher os depoimentos levaram muito tempo para serem

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concretizados. Outra importante fonte de dados foi o acompanhamento das reuniões da Comissão PróParque, onde, procuramos realizar um acompanhamento dos sucessivos debates de forma neutra, e apenas enquanto “observadores”. Todavia, o próprio reconhecimento dos presentes do histórico de militância da pesquisadora, volta e meia oportinizava alguma intervenção crítica. O que, afinal, nos fez questionar os limites da “neutralidade acadêmica”. Buscando, ainda, uma cronologia para a construção da lógica da conservação e sua ressonância no Brasil, entrevistou-se o conservacionista histórico Alceu Magnanini. A entrevista com o professor Magnanini ocorreu na sede do IEF, em dezembro de 2001, onde ele atuava na política de UCs para o Estado do Rio de Janeiro. A relevância desta entrevista está no fato de que o professor Alceu Magnanini foi um dos conservacionistas responsáveis pela criação e implantação da política brasileira de UCs e principalmente da política de parques no Brasil. Não seria exagero dizer que o professor Magnanini representa a história da conservação no Brasil, uma vez que sua passagem por diferentes órgãos públicos de relevância para a conservação, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, seja como diretor ou como técnico destas instituições, além de sua participação em comissões oficias e colegiados de grande relevância que culminaram na elaboração das principais leis e política públicas no Brasil para a conservação, renderam ao Brasil dezenas de PNs. Além disso, o professor Magnanini esteve a frente da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), foco do conservacionismo não estatal brasileiro. Importa, por último, relatar que no dia dessa entrevista, deparamos com o professor Magnanini entusiasmado, olhando fixamente um iceberg na tela de um computador, e explicando para a secretária do IEF que o segredo daquele pequeno bloco de gelo flutuante estaria em não revelar a sua “verdadeira face”, ou seja, que este se constituiria em um gigantesco bloco de gelo imerso sob a água do mar. Após duas horas ininterruptas de entrevista, deparou-se-nos a impressão, ao final, de que, mesmo despretensiosamente, o professor estaria a revelar que as centenas de parques brasileiros, oriundos de uma forte convicção conservacionista, estariam escondendo a sua “verdadeira face”. Por trás da concepção destes estaria uma verdadeira mudança de paradigmas. Pautando-nos em uma mudança nas relações entre a sociedade e a natureza, mergulhamos sem dúvida nesse mar de águas gélidas e profundas, na busca dessa leitura “submersa”.

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PARTE I TRANSFERÊNCIAS E RESSONÂNCIAS DA CONCEPÇÃO DE CONSERVAÇÃO

Num dia excessivamente nítido, Dia em que dava a vontade de ter trabalhado muito Para nele não trabalhar nada, Entrevi, como uma estrada por entre as árvores, O que talvez seja o Grande Segredo Aquele Grande Mistério de que os poetas falsos falam. Vi que não há Natureza, Que Natureza não existe, Que há montes, vales, planícies, Que há árvores, flores, ervas, Que há rios e pedras, Mas que não há um todo a que isso pertença, Que um conjunto real e verdadeiro É uma doença de nossas idéias. A Natureza é partes sem um todo. Isto é talvez o tal mistério de que falam. Foi isto o que sem pensar nem parar, Acertei que devia ser a verdade Que todos andam a achar e que não acham, E que só eu, porque a não fui achar, achei. (Alberto Caieiro, “O guardador de rebanhos”, XLVII)

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1. PARQUES NACIONAIS ENQUANTO MODELO GLOBAL PARA A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

O que nós vemos das cousas são as cousas Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra? Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos Se ver e ouvir são ver e ouvir? (Alberto Caieiro, “O guardador de rebanhos”, XXIV, 1-4)

1.1. A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CONSERVACIONISTA.

Não se tem registro completo de todas as iniciativas de proteção de áreas naturais no mundo desde os tempos remotos. Mas se supõe que essa prática tenha sido perseguida por milhares de anos, por quase todos os povos do planeta. Podemos pensar que a proteção de tais áreas estavam associadas à fontes de animais sagrados, à água pura, à plantas medicinais, à matéria prima para uso especial, à mitos e ocorrências históricas. O acesso e o uso dessas áreas e dos seus recursos eram controlados por tabus, éditos reais e mecanismos sociais comunitários. A mitologia grega é farta em referências nesse sentido, com toda uma geração de deuses justamente composta por forças naturais, assim o deus Oceano, o deus Hélio (Sol), a deusa Terra... E, em nova geração divina, após a batalha de Cronos para estabelecer a ordem olímpica, inventando o tempo, a deusa Diana irá assegurar as florestas. Segundo Miller (1997), uma das mais antigas referências documentadas vem da Ásia

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onde o Imperador Ashoca, da Índia, em 252 a.C., ordenou a proteção de certos animais, peixes e áreas florestadas. A primeira área de proteção na Indonésia foi criada no ano de 684, na ilha de Sumatra, por ordem do Rei de Srivijva. No século XV registram-se reservas de caça na India, e no Nepal, onde o Parque Nacional de Chitwan foi criado inicialmente como reserva de caça para a família real. Alguns Parques Nacionais hoje mundialmente conhecidos foram inicialmente criados como reservas de caça como é o caso do Ujung Kulon em Java e Ranthambore na índia. "Esses sítios preservavam não somente valores culturais e religiosos, como também os habitats florestais próximos" (Miller, op. cit., p.4) No Ocidente, as primeiras idéias de proteção de áreas naturais datam da Idade Média, na Europa, onde o estabelecimento de tais áreas giravam principalmente em torno da garantia dos recursos para subsidiar a caça e o suprimento de madeira para a aristocracia rural e a realeza, estabelecendo, assim, um certo uso privado dos recursos naturais. Com os normandos, iniciou-se a experiência britânica em criar reservas naturais, que surgiram em função do grande interesse daqueles povos pela caça e os esportes, estabelecendo assim reservas conhecidas como Forest, que chegaram a ocupar grande parte do território inglês. Apesar de serem de propriedade da coroa, os camponeses que viviam nessas áreas eram obrigados a obedecer às leis florestais, protegendo a fauna e seus habitats (cf. Quintão: 1983; p. 14). As sociedades foram criando variações, destinações no tratamento da posse da terra refletindo diretamente na concepção de conservação. Segundo Davenport e Rao (2002, p.54 ), os gregos foram os primeiros a democratizar espaços: suas cidades maiores, incluindo Atenas, ofereciam aos cidadãos uma praça para reuniões públicas, relaxamento e espairamento. Tais iniciativas, acreditam os autores, são equivalentes antigos dos modernos parques urbanos. Segundo Milano (200, p.13), outras medidas de proteção foram tomadas em vários países europeus até a Revolução Industrial, mas estavam fundamentados na utilização da natureza por certa parte da população. No século XVI, com a expansão européia no Ocidente, África, Austrália e na região do Pacífico, inaugurou-se a retirada intensiva de recursos naturais que tinham grande aceitação no mercado internacional. Inicia-se, assim, um ciclo ininterrupto de exploração, impulsionando o avanço predatório sobre as florestas. Com a Revolução Industrial, configurada como o avanço da ciência aliado à técnica, inicia-se, na Inglaterra, uma grande inquietação por parte de alguns segmentos da sociedade

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européia, especialmente os intelectuais, dando origem aos primeiros movimentos para a proteção de áreas naturais que pudessem servir à população de maneira geral, devido ao número de trabalhadores nas fábricas que demandavam espaços para recreação e lazer. Nesse mesma época, nos Estados Unidos, começa a discussão através dos movimentos preservacionistas sobre a necessidade de se proteger a natureza de uma forma mais ampla, não apenas pelo potencial de fornecer recursos às camadas mais privilegiadas da população, e nem exclusivamente na forma de parques urbanos, mas no sentido de garantir o que já se considerava a herança natural das futuras gerações. Para alguns autores, novos valores e comportamentos em relação à natureza começam a surgir. A vida nas cidades começa a dar sinais de saturação; a corrida para as terras devolutas, a expansão de uma agricultura moderna e da indústria, aliadas à afirmação da classe burguesa, que aos poucos consolidava um padrão consumista, contribuíam para um crescente estado de agitação e desgaste. A qualidade de vida nas cidades começa a ser questionada. Por volta de 1890, ainda segundo Koppes (1988), os custos ambientais e sociais tornaram-se evidentes e as celebrações do final do século foram também marcadas pela ansiedade, tensão e dúvidas. A situação era tão grave que o Census Boreau, em seu famoso relatório de 1890, declarou que as fronteiras para novas expansões agrícolas estavam fechadas e que a maioria das terras devolutas governamentais haviam sido apropriadas" (Diegues, 1996, p .26).

O pensamento preservacionista tem seu impulso na metade do século XIX com as idéias de teóricos que conspiravam um mundo natural sem a interferência humana. O movimento de criação de áreas naturais protegidas nos Estados Unidos foi influenciado por teóricos como Thoreau e Marsh, que criticaram a destruição das florestas provocada pelo avanço dos colonos para o oeste do país e as ações das madereiras e mineradoras contra as áreas naturais (cf. Diegues, id., ibid.). Para Brito, na percepção dos preservacionista, havia uma dissociação intrínseca entre homem e natureza. "Para eles, natural era aquilo que prescindia da presença ou atuação humana e que permanecia tal como foi originalmente criado pela "ação divina". (Brito, 2000, p. 21) Em termos teóricos, nos Estados Unidos do século XIX, haviam duas visões de conservação do "mundo natural" que tiveram grande importância no conservacionismo dentro e fora dos Estados Unidos. Uma delas apregoada por Gifford Pinchot, engenheiro florestal que

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defendia a conservação através do uso racional dos recursos naturais. Para este teórico, a humanidade poderia se beneficiar dos recursos naturais, inclusive as gerações futuras, se estes fossem eficientemente explorados e não desperdiçados de forma a assegurar a produção máxima sustentável. Diegues atribui às idéias de Pinchot o papel de precursoras do que hoje se chama desenvolvimento sustentável; “Pinchot agia dentro de um contexto de transformação da natureza em mercadoria" (Diegues, op. cit., p. 29) . As idéias de Pinchot influenciaram o debate sobre ecodesenvolvimento na década de 1970 e foram consideradas como enfoques importantes na Conferência de Estocolmo, na Rio 92 e em documentos importantes como “Nosso Futuro Comum” (1987) e “Estratégia Mundial para a Conservação” (1980), da IUCN/WWF. A segunda visão de conservação é atribuída aos teóricos preservacionistas que têm como precursor Henry Thoureau, cujas obras, em meados do século XIX, se baseavam na existência de um ser universal, transcendente no interior da natureza. Thoureau influenciou a corrente preservacionista de pensamento. John Muir foi o teórico mais importante do preservacionismo, a seguir as idéias de Thoureau; para ele, o homem não poderia ter direitos superiores aos animais; animais, plantas, rochas e águas eram fagulhas da mesma Alma Divina que permeava a natureza. (cf. Diegues, op. cit, p. 31) As idéias de Muir e de outros preservacionistas puros ganharam um apoio científico e da história natural. John Muir, como preservacionista ativista, foi responsável por campanhas bem sucedidas em defesa dos parques nacionais e do estabelecimento do Sistema Nacional de Florestas e particularmente pela criação do Parque Nacional Yosemite, em 1890. Observa-se nitidamente as influências desse teórico sobre o pensamento da conservação no mundo, pois o fato de suas idéias defenderem direitos iguais para plantas, animais e homem, consagravam, paulatinamente, o conceito de conservação, que permitia aos homens apenas desfrutar indiretamente da natureza, numa tentativa de igualá-los aos ritmos dos animais e plantas que, apesar de utilizar os recursos naturais, não o esgotavam. Os estudos de Ernest Haeckel, em 1869, apresentaram ao mundo o conceito de Ecologia assentado sobre a interdependência entre os seres vivos circunscritos em um habitat ou na biosfera. Anos mais tarde, a teoria da evolução de Charles Darwin colocando o homem de volta na natureza, tornou-se fonte importante do ambientalismo e da ética ambiental. Os esforços de Haeckel e Darwin fundamentaram a formulação de um conceito adequado de

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conservação da natureza. De toda maneira, a idéia de conservação enfocava concepções opostas. A primeira corrente, considerada a futura corrente do desenvolvimento sustentável, entendia a conservação como utilização da natureza com critérios. Enquanto a corrente oposta, considerada a dos preservacionistas puros, entendia a conservação dos recursos naturais enquanto “preservação” ou seja, o uso admitido seria o uso indireto, nesse sentido, a contemplação, a educação e o turismo. Percebe-se, no entanto, que esses teóricos precursores do pensamento conservacionista estariam dando os primeiros sinais de que a conservação dos recursos estava intrinsecamente relacionada à conservação do meio ambiente como um todo, reafirmando a necessidade de conservar o todo para que a vida se perpetuasse. Reverenciar a natureza ou utiliza-la passava, necessariamente, pelo respeito ao todo, pela dinâmica natural e pela interdependência dos seres vivos. Fosse qual fosse a corrente de pensamento, a natureza se tornava “espaço público” para todos e para as futuras gerações. O conceito de conservação nessa época era similar ao de preservação, não havendo ainda uma separação nítida entre as correntes de pensamento. Conforme atesta Diegues, a teoria da evolução de Darwin, os avanços da ecologia como ciência e principalmente a noção de ecossistema criada por Tansley em 1935 avançaram gradualmente da concepção de "conservação estética" para a de "conservação objetiva", enfatizando a importância da conservação de ecossistemas e do desenvolvimento da técnica para seu manejo adequado. O aumento do conhecimento científico denunciava, por sua vez, a complexidade da natureza. Com isso, a concepção de conservação incorporava outros elementos, e, aos poucos, influenciava nas políticas de criação de parques. Koppes (apud Diegues) assinala uma mudança de orientação no Serviço de PNs, que passou a criar UCs seguindo critérios ecológicos e não mais estéticos. "Apesar de conflitos com os setores desenvolvimentistas e conservacionistas, a escola preservacionista no pós-guerra continuou com força política assegurando a inviolabilidade dos PNs, construindo uma base importante para o movimento ambientalista emergente dos anos 60 e 70." (Diegues, op. cit, p. 34). No início do século XX, a obra do físico Albert Einstein sobre a teoria da relatividade e a teoria dos fenômenos atômicos deram origem à teoria quântica. A teoria de Einstein revelou que o mundo não poderia ser analisado a partir de elementos isolados e independentes, a idéia de harmonia inerente à natureza era cientificamente comprovada, transcendendo a

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divisão cartesiana, gerando grandes implicações em todos os campos da ciência.

1.2. A MATERIALIZAÇÃO DA CONSERVAÇÃO ATRAVÉS DOS PARQUES NACIONAIS

No mundo ocidental, a tentativa de assegurar a proteção da natureza contra o modelo civilizatório adotado pelo homem desde seus primórdios sempre foi perseguido pela sociedade em diferentes épocas. Até o final do século XIX, o objetivo de proteção das áreas naturais era garantir que os recursos naturais nela contidos, com destaque para paisagens de grandes extensão, permaneceriam em estado original para usufruto da população. Com o desenvolvimento científico-tecnológico e a incorporação de um sistema econômico pautado na exploração da natureza, encarada como matéria-prima inesgotável, gerou-se, paulatinamente, uma mudança de enfoque, incorporando novos conceitos que priorizavam cada vez mais a conservação da biodiversidade. Buscava-se, então, a delimitação de áreas que protegessem as mais significativas amostras de ecossistemas naturais. A idéia subjacente da conservação, que se consolidava por influência dos teóricos naturalistas e da ciência emergente, era calcada na visão de isolamento do homem da natureza. Nesse sentido, a conservação da natureza passou a ter como um dos seus pressupostos as áreas naturais protegidas ou Unidades de Conservação – UCs - e em especial os Parques Nacionais PNs. Essa visão de proteção/preservação foi ainda mais consolidada com a criação do primeiro parque nacional do mundo; o Yellowstone National Park, nos EUA, como veremos adiante. Os PNs foram as primeiras UCs concebidas em todo o mundo. A partir da criação destes consolida-se o conceito de conservação, inicialmente atrelado ao conceito de PN. Com a criação de outras UCs no decorrer do século XX, com diferentes objetivos de conservação, os PNs vão sendo concebidos como o local da conservação in situ, ou seja, a conservação realizada no próprio local, no “local natural”. Nesse sentido, a categoria jurídica de proteção denominada Parque Nacional vai adquirindo finalidades restritas voltadas para a conservação de áreas através do uso indireto dos recursos naturais. Ao longo do tempo, com o a redefinição do conceito de Parque, os parques passaram a

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ser uma das formas de conservação dos recursos naturais e não a única forma, passando, portanto, a serem considerado uma categoria de manejo. Essa mudança de representatividade parece ser fruto da consolidação da prática de criação de parques no mundo todo e, principalmente, nos países do terceiro mundo, que detém índices expressivos de biodiversidade. A necessidade de se distinguir objetivos de conservação para cada amostra de ecossistema, conjugando-os a um sistema ou à criação de mosaicos de ecossistemas, proporcionou a criação de novas categorias de manejo. A idéia subjacente era a de que a conservação só é eficiente quando consegue assegurar juridicamente e de forma sustentável os diferentes ambientes do planeta. Com a retomada do debate da conservação e o atrelamento deste ao conceito de desenvolvimento sustentável, houve um deslocamento progressivo dos parques “do centro da conservação” para a “periferia”, ou seja, outrora considerados como a forma prioritária de se conservar a natureza, ao longo do tempo foram se constituindo em uma das formas de conservação. Este deslocamento acabou “confinando” os ideólogos da conservação1 nesta categoria. No centro do debate entre conservação e PNs estariam os benefícios diretos do uso indireto da natureza, todos voltados para o campo dos serviços ambientais, ou seja, a perpetuação da vida, assegurando os recursos hídricos, a condição climática e outros A evolução do conceito de Parque ao longo da história traduz a evolução do conceito de conservação. Até meados da década de 1960, as únicas formas de conservação da natureza através de áreas protegidas eram restritas a poucas categorias, dependendo de cada país; o único consenso no mundo ocidental eram os PNs, considerados, de forma emblemática, como a estratégia por excelência para a conservação dos recursos naturais e de seu uso público indireto. Apesar de ter havido um movimento internacional em torno da criação e defesa dos parques nacionais, não existia uma definição ou um conceito básico, modelar, que pudesse orientar a seleção e o manejo de parques (cf. Milano, op. cit.). Para se entender um pouco da evolução do conceito de conservação no Brasil é preciso 1

A expressão: ideólogos da conservação é usada pelo sociólogo Antônio Carlos Diegues (op. cit.) para se referir ao segmento conservacionista, responsável por consolidar a prática da conservação através das UCs. Diegues utiliza esta expressão de forma crítica para chamar a atenção sobre o conceito de conservação impresso por este grupo, que não vislumbrou a presença humana nas Áreas Protegidas ao longo dos séculos.

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entender como essa concepção caminhou na Europa e nos EUA, pois, ao se transferir a concepção de PNs para o Brasil, nascida com o Yellowstone Park, nos EUA, houve uma ressonância à idéia de conservação embutida nessa concepção.

1.3. O PROTÓTIPO: YELLOWSTONE PARK, CONTRIBUIÇÃO DOS EUA NA INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PARQUE NACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONSERVAÇÃO

A criação do primeiro Parque Nacional do mundo se deu nos Estados Unidos, no final do século XIX, em 1872, na região nordeste de Wyoming. O Yellowstone National Park, “nasce” como vitória do movimento preservacionista. Nesse sentido, a idéia de assegurar áreas de exuberante beleza e refúgios de "vida natural", com áreas de preservação em caráter perpétuo para uso comum do povo, surgia em contraposição à exploração dos recursos naturais a serviço de um modelo de desenvolvimento e progresso calcado na conquista do oeste americano. Os Estados Unidos foram invadidos por empresas pioneiras que avançavam territorialmente incentivadas pelas novas estradas de ferro que, de forma desenfreada, devastavam as florestas nativas. O Yellowstone foi a reação dos preservacionistas americanos ao caráter privativista e devastador dessa indústria do desenvolvimento. O pressuposto inicial que fundamentou a existência de áreas naturais protegidas em muitos países foi a de socialização do usufruto, por toda a população das belezas cênicas existentes nesse território. (Brito, 1995, p.20 ) Esta área serviria também para a preservação contra qualquer interferência ou exploração de madeira, depósitos minerais e peculiaridades naturais dentro do parque, além de garantir sua perpetuidade em estado natural (Packard apud Quintão, 1983, p.14 ) Aquela região foi poupada da devastação que ocorreu após a "marcha para o oeste", graças a uma decisão dos exploradores da Expedição Washburn-Langford-Doane. Eles estavam a par da exploração que vinha ocorrendo em seu redor, inclusive a extração extensiva de madeira para construir cidades, muitas vezes deixando a paisagem sujeita a incêndios incontroláveis. Viram a dizimação dos rebanhos de bizontes, motivada em parte pela construção de estradas de ferro através do país; e viram a extração de minérios usando técnicas que poluíam os solos e cursos d`àgua. Por sorte das gerações futuras, aqueles exploradores optaram por reclamar a área em nome de todo o povo e das gerações vindouras, e não para enriquecimento pessoal. (Miller: 1997., p. 5)

Mas foi conjuntamente com a criação do Yellowstone National Park, nos EUA, em 1872, a partir do qual se iniciou a criação de vários PNs no mundo, que a idéia de estabelecer

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regras para acesso, apropriação e uso humano da natureza. também teve início. A criação do protótipo disseminou-se enquanto prática da conservação por todos os países do mundo. Nesse sentido, os parques têm sido defendidos e consolidados como idéia de ordem, de separação de pedaços de natureza sobre os quais se reconhece uma chancela de intocabilidade, em função de uma desordem ambiental. A conservação, nesse sentido, aparece como uma forma de se colocar ordem no caos provocado pela espécie humana. O Yellowstone National Park, inaugura, de forma paradigmática, uma inversão de valores onde a "natureza para alguns" começa a ser tratada como "natureza para todos", realçando a esfera do bem comum e a idéia de uso comum pelas futuras gerações. Desse modo, o Yellowstone não só inaugura uma nova prática de proteção jurídica dos ecossistemas naturais como consagra, instaura e consolida uma política de proteção modelo, que foi seguida e aplicada em todos os países do ocidente, reafirmando o poder e o controle do Estado sobre as terras públicas. Vale

dizer,

o

Yellowstone

tem

um

grande

significado

no

cenário

conservacionista/preservacionista mundial, na medida em que sobrepõe uma "nova" lógica nas relações sociedade e natureza: a lógica da conservação baseada no caráter público do meio ambiente e no uso indireto dos recursos naturais. A partir dele a idéia de Parque passou a significar tanto proteção como acesso público. Diegues analisa essa concepção de conservação e de mundo natural que passam, necessariamente, pela exclusão da presença humana: É significativo que em 1 de março de 1872, quando o Congresso dos E.U.A criou o Parque Nacional do Yellowstone também determinou que a região fosse reservada e proibida de ser colonizada, ocupada ou vendida segundo as leis dos E.U.A e dedicada e separada como parque público ou área de recreação para benefício e desfrute do povo; e que toda pessoa que se estabelecesse ou ocupasse aquele parque ou qualquer de suas partes (exceto as já estipuladas) fosse considerada infratora e, portanto, desalojada (Miller apud Diegues, 1996, p. 27).

Uma das grandes tarefas do grupo idealizador do Yellowstone foi pensar em como tornar o parque um modelo de conservação, elaborando de forma planejada as áreas que deveriam ter ou não a presença humana (cf. Magnanini, entrevista pessoal). Haveria, nesse sentido, um “direito específico” de uso dos recursos naturais, uma forma regrada, ordenada de uso e apropriação desses recursos. Miller (op. cit.) atesta essa

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premissa, quando considera o Yellowstone como símbolo do primeiro esforço para implementar o enfoque do manejo de UCs. O planejamento e o ordenamento (etapas do manejo) da área do Parque se incorporavam, aos poucos, ao conceito de conservação. Ao se fortalecer institucional e politicamente, o primeiro PN do mundo consolidou um modelo de política de conservação que, em nome das belezas cênicas, da proteção dos recursos naturais, dos direitos das futuras gerações, do uso comum e da garantia de terras públicas, eliminou a presença humana do cenário da preservação. O usufruto público simbólico se sobrepôs ao usufruto comunitário, isto é, comunidades historicamente localizadas, populações tradicionais, tornaram-se potenciais inimigos da conservação da natureza. O Parque Nacional de Yellowstone foi criado por motivos cênicos, pela natureza em si, excepcional, sem conhecimento da fauna e a flora, apenas conhecimento geral... Quem criou esse primeiro parque e posteriormente outros foi um grupo de idealistas liderado por um cara milionário... Esse grupo pensou e executou o Yellowstone justificando a criação no cenário de preservação para o futuro daquelas belezas (Magnanini, entrevista cit.)

A política de criação de PNs nos EUA considerava a necessidade de criação de florestas nacionais ao redor destes. As florestas nacionais eram também de propriedade do governo, mas possibilitavam a caça, a pesca, a retirada de minerais a agricultura e outros usos de forma limitada. Os moradores das florestas nacionais não podiam expandir suas casas ou sua plantação, as limitações impostas eram condição imprescindível para a permanência de famílias em tais reservas. A força de Yellowstone pode ser entendida pela capacidade de nortear a política americana de proteção de áreas naturais, incentivando a criação, mesmo que quarenta anos depois, do Serviço de Parques Americanos, uma estrutura administrativa específica, econômica e politicamente poderosa projetada para ser fixada junto ao gabinete da Presidência da República dos EUA.

1.4. CONSTRUÇÃO MUNDIAL DO CONCEITO DE CONSERVAÇÃO

Já no início do século XX, o Canadá, a Argentina, o Chile, a Venezuela e outros países

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caracterizados pela colonização européia, iniciaram movimentos de criação de PNs. Segundo Miller (op. cit.), o interesse popular em visitar os PNs tanto nos Estados Unidos como nesses Estados intensificava-se, forçando políticas e programas destinados a promover o desenvolvimento de tais áreas. "Construíram-se estradas de ferro cortando os Estados Unidos, o Canadá e a Argentina, para levar turistas a novas acomodações construídas por empresas privadas, muitas vezes fortemente subvencionadas pelo governo" (p. 6). A idéia de um planejamento do território da conservação, apoiado em regras de uso e apropriação, ganhava aos poucos status de “gestão”, sendo absorvidos por vários países. Ao mesmo tempo, a consolidação da idéia de proteção da biodiversidade, suprimia a presença humana, considerada incompatível com a manutenção desta riqueza. Nesse sentido, destaque-se a criação de um PN na Suíça, criado em 1914, com objetivos científicos, onde a pesquisa poderia subsidiar conhecimentos sobre os efeitos das atividades humanas sobre a natureza intacta, influenciando, desta forma, outros parques com objetivos semelhantes. Percebe-se que, embutida na idéia de conservação da biodiversidade, estava a possibilidade de reservar bancos de espécies, que possibilitassem a diversificação, consolidando a idéia de que as áreas naturais se tornavam locais fundamentais para a conservação in situ . A ênfase junto à biodiversidade fortalece a idéia de PNs, que agrega ao conceito de conservação a necessidade do zoneamento planificado, no intuito de justificar a visitação pública e a necessidade de áreas intocáveis. A necessidade da manutenção dessa biodiversidade vai, aos poucos, norteando o “planejamento dos territórios” criteriosamente identificados para o cumprimento dos objetivos da conservação. As conferências mundiais ocorridas ao longo da história pós Yellowstone, voltadas para a consolidação, reafirmação ou criação de novas definições para os PNs ou para o estabelecimento de novas regras de uso e gestão destes, construíram, paulatinamente, uma concepção teórica, mesmo ideológica, da conservação, subsidiando uma lógica para a conservação. São as diretrizes, normas e conceitos consolidados nestas conferências mundiais que foram reafirmando ou, em alguns casos, orientando as políticas públicas de quase todos os países do ocidente. O estabelecimento de conceitos para a conservação, conjuntamente com a consolidação do modelo dos PNs, foi reafirmando os valores biológicos como valores vitais, ou agregando valores voltados para a biodiversidade.

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As UCs foram se afirmando enquanto espaços de paisagens. A UC, enquanto amostra exemplar, era compreendida enquanto território da biodiversidade, lugar da essência ecossistêmica.

1.4.1. Conferências mundiais e encontros internacionais.

A análise dessas conferências mundiais e encontros internacionais, promovidos pelas Nações Unidas ou pela Sociedade Civil já foram exaustivamente apresentadas por quase todos os autores que pesquisam as UCs no Brasil. A idéia de analisá-las também se justifica aqui por uma diferente perspectiva: não se trata de reconhecê-las em seu estatuto jurídico de Direito Internacional Público ou em sua dinâmica propagadora de uma Era Ecológica, mas, outrossim, de considerá-las em seu papel chave no processo de construção de uma lógica para a conservação. Nesse sentido, os reflexos dessas conferências são materializados na criação dos PNs em todo o mundo - e especialmente no Brasil. No nosso entender, as exaustivas menções feitas a essas reuniões internacionais, denotam o peso que estas têm na construção do conceito de UCs e, em especial, de PNs.

1.4.1.1. Convenção para Preservação da Fauna e Flora em seu Estado Natural, Londres, 1933

Segundo Milano (op. cit.), apesar de ter havido um movimento internacional em torno da criação e defesa dos PNs, não existia uma definição ou conceito básico e modelar que pudesse orientar na seleção e no manejo de parques. A Convenção para Preservação da Fauna e Flora em seu Estado Natural ocorrida em Londres, em 1933, é considerada por alguns autores como uma das primeiras reuniões de caráter internacional para a definição do conceito de Parque. Segundo Brito (op. cit.), a partir desta Convenção ficou consolidada a definição de parques a partir das seguintes características: a) áreas estabelecidas para propagação, proteção e preservação da fauna silvestre e da

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vegetação nativa, e para a preservação de objetos de interesse estético, geológico, préhistórico, arqueológico e outros de interesse científico, para o benefício e desfrute do público em geral; b) que fossem controladas pelo poder público, e cujos limites não poderiam ser alterados, onde nenhuma parte poderia estar sujeita à alienação, a menos que assim fosse decidido pelas autoridades legislativas competentes. c) onde a caça, abate ou captura da fauna e a destruição ou a coleta de flora, deveriam ser proibidos, exceto sob a direção ou controle das autoridades responsáveis . d) onde seriam construídas instalações para auxiliar o público em geral a observar a fauna e a flora. Como o caráter era o de Convenção, o documento final para padronização internacional do conceito teórico de Parque, demandou assinaturas de todos os países presentes. Segundo McCormick (1992), a assinatura por parte do países africanos rendeu uma certa antipatia das populações locais para com o conceito de proteção da vida selvagem, pois ao visar restringir as ameaças à vida selvagem, garantindo-as somente para "uso indireto", estar-se-ia também restringindo o direito tradicional de caça por parte dos nativos. Percebe-se, então, que o termo preservação que intitulou a Convenção, enfatizava o “uso indireto” dos recursos naturais, enraizando-o como conceito em todos os países signatários.

1.4.1.2. Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América, Washington, 1940

Reunião semelhante ocorreu em Washington, em 1940, intitulada “Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América”, chamada também de “Convenção Pan-americana”, da qual o Brasil foi signatário. Segundo Quintão (op. cit.), esta convenção reuniu membros dos países da União Pan-americana, a fim de discutir experiências das nações ali representadas, analisar os resultados da Convenção de Londres de 1933 e definir parâmetros para os acordos internacionais que envolvessem conservação da natureza. Definiu-se então nesta Convenção que: "Entender-se-ão por Parques Nacionais as regiões estabelecidas para a proteção e conservação das belezas cênicas naturais, da fauna e

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flora, de importância nacional, dos quais o público pode aproveitar-se melhor ao serem postas sob a superintendência oficial” (Magnanini, 1970, p. 5). Nessa Convenção também foram estabelecidos os conceitos de Reserva Nacional, Monumento Natural e Reserva Silvestre. O aparecimento de outras categorias, mesmo que ainda incipientes, denota um desdobramento do conceito de Parque. Nesse sentido, percebe-se a necessidade de outros objetivos de conservação que pudessem contemplar outras fragilidades ambientais, mas, sobretudo, expõe-se também uma certa resistência em deixar o conceito de Parque abranger áreas onde se permitisse o uso direto. Até então a preservação, que foi o termo antecessor ao da conservação nas Convenções, aparecia sob a forma de proteção, indicando que o ato de preservar estaria vinculado ao uso indireto da fauna, flora e das belezas cênicas, incluindo aí a idéia do caráter público dos PNs, tanto através da visitação, como do controle por parte do poder público Percebe-se também que o poder público de cada país é que aparece como tutor das áreas protegidas. Os parques eram concebidos como patrimônio dos Estados, devendo essa herança ser assegurada pelo Estado-Nacional.

1.4.1.3. A Comissão Mundial de Parques, 1960

A criação da União Internacional para a Proteção da Natureza - UIPN -, em 1948, composta por agencias governamentais e não governamentais, constituída por delegados de 18 países, é considerada um marco histórico no desenvolvimento do conceito de áreas protegidas no mundo inteiro. Segundo Milano (op. cit.), a IUPN atuou não só no processo de definição e atualização conceitual, como no próprio assessoramento a países em desenvolvimento para o planejamento e manejo dessas áreas. A importância desta entidade pode ser medida de várias formas. A criação da Comissão Mundial de Parques (CPNAP), em 1960, no âmbito desta entidade, denota um potencial político e de referência na questão conceitual das áreas protegidas. A IUPN foi responsável pela conceituação básica de PNs e áreas equivalentes e, consequentemente, pela eleição dos conceitos preponderantes de conservação. Os objetivos da Comissão eram, entre outros, o de promover, monitorar e orientar o manejo dessas UCs. Segundo Brito, influenciada pela tendência vigente de se considerar a

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proteção de habitat e não somente de espécies particularmente, a IUPN passou a considerar o processo de conservação diferente de proteção, pois já havia adquirido o caráter conservacionista, tendo inclusive alterado seu nome de UIPN (União Internacional para Proteção da Natureza) para IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza). Em 1959, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas convidou a IUCN a preparar a “Lista de Parques Nacionais e Áreas Protegidas das Nações Unidas”, elaborando como subsídio, um diagnóstico detalhado das situações dessa áreas no mundo. Concluiu-se que havia mais de uma centena de diferentes tipos de áreas com diversos objetivos de conservação, tornando a análise da efetividade tarefa difícil de ser realizada. Segundo Quintão (op. cit.), tal lista foi considerada como o primeiro passo para o esclarecimento do significado de PN e outras categorias de manejo instituídas para preservar recursos naturais. Ainda assim, para elaboração desta lista procurou-se seguir a definição de PN acordada nas Convenções mencionadas, de Londres (1933) e de Washington (1940). Segundo Miller (op. cit.), a Comissão Mundial de Parques (CPNAP) assumiu então a tarefa de desenvolver um sistema de classificação, o qual, após várias versões e consideráveis debates internacionais e modificações, viria a ser finalmente aceito pela Assembléia Geral da IUCN, em 1990, e afirmada na Recomendação 17 do IV Congresso Mundial de Parques Nacionais, em 1992.

1.4.1.4. Conferência Mundial sobre Parques Nacionais, Seattle, 1962

Em 1962, ocorreu em Seattle, Estados Unidos, a primeira Conferência Mundial sobre Parques Nacionais, quando foram discutidos e aprofundados conceitos e critérios básicos para atividades desenvolvidas em áreas protegidas. Nessa Conferência foram estabelecidas recomendações sobre políticas conservacionistas para os países participantes. Essas recomendações estavam associadas aos novos conceitos de Parque Nacional, Reserva Biológica, Floresta Nacional e Parque de Caça, e giraram em torno do incentivo aos países participantes para a criação de Parques Marinhos ou para estenderem os parques já existentes até as regiões marinhas adjacentes. Outra recomendação considerada essencial na Conferência foi relativa ao desenvolvimento de serviços de interpretação nos parques como parte integral dos programas educativos de conservação. O Brasil seguiu as recomendações da Conferência

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institucionalizando-as através do Código Florestal de 1965 e do Código de Caça de 1967. Destacou-se também o papel dos governos na proteção do habitat como medida de contenção da extinção. Segundo Brito (op. cit.), para cada espécie animal ou vegetal ameaçada de extinção, recomendou-se que uma área apropriada do habitat natural deveria ser protegida em forma de Parque Nacional ou Reserva Equivalente. Considerou-se que cada espécie ameaçada que não encontrasse tal proteção proclamava o fracasso do governo envolvido em reconhecer sua responsabilidades para com as futuras gerações e a humanidade. A Conferência de Seattle marca definitivamente a presença do Estado Nacional como legítimo responsável pelo patrimônio natural, delegando a ele a tarefa política de resguardar o bem público para as futuras gerações. Tal responsabilidade delegada ao Estado demonstra, de forma emblemática, a racionalidade contida na crença de um Estado orgânico nacional responsável por assegurar o “patrimônio público”. Outra herança deixada por Seattle seria a reafirmação de que UCs e em especial os PNs se configuravam em espaços assegurados juridicamente, voltados para uma espécie de “respeito à territorialidade da biodiversidade”, reafirmando a necessidade dos governos assegurarem essa territorialidade para toda e qualquer fauna ou flora nativa que por qualquer motivo estivesse sob risco de extinção. Utilizando-se essa diretriz da Conferência, percebe-se que a lógica subjacente considera que, para garantir a manutenção da biodiversidade, seria necessário a criação de parques ou equivalentes. Percebe-se, ainda, que, dentre as recomendações consideradas, uma diz respeito à consolidação de uma política de educação conservacionista nos parques, com especial interesse no uso público (interpretação) dos mesmos, demonstrando mais uma vez a preocupação em consolidar o uso indireto pelo uso público. A segunda recomendação complementa a primeira, no sentido de consolidar a concepção de conservação, ou seja, o significado do PN, admitindo-se que seu papel fundamental seria o de resguardar, preservar e assegurar a unidade básica da biodiversidade, garantindo assim a perpetuidade dos ecossistemas. É possível, portanto, perceber que os Parques continuavam sendo considerados os lugares da conservação, ou seja, locais do uso indireto dos recursos naturais, lugar onde a perpetuidade do espaço “natural” era garantida, consentindo-se apenas, basicamente, na visitação turística.

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1.4.1.5. Assembléia Geral da IUCN, Nova Delhi, 1969.

Foi na 10º Assembléia Geral da IUCN, ocorrida em 1969 em Nova Delhi - Índia, convocada em função da necessidade de se reunirem as experiências vividas por diferentes países e seus respectivos sistemas de UCs, tratando ainda da própria evolução do conceito de Parque, que se decidiu buscar uma conceituação mundial para Parque Nacional. Nesse sentido, Quintão (op. cit.) relata que a Assembléia recomendou que todos os governos concordassem em utilizar o termo Parque Nacional para as áreas que possuíssem uma área relativamente extensa: a) Onde um ou mais ecossistemas não estevissem materialmente alterados pela exploração e ocupação humana, onde espécies de plantas e animais, os sítios geomorfológicos e habitats fossem de especial interesse científico, educacional e recreativo, ou contivessem paisagens naturais de grande beleza; b) Onde a mais alta autoridade competente do país tivesse tomado medidas no sentido de prevenir ou eliminar, na medida do possível, a exploração ou a ocupação de toda área, e mantivesse efetivamente os aspectos ecológicos, geomorfológicos ou estéticos que justificassem o estabelecimento da referida área; c) Onde se permite-se a entrada de visitantes sob condições especiais, para fins de contemplativos, educativos, culturais e recreativos.

A terminologia básica para parques recomendada em Nova Delhi consolidava a idéia de estabelecimento de parques em áreas geograficamente ou supostamente distantes dos centros urbanos, áreas ainda extensas e passíveis de inalteração pela pressão humana. Essa concepção foi voltada para a crença da existência dessas áreas, ou seja, de que haviam áreas distantes geograficamente de “conglomerados humanos” e que, por algum motivo, não seriam “territórios humanos” e, portanto, encontrar-se-iam, ainda, em “estágio de natureza”, passíveis de proteção efetiva, competindo ao Estado Nacional (“a mais alta autoridade competente”) tomar providências no sentido de prevenir ou eliminar a exploração dessas áreas.

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1.4.2. Mudanças de rumo: o Desenvolvimento Sustentável

O início da década de 1970 marca definitivamente uma mudança de paradigma nos debates relativos a conservação dos recursos naturais. Havia uma divisão abstrata do mundo sob o ponto de vista político, entre os países que detinham a riqueza biológica e os países que já não a detinham, mas haviam iniciado a corrida rumo à tecnologia de transformação destes recursos. O discurso sobre conservação ganhava novos componentes em função de uma visão mais abrangente. O movimento ambientalista surgido no início dos anos 60 nos países industrializados, começava a articular a degradação ambiental com justiça social e preconizava a necessidade de mudanças no Estado como condição primordial para a salvação da natureza, reivindicando o fortalecimento do direito público em detrimento dos interesses privados. A conferência de Estocolmo em 1972 (Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo) trazia à tona o impasse entre poluição e miséria. O termo ambiente era encarado como o habitat total do homem. Segundo Vieira e Bredariol (1998), numa perspectiva ainda mais abrangente, era possível distinguir como integrantes do conceito de ambiente o meio natural, o meio social e o processo produtivo. A idéia de ecodesenvolvimento é lançada por Maurice Strong, diretor executivo do PNUMA - Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (concebido a partir da Conferência de Estocolmo) -, cujo conceito girava em torno da superação da miséria, da contaminação ambiental e do caráter perverso do crescimento econômico. Dizendo de outro modo, o ambiente é o resultado da organização do processo de transformação dos recursos naturais (produção) com o objetivo de gerar benefícios (qualidade de vida) para o homem e/ou lucros (economia de mercado) . Natureza, produção e vida eram as bases para pensar o ambiente." (Vieira e Bredariol: op.cit, p. )

Iniciava-se, assim, de forma mais pragmática, a discussão sobre a realidade da ocupação humana no interior das áreas naturais protegidas, e a necessidade de um outro conceito para conservação que vislumbrasse políticas públicas para compatibilização dessas comunidades residentes no interior das UCs. Segundo Brito (op. cit.), o Programa Man and Biosfera (MAB) da Unesco nos anos 70,

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cujo objetivo era o de encorajar o desenvolvimento com equilíbrio nas relações entre homem e seu ambiente, seria oficialmente o primeiro passo para a busca dessa compatibilização. Nesse sentido, a criação da categoria de UC denominada Reserva da Biosfera, pelo MAB, foi considerada uma forma de gestão modelo onde se pudesse compatibilizar conservação e desenvolvimento nas áreas representativas dos biomas do globo. Mesmo sob críticas dos ideólogos da conservação, que consideraram as Reservas da Biosfera como uma unidade de planejamento e não de “conservação”, estas foram criadas em todos os países do mundo. De 1976, com o estabelecimento da primeira Reserva da Biosfera, até 1984 foram criadas 243 Reservas da Biosfera em 65 países diferentes. Os ingredientes chaves das Reservas da Biosfera seriam: O envolvimento dos tomadores de decisão e a população local em projetos de pesquisa, treinamento e demonstração no campo e a conjunção de disciplinas da área das ciências sociais, biológicas e físicas para o direcionamento de problemas ambientais complexos (UNESCO apud Brito, 2000, p. 35)

As Reservas da Biosfera surgiam como uma tentativa de compatibilizar a administração do espaço, integrando os objetivos de conservação com as dinâmicas sociais e econômicas locais. No concorrido ano de 1972, além da Conferencia de Estocolmo, mais duas reuniões internacionais ocorreram em função das áreas protegidas: outra importante Assembléia Geral da IUCN ocorreu em Banff, no Canadá, e, nos Estados Unidos, em comemoração ao centenário do Yellowstone National Park, ocorreu o segundo Congresso de Parques Nacionais. Observa-se nas novas recomendações elaboradas nesses eventos, uma mudança radical no enfoque dado às áreas protegidas. Essas passam a ser contextualizadas regionalmente e tratadas como sistemas e contextualizadas em biomas. As principais recomendações foram: a) Que todos os governos aumentassem a cobertura de suas áreas protegidas a fim de assegurar que as amostras representativas dos biomas e ecossistemas naturais em todo o mundo fossem conservados num sistema coordenado de PNs e áreas protegidas correlatas, e que a seleção e implantação destas áreas deveriam ser consideradas como elementos essenciais no planejamento regional do uso do solo. b) Deveria ser dada alta prioridade à conservação de biomas e ecossistemas terrestres e

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marinhos que ainda se encontravam sem perturbações, assim como aqueles em perigo de desaparecerem totalmente e aqueles que contivessem espécies ameaçadas e recursos genéticos importantes e, ainda, atenção especial aos ecossistemas insulares, regiões polares, florestas tropicais, campos e recifes de corais, ou seja à necessidade de ampliação do número de áreas naturais protegidas no mundo, incluindo-se esses ecossistemas. c) Empenho por parte dos governos em manter a integridade dos PNs. Destaca-se o apelo aos governos em inserir a seleção e implantação das UCs no planejamento regional do uso do solo, demonstrando uma mudança radical na compreensão de que os projetos de desenvolvimento, urbanização e outros, necessitam de diálogo entre os setores responsáveis e integração com os objetivos de conservação. Reconhecesse-se a partir de então que as UCs estão submetidas as políticas de desenvolvimento regional e os possíveis fracassos para a conservação se as UCs continuarem isoladas dessas políticas. Ressalta-se a importância dos PNs e reservas equivalentes como fundamentais para a conservação de amostras representativas dos biomas e ecosistemas naturais. O local primordial da conservação é ainda o PN; nesse sentido, apela-se para que os governos se empenhem em aumentar a cobertura de suas áreas protegidas através de sistemas coordenados, pois a idéia de fragmentação já era parte das preocupações internacionais necessitando de um tratamento sistemático e coordenado. Por último, consolida-se o reconhecimento da comunidade internacional de que a melhor resposta às ameaças reais ou potenciais aos ecossistemas é a ampliação do número de áreas protegidas no mundo. A criação de UC e em especial de PN é compreendido com instrumento impeditivo da “desordem ambiental”. Segundo Brito (op. cit.), a 11º Assembléia da IUCN, em 1972 foi responsável por anexar o zoneamento ao conceito de PN. Desse modo, definiram-se 8 zonas criteriosamente designadas em função de sua vocação natural, reconhecendo, então, que comunidades humanas com características culturais específicas faziam parte desses ecossistemas, chegandose a designar um setor, "zona Antropológica", para a permanência dessas comunidades. As zonas consideradas pela IUCN seriam classificadas em três grandes grupos, segundo o enfoque protecionista se concentra-se no valor natural, humano ou cultural. Assim: a) Zonas Naturais Protegidas:

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- Zona de Proteção Integral - Zona de Manejo de Recursos - Zona Primitiva ou Silvestre b) Zonas Antropológicas Protegidas - Zona de Ambiente Natural com Culturas Humanas Autóctones; - Zonas com Antigas Formas de Cultivo - Zona de Interesse Especial c) Zonas Protegidas de Interesse Arqueológico ou Histórico - Zona de Interesse Arqueológico - Zona de Interesse Histórico Brito considera que mesmo com a inclusão do zoneamento ao conceito de PN, era possível que a criação dessas unidades pudesse realocar forçadamente, ou mesmo expulsar, grupos étnicos. Na tentativa de reparar essas questão, a 12ª Assembléia Geral da UICN, no Zaire, alertou para que “o estabelecimento de áreas naturais protegidas não trouxesse como conseqüência a desagregação cultural e econômica dos grupos que não afetavam a integridade ecológica da área” (Amend & Amend, 1992 apud Brito, op. cit., p. 31). Percebe-se que a criação de uma zona onde a presença humana é considerada, não foi consenso entre os membros dos países participantes da UICN. O Brasil foi um dos países a não considerar este “espaço” humano. A criação de um planejamento pautado no zoneamento das UCs, partia de uma visão interna da unidade, ou seja, o zoneamento pretendido, baseado nas vocações naturais de cada zona da unidade ainda não considerava os tipos de pressão vinda do entorno da unidade. As UCs na década de 1970 ainda estariam idealmente localizadas nos lugares distantes dos centros urbanos e a dinâmica de seu entorno, ainda que constante e presente não era visualizada como fator preocupante, que pudesse colocar a unidade em risco. Até então considerava-se que as ameaças reais ou potenciais não viriam necessariamente de um entorno físico. Não se visualizavam políticas de integração do entorno com a unidade. Afinal, tratavase da contraface da dinâmica urbana-industrial que pensava em assegurar a existência de

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locais de significativa importância ambiental e portanto passíveis de serem protegidos através de UC.

1.4.2.1. “Nosso Futuro Comum”, 1986

A década de 1980 foi tomada pelo discurso do desenvolvimento sustentado, ou sustentável. Após a Conferência de Estocolmo (1972), embalada pelas idéias dos movimentos ambientalistas que se consolidavam principalmente na Europa e Estados Unidos, a questão ambiental se torna uma questão política e o meio ambiente já não era mais visto como uma esfera desvinculada das ações, ambições e necessidades humanas. O desenvolvimento, tampouco, já não era mais aceito como um tema limitado, pois já não se concebia a idéia de desenvolvimento voltado apenas para a transformação das nações pobres em nações ricas. Duas grandes discussões se fortalecem nessa década: a conservação através do uso direto dos recursos naturais, associada ao desenvolvimento sustentável, e a presença de populações em áreas naturais protegidas como parte dessa conservação. Ambas as discussões questionavam o efetivo papel da conservação no desenvolvimento sustentável e em particular das UCs. A nova escola sócio-ambientalista começava a dar sinais de insatisfação quanto ao caráter estrito da conservação, ou seja, as sociedades que dependiam diretamente dos recursos naturais continuavam desvinculadas da concepção de conservação. A década de 1980 foi, portanto, emblemática no sentido do fortalecimento da idéia de se conceber sociedades tradicionais em áreas protegidas, havendo uma mudança radical na conceituação de conservação. Mesmo que a presença humana de uma forma geral não fosse ainda bem vinda, a continuidade da presença das sociedades tradicionais nas áreas protegidas começava a ganhar força. O Relatório “Nosso Futuro Comum”, conhecido também como Relatório Brundtland, expressava essa nova tendência, tendo sido elaborado em 1986 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada em 1983 no âmbito da Organização das Nações Unidas. “Nosso Futuro Comum” era considerado uma agenda global para mudanças. A idéia era propor estratégias ambientais de longo prazo para obter um desenvolvimento sustentável por volta do ano 2000. Foi presidido pela Primeira-Ministra e líder do partido trabalhista norueguês, Sra. Gro Brundtland, que durante quatro anos trabalhou com uma equipe de cientistas e políticos influentes e altamente qualificados, coordenando sua apresentação. O

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Brasil marcou sua participação como membro da equipe de especialistas, através do então Secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal, Sr. Paulo Nogueira Neto. Baseado no conceito de desenvolvimento sustentável, ao qual se fundamenta no atendimento das necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades, o Relatório Brundtland enfocava as necessidades humanas como prioritárias, principalmente dos países em desenvolvimento, considerando para isso uma busca adequada de justiça econômica e social dentro das nações e entre elas. A Conservação ganha outros contornos, configurando uma postura de utilização direta dos recursos naturais, apostando em uma tecnologia que otimize a produção da base de recursos, conjugado à minimização da pressão sobre os mesmos. O Relatório Brundtland defende de forma sistemática a utilização direta dos recursos naturais, para satisfazer as necessidades humanas, adotando, segundo Diegues (op. cit.), uma abordagem do "prever e evitar" diferente da de criar PNs isolados da sociedade. Vale ressaltar que o relatório não enfoca as UCs como prioritárias, deslocando-as do eixo central da conservação. A conservação deveria ser concebida como a utilização direta dos recursos naturais de forma criteriosa para não exauri-los, não colocando a perpetuação em risco. Obviamente, o crescimento e o desenvolvimento econômicos produzem mudanças no ecossistemas físico. Nenhum ecossistema, seja onde for, pode ficar intacto. Uma floresta pode ser desmatada em uma parte de uma bacia fluvial e ampliada em outro lugar - e isto pode não ser mau, se a exploração tiver sido planejada e se levarem em conta os níveis de erosão do solo, os regimes hídricos e as perdas genéticas. Em geral, não é preciso esgotar os recursos renováveis, como florestas e peixes desde que sejam usados dentro do limites de regeneração e crescimento natural. Mas a maioria dos recursos renováveis é parte de um ecossistema complexo e interligado, e, uma vez levados em conta os efeitos da exploração sobre todo o sistema, é preciso definir a produtividade máxima sustentável. (WCED, 1987 p. 48)

O discurso do desenvolvimento sustentável atingiu em cheio os conservacionistas que, ao contrário, sempre invocaram a necessidade de concentrar esforços na luta pela sobrevivência de remanescentes representativos dos diferentes biomas da terra na forma de uso indireto. Os novos paradigmas de conservação e uso sustentável atordoavam os ideólogos da conservação que resistiam a visualizar o uso direto dos recursos naturais. A proposta do desenvolvimento sustentável deslocou definitivamente o cerne da questão ambiental - a conservação da natureza - para a periferia, fortalecendo, no eixo central, a discussão sobre modos menos agressivos de exploração dos recursos naturais. Este deslocamento real refletese na evolução das idéias, que reafirmam o crescente predomínio das leis dos homens sobre o

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ambiente em diferentes correntes. A ética resultante - do "menor dano" para o "maior aproveitamento" do "respeito as gerações futuras" etc. contorna cuidadosamente as questões essencialmente ligadas a conservação. (...) Maria Teresa Jorge Pádua, da ala mais radical do conservacionismo brasileiro, ao analisar a questão, observa que "sob esse guarda-chuva do desenvolvimento sustentável coube tudo. “Então, quando se fala de meio ambiente, tem que incluir as minorias, as mulheres, os negros, os índios, os homossexuais etc. Tudo isso sob a área ambiental, uma panacéia. Nem nós temos, obviamente, competência para tudo isso, nem os recursos são suficientes. Com esse negócio de desenvolvimento sustentável, o que se vê é que os parcos recursos que a área de conservação tinha foram desviados para o social. Acho que Maurício Strong cometeu um enorme erro ao oferecer aos governos esse instrumento demagógico. (Urban, 1997, p. 395) .

1.4.2.2. Estratégia Mundial para a Conservação (EMC), 1980

Em 1980, o Programa das Nações Unidas para o meio ambiente (UNEP) criado como resultado da Conferência de Estocolmo, a IUCN e WWF (World Wild Fund) coordenaram a elaboração do documento intitulado “Estratégia Mundial para a Conservação (EMC)”. O referido documento foi preparado por mais de 700 cientistas de todo o mundo e teve o aval da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação –FAO - e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO. O cerne da questão era o papel da conservação no desenvolvimento sustentável. Uma "nova" concepção de conservação já vigente recheava os discursos, embora as práticas fossem pouco visualizadas. A força do documento EMC e, portanto, o grau de preocupação da comunidade internacional pode ser medida pela representatividade dos participantes que, direta ou indiretamente, opinaram neste documento. Para a elaboração deste, os organizadores pesquisaram a opinião de 450 órgãos governamentais e organizações conservacionistas em mais de uma centena de países, todos membros da UICN. Uma das finalidades da EMC era identificar as ações requeridas tanto para aumentar a eficácia da conservação quanto para integra-la ao desenvolvimento. De fato, de forma inovadora, a conservação aparece aqui não mais circunscrita às UCs. Considerava-se, agora, como possível se fazer conservação fora das áreas protegidas. Esse era o tom do documento. Na EMC, a conservação aparece como "manter a capacidade da terra para sustentar o desenvolvimento e garantir a vida". Nesse sentido, a conservação, segundo o documento, surge da necessidade do manejo ecologicamente sadio dos ecossistemas produtivos e da manutenção de sua viabilidade e de seu caráter polivalente. A Conservação é definida como:

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(...) a gestão da utilização da biosfera pelo ser humano, de tal sorte que produza o maior benefício sustentado para as gerações atuais, mas que mantenha sua potencialidade para satisfazer as necessidades e as aspirações das gerações futuras. Portanto, a conservação é positiva e compreende a preservação, a manutenção, a utilização sustentada, a restauração e a melhoria do ambiente natural." (IUCN, 1984, p. 12)

A idéia subjacente estaria em considerar a conservação como a manutenção e a continuidade da biosfera para que o desenvolvimento pudesse se dar. A conservação fora das áreas protegidas era tratada como um processo de aplicação multidisciplinar e não de apenas um setor de atividade. Nesse sentido, o papel da conservação nos setores da pesca, da agricultura, da silvicultura e outros, seria a garantia da utilização perene, protegendo os processos ecológicos e a diversidade genética essenciais para a manutenção dos recursos. Fora das UCs, a estratégia era compatibilizar o uso dos recursos naturais com a conservação destes. Percebe-se, portanto, que, quando se tratam de estratégias de conservação no interior das UCs, o tratamento é outro: estas aparecem como suporte ao desenvolvimento sustentável e não como o local do desenvolvimento sustentável. De fato, não há menção quanto ao uso direto dos recursos naturais em áreas protegidas. O documento não diferenciou as UCs em categorias de manejo. Todas, sem distinção, foram tratadas como acessório de especial valor na viabilização do desenvolvimento sustentável. O próprio termo "preservação in situ" utilizado neste documento de forma mais sistemática, significando a preservação no local, no próprio ambiente, aparece como vinculado à idéia de preservação da diversidade genética, que, por sua vez, só poderá ter efetividade em áreas protegidas. Fica evidente para os ideólogos da conservação que, apesar da necessidade premente de se discutir e traçar estratégias de compatibilizar o desenvolvimento com a conservação, utilizando diretamente os recursos naturais com critérios, este tipo de conservação só é vislumbrado fora das UCs; não alterando, de fato, o ideal do uso indireto, apregoado pelos defensores da temática. Começa a aparecer, contudo, de forma mais abrangente, a necessidade de se traçarem estratégias de “amortecimento” contra os impactos adversos às áreas protegidas. Há que se tomar as medidas necessárias para preservar os sistemas vitais das áreas protegidas e para resguardá-las contra os impactos adversos; entre elas, cabe mencionar o estabelecimento de zonas tampão às quais poderão ser aplicadas restrições particulares no seu aproveitamento (...) Além disso, dever-se-á proteger uma gama completa dos ecossistemas representativos dos diferentes tipos de ecossistemas de cada país, a fim de se preservar a gama de variações da natureza. Dever-se-ia autorizar, exclusivamente, os tipos de aproveitamento que fossem

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compatíveis com a preservação do ecossistema e de suas comunidades integrantes de plantas e animais, nas áreas protegidas com essa finalidade. (...) Dever-se-á proceder, primeiro, a um inventário das áreas protegidas existentes para determinar quais são as espécies importantes, ameaçadas ou únicas que já gozam de uma proteção adequada. Todo país deveria identificar os habitats dessas espécies e deveria assegurar sua preservação nas áreas protegidas, de modo prioritário. Onde for possível, cada área protegida deverá albergar todos os habitats críticos das espécies de interesse (zonas de alimentação, de reprodução, de criação e de repouso). (ibiden, pp. 117-119)

1.4.2.3. Declaração de Bali, 1982

Em 1982 ocorre em Bali, Indonésia, o “Terceiro Congresso Mundial de Parques Nacionais”, celebrando os 110 anos de criação do Yellowstone National Park. Até essa data o mundo já contava com 2.671 áreas protegidas que cobriam 396.607.351 ha em 120 países diferentes (cf. Milano, 2000). Segundo Quintão (op. cit.), no preâmbulo das recomendações da Declaração de Bali declara-se que: (...) os participantes reconhecem que, enquanto as áreas protegidas têm um papel central e essencial para que se possa atingir a conservação dos recursos vivos, que é ingrediente vital no desenvolvimento sustentado, a simples seleção, estabelecimento, e manejo de áreas protegidas não é suficiente para assegurar a integração da conservação e de desenvolvimento. As outras medidas para que tal objetivo seja atingido, são aquelas apresentadas na Estratégia Mundial para a Conservação.

Visualiza-se, pois, com mais clareza, a pressão organizada em se redefinir o papel dos PNs no contexto do desenvolvimento. Diegues relata a mudança de enfoque na questão do papel fundamental destes no desenvolvimento nacional e na conservação. Segundo ele, começa a aparecer de forma mais clara a relação entre as populações locais e UCs. "A degradação de muitos parques nacionais no Terceiro Mundo era resultado da pobreza crescente das populações locais" (Diegues, 1996, p. 54) Apesar das discussões em torno da presença humana em UCs ganhar força no mundo todo a partir deste Terceiro Congresso, não há dúvida que a estratégia de PNs sai fortalecida igualmente. Segundo Quintão, a Declaração de Bali definiu como ações básicas: 1 - Expandir a rede global e regional de PNs e outras áreas protegidas, assegurando a perpetuidade de ecossistemas únicos e representativos. Assim como da maior parte possível da diversidade biológica da terra, incluindo recursos genéticos silvestres, além de garantir a proteção para áreas importantes para a pesquisa científica e para áreas naturais de valor

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espiritual e cultural. 2 - Fornecer status permanente para as áreas protegidas na legislação, assegurando seus objetivos contra qualquer forma de comprometimento. 3 - Reconhecer os contextos econômicos, culturais e políticos das áreas protegidas, através de medidas como educação, divisão dos benefícios, participação em decisões, esquemas de desenvolvimento para as adjacências das áreas protegidas e, onde possível, acesso aos recursos. Dentre as Recomendações propostas para que a Declaração fosse implementada, destacam-se: 1) que os países signatários deverão estabeler mais áreas com a categoria de uso múltiplo, reafirmando que PNs e reservas similares devem ser estritamente protegidas contra esforços para a exploração madereira, mineração, hidroelétricas, barragens e obras correlatas (indústrias, pesca, caça, agricultura e criação de animais domésticos); 2) que os governos deverão iniciar medidas de desenvolvimento social e econômico sustentado, de forma a aliviar as pressões exercidas pelas populações que circundam as áreas protegidas; e 3) que, enfim, buscar-se-á reafirmar os direitos das sociedade tradicionais à sua autodeterminação social, econômica, cultural e espiritual; recomendando que os responsáveis pelo planejamento e manejo de áreas protegidas, investiguem e utilizem as habilidades tradicionais das comunidades afetadas pelas medidas conservacionistas; e que hajam decisões de manejo conjuntas entre as sociedades que tradicionalmente manejavam o recurso, e as autoridades das áreas protegidas, considerando a variedade de circunstâncias locais. Nesse sentido, o Terceiro Congresso Mundial de Parques Nacionais se constitui em um importante evento para análise dos pressupostos da conservação materializada na categoria Parque Nacional. Ao mesmo tempo que se percebe uma reafirmação da importância dos parques como o espaço para a perpetuidade dos ecossistemas representativos, indicando para isso que haja empenho dos governos nacionais em expandir a rede de UCs, assegurando status permanente na legislação de cada país, se reconhece, de forma determinante, que as UCs estão inseridas em contextos econômicos, culturais e políticos distintos, sendo o seu entorno, que se configura em pressão permanente, o grande indicador desse contexto, sendo necessárias ações advindas internamente, das unidades, para uma melhor integração ou para aliviar a pressão desse entorno. As preocupações em criar categorias de uso múltiplo e estratégias para aliviar as pressões do entorno indicam que a categoria parque vai se configurando cada vez mais como o local da conservação através do uso indireto dos recursos naturais e, que por conseguinte, são

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rodeados ou pressionados por ameaças reais ou potenciais que se evidenciam tanto dentro da unidade como fora desta, no seu entorno. Outrossim, percebe-se que as propostas para aliviar a pressão desse entorno devem ser traçadas de dentro da unidade para fora e não o inverso, assegurando o caráter conservacionista da proposta. Observa-se mais uma vez a reafirmação dos PNs e reservas equivalentes como sendo “os locais da conservação” devendo, portanto serem protegidos das eventuais ameaças sempre presentes no contexto das unidades. Por fim, apesar de se considerar a discussão do uso do recurso natural nas UCs, recomenda-se a criação de UCs de uso múltiplo, em uma clara manifestação de insatisfação quanto a possibilidade de “abrir” os PNs para o uso direto. A Declaração e as recomendações resultantes do Congresso eram as respostas às críticas elaboradas pelos sócio-ambientalistas em nível mundial e demonstrou uma mudança de rumo por parte da comunidade conservacionista internacional que se viu responsável pela política de exclusão social que sempre esteve presente na questão das UCs.

1.4.2.4. Retomada da EMC, Ottawa, 1986

De qualquer forma, a Estratégia Mundial para a Conservação – EMC - já havia estabelecido as bases para a conservação, ampliando consideravelmente seu, considerando a possibilidade da utilização direta dos recursos naturais e assumindo o Desenvolvimento Sustentável como princípio norteador da conservação. Segundo Diegues (op. cit., p. 38) essas novas abordagens forneceram uma base social e política muito mais ampla para a conservação e levaram a aceleração do estabelecimento de parques na década de 1980 e início da década de 1990. Diegues aponta a EMC como uma das precursoras no fortalecimento do debate entre populações em parques. Nesse sentido, aponta a conferência da IUCN sobre Conservação e Desenvolvimento: “Pondo em Prática a Estratégia Mundial para a Conservação”, realizada em Ottawa, Canadá, como fundamental para a consolidação política desta idéia. Segundo Diegues, a Conferência reconheceu, dentre outras questões, que os governos nacionais devem dar atenção às necessidades e aspirações dos povos tradicionais cujos territórios serão afetados pela criação de PNs e de reservas, assegurando a consulta e acordo desses povos no estabelecimento e manutenção destes parques. Brito destaca a inclusão, por parte da ONU/IUCN, na lista de PNs, das UCs com áreas povoadas, cidades e atividades correlatas no interior, desde que permanecessem em uma zona específica e não prejudicassem a conservação efetiva das demais zonas (Amend e Amend,

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apud Brito, 2000). Apesar do reconhecimento aos direitos das populações tradicionais em UCs, esses direitos dizem respeito à participação conjunta nas decisões de manejo da unidade, não excluindo a possibilidade de criação da UCs e ainda o reconhecimento de um entorno como fator de pressão. Não se visualizava, ainda, uma preocupação ou qualquer discussão sobre as população não tradicionais, ou sobre as UCs inseridas em contextos cuja dinâmica do entorno tivesse caraterísticas urbanas. Mesmo com a ausência deste debate, de forma incisiva, pressão política exercida sobre a necessidade do reconhecimento de populações dentro PNs iria, aos poucos, fortalecendo a idéia de criação de novas categorias de manejo que pudessem considerar a presença humana e consequentemente outros objetivos de conservação.

1.4.2.5. IV Congresso Mundial de Parques, Caracas, 1992

Em 1992, em Caracas, na Venezuela, ocorre o “IV Congresso Mundial de Parques”, e, no Rio de Janeiro, Brasil, a “Conferencia Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento”, conhecida como Rio 92. O Congresso de Caracas teve como tema central a relação entre povos e parques, numa constatação de que 86% dos parques da América do Sul tinham populações permanentes. Segundo Diegues, o Congresso demonstrou que o maior problema dos PNs era convencer as populações, sobretudo locais, dos benefícios das áreas protegidas. recomendando então que os moradores tradicionais, e suas respectivas áreas, fossem incorporadas às UCs, consideradas áreas de uso múltiplo. Pode-se dizer que a partir do Congresso de Caracas, houve um fortalecimento da "escola sócio-ambientalista” em relação às UCs. A partir de então se consolidam as idéias relativas à conservação e o uso direto dos recursos naturais dentro das UCs. O uso humano dos recursos naturais por certa parte da sociedade, as sociedades tradicionais, começa a ser considerado um ato de conservação. Diegues, assinala a importância do discurso de abertura do Congresso realizado pelo presidente da UICN, Shridath Ramphal: O Congresso reconheceu que populações humanas, especialmente as que vivem dentro e em volta das áreas protegidas, freqüentemente têm importantes e duradouras relações com essas áreas. Comunidades locais e nativas podem depender dos recursos desses locais para seu modo de vida e sobrevivência cultural. Com maior freqüência, os recursos que justificam o estabelecimento de áreas protegidas incluem paisagens culturais e sistemas naturais criados por atividades humanas existentes há muito tempo. Essas relações abarcam a identidade cultural, espiritual e práticas de subsistência que muitas vezes contribuem para a manutenção da diversidade biológica. As áreas protegidas podem ser vistas, portanto, como contribuição para conservar a diversidade cultural e

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biológica. As relações entre os povos e a terra têm sido freqüentemente ignoradas e até destruídas por iniciativas de conservação de recursos e manejo bem intencionadas mas inadequadas (UICN apud Diegues, 1996, p. 78).

O discurso do presidente da UICN pontua a questão da valorização e reconhecimento tanto das populações locais, como das tradicionais, reconhecendo as diferenças entre estas, além do reconhecimento das populações do entorno. Essas questões refletem as preocupações da comunidade internacional em adequar as UCs e reafirmar seu papel fundamental como componente do desenvolvimento, uma vez que garantindo benefícios as populações locais, assegurar-se-ia a expansão e o melhor manejo destas.

1.4.2.6 Estratégia Global da Biodiversidade, 1992

Em 1992, o Instituto de Recursos Mundiais (WRI), a União Mundial para a Natureza (UICN) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) produziram a “Estratégia Global da Biodiversidade” – EGB, que reuniu mais de 500 especialistas, direta e indiretamente, na elaboração do documento, destacando-se a participação do Brasil na equipe de coordenação internacional através da Fundação Pró-Natureza e sua representante, Maria Tereza Jorge Pádua, membro da Comissão internacional de PNs da IUCN. O enfoque principal do documento, segundo o prefácio do mesmo, seria considerar a conservação da biodiversidade como componente fundamental no processo de desenvolvimento. Nesse sentido, as áreas naturais protegidas aparecem como suporte a ser assegurado através da autosustentabilidade. Como esta Estratégia Global para a Biodiversidade explica, conservar a biodiversidade não é apenas uma questão de proteger a vida silvestre dentro das reservas naturais. Trata-se também de salvaguardar os sistemas naturais da terra, que sustentam nossa vida; purificar as águas, reciclar o oxigênio, o carbono e outros elementos essenciais; manter a fertilidade do solo; proporcionar alimentos provenientes da terra, dos rios e dos mares; produzir medicamentos e salvaguardar a riqueza genética da qual depende a luta incessante para melhorar nossas culturas e rebanhos" (WRI; UICN; PNUMA: 1992, p. 118).

A EGB surge no momento em que governos do mundo inteiro estavam negociando uma “Convenção sobre a Diversidade Biológica” cuja idéia era dar apoio técnico - científico para a elaboração da Convenção. Nesse sentido, a EGB se antecipou à concepção de conservação da biodiversidade tratada na Convenção.

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No seu capítulo VIII, dedicado ao “Fortalecimento das Áreas Protegidas” apresentamse as categorias de manejo das áreas protegidas, classificadas pelo documento, como base para a execução de uma Sistema Nacional de Unidades de Conservação bem planejado. Apresentam-se, ainda, as três categorias de áreas estritamente protegida: Reservas Naturais em sentido estrito, Parques Nacionais e Monumentos Naturais. Os Parques são definidos, segundo a EGB, como áreas geralmente maiores contendo uma variedade de características excepcionais e ecossistemas que podem ser visitados com fins educativos, recreativos e para obter inspiração, desde que não ameacem os valores locais. Reconhece ainda as iniciativas de governos e organizações não governamentais na expansão de áreas protegidas em todo o mundo e a importância de fomentar seu papel na conservação da biodiversidade. Enfatiza, entretanto, a necessidade de superar os obstáculos ainda existentes que dizem respeito: a) aos conflitos gerados entre a população local e a UC, em função da restrição do uso ou da remoção/desapropriação; e b) conflitos gerados pela instabilidade política, provocado por mudanças políticas na administração dessas áreas, cortes orçamentários, ineficiência administrativa, recursos escassos e baixo apoio popular dessas áreas (em função de desconfianças por parte da população que não compreende devidamente a importância dos objetivos conservacionistas). Percebe-se que as preocupações e as diretrizes, de uma forma geral, se referem a todas as categorias de áreas protegidas. Entretanto, os conflitos assinalados giram em torno das áreas protegidas cujo uso dos recursos naturais se dá de forma indireta, principalmente Parques e Reservas equivalentes. Nesse sentido, os “obstáculos ainda existentes” vão se configurando como impeditivos para a consecução dos objetivos de conservação e a idéia de sustentabilidade das áreas protegidas e, consequentemente, a contribuição destas para a biodiversidade passam necessariamente pela integração ecológica, social e econômica ao seu entorno social, deixando de ser "Parques-fortaleza" e se integrando no quadro social e territorial geral. Como observado por David Hales, "por acreditarmos que nossos parques poderiam ser protegidos por muros, agora corremos o risco de comprovar que são mais prisões do que fortalezas" (WRI; UICN; PNUMA: op. cit., p. 120) Os pressupostos subjacentes na Estratégia Global para a Conservação da Biodiversidade foi decisiva para a “Convenção da Diversidade Biológica (Conferência das

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Partes)” um dos documento mais importantes (além da Agenda 21) da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento - (CNUMAD) conhecida como Rio 92, que reuniu 117 países de todo o mundo e diversas organizações não governamentais. Os conceitos e as necessidades apontadas pela Estratégia foram considerados pela Convenção da Biodiversidade e a idéia de integração das comunidades vizinhas às áreas protegidas como medida de sustentabilidade econômica, política, ecológica e social das próprias áreas protegidas, foi fortalecida pela Convenção.

1.4.2.7. Projetos Integrados de Conservação

A partir da década de 1990, portanto, haviam se iniciado inúmeros debates em nível internacional, de forma mais sistemática, sobre o que já eram considerado “entraves da conservação” . Os conflitos em torno da concepção de conservação materializada nos PNs começavam exigir tratamento diferenciado daquele outrora considerado meros entraves técnicos; conflitos de uso, conflitos com o entorno, conflitos gerados pela não integração das UCs com as políticas de desenvolvimento local, ou pela insustentabilidade política dos governos responsáveis por estas unidades já eram considerados fatores limitantes. A busca por um desenvolvimento sustentável do entorno das Unidades apareceria sob modernos conceitos de corredores de habitats, zonas-tampão, planejamento e gestão e outros correlatos. Apesar da preocupação de uma parte da comunidade conservacionista internacional em destituir a idéia de Parque-fortaleza no cenário da conservação, passando a integra-los com as comunidades locais, percebe-se uma forte tendência dos ideólogos da conservação em considerar a conservação através das UCs ainda como uma questão em separado, orientada apenas por princípios validados cientificamente. Observam-se grandes dificuldades na busca de uma política de integração mais consolidada com o entorno social e com os moradores locais residentes nas unidades. A prática mais comum eram iniciativas pontuais que buscavam apenas minimizar conflitos de forma a favorecer os parques em função dessas pressões sociais. Na década de 1990, em meio a discussão do desenvolvimento sustentável, onde a conservação ganha contornos de utilização sustentável, os parques e reservas equivalentes consolidam seu papel de não uso, ou de uso indireto dos recursos naturais. Observa-se uma

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reafirmação do papel dessas UCs como o local da conservação in situ, delegando a estes o papel de espaço jurídico dos habitats críticos das espécies de interesse. Iniciam-se, de forma mais sistemática, discussões sobre as medidas necessárias para minimizar os impactos em seu entorno, estabelecendo-se zonas de amortecimento ou zonas tampão com regras de uso e apropriação. A partir de então admite-se que as UCs e em especial os PNs não estão tão isoladas dos “impactos adversos” e que sua delimitação física implicou “na construção de um entorno” e, ainda, que sua inserção em políticas regionais de uso do solo fazem parte de uma estratégia de sobreviviência. A discussão do “entorno” ganha força e inicia-se a busca de estratégias pela comunidade internacional de compatibilizar este entorno. O discurso da conservação não se pautava mais na simples proteção de espécies em extinção, mas, em maior ou menor grau, na manutenção de processos ecológicos essenciais para que a natureza continuasse a prestar serviços vitais. Todavia, uma retórica institucional foi capaz de promover a condução de metas, reafirmando, então, a estratégia in situ como fundamental para o debate. Ao mesmo tempo que se fortalecia a conservação in situ, também se fortalecia a convicção de que qualquer forma de impedimento ou limitação deveria ser considerado como inerente ao campo da gestão, acreditando que a forma de gestão implementada poderia minimizar as ameaças internas e externas às UCs, em especial aos PNs. Por outro lado, a pressão internacional exercida sobre a exclusão de comunidades das UCs obrigava aos programas de assistência internacional não mais apoiarem as políticas de exclusão de pessoas dos parques (cf. Van ScahiK; Rijksen: 2002, p. 39). Os parques já não eram mais localizados em áreas remotas, percebeu-se que estes estavam sob crescente pressão vinda de seu entorno imediato. Os Projetos Integrados de Conservação, conhecidos como PI, foram a resposta imediata da comunidade internacional para os conflitos inerentes e advindos do entorno das Unidades. Os PI objetivavam a integração das UCs mais restritivas no processo de desenvolvimento do entorno através do uso sustentável dos recursos. Não tardaram a chegar inúmeras críticas advindas dos ideólogos da conservação que acreditavam que os PIs haviam se tornado programas de desenvolvimento rural, que apresentavam benefícios “incidentais” para a conservação, pois não estariam compromissados com a manutenção das funções dos

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ecossistemas, e nem utilizavam critérios de biodiversidade. Para os críticos dos PIs, projetos que visem integrar o desenvolvimento socio-econômico com a conservação da biodiversidade eram por essência conflituosos, na medida em que os PI se concentravam nas ameaças causadas aos parques pelos moradores locais ignorando as ameaças advindas da globalização, da corrupção de alto nível e mesmo do próprio governo. Os habitantes do entorno podem modificar as fronteiras de um parque, contrabandear madeira etc., mas os grandes atores tem respaldo político e recursos de organizações para destruir a natureza em grande escala. Os pequenos atores retiram a mobília, os grandes tomam toda a propriedade”( Van ScahiK; Rijksen: op. cit., p. 42)

Percebe-se nos PIs uma resposta imediata à necessidade de agregar novos contornos a idéia de conservação, e que essa necessidade era resultado dos inúmeros conflitos advindos do entorno local e das conseqüentes pressões sobre os recursos naturais por parte dessas comunidades locais. Por outro lado, os PIs estariam também voltados para minimizar conflitos evidenciados com a criação dos PNs e não necessariamente para os conflitos que justificaram a criação dos PNs. Percebe-se também que as críticas advindas dos conservacionistas quanto aos PI dizem mais respeito às mudanças de prioridade nos financiamentos de projetos de conservação, direcionandos

para

desenvolvimento local.

projetos

que

visualizem

a

“conservação”

nos

processos

de

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2. RESSONÂNCIA NA POLÍTICA CONSERVACIONISTA BRASILEIRA

As bolas de sabão que esta criança Se entretém a largar de uma palhinha São translucidamente uma filosofia toda. (Alberto Caieiro, “O guardador de rebanhos”, XXV, 1-3)

2.1. A MARCANTE PRESENÇA DE UMA ESCOLA CONSERVACIONISTA NO BRASIL

Na década de 1950, o mesmo governo que incentivava a destruição ambiental com seus projetos faraônicos e seu conceito de desenvolvimento pautado no crescimento econômico acelerado era, paradoxalmente, também o responsável por criar leis e políticas que assegurassem essas riquezas. Pode-se dizer que essa duplicidade de papéis só ocorreu por estarem infiltrados na maquina pública ativistas de espírito conservacionista que, autorespaldnado-se pela ciência, instituiram a conservação através de leis e políticas públicas. Admitindo-se que a idéia da conservação no Brasil tenha se materializado através da criação dos PNs, procurou-se analisar a construção de uma lógica voltada para essa concepção de conservação. O caminho natural era perseguir as “circunstâncias” que possibilitaram a criação desses parques. Ao buscar referências na literatura, publicações técnicas, institucionais ou científicas nos deparamos com uma surpreendente revelação. As dezenas de PNs no Brasil tinham em comum o fato de que os PNs foram idealizados por um mesmo grupo de conservacionistas que, de forma orquestrada, se revezaram na administração das principais instituições públicas responsáveis pela temática ambiental (IBDF, SEMA, IBAMA), nas instituições de pesquisa (Jardim Botânico, Museu Nacional), participaram de grupos de trabalhos que elaboraram as principais leis relativas às UCs (Código Florestal de 1934, Código Florestal de 1965, Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, de 2000) consideradas por eles mesmos leis conservacionistas. Esses conservacionistas foram, ainda,

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autores de publicações chave, que nortearam a criação de diversas outras UCs no Brasil, como também responsáveis pela aproximação do Brasil com entidades internacionais de apoio à implantação de políticas ambientais internacionais - como a União Mundial para a Conservação da Natureza, UICN – e estiveram na criação e direção, de forma sincronizada, da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – FBCN -, uma das primeiras entidades não governamentais brasileiras, responsável pela política conservacionista que culminou na criação de inúmeras UCs. Outra característica que demonstra a relevância desse grupo no cenário político nacional é o fato de haverem sido justamente eles a representar o país em conferências internacionais consideradas fundamentais para a política conservacionista, como Estocolmo 92, Rio 92, e inúmeras outras voltadas especificamente às UCs. A influência desse grupo conservacionista foi tão sistemática nas diversas instâncias públicas, privadas, instituições de pesquisa, leis e em outras ações correlatas que ele pode ser responsabilizado por protagonizar no Brasil a construção de uma lógica voltada para a conservação, que explicita a concepção de conservação atrelada ao não uso direto dos recursos naturais. Acompanhando a trajetória da concepção original que embasou os PNs americanos e a expansão de seu modelo no mundo, considerava-se que a relação de hostilidade milenar entre a espécie humana e a natureza resultara na degradação dos recursos naturais vitais para a sobrevivência do planeta. Nesse sentido, através de comprovação científica – discurso que ganhou colorido liberalizante no Brasil, por influência do liberalismo americano -, passou-se a demonstrar a eficiência do modelo em resguardar nossas riquezas naturais. Nesse sentido, a conservação destes recursos estaria assegurada de forma perpétua mediante o já conhecido receituário, ou seja, a “utilização” educativa, científica e voltada para o lazer. A tônica da conservação estaria em assegurar que a não utilização dos recursos, geralmente coligada ao justo direito de todas as formas de vida usufruírem do planeta, estaria, agora, a dublar um valor ufanista, o verde das nossas matas, nossos campos com mais flores etc. Numa tentativa de registrar a história da conservação no Brasil, Teresa Urban (2002) empenhou-se em registrar detalhadamente a trajetória desses responsáveis pela criação de PNs. Seu livro Saudades do Matão merece destaque, entre outros motivos, pelas seguintes considerações: a) ao pretender abordar a história da conservação no Brasil considerou como trajetória as inúmeras circunstâncias que envolveram esses conservacionistas em diferentes instituições, e, portanto, responsáveis igualmente pela criação de uma política voltada para

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UCs e principalmente para PNs; b) procurou abordar os principais conservacionistas que ainda na atualidade representam a força de uma corrente ideológica no Brasil; c) por último, o próprio título denuncia a premissa anterior, ou seja, a perspectiva nostálgica a caonceber como valor fundamental nas UCs sua versão edênica. Valendo-nos, então, de um silogismo, a seqüência de premissas que colabora para o conceito de lógica da conservação se fundamenta no fato de que se o conceito de conservação no Brasil nasce conjuntamente com o conceito de PN, e, se os PN são considerados o lugar da conservação, através do não uso dos recursos naturais ou do seu uso indireto, a conservação no Brasil é concebida como a não utilização direta dos recursos naturais. Nesse sentido, os depoimentos desses conservacionistas clássicos ganham um peso extraordinário em nossa análise sobre a lógica da conservação. Ao invés de apresentarmos nominalmente esses idealizadore, vamos abordá-los em função das medidas conservacionistas que eles empreenderam

2.2. O MITO DA NATUREZA INTOCADA

Como vimos, no Brasil a concepção de parque nasce conjuntamente com a concepção de conservação e área protegida, ou seja, a institucionalização da conservação se dá através dos PNs e reservas equivalentes. A idéia de conservar o meio, a unidade e não somente os recursos naturais de forma estanque, foi a tônica da concepção. Nesse sentido, a palavra preservação vai ganhando contornos de não utilização dos recursos naturais e a palavra proteção vai sendo atribuída a utilização dos recursos naturais. Até a década de 1970, no Brasil, a conservação da natureza passava necessariamente pela criação de parques. A partir de então, como também já vimos (Capítulo 1), seguindo-se uma tendência mundial, começaram a serem criadas categorias de conservação distintas. O Brasil, acompanha a concepção americana do final do século XIX de reservar áreas naturais intocáveis para uso indireto dos recursos naturais através de PNs e introduz a "política Yellowstone" de proteção jurídica das áreas naturais para proteger a vida selvagem. Segundo Diegues (op. cit.), a idéia de preservação integral da natureza importada pelo Brasil parte do princípio subjacente de que, mesmo que a biosfera fosse totalmente transformada,

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domesticada pelo homem, poderiam existir pedaços do "mundo natural" em seu estado primitivo, anterior a intervenção humana". Nesse sentido, Diegues aposta na concepção de "um mito moderno ou um neomito que seria basicamente a criação de ilhas de proteção da natureza, onde o homem pudesse admirá-la e reverenciá-la e refazer suas energias gasta na vida estressante das cidades e do trabalho monótono. Seria então a "existência de um mundo natural selvagem, intocado e intocável" (p. ). Esta concepção, segundo o autor, estaria impregnada do pensamento racional representado por conceitos como ecossistemas, diversidade biológica, etc. Um dos neomitos do mundo urbano seria a necessidade de salvação da própria espécie humana e isso só seria possível privando o homem do contato com o mundo natural ou do uso irracional dos elementos do mundo natural. A crítica contumaz de Diegues à política de não visibilidade das populações intrinsecamente relacionadas as áreas naturais protegidas, que no Brasil é uma realidade, e a importação do neomito americano para países do terceiro mundo, como o Brasil, "onde a situação é ecológica, social e culturalmente distinta" (p. ) gerou o que se pode considerar uma escola do pensamento sócio-ambiental das UCs, que combate vertiginosamente a limpeza étnica proposta pelos ideólogos da conservação ao se adotar o modelo Yellowstone para as áreas historicamente ocupadas por essas populações. Esse neomito, no entanto foi transposto dos Estados Unidos para países do 3º mundo, como o Brasil, onde a situação é ecológica, social e culturalmente distinta. Nesses países, mesmo nas florestas tropicais aparentemente vazias, vivem populações indígenas, ribeirinhas, extrativistas, de pescadores artesanais, portadoras de uma cultura (chamada nesse trabalho de tradicional), de seus mitos próprios e de relações com o mundo natural distintas daquelas existentes nas sociedades urbano-industrial. (Diegues: 1996, p. 14 )

No Brasil, a conservação é incorporada por segmentos da sociedade civil e do Estado e tratada como reação e como sentimento de defesa dos recursos naturais, em função do modelo de desenvolvimento adotado pelos sucessivos governos e a respectiva estratégia de uso intensivo dos recursos naturais. Foi exatamente esse sentimento de defesa, aliado ao espírito científico e político e à larga troca de informações e experiências com as entidades internacionais, que favoreceram a institucionalização do conceito de conservação através dos PNs.

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2.3. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Pádua (1999) registra as preocupações brasileiras relativas a degradação ambiental a partir do segundo século de colonização afirmando que estas não se originaram da Europa e nem dos Estados Unidos, revelando, entretanto, que essas manifestações advinham de segmentos isolados da sociedade, cujas críticas à destruição ambiental eram voltadas para a destruição da terra e das riquezas brasileiras, oriundas do projeto colonizador. Conforme declara o autor, vários intelectuais brasileiros denunciaram a degradação ambiental de forma consistente, a partir de 1780, produzindo 150 textos (de 38 autores), entre 1786 e 1888, denunciando e debatendo os danos ambientais ocorridos no Brasil, sobretudo críticas ao atraso tecnológico que colocava em risco a preservação da natureza. Pádua cita o baiano Baltazar S. Lisboa, que menciona que a agricultura era desenvolvida no País “o mais miseravelmente que é possível imaginar” (p. ), ignorando os progressos técnicos. Mas não se tinha ainda nessa época uma convicção exata de que o melhor caminho a se perseguir “para reagir” ao “projeto colonizador” e sua “displicência tecnológica” seria a separação da natureza e a criação de políticas públicas para consolidar esta separação. Nesse sentido, percebe-se que as críticas giram em torno do “mau uso” da natureza e não necessariamente do “não uso”. Acrescente-se a ausência, neste debate, de cientistas naturais. O autor conclui que “a importância do meio natural era avaliada a partir do valor instrumental dos recursos naturais” (p. 15). De fato, o país perseguiu a "lógica" da desordem ambiental desde o descobrimento. O Brasil não ficou fora da rota da civilização predatória e seus recursos naturais estiveram sempre submetidos à exploração dos colonizadores. Sofremos séculos de uma cultura extrativista a abastecer as matrizes manufatureiras européias. A fauna e a flora brasileira foram exploradas e exportadas, enriquecendo, sistematicamente, as cortes. Penas de aves para a fabricação de plumas, peles de animais, óleo de baleia, casco de tartaruga, plantas ornamentais, ervas medicinais, madeiras nobres, e até crianças e mulheres indígenas eram exportadas para um mercado ávido. Os naturalistas que percorriam o Brasil em busca de conhecimento científico atendiam aos interesses da Coroa, contribuindo de forma direta, através de seus relatos, para a

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identificação dos recursos naturais e a sua utilidade. A colonização inaugura a prática predatória de exploração e pilhagem das riquezas naturais. A expansão da colonização sobre faixas remanescentes de florestas, e a contínua exploração destrutiva dos ecossistemas enquanto recurso renovável, provocaram a inevitável redução das faixas relativamente intactas das florestas tropicais. Em alguns períodos da nossa história, a corte portuguesa reagiu, criando impedimentos jurídicos, com a finalidade, no entanto, de assegurar para si os recursos para exploração. Na fala dos naturalistas, todavia, testemunha-se também a violenta destruição da natureza. Os inúmeros diários de campo se tornaram importantes relatos científicos para averiguação das perdas de diversidade biológica. No século XIX, a partir da vinda da Família Real para o Brasil, a exploração de madeira nobre se intensificou, através da derrubada indiscriminada da floresta. Além da exploração e exportação de madeira, o Brasil passou a exportar ervas medicinais, erva mate, castanha do Pará, e a intensificar as atividades agrícolas através do plantio do cacau, do café e do açúcar, retalhando a Mata Atlântica de todas as formas. Em alguns casos, o uso de plantas medicinais brasileiras chegava a extremos. O Brasil abastecia a Europa, por exemplo, de plantas para curtume - as plantas taníferas - que consumiam quantidades significativas de vegetação de mangue, além de árvores como barbatimão, angico vermelho, cambuí, monjolo, canafístula, ingá, graúna, garapiapunha, maricá. Nesse período, avaliava-se a retirada anual de mangue branco, apenas na região de Santos, em São Paulo, em aproximadamente 3,7 milhões de metros quadrados. A intensidade da extração do mangue - negócio fácil e rentável - , levou o governo do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, a proibir o corte da vegetação nesses locais "porque as regiões ficam desnudas e tornam-se focos de impaludismo" (Urban, 1996, p. 43). As grandes descobertas significavam grandes explorações, e, por conseguinte, grandes destruições. No século XVIII foi a vez do ouro e do diamante. Segundo Dean (op.cit.), 2,4 milhões de quilates de diamantes e mil toneladas de ouro foram extraídos deslocando para o Brasil um enorme contingente de portugueses, talvez 450 mil no curso do século. "Quase toda a riqueza extraída era exportada, a maior parte para Lisboa, onde escorava o poder e a estabilidade da coroa, aumentava os investimentos na agricultura, indústria e comércio e reacendia a cupidez dos vizinhos mais poderosos de Portugal”(Pinto apud Dean, op. cit.,

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p.234). Urban (op. cit.) atesta que a floresta brasileira era fonte inesgotável de produtos para o mercado europeu. O conhecimento sobre as madeiras tropicais, acumulado ao longo de 4 séculos de crônicas, viagens, estudos de naturalistas e muita derrubada, transformou os europeus em consumidores “especializados" Os viajantes e naturalistas redescobriam o Brasil no Século XIX. Os relatos e publicações dos naturalistas que aqui estiveram iriam, aos poucos, enriquecendo o conhecimento brasileiro sobre a riqueza natural, influenciando os cientistas a iniciarem observações a partir destes relatos. Segundo Urban, entre os coletores, dois dos que mais influenciaram a história da conservação da natureza no Brasil, pela qualidade e volume do trabalho realizado, foram Johan Baptist von Spix e Karl Friedrich Phillipp von Martius, que participaram da expedição científica que acompanhou D. Leopoldina d`Áustria, em 1817, e ficaram no Brasil até 1820. Inúmeras catalogações de espécies da fauna e flora foram realizadas. As publicações de ambos se tornaram referências para todos aqueles que realizavam pesquisas no Brasil. Em 1818, foi criado o Museu Imperial e Nacional, que centralizou as informações científicas disponíveis na época, proporcionando a formação de vários cientistas naturais que exerceram influência significativa nas políticas conservacionistas que começavam a ser esboçadas na virada do século (cf. Urban, op.cit.).

2.3.1. Primórdios da idéia de conservação no Brasil

As primeiras idéias relativas à perpetuação dos recursos naturais são atribuídas a José Bonifácio de Andrada e Silva, naturalista, ex-professor em Coimbra, e ministro durante o reinado de D. Pedro I, e que fôra, no início do século XIX, Intendente Geral das Minas e Metais do Reino, que em 1802 estabeleceu normas para o reflorestamento na costa. Antes disso, José Bonifácio já tivera profundas preocupações em assegurar que os conhecimentos gerados no Brasil sobre a riqueza natural fossem registrados em instituições de pesquisa. Assim sendo, esta mentalidade viria a colaborar com a riqueza do acervo do Museu Imperial Nacional. Segundo Diegues (op. cit.), José Bonifácio, já em 1821 sugeria a criação de um

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setor administrativo especialmente responsável pela conservação das florestas, uma vez que, constatado pela sua experiência administrativa, várias áreas da Mata Atlântica, principalmente no Nordeste, tinham sido destruídas para a construção de barcos. José Bonifácio de Andrada e Silva, considerado o “patriarca da independência” produziu um documento em defesa da abolição da escravatura, endereçado a Assembléia Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, onde fez uma verdadeira defesa dos recursos ambientais brasileiros (Andrada e Silva, 2000). Alguns ativistas do movimento abolicionista e republicano, como Joaquim Nabuco, Alberto Torres e André Rebouças dentre outros, desempenharam um importante papel na defesa das riquezas nacionais. Para estes, o regime escravocrata respondia também pela destruição da mata e pelo esgotamento do solo. Estes republicanos influenciaram governos e políticos da época, ao defenderem a necessidade de se traçar uma proposta alternativa para o país, que não colocasse em risco as fontes de riqueza ainda virgens. Considerado um grande pensador das idéias conservacionistas no Brasil, Alberto Torres, jornalista e advogado, foi um defensor da revisão constitucional, propondo, inclusive, a inclusão de um artigo em defesa do solo e das riquezas nacionais do país. Suas idéias e ações foram tão fortes politicamente que, depois de sua morte, foi fundada a Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, com sedes em vários Estados brasileiros, para divulgar suas idéias reformistas e a defesa das reservas florestais brasileiras. No centro de seu pensamento estava a idéia de que a civilização humana, movida pela cobiça, é inevitavelmente devastadora. “O Homem tem sido um destruidor implacável e voraz das riquezas da terra", escrevia, dois anos antes de sua morte (Urban, 1996, p. 42).

A primeira idéia de se estabelecer um parque no Brasil teria partido do engenheiro abolicionista liberal, André Rebouças, embalado pela idéia moderna do primeiro parque nacional do mundo, o Yellowstone, e influenciado pelos pensadores do final do século XVIII cujo projeto nacional passava por colocar "o Brasil nos trilhos da evolução do mundo civilizado", defendera a criação de PNs no Brasil, sugerindo ao mesmo tempo a ilha do Bananal, no Rio Tocantins/Araguaia e a área do Salto de Sete Quedas, como propícias para a sua implantação. Segundo Urban (op.cit.), atento ao potencial turístico -portanto, econômico das belezas naturais do país, Rebouças publicara, em 1876, um interessante artigo chamado

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"Parque Nacional", analisando com entusiasmo a criação do Yellowstone. Mesmo entusiasmado com o potencial econômico do turismo, Rebouças termina o artigo com uma declaração: O que é bem certo, o que fica acima de toda a discussão é que a geração actual não pode fazer melhor doação as gerações vindouras do que reservar intactas, livres do ferro e do fogo, as duas mais bellas ilhas do Araguaya e do Paraná... Daqui há centenas de anos poderão, nossos descendentes, ir ver dous espécimens do Brazil, tal qual Deus os criou; encontrar reunidos, no Norte e no Sul, os mais belos espécimens de uma fauna variadíssima, e, principalmente, de uma flora que não tem rival no mundo! (apud Urban, 1996, p.82).

Como se nota, ao propor a criação dos primeiros PNs, Rebouças justifica a necessidade de conservação, realçando o direito das futuras gerações a presenciarem a variadíssima fauna flora brasileira “criadas por Deus ” mas, sobretudo, reservando intactas do “ferro e do fogo” essas áreas com tamanho potencial natural. Rebouças ao justificar a “reserva” destas áreas intactas, estaria resguardando-as das ameaças potenciais e assegurando às gerações vindouras o direito ao usufruto (uso indireto) da natureza. Percebe-se a transferência da concepção internacional de conservação, materializada no Yellowstone, consolidada no discurso de Rebouças.

2.3.2. Criação do Serviço Florestal brasileiro e a elaboração do Código Florestal de 1934

O primeiro período Republicano no Brasil (1889 a 1930) caracterizou-se pela expansão do setor agrícola, com predomínio dos grandes latifúndios e monoculturas. Preocupado em preservar e restaurar as riquezas nacionais, em 1921 o então Presidente Epitácio Pessoa propõe a criação do Serviço Florestal, a primeira instituição oficial que dará origem mais tarde aos órgãos que criarão e implementarão a política brasileira de PNs. Apesar de criado em 1921, o Serviço Florestal só funcionou como instituição de pesquisa e fomento em 1929; em 1930, todavia, foi extinto, e, na década de 1940, voltou a existir, no âmbito do Ministério da Agricultura. A partir da criação do Serviço Florestal, houve um desencadeamento de legislações e de ações executivas voltada para a criação de políticas de conservação. Segundo Carvalho (apud Diegues, op. cit.), tiveram papel relevante para o

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movimento de proteção à natureza, Coelho Neto e Augusto Lima, parlamentares, que contribuíram para a criação do Serviço Florestal em 1921; Leôncio Corrêa e Pedro Bruno, pela defesa da ilha de Paquetá; Euclides da Cunha, Afonso Arinos, Roquete Pinto, Alberto Torres, Gustavo Barroso e Alberto José Sampaio, pesquisador do Museu Nacional, pelos livros e escritos em defesa da natureza no Brasil. Esses autores eram influenciados pelo positivismo que dava ênfase à necessidade do desenvolvimento da ciência para resolver os problemas do atraso econômico e social no Brasil (cf. Diegues, op. cit., p.113). Em 1930, a Diretoria do Serviço Florestal é designada pelo então Presidente Washington Luiz para coordenar os estudos para a elaboração do Código Florestal de 1934. O Código Florestal de 1934 foi a primeira legislação brasileira voltada para a conservação da natureza. Foi também a primeira legislação nacional a introduzir a definição de Parque Nacional, Floresta Protetora e Área de Preservação em propriedade particular. A partir desse Código Florestal houve um desencadeamento de políticas de conservação no país, principalmente por ter sido criado no âmbito da lei um Conselho Florestal, órgão colegiado que, ao longo de sua existência, permaneceu tradicionalmente ocupado por conservacionistas que atuavam em instituições de pesquisa, políticos influentes e outros. Consta que fizeram parte de uma subComissão oficial encarregada de elaborar o ante-projeto do Código: Augusto de Lima, José Mariano Filho, entomologista e defensor do patrimônio histórico colonial, e Luciano Pereira da Silva, que mais tarde se tornou o presidente do Conselho Florestal e consultor da República. Consta também que fizeram sugestão ao então projeto de lei Durval Ribeiro, representantes da Sociedade dos Amigos das Árvores - uma das mais antigas entidades ambientalistas registradas no Brasil, que exercia grande influência na política adotada pelo governo para a proteção da natureza -, os ideólogos do incipiente movimento conservacionista, além de juristas famosos, legisladores e ativistas, cientistas do Museu Nacional (que esteve, até 1930, sob a direção de Edgar Roquete Pinto, escritor , pesquisador e discípulo de Alberto Torres),. Mesmo considerada legislação pioneira, a criação do Código Florestal sofreu críticas e elogios quanto às suas intenções. Brito (op. cit.) chama atenção para o disposto no Artigo 19, que induzia os proprietários a destruir florestas primitivas (heterogêneas) para transformá-las em homogêneas. No artigo, é permitido aos proprietários a derrubada, a um só tempo ou sucessivamente, de toda a vegetação desde que se comprometam perante às autoridades

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competentes, a repô-la através de reflorestamento, não obrigando a reposição com espécies nativas. A criação de áreas reservadas como instrumento regulador da política ambiental brasileira, assegurada desde o Código Florestal de 1934, é responsável por importar para a legislação brasileira a noção de área reservada, ainda que de forma limitada, reconhecendo três categorias básicas: PNs, florestas nacionais, estaduais e municipais, e florestas protetoras. Segundo o Código Florestal de 1934, as áreas reservadas seriam de dois principais tipos: a) Parque Nacional - Florestas remanescentes de domínio público onde era proibida qualquer atividade contra a fauna e a flora; .e b) Floresta Nacional: floresta de rendimento. Nesse sentido, desde 1934 que se reconhece no Brasil que os PN são unidades de domínio público criadas para resguardar o “território” da fauna e a flora das atividades lesivas. Ou seja, o reconhecimento da necessidade de assegurar a área sob a forma de PN, já pressupõe a existência de ameaças subjacentes. Outro aspecto inovador atribuído ao Código Florestal diz respeito à limitação ao direito de propriedade, subordinando-o ao interesse coletivo. O Código Florestal impôs ao proprietário reservar uma parte das florestas privadas de forma permanente, reconhecendo desde então, uma espécie de “função sócio-ambiental” da conservação. A criação do Conselho Florestal Federal pelo Código, possibilitou a criação do primeiro PN do Brasil: O Parque Nacional de Itatiaia, em 1937. O Conselho Florestal foi o responsável pela proposição e pelo sustento de órgãos importantes na estrutura executiva do governo e teve um papel decisivo na criação de áreas naturais protegidas Registra-se ainda, como evento importante, em 1934, a realização da 1ª Conferência Brasileira para Proteção da Natureza, onde aparecem como idealizador do evento Alberto José Sampaio (Museu Nacional) e Leôncio Corrêa. A conferência foi presidida por Roquete Pinto, na época ainda Diretor do Museu Imperial Nacional. O objetivo era a defesa da fauna, flora, sítios e monumentos naturais. Tal conferência foi patrocinada por Getúlio Vargas, deixando transparecer as boas relações entre governo e sociedade civil, uma vez que, apesar de não governamental, a conferência tinha características e apoio oficial.

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2.3.3. O primeiro Parque Nacional do Brasil: Itatiaia, 1937

Por paradoxal que possa parecer, mesmo não havendo uma estrutura administrativa voltada para a política de conservação, surge em 1937, por iniciativa isolada, o primeiro Parque Nacional do Brasil: Parque Nacional de Itatiaia; dois anos mais tarde, surge o Parque Nacional de Iguaçu e o Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Todos subordinados ao Ministério da Agricultura, onde, inclusive foi alocado o Serviço Florestal depois de sua reativação. A proposta empírica de criação do primeiro PN partira do botânico Alberto Logfren, em 1913. No mesmo ano, José Hubmayer reforçora a recomendação anterior, argumentando que o PN de Itatiaia, se criado, ofereceria aos cientistas e estudiosos riquíssimos elementos para suas pesquisas e retiro ideal para reconstituição física e mental dos habitantes das grandes cidades (cf. Barros apud Quintão, 1983). A justificativa para a criação do PN de Itatiaia passara necessariamente pelo crivo científico a justificar a necessidade de conservação daquelas áreas naturais. A região do parque havia sido intensamente pesquisada tanto por cientistas brasileiros como estrangeiros, entre eles: Saint Hilarie, Glaziou Baker e outros. Os naturalistas que passaram pelo Brasil e pela região sudeste no século XIX haviam deixado preciosas contribuições científicas, tanto no Jardim Botânico do Rio de Janeiro quanto no Museu Nacional, que se transformaram em instituições de referência em pesquisa científica, contribuindo desta forma para o embasamento na criação desses parques. O próprio Jardim Botânico, subordinado também ao Ministério da Agricultura, manteve entre 1908 e 1928, a Estação Biológica de Itatiaia no local que futuramente veio a ser o Parque. Equipes do Jardim Botânico realizaram expedições regulares à Serra de Itatiaia. Funcionários e cientistas do governo federal tiveram assim um conhecimento de primeira mão da área. Isso certamente contribuiu muito para que ela fosse selecionada para ser o primeiro parque nacional brasileiro em 1937 (Magnanini apud Drumond, 1997, p. 66).

Drumond chama atenção para o potencial turístico e de lazer que o parque proporcionava, haja vista a proximidade do Rio de Janeiro, na época a maior cidade do país, o que foi considerado como outra justificativa para a criação do parque. Segundo ele,

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Hubmayer, teria proferido palestra em uma conferência em 1913 onde destacara o inesgotável potencial da área para pesquisa científica de campo, a sua localização conveniente entre os maiores centros populosos do país e as opções de lazer que ela poderia oferecer. (Drumond, 1997 p. 163).

2.4. OS CONSERVACIONISTAS ENTRAM EM CENA

O ano de 1940 marca de forma decisiva a entrada em cena dos responsáveis por criar um conceito de conservação no Brasil, através de trabalhos científicos e de atuação em órgãos públicos, instituições de pesquisa ou em organizações não governamentais. Vários conservacionistas, em épocas anteriores, como foi demonstrado, também foram responsáveis pela produção da idéia de conservação no Brasil, mas, sem dúvida, o país avançou para uma política de conservação propriamente dita, pautada em UCs quando estes conservacionistas passaram a “atuar”. As dezenas de parques brasileiros e a produção científica que embasou a criação destes parques foram resultado da atuação destes no debate nacional. Em 1940, Wanderbuilt Duarte de Barros, agrônomo conservacionista, assume a direção do Parque Nacional de Itatiaia, onde permaneceu por 18 anos. Como Diretor deste, inicia uma produção científica intensa que, aos poucos, vai embasando conceitos, definições e gestão dos parques brasileiros. Em 1946, Duarte de Barros publica um livro intitulado Parques Nacionais do Brasil. A obra é dedicada a Alberto Torres, André Rebouças e Getúlio Vargas. Essa primeira publicação assume uma importância impressionante no cenário da conservação, por ser considerada "a primeira obra voltada para a discussão da conservação da natureza no Brasil" (Urban, 1996, p. 84). Nota-se que tal consideração denuncia mais uma vez o atrelamento do conceito de conservação ao conceito de PN. A publicação abordara, de forma nítida, a necessidade de assegurar a utilização de parcelas de terras in natura para a coletividade, assegurando que as mesmas sejam desapropriadas, protegidas por instrumento legal especial, com o fim expresso de serem mantidas para recreio, educação e estudo, quer por conterem no seu interior acidentes naturais típicos, quer por guardarem em seu recesso águas, minerais, vegetais, animais, e quer, finalmente, por possuírem moldura de paisagens soberbas, com

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cenários naturais realmente lindos (cf. Urban, 1996 p. 85). Duarte de Barros haveria seguido as mesmas indicações da “Conferência sobre a Proteção da Flora , da Fauna e das Belezas Cênicas dos Países da América”, realizada em Washington em 1940, ao sugerir critérios para a criação de PNs, revelando, deste modo, certa influência da comunidade conservacionista internacional na comunidade conservacionista e científica nacional. Os conceitos e diretrizes internacionais eram incorporadas e, aos poucos, influenciariam na política de criação de UCs no Brasil. Outro fato interessante foi que a publicação afirma ser indispensável, como medida de proteção para salvaguardar a biodiversidade, que os governos criassem Reservas Naturais, Estações Biológicas, Monumentos Naturais, Parques de Refúgio Animal e PNs, transmitindo a idéia de que a conservação só se faz através de áreas protegidas, por serem consideradas uma resposta “segura” e imediata às ameaças impostas aos recursos naturais. O trabalho de Urban consegue transmitir um pouco do impacto desta obra sobre o movimento conservacionista: Com a publicação "Parques Nacionais do Brasil", Wanderbuilt de Barros inaugurou uma nova vertente na discussão sobre a proteção da natureza no Brasil e esta nova visão marcou profundamente a geração de técnicos e cientistas que assumiu a responsabilidade pela condução da política conservacionista. (Urban, op. cit., p. 86)

Em 1941 o governo já havia criado, no Estado do Rio, Florestas Protetoras da União, cujo objetivo era garantir o fornecimento de água potável. Algumas florestas protetoras evoluíram para PNs. O Parque Nacional da Tijuca é fruto desta evolução. Em 1944, através de um decreto presidencial, definiram-se as funções do Serviço Florestal, reativado no âmbito do Ministério da Agricultura, que passou a ser responsável pela promoção, criação, fomento, proteção e melhor utilização das florestas do país. O Serviço Florestal foi organizado em sete departamentos e um deles foi reservado aos PNs - Seção de Parques responsável então pelos três PNs existentes. O Decreto n.º 16.677/44 atribuiu à Sessão de PNs o encargo de orientar, fiscalizar, coordenar e elaborar programas de trabalho para os PNs. O mesmo Decreto definiu que os PNs tinham as seguintes atribuições: conservar para fins científicos, educativos, estéticos ou recreativos as áreas sob sua jurisdição; promover estudos da flora, fauna e geologia das respectivas regiões; e organizar museus e herbários regionais (cf. Quintão,1983). A criação de um espaço na administração pública para Parques é

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devida à nítida influência do Conselho Florestal, composto, como já abordado, por conservacionistas de algumas instituições de pesquisa, como o Museu Nacional. A conservação vai, aos poucos, se consolidando na prática institucional. Não através somente de leis, mas também através de políticas públicas.

.

Em 1946, o serviço Florestal criou a Floresta Nacional do Araripe-Apodi – CE; somando-se aos três parques existentes. Computavam-se agora 300.000 hectares de áreas sobre proteção legal. Percebe-se uma influência do Conselho Florestal que foi reativado conjuntamente com o Serviço Florestal. Em 1948 o Brasil aprova, através do Decreto n.º 3 do Legislativo, os termos da Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América, realizada, conforme já relatado, em Washington em 1940. Nesse sentido, o país adotou a definição de Parque Nacional, Reservas Nacionais, Monumentos Naturais e Reservas de Regiões Virgens estabelecidas na Convenção. O artigo II da Convenção indicava aos países signatários a criação das referidas áreas protegidas de forma imediata. No artigo III, estabelecia que os limites dos PNs (só se refere a esta categoria) não serão alterados ou alienados em nenhuma parte e "proíbe a caça, a matança e a captura de espécimes da fauna e a destruição e coleção de exemplares da flora nos PNs" e, por fim, que os governos "promovam as facilidades necessárias para o divertimento e a educação do público, de acordo com os fins visados por esta Convenção" (cf. Ministério da Agricultura, Legislação Florestal, 1967). Inicia-se, assim, uma fase interna de padronização na criação de parques, seguindo-se o conceito internacional, asseguramdo-se o caráter de uso indireto dos recursos nos PNs. A década de 1950 foi marcada por uma maior ação dos conservacionistas em diversos setores da sociedade. Inicia-se uma intensa política de criação de PNs que será aprimorada na década de 1970. Em 1956, o Jardim Botânico ainda era subordinado ao Ministério da Agricultura. Nesse mesmo ano, o engenheiro agrônomo Alceu Magnanini, expoente do conservacionismo brasileiro, que atuava como técnico naturalista e pesquisador em botânica, se transfere para o Serviço Florestal. Em 1959, o Serviço Florestal cria mais três novos PNs: Parque Nacional Aparatos da Serra – SC/RS; Parque Nacional Ubajara – CE; e Parque Nacional do Araguaia TO. Somando-se tudo, tem-se agora 900.000 hectares de áreas protegidas.

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A passagem dos conservacionistas pelo poder público e pelas instituições de pesquisa vai sendo registrada pelo número de áreas protegidas que vão sendo criadas. A possibilidade de criação destas áreas se vê facilitada em função da presença destes nas comissões de elaboração de leis, decretos e colegiados. Mais tarde eles vão se encontrar na Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – FBCN, foco do pensamento conservacionista brasileiro. Até 1959 o único espaço na administração pública para elaboração de políticas públicas voltadas para as áreas protegidas se encontrava no âmbito da Seção de Parques do Serviço Florestal. Em 1960 foi criado o Departamento de Recursos Naturais Renováveis – DNRN, que substituiu o Serviço Florestal. O DRNR funcionou até 1967, quando foi criado então o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF. Registra-se, nessa fase de existência do DRNR, a criação de 8 novos PNs, o maior número desde então, acrescentando mais 300.000 hectares de área protegidas às já existentes. Reunidos no DRNR, e com apoio do Conselho Florestal, iniciou-se por parte dos conservacionistas um processo mais intenso de criação de UCs. As áreas protegidas criadas na época do DRNR foram o resultado da forte influência política do Conselho Florestal. Alguns membros do Conselho Florestal foram também membros do grupo de trabalho que elaborou o novo código florestal de 1965. A força política do Conselho Florestal pode ser entendida pela facilidade de acesso que o presidente do Conselho, na época tinha ao Presidente da República; Ele nomeou Victor Abdennur Farah como presidente do Conselho Florestal Federal. O Farah era recebido diretamente pelo Presidente Jânio Quadros. Na hora em que ele entrava, o Presidente da República se levantava e dizia: "Sr. Presidente queira ter a bondade!" Porque o outro era presidente também do Conselho. E o fato é que a maioria imensa de áreas reservadas existentes até 1961 no Brasil foi criada pelo Jânio Quadros. Houve influencia decisiva do Conselho Florestal e do Farah. (Magnanini apud Urban, 1996, p 224) .

2.5. CRIAÇÃO DA FBCN, 1958

Segundo Urban, os laços entre cientistas brasileiros e o movimento conservacionista internacional, principalmente com a UICN (União Mundial para Conservação da Natureza), resultou, em 1958, na criação da FBCN. Fundada por botânicos, zoólogos, jornalistas e idealistas, no mesmo modelo das instituições londrinas de proteção às aves, a FBCN merece

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destaque na história da conservação no Brasil, uma vez que, ao se contrapor ao uso descontrolado dos recursos naturais, fruto dos apelos desenvolvimentistas do governo de Juscelino Kubstcheky, acabou se transformando no braço não governamental dos conservacionistas que atuavam no governo e nas instituições de pesquisa, sendo considerada a grande influenciadora das instituições responsáveis pela política de UCs. Nota-se que alguns membros fundadores ou filiados, são os mesmos que mais tarde estariam na elaboração do Código Florestal de 1965, como Wanderbuilt Duarte de Barros, Victor Abdennur Farah, membro também da Comissão do Código Florestal de 1934, Harold Edgar Strang, conservacionista respeitado e criador do Instituto de Conservação da Natureza dentro do Parque Nacional da Tijuca, no âmbito da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Fernando Ávila Pires, que será um dos mentores da Lei de Proteção à Fauna (de 1967), Aldemar Coimbra Filho, primatólogo, conservacionista e que será mentor, entre outras UCs, da Reserva Biológica de Poço das Antas, em 1974, e outros. Percebe-se um verdadeiro rodízio de conservacionistas que atuam no poder público na presidência da FBCN. No final da década de 1960 assume a presidência da FBCN, Wanderbuilt Duarte de Barros, que atuará, posteriormente, no IBDF.

2.6. O CÓDIGO FLORESTAL DE 1965

Em 1964, o Estatuto da Terra é lançado (Lei 4505/64), prevendo a desapropriação de áreas para a implantação de PNs e reservas equivalentes, faz notar a força política da concepção de PNs. Em 1965, o novo Código Florestal entra em vigor, tendo em vista a necessidade de reformulação do Código de 34. Até essa data o País já contava com 15 PNs e 4 Reservas Biológicas, tendo como base legal para sua criação o antigo Código Florestal e as constituições anteriores (cf. Quintão, 1983). Para a elaboração do Código Florestal de 1965 fôra criado, em 1961, um grupo de trabalho. Dentre os membros deste grupo estavam, mais uma vez, Alceu Magnanini, na época Chefe do Setor de Ecologia do Centro de Pesquisa Florestal e Conservação da Natureza do Ministério da Agricultura, e o Desembargador Osny Duarte Pereira, que coordenara a Comissão que elaborara o Código Florestal de 1934. O Desembargador Pereira era especialista em Direito Florestal e considerado referencia em

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legislação florestal internacional na época, experiência essa que foi trazida para o Código Florestal brasileiro, responsável pelas propostas consideradas mais avançadas em termos de proteção das florestas. Participaram também da elaboração do Código outros representantes de instituições científicas e públicas2. A proposta do Novo Código Florestal foi apresentada na Câmara Federal que, através de uma Comissão analisou o anteprojeto. Registra-se também a presença de Wanderbuilt de Barros, representante do Ministério da Agricultura nesta Comissão, colaborando decisivamente com críticas ao então projeto de lei. Para ele, o Código Florestal de 1965 é muito restritivo e com poucos fundamentos científicos. Após a entrada em vigor do novo Código Florestal houve uma verdadeira revolução no tratamento dado às florestas de uma forma geral, e às áreas protegidas especificamente. As florestas passaram a ser definitivamente consideradas como bens da União, limitando-se o direto de propriedade. Outra inovação foi a criação da categoria Floresta de Preservação Permanente que, somente pelo só efeito da lei, assegurava a mata ciliar, os topos de morro, florestas de encostas, florestas ao redor de olhos d’água e outros. As Florestas de Preservação Permanente, declaradas por ato do poder público, foram consideradas uma outra alternativa para assegurar áreas que, num futuro próximo, poderiam vir a ser UCs. As Reservas Legais, surgidas no governo de Epitácio Pessoa, ganharam relevância e foram estipuladas para garantir um mínimo de preservação em propriedades particulares. O Código Florestal inaugura dois grupos de UCs com objetivos de conservação diferentes. No primeiro grupo, considera-se o uso indireto dos recursos naturais, permitindo apenas a educação, a recreação e a pesquisa. Nesse grupo encontra-se os PN e Reservas Biológicas – Rebios. No segundo grupo, considera-se o uso dos recursos naturais com critérios; nesse grupo estão incluídas as Florestas Nacionais. No artigo 5º fica estabelecido que o Poder Público Criará: a) Parques Nacionais, Estaduais e Municipais e Reservas Biológicas, com a finalidade de resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da flora, da fauna e das belezas naturais, com a utilização para objetivos educacionais, recreativos e 2

Importa destacar a participação do Sr. Adelmy Cabral Neiva, professor de Direito Internacional Público, de Direito Privado e procurador do Instituto Nacional de Migração e Colonização, como um dos membros do grupo de trabalho que, na mesma época, adquire terras na área do futuro Parque Estadual da Serra da Tiririca e protagoniza um dos conflitos mais graves da atualidade no Parque (cf. capítulo 6.2.).

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científicos; b) Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, com fins econômicos, técnicos ou sociais, inclusive reservando áreas ainda não florestadas e destinadas a atingir aquele fim. Seria, contudo, a Lei de Proteção à Fauna (Lei 5.197 de 1967), elaborada com a participação de cientistas e conservacionistas, que inauguraria a onda legislativa conservacionista. Até então, a legislação brasileira era voltada para a proteção de interesses ambientais de cunho econômico. 2.7. A CRIAÇÃO DO IBDF, 1967 Em 1966 assume a Presidência da FBCN o Professor José Cândido Melo de Carvalho, zoólogo, considerado um grande pesquisador conservacionista, que fôra, por muito tempo, pesquisador do Museu Emílio Goeldi e do Museu Nacional do Rio de Janeiro, um dos primeiros brasileiros a se filiar à UICN e que publicou mais de uma centena de trabalhos científicos. Nessa mesma época, assume a diretoria executiva da FBCN, a convite de José Cândido, Alceu Magnanini, até então Diretor do Departamento de Recursos Naturais, do Ministério da Agricultura; e que mais tarde, em 1989, viria a assumir a vice-presidência da Fundação. O conservacionista Paulo Nogueira-Neto participou do Conselho Superior da entidade na gestão do Professor José Cândido. Em 1967, é criado, através do decreto-lei 289, como uma autarquia do Ministério da Agricultura, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF. O IBDF foi resultado da extinção e união do DRNR, do Conselho Florestal, Instituto Nacional do Pinho, do Instituto Nacional do Mate, ou seja, órgãos de fomento misturados aos de conservação. Os conservacionistas que atuavam no DRNR passaram a atuar no Departamento de Pesquisa e Conservação da Natureza do IBDF chamado por estes de DN, que, por decreto, tinha a atribuição de conservar os recursos naturais renováveis. Subordinado ao DN estava a Divisão de Proteção à Natureza, responsável por prover a instalação e funcionamento dos PNs além de atender a proteção da flora e fauna. Entrincheirados nesta Divisão, os conservacionistas pressionavam o Governo para a criação de novas áreas protegidas. Com a presença de Alceu Magnanini e Adelmar Coimbra no DN e de Maria Tereza Jorge Pádua na Seção de PNs, entre 1971 e 1989, como resultado do

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esforço desse pequeno grupo, 20 novos PNs foram criados, acrescentando 8,5 milhões de hectares de áreas protegidas ao que até então não ultrapassava 1,3 milhão. Só no período de 1974 a 1981, o IBDF comprou dois milhões de hectares de PNs e Rebios usando recursos do recém criado Fundo de Reposição Florestal. Diversas áreas havendo sido desapropriadas para esse fim. Em menos de uma década foram comprados dois milhões de hectares com recursos da reposição florestal. A SEMA pegava terra devoluta, nós seguíamos os critérios de representatividade. É verdade que o IBDF herdou muitos parques com problemas fundiários sérios e foram usados muitos artifícios para resolvê-los. O INCRA, por exemplo ajudou horrores na desocupação do Parque Nacional do Iguaçu. Também ajudou decretando zona prioritária para reforma agrária ou utilidade pública em áreas depois transformadas em PNs. Serra da Canastra, por exemplo, foi comprado assim. (Pádua apud Urban, op. cit,, p. 279)

2.8. CONSTRUINDO A BASE PARA UMA POLÍTICA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Em 1970 é elaborada a primeira publicação brasileira dedicada a traçar um planejamento estratégico para os PNs no Brasil, denominada Política e Diretrizes dos Parques Nacionais do Brasil. A publicação, foi elaborada pelo então Diretor do Departamento de Pesquisa e Conservação da Natureza do IBDF, Alceu Magnanini, responsável também pela criação, execução e gerências dos Parques Brasileiros. Este documento norteou a política que o Brasil pretendia consolidar para a criação e gestão dos PNs. Segundo o autor, a referida publicação foi baseada tão aproximadamente quanto possível no documento americano denominado Compilation of the Administrative Policies for The Nacional Park and Nacional Monuments of Scientific Significance - Natural Área Category (Washington: U.S.C. Printing Office, 1967), que seria uma compilação das políticas administrativas para os parques americanos, ou seja, toda a experiência americana em administração de parques desde 1872, "data do primeiro parque nacional da terra" (cf. Magnanini, 1970, p. 3) As diretrizes para a criação de futuros parques brasileiros foi estabelecida, portanto, a partir da concepção americana de parques, que considerou como condição essencial "dispor de áreas espaçosas e amplas e que, nessas áreas, a ciência, a estética e a recreação possam se harmonizar com a preservação do patrimônio natural, em caráter definitivo" (p. 4) E desde

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aquela data se reconhece que um PN deve possuir um caráter excepcional (paisagens, geologia, flora, fauna, águas), isoladamente ou em conjunto, que represente valores científicos e de recreação significativos. Os parques nacionais diferem de todos os outros bens ou imóveis da União, porquanto são para uso comum do povo, competindo às autoridades federais zelar pelo fiel cumprimento da legislação específica que objetiva em constituí-los em preciosa e derradeira fonte inalterada para a investigação científica e ainda torná-los aproveitáveis para o fornecimento adequado de recreação perene, de inspiração cultural. Isto tudo só pode ser conseguido mercê de uma administração rigorosamente baseada em princípios conservacionistas. (Magnanini, 1970).

Assim como o documento americano as diretrizes para a política de PNs para o Brasil considerava o “zoneamemnto do território” como instrumento de planejamento inerente à concepção de conservação em Parques. Desse modo, a institucionalização do espaço/território estava intimamente relacionada com as regras de uso e apropriação dos recursos naturais deste. Mesmo não havendo no Brasil uma legislação voltada para a gestão das UCs, a publicação se antecipa e agrega à política de PNs, a necessidade de Planos Diretores e dos respectivos zoneamentos, baseados estes numa suposta vocação natural dos ambientes, instituindo o zoneamento como parte da política de gestão ambiental. Começa a consolidar-se, através de uma política pública, uma lógica para a conservação de áreas naturais baseada no uso indireto dos recursos naturais.

2.8.1. A SEMA, 1973

Em 1973 é criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente – SEMA, no âmbito do Ministério do Interior, considerado um dos principais responsáveis pela implantação da estratégia de crescimento econômico acelerado, em flagrante contradição com as atribuições e funções do controle ambiental (Monosovisk apud Brito, op. cit., p. 59). A SEMA é uma resposta brasileira às pressões exercidas na Conferencia da ONU em Estocolmo. A participação do Brasil na Conferência ficou marcada pela defesa de um desenvolvimento baseado na poluição como forma de crescimento econômico. A SEMA foi dirigida por Paulo Nogueira-Neto de 1974 a 1986, período em que,

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segundo ele mesmo, projetou-se uma estratégia de ação na SEMA baseada na convicção de que, para as gerações futuras, o mais importante era a criação de UCs apesar de reconhecer que a atribuição e jurisdição para criar e manter UCs era do IBDF . Mesmo com caráter consultivo e impedida juridicamente de criar tais UCs e, ainda, para não cometer paralelismo de atribuição, a SEMA recorreu a um estratagema técnico-científico para enfrentar a pesada máquina do IBDF que não abria mão dessa prerrogativa. Com o apoio de Alceu Magnanini no IBDF e aproveitando o momento crítico pelo qual passava o órgão, que não conseguia manter as UCs, e, portanto estaria impedido internamente de investir em novas, a SEMA criou as figuras de conservação denominada Estação Ecológica, Área de Proteção Ambiental – APA e Área de Relevante Interesse Ecológico - ARIE, responsáveis por garantirem a proteção de 3 milhões de hectares dos mais diversos ecossistemas brasileiros. Curioso é que as novas categorias foram criadas sem haver uma lei que as reconhecessem, o que só viria a ocorrer em 1981, com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - Lei 6938. O surgimento das APAs e ARIEs no âmbito da SEMA e não mais no reduto oficial dos conservacionistas – o IBDF -, iniciou uma tímida mas eficiente mudança nos debates relativos à conservação e ao uso dos recursos naturais. Mesmo considerando que a criação das APAs tenham sido motivadas por iniciativa pessoal de Paulo Nogueira-Neto, inclusive, inicialmente, sem regulamentação jurídica, estas se configuraram como UCs cujo uso humano se constitui como parte da conservação. Nesse sentido, registra-se a criação da APA de Guapimirim em 1984 pela SEMA, para conservar a maior porção do ecossistema de manguezais existentes na Baía de Guanabara e a secular atividade dos catadores de caranguejo e pescadores que sempre utilizaram a região do manguezal para subsistência. Criadas, portanto, por um único conservacionista que chegou a evitar o nome floresta para não haver atrito com o IBDF, adotando a palavra biota na legislação posterior, as Estações Ecológicas, as APAs e ARIEs, foram “inventadas” como alternativa face à imobilidade do IBDF. As novas categorias não existiam ainda no cenário da conservação nacional e internacional. As Estações Ecológicas mais próximas dos objetivos dos Parques, se diferenciaram destes pelos objetivos pretensamente voltados para pesquisa, evitando-se, assim, competição com os objetivos do PN. Com o tempo, estas categorias foram agrupadas nos dois modelos de conservação propostos: as Estações Ecológicas foram consideradas categoria

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restritiva, de uso indireto, e as APAs e ARIEs agrupadas como categorias de uso direto, cuja permissão do uso dos recursos naturais era possível, desde que feita com critérios. Ambas categorias foram consideradas inovadoras, a primeira por ter sido criada em terras devolutas e a segunda em terras privadas, mas não necessitando de desapropriação. Curioso observar que as APAs e ARIEs não são consideradas, pelos conservacionistas, como verdadeiras UCs, e sim como unidades de planejamento, desmerecendo inclusive qualquer atenção ou debate. Observa-se, mais uma vez, a vinculação do conceito de conservação ao uso indireto dos recursos naturais, uma vez que a APA e a ARIE não extinguem a presença humana, não obrigam o poder público a realizar desapropriação e, o mais importante, permitem o uso direto dos recursos naturais. O registro do posicionamento dos ideólogos da conservação é emblemático no sentido de não considerarem as APAs como UCs: Assim, quando se anuncia que o país possui tantos milhões de hectares em Unidades de Conservação aí incluindo as APAs e Reservas da Biosfera, é escamotear a opinião pública. Além do mais, o que é muito mais grave é que os governantes criam APAs, a torto e direito, pois é uma categoria que não demanda desapropriação e não exige resistência ao seu estabelecimento. Assim as APAs proliferam nos distintos níveis de governo, a tal ponto de se ter uma APA de 6 milhões de hectares. Não que as APAs não sejam necessárias para a conservação da biodivesidade, elas o são, mas muito mais como zonas tampão de outras categorias de manejo e para garantir corredores ecológicos e sempre quando os legítimos proprietários das terras estejam de acordo, com as necessárias restrições de uso. (Pádua, 2000, p. 106). A meu ver só poderiam ser UCs, as unidades institucionais, com áreas definidas e de propriedade governamental. O que hoje se depara é um enxame de UC’s dentre as quais, muitas são apenas áreas onde há normas de planejamento de uso. As APAs, por exemplo, que na realidade são apenas e fundamentalmente áreas onde há um planejamento global de uso, definindo o que o licenciamento deve obedecer. Na minha interpretação pessoal, o município todo deveria ser uma APA, o Estado todo deveria ser uma APA e, porque não o país todo deveria ser uma APA. (Magnanini, 2002 , p.152)

2.8.2. Plano do Sistema de Unidades de Conservação, 1979-1982 Na década de 1970, embalados pela idéia de desenvolvimento da região amazônica como forma de integração nacional, a Amazônia surge no cenário conservacionista como foco de preocupação e oportunidades. A expansão da fronteira agrícola e a conseqüente construção da rodovia transamazônica, que penetrava em regiões ainda intocadas, era combatida com propostas de criação de áreas protegidas .

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A visão das UCs enquanto sistema se fortalece. As propostas conservacionistas conseguem ser consideradas nos grandes projetos nacionais de desenvolvimento. O Projeto RADAMBRASIL, criado pela SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), sugere a criação de vários PNs e Rebios, após levantamento detalhado dos recursos da Amazônia . Em 1970 o Programa de Integração da Amazônia – PIN, propõe a concretização das propostas apresentadas pelo POLAMAZÔNIA, que definiu 15 pólos de desenvolvimento e recomendou a criação de UCs para cada polo específico. Como fruto desta recomendação surge o Parque Nacional da Amazônia com área de 1.000.000 de hectares. Na importante Conferência de Estocolmo, ocorrida em 1972, na extinta União Soviética, o governo brasileiro revelou uma postura desenvolvimentista, alegando que a proteção ambiental inviabilizava a expansão do parque industrial dos países em desenvolvimento, impedindo o crescimento destes países. O Brasil liderou os países pobres na defesa da não aceitação das propostas de crescimento zero, defendidas pelo Clube de Roma3. Até então não havia uma política de controle ambiental no país. No período de 1975 a 1979 o II PND - Plano Nacional de Desenvolvimento - propõe que sejam tomadas medidas concretas para a criação de novos PNs e Rebios na Amazônia. Como resultado dessa recomendação, o IBDF inicia em 1975 o projeto “Uma Análise de Prioridade para a Conservação da Natureza na Amazônia”. Tal iniciativa "tinha por objetivo a definição de um programa geral para a conservação da natureza na região, incluindo a identificação, em bases científicas, de áreas chaves a serem estudadas, para sua futura proteção" (cf. Quintão, 1983, p. 22). Com base nas áreas prioritárias, apontadas pelo estudo de Wetterberg, e nos estudos iniciados pelo próprio IBDF em 1974, surge, em 1979, a 1º Etapa do Plano de Sistema de UCs do Brasil, e, em 1982, a 2ª Etapa do Plano, ambos coordenados pela Diretora de Parques Nacionais do IBDF, Maria Tereza Jorge Pádua. Até o estabelecimento da 1ª Etapa do Plano de Sistema de UCs, os conservacionistas 3

O Clube de Roma era formado por 30 pessoas de dez países entre educadores, cientistas, economistas, industriais e funcionários públicos. Este grupo vinha se reunindo desde 1968 para discutir e refletir sobre a crise e o futuro da humanidade. Em 1972, o Clube de Roma lançou um relatório “Limites do Crescimento” onde defendia-se a paralisação do crescimento econômico e populacional para que a humanidade pudesse ter um mundo ambientalmente sadio. O Relatório influenciou as discussões oficiais da Conferência, sendo um marco divisor da postura ambientalista durante e após a Conferêmcia de Estocolmo.

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que atuavam no governo buscavam apoio em diretrizes e conceitos internacionais, principalmente da UICN e da FAO. Segundo Brito, apesar do Plano ainda ser inspirado nas diretrizes estabelecidas pela UICN, em 1978 inaugurava-se oficialmente as bases conceituais para a gestão e estabelecimento de UCs pelo governo federal, baseado agora em critérios técnico-científicos. Como resultado dos novos critérios que passaram a reger a criação dos novos Parques previstos na I Etapa do Plano do Sistema, surgiram, no período de 1979 a 1981, o Parque Nacional do Pico da Neblina - AM, o Parque Nacional de Pacaás Novos - RO, o Parque Nacional da Serra da Capivara - PI, o Parque Nacional do Jaú - AM, o Parque Nacional do Cabo Orange - AM, o Parque Nacional Lençóis Maranhenses - MA, e o Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense - MT. (cf. IBDF/ FBCN, 1982) Wetterberg reproduz, ao se basear em critérios científicos puramente biológicos, os princípios

do

conservacionismo

americano,

selecionando

áreas

para

conservação

desvinculadas de sua realidade socio econômica. Mais tarde, nos anos 1990, os estudos de Wetterberg sofrerão várias críticas dos pesquisadores de UCs que questionam a exclusão de populações tradicionais das áreas selecionadas. A críticas aos estudos de Wetterberg, traduzem uma certa insatisfação da corrente sócio-ambientalista quanto ao denominado “hegemonismo norte americano” que norteou a criação de parques no mundo todo. A II Etapa do Plano do Sistema de UCs do Brasil de 1982, elaborado pela FBCN e pelo IBDF, foi baseado no documento Objectives, Criterias and Categories for Conservations Areas, elaborado para UICN por K. Miller, N. Nunro e K. Thelen, com o intuito de dar subsídio a países que estão preparando o seu Plano do Sistema de UCs (cf. IBDF/FBCN) No referido documento considera-se como conceito básico de conservação da natureza: "a utilização racional dos recursos naturais, objetivando uma produção contínua dos renováveis - ar, água, solo, flora e fauna - e um rendimento máximo dos não renováveis” (Jorge Pádua, 1978 apud IBDF, 1982, p. ) . A idéia contida na II Etapa do Plano seria traçar critérios científicos para a definição de categorias de manejo e para a criação de novas UCs. Segundo o documento, os objetivos nacionais de conservação que um sistema de UCs deveria atingir, entre outros, seriam: proteger amostras de toda diversidade de ecossistemas do País; proteger espécies raras, em perigo ou ameaçadas de extinção, preservar o patrimônio genético, proteger a produção hídrica

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minimizando a erosão; proteger recursos da fauna e flora, quer pelo valor econômico ou genético; conservar paisagens de relevante beleza cênica; conservar valores culturais históricos e arqueológicos para investigação e visitação; preservar áreas provisoriamente até que estudos futuros indicassem sua melhor utilização, seja como UC ou para agricultura ou outros fim, indicando estas áreas como Reserva de Recursos; levar o desenvolvimento, através da conservação, à regiões pouco desenvolvidas; fomentar o uso racional dos recursos naturais, através de áreas de uso múltiplo, entre outros (cf. Jorge Pádua, 1978). O documento é considerado um marco na política brasileira de UC, uma vez que agrega à política de conservação a necessidade de um argumento científico balizador, considerando as áreas prioritárias para conservação como parte de um Sistema. A única menção à utilização direta dos recursos naturais se dá em áreas tradicionalmente ocupadas por atividades econômicas que apresentam ainda recursos naturais de importância para a conservação. Podem-se enquadrar nessas áreas as categorias que permitiam o uso múltiplo, consideradas menos importantes (como se verá adiante). Nesse sentido, as categorias de manejo brasileiras são apresentadas pela II Etapa do Plano como: a) categorias de importância nacional, b) categorias de manejo complementares; c) categorias de manejo adicional, d) categorias de manejo regionais ou locais; e) categorias de manejo de importância mundial. Parque Nacional, Reserva Biológica ou Científica, Monumento Natural e Santuário ou Refúgio de Vida Silvestre são UCs consideradas como pertencentes à categorias de importância nacional cujas características são: a) proteção total dos recursos; b) uso indireto dos recursos; c) tutela do poder público; e d) os ecossistemas devem permanecer em estado natural. Essas Unidades são consideradas nobres, fundamentais para a conservação da natureza em qualquer país. O tratamento dado ao PN como categoria de importância nacional, “nobre e fundamental” a todo país, além das outras três UCs, denota, diante das outras categorias, consideradas complementares ou adicionais, uma certa hierarquização. As categorias de manejo, consideradas de importância adicional no processo de conservação, estariam voltadas para a questão da permissão do uso dos recursos naturais. Para os ideólogos da conservação, admitir o uso dos recursos naturais, significava admitir também que estas categorias poderiam não estar contribuindo para o sistema de UCs, ou melhor,

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admitiam, em última análise, que essas categorias não faziam, de fato, parte das UCs, pois conservação só seria possível através do não uso. Esse grupo é caracterizado por áreas reservadas com uso direto racional dos recursos mas que, dependendo do seu manejo, podem contribuir para o sistema de UCs. As principais características desse grupo são: a) uso direto racional dos recursos, com manejo sustentável; b) as terras podem ser públicas ou de particulares; e c) não são consideradas UCs na total concepção do termo, mas podem contribuir para o Sistema. Nesse sentido, são enumeradas as seguintes categorias de amnejo:1)Parque Natural; 2) Florestas Nacionais; 3) Reserva Indígena; 4)Reserva de Fauna; 5) Parque de Caça; 6) Monumento Cultural (sítios históricos) Constata-se também que a fauna e os índios são considerados protegidos em reservas específicas para cada um deles. No caso da Reserva de Fauna, os "objetivos de manejo são o de manter um rendimento máximo de proteínas ou produtos da vida silvestre, de acordo com a capacidade de habitat e outros valores do recurso e proporcionar oportunidades para a contemplação da fauna, investigação e educação" ( ). Sem deixar claro o que seria um rendimento máximo, a Reserva de Fauna sustenta a idéia da utilização indireta através da contemplação, da pesquisa e educação, embora o visitante pudesse, através do uso direto, caçar, essa atividade é prevista desde que se mantivessem os "estoques". Na Reserva Indígena considera-se o uso direto do recurso por parte das comunidades tuteladas em função de as "sociedades indígenas serem geralmente isoladas e remotas e poderem manter a inacessibilidade por um longo período de tempo" (cf. IBFD/ FBCN, op. cit., p. 21). Nesse sentido, os "objetivos de manejo são o de proporcionar o modo de vida de sociedades, que vivem em harmonia e em dependência do meio ambiente, evitando um distúrbio pela moderna tecnologia; e, em segundo plano, o de realizar pesquisas sobre a evolução do homem e sua interação com a terra" (ibidem). A defesa do modo de vida indígena e o reconhecimento de uma categoria para a proteção desse modo de vida, demonstra, na concepção do documento, que os índios não afetam os recursos naturais, ou que sua forma de utilização dos recursos não causaria grandes perturbações ambientais, como se os indígenas utilizassem quase que de forma indireta os recursos naturais. Mas, obviamente, isso só ocorreria em face da distancia da civilização e portanto das tecnologias modernas. O que fica mais evidente é que há um interesse científico pela forma sustentável de viver dos índios, uma vez que essa possa ser

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aproveitada pela ciência para demonstrar o quanto o homem e seu projeto civilizatório danificaram e continuam a danificar a natureza. Percebe-se que as sociedades indígenas são vistas como “laboratórios” para estudos sobre como o uso dos recursos naturais de forma indireta, isto é, por serem totalmente integrados à natureza, poderiam colaborar com a conservação. Em contrapartida, percebe-se também que, caso os indígenas viessem a se “misturar" com os brancos, não mais seriam dignos de uma categoria de proteção ambiental. O importante a assinalar é que, com a confecção do Plano do Sistema de UCs, a partir de então era possível selecionar áreas prioritárias para a conservação fora do local, longe da área a ser protegida, com a legitimidade da ciência natural, do crivo científico, através então de mapas, cartas aéreas, fotos. O que norteava a escolha, a partir de então era o argumento científico, a existência de ecossistemas representativos do país, sem se importar “quantos territórios” ou “espaços sociais” estariam imersos nesses ecossistemas. Percebe-se que as escolhas dessas amostras obedecem a uma outra lógica e a uma outra necessidade, a necessidade de conservação que pode ser visualizada distante da realidade local. O documento técnico elaborado por Wetterberg consultor da FAO para o IBDF, foi a base para o estabelecimento de áreas protegidas na amazônia, o futuro da conservação na amazônia foi traçado por um estudo técnico baseado em argumentações que faziam parte de uma racionalidade científica. O fato curioso é que, apesar do profissional consultado para o trabalho de seleção das áreas prioritárias desconhecer a realidade brasileira, conforme trechos da entrevista abaixo, o que o credenciava para tal era a experiência científica no trato da questão, apoiada pelos conservacionistas engendrados no aparato de estado, se configurando em aptidão para a realização do estudo. Pois é, os parques nacionais, até aquele momento, eram criados mais por critérios de beleza cênica. Ninguém discutia a importância deles. É claro que ao estudá-los, hoje, vê-se que são igualmente importantes, até mesmo porque foi o que sobrou. Mas não havia um estudo sistemático, científico – e nem havia como fazê-lo, com quatro ou cinco pessoas para indicar quais eram as lacunas, quais eram as áreas prioritárias para a conservação, num país com essas dimensões. Em 1974, nós começamos a elaborar um documento para a análise de prioridade para conservação da natureza da Amazônia. O documento básico para a Amazônia é de Gary Wetterberg e o argumento científico usado, o principal critério científico, foi o de áreas representativas de refúgios do pleistoceno, que é muito discutido cientificamente até hoje, mas no “workshop” de 90, em Manaus, verificamos que praticamente todas as áreas criadas enquadravam-se nas categorias de altíssima ou alta prioridade.... Esse documento foi feito basicamente por Gary Wettemberg, que veio ao Brasil através de programa da FAO, para assessorar o IBDF. (Pádua apud Urban, op. cit., p. 259)

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Ele já conhecia algo sobre os parques nacionais, porque esteve reunido por pelo menos cinco horas comigo e com o Paulo Nogueira –Neto, antes de 1972, no centenário de Yellowstone. A tese dele era sobre parques nacionais da América do Sul (Magnanini apud Urban, op. cit., p. 259) Ele também tinha trabalhado em alguns outros países da América Latina. Como é um homem que gosta muito de planejamento, logo que chegou ao Brasil, começou a definir como seria feito o estudo para a criação de novos parques e novas reservas biológicas e produziu o documento “Uma análise de Prioridade de Conservação para a Amazônia”, com os trabalhos científicos disponíveis na época. Entre eles, a teoria de Refúgios do Pleistoceno, desenvolvida por Ghillean Prance na parte de botânica, Keith Brown com lepidópteros, Haffer com aves, Vanzolini com repteis. Todas as áreas fundamentais de cada estudo foram assinaladas em mapas da região, depois sobrepostas uns sobre outros; quando havia coincidência de interesses, a área era considerada prioritária. Esta foi a metodologia adotada para escolher as áreas prioritárias, com as informações científicas disponíveis naquele momento... (Pádua op cit p. 259)

No ano de 1979, baseado na publicação Política e Diretrizes dos Parques Nacionais do Brasil, elaborada em 1970 por Alceu Magnanini enquanto Diretor do Departamento de Pesquisa e Conservação da Natureza do IBDF, foi instituído o Regulamento dos PNs do Brasil, através do Decreto n.º 84017. O Regulamento foi elaborado como resultado das recomendações da 11º Assembléia Geral da UICN, em 1972, e da necessidade de regulamentação do artigo 5º da Lei 4771/65, que instituiu o Novo Código Florestal. O regulamento estabelecia as normas que definem e caracterizam os PNs. Assegura-se que os PNs "são destinados para fins científicos, culturais, educativos e recreativos e, criados e administrados pelo Governo Federal, constituem bens da União destinados ao uso comum do povo, cabendo às autoridades motivadas pelas razões de sua criação, preserva-los e mantê-los intocáveis” (Decreto 84017/79, art.1º, parágrafo 2º). O regulamento assegurava a finalidade dos PNs no Brasil, todos voltados para o uso indireto dos recursos naturais.

2.9. A POLÍTICA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE, 1981

Em 1981 é criada no Brasil a Política Nacional de Meio Ambiente - PNMA, através da Lei 6938. Segundo Paulo Nogueira-Neto, a Lei 6938 foi uma iniciativa do Ministério do Interior, que achava necessário consolidar as normas que orientavam a ação da SEMA. Seja qual for o impulso inicial para a criação da Lei, o fato é que a Política Nacional de Meio Ambiente inaugura o Direto Ambiental brasileiro, instituindo na legislação brasileira o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, congregando todos os entes federativos,

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além de criar na instância da Lei o CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente, que consolida a participação da sociedade organizada através de um colegiado paritário de caráter deliberativo. O fato curioso, é que apesar do projeto de lei ter sido assessorado pela SEMA, ainda na presidência de Paulo Nogueira Neto, os artigos dedicados a UCs dizem respeito somente às Unidades administradas pela SEMA, ou seja, APAs, ARIEs e Estações Ecológicas. Desse modo, não faziam parte explicitamente dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente os PNs, as Rebios e os Monumentos Naturais. A explicação para o ocorrido vem do próprio Paulo Nogueira-Neto, que justifica afirmando que as UCs já haviam sido contempladas com uma legislação conservacionista, o Código Florestal. O IBDF não havia participado das discussões para elaboração da Lei 6939/81. A lei, segundo Neto, visava instituir o controle da atividades industriais, criando um sistema de licenciamento. Na explicação de Nogueira-Neto, a lei tinha como objetivo regulamentar assuntos “mais ligados a SEMA”. (apud Urban, op. cit., p. 318) Quanto à exclusão dos PNs e outras categorias de proteção estrita da Política Nacional de Meio Ambiente Nogueira- Neto alega: (...) pois é, se a gente falasse muito em florestas na Lei 6938, iria atrapalhar, poderia entrar em conflito com o Código Florestal e com o IBDF. Contudo, uma emenda passou as florestas protetoras para a SEMA e isso desgostou o IBDF, mas não foi iniciativa nossa (Nogueira-Neto apud Urban, p. 319).

Esse fato demonstra as preocupações dos conservacionistas em assegurar a bipartição de leis entre aquelas para a conservação e aquelas para o “desenvolvimento”. A PNMA, sequer mencionando a existência de PNs e outras unidades já existentes, nos revela o cuidado em segregar, ou em não misturar desenvolvimento com conservação. Acrescente-se a isso uma espécie de respeito ao apadrinhamento ou ao loteamento das UCs entre os conservacionistas, a ponto de deixar “de fora” da política para o meio ambiente do país as UCs de proteção restrita. Percebe-se que a idéia de levar o desenvolvimento através da conservação para as regiões pouco desenvolvidas, conforme o objetivo da II Etapa do Plano do Sistema de Unidades de Conservação, que afirmou os objetivos dos PNs e reservas equivalentes, não se concretizaria, uma vez que estes estariam fora de propósito na política do país.

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P – “Dr. Paulo, não lhe parece estranho que a conservação da natureza ficasse fora da lei de Política Nacional do Meio Ambiente? Paulo Nogueira-Neto – Não! Porque a lei básica da conservação, o Código Florestal, já existia (Urban, op. cit., p.318)

2.10. O MEIO AMBIENTE ENQUANTO DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO, 1988

Em 1988 o país ganha uma nova Constituição. A Constituição institui o capítulo do Meio Ambiente (art. 225), o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum e impõe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as futuras gerações. O primeiro parágrafo deste artigo incumbe ao poder público uma série de obrigações relacionadas a preservação, entre as quais: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e a manipulação de material genético. III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

A Constituição assegura a preservação dos processos ecológicos, da diversidade e a promoção de um manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas.. A preservação instituída é voltada para a integridade total, para a não utilização dos recursos, uma vez que deles dependem o ambiente ecologicamente equilibrado e a garantia de bem comum. Os incisos I e II, portanto, sustentam o inciso III que obriga o Poder Público a definir e a criar UCs, vedando qualquer utilização que comprometa a integridade dos ecossistemas. Observa-se que a carta magna do país assegura através do artigo 225 a integridade dos ecossistemas, através da preservação, assegura essas medidas em função da coletividade e das futuras gerações. Apesar de não constar a palavra conservação, a idéia subjacente é que só se

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exerce o direito ao meio ambiente se este estiver preservado ou seja, não utilizado de forma que comprometa seus atributos. A lógica da conservação se perpetua, agora, através da ordem pública.

2.11. O SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, 2000

Em 1989 , pela lei 7.735, de 22 de fevereiro, foi criado o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, enquanto órgão executor da PNMA, englobando as funções de vários órgãos: IBDF, SEMA, SUDEPE (Superintendência do Desenvolvimento da Pesca) e SUDHEVEA (Superintendência do Desenvolvimento da Borracha). Um dos objetivos para a criação do IBAMA foi unificar a política ambiental brasileira e corrigir as ambivalências e distorções presentes, principalmente na administração das UCs, contribuindo para uma efetiva organicidade do SISNAMA. No mesmo ano, o IBAMA recém criado encomendou à FUNATURA - Fundação PróNatureza, ONG criada pela conservacionista Maria Tereza Jorge Pádua, uma reavaliação do Plano de Sistemas de Unidades de Conservação de 1979. Ao contrário do estabelecimento de uma terceira etapa, conforme planejada, foi proposto um Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Este acabou se constituindo em uma proposta base para a elaboração da futura lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, aprovada em 2000. Importante registrar que Drumond (op. cit) considera o período de 1979 a 1986 como o mais significativo em número de parques criados no Brasil, contribuindo com 0,77% do território em forma de PNs, permitindo que a cifra total de parques chegasse aos 1,025 do território em meados da década de 1980. Quanto a esse período, é interessante observar que os conservacionistas do IBDF continuavam a atuar na criação de parques mesmo em situações de descontinuidade administrativa. Nesse sentido, merece destaque a fala da conservacionista Maria Tereza Jorge Pádua: Eu estive no IBDF de 1968 a 1982 - quatorze anos como chefe ou diretora de parques e fauna silvestre. Em 1982 eu saí, na briga do Araguaia . Em 1985, voltei a ser secretária geral do IBDF, quando foi criado o Parque Nacional Chapada Diamantina, e saí no mesmo ano. Depois, só

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voltei na qualidade de presidente do IBAMA. Nesses diferentes períodos foram criadas as maiores áreas protegidas que o Brasil tem hoje. Foi criado o Parque Nacional da Serra da Capivara no Piauí, o Pico da Neblina, depois o Jaú e as grandes reservas biológicas na Amazônia; a primeira reserva biológica marinha e o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha; Abrolhos, Chapada Diamantina. Já em 1985, e depois, no IBAMA, Serra Geral, no Rio Grande do Sul. (Pádua apud Urban, p. 320).

Em 1992, como decorrência da Conferencia Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, em Estocolmo, (1972) ocorreu no Rio de Janeiro a Conferencia das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - a RIO 92, cujo enfoque era o Desenvolvimento Sustentável. A conferência foi realizada com intuito de conciliar esforços mundiais para proteção ao meio ambiente com o desenvolvimento econômico. Como resultado imediato foram criadas duas Convenções internacionais importantes, a Convenção da Biodiversidade e a Convenção do Clima, ambas ratificadas pelo Brasil, além de uma agenda de compromissos para o século XXI, a Agenda 21, e várias outras resoluções. No âmbito das Organizações não governamentais, foi realizado um Fórum Internacional de Organizações Não Governamentais e Movimentos Sociais intitulado Fórum Global - Eco 92. O Fórum das ONGs reuniu 1.300 ONGs com atuação em 108 países, elaborando, como resultado, 36 planos de ação, destacando-se entre eles: a Carta da Terra, a Declaração do Rio de Janeiro, a Declaração do Povo da Terra e diversos Tratados. A conservação da natureza através de UCs não foi abordada diretamente por nenhum documento específico. O Tratado de Florestas abordou a questão da conservação de forma ampla4. Em 1992, na administração de Maria Tereza Jorge Pádua no IBAMA, é encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC - PL n.º 2892, tendo como base a proposta elaborada em 1989 pela FUNATURA. A partir da promulgação do SNUC, em 2002, consolida-se a definição de categorias de UCs, estabelecendo-se os critério e normas para a criação, implantação e gestão das UCs no Brasil. Conceitua-se como Unidade de Conservação: Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de 4

Vale registrar a participação da pesquisadora enquanto representante do movimento Cidadania Ecológica na elaboração deste Tratado.

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conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (Art. 2º, inciso I).

Já o conceito de conservação da natureza é apresentado como: II - O manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral.”(Art. 2º, inciso II).

Além do conceito de conservação da natureza, importa registrar os conceitos de preservação, conservação in situ, proteção integral, uso indireto e zoneamento, que colaboram para a análise da concepção de conservação impressas nas UCs brasileira. Nesse sentido, o SNUC apresenta no Capítulo I, Art. 2º ainda os seguintes conceitos: V – preservação: conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais. VI – proteção Integral: manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais. VII – conservação in situ: conservação de ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características. IX – uso indireto: aquele que não envolve consumo, coleta dano ou destruição dos recursos naturais. XVI – zoneamento: definição de setores ou zonas em uma unidade de conservação com objetivos de manejo e normas específicos, com o propósito de proporcionar os meios e as condições para que todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e eficaz.

No conceito de conservação assegura-se a prática da conservação através da administração do uso humano. Essa administração pode ser a fim de assegurar o “não uso humano” (preservação) ou o uso de forma direta (utilização sustentável). Já a preservação (não uso humano) é compreendida como um conjunto de métodos, políticas, procedimentos que visem proteção a longo prazo e manutenção dos processos ecológicos. Sejam quais forem os métodos apropriados, estes precisam prevenir a simplicação dos sistemas naturais, precisam

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garantir a manutenção, ou seja, a perpetuidade dos recurso naturais. Vale dizer, é através do conceito de preservação, que é entendido como procedimento e método, que se passa a propor a proteção a longo prazo das espécies. Qualquer método que pressuponha a perpetuidade dos recursos naturais será um método de preservação. Já a proteção integral pressupõe ser alcançada através da não interferência humana, ou seja, a manutenção dos ecossistemas só é possível através do não uso humano dos recursos naturais. A conservação in situ aparece na lei como a conservação (entendida como utilização sustentável ou não utilização (preservação) do recurso natural no próprio local, no local original. O uso indireto é aquele que não envolve consumo do recurso natural, ou seja, é o voltado para o “não uso”. Por fim, no zoneamento, inerente a toda Unidade de Conservação, se os objetivos da unidade são o não uso dos recursos naturais, estes devem ser alcançados através de uma espacialização harmônica e eficiente. O zoneamento é o ordenamento do espaço para fins conservacionistas. Antes de se analisar o conceito de Parque no SNUC, convém registrar que é assegurado como “competência concorrente” aos entes da federação a criação de UCs. Desse modo, passou-se a considerar os mesmos critérios técnicos e científicos das UCs federais para as UCs estaduais e municipais, uma vez que ao longo dos anos inúmeras UCs estaduais e municipais foram criadas sem uniformidade, ou seja, com as mais diversas denominações e objetivos de manejo. Desta forma, os Parques Estaduais passaram obrigatoriamente a fazerem parte do SNUC. As categorias de UCs foram agrupadas em dois grandes grupos: UCs de Proteção Integral, cujo objetivo básico é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, e as UCs de Uso Sustentável, cujo objetivo básico é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Nesse sentido, o PN se apresenta no SNUC como uma categoria de manejo do grupo de Proteção Integral, ou seja, como uma forma de administração dos recursos que ganharam proteção total. Sua finalidade maior é, conforme o conceito de Proteção Integral, a manutenção dos ecossistemas livres da alteração causada pela interferência humana,

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admitindo apenas o uso indireto dos recursos naturais. Significa dizer que a administração daquele ecossistema que ganhou o caráter de Parque está voltada para o não uso. Por fim, segundo o SNUC: Art. 11. “o Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico”.

Observa-se que a forma de administração denominada Parque tem como objetivo básico o “uso sem consumo” dos recursos naturais, nesse caso, a preservação, considerada o objetivo básico desta categoria (preservação vista como método que visa a proteção a longo prazo) ganha contornos de “não uso” e as atividades previstas nesta categoria são todas voltadas para o uso indireto dos recursos naturais (turismo, educação, pesquisa etc.) . Os PNs se consagram como a forma de administrar territórios de biodiversidade relevante permitindo seu uso indireto e a lei máxima das UCs – o SNUC – consolida esta prática de conservação.

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3. EM BUSCA DE UM CONCEITO PARA CONFLITO SÓCIO-AMBIENTAL

Mas graças a Deus que há imperfeição no Mundo Porque a imperfeição é uma cousa, E haver gente que erra é original, E haver gente doente torna o Mundo engraçado. Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos, E deve haver muita cousa Para termos muito que ver e ouvir... (Alberto Caieiro, “O guardador de rebanhos”, XLI, 14-19)

3.1 – “PERTURBAÇÕES” CONTRA OS RECURSOS NATURAIS COMO INDUTORAS DA CRIAÇÃO DE PN. O histórico de criação dos PNs foi registrado sob o ponto de vista conservacionista. A construção da concepção de conservação materializada nos parques foi vista como parte de um raciocínio conservacionista que entendeu a conservação como a prática de separar recursos naturais do uso humano direto. Essa prática tem raízes históricas, conforme viemos demonstrando, e foi institucionalizada a partir de sua origem simbólica com a criação do Yellowstone National Park, em 1872, que consolidou a idéia de conservação e a de parques atreladas à idéia de preservação, acesso público e controle estatal. Como parte da história conservacionista, o histórico dos PN demonstram que a criação destes foi e tem sido uma resposta natural as “ameaças reais” ou “potenciais” às tentativas de

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privatização dos recursos naturais considerados vitais para a sobrevivência do planeta. Davenport e Rao (2002) atestam que a palavra parque foi utilizada para locais abertos destinados a caça, muito embora a palavra “parc” em francês e inglês arcaico designasse : “uma área cercada de solo, ocupada por animais de caça, protegidos por ordem ou por concessão do rei “punindo inclusive caçadores considerados ilegais, que eram freqüentemente condenados a morte. Segundo ainda os autores, no mundo industrializado as sociedades tendem a estabelecer sistemas de parques apenas depois de experenciar perdas dolorosas de espécies ou paisagens e o estabelecimento de parques é a ferramenta conservacionista mais procurada depois que outras ações foram tentadas e falharam e quando as ameaças de extinção se tornam desconfortavelmente reais. Vale dizer, é nas situações de crise que se estabelecem os parques. Ao longo dos séculos, a privatização das terras causaram conseqüências diretas sobre a natureza. Os PNs advindos de um histórico moderno, nascidos na corrida contra a privatização das florestas no oeste americano (cf. capítulo 1), são a resposta imediata a essa privatização, uma vez que consideram já em seu conceito a idéia da existência de controle estatal e sobretudo o acesso público. As UCs se tornaram uma realidade no mundo todo. A criação destas pode ser considerada uma das únicas condutas públicas consolidada em quase todo o planeta, independente dos sistemas políticos, econômicos, religiosos ou das diferentes culturas nacionais. Segundo Terborgh e Schaik (2002) 80% dos governos do mundo consolidaram a conservação, protegendo áreas de grande valor de biodiversidade de forma legal. Registra-se que essa " proteção real e formal" foi conseguida para cerca de 5% dos habitats terrestres (op.cit., p. 25). Hoje, 5% da superfície terrestre são legalmente protegida, através de 7.000 UCs, cobrindo, sobretudo, o terceiro mundo, numa superfície total superior a países de grandes dimensões territoriais. A cifra estabelecida pelo PNUMA de transformar 10% das áreas naturais em cada país em UCs de proteção estrita já foi atingida por 7 países na Ásia, 14 na África e 6 na América Latina, muito embora, os Estados Unidos, considerado um dos propagadores dessa idéia, tenha menos de 2% de seu território como PNs e a Europa apresenta uma média de menos de 7%. Das várias categorias de manejo existentes de UCs, os PN é a mais consolidada categoria de conservação da natureza. Estes se propagaram pelos quatro

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cantos da terra com a mesma concepção de conservação originada no século XVIII, conforme já visto. Os PN podem ser considerados a materialização da concepção de conservação que impôs à espécie humana regras de uso e apropriação dos recursos naturais, através da institucionalização do espaço, convertido então em espaço público. Nesse sentido, Davenport e Rao (op. cit.) sustentam a crença de que o surgimento de um movimento pró- PNs foi uma resposta à Revolução Industrial , que colocou a humanidade em um curso que alterou as paisagens naturais em taxas prodigiosas. Não é surpreendente que o primeiro desses apelos tenha sido emanado de nações que estavam se submetendo á industrialização acelerada, onde os efeitos começavam a se fazer visíveis em menos de uma geração (Davenport e Rao, p. 54) .

Logo, as “perturbações” ou pressões que ocasionaram a criação dos PNs, em várias partes do mundo e principalmente nos EUA foram identificadas a partir de um entendimento conservacionista, ou seja, essas “perturbações” não cessariam caso algumas medidas governamentais permanentes e pautadas em princípios conservacionistas não fossem introduzidas. Ou seja, o conceito de parques entendido por vários povos em todo o mundo passam a dizer respeito ao estabelecimento de instituições permanentes, com a função de proteger a biodiversidade do uso direto O conceito científico institucional de PN que se enraizou mundo afora não se importou em se adaptar às diferentes situações políticas e seus respectivos históricos de desenvolvimento. Constata-se que vários países do mundo que possuem PNs, são submetidos a um sistema econômico calcado em um desenvolvimento perdulário que privilegia a pilhagem da natureza e sua rápida transformação em matéria prima. O raciocínio conservacionista prevê para esses países a necessidade de aumentar o número de PNs. Segundo Terbourg e SchaiK (op. cit.) 75% da biodiversidade do planeta concentra-se nos trópicos, local onde se concentram também os países mais pobres, cujos modelos de desenvolvimento seguem regras adversas à concepção de conservação. Percebe-se que os parques sempre foram idealizados em locais de “grande perturbação” para a permanência dos recursos naturais, ou seja, onde os recursos naturais ou paisagens estavam ameaçados pelas investidas de segmentos privados, com ou sem anuência dos governos. Considera-se também que a criação de PNs tem sido fruto de uma demanda

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conservacionista representada por grupos de defesa da natureza, cientistas naturais e até mesmo por iniciativas individuais. Mesmo após sua criação, os PNs, sejam parques urbanos ou rurais, ainda que localizados em regiões remotas, sempre sobreviveram atormentados por pressões contínuas para o uso direto dos recursos naturais, intensificadas de acordo com as políticas nacionais e o modelo econômico adotado.

3.2. UM BREVE HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DE ALGUNS PNs NO MUNDO

Ao longo da história contemporânea, os parques foram considerados uma reação a revolução industrial, o Parque Nacional de Yellowstone é emblemático nesse sentido, cujo projeto de desenvolvimento subjacente trazia como externalidade, o aniquilamento das paisagens naturais. A reação ao privativismo da natureza aliada a uma identidade nacional emergente, que incorporava valores de preservação de áreas selvagens, conferiu aos parques o status de antítese do desenvolvimento. Segundo Davenport e Rao (2002, p.55), a criação e a posterior implantação do Parque Nacional de Yellowstone, em 1872, e do Parque Nacional de Yosemith, criado em 1880, não estiveram isentas de “perturbações”. A criação do Yellowstone foi uma dura batalha contra interesses regionais e locais contrários à conservação. Apesar do isolamento geográfico, durante os vinte anos que se seguiram à implementação do Yellowstone, os deputados de Montana apresentaram projetos de lei ao Congresso que, se aprovados, teriam retirado a proteção concedida ao Parque; por outro lado, registra-se também uma dura resistência da comunidade indígena Shoshone-Bannock, conforme já relatado, pela implantação e desterritorialização dessa comunidade. Magnanini (entrevista pessoal, 2001) relata que durante os 20 primeiros anos de criação do Yellowstone, o exército americano designado para proteger o parque retirou madeira para a construção de choupanas e praticou intensamente a caça para sobrevivência da tropa. O Parque Nacional de Yosemith, situado na região do vale de Yosemith, no Estado da Califórnia, enfrentou logo uma oposição local considerável, perturbações decorrentes da proposta de redelimitação do Parque devido a interesses comerciais e à proteção insuficiente

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ensejaram a invasão por caçadores e coletores ilegais. John Muir, conservacionista e idealizador do Parque Nacional de Yosemith, percebeu em suas viagens científicas que a região vinha sendo intensamente explorada pela criação de carneiros e pela extração madereira. Após inúmeros esforços para a criação do Parque, o que ocorreu em 1880, fundou o Sierra Club e organizou diversas iniciativas políticas para combater uma coalizão de madereiros e pecuaristas que trabalhavam politicamente também para a liberação do corte de madeira em 50% do Parque. A conclusão pela criação do Parque pode ser conferida pelos escritos de Muir sobre os PNs, onde ele evoca o Estado-Nação para proteger um bem nacional, Estado esse enquanto tutor de um bem público e único a gente capaz de deter as tentativas de uso privado dos recursos naturais. Muir revela que as tentativas de assegurar a área através de legislação não foram suficientes, apelando para a institucionalização do espaço através do Estado: Todos os tipos de leis e regulamentos locais tem sido tentados sem resultados, e as lições custosas resultantes da própria experiência assim como de toda a nação civilizada, mostram conclusivamente que o destino dos remanescentes de nossas florestas está nas mãos do governo federal. (MUIR apud Davenport e Rao, p. 56).

O Parque Nacional de Olimpic no Estado de Washington que abriga as únicas florestas temperadas da região, enfrentou após a sua criação, uma acirrada oposição dos madereiros resultando na “pior definição de limites possível do ponto de vista da conservação de sua biodiversidade e que persiste até hoje”. Além disso, em 1947, sob o pretexto de enfrentar o esforço de guerra, foi apresentado um projeto de lei ao Congresso que teria reduzido 56.000 acres da área do Parque, para permitir a extração madereira, caso houvesse sido aprovado. Davenport e Rao assinalam que mesmo em 1981, propostas de criação de novas áreas protegidas no Alasca sofreram forte oposição dos políticos locais que se colocaram ao lado das indústrias contra a proteção dos recursos inseridos em parques. O Parque Nacional Lake Pedder, na Austrália, criado em 1955, sofreu forte pressão de políticos locais que, em 1967, evidaram esforços para a inundação da área do Parque como parte da concepção de desenvolvimento vigente que privilegiava hidrelétricas para alavancar o desenvolvimento econômico e industrial da região. A tentativa sofreu uma forte oposição da sociedade que se organizou em um comitê de ação para salvar o Parque, culminando na derrota do comitê

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devido a manobras políticas governamentais. Embora hoje em dia os parques sejam quase universalmente populares, interesses locais arraigados transformam constantemente a criação de um parque em batalhas políticas ferozes. "A despeito desses obstáculos, o momento ótimo para se estabelecer parques é certamente no decorrer de situações de crise” (Davenport e Rao, op. cit., p. 56).. As perturbações sobre os recursos naturais sempre colocaram conservacionistas de uma lado e “utilizadores de recursos naturais” de outro, as “batalhas políticas ferozes” relatadas pelos autores não foram impeditivas ou inibidoras para a continuação do processo de criação de parques. Muito pelo contrário, os PN tem sido, a conduta pública privilegiada pelos conservacinositas do mundo todo desde o início do século XX. O motivo dessa predileção está no fato de ser considerado sinônimo de conservação da natureza, por conciliar preservação com uso público, apregoando o uso indireto dos recursos naturais. Os parques sempre foram defendidos como estabelecimentos onde a natureza se apresenta em “estado selvagem”. O raciocínio conservacionista que induz à criação de parques se pauta no fato de que somente com a criação de uma instituição permanente, isolada, delimitada, vedada ao uso humano e controlada pelo poder público eliminam-se os efeitos devastadores do processo civilizatório. Schaik e Rijksen (2002, p.37) afirmam que em quase todos os países da terra as áreas não protegidas estão sendo rapidamente convertidas para uso humano, "em muitas nações já acontece dos parques conterem os únicos remanescentes de habitas naturais" . Segundo Terborgh e Schaik (2002, p 27) em um número crescente de países, os parques são "tudo que sobrou dos habitats naturais, e são essencialmente os únicos lugares onde ainda subsiste a fauna nativa”. Segundo ainda o autor, isso pode ser aplicado aos países do oeste da África, Cuba, República Dominicana, África do Sul, Madascar, Índia, Tailândia, Filipinas e vários outros países asiáticos. Alguns outros países como o México, Costa Rica, Quênia, Malásia e Nepal, entre eles não estão longe de chegar a esta situação. A sobrevivência da natureza, afirma o autor, quase que exclusivamente nos parques, é imprescindível onde não existam mecanismos eficazes para evitar que as áreas silvestres não protegidas formalmente sejam convertidas para uso humano. Os parques são ferramentas conflituosas por se constituírem como reação e por conseguinte provocarem igualmente reação. Observa-se que as reações advindas de sua criação podem ou não serem as mesmas evidenciados após a sua criação. Muitos dos conflitos

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que se evidenciam após a criaçào dos PN advém da institucionalização do espaço e se contextualizam pelo estabelecimento de regras de uso e apropriação deste espaço, pautadas na conservação. Novos conflitos podem ser evidenciados após a criação do parque que não necessariamente estavam presentes quando da criação deste. Ou seja, há as circunstâncias que motivam a criaçào dos parques e que podem causar reação após a criação e há circuntâncias aparentemente “invisíveis” antes da criação destes e que se evidenciam quanto de sua criação. Os índios Crow, Blackfeet e Shoshone-Bannock residentes na área onde foi estabelecido o Yellowstone, não eram considerados ameaças reais ou potenciais à área, ou seja, não foram os motivadores da criação do Yellowstone, mas após sua criação evidenciou-se conflitos entre estes e o Parque, uma vez que foram removidos. Brito (1995) assinala que ao se incorporar “áreas privadas” nos domínios do Estado inaugura-se uma forma particular de domínio e evita-se a dilapidação dos recursos naturais. Se por um lado a crença na institucionalização do “espaço dos recursos naturais” assegura um controle sobre os recursos, por outro lado é fator de evidenciação de conflitos.

3.3 - O BRASIL NÃO REGISTRA “PERTURBAÇÕES” COMO INDUTORAS DA CRIAÇÃO DE PNs

No Brasil, não existem registros até o início da década de 1980; de lutas ou batalhas ferozes em defesa da criação dos PNs, ou mesmo reações ao seu estabelecimento, ou ainda manobras grotescas do governo para derrubar alguma iniciativa de criação de PN como foi em Yosemith, Califórnia. Não se conhece manifestações conservacionistas contra investidas de opositores aos PNs, ou pressões políticas locais contra qualquer dos PN criados. Parte das explicações para essa ausência de registro, pode estar calcada no fato de que a história dos PNs no Brasil é contada sob a ótica conservacionista. Nesse sentido, o “movimento pró parque nacional” no Brasil foi liderado por conservacionistas/cientistas que sempre estiveram engendrados na máquina pública. Os conservacionistas “estatais” foram os responsáveis por implantar no Brasil a política de UCs e principalmente a de PNs. O fato de estar engendrado na máquina pública do país (cf. capítulo 2) permitiu a esses

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conservacionistas, ideólogos da conservação e propagadores dos PN, um rodízio nas principais instituições ambientais e o conseqüente asseguramento da política de UC. Seria de fato uma grande contradição a existência de manifestações contrárias ao capital privado ou mesmo fortes oposições à ineficiência governamental quando se está na direção da máquina pública. Não faria sentido, ademais em um regime militar fazer oposição, enquanto servidor público do Estado, ao próprio responsável pela espoliação ou pela adoção de um modelo de desenvolvimento calcado no uso intensivo dos recursos naturais. Nesse sentido, o registro do histórico de PNs no Brasil segue um viés estatal, assumindo o risco das contradições internas, enquanto estratégia de colonização que se vale das lacunas da administração pública, Nesse sentido, cabe lembrar, a FBCN se destaca, ainda que de forma incipiente, pelo papel de braço não governamental dos conservacionistas estatais que embora não a tenham transformado em “opositora”, muito pelo contrário, trataram de considerá-la como o espaço da elaboração do discurso científico que iria justificar a ação político-administrativa, emprestando-lhe razões e atuando como dublê de perícia e de elaboração de projetos para fortalecer as iniciativas do próprio grupo no governo. Os conservacionistas, portanto, tratavam de combater todas as ameaças reais ou potenciais através da a criação de UCs e principalmente PNs. A política de expansão de fronteiras agrícolas idealizadas pelos militares na década de 1970 foi rechaçada pelos conservacionistas estatais. O convencimento técnico vinha através da FBCN. Nesse sentido, a criaçào das UCs eram tratadas em um enfoque técnico científico, muito embora escondessem as preocupações sobre as ameaças reais ou potenciais sobre os recursos, uma vez que era visível a “invasão da esfera pública pela esfera privada”, ou seja, por traz da luta pelo resguardo dos recursos naturais estaria também a luta pela garantia do caráter público do meio ambiente. O fato é que a criaçào de UCs no Brasil, foi calcada em análises técnicas, de áreas prioritárias para a conservação, em escolhas pautadas em amostras de biodiversidade, validadas cientificamente e apoiadas por cientistas/ conservacionistas brasileiros, os quais, engendrados na FBCN, legitimavam o processo. As ameaças reais ou potenciais eram “resolvidas” através da criação de UCs. Muito embora a estratégia de conservação através de PNs participasse de um raciocínio militar, conforme já demonstrado, em determinadas períodos havia oposição dos militares em relação aos locais selecionados para a criação de UCs. Esses locais eram vistos como estratégicos para a realização de projetos

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desenvolvimentistas e a criação de UCs poderia vir a se tornar um impedimento aos interesses militares. Nesse sentido, registram-se as explicações dadas por Alceu Magnanini, que na época estava a frente do IBDF, de como se contornava o conflito de interesses entre militares e conservacionistas frente às UCs, uma vez que fazer oposição ao governo militar era delicado e problemático, podendo comprometer, inclusive, a criação de futuras UCs. Nesse sentido, seria melhor ceder aos apelos desenvolvimentistas que culminaram, neste caso, na extinção do Parque Nacional das Sete Quedas. Quando eu era Diretor de Parques do IBDF, eu propus a extinção de dois parques nacionais: Sete Quedas e Paulo Afonso. O de Paulo Afonso era dentro da Companhia Hidrelétrica de São Francisco, inclusive a única área do Parque era a própria cachoeira de Paulo Afonso, sabia? Enfim, o problema era o seguinte: para se entrar no Parque o diretor precisava pedir licença ao administrador da hidrelétrica. Eu achava aquilo um absurdo! Como o diretor de um Parque precisa pedir licença todos os dias para entrar no seu trabalho? Até porque aquele lugar era fechado a sete chaves. Então, pensei : vamos extinguir isso de uma vez, vamos ter coragem para chegar e dizer: não pode ser Parque Nacional, apesar de ser uma área lindíssima... Com relação à Sete Quedas, eu lutei durante cinco anos junto ao governador para diminuir a represa de Itaipu. Sugeri que, em vez de ser aquele limite mais alto poderia ser mais baixo, então salvaríamos as Setes Quedas. Cheguei a levar o vice-presidente da república lá nas cachoeiras um ano antes da construção da hidrelétrica. Nesse dia ele falou que não havia a menor possibilidade de se salvar as cachoeiras. A binacional de Itaipu era interesse de segurança nacional, aí então tomei a iniciativa de extinguir o Parque, antes de uma repercussão internacional. Foi realmente uma tristeza! (entrevista pessoal, 2001)

Imersos na máquina estatal e sem fortes oposições dos militares, o conservacionismo brasileiro tratou de transformar inúmeros territórios sociais, políticos e econômicos de alto valor ambiental em espaços institucionalizados com regras de uso e apropriação voltadas para os objetivos de conservação e sob o controle governamental, ou seja, dos próprios conservacionistas. Os problemas advindos após a criação e implantação destas UCs e que impediam a consecução dos objetivos de conservação eram tratados como entraves técnicoinstitucionais. Nesse sentido, sob o ponto de vista da conservação da natureza, os “conflitos” evidenciados em torno da questão Parque eram considerados “problemas” relativos à ineficiência estatal e, por serem considerados como tal, estavam voltados para as dificuldades, limitações ou impedimentos em se fazer valer a política de UCs e, em especial, a política de parques traçada para o país Em se tratando de “problemas”, o poder público era invocado a cumprir seu papel de resguardar o interesse público e portanto resolvê-los. Desse modo, os “problemas” eram inerentes à falta de recursos financeiros, de infra-estrutura, de falta de pessoal capacitado e outros, todos considerados entraves técnico-institucionais ou burocráticos

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que impossibilitavam realizar, por exemplo, as desapropriações impostas pela lei, ou de elaborar os Planos Diretores ou o fomento da pesquisa e outros. Nesse sentido, os problemas inerentes aos PNs estavam centrados em uma falta de capacidade do poder público em implementá-los ou em fazer cumprir a lei. Os problemas sociais manifestados após a criação destes eram também considerados “entraves técnicos”, uma vez que estes eram entendidos como advindos da falta de capacidade do poder público em realizar um Plano de Manejo e conseqüente diagnóstico da situação fundiária e, portanto, de realizar as indenizações ou desapropriações cabíveis. Os entraves estariam a se dar em função do montante requerido, que normalmente extrapolavam qualquer orçamento governamental. Os problemas eram tratados de forma pontual: para cada tipo de “problema” requeria-se um tipo de solução. Nesse sentido, os “problemas” eram sempre alocados na instância técnico-jurídica. Com a participação da corrente sócio-ambientalista no debate e o crescente interesse pela temática, o que durante muito tempo se convencionou tratar como entrave técnico e institucional adquiriu uma dimensão real, histórica e mais complexa. Percebeu-se que por traz de uma variedade de “problemas ambientais” estaria uma rede complexa de atores sociais envolvidos. Os “problemas” inerentes a conservação ou aos PNs foram identificado por esta corrente de pensamento como “conflitos” inerentes à conservação, dando visibilidade aos “problemas” evidenciados antes do estabelecimento dos PNs e outras unidades de proteção integral. A partir de então, os entraves técnicos institucionais são rechaçados por esta corrente, que vai buscar uma análise mais consubstanciada dos conflitos, retornando, em busca de uma gênese, aos primórdios da origem do conceito de áreas protegidas que vigora desde o século XIX e que se enraizou no mundo todo. Os conflitos percebidos são analisados através de um resgate da concepção de natureza calcado na separação homem/natureza e o entendimento por parte dos idealizadores dos PNs de que as sociedades humanas sempre tiveram uma relação hostil com a natureza. Nessa concepção, conforme já demonstrado, entende-se que, para o asseguramento do patrimônio público natural, seria necessário seu isolamento. Essa escola de pensamento foi responsável por chamar a atenção sobre o impacto das medidas de conservação através de PNs sobre as sociedades tradicionais que sempre coexistiram com a natureza. Para os sócio-ambientalistas, o conflito em torno da questão do uso dos recursos, que embalou o conceito de conservação, se deu principalmente pela não visualização, por parte

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dos ideólogos da conservação, da existência de espaços dos comunitários. A concepção vigente dos ideólogos da conservação se chocava com o pensamento sócio-ambientalista, uma vez que o primeiro defendia a conservação como perpetuação dos recursos naturais no planeta atrelada ao seu uso indireto por parte dos humanos, utilizando-os somente para a educação, lazer inspiração e pesquisa, e, quanto ao segundo, entendendo que esta privação colocaria em cheque as comunidades que já faziam dos recursos naturais um “uso coletivo”. Nesse sentido, o ponto nodal da divergência entre ambas as visões, estaria em determinar se as populações tradicionais, que usufruíam diretamente dos recursos naturais, estariam ou não garantindo tais recursos para as presentes e futuras gerações. A criação de áreas naturais protegidas em territórios ocupados por sociedades pré-industriais ou tradicionais é vista por essas populações locais como uma usurpação de seus direitos sagrados à terra onde viveram seus antepassados, o espaço coletivo no qual se realiza seu modo de vida distinto do urbano -industrial. Essa usurpação é ainda mais grave quando a "operacionalização de um neomito" (áreas naturais protegidas sem população) se faz com a justificativa da necessidade da criação de espaços públicos, em benefício da "nação", na verdade das populações urbanoindustriais. (Diegues, 1996, p 88) .

Um bom exemplo da mudança de eixo de análise pode ser considerado na questão que envolve a criação da Reserva Ecológica de Trombetas no Pará. A história da Reserva de Trombetas sempre foi conhecida sob o ponto de vista conservacionista, ou seja, os conservacionistas estatais no final da década de 1970 conseguiram driblar os militares que estavam avessos à idéia de criação da Reserva, uma vez que esta contrariava os interesses militares na região, voltados para a extração da bauxita. A história da Reserva de Trombetas foi recontada no final da década de 1980 sob o ponto de vista sócio-ambiental, que assegura que a área pretendida para a Reserva era remanescente de antigos quilombos com direitos garantidos pela Constituição. Nesse sentido, “essas populações que utilizavam espaços e recursos de forma comunitária foram expulsas de suas terras ou tiveram suas atividades tradicionais restringidas. Em suas terras foram implantadas uma unidade mineradora (ALCOA), a hidrelétrica de Trombetas, e, finalmente duas áreas de proteção ambiental: a Estação (Reserva) Ecológica de Trombetas, e a Floresta Nacional de Saracá-Taquera em 1989” (Diegues, 1979, p. 124). Ou seja, a terra de quilombos foi partilhada pela indústria, pelo interesse desenvolvimentista e pelo movimento conservacionista, todos em acordo, partícipes de ideais modernistas, frente aos quais as populações tradicionais representavam tão só uma

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“leitura” primitiva e superada de territorialidade. A base do entendimento para as diferentes posições entre o que se chamou de corrente conservacionista ou pensamento conservacionista ou ainda ideólogos da conservação e a corrente sócio-ambiental ou pensamento sócio-ambiental está na compreensão da questão ambiental como relação homem-natureza. Colocar o homem “de volta na natureza” ajuda no entendimento de que a chave para o entendimento da problemática ambiental está na esfera da totalidade da vida em sociedade, uma vez que são as práticas do meio social que determinam a natureza dos problemas ambientais na sociedade.

3.4. CONCEITUANDO CONFLITO SÓCIO-AMBIENTAL

Entendemos tomar como ponto de partida a concepção do IBASE5 de conflito sócioambiental que os identifica como “conflitos sociais que tem elementos da natureza como objeto” e que, portanto, expressam as relações de tensão entre interesses coletivos/espaços públicos x interesses privados/tentativa de apropriação de espaços públicos. Os conflitos sócio-ambientais seriam, portanto, parte de um tipo de conflito social que leva a centrar a análise nas propriedades da interação social e nas relações entre atores opostos que lutam pelos mesmos recursos. Ao colocarmos o conflito ambiental no centro da pesquisa, estamos deslocando a questão do problema ambiental, que muitas vezes é um dos eixos articuladores da discussão sobre o meio ambiente. Segundo Carvalho (1995, p. 12) deslocar o problema para o conflito é admitir que o problema é visto como questão de sustentabilidade física dos recursos. A degradação e os impactos da degradação sobre a base material da vida, considerados como conflitos, dão ênfase aos atores sociais e às relações que estes estabelecem entre si. Portanto, estaremos pensando, além dos efeitos da degradação ambiental sobre a base material da vida, nos efeitos das lutas pelo meio ambiente sobre o conjunto das forças sociais, como, ainda, no contexto de construções de práticas e processos democráticos de gestão dos bens coletivos. Além da sustentabilidade física estar-se ia pensando na sustentabilidade política. 5

Seminário de trabalho promovido pelo Projeto Meio Ambiente e Democracia, do IBASE; coordenação de Isabel Carvalho e Atila Roque.

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Desta forma, a noção de conflito sócio-ambiental aqui trabalhada, implica em considerar a existência de tensões e relações de poder entre duas correntes que se pretendem protagonistas na luta de defesa ambiental; tipificando, em suma, um conflito na própria concepção de conservação. De um lado, a escola conservacionista “clássica”, trabalhada até aqui (cf. capítulos 1 e 2), que percebe os conflitos sócio-ambientais como a ameaça constante do homem contra a natureza, e procura expurgar aquele desta. De outro lado, uma nova geração ambientalista6, que trabalha o conceito na emergência de novos direitos, no bojo de um debate amplo e multiculturalista, onde ressaltam valores como a cidadania e a democracia.

3.4.1. Abordagem do discurso da conservação através de PNs. A prática de criação de PNs como “ilhas de natureza” vem sendo questionada sob todos os aspectos: políticos; econômicos e sociais, mas sempre ainda sob o foco conservacionista, que prevê para estes questionamentos políticas públicas de dentro da UC para fora. Nesse sentido, a resposta a estes questionamentos ficam no campo da política pública voltada para educação ambiental geração de emprego com ecoturismo e outros correlatas. A concepção moderna de se trabalhar a coesão destas “ilhas de natureza” e transformá-las em segmentos contínuos é tratada também sob o ponto de vista da conservação. Ou seja, sob o olhar conservacionista, a resposta para a interligação destes espaços de natureza está na criação de corredores ecológicos, zonas de amortecimento no entorno das UCs e, na melhor das hipóteses, na inserção do debate em propostas de ordenamento territorial, aumentando dessa forma o potencial de conservação. Existe também, em contraposição ao isolamento das áreas protegidas, a adoção de uma nova postura que proporcione o envolvimento das comunidades vizinhas às UCs, uma vez 6

Viola (1992, p.53) classifica como movimento ambientalista os movimentos especificamente conservacionistas orientados para lutar contra a depredação da natureza e pela utilização racional dos recursos naturais. Se subdividiriam em diversas correntes e em formas diferenciadas de atuação, entre as quais: o movimento preservacionista, que se dirige a preservação da fauna e flora; os movimentos ambientalistas, que se dedicam especificamente à luta contra a poluição urbana e rural; os movimentos que lutam contra a energia nuclear; os movimentos em favor da tecnologia apropriada; os movimentos em prol do saneamento básico; os movimentos que se auto-identificam como ecológicos ou ecologistas, considerando seus valores e atuação como mais profundos e contestatórios que o ambientalismo.

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constatado que a ausência deste envolvimento se constituiu em fracasso para a conservação e na evidência de “problemas” advindos da restrição à utilização do solo e dos recursos naturais. Apela-se, então, para estratégias participativas depositando nestas toda esperança de solução desses “problemas”. Nos PNs, onde a conservação se atrelou a própria noção de parque, as estratégias participativas bem como as estratégias “anti-isolamento” dessas áreas foram voltadas para a idéia de que a convivência da comunidade de dentro ou do entorno de PNs, tratadas como não pertencente ao espaço da natureza, dependiam da gestão daquela área. Ou seja, para uma melhor relação com as regras de uso e apropriação estabelecidas com a criação de parques, propunha novas formas de não uso e acomodação através da gestão. Em suma, a gestão da UC é evocada para fazer valer os princípios da conservação. A não visualização dos PNs como “sócio-espaços”, impregnados de complexas relações sociais, tem levado à interpretação dos “problemas sociais” evidenciados como “problemas ambientais”. O que se visualiza é o resultado dessa relação; a degradação ambiental. Por outro lado, desde o século XIX os parques têm sido defendidos no contexto da escassez de recursos naturais. Escassez esta resultado dos modelos de desenvolvimento adotados, considerados incompatíveis com a sustentabilidade dos recursos naturais. A construção da idéia da escassez advém de um raciocínio que coloca a crise ambiental como decorrente de um conflito social e este, por sua vez como decorrente de uma precariedade tecnológica e, por conseguinte, de uma reprodução descontrolada. A idéia da escassez gerando conflito evoca a questão do crescimento demográfico e sua vinculação com a crise ambiental. No debate da escassez, a criação de PNs se constituiu em recurso estratégico para conter o assalto aos recursos naturais, realizado pelo projeto civilizatório em curso. A questão ambiental tornou-se mais ou menos visível nos anos 70, como necessidade de regulamentação política. Era preciso controlar o limite do crescimento econômico em função de uma capacidade de suporte do planeta Terra . Em geral, a esfera ambiental é tratada em termos de problemas globais, como mudanças climáticas, acesso aos recursos genéticos, gestão de recursos hídricos, manejo de florestas etc. Contribue para o debate da escassez a disseminação da idéia de que o poder do Estado ou sua crise de legitimação, seria a causa da não capacidade de ajuste ou do controle, para levar a sociedade a um suposto equilíbrio.

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Os parques, vistos como regulação ambiental, utilizam-se da noção de capacidade de suporte. Ou seja, os recursos territorializados devem ser regulados ou regrados a fim de que estes venham a se constituir em bancos de biodiversidade, que poderão assegurar a vida em sua plenitude. A capacidade de suporte do planeta estaria diretamente vinculada a noção de bolsões de biodiversidade, habitats e ecossistemas, que poderiam perpetuar a vida com qualidade. O modelo de conflito decorrente da escassez, mediante o crescimento populacional, tem sua matriz no modelo malthusiano em que a escassez resulta da incontinência, ressaltando a fragilidade do Estado provedor do bem-estar. Considerando que o discurso é enunciado de algum lugar ou ponto de vista, o discurso da escassez que pressupõe a criação de PNs no mundo denuncia a existência de atores sociais7 que institucionalizam tal discurso. Nesse sentido, os atores políticos que enunciam a criação de parques calcados no discurso da escassez têm a capacidade de expressar e distribuir poder, o que tem caracterizado a especificidade de alguns conflitos. Por outro lado, a externalidade envolve questões tanto de legitimidade, como do exercício desse poder. Assim, o debate sobre regulamentação para a proteção ambiental é reiterado por instrumentos eficientes, entre os quais, por exemplo, os PNs, considerados um bom instrumento para a regulamentação da escassez. Trata-se de pensar o conflito social a partir do poder coercitivo, cuja instituição mediadora da violência legítima é o Estado. Parte-se, então, de uma ordem social não conflitual, cujas normas de regulação dos conflitos são reconhecidos por todos, ou seja, o poder político coercitivo como regulador consensual resolve o conflito e assegura a ordem social (ordem jurídica). Os PNs foram pensados como elementos de regulação do Estado, avalisados pelo poder de legitimação da ciência. A idéia de meio ambiente único para todos, onde a causa ambiental aparece como universal, não visualiza uma diferenciação de atores sociais, pressupondo e existência de uma grande humanidade, deixando de trabalhar o espaço social como espaço diferenciado. Pensar meio ambiente como um campo de forças significa pensar que o “espaço de posições sociais 7

Quintas (2000, p. 10) considera que pela ótica da organização social, atores sociais estão presentes na esfera da sociedade civil e do Estado (não diferenciandos de atores políticos). Que passam a ter existência a partir de variadas motivações (interesses, valores, necessidades, aspirações, ocupação do mesmo território, etc.)

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se retraduz em um espaço de tomadas de posição pela intermediação do espaço de disposições” (Bourdie, 1994, p.21). O conflito é visto como inerente ao meio ambiente plural (não único) que pressupõe a existência de sujeitos, considerando ai que há conflitos entre sujeitos múltiplos de meio ambiente múltiplos. O pressuposto básico é entender a construção do “campo ambiental” como espaço de conflito social. De forma correlata, a problemática que impulsiona a criaçào de parques no mundo, consiste em considerar que problemas sociais evidenciados com a criação destes, são advindos do modo de apropriação dos recursos naturais que são caracterizados como problemas ambientais. Reconhecer que o espaço é socialmente construído, é reconhecer que o conflito sócio-ambiental é construído por atores. E, portanto, há diferenciação social., que pode gerar antagonismos individuais e, às vezes, enfrentamentos coletivos entre os a gentes situados em posições diferentes no espaço social. Assim, o conjunto de lutas sociais deve ser aqui analisado como o momento de constituição de um campo de forças (campo de disputa), cujo jogo de interesses denuncia o modo de apropriação material e simbólico de uma determinada base de recursos territorializados. Assim como há uma crença na legislação ambiental enquanto resolução simbólica do conflito há também crença nos PNs enquanto superação dos “problemas. Nesse sentido, a crença seria na institucionalização do espaço”, através do Estado, para resolver o conflito. Ou, talvez, da conversão do problema em conflito, subsumindo-o à lógica normativa. De forma resumida, em muitas construções da questão ambiental, a equação recursoescassez coloca o controle e a proteção de recursos como uma via principal de resolução de problemas ambientais. A conservação da natureza através de PN pode ser entendida como uma tentativa de colocar uma devida ordem na desordem ambiental provocada pela espécie humana, e, nesse sentido, resolver o problema do uso descontrolado dos recursos naturais através do não uso. Importa enfatizar, em contraposição a esta visão, que existem atores sociais envolvidos no uso e na gestão dos recursos, carregando consigo suas representações de natureza e seus universos de legitimidade. A idéia da conservação da natureza foi visualizada como solução para um determinado conflito, não se vislumbrando que, em muitas situações, tornou-se justamente a causa de outros conflitos. Justamente por não fazer parte da concepção conservacionista considerar o meio ambiente como um campo de disputa de interesses e de recursos territorializados.

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3.4.2. PNs como produto de um discurso de classe.

Fucks (2001) afirma que a polaridade universal-particular, típica da temática ambiental expressa, no contexto do debate público, as tensões e articulações possíveis entre, de um lado, a atribuição de universalidade ao interesse em relação ao problema ambiental e, de outro lado, a inserção local da visões em disputas. Desse modo, uma das formas de apreciar o caráter universal do meio ambiente diz respeito à sua qualidade de bem público. Nesse caso, assim como os bens públicos produzidos pelo Estado (segurança pública, educação básica, sistema de saneamento), a proteção do meio ambiente visaria o atendimento de algo definido como uma necessidade da sociedade como um todo. O autor, no entanto, alega que esta suposta vocação universalista do meio ambiente não está isenta de questionamentos, uma vez que em maior ou menor grau, o meio ambiente é apenas o bem coletivo de um grupo restrito, uma vez que os benefícios da proteção ambiental tendem a se concentrar em coordenadas sócio-espaciais determinadas. Os atores preocupados e mobilizados em torno da proteção ambiental são, em sua grande maioria, provenientes dos grupos de maior poder aquisitivo e de maior grau de escolaridade, afirmando que, na prática, a intenção de universalidade pressuposta no conceito de meio ambiente não se verifica. Fucks afirma ainda que a universalidade do meio ambiente expressa o projeto de um determinado grupo, no sentido de tornar universal seus valores e interesses. Focaliza, assim, a estratégia retórica do ambientalismo em transformar a preocupação de um setor determinado da sociedade em “interesse público”. Cotejando essa visão marxista teríamos que a concepção de conservação materializada nos PNs estaria a articular o sentido de caráter universal do meio ambiente contextualizado em uma arena pública em que grupos com valores e interesses diversos buscam persuadir outros grupos a respeito da relevância e, no limite, da universalidade de suas demandas e interesses. Teríamos, desse modo a visão do movimento ambientalista como movimento de grupos sociais específicos, ainda que o movimento ambientalista perceba a si mesmo como defensor de interesses da humanidade. Tratar-se-ia, em suma, de uma atualização de valores burgueses e iluministas.

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O caráter restritivo dos valores associados à proteção ambiental, traduzido no âmbito da mobilização social pelo slogan “not in my backyard” e sedimentado em um estilo de vida constituiria, então, uma barreira intransponível pela vocação universalista do meio ambiente. Para Fucks, a conseqüência natural desta visão da proteção do bem ambiental indissociada da manutenção do estilo de vida de grupos sociais bem definidos seria a exclusão de outros de áreas ambientalmente valorizadas. O que levaria a identificar que há uma distribuição desigual de benefícios e custos derivados da proteção ambiental. “De acordo com certos autores, as demandas ambientais representam necessidades de cunho pós materialista ou não distributiva” (Fucks, op. cit., p. 29) A questão distributiva é considerada por Fucks no âmbito da análise da política local, especialmente no que se refere à definição das regiões em que serão alocados os bens públicos e as atividades produtoras de externalidades negativas como é o caso das prisões, hospitais, depósitos, incineradores de lixo etc.que, ao mesmo tempo em que geram um benefício social difuso, concentram os custos na população local. Os conflitos são percebidos como regidos pelas tensões e possíveis articulações entre o caráter universal da formulação pública/estatal do conceito de meio ambiente e a inevitável particularidade das enunciações contextualizadas a seu respeito. Fucks considera também a dimensão social do problema ambiental considerando que para a análise dos problemas sociais, se faz necessário um deslocamento do foco da análise das chamadas condições objetivas (ou seja, o problema “dado”) para o processo de reconhecimento subjetivo (o problema é construído) que conduz à sua definição enquanto problema social. Nesse sentido, uma alegada “condição” não constituiu um problema social enquanto não for enunciada publicamente enquanto tal. Como exemplo; um suposto crescimento em número de abortos não configura um problema social enquanto esta estatística não for usada por um grupo que o interprete como “crime contra a vida” ou, alternativamente, como uma conseqüência da miséria e da desinformação. A suposição da existência da “condição objetiva”, geradora de um problema social, confere ao cientista um papel especial no processo de compreensão social do problema em questão. Nesta condição, o cientista é considerado um expert no assunto, sendo capaz de emitir opinião qualificada, transmitir informação objetiva e até mesmo colaborar na busca de

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soluções. No entanto, Fucks admite que, agindo desta forma, ele, na verdade, não está investigando as “condições objetivas”, causadoras do problema social, mas participando do processo de sua definição (p.38) . Carvalho (1995, p.12), por sua vez, analisa o deslocamento da questão do “problema ambiental” para o “conflito ambiental”. Igualmente faz referência à condição objetiva do problema ambiental que acaba por evidenciar a questão da sustentabilidade física dos recursos, a degradação e os impactos da degradação sobre a base material da vida. A condição objetiva do problema ambiental desconsidera os atores sociais e as relações que estes estabelecem frente à questão social. Desta forma, estar-se-ia pensando, para além dos efeitos da degradação ambiental (problema ambiental), sobre a base material da vida e pensando nos efeitos das lutas pelo meio ambiente sobre o conjunto das forças sociais. Para Carvalho, “problemas ambientais” são definidos como aquelas situações onde há risco e ou dano social/ambiental mas não há nenhum tipo de reação por parte dos atingidos ou outros atores da sociedade civil face ao problema, sendo freqüentes os casos onde existe apenas uma constatação técnicocientífica do problema. Em algumas vezes, chega a haver sugestões de solução ou de encaminhamento que apontam para uma ação de governo, ou seja, uma política ambiental. Em ambos os casos, contudo, não há uma explícita mobilização nem reação de grupos ou setores da sociedade atingidos ou interessados na solução do problema. Os conflitos ambientais seriam a expressão de conflitos sociais que tem a natureza como suporte. Revelam muitas vezes o confronto entre os interesses privados e o bem coletivo. Os interesses privados podem ser caracterizados como sendo aqueles que orientam ações e práticas nas quais prevalecem o uso privado destes bens público, é o caso dos recursos naturais que são transformados em mercadoria e vendidos, comercializados para benefícios de particulares, ou mesmo quando uma indústria libera substâncias tóxicas no ar, afetando um espaço comum. Estes modos de uso privado do meio ambiente evidenciam-se muitas vezes como agressões ambientais e afetam a disponibilidade desse bem ambiental, prejudicando o uso comum. Se por um lado existem interesses privados, por outro, pode considerar a “luta conservacionista” como uma luta em função do caráter público do meio ambiente e a permanência e disponibilidade dos bens ambientais coletivos. Como contraparte, os interesses públicos são aqueles que visam a permanência e disponibilidade desses recursos para a garantia da sobrevivência e qualidade de vida do coletivo. Assim, travam-se em torno dos bens ambientais lutas entre atores sociais que

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disputam diferentes formas de acesso e ou gestão desses bens. Este enfrentamento entre interesses opostos configura o que se denomina de conflitos sócio-ambientais. Consideramos lutas ambientais as situações onde há um confronto de interesses representados por diferentes atores em torno da utilização/gestão do meio ambiente. Usamos como indicador de luta ambiental a presença da mobilização de um ator social frente aquilo que é percebido como agressão ambiental, embora as vezes a mobilização não ultrapasse o nível da denúncia. (Carvalho,op. cit.,:36)

3.4.2.1. Conceitos de propriedade e território.

Conforme demonstra Fucks (1987, p.143) o primeiro estágio da carreira de um problema social é constituído pelas atividades empreendidas pelo(s) grupo(s) visando transformar problemas privados em assuntos públicos. Outro momento central nessa dinâmica é a eventual resposta governamental. Esta resposta poderá ser a própria prova do sucesso da etapa inicial, se implicar na criação de órgãos públicos ou na modificação da estrutura existente. Esse é o momento de consolidação do problema social. Nesse sentido, os órgãos governamentais contribuem de forma significativa para o processo de definição dos problemas sociais, podendo inclusive tornaremse os principais responsáveis pela emergência do problema entendido então como problema público. A própria atribuição a um fenômeno da qualidade de “público” é, em si mesmo, objeto de disputa, na medida em que grupos antagônicos lutam em torno da definição ou não de um assunto como algo que mereça ser alvo de atenção e ação pública. De acordo com o autor, a definição de problemas públicos envolve a disputa social em torno de alguns pontos, destacadamente a propriedade, que eqüivale a legitimidade pública do ator enquanto responsável pela definição do problema e, no tipo ideal, implica em monopólio. Em contexto correlato, Diegues (1997, p. 410), identifica seis tipos diferentes de propriedade com vistas a argumentar sobre as formas de gestão de recursos comuns; nesse sentido apresenta: livre acesso (atmosfera); propriedade pública (Parque Nacional); propriedade do Estado (prédios governamentais); propriedade privada gerida conjuntamente, onde as cotas podem ser vendidas sem consulta (ex. corporação por ações); propriedade comum (common property), vista como propriedade privada gerida conjuntamente e onde os

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proprietários não podem vender suas quotas; e finalmente a propriedade privada gerida individualmente (propriedade privada de uma casa). Quanto a propriedade pública, representada no exemplo como o Parque Nacional, o autor o identifica como uma das formas de expansão de propriedade estatal, que culmina em vedar o direito a propriedade comum, aí entendida como um sistema de apropriação comum (ou comunitária) de espaços e recursos. Nascimento (2001, p. 94), por sua vez, analisa, baseado em Simmel, que todo o conflito tem um conjunto de elementos que o caracterizam e regem sua evolução e intensidade. Nesse sentido, os principais são: natureza, atores sociais diversos, campo específico, objeto em disputa, lógica ou dinâmica de evolução, mediadores e tipologia. Independente da natureza dos conflitos (social, política, ambiental, econômico etc.) estes reúnem um conjunto de atores que se posicionam e se dispõem diferentemente entre si, articulam-se ou se opõem. Movimentando-se constantemente, ocupando ora uns lugares ora outros, pronunciando discursos nem sempre coerentes. Segundo a natureza dos conflitos, modificam-se os atores envolvidos. É fundamental, então, compreender quais são os atores envolvidos em cada conflito, e como eles se comportam para entender os próprios conflitos. Nascimento afirma que “os atores podem ser definidos como indivíduos, grupos ou organizações de identidade própria, reconhecidos por outros, com capacidade de modificar seu ambiente de atuação”. Assim, podem ser indivíduos, grupos sociais, organizações, nações, coletividades ou Estados. Afirma ainda que os atores têm não apenas interesses distintos, quando se encontram em conflito, mas também sentimentos, percepções e racionalidades diferenciadas. Para efeito analítico, Nascimento utiliza uma marcação de cena teatral, identificando a existência de um “campo de conflito” enquanto espaço de movimentação dos atores, que limita seus movimentos e os recursos a que podem recorrer em suas disputas. Nesse sentido, trata-se de um território, simultaneamente geográfico e social, onde tem lugar o conflito. Define-se esse campo como o espaço onde se trava a luta entre os atores, com regras próprias de funcionamento, que delimitam as possibilidades de ação dos atores em jogo. Quanto aos recursos a que os atores podem recorrer, estes podem ou não serem passíveis de mobilização em qualquer conflito. Nem todos os atores podem recorrer a qualquer recurso, pois eles podem ser variados, material ou simbolicamente, silenciosa ou mediaticamente, e ainda regidos por regras explícitas ou implícitas, por normas morais ou jurídicas. O objeto de disputa define

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também o campo do conflito, não há conflito sem que haja um objeto de disputa, podendo ser também material ou simbólico, disponível ou indivisível, laico ou profano, real ou irreal. Os objetos podem variar de natureza, mas são sempre bens ou recursos vistos como escassos. A maioria dos conflitos reúne idéias, status e posição de poder que mobilizam os atores. Nem todos os atores tm a mesma percepção do objeto, os valores e a compreensão são distintas para cada um dos atores. Nesse sentido, o poder político ou governamental pode ser essencial para alguns grupos sociais e irrelevante para outros. A diferença de percepção dos objetos em disputa faz com que estes assumam configurações diferenciadas, às vezes explícitas, às vezes implícitas, conscientes ou inconscientes. Nascimento alerta para a natureza polissêmica dos objetos em disputa, as motivações dos atores participantes de conflitos são também múltiplas. Elas podem ser de cunho material (riqueza, posse de bens materiais), político (disputa de poder), social (status , reconhecimento); moral (valores), ideológico (idéia e ideais) ou religioso (crenças). Desse modo, os conflitos não tem somente a tendência à mudanças ou rupturas, mas também a tendência de assegurar a coesão e a continuidade social. Por sua vez, Little (2002, p.108) analisa a tipologia dos conflitos socioambientais e identifica três classificações básicas para análise dos conflitos: 1 - Os conflitos em torno do controle sobre os recursos naturais; 2 - os conflitos em torno dos impactos ambientais e sociais gerados pela ação humana e natural; e 3 - os conflitos em torno do uso dos conhecimentos ambientais. 1) nos conflitos em torno do controle sobre os recursos naturais, o autor analisa que, ao fazerem parte do domínio social, os recursos naturais somente se tornam recursos quando um grupo social os define como tal e lhes atribui um uso específico. Assim, os recursos naturais são intimamente ligados aos conhecimentos e tecnologias de um grupo social determinado. A dimensão geográfica dos recursos naturais é determinante, uma vez que qualquer recurso se encontra em um lugar específico. Little analisa que os conflitos relacionados aos recursos naturais são sobre as terras que contêm tais recursos e, portanto, entre os grupos humanos que reivindicam essas terras como seu território de moradia e vivência. Os conflitos sobre terras têm dimensões políticas, sociais e jurídicas. Apesar dos recursos naturais terem uma distribuição geográfica que independe da ação humana, existe uma decisão política sobre a distribuição desses recursos. Outra questão

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importante é a dimensão social destes conflitos que é expressa por meio das disputas sobre o acesso aos recursos naturais. A dimensão jurídica é expressa por meio das disputas do controle formal sobre os recursos quando dois ou mais grupos mantém dispositivos legais sobre uma mesma área geográfica, muitas vezes vinculados a distintas instituições governamentais. Little ilustra através do exemplo entre conservacionistas e povos indígenas em conflitos pela sobreposição de área indígena em Parque Nacional, onde ambos tem amparo na lei; o autor avalia que além do conflito entre grupos locais há um conflito institucional. 2) quanto aos conflitos em torno dos impactos gerados pela ação humana e natural, ele identifica os oriundos da intervenção humana nos ciclos naturais no processo de sustentação e desenvolvimento econômico. Casos como contaminação do meio ambiente e impactos negativos nas populações do local, esgotamento dos recursos naturais, degradação dos ecossistemas (como é o caso da desertificação) e outros. 3) quanto aos conflitos em torno do uso dos conhecimentos ambientais, o autor identifica conflitos entre grupos sociais ao redor da percepção de risco, conflitos envolvendo o controle formal dos conhecimentos ambientais e conflitos em torno de lugares sagrados. Por fim, para análise dos conflitos socioambientais, Little afirma que se deve partir de uma contextualização ambiental, geográfica e histórica, pois cada um dos conflitos, sem importar a categoria em que se encaixa, está relacionado às distintas formas de produção dos grupos sociais. Historicamente, as mudanças políticas, sociais e culturais têm de ser levadas em conta para que se possa entender a conjuntura em que os conflitos se desenvolvem.

3.5. DANDO VISIBILIDADE AOS CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS NOS PARQUES Para uma análise mais apurada sobre os conflitos evidenciados em PNs, importante fazer um panorama dos conflitos mais destacados pelos autores que trabalham a temática. Dourojeanni (2000, p. 36) afirma que a América Latina é o continente que exibe maior crescimento do número e da superfície de UCs . Segundo ele, "não é de se estranhar que seja também um continente que se destaca pelo alto número e importância dos conflitos sociais no estabelecimento e manejo de unidades de conservação”. Segundo Barborak (1998, p. 43) se “tem documentado muito bem um dos maiores

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problemas que enfrentam as áreas protegidas supostamente "estritas" na América Latina: a presença de populações humanas em quase 90% dos Parques Nacionais da Região”. Ao tempo que comenta o conflito, Barborak lança uma fagulha no acirrado debate entre as escolas conservacionistas e sócio-ambientalista afirmando que tais dados não devem ser considerados pela última escola como a favor de uma suposta resolução do conflito através de uma coexistência entre comunidades em PNs mas sim como um problema fundamental, uma vez que cria uma bomba social que aos poucos deteriora os espaços naturais de interesse. Tal afirmação nos remete aos acalorados debates em torno dos conflitos gerados pela concepção de conservação, que colocam de um lado a corrente sócio-ambiental responsável pelos reclames em torno das questões da exclusão da presença humana da concepção de áreas protegidas originada nos EUA no século XIX em contraposição à civilização urbano-industrial destruidora da natureza, e, de outro lado, a corrente conservacionista, movida por decisões técnicas e políticas calcadas no valor da biodiversidade enquanto valor em si e apregoando o uso indireto dos recursos naturais, em nome desta crença universal, transformou quase todas as áreas naturais do mundo em UCs, impedindo a presença humana em boa parte delas. No Brasil, conforme já relatado, não se tem registro dos conflitos evidenciados nos PNs de uma forma sistemática/ Uma das raras exceções ou, numa visão mais otimista, um estudo precursor é uma pesquisa do sociólogo Antonio Carlos Diegues8, o qual demonstra que das 67 áreas protegidas de uso indireto, Nacionais e Estaduais (Parques Nacionais, Reservas Biológicas, Reserva Ecológica, Estação Ecológica, Estações Biológicas e Reservas Florestais), pesquisadas nos quatro Estados (RJ, PR, ES e SP), em 39% haviam moradores tradicionais (pescadores artesanais, extrativistas, pequenos agricultores) e não tradicionais (fazendeiros, veranistas com casas nas áreas, comerciantes e outros). Já no Estado do Rio de Janeiro, especificamente, das 19 UCs pesquisadas, 14 delas tinha população residente, ou seja, 73, 6%. No período em que foi realizado a pesquisa constatou-se que o Estado do Rio era o que possuia o maior número de moradores no interior das áreas protegidas, totalizando cerca de 5.700 moradores, com uma densidade populacional alta devido à presença de áreas protegidas 8

A pesquisa foi realizada pelo NUPAUB – Núcleo de Populações humanas em Áreas Úmidas Brasileiras, coordenado pelo sociólogo Antônio Carlos Diegues, no período de 1992-1994, com moradores das áreas protegidas estaduais e federais de uso indireto e de seu entorno nos Estados de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Espírito,

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próximas aos centros urbanos9. Diegues assegura ainda que em 83% da categoria PN existem pessoas residindo, assim como em 100% dos parques bi-estaduais, como o de Bocaina (SP/RJ) e Itatiaia (RJ/MG). Dentre os conflitos evidenciados por Diegues, os que mais se sobressaem são os existentes entre os moradores do interior das áreas naturais protegidas com as administrações das mesmas, sobretudo aqueles resultantes de construções ilegais, da situação fundiária não resolvida, da fiscalização, dos desmatamentos, do extrativismo, das atividades agropastoris, da caça e de atividades turísticas. Mesmo sem se conhecer o histórico de criação das UCs trabalhadas na pesquisa, constata-se, de imediato, que a pressão para o uso direto dos recursos naturais é obviamente a um tempo causa e conseqüência dos conflitos advindos em função das medidas de conservação. Outra constatação percebida, mas não declarada por Diegues, diz respeito as Unidades de Proteção Integral em áreas urbanas. Independente do contexto em que estão inseridas, percebe-se que apresentam as mesmas situações de conflitos de áreas rurais. Ambas possuem moradores residentes dentro. A diferença crucial estaria em apresentarem uma dinâmica mais freqüente de conflitos. Percebe-se que a maioria das unidades pesquisadas por Diegues estão em regiões em processo de metropolização e, portanto, submetidas à pressões urbanas pulverizadas. Atualmente, registra-se que o fenômeno da urbanização tem levado diversas cidades a criarem parques urbanos como forma de assegurar a não privatização de áreas de importância biológica e de acesso público valioso. Os PNs do fim do século XX evidenciam com maior clareza a implícita idéia de usufruto público, usufruto sem consumo dos recursos naturais, podendo serem considerados ainda como a marca conservacionista no lastro do desenvolvimento.

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Os números registrados por Diegues ainda se constituem em um valor baixo frente a realidade atual, uma vez que estima-se, extra-oficialmente, que atualmente, somente no Parque Estadual da Serra da Tiririca (umas das unidades de conservação pesquisadas), estejam residindo ou são proprietárias de imóveis por volta de 2000 pessoas.

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3.6. CONFLITO ENQUANTO INSTITUCIONALIZAÇÃO DE “PROBLEMAS”

Vimos, portanto, que os conflitos sócio-ambientais junto ao modelo PN são evidenciados em dois momentos: o primeiro quando das iniciativas para suas criações, onde a dimensão simbólica da luta social de conservacionistas/ambientalistas baseia-se em uma concepção universalista de conservação, evocando-se a UC como reação/resposta/barreira para as ameaças reais ou potenciais aos recursos naturais locais. Tais atores consolidam e potencializam suas decisões validando o processo através da legislação, institucionalizando dessa forma o território. A eventual resposta governamental, transformando esta iniciativa em criação do Parque, é a prova do sucesso da etapa inicial, é o momento de consolidação do problema social. Nesse sentido, o órgão governamental contribui de forma significativa para o processo de definição daqueles “problemas ambientais” reclamados por este grupo de atores sociais, se transformando nos principais responsáveis pela emergência do problema entendido, agora, como problema público. Os

conservacionista/ambientalistas

adquirem

legitimidade

pública

enquanto

responsáveis pela definição do problema e passam a deter o monopólio da questão. E, em um segundo momento, após a criação do PN, da institucionalização do espaço pelo Estado e do estabelecimento das “novas” regras de uso e apropriação dos recursos, evidenciam-se os conflitos sócio-ambientais. Nesse segundo momento, o conflito é identificado quando diferentes atores sociais (organizados formalmente ou não) se manifestam e se mobilizam frente aquilo que é percebido como agressão ambiental, embora as vezes a mobilização não ultrapasse o nível da denúncia . O que credencia os atores para o conflito é o fato de estarem submetidos às novas regras de uso e apropriação dos recursos, regras essas voltadas para o “não uso” . As novas regras de uso e de apropriação e a eventual configuração do espaço enquanto espaço público estão na base dos conflitos sócio-ambientais nos PNs. A perda do direito de usar, usufruir e abusar da propriedade advém dessa nova dinâmica estabelecida para o ambiente. Com base na exposição histórica sobre a lógica da conservação e na análise teórica sobre conflitos sócio-ambientais será relatado e analisado o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca - PEST.

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Foram considerados conflitos sócio-ambientais, os comportamentos que causam ou possam causar danos aos objetivos básicos de conservação, decorrentes das atividades humanas que afetam ou podem afetar o uso desse espaço protegido e as reações advindas dos atores sociais quanto a estes danos. Todavia, só foram tratadas como conflitos aquelas atividades em que houve uma manifestação promovida por atores sociais (indivíduos ou grupo) contra tais comportamentos, onde esteve evidenciada a percepção por esses atores do dano real ou potencial ao PEST ou do comportamento lesivo de seu causador. Uma manifestação nesses moldes passou a constituir, portanto, metodologicamente, a materialização de determinado conflito e foi considerada, aqui, como sendo aquela expressa por denúncias, reclamações e reivindicações, formais ou não formais, ao Ministério Público, ou a qualquer fórum relevante. Tais manifestações foram pesquisadas junto à imprensa, ao Ministério Público, nas declarações dadas à entrevista, manifestações públicas (distribuição de folders, cartas, ou pronunciamento em eventos).

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PARTE II O CASO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA TIRIRICA

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. O Tejo tem grandes navios E navega nele ainda, Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, A memória das naus. O Tejo desce de Espanha E o Tejo entra no mar em Portugal. Toda a gente sabe isso. Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia E para onde ele vai E donde ele vem. E por isso, porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia. Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Para além do Tejo há a América E a fortuna daqueles que a encontram. Ninguém nunca pensou no que há para além Do rio da minha aldeia. O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele. (Alberto Caieiro, “O guardador de rebanhos”, XX)

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4. SERRA DA TIRIRICA: TRAJETÓRIA DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ESPAÇO TERRITORIAL

Pobres das flores nos jardins regulares. Parecem ter medo da polícia... (Alberto Caieiro, “O guardador de rebanhos”, XXXIII, 1-2)

O Parque Estadual da Serra da Tiririca – PEST - situa-se na Região Sudeste do Brasil, no Estado do Rio de Janeiro, e insere-se na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O Parque foi criado pela lei estadual 1901, de 29 de novembro de 1991, com objetivos conservacionistas, pautados na proteção integral do ambiente e no uso comum das atuais e futuras gerações, protegendo a fauna, a flora e as belezas cênicas, contribuindo para a amenização climática, para a recarga natural do lençol freático, para a redução da erosão e, sobretudo, para assegurar o direito de acesso da população, configurando uma preocupação quanto ao resgate do caráter público do meio ambiente. O ato de criação legal do PEST não considerou um limite físico definitivo para seu perímetro. Todavia, a lei assegurou uma delimitação provisória, sendo que a delimitação definitiva prevista pelos idealizadores do parque, seria realizada de forma participativa, criando-se para isso uma Comissão paritária com a presença da sociedade civil e do Estado. . Localizada nas regiões de expansão urbana dos municípios de Niterói e Maricá a área do PEST abrange áreas de inúmeros loteamentos e condomínios, consolidados desde a década de 1940, além de áreas com exploração mineral, áreas consideradas historicamente habitadas

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por comunidades locais (pescadores e colonos) áreas desapropriadas para plano de ação agrária e outras.

4.1 A CONCEPÇÃO CONSERVACIONISTA NORTEANDO A CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA TIRIRICA - PEST 4.1.1 - O movimento Ambientalista - e sua percepção universalista - induzindo à criação do PEST

O histórico da criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca esta intrinsecamente relacionado ao histórico de atuação do movimento ambientalista em Niterói. A década de 1980 foi emblemática na questão do crescimento de uma consciência ambiental impulsionada pela crítica ao modelo de desenvolvimento e de política de ocupação do município, principalmente para área de expansão da cidade ,denominada Região Oceânica , em face do descaso por parte do poder público para com as questões ambientais. Esse período foi marcado pela acelerada ocupação, por parte do investimento imobiliário, da região oceânica de Niterói. A falta de planejamento urbano no desenvolvimento do município, o grande interesse do setor imobiliário que, desde a década de 1940, vinha fracionando terras em busca de uma maximização do mercado, aliado a inauguração da ponte Rio-Niterói, que atraiu maior interesse imobiliário para a região, detonou um processo de empobrecimento ambiental, pautado na degradação, trazendo como contrapartida, porém, a organização da sociedade civil. As lagoas de Piratininga e Itaipu, localizadas nessa região de Niterói, foram as primeiras a dar sinais de esgotamento, devido ao aterramento de suas margens, fruto de investidas do setor imobiliário que buscava aumentar a extensão de terras loteáveis. A velocidade das transformações urbanas, as elevadas taxas de crescimento demográfico10 e principalmente a ausência de iniciativa por parte do poder público. não intervindo no processo de ocupação, permitiu o avanço sobre encostas e lagoas, causando reação por parte da sociedade.

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Segundo Valverde (2001), na década de 1980 a Região Oceânica se destacou como principal vetor de crescimento da cidade, com uma taxa de crescimento demográfico de quase 10% ao ano.

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O problema das lagoas de Piratininga e Itaipu está inserido em uma questão muito mais ampla, que abrange a falta de planejamento urbano no desenvolvimento da região... O Próprio DNOS promoveu uma obra que influenciaria decisivamente na especulação imobiliária: a abertura do Canal de Camboatá, que interliga as lagoas de Piratininga e Itaipu (...) A interligação das duas lagunas aumentou a extensão de terras loteáveis e foi vantajoso para os proprietários de terras. Um loteamento subaquático datado de 1952 mostra que tudo que foi feito visava a ocupação dessas áreas.... (O GLOBO Niterói - Pesquisa da UFF aponta ocupação indevida como causa da degradação, fevereiro de 1991)

Nas décadas de 1970 e 1980 iniciou-se a implantação de condomínios fechados em vários bairros da Região Oceânica destinados as classes economicamente mais abastadas, que se somaram a grande oferta de lotes nos parcelamentos projetados nas décadas de 1940 e 1950 (Valverde, 2002). O modelo de condomínios privilegiado pelo setor imobiliário era voltado para as encostas como forma de atendimento à demanda e à conseqüente valorização deste tipo de residência. Por outro lado, o setor de extração mineral instalava-se nos morros e serras da Região Oceânica, deixando “feridas abertas" nas áreas de encostas. De um lado a atitude “tolerante” por parte do poder público, por outro a incapacidade executiva em aplicar a legislação existente relativa ao controle ambiental, aliado ao utilitarismo por parte do setor privado na determinação do uso do solo, levavam a uma transformação rápida do cenário local, tornando urgente a ação pela proteção dos remanescentes de ecossistemas. Iniciaram-se reivindicações por parte de ambientalistas, o que provocou o envolvimento de outras entidades da sociedade civil preocupadas com a questão. Niterói é produto deste modelo.... o uso e a ocupação do meio ambiente será somente uso do solo? ... Temos um quadro sombrio no nosso município, fruto de décadas de intolerância, de impunidade e planejamento, conivente com a especulação imobiliária irresponsável, somente revertido com a participação da população, técnicos e políticos que souberam avaliar sua importância. Atualmente, vemos a degradação do meio ambiente niteroiense: poluição das praias, desmatamentos, deslizamentos de terra.... elitização no uso do meio ambiente, etc. " (Movimento de Resistência Ecológica, 1987 - Proposta para a Execução de um Diagnóstico Ambiental de Niterói para Subsidiar o Planejamento Territorial e a Elaboração da Lei de Uso e Ocupação do Solo. ) Deixamos claro que a principal função é ordenar a maneira caótica com que Niterói cresceu nos últimos anos e estabelecer um desenvolvimento que também garanta qualidade de vida para todos" ( O Fluminenese, 1991 – “Carta de Niterói vai ser Divulgada Hoje") A extração de recursos minerais, como saibro e granito, é um dos a gentes mais importantes na destruição do meio ambiente na cidade. Apesar da determinação da Lei Orgânica, no artigo 327,

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de que quem explora os recursos minerais é obrigado a restaurar o meio ambiente degradado, algumas pedreiras e saibreiras continuam em atividades, sem que nenhum trabalho de recuperação seja exigido pela prefeitura. Nesse caso, na opinião de ecologistas ligados à área, a socialização do prejuízo é evidente. Enquanto os empresários lucram com a extração mineral, toda a sociedade arca com os prejuízos, já que a área degradada representa riscos de desabamento (O GLOBO - Niterói, fev. de 1991, Saibreiras e Pedreiras não respeitam a Lei Orgânica)

A disseminação de práticas voltadas para a proteção ambiental na cidade pressionava pela criação de uma legislação e de políticas públicas para a o meio ambiente. Diante da ameaça de tamanha “desordenação" na ocupação da Região Oceânica iniciou-se um processo de defesa por parte de ambientalistas, na tentativa de assegurar que um dos mais significativos remanescentes de Mata Atlântica da região, de importância vital para o abastecimento de água local, de alto grau de biodiversidade, de inegável valor paisagístico e de alto potencial turístico, fosse privatizado. Iniciava-se o movimento para proteção da Serra da Tiririca.

A luta pela defesa da serra, que remonta quase duas décadas, iniciada nos anos 70 pela comunidade e técnicos, ganhou uma força maior com a criação do movimento Cidadania Ecológica, em 7 de novembro de 1989. Formado por técnicos especializados e pessoas atuantes na luta ambiental, o cidadania elaborou o projeto para a criação do PEST. Em 1990 tentou o financiamento do projeto junto a White Martins S/A, mas quando tudo apontava para o sucesso, o plano Collor frustou a proposta. O MCE manteve a Serra da Tiririca nas primeiras páginas dos jornais, na TV e em festas promovidas objetivando a arrecadação de fundos para a luta. O movimento conseguiu a inclusão da Serra nas Leis Orgânicas de Niterói e Maricá, como área de preservação ambiental. Isto sem contar a inclusão de seu tombamento no Decreto Estadual da Mata Atlântica. Ao se articular com o Deputado Estadual Carlos Minc, o movimento Cidadania Ecológica conseguiu encaminhar um projeto de Lei, ainda no governo Moreira Franco( 1990) que foi recusado. Porem, no atual governo, foi criado o PEST ( Jornal do Cidadania, ano 1 Nº1 JUNHO DE 1992).

No início da década de 1990 a ocupação da Região Oceânica se intensificou. Como área de expansão da cidade, inúmeros condomínios proliferaram, ignorando encostas, lagoas, restingas. Atividades de mineradoras iniciavam-se nas serras e morros. Na Serra da Tiririca, a Mineradora Inoã instalou-se em 1987 e a Pedreira José Fernandes de Oliveira em 1988. Os condomínios Ubá Floresta, de 1987, Ubá Itacoatiara, de 1988, e diversas construções unifamiliares avançavam Serra acima. Panorama semelhante começava a se fazer notar do outro lado da Serra, no município de Maricá. Em Maricá passaram a existor loteamentos que abrangiam o topo da Serra, como o da Melgil. Enfim, havia uma grande insatisfação quanto à letargia de ambas as prefeituras.

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Ainda de acordo com José Chacon de Assis, a Serra da Tiririca pertence a Mata Atlântica, considerada patrimônio nacional, e deve ser protegida contra a exploração imobiliária e extração de espécies animais e vegetais, em perigo de extinção" (O Fluminenese, 18/9/89, “Serra da Tiririca pode Virar Parque”)

Em Maricá, o processo de urbanização da região onde veio a se inserir o Parque intensificou-se na década de 1970, transformando-se num verdadeiro boom imobiliário. Até a década de 1960, a região ainda era constituída de fazendas produtoras de açúcar. As maiores eram a Itaocaia e a Inoã. Foram as áreas dessas fazendas que na década de 1970 viriam a ser loteadas, surgindo vários loteamentos na própria Serra, estando hoje incluídos na área do Parque.

4.1.1.1. A militância efervescente

A criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca foi, portanto, uma reação às ameaças reais e potenciais de privatização dos remanescentes de Mata Atlântica, com a garantia do acesso público em contrapartida às investidas do setor privado, que já havia a transformado em alvo. Nesse sentido, a criação do Parque se configura como processo decorrente da luta de pesquisadores, entidades ambientalistas e comunidade. Algumas ações isoladas de alguns técnicos ambientalistas no início da década de 1980 já vinham chamando a atenção sobre as agressões que a Serra sofria. Cláudio Martins, professor da Universidade Federal Fluminense, geólogo e morador da região de Itaipuaçú, no entorno da Serra da Tiririca, percorria as matas da serra elaborando pequenos diagnósticos que contribuíram para o embasamento de denúncias realizadas por ele e por um pequeno grupo de moradores locais. Jorge Antônio Pontes, biólogo pesquisador e professor de biologia iniciava uma série de estudos ecológicos sobre a região, principalmente relativos a fauna. O biólogo percorria também as matas da Serra, elaborando pesquisas, identificando espécies, levando alunos das escolas em que lecionava. Em 1986, Pontes e seus alunos fundam, inspirados no modelo da Fundação Brasileira de Conservação da Natureza - FBCN, o Clube de Conservação da Natureza e Exploração Suçuarana - CCNES, primeira entidade da sociedade civil a promover campanhas em favor da proteção da Serra da Tiririca, promovendo estudos, caminhas e palestras.

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A luta pela defesa da Serra ganhou uma força maior com a criação do Movimento Cidadania Ecológica - MCE - em 7 de novembro de 1989, formado por militantes ambientalistas com grande atuação na cidade além de biólogos, engenheiros florestais, segmentos do movimento comunitário, pesquisadores, vereadores e estudantes. O MCE iniciou uma série de trabalhos, projetos e programas técnicos e comunitários, elaborando inclusive o projeto de lei para a criação oficial do Parque. Preocupados com a destruição da Lagoa de Piratininga, o desmatamento da Serra da Tiririca e a Poluição de Jurujuba, algumas pessoas fundaram na semana passada, o Cidadania Ecológica, um grupo apartidário que pretende inovar, segundo seus componentes, a maneira de lutar contra a destruição do meio ambiente" (“Grupo Começa luta contra destruição do meio ambiente”, O GLOBO, novembro de 1989)

O ano de 1989 foi um ano de intensas campanhas populares de proteção da Serra da Tiririca, com a elaboração de diplomas jurídicos municipais de proteção e com grande adesão da mídia. Essa chancela legal voltada para a proteção da Serra da Tiririca, fôra idealizada, elaborada e inserida nas legislações municipais de ambos os municípios pelos ambientalistas que, em um segundo momento, estiveram engendrados na máquina pública municipal, conferindo-lhe proteção municipal e, em um terceiro momento, estiveram engendrados na máquina pública estadual, sendo os legítimos responsáveis pela implementação do PEST. Esse pequeno rodízio de ambientalistas do MCE nos setores governamentais municipal e estadual aos poucos iriam conferindo uma série de titulações de proteção amarradas nas principais legislações da cidade e do Estado. Assim, em 1989, ano em que a campanha para proteção da Serra da Tiririca se fortalecia, liderada pelo MCE, assumem a superintendência de Meio da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente da Prefeitura de Niterói militantes do MCE, agora lideranças também do Partido Verde. Em um contexto ambientalista, a cidade começa a experimentar uma produção de leis ambientais e de políticas públicas (mesmo que ainda tímidas pela pouca força política) que culminaram em mudanças importantes na área ambiental. A migração de ambientalistas para a Superintendência da Prefeitura transformou-a em uma espécie de QG ambientalista oficial. Em 1989, a situação era inusitada: ambientalistas do MCE atuavam na estrutura publica do município e no Partido Verde, influenciando ou elaborando uma produção legislativa contínua. Havia uma espécie de homogeneização do

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pensamento ambientalista que influenciava determinados segmentos da sociedade organizada e gestores públicos. No mesmo ano, o ambientalista do MCE Paulo Carvalho, morador da localidade denominada Bairro Peixoto, impede o desmatamento para implantação de um Condomínio em uma área de Mata Atlântica. contígua à Serra da Tiririca. Esse local, mais tarde foi incluído na área do PEST. Avisados do ocorrido, um grupo de ambientalistas da Superintendência de Meio Ambiente e membros do MCE reunidos em uma evento oficial, partiram para a localidade e, juntos com o morador, impediram o desmatamento, confiscando machados e motoserras. Esse fato pode ser considerado o início da ação política ou da oportunidade política que privilegiou a transformação da Serra da Tiririca em Parque Estadual. Nesse mesmo ano, membros do MCE auxiliaram os membros da Superintendência de Meio Ambiente do município de Niterói na elaboração de um documento para fundamentar o embargo do referido condomínio. Favorecidos por um contexto político e institucional – o apoio jurídico do então Curador de Meio Ambiente da Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro, João Batista Petersen, que impetrou, contra o empreendimento, a primeira Ação Civil Pública ambiental do Brasil, e pela farta divulgação na imprensa – o MCE, membros da comunidade, ambientalistas, pesquisadores, e aliados políticos, uniram forças com a Superintendência de Meio Ambiente, e conseguiram o embargo do condomínio. A vitória relativamente fácil devido a um contexto favorável incrementou ainda mais a organização social em torno da idéia de proteção definitiva da Serra. Atuando intensamente na elaboração do projeto de lei da Lei Orgânica de Niterói, o MCE incluiu neste o artigo 232 que declarava a Serra da Tiririca como Área de Preservação Permanente. Em Maricá, ecologistas ligados ao Professor Cláudio Martins conseguiram incluir um artigo (o art. 329) na Lei Orgânica de Maricá transformando a Serra da Tiririca em Área de Proteção Ambiental - APA. Posteriormente, com a participação de membros do MCE foi elaborado e editado o decreto de delimitação do polígono de preservação permanente da Serra da Tiririca (Decreto n.º 5.902/90). De acordo com a Lei Orgânica de Niterói, a Serra da Tiririca tornou-se área de preservação ambiental e de acordo com a Lei Orgânica de Maricá, a mesma tornou-se área de proteção ambiental. Mas os ecologistas à época afirmavam não serem suficientes tais dispositivos para preservar a Tiririca e defendiam sua transformação em Parque, o que

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permitiria a criação de mecanismos que impediriam a devastação. O projeto de Lei para a criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca ainda tramita. Os ecologistas acreditam que sua aprovação representará a preservação efetiva da área agredida nos últimos anos pela especulação imobiliária e a caça predatória adverte o presidente do Cidadania Ecológica, Paulo Bidegain. “Por isso nossa luta foi em cima de criação do parque estadual, que obriga o Estado a deslocar homens para sua guarda e manutenção” (Jornal Oceânico, novembro de 199, “Premio Oceãnico dado ao Movimento Cidadania Ecológica pela mobilização em função do Parque Estadual da Serra da Tiririca”)

Apesar dos inúmeros aparatos legais municipais de proteção à Serra, esta e suas adjacências continuavam a ser alvo de projetos imobiliários, de exploração mineral, de cultivo de banana, de invasões e outros. Verificava-se um número cada vez maior de desmatamentos, queimadas, caça e extração ilegal de plantas nativas. Com a falta de controle efetivo e com a falta de efetividade da jurisdição, acrescidas da ausência de regulamentação de leis municipais e aliadas ao descontentamento quanto ao Tombamento - conseguido através da inclusão da Serra da Tiririca no Decreto Estadual da Mata Atântica - e ainda a ineficiência dos órgão de fiscalização ambiental, o movimento ambientalista, descontente, enrijecia a campanha para a institucionalização do espaço. A criação do PEST era abraçada enquanto causa: Em dezembro de 1989, o MCE formou um grupo de trabalho, liderado pelo Biólogo Paulo Bidegain, para preparar uma proposta técnica de proteção da Serra da Tiririca,. O estudo abrangeu sobrevôo, caminhadas para reconhecimento, levantamento de dados ambientais e uma análise da legislação federal, estadual e municipal existente. Simultaneamente, eram promovidas atividades de rua, comunitárias, festas, panfletagens e caminhadas, visando a ampliação do apoio social à iniciativa. A campanha em defesa da Serra da Tiririca era intensamente divulgada pelos jornais locais, rádios, TV e revistas. O MCE chegou a ser reconhecido pelo jornal O Globo - Niterói como destaque do ano. .O MCE foi ainda responsável pela “Proposta de Uso e Proteção da Serra da Tiririca Plano de Trabalho” e ainda elaborou um “Programa de Implantação do Parque Estadual da Serra da Tiririca (1º Versão)11”, que, entre outras diversas da ONG, contribuíram para dar 11

Algumas campanhas promovidas pelo MCE durante a tramitação do projeto-de-lei que criava o PEST: a) I Encontro Pró-Parque Estadual da Serra da Tiririca, em conjunto com a Associação de Moradores e Amigos do

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visibilidade política à questão. No mesmo ano de 1989, foi criada a Frente Tiririca, integrada por entidades ambientalistas como o CCNES, a Federação das Associações de Moradores de Niterói FAMNIT, a Federação de Associação de Moradores de Maricá - FAMAR, a Associação Fluminense de Engenheiros e Arquitetos - AFEA; o GEOCORJ, o Partido Verde e pessoas da comunidade. A Frente Tiririca patrocinou uma série de discussões e eventos para atrair a atenção pública para a defesa da Serra da Tiririca, cumprindo com grande êxito esse objetivo, mas enfrentando vários conflitos entre seus integrantes. A iniciativa não resistiu por muito tempo e deixou de existir em 1990, vítima das desavenças e dos conflitos pessoais potencializados pelo momento político eleitoral. O que poderia ter sido a sua grande oportunidade acabou por destruí-la: o reconhecimento público e a conseqüente força política alcançada pela campanha de criação do Parque, a expectativa de prestígio político, a visibilidade proporcionada pela relativa facilidade de acesso à mídia e a crescente repercussão junto às instâncias do poder público, acabaram por aguçar as ambições individuais de algumas lideranças e inviabilizaram a aliança institucional que havia se delineado12. Contudo, sobrevivendo aos conflitos, típicos das iniciativas comunitárias, a campanha prosseguiu. No início de 1991, um projeto de lei, elaborado pelo MCE, foi apresentado ao Deputado Estadual Carlos Minc, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa, que obteve sua aprovação na casa. A iniciativa foi sancionada pelo então governador Leonel Brizola em 29/11/91, como Lei 1901/91. A referida lei instituiu em seu art. 2º a Comissão Pró-Parque Estadual da Serra da Tiririca, presidida pelo IEF e composta prioritariamente por representantes de órgãos públicos e organizações não governamentais. Recanto de Itaipuaçu, na sede da Associação, em janeiro de 1990; b) festa "Sacudindo a Tiririca" no bar "Le Village" de Itacoatiara, para divulgação e arrecadação de fundos para a campanha (maio/91);C) monções junto ao governo do Estado para inclusão da Serra da Tiririca no Tombamento Provisório da Serra do Mar; d) caminhada à Pedra do Elefante (ponto mais alto da Serra) em comemoração ao Tombamento Provisório da Serra pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural. O Edital Serra do Mar e da Mata Atlântica foi publicado no D.O. de 6/3/91. A caminhada colocou a Serra da Tiririca e o MCE na primeira página do Jornal do Brasil (Edição de 10/3/91); e) participação no evento 'Terra e Democracia", no Aterro do Flamengo, em 1990, e na praia de São Francisco, em Niterói, em setembro de 1991, através da montagem de um stand para divulgação da Serra da Tiririca; f) participação no programa de televisão Globo Ecologia no dia 8/9/91 sobre a importância ambiental da Serra da Tiririca e a campanha em torno de sua proteção. 12 Anos depois, face a novos problemas, se inicia uma tentativa de recuperar a Frente Tiririca com novas ONGs e algumas antigas, mas sem o mesmo entusiasmo da iniciativa anterior. Mais uma vez, conflitos de lideranças fizeram da Frente um novo fracasso.

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O parque nasce da seguinte idéia: vários técnicos ou apaixonados por meio ambiente tinham vontade de proteger o local. O que favoreceu a questão foi uma coincidência, foi o encontro das pessoas certas, pessoas que certo modo levaram ao extremo de suas capacidades para poder lutar pela serra. (ambientalista hitórico, agosto de 2001)

Em março do mesmo ano (1991), assume a Presidência do Instituto Estadual de Florestas o ex-presidente do MCE, Axel Grael, cuja gestão foi responsável pela implementação do Parque. Em 1993, foi sancionado o Decreto Estadual 18.598/93 que instituiu os limites da área de estudo para a demarcação e do perímetro definitivo do Parque. Tal Decreto considerou a área marinha e continental do Parque. Em 1992, os ambientalistas do MCE, engendrados agora na máquina pública estatal, conseguem ainda homologar a Serra da Tiririca como Reserva da Biosfera por terem já conseguido anteriormente incluí-la no Decreto Estadual de Tombamento da Mata Atlântica.

4.1.2 - O Movimento Ambientalista transforma o “problema ambiental” em “problema público” - Análise da justificativa para a criação do PEST

Analisando-se o projeto de lei 1341/90, documento que considera as justificativas para a criação do PEST, destacamos algumas: - Ser remanescente de Mata Atlântica e portanto portadora de alto grau de endemisno florístico e faunístico - Contribuir para a conservação de índices mínimos de cobertura vegetal nos dois municípios, - Abrigar exemplares da flora original de Mata Atlântica, formando um banco genético de uma flora em franco processo de erosão genética, em virtude da perda de populações geográficas. - Possuir um tamanho (ser um fragmento) capaz de manter uma relativa diversidade e contingente de espécies animais, sendo algumas ameaçadas de extinção.

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- Possibilitar, futuramente o desenvolvimento de atividades de educação ambiental e de pesquisa científica, por parte de entidades da sociedade civil, escolas de primeiro e segundo graus, universidades e órgãos públicos e privados com atuação na área ambiental. O referido documento enfoca bem a necessidade da proteção legal para a Serra da Tiririca. O documento afirma que a Serra já era considerada como Área de Preservação Permanente pelo Código Florestal de 1965 por possuir cursos d’água perenes e permanentes, declividade superior a 45ºe outros atributos ambientais. A vegetação da Serra da Tiririca já possuía tutela legal que vedava qualquer forma de alteração ou de supressão. Comando presente no texto do Código Florestal: Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta lei, as florestas e demais formas de vegetação situadas: a) Ao longo dos rios ou qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja: 1) de 30 metros para cursos d’água de menos de 10 metros de largura. ... c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d’água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 metros de largura; d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45º equivalente a 100% da linha de maior declividade. Parágrafo único: No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

Segundo ainda o projeto de lei, a lei federal 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, transformou as florestas e demais formas de vegetação de preservação permanente, relacionadas no artigo 2º do Código Florestal, em Reservas Ecológicas. Portanto, as justificativas para a criação de um Parque Estadual na Serra da Tiririca levaram em consideração também o grau de proteção ambiental através da legislação existente. O projeto de lei que tratou da exposição de motivos afirmou a proteção da Serra por uma série de títulos jurídicos. Ao invés de justificar esses diplomas como sendo insatisfatórios para a proteção da local utilizou-se-os para facilitar a criação do Parque. Sendo tal considerado, na exposição de

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motivos, como justificativa de um bem público. Ou seja, o fato da Serra já ser considerada protegida pelo só efeito da lei (Código Florestal) a credenciava como candidata ao título de Parque Estadual ou outra UC. O documento deixa claro o motivo da escolha da categoria Parque. A proximidade urbana e as consequentes ameaças reais ou potencias, requeriam como resposta, em termos de proteção, uma conservação estrita, in sito. Apesar do desconhecimento da situação fundiária, havia grandes desconfianças quanto ao pertencimento das terras ao Estado, uma vez que sabiase da existência de um fracassado Plano de Ação Agrária na região. Analisando-se os aspectos legais referentes a cada categoria, o tipo de proteção pretendida para a Serra da Tiririca e suas características ambientais e de localização urbana, sugere-se que a melhor forma de protegê-la se dê pela criação de um Parque Estadual (EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS, Projeto de Lei 1.341/90 p. 14) Concluiu-se pela categoria Parque porque sabíamos que muitas terras eram públicas e estavam invadidas. Um levantamento cartorial apurado, profundo, com certeza indicaria essa questão. Se esse levantamento fosse feito, muita falcatrua seria achada e muito documento alterado também. Descobriria–se que uma boa parte das terras são públicas. Isse facilitaria a implantação do parque, ou seja, com o levantamento cartorial sabería-se que muita terra já é pública e isso minimizaria o custo de implantação. Outro motivo da escolha da categoria Parque era a idéia de não fechar o uso público. Muito pelo contrário, era integrar a área para o uso, esse uso é o lazer, caminhadas...” (ambientalista membro do grupo idealizador do PEST)

Além da preocupação em assegurar as terras já públicas, havia a convicção de que a presença do Estado, através da criação do Parque na área, seria a melhor forma de assegurar aquele patrimônio. Essa convicção é claramente justificada na exposição de motivos do projeto de lei: O Estado possui um órgão estruturado e com experiência para coordenar o processo de criação e administração da Unidade de Conservação, a Fundação IEF A Serra está situada no espaço territorial de dois municípios, Niterói e Maricá, ambos em processo de estruturação de seus órgãos ambientais Cabe salientar que esta proposta não inviabiliza a atuação dos governos municipais na gestão do Parque, ela apenas visa facilitar o processo de sua criação, não impedindo uma administração partilhada (Projeto-de-lei, pág 15)

Assim, como já dito, em 1991 foi criado o PEST, abrangendo terras continentais e marinhas, com objetivos conservacionistas. O ato de criação legal do PEST não considerou um perímetro definitivo para a área do Parque, a lei assegurou uma “área de estudo” com

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extensão de 24km² (2.400 hectares), a delimitação definitiva viria no processo participativo prevendo para isso, na própria lei que criou o PEST, uma Comissão paritária com a presença da sociedade civil e do Estado. A idéia do limite provisório er,a depois de toda essa pesquisa, ver a necessidade dessa ou daquela área permanecer ou não dentro dos limites. Os critérios para a delimitação provisória passaram pela preocupação em preservar todos os ecossistemas mais íntegros possíveis e a cobertura florestal. Se a área fosse extremamente degradada ou ocupada excluía-se aquela área, mas se a área fosse bem preservada, independente de ter ou não proprietário, incluía-se no limite provisório. É claro que a visão científica prevaleceu na escolha das áreas que iriam ficar dentro do Parque (ambientalista membro do grupo idealizador do PEST).

A Lei de criação do Parque instituiu, em seu artigo 2º, a Comissão Pró-Parque Estadual da Serra da Tiririca. A preocupação em não delimitar o espaço em um primeiro momento, e sim após um estudo da situação fundiária, considerando-se para isso uma área de estudo, viria contudo a ser interpretada de forma completamente diferente, de acordo com os interesses emergentes de cada agente social envolvido com o Parque, ao longo desses 11 anos de existência dando margens a inúmeros conflitos.

4.1.2.1 - Argumento Científico na base do discurso de criação do PEST.

As primeiras pesquisas realizadas na região da Serra da Tiririca, foram elaboradas por pesquisadores do Jardim Botânico - JB - e da Universidade Santa Úrsula - USU – do Rio de Janeiro na região denominada Alto Mourão (325m), uma das maiores elevações encontradas na Serra, que ocupa 14 hectares (dos 2.400 ha do parque.). Através dos contatos de técnicos ambientalistas do MCE com os pesquisadores do JB, foi possível o aproveitamento destas pesquisas para subsidiar um parecer favorável a conservação da Serra da Tiririca através de Parque. Os estudo do JB eram voltados para a composição florística do pico do Alto Mourão e, segundo os pesquisadores, a escolha para o desenvolvimento do projeto no local se deveu a principalmente aos seguintes fatores: a) proximidade a um grande centro urbano, portanto sujeito a uma forte pressão antrópica; b) escassez de estudos sobre a composição florística neste tipo de formação vegetal litorânea; c) área em apreço situada em um ecossistema dos

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mais ameaçados do mundo, e “tendo o Jardim Botânico do Rio de Janeiro como uma meta de suas pesquisas o inventário Florístico do Estado do Rio de Janeiro, será uma valiosa contribuição para o conhecimento da sua flora e para subsidiar as estratégias para sua conservação”. (cf. Andreata et al., 1990) Os resultados dessas pesquisas revelaram um alto grau de endemismo e biodiversidade florística da área. Foram catalogadas 350 espécies (cerca de 100 famílias) que representavam na sua grande maioria plantas de distribuição restrita à Mata Atlântica, havendo-se, inclusive, revelado a existência no local de espécies ainda pouco divulgadas na literatura científica, além de espécies de valor econômico, medicinal, madereiro, comestível, melíferas e ornamentais. Estes estudos foram apresentados em reuniões científicas internacionais e em revistas especializadas. Tais pesquisas, apesar de serem consideradas preliminares, demonstravam a singularidade da composição florística da região e já apoiavam significativamente a proposta de transformação da Serra da Tiririca em uma Área de Preservação Permanente. No parecer elaborado pelo JB explicita-se claramente o raciocínio científico que justificaria a conservação da Serra da Tiririca: Este anseio não é só uma reivindicação da comunidade científica que vem trabalhando no Alto Mourão, mas também da sociedade como um todo, que esperam das autoridades governamentais ações que possam preservar os últimos remanescentes da mata atlântica, o ecossistemas mais ameaçado do mundo segundo dados apresentados pela União Internacional para a Conservação da Natureza - UICN. - (LOPES e ANDREATA,1989, p.12 )

Em 1986, o biólogo e militante ambientalista Jorge Antônio Pontes, publica no Boletim da FBCN um trabalho intitulado “Serra da Tiririca, RJ. Necessidades de Conservação (1º Contribuição)” fruto de pesquisas realizadas em campo desde o início da década de 1980. Neste documento o biólogo enfatiza a necessidade de transformação da Serra da Tiririca em UC para a preservação do ecossistema, alertando sobre as ameaças de destruição por pressões humanas negativas tais como projetos imobiliários, caça e queimadas. Através de suas pesquisas, o biólogo identifica espécies da fauna e da flora na lista de espécies em extinção, além de concluir que os desmatamentos, a caça e os projetos imobiliários eram a antítese da conservação e protagonistas da destruição da Serra. Percebe-se que a partir das constatações do biólogo e das pesquisa do JB, ambas amplamente divulgadas pelo movimento

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ambientalista, iniciou-se uma reprodução discursiva sobre a necessidade de proteção à região agora sob o aval científico.

4.2 CONTEXTUALIZAÇÃO URBANA DO PEST

No Município de Maricá, a Serra da Tiririca está incluída na região de expansão do município, junto às localidades de Itaipuaçu, Itaocaia e Inoã. O mesmo ocorre em Niterói, na denominada Região Oceânica e uma ínfima parte na denominada Região Leste, consideradas também como áreas de expansão do município. O Município de Niterói tem 15% de cobertura florestal; deste percentual, 90% localiza-se na Região Oceânica. A atual denominação "Região Oceânica" – RO - foi criada pelo Plano Diretor do Município em 1992, para substituir o antigo nome de Distrito de Itaipu. A RO está localizada no sudeste do Município e é compreendida por uma grande baixada cercada por serras com remanescentes de Mata Atlântica (Morro do Catumbi, Preventório, Viração, Serra Grande, Morro do Cantagalo, Morro do Jacaré e Serra da Tiririca.) que juntamente com o oceano Atlântico formam os limites da região (cf. Walverde, 2002). A RO é dividida em 7 bairros: Cafubá, Camboinhas, Itaoca, Itaipu, Jacaré, Engenho do Mato e Piratininga. A Serra da Tiririca está localizada nos bairros de Itaipu, Itacoatiara, Engenho do Mato e Várzea das Moças (Região Leste). Nesse sentido, o Parque surge na década de 1990 em meio a um crescimento imobiliário sem precedentes, acarretando um acúmulo dos problemas históricos e dos em curso. Além disso, a inexistência, na época, por parte de Niterói, de um Plano Diretor efetivamente aprovado, e, no caso de Maricá, da falta de adequação do Plano Diretor, de 1984, frente à nova realidade, contribuiram para a constituição de um cenário administrativo frágil, pouco capacitado para orientar e disciplinar o crescimento urbano na direção de um modelo compatível com o meio ambiente. O enquadramento urbano do PEST, desde 1992, de acordo com a organização territorial estabelecida pelo Plano Diretor Municipal13 (aprovado pela Lei 1.157/92) insere o Parque nas regiões de planejamento Leste e Oceânica ocupando áreas nos bairros de Várzea das Moças, 13

Apesar de aprovado em 1992, o Plano Diretor de Niterói foi elaborado no período de 1989 a 1992, na mesma época em que a sociedade reivindicava a criação do Parque

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Engenho do Mato e Itacoatiara. Ambas as regiões, vem desde a década de 1980 (principalmente a Região Oceânica conforme já relatado), apresentando o maior índice de crescimento populacional do município. Registra-se que, apenas em 1991, ano de criação do Parque, a RO já era habitada por cerca de 80 mil pessoas, configurando-se este em um dado preocupante para o entorno de um Parque. A RO compreende cinco sub-regiões, sendo que, destas, três margeiam o PEST. Inúmeros Loteamentos e Condomínios compõem as sub-regiões. Parte das áreas do PEST estão inseridas ou margeando esses loteamentos e condomínios da seguinte forma: 1) na subregião de Itaipu, o Parque tem como limite: o bairro de Itacoatiara, sobretudo junto aos condomínios Jardim Itacoatiara, Ubá Itacoatiara; o bairro de Itaipu, sobretudo junto aos loteamentos; o Loteamento Recreio da Fonte; o Loteamento Fonte de Itaipu; o Loteamento Fonte; o Loteamento Jardim da Fonte; o Loteamento Cidade Balneária de Itaipu e parte do Loteamento Maravista; 2) na Sub-região do Engenho do Mato: o Condomínio Ubá Floresta; o Loteamento Vale Feliz; o Loteamento Fazenda Engenho do Mato (Terrabrás); o Loteamento Jardim Fluminense; 3) na Região Leste, o PEST é inserido na Sub-região de Várzea das Moças da seguinte forma: o Loteamento Jardim Lisboa; o Loteamento Fazenda Monfreita; o Loteamento Monte Alegre; parte da Rua Itália e ainda grandes Glebas situadas na Estrada Velha de Maricá e Rodovia Amaral Peixoto. No Município de Maricá, o PEST é margeado pelos Distritos de Itaipuaçu e Inoã, sendo consideradas também regiões de expansão do município, atraindo a população de várias partes do Estado do Rio de Janeiro, principalmente do município do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense. O Distrito de Itaipuaçu (considerado pela municipalidade como 4º Distrito) compreende o bairro de Itaipuaçu que está inserido na maior área do PEST neste município. Desta forma, a área do PEST está iserido em áreas de loteamentos e condomínios desse bairro junto aos seguintes: Loteamento Serramar Itaipuaçu; Condomínio Floresta do Elefante; Loteamento Jardim Itaipuaçu; Loteamento Parque Itaipuaçu; Loteamento Praia Itaipuaçu. O Distrito de Inoã, (considerado pela municipalidade como 3º Distrito) compreende os bairros de Itaocaia e Inoã. No bairro de Itaocaia, o PEST se insere nos limites dos loteamento Morada das Águias.e Itaocaia Valley. Ainda no 3º distrito, no bairro de Inoã, parte da área do PEST se insere junto aos

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loteamentos Itaipuaçu Ville e Vivendas de Itaipuaçu e a uma gleba situada na Rodovia Amaral Peixoto na divisa com o município de Niterói.

4.3. COMPOSIÇÃO SÓCIO-AMBIENTAL DO PEST

4. 3.1. Descrição da Região do PEST sob o olhar da conservação.

A Mata Atlântica é considerada um conjunto de formações florestais e de ecossistemas associados que incluem a Floresta Ombrófila Densa, a Floresta Estacional Semidecidual, A Floresta Estacional Decidual, os manguezais, as restingas, os campos de altitude, os brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste. Originalmente abrangia total ou parcialmente 17 Estados brasileiros (RS, SC, PR, SP, GO, MS, RJ, MG, ES, BA, AL, SE, PB, PE, RN, CE, PI) situados ao longo da costa atlântica, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, além de parte dos Estados de Mato Grosso do Sul e Goiás. Em 1500, quando os primeiros europeus chegaram ao Brasil, a Mata Atlântica cobria 15% do território brasileiro, área equivalente a 1.306.421 km². Atualmente está reduzida a 7,84%, cerca de 102.000km² de sua cobertura florestal original. É o segundo ecossistema mais ameaçado do mundo, perdendo apenas para as quase extintas florestas da ilha de Madagascar na Costa da África. (cf. Prochnov e Schaffer, 2002, pp. 13-14). A floresta que recobre a Serra da Tiririca pertence à unidade biogeográfica Mata Atlântica, Floresta Pluvial Atlântica ou Mata Pluvial Costeira, enquadrando-se na classificação de Mata Atlântica Baixo-Montana (cf. Rizzini, 1979) com cobertura florestal constituída por mata secundária em vários estágios de regeneração. A cobertura vegetal, mesmo não possuindo em toda a extenção do Parque as características de uma formação primária de Mata Atlântica, apresenta nos trechos mais elevados porções mais significativas de mata em bom estado. Basicamente, a Serra é revestida por matas secundárias em vários estágios de sucessão, vegetação de costão rochoso e bananais e, em pequena escala, por pastagens. Embora existam poucos estudos botânicos abrangentes, acredita-se que a vegetação da Serra possua uma flora composta majoritariamente por espécies nativas da Mata Atlântica. Cabe mencionar o registro da massarandiuba (Manilkara subsericeae), palmito (Euterpe edulis), ipê-amarelo (Tabebuia

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sp), figueira da terra (Dorstenia arifolia) e o monjolo (Newtonia contorna) entre outros. A Serra da Tiririca possui como principais atributos ecológicos a Mata Atlântica, secundária em diversos estágios de regeneração; os ambientes rupestres arbustivos; o costão rochoso; a restinga; o ambiente marinho; os ambientes fluviais e os ambientes antrópicos, áreas históricas de cultivo agrícola.(cf. Grael e Pontes, 1999) . Apesar das alterações sofridas, a Serra apresenta alto grau de biodiversidade. Conforme relatado, estudos realizados pelo JB apontam a existência de aproximadamente 350 espécies, pertencentes a mais de 100 famílias vegetais, apenas na região do Alto Mourão. Destacam-se, entre os animais de maior porte, até então registrados, o jaguarundi (Felis yagouarundi), o cachorro do mato (Cerdocyon thous) e o ouriço caixeiro (Coendou sp.). Levantamentos realizados pelo Clube de Observadores de Aves (COA) já registraram mais de 130 espécies. Na enseada do Bananal, há diversas ocorrências de tartarugas marinhas. Do ponto de vista macrohidrográfico, segundo o MCE (1989), as terras abrangidas pelo Parque seguindo-se o sistema de classificação adotado pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, situam-se na unidade macrohidrográfica denominada Bacia 5 Bacia do Atlântico Sul, trecho Leste - que compreende a área de drenagem dos rios que desaguam no Atlântico Sul, entre a foz do rio São Francisco ao norte e a divisa dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, ao sul. Do ponto de vista geomorfológico, segundo o Projeto RADAM-BRASIL (1983) incluiuse a Serra da Tiririca na unidade geomorfológica de Colinas e Maciços Costeiros, caracterizada por possuir textura fraturada e dobrada e apresentar "pães de açúcar" e serras orientadas. A Serra tem embasamento de rochas formada durante a era pré-cambriana, a cerca de 680-600 milhões de anos. As elevações maiores são o alto Mourão, com 359m, a Pedra de Itaocaia, com 383m, e o Morro ou Pedra do Elefante, com uma altitude de 412 metros. Os solos são, principalmente, do tipo podzólico vermelho-amarelo álico, podzólico vermelho escuro eutrófico, solos turfosos e litossolos de pouca espessura e grande susceptibilidade à erosão. A Serra separa duas planícies sedimentares costeiras que abrigam os sistemas lagunares de Piratininga e Itaipu (Niterói) e Maricá (Maricá) Serra da Tiririca é a denominação genérica de uma cadeia montanhosa formada por pequenos morros com nomes diferentes: Catumbi, Cordovil, Telégrafo, Elefante e Costão e situa-se na divisa dos Municípios de Niterói e Maricá, já tendo sido também conhecida no

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passado como Serra de Inoã e Serra de Maricá . Nascem na Serra vários córregos e riachos, a maioria temporários, de bacias hidrográficas cujos rios principais deságuam na laguna de Itaipú, de Maricá e na Baía de Guanabara. Na laguna de Itaipu desaguam os afluentes da margem esquerda do Rio João Mendes, o Rio da Vala e o Córrego dos Colibris. Na laguna de Maricá desaguam o Rio Inoã, o Rio Itaocaia, o Rio Várzea das Moças e o Rio do Ouro, os dois últimos compõem também a Bacia do Rio Aldeia, que deságua na Baía de Guanabara, além de drenagens temporárias que desembocam diretamente no mar (cf. MCE, op. cit., p. 11).

4.3.2. Descrição da Região do PEST sob o olhar histórico.

Os primeiros registros de ocupação humana sobre a cobertura vegetal na Região da Serra da Tiririca remontam a aproximadamente oito mil anos. A datação mais antiga (7.958 anos) de material arqueológico, pesquisada nos sambaquis existentes e catalogada no Museu de Itaipu, nos dá conta da presença de caçadores-coletores na área. A vegetação da Serra da Tiririca, do Morro das Andorinhas e adjacências pela proximidade com os aldeamentos temporários, funcionou da mesma forma que as restingas, as lagoas e o mar, como fornecedor de recursos naturais indispensáveis ao dia-a-dia dos grupos assentados nas dunas das praias (Oliveira, 1993). Até o século XVI a RO era habitada pelos índios Tamoios. Estes freqüentaram, ocuparam e viveram por alguns períodos (nas suas constantes migrações) em Itaipu, Itaipuaçu, Maricá, Piratininga, Itacoatiara e Camboinhas, atraídos pelo potencial de recursos naturais disponíveis para alimentação e abrigo. Coletavam frutos, raízes silvestres, pescavam nas praias, lagoas e rios da região , coletavam conchas e moluscos, dormiam em abrigos rústicos à beira-mar, e eram lá enterrados. Por onde passavam designavam nomes para as localidades e para os acidentes geográficos,. Como, por exemplo, Itaipú - fonte das pedras -, Piratininga secagem de peixes -, Itacoatiara - pedra riscada, do tigre - etc. A RO não ficou de fora da rota da exploração do pau-brasil. Por determinação de Portugal, portugueses e seus aliados Temiminós (tribo de Araribóia) percorriam as regiões de São Francisco, Jurujuba e outras evitando as trilhas de Itaipu, Piratininga e Engenho do Mato,

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que eram percorridas e exploradas pelos franceses e seus aliados Tamoios, que realizaram intensa exploração de pau-brasil durante o século XVI na Serra da Tiririca. A madeira era escoada para a cidade do Rio de Janeiro por embarcações pela praia de Itaipú. Em meados do século XVI, um pequeno grupo de escravos africanos chegam na RO para fortalecer o incipiente trabalho agrícola das poucas propriedades existentes, sob o cuidado de portugueses. Os europeus não podiam contar com a mão de obra indígena local pela dificuldade de impor a estes o trabalho braçal. Nessa mesma época registra-se a concessão de terras na RO (sesmarias) para os jesuítas. Nesse período era possível registrar uma mosaico de raças e culturas vivendo e habitando principalmente a Região de Itaipu: índios, negros e portugueses conviviam, miscigenavam e trocavam hábitos e construíam uma cultura própria. O suporte material e cultural para sobrevivência de todos era a farta pesca na lagoa de Itaipu e no mar, a caça nas matas da Serra da Tiririca e no Morro das Andorinhas e adjacências e o incipiente comércio dos produtos agrícolas das fazendas locais através de lavouras e criação de animais. As poucas fazendas locais comercializavam farinha de mandioca, milho, aguardente e açúcar mascavo. O acesso à região era difícil. O mar bravo das praias de Itaipu, Itacoatiara e Piratininga impedia o comércio marítimo e o único acesso era através de trilhas na matas, nas serras e morros, principalmente pela (atual) estrada do Engenho do Mato. No século XVII a coroa portuguesa concedia terras aos portugueses locais em troca de alianças políticas, serviços prestados nos combates contra inimigos franceses e Tamoios, ou pela política de ocupação de Portugal com o objetivo de maior controle das imensas terras desabitadas. Registra-se no ano de 1608 que Duarte Martins Mourão, que participara de combates contra Temiminós e franceses, no cargo de Sargento-Mor, havia ganhado, conquistado e também ocupado ilegalmente, sem contestação de outros sesmeiros, enormes porções de terras que iam de Jururujuba até a lagoa de Piratininga, além da pedra de Inoã, Piiba (hoje São Gonçalo) e parte de Itaipu. Considerada a primeira família de brancos portugueses da RO, essa família, utilizando a mão de obra de alguns escravos, plantava e comercializava através das trilhas da região e de pequenas embarcações situadas em Jurujuba. Entre seus produtos encontravam-se frutas, hortaliças, algodão e ainda peixes da lagoa de Itaipu e do mar . Anos mais tarde, em 1621, seu filho Diogo Mourão obteve a posse formal dessa

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sesmaria, sendo legítimo usufrutuário das terras que se estendiam desde a barra da Lagoa de Piratininga até as proximidades da Pedra de Inoã, em Maricá (cf. Casadei, 1988). Parte das terras dessa família situavan-se na Serra da Tiririca, inclusive seu ponto mais alto, denominado Alto Mourão, advém do sobrenome destes. No final do século XVII a Região Oceânica era parcialmente e precariamente ocupada por poucos indígenas, alguns portugueses e muitos mestiços e escravos africanos. Inicía-se o plantio de cana-de-açúcar pelas poucas fazendas. A pesca ainda era a maior atividade econômica existente, praticada tanto por portugueses quanto por indígenas. A madeira, ainda abundante, era retirada das matas da Serra da Tiririca e de outras serras e utilizada na fabricação de carvão vegetal, canoas, casas e outras necessidades. Como lavoura subsidiária e de manutenção, plantava-se milho, mandioca, mamão, bananas, feijão abóbora, fumo, pimenta e hortaliças, que alimentavam os moradores da RO e eram vendidas para outros locais de Niterói e para o Rio de Janeiro, levadas através de cavalos ou mulas pelos caminhos do Engenho do Mato ou Piratininga. Apesar de possuírem o domínio de terras em Itaipu desde o início do século XVI os Jesuítas não haviam se estabelecido oficialmente no local. O trabalho de assistência religiosa realizado com os moradores locais (índios, escravos, portugueses) ocorriam eventualmente. No ano de 1716 foi construída a primeira capela de Itaipu, que foi elevada à condição de Igreja como sede da paróquia da RO, em 1721. Em 1742 já existia nas proximidades da Igreja vários barracos de pescadores indígenas, escravos africanos e portugueses. No ano de 1755, foi criada, por alvará, a Freguesia de São Sebastião de Itaipu. A Freguesia era para a RO uma espécie de Sede administrativa e religiosa, que congregava os habitantes locais chamados de fregueses: sitiantes, pescadores, pequenos negociantes, escravos africanos, indígenas . Registra-se a existência na RO, no ano de 1779, de 4 engenhos de açúcar, com alambiques para a produção de aguardente. Um desses engenhos é a fazenda conhecida mais tarde como Fazenda Engenho do Mato, porque abrangia uma grande área na Serra da Tiririca. Segundo o trabalho autoditada de Machadão, as sesmarias dos Temiminós fazia limite com a capelinha do Engenho do Mato. Nesse período teria havido a formação de um pequeno povoado, formado por portugueses, índios e escravos africanos, no local onde seria mais tarde a Fazenda Engenho do Mato. Percebe-se aí, talvez,os primeiros indícios de ocupação da Serra da Tiririca e adjacências.

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Apesar da regulamentação do corte de pau-brasil por Decreto por D. João, em 1817, nas capitanias do Espírito Santo e Rio de Janeiro, o corte ilegal e clandestino vigorou por muito tempo na RO, a Serra da Tiririca foi a grande fornecedora desta madeira de lei para uso local, regional, comercial e de abastecimento à Corte. No início do século XIX, registra-se a existência de muitas fazendas e fazendolas (sítios maiores que o padrão atual) na RO, principalmente em Itaipú, Piratinga e no Engenho do Mato. A cana-de-açúcar era intensivamente plantada na baixada e o café nas encostas, além da lavoura de subsistência. Vários viajantes como Charles Darwin, John Luccock, o Príncipe Maximiliano de WiedNeuwied e outros registraram seu fascínio pela paisagem como também relataram alguns detalhes sobre o Engenhos e fazendas da região. O Príncipe Maximiliano, em 1815, registrou sua passagem pela Serra da Tiririca e sua hospedagem na Fazenda Inoã, localizada na região hoje denominada de Inoã: Darwin pelo que tudo indica, fez a mesma trajetória alguns anos depois. Em sua viagem pela América do Sul, com a embarcação Beagle, esteve no Rio de Janeiro em 1832. A convite de um inglês para conhecer sua propriedade no norte de Cabo Frio, registrou em 8 de abril de 1832, sua passagem pela Serra da Tiririca, onde declara seu fascínio pela beleza da floresta. Aproximamo-nos agora de uma cadeia de montanhas conhecidas como Serra de Inoã. O selvático espetáculo excedeu de muito tudo quanto minha fantasia concebera sobre as grandes cenas da natureza"... Por toda parte as palmeiras e as magníficas árvores da região se entrelaçam tanto com as trepadeiras que era impossível à vista penetrar aquela muralha verdejante"... "Quando atingimos o alto da serra de Inoã, vimos acima das grandes árvores numerosos papagaios voando aos pares com grande alarido. Era o papagaio de cabeça vermelha aí chamado de camucanga ou chuá"... "e o pequeno macaco vermelho conhecido como mariquina"... Esse belo animalzinho é aí chamado de sauí-vermelho"..."Continuando a viagem, descemos a uma aprazível região campestre e passamos a noite na Fazenda Inoã. (DARWIN, s/d, p.:24)

As trilha do Engenho do Mato utilizadas por Darwin, e que cortam a Serra da Tiririca, eram as trilhas utilizadas como caminho oficial, de intensa passagem para outros municípios, principalmente para a Região dos Lagos. Darwin, relata sua passagem pela Serra da Tiririca através desse caminho, para chegar à Fazenda de Itacaia, ma região hoje conhecida como Itaocaia, distrito de Maricá, na época de propriedade do Visconde da Vila Real da Praia Grande, Caetano Pinto de Miranda Montenegro. Darwin registrou em seu diário de campo a história popularmente conhecida até os dias atuais da escrava negra que se jogou da Pedra de

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Itaocaia, ao lado da sede da fazenda, por não aceitar a privação de sua liberdade. Sua permanência por algumas horas na sede da Fazenda Itacaia foi registrada da seguinte forma: Depois de passarmos por alguns campos cultivados, entramos numa floresta, cuja magnificência não podia ser superada. Chegamos por volta de meio-dia em Itacaia; esse pequeno vilarejo fica numa planície, e, em volta da casa central, estão as choupanas dos negros. Essas, por suas formas regulares e posição, fizeram-me lembrar os desenhos das habitações dos hotentores no sul da África. Como a lua surgiu cedo, decidimos partir naquela mesma tarde para a lagoa Maricá, onde pernoitaríamos. A medida que foi escurecendo passamos sob um daqueles enormes morros de granito, íngremes e nus, tão comuns neste país. Este lugar é famoso por ter sido durante muito tempo, a morada de alguns escravos fugidos que conseguiram tirar sua subsistência do cultivo de um pequeno pedaço de terra perto do topo. Finalmente descobertos foram todos capturados por um grupo de soldados, com exceção de uma velha que, recusando-se a voltar a ser escrava, preferiu atirar-se do alto da montanha, despedaçando-se contra as pedras da base. Numa matrona romana, isso seria chamado de um nobre sentimento de liberdade, mas numa pobre negra, é apenas uma brutal obstinação. Continuamos cavalgando por algumas horas. Nas últimas milhas e estrada emaranhava-se e atravessava uma área deserta de pântanos e lagunas. A cena, à luz baça da lua, era erma. Alguns vaga-lumes voejavam perto de nós; e a solitária narceja, ao sair voando á nossa passagem, soltava seu canto melancólico. O rugido distante e sortuno do mar quebrava a quietude da noite. (DARWIN, op.cit, p. 13)

De 1890 a 1943 a região de Itaipu pertenceu ao Município de São Gonçalo. Com a reincorporação por Niterói, após o declínio da atividade agrícola, as fazendas na RO começam a se desmembrar.

4.3.2.1 A nova era: a Serra sob ameaças reais e potenciais O histórico de ocupação intensiva da região onde se insere o PEST é registrada a partir das grandes transformações ocorridas nas década de 1940 e 1950. Em ambos os municípios estas áreas, com forte tradição agrícola, foram transformadas em áreas urbanas para atender aos interesses do influente setor imobiliário. Até a década de 1940, a ocupação da área de entorno da Serra da Tiririca era voltada para o uso agrícola, realizado por pequenos sitiantes que residiam e produziam no local desde o final do século XIX. Os sítios eram inseridos em grandes fazendas produtoras de açúcar, café e outros. As maiores produtoras eram as fazendas que abrangiam a Serra da Tiririca: Fazenda Engenho do Mato, Fazenda Itaocaia e Fazenda Inoã . Esses sitiantes eram tratados como colonos pelos proprietários das grandes fazendas uma vez que suas pequenas propriedades inseridas nessas

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fazendas eram quitadas 14 mediante trabalho diário realizado. As fazendas, antes da década de 1940 eram produtoras de açúcar, cachaça, melado, cítricos, café, arroz entre outras culturas. Os sitiantes locais realizavam, além da fabricação de lenha, retirada principalmente da vegetação da Serra da Tiririca, pequena agricultura com plantio de milho, feijão, tomate, maxixe, quiabo etc. Em uma segunda fase de ocupação, ocorrida após a década de 1940, a RO se torna alvo de interesses do setor imobiliário. A escolha da região pelo setor privado foi apoiada pelo setor público, motivando-os a investir na região como área de expansão do município. Nesse sentido, para a transformação das áreas agrícolas em áreas urbanas foram providenciadas ações políticas no sentido de “devolver” a RO ao Município de Niterói, que até 1943 pertencia ao Município de São Gonçalo15. Desde então iniciou-se a conversão das terras agrícolas em lotes urbanos, transformando, de forma radical, a dinâmica e os valores locais e com grande impacto ambiental sobre os remanescentes de Mata Atlântica ainda existentes. A retalhação das terras outroras agrícolas em lotes urbanos assegurou o surgimento de uma nova política urbana municipal, configurando mudanças na estrutura fundiária, passando a vigorar na área uma política urbana em detrimento de uma política agrícola. Todavia, no final da década de 1950 e início da década de 1960, esboça-se uma reação política por parte do governo do Estado: três decretos foram editados a fim de consolidar um Plano de Ação Agrária nas terras da Fazenda do Engenho do Mato, a maior fazenda da região que margeia o PEST na face Niterói. O Plano de Ação Agrária foi uma tentativa do governo do Estado em assegurar a permanência desse pequeno grupo de sitiantes como legítimos proprietários e garantir a continuidade do processo agrícola, tendo em vista a eminente expulsão dessas comunidades pelo setor imobiliário e em particular pela Empresa Imobiliária responsável pelo loteamento da Fazenda do Engenho do Mato. A região do Engenho do Mato, (toda a área da fazenda) protagonizou os maiores conflitos fundiários da história da região. Muitos desses conflitos migraram para o PEST sem nenhuma possibilidade de resolução. Na Região de Itaipu, na década de 1940 é aprovado pela Prefeitura o primeiro parcelamento da região, O loteamento Cidade Balneária de Itaipu, cuja proprietária era a 14 15

Informação obtida através de entrevistas com sitiantes antigos da região. Hipótese defendida em tese de mestrado pelo urbanista Luis Valverde (cf. op. cit.) em 2001, na UFRJ.

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Itaipu Cia. de Desenvolvimento Territorial. Os pequenos sítios da região, produtores de hortifrutigranjeiros e grandes responsáveis pelo abastecimento de pequenos mercados e mercearias da cidade de Niterói, foram dando lugar, da mesma forma, ao grande loteamento. A partir da década de 1970, o processo de urbanização é bastante acelerado após a construção da Ponte Rio/Niterói, resultando em um processo de intensa ocupação na região. Devido a facilidade de acesso ao Rio de Janeiro, a VEPLAN – Residência Cia. de Desenvolvimento de Turismo e Territorial Itaipu - lançou um plano urbanístico para a região de Itaipu, que foi um marco histórico no processo de transformação ambiental da área. O Plano previu a realização de obras para a regularização do regime hidráulico das lagoas da região, através da fixação de sua barra por enrocamento, dragagens e aterros. Em Maricá, o processo de urbanização da região se deu em dois grandes momentos. O primeiro, ocorrido na região do PEST, na década de 1950, quando duas grandes fazendas produtoras de açúcar e melado (Fazenda Itaocaia e Fazenda Inoã) deram lugar a grandes loteamentos. Alguns dos loteamentos foram criados sobre a Serra da Tiririca, indo da baixada ao cume. O segundo momento se deu a partir da década de 1970, quando se intensifica a ocupação da região através de moradores vindos principalmente da baixada fluminense. O aumenro da densidade demográfica levou ao asfaltamento da estrada que liga Niterói a Maricá na Região de Itaipu. A transformação do uso do solo, com a submissão da região a uma nova política urbana e a eliminação da designação da região enquanto área rural, transformando inclusive o ITR em IPTU, foi, aos poucos, eliminado o caráter agrícola secular e alterando a paisagem. A tradicional extração de lenha e o plantio de subsistência na Serra da Tiririca foi dando lugar aos futuros condomínios. Outras dinâmicas de uso e ocupação passaram a surgir, da demanda e dos interesses de moradores dos centros urbanos, motivados pelo mercado imobiliário a ocupar a região. O Parque surge, portanto, e como já visto, na década de 1990 em meio a um crescimento imobiliário ainda mais vigoroso em ambos os municípios. Cabe ressaltar, tendo em vista este primeiro panorama, que as tímidas interferências políticas, traduzidas pelos decretos de 1961 e 1962, em vista de um Plano de Ação Agrária ou de uma temativa de aplicar critérios para uma Justiça Social - que, enfim, buscavam atender à realidade agrária da região, rapidamente vieram a perder espaço para a dinâmica do capital

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especulativo, que virá a modificar de forma contundente o meio de vida da população tradicional - redirecionada para a construção civil,para o serviço de apoio no comércio, para o emprego doméstico etc. Ao tempo em que há a valorização da região, tornando-se a propriedade da terra um bem especulativo, com vistas à urbanização.

4.4. SITUAÇÃO ATUAL

A consolidação do uso residencial, paralelamente à intensificação da utilização balnearia e da atividade turística nos últimos anos, constitui um dos principais fatores que propiciaram a transformação do ambiente natural em antrópico. A conjuntura econômica, associada ao elevado preço dos imóveis na cidade do Rio de Janeiro e em outros bairros de Niterói, incentivou ainda mais a ocupação da RO, em especial os balneários e as orlas lacunais, fazendo surgir vários condomínios horizontais que, de forma abrupta, contribuíram para tornar crítica a situação das Lagoas de Itaipu e Piratininga, em boa parte aterradas e loteadas, além de destruir a restinga, comprometer a pesca artesanal, expor o Sítio Arqueológico das Dunas de Itaipu e exercer grande pressão nas áreas do entorno do Parque. A pavimentação das principais vias de acesso à Região Oceânica, intensificada a partir da década de 1980, como é o caso da Avenida Everton Xavier, conhecida como Avenida Central, que dista 2km do Parque e liga a região à Rodovia Amaral Peixoto (atalho para a Região dos Lagos) e, por outro lado, a estrada que liga Niterói a Itaipuaçú, facilitou o incremento de vários condomínios e loteamentos na região de entorno do Parque. . A explícita demanda em torno da área da Serra da Tiririca, conjugada à crescente pressão do movimento ambientalista de ambos os municípios em sua defesa, instou à edição, por parte dos poderes públicos, de uma série de leis e de atos administrativos e ao surgimento de um nova etapa de relacionamento entre sociedade civil e poder público, o discurso jurídico, com a interveniência do Ministério Público.

4.4.1. Sobrevôo.

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A seqüência de fotos a seguir, tiradas em sobrevôo sobre o Parque Estadual da Serra da Tiririca, a convite do Comandante Carlos Eugênio Meireles, em fevereiro de 1995, são fruto de interesse de pesquisadora no local e serviram, inclusive, para subsidiar as ações civis públicas contra a saibreira no Morro do Cordovil e contra a Mineradora Inoã, além de municiarem o relatório para a Comunidade Européia (cf. SIMON, 1998) Por se manter muito da atualidade das imagens, justifica-se a presente inclusão, dando conta também de um avanço imobiliaário crescete sobre a mata, o que se acirrou nos últimos anos. De forma ordenada, as fotos correspondem a: .1. Saibreira no Morro do Cordovil; .2. Mineradora Inoã; 3. Avanço imobiliário no entorno do Parque; 4. Condomínio dentro do Parque; 5. Pressão dos loteamentos no entorno - lado de Niterói; 6. Pressão de loteamentos no entorno - lado de Maricá; 7. Desmatamento no topo da Serra; .8. Desmatamento isolado para plantio.

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4.4.2. Imagem de satélite.

A imagem de satélite a seguir, ao tempo em que identifica o Parque Estadual da Serra da Tiririca, permite demonstrar que atividades minerais praticadas na UC já atingem níveis preocupantes, uma vez que é possível identificar-se a Saibreira e a Mineradora Inoã pelas manchas rosadas assinaladas.

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5. APRESENTAÇÃO DOS PROTAGONISTAS, AMBIENTALISTAS VERSUS PODER PÚBLICO

Passa uma borboleta por diante de mim E pela primeira vez no Universo eu reparo Que as borboletas não têm cor nem movimento, Assim como as flores não têm perfume nem cor. A cor é que tem cor nas asas da borboleta, No movimento da borboleta o movimento é que se move, O perfume é que tem perfume no perfume da flor. A borboleta é apenas borboleta E a flor é apenas flor. (Alberto Caieiro, “O guardador de rebanhos”, XL)

5.1. DELIMITAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS Nossa leitura acerca dos conflitos sócio-ambientais focalizados no PEST teve como ponto de partida eixos distintos de análise, que, num recorte vertical, nos orientaram no decorrer da pesquisa. Uma primeira linha de investigação, procurou apresentar um breve perfil dos atores sociais participantes do conflito de forma a que se pudesse compreender suas dificuldades, suas posturas, seus valores, suas atividades e sobretudo sua organização. Uma segunda linha de investigação procurou demonstrar como esses atores se relacionam entre si, procurando identificar quais percepções uns tem dos outros, e quais cobranças, quais dificuldades e quais tensões se sobressaem entre os a gentes. Da mesma maneira, numa divisão da trajeória horizontal, será necessário pontuar dois

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momentos. Em um primeiro momento, considerado o histórico de criação do PEST, a “defesa”, a reação ou resposta ao modelo de desenvolvimento pretendido para a região levou à criação do Parque. Após as constatações dos problemas ambientais na região e na área do futuro parque, desencadeou-se uma mobilização da sociedade civil organizada, liderada pelo movimento ambientalista, que culminou na institucionalização do espaço territorial. Um segundo momento de análise se pauta após a criação do Parque, quando, antigos e novos problemas ambientais vão se configurar transmudados em conflitos em um campo de relações com antigos e novos atores sociais. A partir desse segundo momento, evidencia-se a participação mais incisiva dos dois atores sociais salientados: poder público e ambientalistas, que vão delinear a dinâmica do conflito, e, na medida em que estes forem atuando, outros atores sociais e outros conflitos serão evidenciados. Após a criação do PEST, parte do grupo envolvido com a criação é absorvido pelo poder público estatal (IEF) e, enquanto “estatal” vai agir em função do parque em outra arena política, ou seja, agora na arena pública, outros segmentos desse grande grupo de ambientalistas, continua atuando na “causa tiririca”. Dentro de um contexto ambientalista frente ao PEST, a composição social dos grupos atuantes se configura como blocos distintos; a entrada de novos grupos ambientalistas, a permanência de alguns segmentos do “grupo histórico de criação” e o bloco de entidades que compunham a “Frente em Defesa da Serra Tiririca” ou popularmente conhecida como Frente Tiririca. vai se processando em novas desavenças, rixas, e disputas políticas que fragmentarão a luta em função do Parque. No espaço social da luta pelo Parque, será possível observar as entidades da Frente Tiririca em confronto direto com esses novos grupos ambientalistas que aparecem agora unidos aos segmentos do “grupo histórico de criação”. Essas rixas e desavenças vão se transformar em disputas na composição da Comissão Pró-Parque Estadual da Serra da Tiririca (previsto pela lei de criação do parque). Tais disputas e manobras políticas engendradas por algumas entidades da “Frente Tiririca” vão marcar definitivamente um racha histórico entre este grupos. Com a institucionalização do espaço, a aplicação de novas regras de uso e apropriação dos recursos naturais e a eminente remoção social (desapropriação), levam a transformação do espaço social e histórico no campo do conflito, observa-se de um lado os diversos interesses

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sociais na utilização direta do espaço natural, de outro a luta das entidades ambientalistas para assegurar a manutenção da biodiversidade, cincunscritas agora em um “espaço público”.

5.2. A BANDEIRA DA ÉTICA AMBIENTAL

De uma forma geral, a região que compreende a área do Parque tem sido palco de diferentes conflitos sócio-ambientais. Essas lutas envolvem uma pequena, mas complexa e multifacetada rede de atores sociais que se movem em um campo marcado por antagonismos e divergências. Os principais atores deste cenário sócio-político são as entidades ambientalistas. Esta presença constante assumiu contornos específicos em cada um dos casos estudados, e é identificada tanto pela ação de grupos quanto pela ação de indivíduos não organizados formalmente. Devido ao histórico de desavenças, essas lutas não culminaram, até o momento, em uma articulação mais ampla, capaz de aglutinar as organizações diversas que atuam no Parque em torno de um projeto comum, seja buscando alternativas para o desenvolvimento local, ou na defesa de outras ecossistemas da região, embora cada entidade faça seu trabalho individualmente. Muito pelo contrário, o fórum onde parte das entidades ambientalistas veio a atuar – a Comissão Pró-Parque Estadual da Serra da Tiririca – configurado como um “fórum oficial”, na medida em que fôra previsto na lei de criação do Parque, conforme relatado, se constituiu em um campo de disputas que culminou em uma proposta de delimitação definitiva que reduz o Parque substancialmente. A proposta de delimitação definitiva do PEST elaborada pela Comissão Pró-Parque merece uma atenção especial, pois dois episódios marcam de forma definitiva o processo: a escolha dos critérios para a delimitação e a inclusão de mais um segmento de Mata Atlântica, o Morro das Andorinhas, que abriga, além de uma grande diversidade biológica, uma comunidade de pescadores tradicionais. O perfil de atuação das entidades envolvidas no conflito só pode ser compreendido no contexto da luta pelo Parque. Ao se incluir a análise do perfil destas entidades enquanto um ator específico, não há intenção em se fazer uma reconstituição específica sobre a trajetória de cada uma dessas entidades do movimento ambientalista ou de avaliar seus limites ou potencialidades, mas sim buscar elementos que possibilitem relacionar essa atuação com os conflitos sócio-ambientais e entender como a concepção da conservação materializada no

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PEST se expressa nessas lutas. O PEST apresenta ainda, na atualidade, uma série de relações conflituosas com o seu interior e com o entorno, expressas sob a forma de invasões, de crescimento urbano desordenado, de pressão pelo setor imobiliário de exploração pelas atividades minerais, de caça, de incidência de incêndios e desmatamentos por diversos atores sociais que pressionam a Serra para o uso direto dos recursos naturais. Grande parte dos problemas relacionados ocorrem tanto no município de Niterói como no município de Maricá, e são considerados “problemas” pelos atores sociais envolvidos devido a falta da regularização fundiária, o que compromete o pleno cumprimento dos objetivos da UCs. Além da ocupação efetiva, o Parque ainda conta com vários tipos de invasão e com outros problemas derivados de impedimentos jurídicos para a consecução de seus objetivos de conservação. O Instituto Estadual de Florestas – IEF, como órgão gerenciador, não conseguiu controlar estes processos ao longo dos anos, estando sujeito a diversas fragilidades institucionais e operacionais. O Parque não possui Plano de Manejo, sequer delimitação definitiva, conforme já relatado, não possui um infra-estrutura mínima e todos os programas, projetos e planos não foram concretizados Em uma lista de considerações, um dos problemas considerados chaves no processo do conflito é a questão da “inexistência” de uma delimitação definitiva e sua conseqüente demarcação física, uma vez que, a delimitação do PEST impressa na lei se configura como “área de estudo” prevendo para a delimitação oficial o processo participativo. A falta de regularização fundiária por sua vez, está intimamente ligada à incapacidade do Poder Público em implementar as desapropriações ou permutas necessárias para a efetivação do Parque. Este quadro traz como desdobramento uma situação que termina por privilegiar atividades em disparidade para com os objetivos de conservação Em uma análise retrospectiva, percebe-se que o próprio histórico da ocupação da região tem, em parte, as respostas para o considerado problema fundiário; que aliado a uma “(des)ordem” no crescimento urbano culmina em atrito com os objetivos de conservação.

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5.2.1. Disputas na militância conservacionista

A partir da criação do PEST, evidencia-se uma série de conflitos sócio-ambientais, todos protagonizados pelo movimento ambientalista e pautados no não cumprimento dos objetivos de conservação. O movimento ambientalista após a criação do Parque se configura como um fiel cobrador e a gente de pressão sobre Estado, sobretudo junto ao órgão responsável pela administração das UCs no Estado do Rio de Janeiro; o Instituto Estadual da Florestas - IEF, e sobre os a gentes privados que utilizam os recursos naturais de forma direta (empresas de exploração mineral; caçadores, plantio de culturas agrícolas e outros) ou fazem pressão através do uso do espaço (condomínios, residências, empresas imobiliárias). Esse segmento vai pressionar igualmente o poder público de ambos os municípios para a aplicação das normas de ordenamento do uso do solo e a sujeição destes aos princípios conservacionistas impressos na lei de criação do Parque, uma vez que os regulamentos mais importantes do município (Plano Diretor) estariam ainda carecendo de regulamentação, não havendo ainda disciplinado e reorientado o crescimento urbano na direção do Parque. Os conflitos são evidenciados pelo entendimento ambientalista de que a área do PEST é uma área protegida do uso direto e portanto espaço criado para a conservação da biodiversidade, dos processos ambientais, dos ecossistemas e habitats. Nesse sentido, é percebido por este segmento que o uso indireto, o não planejamento do espaço através de zonas (zonificação do território), a falta de uma delimitação física, a não desapropriação e, por conseguinte, a inexistência de um tratamento público para a questão propiciam a perda da qualidade ambiental. Estas constatações vão se chocar com a realidade histórica e atual, e, principalmente com as dificuldades do órgão gestor – IEF e sobretudo com as dificuldades relativas a “conservação” por parte de ambos os municípios. Conforme já relatado, a trajetória de criação do PEST passa pela atuação marcante do movimento ambientalista, moradores, e outros no final da década de 80. As preocupações giravam em torno da especulação imobiliária que avançava, colocando em risco os recursos hídricos, a fauna e a flora, e a qualidade de vida, uma vez que a Serra se constituía em um dos últimos fragmentos florestais de Mata Atlântica em bom estado de conservação e toda a região do entorno dependia diretamente dela para o abastecimento de água. Não haviam,

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preocupações ou conhecimento da situação fundiária e nem conhecimento aprofundado quanto à política de indenizações obrigatórias para a consumação desse tipo de UCs. O Parque, criado em 1991, carregava, portanto, em seu bojo, todos os problemas inerentes à situação fundiária, típicos de UCs brasileiras, e teve sua administração, em virtude da Lei 1901, entregue ao IEF, que em nenhum momento opinou na sua criação ou jamais elaborou sua gestão.

5.2.1.1. Comissão Pró–Parque Estadual da Serra da Tiririca: arena política Assim como praticamente todos os parques brasileiros, o PEST foi criado sem o conhecimento efetivo de seu potencial ambiental e da realidade fundiária da área proposta. Preocupados com essa situação, os ideólogos do PEST trataram de assegurar na lei de criação uma Comissão Pró-Parque de forma a garantir que cada situação fundiária fosse analisada caso a caso e assegurando para isso o processo participativo. Uma primeira Comissão chegou a ser nomeada logo após a criação do PEST, porém não chegou a efetivar um trabalho. Sucessivas instabilidades políticas e a utilização dos cargos do IEF como moeda de barganha fez com que apenas no ano de 1999 viesse a ser nomeada a Comissão, com o prazo de um ano, contado a partir do início de suas atividades – o que só ocorreu em 2000 - para apresentar seu relatório conclusivo. Prazo que acabou sendo estendido por mais um ano, encerrando-se os trabalhos apenas ao final de 2002. As desavenças que acompanharam essa Comissão são oriundas das desavenças que acabaram por dividir a Frente Tiririca. Em uma manobra política – lotando ônibus e fazendose representar por entidades civis as mais diversas -, alguns grupos da Frente Tiririca conseguiram, em 1999, assegurar as vagas da Comissão para grupos com afinidades políticas semelhantes. Seria a tentativa de fazer a Frente Tiririca sobreviver, agora através da Comissão pró-Parque. Esse episódio foi marcado por inúmeros atritos que culminaram em um racha definitivo entre as entidades atuantes na “causa Tiririca”. Disputas de todo o tipo consolidavam-se, sobretudo pela autoria da criação do Parque. A Frente Tiririca articulava folders, cartazes e principalmente a mídia de forma a vincular diretamente sua atuação à imagem do Parque. Nesse sentido, criaram-se dois grandes blocos distintos, marcando,

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definitivamente, a saída de alguns segmentos do movimento ambientalista ligados ao histórico de criação, e a união dos segmentos que permaneceram a novos grupos que surgiram atuando na questão A partir deste episódio os grupos ambientalistas se tornaram rivais e prosseguiram a luta em defesa do Parque separadamente16. Reunidos no Fórum de Justiça de Niterói em 5 de julho, os integrantes da sociedade civil organizada de Niterói e Maricá elegeram, por ampla maioria de votos, os membros da Comissão Pró-Parque Estadual da Serra da Tiririca. Formada por representantes de ONGs filiadas à frente em Defesa da Serra da Tiririca, frente que originou a proposta de criação do parque florestal, esta Comissão tem por objetivo demarcar em definitivo os limites da unidade de conservação” (Jornal A HORA, julho de 1999, . “Serra da Tiririca tem novos defensores”.)

Tais conflitos relativos à criação da Comissão se expressaram através de cartas em jornais, panfletos ofensivos, palavrórios em debates e cartas à direção do IEF. Um dos episódios mais marcantes das desavenças se deu em uma manifestação pública onde ambientalistas que se sentiram impedidos de participar da Comissão remeteram ao presidente do IEF inúmeras notas de dinheiro (artificiais) em uma alusão de que as vagas da Comissão haviam sido vendidas pelo IEF. Em um primeiro momento a Comissão era composta por inúmeras entidades governamentais e não governamentais. Apesar de paritária, o peso da composição estava na participação do movimento ambientalista. A grande quantidade de membros participantes causava morosidade no processo decisório uma vez que a constante falta de quorum e o descompromisso de alguns integrantes aliados à falta de objetividade e ao desconhecimento técnico, geográfico e social da maioria dos participantes sobre a área emperrava o trabalho que deveria estar sendo realizado. A lei de criação do Parque assegurou a coordenação da Comissão ao órgão gestor do Parque, o IEF. Durante os trabalhos da Comissão, contudo, o IEF não conseguia impor-se nem fazer entender seu papel em uma gestão participativa. Algumas das entidades ambientalistas participantes da Comissão utilizavam sua vaga na Comissão com interesses políticos, ou como símbolo de status, uma vez que parecia haver uma crença de que a participação naquele grupo seria um passaporte para a conquista de 16

Sobre esse assunto ver SIMON, Alba. Aspectos Socioambientais do Parque Estadual da Serra da Tiririca. In: Plúrima. Porto Alegre: Síntese, 2001.

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posições mais vantajosas em outros fóruns. Se, em um primeiro momento, logo após a criação do Parque, ainda na gestão de ambientalistas no IEF, que participaram da criação do Parque, havia boas relações entre esse segmento e o IEF, o mesmo não se pode afirmar sobre essa relação nos últimos anos. Conforme relatado, a politização partidária da “causa Tiririca” incrementou ainda mais as disputas em torno da vinculação da imagem de luta pelo Parque por esses grupos. Essa politização partidária de alguns grupos ambientalistas acabou por afastar outros grupos de atuação mais técnica que, após várias divergências quanto às práticas e às condutas impetradas por estes grupos partidários, considerou-as incompatíveis com uma atuação eticamente relevante.

5.2.1.2. A atuação ambientalista na delimitação oficial do PEST Os trabalhos da Comissão para a demarcação do limite definitivo não obedeceu a uma trajetória técnica. Não houve uma pesquisa, em busca de trabalhos semelhantes em outros locais do Brasil nem nada similar e os participantes demonstravam pouca experiência técnica aliada à inexistência de uma proposta elaborada pelo órgão gestor para a orientação dos trabalhos. Esse estado de coisas fez com que a iniciativa de alguns técnicos, sobretudo os representantes da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói, que haviam entrado na Comissão como suplentes, elaborassem uma proposta de delimitação, baseada em critérios urbanísticos, fruto da experiência dessa secretaria na delimitação de uma UC municipal. Esses critérios passavam pela identificação dos “fundos de lotes” e pelas reservas florestais ou rurais dos antigos e novos loteamentos e condomínios existentes no perímetro da área de estudo. Através, portanto, de uma sugestão técnica, advinda desses membros da Comissão, surgiu a proposta de anexação do Morro das Andorinhas, segmento que delimita os bairros de Itaipu e Itacoatiara e confronta com diversos pequenos condomínios e loteamentos. A idéia da anexação, segundo os mesmos, estaria em não inviabilizar os recursos já historicamente comprometidos e alocados para o Parque, advindos do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento – para o Projeto de Despoluição da Baía de Guanabara – PDBG, em fase de licitação. Segundo a explicação, com os critérios de delimitação passando pelo “fundo dos lotes”, a área original de 24Km² seria reduzida para 19 Km². Com essa redução e com a

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licitação tramitando já em fase final, a empresa vencedora teria pela frente não mais a área original licitada e sim uma área reduzida, podendo complicar ainda mais a liberação de tal verba. Nesse sentido, a inclusão de um morro imediatamente contíguo ao Parque, o Morro da Andorinhas17 (com as mesmas características ambientais) colaboraria no não impedimento do recurso, uma vez que a área original total, em Km², estaria praticamente recomposta, ainda que diferente, mas com uma diferença “para melhor” na economia estrita de questões relativas à beleza da paisagem. (...) a proposta de acrescentar o Morro das Andorinhas foi uma idéia que surgiu dentro da Comissão e se questionou a validade ou não. O primeiro questionamento da validade seria com o aumento da área do Parque e o comprometimento dos recursos que foram alocados pelo PDBG (projeto de Despoluição da Baía de Guanabara) para o Plano Diretor do Parque, pensou-se que a firma vencedora da licitação estaria vencendo uma licitação para um Parque de 24km e não um Parque de 19km2 que seria a delimitação final proposta pela Comissão. Então pensou-se que com a anexação do Morro das Andorinhas que tem 4 km2 ainda assim ficaria abaixo da anterior, então com a inclusão do Morro das Andorinhas você consegue ficar mais ou menos igual (representante do IEF na Comissão). Em linhas gerais, o que interessa ao IEF e a DCN, é ter um mínimo possível de conflito, porque a coisa mais desgastante no dia-a-dia do Parque é você gastar todo o seu tempo fiscalizando entorno, fiscalizando limites do Parque, tendo que ver se o proprietário X está fora ou está dentro. Então, eu acho que essa proposta que foi feita de olhar os loteamentos aprovados é de ter uma visão bem pragmática, de excluir do Parque aquelas áreas que já tinham sido urbanizadas e construídas, apesar de reduzir a área do Parque, de você, de repente, conseguir definir algum limite que seja respeitado também. Os critérios de delimitação partiram do pessoal mais técnico da Comissão, a Comissão decidiu criar um grupo técnico que analisou os limites e apesar das críticas de outras pessoas não terem sido convocadas ou não poderem ir juntos para o trabalho de campo, eu acho que tanto a prefeitura de Niterói quanto a de Maricá quanto o IEF que fez o trabalho de campo, acho que eles estavam bem balizados, fizeram uma coisa séria, de ver a situação lote por lote, na prática, para propor um limite que reduzisse o mínimo possível os limites do Parque. Tanto é que, às vezes, o Parque tem uns recortes assim: alguns lotes dentro, outros fora. Até na Comissão foi discutido o caso de alguns lotes onde se resolveu passar o limite do Parque para o meio do lote. Acho que esses critérios foram discutidos sim dentro do IEF no laboratório onde a nossa técnica responsável trabalha, lá tem biólogos. Eu imagino que a técnica deva ter travado discussões no laboratório de geoprocessamento, porque ela gastou muito tempo dela fazendo isso, inclusive plotanto os loteamentos no mapa básico da Tiririca. Esse trabalho serviu de base para outros trabalhos. A digitação da técnica foi utilizada no PDGB. Os critérios nasceram lá do pessoal técnico da Comissão. (representante do IEF na Comissão/ junho/2002). Achei a Comissão Pró Parque fantástica, mesmo com a demora, com todos os problemas, as divergências e as diferenças, mesmo que tenha havido tantas desavenças na instalação da Comissão. As vezes a sociedade não está preparada para participar, pois não sabe perder. Podia ser 17

É importante registrar que em 1998 a entidade ambientalista NEA – Protetores da Floresta elaborou e propôs ao Deputado Estadual Carlos Minc a apresentação do projeto de inclusão definitiva do Morro das Andorinhas ao PEST (Projeto de Lei 2555/98 – Dispõe sobre o acréscimo de área do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Tal solicitação/sugestão se perdeu na tramitação oficial, sabe-se que o processo ainda tramita na Assembléia Legislativa mas não se tem controle sobre seu paradeiro.

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mais produtivo, o tempo que se perdeu foi em função das diferenças pessoais. (membro da diretoria do IEF)

Nesse sentido, os técnicos institucionais submeteram os critérios à Comissão e realizaram um gigantesco trabalho de demarcação do Parque, incorporando áreas com baixa intensidade e eliminando as áreas que durante os 11 anos de existência foram densamente urbanizadas. Depois de acalorados debates, desavenças, e sérios desentendimentos entre os membros da Comissão, que ora discordavam dos critérios, ora discordavam das datas das reuniões, ou do trabalho de campo, que hora desconfiavam dos reais interesses dos técnicos, que ora desconfiavam dos interesses dos próprios membros da Comissão, decidiu-se favoravelmente à anexação do Morro das Andorinhas. Esse trabalho de demarcação do Parque foi feito rápido. Tudo assim, bem rápido, no limite, com prazo, as reuniões eram as vezes marcadas aqui, muitas eram adiadas, quando havia reunião apareciam umas 5 pessoas só e alguns não davam opinião, quando havia uma reunião que tinha mais gente, os que não vinham ficavam surpresos porque os outros tinham resolvido, então era mais duas horas de bate-boca... Com certeza os motivos que levaram essas entidades a participarem da Comissão, não era o Parque, a questão deles é política não há paixão pela causa. De cara você percebe que uns quatro caras ali eram políticos, você não vê envolvimento deles com o meio ambiente, eles nunca subiram a Serra ou foram pouquíssimas vezes (administrador do PEST) Eu vi essa Comissão brigando tanto, eles brigavam por coisas tão bobas, eu achava mesmo que eles não sabem nada, não são técnicos, são pessoas ligadas a ONGs que tem interesse particular.(administrador do PEST)

Por fim, foi aprovado pela Comissão a proposta de delimitação definitiva do PEST 18. Após a realização do trabalho, inúmeras críticas começaram a surgir em jornais, internet, através de discursos em público de segmentos ambientalistas que não participaram da Comissão, que atrelavam aos critérios utilizados o histórico de desavenças iniciais da criação da Comissão. Criticavam também a falta de critérios conservacionistas e a não inclusão de Áreas de Preservação Permanente e não faltaram acusações, ameaças e críticas relativas a compromissos da Comissão junto à especulação imobiliária e a interesses escusos, uma vez os critérios consideravam a existência de loteamentos e condomínios, excluindo algumas áreas de grande interesse ocupacional, densamente ocupadas. 18

A pesquisadora participou, como observadora, das cinco últimas reuniões da Comissão, chegando a acompanhar duas idas a campo para averiguar os limites a serem propostos e presenciou vários embates internos do grupo.

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Sou contrário a delimitação proposta por esta Comissão. Reduziram o Parque e retiraram áreas importantes. É um absurdo, mesmo com a inclusão do Morro das Andorinhas, o Parque ficou menor, desconheço os critérios, mas eles deveriam olhar a questão histórica, ecológica e outras (entrevista cedida por representante do movimento ambientalista não participante da Comissão). 0 problema não é só florestal, mas de ordenamento urbano, de polícia, social (técnica do IEF participante da Comissão justificando os critérios adotados para delimitação do PEST) Os participantes dessa Comissão não são legítimos representantes da sociedade civil organizada, estão lá para lutar por interesses próprios, foi uma manobra grotesca a eleição destes representantes que impediram a participação de ambientalistas históricos nesta Comissão. Os que estão aí são atrelados as imobiliárias, por isso os critérios de delimitação são urbanísticos, para favorecer a especulação. (ambientalista não participante da Comissão) . Esses recalcados ficam aí falando da gente, pode entrar com ação com o que for, nós estamos aqui religiosamente fazendo um trabalho voluntário (representante de entidade ambientalista participante da Comissão). Como eu vejo a Comissão? Eu acho sinceramente que as entidades que participam da Comissão só sabem fazer o trabalho de fiscalização, porque o trabalho de delimitação essas entidades não fizeram nada. Acho que essa Comissão não é representativa . O trabalho dos técnicos era ignorado, levávamos mapas, propostas e poucos olhavam. Na reta final eles até discutiram o trabalho, mas não como um todo era só interesse pessoal.... As pessoas da Comissão nunca discutiram a questão do Parque, acho até que elas não sabem o que é um Parque. Acho que a maioria estava lutando por interesses particulares e não pelo Parque. Eles não tinham o menor interesse pelo trabalho, não foram a uma vistoria de campo (representante da SMMA na Comissão).

O perfil das entidades ambientalistas que compuseram a Comissão muitas vezes se distinguia apenas pela atuação técnica. Registramos entidades de vários tipos: aquelas que desenvolvem estudos e pesquisas voltados para a biodiversidade do Parque, sem, contudo, deixar de lado a postura crítica em relação aos “problemas ambientais”; entidades comunitárias, constituídas por moradores e ambientalistas que buscam relacionar os problemas do Parque com os problemas da região; há ainda entidades que atuam através de atividade de lazer e educação; entidades com o perfil mais político, que atuam através de denúncias, propostas e cobranças aos órgãos governamentais e ao MP; entidades formadas por segmentos ou lideranças de partido político, que utilizam as questões do Parque como bandeira política; entidades de perfil empresarial que atuam através de financiamento de projetos; e, por último, indivíduos sem organização formal – os chamados INGs, Indivíduos Não Governamentais com forte articulação com a imprensa, internet e mídia de um modo geral, que atuam em função do Parque através da publicização de denúncias.

5.2.2. A voz do outro

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A participação na Comissão Pró-Parque de uma entidade representante de moradores de baixa renda localizada em área do PEST é digna de registro, uma vez que essa comunidade se estabeleceu na área do Parque em 1995, após a criação deste portanto, e, através do apoio de algumas entidades ambientalistas de Maricá, conseguiu sua inclusão na Comissão durante o racha no episódio da escolha das entidades. Essa comunidade estabeleceu-se em área onde registra-se um grande número de posses advindas da complexa situação fundiária da região. Desde sua criação, advinda da constatação e pressão de ambientalistas por estarem dentro de um parque estadual, a entidade vem conseguindo realizar um trabalho com os moradores locais de segurar o avanço sobre a área do Parque, pautando-se em um discurso comunitarista aos quais agrega valores ambientais. Acompanhando os critérios técnicos de demarcação, a entidade conseguiu situar sua área fora da delimitação oficial, configurando-se no único caso relativo a exclusão da área do PEST de comunidade de comunidade de baixa renda, em virtude de processo participativo. Essa atuação é digna de registro, uma vez que revela uma espécie de dívida social latente nos discursos dos grupos que se faziam representar na Comissão, independente das razões elencadas pela comunidade, uma vez que os ambientalistas envolvidos com o Parque jamais conseguiram envolver outros segmentos sociais, principalmente de baixa renda, em suas discussões. Vale destacar a fala da representante dessa comunidade: Nossa participação na história da Tiririca começou quando eu trabalhava de empregada doméstica na casa de uma ambientalista que atuava no Parque. Todo dia eu ouvia ela falar chateada sobre desmatamento, caça, retirada de invasores e outras coisas. Um dia percebi que o lugar que eu morava fazia parte dessa tal da Tiririca. Perguntei pra ela, então, como fazia para gente não ser retirado de lá. Ela disse que era só a gente não tirar um pé de pau, fazer nada que prejudicasse o Parque, e que, mesmo assim, ela achava que a gente no futuro não ia poder continuar morando lá. Foi então que ela disse que nós tínhamos que nos organizar, criar uma associação, fazer estatuto e tudo mais. Hoje em dia nós nos orgulhamos de dizer que nesses 8 anos de existência nossa comunidade não cresceu, não avançou mais pra dentro da área do Parque. Esse trabalho de convencimento aos vizinhos é muito duro. As pessoas querem morar, os filhos casam. Eu e um grupo pequeno é que procuramos conversar com os moradores da comunidade, mostrar que a preservação é importante, que essa riqueza chamada natureza é uma benção de Deus e que é melhor termos macaquinho como vizinho, do que uma favela cheia de traficante. Não é fácil esse trabalho, pois o retorno é muito difícil, a vida das pessoas não melhoram (representante comunitária de entidade que participa da Comissão Pró Parque) .

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Os ambientalistas estão junto com a gente só quando a gente não mexe no ambiente, quando isso acontece eles se tornam nossos inimigos (idem)

Parte das explicações acima está no perfil dos grupos que atuam junto ao Parque, os quais, para um observador distinto, pouco se diferenciam, mesmo quanto a forma de atuação, possuindo um discurso muito similar, a despeito de auto-imagem que geram uns em relações aos outros, pretendendo diferenças abissais. Importa registrar ainda uma reunião ocorrida na sede de uma escola pública no entorno do Parque, em agosto de 2002, com a presença do poder público municipal de Niterói, do IEF, da sociedade civil e do movimento ambientalista, onde, pela primeira vez, estiveram presentes publicamente todos esses atores. A referida reunião foi marcada por desavenças e discussões, os atores sociais faziam suas colocações de acordo com suas percepções quanto ao PEST. Foi quando a fala de um morador, líder comunitário, de baixa renda, pertencente a uma pequena ocupação imersa no Parque, e que, extraordinariamente, sabendo da reunião, resolvera vir participar, afirmou o direito de continuar residindo no local sem ter que submeter-se à desapropriação. O referido morador chamava todos para a realidade baseado em sua experiência: Não tem que tirar ninguém, tem que deixar ficar na casa dele, pois dinheiro não é nada! Se ele tiver que sair, mesmo com dinheiro, ele vai invadir outros lugar! Aquele pessoal do “mangueirão” vai ter que ficar! Favelado também é gente! (morador de baixa renda residente em área do Parque, maio/2002)

5.2.3. A produção de informação, de saber científico e de documentação jurídica.

5.2.3.1. A produção do conhecimento científico. . Desde a criação do PEST, algumas entidades realizam inúmeros trabalhos voluntários atuando intensamente na elaboração de projetos, propostas, planos, trabalhos científicos epareceres técnicos, além de efetuarem plantio de mudas de espécies nativas, principalmente nas áreas mais degradas do Parque, mobilizando centenas de pessoas para estes e outros trabalhos de educação ambiental. Em uma postura vigilante, sempre encaminham denúncias

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através de relatórios minuciosos, elaborados durante as visitas educativas. Além de elaboração e colocação de placas educativas, fazem trabalhos de limpeza e manutenção das principais trilhas do Parque, além de realização de palestras em escolas, universidades e etc. Registra-se uma entidade ambientalista responsável por pesquisas realizadas em parceria com a UERJ/FFP que identificou mais de 500 espécies da flora do Parque. Essa entidade vem realizando também exaustivas pesquisas sobre a fauna, contando, entre outros, com a participação do biólogo Jorge Antônio Pontes, cujos trabalhos científicos serviram de embasamento científico para a criação do Parque. O grupo realiza ainda um trabalho de campo voltado para a identificação e posterior mapeamento de todos os córregos e rios existentes no Parque. Um pesquisador do Museu Nacional e morador do Parque (sitiante), com fortes ligações com o grupo, foi responsável pela identificação de uma nova espécie de bromélia, a Vrisea costae, endêmica da Pedra do Costão (área do Parque). Tal identificação ganhou importância internacional, sendo divulgada em revistas especializadas e em congressos internacionais. Apresentamos, a seguir, uma listagem geral com todos os projetos e trabalhos científicos, realizados ou em andamento, elaborados por Instituições Não Governamentais ou por pessoas físicas para o PEST e arquivados no IEF. Projetos: •Levantamento Florístico do Parque Estadual da Serra da Tiririca - Núcleo de Estudos Ambientais - (NEA) Protetores da Floresta e Universidade Estadual de Rio de Janeiro- UERJ. - aprovado pelo IEF; •Projeto de Revitalização de Trilhas do Parque Estadual da Serra da Tiririca Protetores da Floresta, Projeto Ecoando, SOS Lagos em parceria com a UERJ - FFP (DCIEN). Já apresentado ao IEF. Estão buscando verba. •Serra da Tiririca: Uma proposta de Educação Ambiental para as Comunidades do Entorno do Parque. Subprojeto: Resgate da Cultura Popular através da Utilização de Plantas Medicinais. Subprojeto: Reconhecimento do Espaço Geográfico da Serra da Tiririca. Protetores da Floresta. Projeto escrito e registrado, ainda não apresentado ao IEF.

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•Projeto de Revitalização de Trilhas do Alto Mourão - Jorge Lourenço Pontes. Apresentado ao FUNBIO - Fundo de Biodiversidade. - projeto incorporado pelo IEF. •Proposta de Implantação de viveiro de espécies nativas para reflorestamento em áreas do Parque Estadual da Serra da Tiririca - Colégio Paulo Freire - Sob coordenação do NEA - Protetores da Floresta. Ainda não implantado nem apresentado ao IEF. •Projetos de Educação Ambiental com a Rede Pública de Ensino - Conscientização sobre o Parque Estadual da Serra da Tiririca - MEI - Movimento Ecológico de Itaipuaçú, Secretaria de Educação de Maricá, Regina Rabelo - desde 1996. Apresentado informalmente ao IEF. •Projeto para realização de Curso de Treinamento na Mata - Projeto idealizado pelo Protetores da Floresta para ser realizado junto ao Batalhão Florestal e Corpo de Bombeiros. Projeto escrito e registrado mas ainda não apresentado ao IEF. Trabalhos Científicos: •Morcegos: Heróis ou vilões. Parque estadual da Serra da Tiririca. - Sylvia Ceppas Teixeira, Paulo Roberto A. de Mello Affonso e Maria Rita de Cáscia Barreto Netto (acadêmicos de Medicina Veterinária da UFF) - s/d.

•Avaliação Ambiental do Parque Estadual da Serra da Tiririca, RJ/Brasil - Ana Angélica Monteiro de Barros e Eduardo Sícole Soane - s/d. • Mapeamento através de imagem de satélite voltado para a ocupação urbana do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Monografia apresentada ao Departamento de Geociências - UFF Leonardo Friedl. Orientador: Ivan Pires. Apresentado ao IEF - s/d. •Levantamento Florístico do Morro das Andorinhas - Itaipu - Niterói- Ronaldo de Oliveira Fernandes e Doroti Vasconcelos - Consultoria elaborada para VEPLAN - Residência. 1986. •Programa de Implantação do Parque Estadual da Serra da Tiririca. 2º versão. Movimento Cidadania Ecológica. Paulo Bidegain Primo - 1989. •Levantamento Florístico do Alto Mourão - Jardim Botânico do Rio de Janeiro Pesquisadores: Regina Andreata e Rosana Lopes - 1989.

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•Serra da Tiririca, RJ. Necessidade de Conservação (1º contribuição). Bol. FBCN, Rio de Janeiro: Jorge Antônio Lorenço Pontes - 1989. •Levantamento Preliminar dos Quirópteros do Parque Estadual da Serra da Tiririca, RJ. - Monografia - Universidade Federal do Rio de Janeiro.- Silvia Teixeira - 1993. •Considerações sobre os hábitos alimentares do quirópteros do Parque Estadual da Serra da Tiririca, RJ. In: Congresso Brasileiro de Zoologia - Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro. - 1994. Silvia Teixeira e outros. •Levantamento Preliminar dos Quirópteros (Mammalia microchiroptera) do Parque Estadual da Serra da Tiririca, RJ .In: Congressos Brasileiro de Zoologia, Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro. - 1994. Silvia Teixeira e outros. •Padrão de Atividades de População de Morcegos (Mammalia. chiroptera) do Parque Estadual da Serra da Tiririca, RJ. In: Congresso de Ecologia do Brasil - Manejo de Ecossistemas e Mudanças Globais - Brasília, Universidade de Brasília. - 1996 Apresentação do mesmo trabalho no Congresso Latino Americano de Ecologia - Mérida, Venezuela - 1995 Silvia Teixeira e outros. •Plano de Conservação e Interpretação Ambiental da Trilha do Alto Mourão, Parque Estadual da Serra da Tiririca. Axel Schimidt Grael, Alberto Henrrique Veiga Nunes, Cláudio Nogueira Resende, Jorge Antônio Lorenço Pontes. Apresentado no IV Congresso de Defesa Ambiental - UFRJ / Clube de Engenharia - 1996 •Quirópteros do Parque Estadual da Serra da Tiririca, RJ. In: Congresso Brasileiro de Zoologia. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - 1996. .

5.2.3.2. A interação com as escolas do entorno Apesar da diversidade de escolas particulares e públicas (Estadual e Municipal) no entorno, não há da parte do IEF ou da Secretaria de Educação ou das Secretarias de Meio Ambiente de ambos os municípios, programas, projetos ou planos voltados para o Parque no que tange à Educação Ambiental e ao natural aproveitamento do PEST nesse mister. As

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poucas iniciativas existentes partiram de ONGs ambientalistas, que desenvolvem trabalhos de conscientização através de palestras, caminhadas, vídeos, plantios de mudas etc. Existe, de forma episódica e percentualmente pouco significativa, a abordagem do Parque, por parte de professores simpatizantes à temática ambiental, enquanto valor para a conscientização do meio ambiente e, de forma ainda mais restrita, visitas esporádicas à trilhas acessíveis, como a Trilha do Bananal em Itacoatiara. O maior destaque seria para um movimento ambientalista de Itaipuaçú que desenvolve, há quatro anos, trabalhos com escolas municipais através da Secretaria de Educação de Maricá, colaborando com a aproximação entre o poder público e comunidade, além de efetuarem trabalhos de educação ambiental em escolas públicas, com a criação de hortos comunitários com mudas de espécies nativas e posterior plantio, assim como projetos de geração de renda junto às comunidades de dentro do Parque e do entorno A relação das escolas existentes no entorno do Parque é a seguinte: ¾ Em Niterói: A) Escolas públicas: Colégio Estadual Alcina Rodrigues19 - Itaipú

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A autora particpou no ano de 2000, então enquanto estudante da pós-graduação lato sensu em Planejamento Ambiental (PGPA) da Universidade Federal Fluminense, de trabalho (nunca concluído) proposto por ela a um grupo, no âmbito de uma disciplina, para avaliar o conhecimento dos alunos da rede pública em relação ao PEST e a sua imortância, tendo ficado responsável, em uma divisão de tarefas, pela enquete junto à Escola Estadual Alcina Rodrigues. A Escola Estadual Alcina Rodrigues foi escolhida em função da proximidade ao PEST (500m aproximadamente), além de ser uma das maiores e mais antigas da região. Foram distribuídos 86 questionários na turma da manhã. Analisando as respostas dos questionários, foi possível observar que: A maioria dos entrevistados tem menos de 18 anos, faixa etária entre (15 a 18); A natureza é vista como um bem divino por 60,7%; Àrea natural protegida é uma área protegida pelo governo 42,9%; Os entrevistados não fazem “uso” algum da serra 70%; 69% dos alunos já ouviu falar da Serra da Tiririca; A informação chegou através da escola para 27,4%; 54,8% disse saber que a Tiririca é um Parque; Para 28,6% dos alunos, o IBAMA é o responsável pelo Parque: 36,9% acham que o referido órgão deveria cuidar do Parque. Algumas observações merecem comentários destacados: 1 – Na questão relativa ao “uso que fazem da serra” foi possível observar que o item passeio foi entendido como passagem, passar em frente, sendo assim, este foi apontado como maior uso. 2 – A questão do local de residência e tempo de residência não foi significativo para traçar a relação da Escola com a serra/parque. Foi observado que a questão mais importante é o tempo que o aluno estuda na escola e o tempo de administração da Diretora, pois o interesse em questão é verificar a relação da escola com o parque.

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Escola Estadual Fagundes Varella - Engenho do Mato CIEP (Estadual) - Rui Frazão - Engenho do Mato Creche Municipal Olga Benário - Engenho do Mato Escola Estadual Ceci Coutinho- Várzea das Moças CIEP (Estadual) - Djanira Machado - Várzea das Moças Escola Estadual Souza Soares - Várzea das Moças - (divisa com Maricá) B) Escolas particulares: Colégio Cenecista Athaíde Parreiras - Itaipú Colégio Paulo Freire - Engenho do Mato Escola Tia Socorro - Engenho do Mato ¾ Em Maricá: A) Escolas públicas: Escola Municipal João Monteiro - Recanto de Itaipuaçú Escola Municipal Ataliba - Jardim Atlântico Escola Municipal Rita S. Cartaxo - Itaocaia B) Escolas particulares: Escola Recantinho - Recanto - Itaipuaçú Colégio Atlântico - Jardim Atlântico Escola Fazendinha - Jardim Atlântico Especificamente sobre a escola, observou-se que, de um modo geral, todos (diretora, professores e alunos) têm um grande interesse pelas questões ambientais, e em especial pelo Parque. Apesar do interesse, se sentem desestimulados pela falta de conhecimentos técnicos, pela precária estrutura da escola e pela ausência de apoio institucional por parte da Coordenadoria Regional. Foi possível observar também que não há relação da escola com os órgãos públicos que atuam na área de meio ambiente, principalmente o IEF. Neste sentido, é interessante mencionar que, em 1994, a escola abrigou provisoriamente a sede do Parque Estadual da Serra da Tiririca – IEF, tendo desenvolvido trabalhos de conscientização junto aos alunos, colaborando inclusive com a criação de uma entidade ambientalista que chegou a desenvolver trabalhos na lagoa de Itaipú (localizada atrás da escola). Todavia, atualmente, o grupo não se mobiliza mais pelas questões ambientais, incorporando outras temas como as questões relativas às drogas e à violência.

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Centro Educacional de Itaipuaçú - Jardim Atlântico As Escolas Estaduais Elisiário Matta e Dr. João Gomes Matos Sobrinho foram incluídas na relação apesar de não estarem literalmente no entorno do PEST, por congregarem a maior parte dos estudantes de Maricá e por serem estratégicas no cenário político da cidade.

5.2.3.3. A produção da informação: a imprensa local

O PEST é inserido em área urbana, e, portanto, a população local tem hábitos urbanos. A maioria esmagadora assiste aos canais de TV convencionais: Globo, Bandeirantes, SBT etc. A TV a cabo NET chegou na região a cerca de dois anos e é a mais frequente das TVs por assinatura, havenndo, inclusive, se instalado um estúdio de TV que atende ao canal comunitário justamente em um haras localizado na Estrafa do vai-e-Vem, antiga trilha oficial para Maricá, percorrida por Darwin. Em Maricá, apesar de existir um canal próprio de TV, TV Barra Leste, esta não tem alcance na região do entorno do Parque. Quanto às rádios, além das convencionais há ainda rádios-comunitárias que, no caso de Itaipuaçú, têm bom alcance (Rádio do Recanto). Em Niterói não existe, atualmente, rádio comunitária que abranja os moradores do entorno do Parque. Todavia, no Engenho do Mato, por exemplo, volta e meia, sobretudo na época de festas, se utiliza o recurso de ligar um amplificador a um aparelho da Associação de Moradores, permitindo que se ouça na pracinha o som de uma rádio convencional, entremeada, entretanto, por anúncios locais mixados por um operador. Outro recurso, largamente utilizado, é o de divulgar uma notícia - bailes, festas, promoções etc. através de um aparelho com amplificador atado a uma bicicleta que percorre todo o bairro e periferias durante todo o dia, demonstrando-se como um meio de comunicação eficaz. Quanto à imprensa escrita, além dos jornais tradicionais, existem jornais de bairros, que são amplamente distribuídos e de forma gratuita, garantindo, portanto, boa penetração entre os moradores, sobretudo os de classe média, visto que o índice de analfabetismo e semialfabetização é muito grande. São os seguintes, os principais jornais locais:

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¾ Em Niterói: • Folha de Niterói. • Jornal dos Shoppings. • Guia da Região Oceânica. • Revista Cais. • Revista Hiato. • Jornal de Icaraí. • Jornal LIG. • Olho Vivo. ¾ Em Maricá: •Jornal de Maricá. •Jornal Outras Palavras. •Jornal Informativo Outras Palavras. •Jornal Onda de Itaipuaçú. •Jornal O Atlântico. •Jornal A Hora. •Jornal Correio da Cidade. A participação da mídia em todos os assuntos relativos ao PEST é fruto das articulações das entidades que através de um trabalho bem articulado conseguem divulgar o PEST para toda a sociedade. O resultado dessa articulação é expresso em número de visitantes. Hoje o PEST começa a se tornar mais conhecido nacionalmente, recebendo inúmeros grupos de caminhada, visitantes, estudantes e pesquisadores. Registra-se na Internet mais de 12 páginas relativas ao PEST advindas de várias entidades, principalmente da UERJ. As principais preocupações da imprensa relativas ao Parque, estão centradas em críticas ao poder público estadual – em especial o IEF - e municipal. Nesse sentido, ambientalistas e poder público estadual e municipal travam inúmeras batalhas nas páginas dos jornais, que geralmente, ainda que por vezes de forma implicita, assumem o tom conservacionista adaptado ao fait divers jornalístico..

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5.2.3.4. Procedimentos em curso junto ao Ministério Público Estadual Todas as denúncias visando motivar ações civis públicas em razão do PEST foram propostas pelas diversas entidades e indivíduos que ali atuam. Algumas destas entidades foram responsáveis pela elaboração de laudos técnicos considerados fundamentais para subsidiar ações, sindicâncias e inquéritos civis relativos ao Parque. •Inquérito Civil n.º 24/95 (apenso IC 36/00, IC 05/02, ACP NEA Protetores da Floresta) - Sobre Implantação do Parque Estadual da Serra da Tiririca e Averiguação da Omissão do Instituto Estadual de Florestas.ACP sobre Delimitação do Parque Estadual da Serra da Tiririca. •Inquérito Civil n.º 10/97 - Sobre Extração de Brita dentro do Parque Estadual da Serra da Tiririca e solicitação de interdição da Empresa Mineradora Inoã.. •Inquérito Civil n.º 01/98 - Sobre a extração de saibro dentro do PEST e Solicitação de interdição da Empresa Fernandes e Oliveira - Saibreira e Materiais de Construção Ltda. Inquérito Civil 18/99 (Apenso: IC 36/01) – Construção de pre’dio tipo flat em Itacoatiara: entorno da Lagoa de Itaipu e da Serra da Tiririca (Itacoatiara Flat Service) pela Mattos e Mattos Construtora. •Sindicância 26/99 – Cercamento na Serra da Tiririca •Inquérito Civil n.º 02/00 – Extração de saibro pela Empresa de mineração Jean de Mouliac, em Várzea das Moças •Inquérito Civil 15/00 – Conflito entre Colônio de Pescadores Z-7 e trabalhadores. •Inquérito Civil 31/00 – Atuação de “grileiros”em encostas •Inquérito Civil 15/01 – Parcelamento do solo de área de preservação permanebte em Várzea das Moças. •Sindicância 10/01 – Denúncia cobrando ausência de Plano de Manejo nas Unidades de Conservação •Sindicância 08/02 – Dano ambiental ao rio João Mendes. •Sindicância 09/02 – Degradação ambiental na Serra da Tiririca.

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•Sindicância 31/02 – Degradação ambiental em Itacoatiara Como se pode notar, o MP tem primado por atuar na fase procedimental, isto é, em evitar a Ação Civil Pública - ACP, provavelmente em função de seu maior poder de articulação enquanto mediador de conflitos na fase inquisitorial. Apenas uma ACP foi registrada, o caso Fazendinha (cf. Capítulo 6.2.) de iniciativa do MP em relação ao entorno do PEST, o qual, em função de reestrutura administrativa interna, não consta do acervo ambiental mas do de cidadania. Todavia, é importante assinalar também que uma das ações civis públicas mais instigante sob o ponto de vista da realidade da conservação materializada no PEST diz respeito a uma ação impetrada pela entidade ambientalista NEA – Protetores da Floresta na sexta vara civil que pretendia obrigar ao Estado do Rio de Janeiro a delimitar o PEST conforme sua área original datada de 1991. Trata-se da única ACP ambiental no município de Niterói impetrada por ONG, atuando o MP apenas como fiscal. A ação constituiu um verdadeiro paradoxo, ou mesmo um curto-circuito nas relações de poderes instituídos do Estado e respectivos conflitos de competência, uma vez que pretendia, através do Judiciário promover a ação do Legislativo em aprovar a delimitação do Parque, com vistas a impor ao Administrativo uma norma de conduta, qual seja a obrigatoriedade da gestão ambiental. A sentença, na audiência conciliatória, encerrou a questão mandando remeter ao legislativo, através do gabinete da então governadotra Benedita da Silva, a delimitação proposta pela Comissão Pró-Parque, de forma a apresentar-se projeto de lei, com pedido de urgência. Assim foi feito, mas vieram as eleições, mudou-se o governo e, efetivamente, nada se realizou até o momento.

5.2.4 - Principais preocupações percebidas pelas entidades ambientalistas junto ao PEST

Sem pretender-se uma hierarquização, a listagem das principais preocupações percebidas pelos grupos ambientalistas relativos ao PEST foram elaboradas a partir de entrevistas com alguns segmentos destas entidades, além de observações em reuniões públicas, em palestras, reuniões da Comissão Pró-Parque e outros eventos ocorridos durante a pesquisa.. São eles:

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•Necessidade de conscientização da população do entorno para a importância do Parque. •Falta de um Plano Diretor. •Precariedade do órgão gestor – IEF, resultando em ineficiência da fiscalização, falta de recursos humanos, financeiros, ausência de decisão política sobre os problemas ambientais. • Invasões em áreas do Parque e crescimento desordenado do entorno. • Pressão imobiliária por força política, exercida por empresas do setor imobiliário e por proprietários dos lotes e residências na área do PEST • Atividades lesivas ainda existentes na área do Parque: exploração mineral incompatível com os objetivos do Parque,. • Ausência de compromisso dos poderes públicos municipais, em especial das secretarias de Meio Ambiente de ambos os municípios, que culminam em autorização para as construções em áreas de preservação. Inadequação das legislações municipais com a legislação do Parque. • Situação fundiária: desconhecimento da situação fundiária local por parte do Poder Público; • Inexistência de uma delimitação definitiva para oficialização do perímetro do Parque. • Ausência de Integração entre os a gentes: necessidade de sintonia entre os órgãos públicos atinentes ao SISNAMA; necessidade de melhor relacionamento com a sociedade civil organizada e com o setor privado; necessidade de programas voltados para esclarecimento, junto à população, dos objetivos do Parque.

5..3. BREVE PERFIL DO ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELA ADMINISTRAÇÃO DO PEST:

No Estado do Rio de Janeiro a questão ambiental se revela especialmente complexa, uma vez que o Estado se configura como um dos grandes pólos industriais do país e, ao mesmo tempo, abriga ainda 5% de uma parcela significativa de Mata Atlântica. A maioria dessa parcela se encontra fragmentada e protegida sob a forma de UCs. Historicamente, o setor ambiental do Estado esteve submisso às políticas e projetos engendrados pelos diversos dirigentes que ocuparam a máquina

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pública. As conseqüências daí advindas apareceram sob a forma de insuficiência de verbas e na burocracia e lentidão na consecução de políticas públicas face à rapidez dos processos de degradação ambiental.

Segundo Nogueira (2000, p. 482), a avaliação das políticas públicas e das metodologias de gestão no setor ambiental de um modo geral, tem apontado para as opções pela privatização dos espaços públicos, pelo desmonte e descentralização do Estado e pela evidência de que as políticas e ações governamentais não avançam na mesma velocidade que os avanços técnico-científicos no que se refere à proteção ambiental. A gestão de UCs criadas pelo Estado do Rio de Janeiro é de responsabilidade direta do IEF, o qual é originário de uma subdivisão da Secretaria Estadual de Agricultura em 1986, e é parte integrante da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável SEMADS20, além da FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente e SERLA – Secretaria Estadual de Recursos Hídrico, e do DRM – Departamento de Recursos Minerais. A administração das UCs estão dividiads entre FEEMA e IEF, as UCs de desenvolvimento sustentável, principalmente as APAs ficam sob administração da FEEMA e as de Porteção Integral com o IEF. Nesse sentido, o IEF administra as 12 Unidades de Conservação de Proteção Integral do Estado do Rio de Janeiro: 7 Parques Estaduais; 3 Reservas Biológicas, 1 Reserva Ecológica e 1 Reserva Florestal, Responsável por essas 12 UCs de proteção integral, com pouca autonomia financeira e a drástica redução de investimentos como parte do histórico de precariedade do Estado, o IEF se desenvolveu sem um desenvolvimento organizacional. Sua estrutura operacional carece de planejamento, sosobrando ao sabor das vontades políticas efêmeras, o que repercute na falta de infra-estrutura geral para as UCs, sem prioridade na destinação de recursos humanos ou financeiros.. O IEF possui a seguinte composição:

Presidência

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Diretoria de Conservação da Natureza



Diretoria de Desenvolvimento Fl l

Divisão de Fiscalização

Divisão de Economia e Controle Florestal

⇓ Divisão de Pesquisa e Tecnologia

⇓ Divisão de Unidades de Conservação

Diretoria de Administração e Finanças



Divisão de Educação Ambiental



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⇓ Divisão de Reflorestamento

⇓ PEST

A Diretoria de Conservação da Natureza - DCN, através da Divisão de Unidades de Conservação DUC, é a responsável pela administração do PEST. A DUC que, a priori, é responsável pela administração das UCs estaduais, conta com uma pequena equipe técnica, e não possui pessoal administrativo. A questão da decisão política inerente aos cargos dos dirigentes de órgãos públicos tem sido outro fator de entrave para as UCs e em especial para os Parques. O IEF, no correr de 16 anos de existência, teve 11 administradores que procuraram trazer ou criar suas próprias equipes, transformando o Instituto em um rodízio de prioridades, planos e projetos, o que contribuiu negativamente no que tange à consolidação de um perfil de atuação. Essa situação 20

Durante a realização da pesquisa tinha esse nome e essa sigla, após 2003, com as mudanças políticas e eleição de novos gestores públicos passou a ser denominada – Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano - SEMADUR

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de “troca-troca” de dirigentes acabou por se refletir junto às UCs, principalmente nos parques, que acabaram sendo encarados como cargos de inserção política local, muitas vezes utilizados pata pagamento de “dívidas” políticas, dando posse à diretores e administradores completamente desvinculados da temática ambiental, e que utilizavam o catgo como “trampolim”. Desses 11 presidentes ao longo da história, quantos que você pode considerar que foram mesmo presidente do IEF? Quais tinham realmente compromisso? Esse é o resultado da postura de recolhimento que o IEF sempre teve, por isso não tem uma política mais agressiva. Sabe qual é o reflexo? O IEF não tem política de recursos humanos. O que adianta se um funcionário não sabe o que ele significa para a sociedade, ou para o órgão? Isso se reflete nos Parques. A quantidade de indicações políticas que a gente tem para os parques é uma coisa trágica. Tivemos que engolir uma indicação política para um parque nosso, esse cara nunca foi ao Parque, não sabe nem como chegar lá, a indicação dele foi fruto de um acordo com o governador, o cara tem uma pousada em Búzios e não tem tempo para o Parque.” (membro da diretoria do IEF) “Quanto ao futuro administrador do PEST, eu sinceramente não sei quem ele é, apesar de estar subordinado a minha diretoria eu não o conheço, só sei que ele foi indicado por inúmeras ONGs e o presidente do IEF acatou” (idem)

No início da década de 1990, chega à direção do IEF um segmento do movimento ambientalista de Niterói. Essa participação, como visto, foi o resultado direto da partidarização política de parte dos segmentos do movimento ambientalista de Niterói que atuou na criação do PEST.. A entrada no cenário político-administrativo de parte desses ambientalistas coincide com a criação do Parque e com os primeiros desafios para sua implementação e gestão. Contando com um contexto político desfavorável, com uma infra-estrutura precária, escassos recursos e força política incipiente do IEF frente às prioridades do Estado aliado ao esvaziamento técnico e à inexistência de concurso publico, as ações desse grupo culminam em uma letargia na implementação das estratégias estabelecidas para o PEST. Ao mesmo tempo que driblavam as dificuldades, começam a surgir oposições à administração do IEF advindas de novos grupos e novos atores sociais ambientalistas envolvidos com o Parque. A tônica dessa oposição era, ainda, a do enfrentamento do Estado enquanto metonímia de um controle político maniqueísta. Tratava-se de denunciar, de forma permanente, pretensos desmandos, em busca de um perfil da máquina pública recheado de falcatruas e corrupções em todos os seus escalões. No fundo, em busca de uma assepsia ideológica, patrocinando uma espécie de discurso moralista, algo infantil, que propugnava a

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futura vitória revolucionária da democracia. Nesse período assume a direção do Parque uma ambientalista ligada a outras lutas ambientais na cidade e que enfrenta diversas dificuldades para gerir o Parque, devido a esse contexto político-institucional desfavorável. As ações iniciadas pela administração ambientalista em pouco tempo conseguem barrar as inúmeras pressões advindas de dentro e do entorno da unidade, Sem infra-estrutura mínima, sem veículos, sede própria ou qualquer recurso, todo o esforço de gestão do Parque se reverte para um trabalho de fiscalização pontual. Além de enfrentar as dificuldades inerentes à precarização institucional, a gestão do PEST se depara com segmentos da Frente Tiririca, cuja oposição ferrenha chegou a configurar entraves para a continuidade da administração. Desde sua criação até os dias atuais, o PEST teve quatro administradores, todos indicados ou apoiados pelo movimento ambientalistas de Niterói. Todavia, também todas as administrações foram consideradas insatisfatórias pelo próprio movimento ambientalista que as indicou, uma vez que a pressão sobre a área do Parque aumentava significativamente e o Estado respondia com tímidas reações. Os administradores do Parque nunca receberam capacitação técnica para o cargo. Toda e qualquer dificuldade operacional ou administrativa, típica de UCs, tais como articulação comunitária, entendimento jurídico, levantamentos de recursos, articulação institucional e outros, eram resolvidas na base do improviso, Eu nunca fui capacitado para a função de administrador de Parque, nuca fiz um curso, não houve investimento do IEF, nuca soube quais seriam minhas funções... quando comecei como administrador dei de cara com uma pilha de processos e fiquei nervoso....(administrador do PEST)

Os administradores sempre trabalharam de forma individual, sem equipe ou infraestrutura adequada, e sempre imersos em problemas fundiários e de infra-estrutura interna. Eu achava que iria trabalhar dentro do Parque com alguns problemas de questão fundiária, mas não com esse volume de problemas, porque aqui é só isso, e você não tem tempo para nada porque não tem pessoas suficiente para trabalhar. Eu mesmo passo o tempo todo respondendo processo e lidando com questão fundiária, com processos que estão a 10 anos para serem resolvidos e não foram, Não são coisas tão difíceis assim. O negócio é o seguinte, se não resolver esses problemas que se arrastam. Não adianta ter sede, não adianta botar pessoas para trabalhar, tem que resolver esses processos relativos a questão fundiária, tem que demarcar o Parque, saber o que é do Estado e o que é do município. As pessoas pagam impostos e o IEF fica falando que a decisão é dele, que o cara pode até pagar IPTU mas não vai poder fazer nada! Fica parecendo que não há interesse do poder público em resolver esses problemas cruciais e que geram problemas para ele próprio (administrador do PEST) .

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Eu não tenho poder para resolver nada, a base da criação do Parque é capenga.... Eu vejo o Parque como uma coisa confusa, fica parecendo que quem está aqui não faz nada...(administrador do PEST)

A Equipe do Parque é composta (de 2000 a janeiro de 2003) pelo administrador (cargo de confiança) e 3 funcionários. O Parque dispõe de um veículo em precárias condições de uso e funcionamento para atender a demanda. Uma vez por semana a equipe do Parque recebe reforço da fiscalização do IEF-Central que, também, atende emergências de outras unidades. Ou seja, três funcionários e um cargo de confiança (que pode ser um “laranja” político) para fiscalizar uma área de 24 Km2 com a topografia descrita, com mata fechada e picos etc. Sem comentar o fato de que, por não existir sede própria, a administração do PEST se aloja junto ao Clube de Engenheiros (AFEA) ocupando uma minúscula sala desprovida de computadores, telefone, mesas e etc. Esse verdadeiro estado de calamidade, se torna ainda mais grave, quando se acrescenta o fato de que o valor das remunerações percebidas pelos funcionários oscila em torno de R$ 450,00 e o disputado cargo de confiança para a administração do PEST pagava cerca de R$ 700,00; ou seja, algo em torno de $ 120,00 mensais para os funcionários e $ 200,00 para o administrador, remunerações bastante distantes dos patamares dos PNs americanos que chegam a pagar $ 150.000 anuais para a mesma função. Vale dizer, qualquer subsetor de qualquer das empresas imobiliárias que fazem pressão sobre o entorno do PEST remunera muitoi mais e oferece melhores condições de trabalho. Uma alternativa, dentro da política de busca de investimentos para suprir os cortes orçamentários drásticos, é contar com parcerias e financiamentos internacionais para a implantação de projetos de conservação da natureza. No caso do PEST, nenhum dos investimentos previstos, advindos desse tipo de articulação se concretizou. Inexiste uma política florestal no Estado eficaz. Essa política florestal não é só uma política de conservação, tem que ser uma política de fomento também. O IEF nasceu mal parido, ele pegou borras de outras instituições, tem um erro histórico apesar de ter um papel fundamental” Eu acho que o grande problema, e aí eu acho que foi um erro do IEF, foi nesse tempo todo ter abandonado não só a Tiririca mas também os outros parques. Era necessário um conceito de implantação que fosse menos personalista e talvez até um pouco mais simples, mas que de fato desse uma infra-estrutura mínima para ele ser administrado. (julho/2002/Diretor do IEF).

Devido ao histórico, às intensas disputas entre as ONGs que atuam em defesa do PEST e a freqüente pressão que estas exercem sobre o IEF e prefeituras locais, o Parque é encarado

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pela administração do IEF como um Parque problemático. O PEST, conforme relatado, assim como as demais UCs estaduais, não possuem orçamento próprio. Eventualmente, por iniciativa e esforço de alguns gestores, consegue-se incluir o PEST em verbas de macro-projetos do governo do Estado. Para mim, as maiores dificuldades estão no entendimento que a administração central do IEF tem sobre o Parque, pois quem está sentado atrás de uma mesa e distante do Parque não tem idéia das dificuldades cotidianas. Outra questão é não ter recurso mínimo para o Parque, a coisa não é descentralizada. Aqui tudo se faz com o nosso dinheiro: revelar filme, comprar lâmpada, uma xerox de emergência. Tudo isso é reflexo de um emperramento administrativo, falta de indepedência do IEF (Funcionário do Parque)

Podem-se citar, então, os recursos para o PEST advindos do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara - PDBG, em 1993. Nesse sentido, a administração oriunda do movimento ambientalista envidou esforços para incluir o Parque no escopo dos Projetos Ambientais Complementares do PDBG. A identificação da integração de alguns córregos e rios importantes da Serra da Tiririca com a bacia da Baía de Guanabara foi a estratégia construída pelos ambientalistas do IEF que conseguiram, assim, captar algum recurso. Todavia, apesar do esforço, os recursos persistem até o momento, e passada uma década, presos no emaranhado burocrático conjunto do governo estadual, governo federal, e sua fonte, o BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento. A partir de 2001, com o retorno de parte dessa geração à Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Rio, outra estratégia administrativa na busca de alternativas de recursos orçamentários foi encaminhada: as medidas compensatórias e os Termos de Compromisso Ambiental foram, dessa feita, estratégias de sucesso. Desta forma, foi destinada ao PEST, uma verba de R$ 400.000,00, originados de um Termo de Compromisso Ambiental, firmado entre a SEMADS - Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e a Petrobrás/REDUC, em 2000, visando a compensação financeira advinda do passivo ambiental da empresa . Os recursos foram destinados para a construção de duas guaritas de apoio nas duas principais trilhas turísticas do Parque, além de contratação de seis a gentes comunitários para fiscalização e orientação ao visitante. Originalmente, foi prevista também a implantação da trilha do Alto Mourão. Essas obras produziriam as primeiras benfeitorias e infra-estrutura próprias do Parque. Contudo, parecendo o estigma de um cenário kafikaniano, com a mudança de administração do IEF em meados de 2002, esses recursos se perderam novamente no

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emaranhado burocrático, devido a novas estratégias de gerenciamento e fiscalização de recursos adotado pelo governo na época. Essa estratégia acabou por inviabilizar novamente os escassos recursos para o PEST. Enfim, ressalte-se ainda a destinação de um veículo, oriundo de um Ajustamento de Conduta, resultado da proposição de uma ACP impetrada por entidade ambientalista e mediada pelo MP, o qual nunca foi chegou. .

5.3.1. Projetos atuais e futuros

A título de ilustração apresentamos abaixo um breve levantamento de recursos, projetos e programas anunciados ou previstos para o Parque, desde 1999, mas que também ainda não se concretizaram em termos práticos. - Projeto de Revitalização do PEST: aprovado pelo FECAM - Fundo Estadual de Controle Ambiental, verba em torno de R$ 80.000,00 (não liberada até a presente data). Ações previstas: Levantamento Fundiário, Material de Escritório, Infra-estrutura de materiais (placas, arame, pá etc.), 1 Veículo. - Aquisição de uma sede definitiva: Verba do PDBG - Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, em torno de R$ 170.000,00. - Elaboração de um Programa de Combate a Incêndios Florestais - Construção de um posto de prevenção, com alojamentos para abrigar efetivos do Batalhão Florestal e do Corpo de Bombeiros, que funcionaria durante a época de seca (inverno) combatendo incêndios e, durante o verão, funcionaria como abrigo para salva-vidas. O programa incluía um aspecto educacional, com elaboração de folhetos informativos para participação da sociedade e localização de áreas degradadas para reflorestamento. - Projeto de Agrossilvicultura, utilizando o bananal já existente e plantas ornamentais junto aos pequenos produtores que residem na área do Parque. O projeto ainda está em fase de elaboração e previra a construção de um viveiro de mudas em área pública e capacitação dos produtores. - Elaboração de estudos de capacidade de carga das trilhas do Parque, visando o controle do número efetivo de visitação pública no Parque.

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- Planos para estabelecimento dos limites definitivos e demarcação física através de mourões com marcos geo referenciados de 50 em 50 metros. - Planos para recuperação de pequenas áreas degradadas, através do plantio de mudas de espécies nativas.

5.3.2. Principais dificuldades da administração

Até os dias atuais, o PEST não obteve um processo de gestão participativa oficial. Os esforços do órgão gestor se limitam à fiscalização. Nesse sentido, através de entrevistas com cinco gestores do Instituto Estadual de Florestas listou-se as principais dificuldades percebidas pelas diferentes administração do PEST nos últimos dez anos: -

Ausência de demarcação definitiva que imponha ao IEF limites de atuação, comprometendo a visualização do Parque por parte da sociedade e dos poderes públicos locais.

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Dificuldades em lidar com a questão fundiária, uma vez que não há orientação política, recursos financeiros, apoio interno, infra-estrutura, conhecimento da situação fundiária local nem definição dos limites do Parque.

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Dificuldades no relacionamento com as prefeituras, que não visualizam nem respeitam o PEST e aprovam obras, condomínios etc.

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Falta de diálogo e entrosamento com as entidades que atuam no PEST

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Inexistência de trabalhos relativos à conscientização ou educação ambiental

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Incapacidade de lidar com as pressões políticas de proprietários de terras no interior do PEST, o que implica em uma necessidade de verba ainda maior, que possibilitasse as desapropriações.

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Inexistência de placas ou informações oficiais do IEF.

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Falta de credibilidade, de apoio e de prioridade por parte da administração central do IEF

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Falta de pessoal, recursos humanos, material de trabalho, capacitação profissional e de veículos.

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Crença por parte da sociedade na ineficiência do IEF.

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Ausência de planos, metas, projetos, planejamento. Não há processo de gestão, somente fiscalização.

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Falta de poder de barganha da administração do PEST face ao poder político-econômico.

5.3.3. Breve perfil dos poderes públicos dos municípios atinentes ao PEST: Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói e Secretaria de Obras e Meio Ambiente de Maricá. A SMMA de Niterói foi criada no final de 1996 com objetivos amplos, porém não de todo definidos. Em 1998, através da lei 1640/98, foi criada a Política Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, o Sistema Municipal de Meio Ambiente - SIMMAM - e o Conselho Municipal de Meio Ambiente, que evidenciaram melhor suas atribuições. A Secretaria, em sua origem, subdividia-se em duas diretorias técnicas, a de Fiscalização e Controle e a Diretoria de Recursos Naturais. Durante a gestão analisada, subdividia-se, em caráter informal, em uma Diretoria de Fiscalização e Controle, uma Diretoria de Administração e uma Coordenadoria de Educação Ambiental, e criou-se ainda uma Subsecretaria, com caráter mais técnico, voltada para o planejamento, estando entre suas responsabilidades projetos de arborização, gestão das UCs e o zoneamento do município. Não há verba destinada para Ucs municipais e nem qualquer projeto, plano ou previsões de ações conjuntas relativas ao PEST. O zoneamento da APA das Lagunas e Florestas do Município, onde se inclui o Parque, foi paralisado em 2002, logo na realização do primeiro módulo, devido a desentendimentos ocorridos entre a SMMA e os representantes do Conselho Gestor das Lagoas de Itaipu e Piratininga. Em 1998 a SMMA chegara a manter uma funcionária exclusivamente voltada à fiscalização junto ao PEST. Curioso observar, então, que a referida funcionária era uma ambientalista pertencente ao movimento de criação do Parque. Sua atuação junto à Secretaria é digna de registro uma vez que esse episódio se constitui na única “parceria” existente entre o IEF e esta Secretaria, apesar se considerar a atuação desta ambientalista como fato isolado, mesmo porque, em função de projetos políticos emergentes, durante sua “estadia” na Secretaria atuou com o mesmo perfil de militante.

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Apesar de não ser gestora do Parque, a SMMA tem algumas de suas responsabilidades ligadas a ele por ser gestora das políticas públicas de meio ambiente do município, atuando em seu entorno e conforme o SIMMAM. O Plano Diretor do Município, instituído em 1992, após a criação do PEST, já previra a ocupação do entorno do Parque, criando critérios restritivos para a região. No entanto, a falta de regulamentação do Plano Diretor através do Plano Urbanístico - PUR, rendeu inúmeros prejuízos ao PEST, devido exatamente à falta de regulamentação destes critérios que acabaram por adensar ainda mais o entorno. Além disso, parte da área do PEST foi considerada pelo Plano Diretor como área urbana, constituindo-se em verdadeiro conflito de competências institucional e político. Além disso e apesar dos assuntos relativos ao meio ambiente e ao urbanismo propriamente ditos estarem sob o âmbito de uma única Secretaria, e, portanto, sob a administração da SMMA, a realidade é que todos os processos relativos ao parcelamento do solo ou acréscimo de construção em áreas no entorno ou mesmo dentro do Parque eram de exclusividade da Subsecretaria de Urbanismo, que não submetia essas autorizações à Subsecretaria de Meio Ambiente e, muito menos ao IEF. Em meados de 2002, após os conflitos evidenciados na área do Parque envolvendo autorizações do Secretário e com a entrada em cena do Ministério Público (conforme Capítulo 6.2)., as autorizações ou licenças passaram a ser submetidas ao IEF. A partir daí, criaram-se procedimentos administrativos entre ambas as instituições que minimizaram os impactos na área do Parque e a SMMA não autorizou mais obras ou acréscimos na região 21. No Município de Maricá, o órgão executor das políticas de meio ambiente é a Secretaria de Obras e Meio Ambiente que, através da Diretoria de Meio Ambiente, exerce todas as funções relativas a uma secretaria. Até dezembro de 2000, a equipe técnica da Diretoria era composta pelo Diretor e por dois fiscais que atuavam tanto nas questões ambientais como nas de posturas, ou seja, nas questões urbanas. A Diretoria não possuia projetos específicos para o PEST, mas procurava atender às denúncias relativas ao Parque, encontrando potenciais dificuldades em sua ação efetiva, 21

No início de 2003, a Secretaria foi dividida em duas : Secretaria de Urbanismo e Secretaria de Meio Ambiente se constituindo novamente em ponto de preocupação quanto aos procedimentos administrativos para liberaçào de obras no entorno do PEST.

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sobretudo pela conjugação do fato de o mesmo não encontrar-se ainda delimitado e de a administração municipal, de forma especial, transitar entre as situações fundiária e a urbanística. Todos os processos relativos a desmembramentos, ampliações ee construções de residências familiares passam por um Conselho Urbanístico para sua aprovação ou não. Este Conselho não possui obrigatoriamente, na sua composição, representantes da Diretoria de Meio Ambiente. A atual Comissão não tem representantes da Diretoria, ocasionando assim, paradoxalmente, um total desconhecimento por parte da mesma sobre novas residências ou aumento das já existentes em loteamentos dentro do Parque. Da mesma maneira, os processos relativos à implantação de loteamentos ou condomínios podem ou não passar pela Diretoria, ficando a critério do Conselho, pois não há mecanismos jurídicos que obriguem a ouvi-la. Como exemplo deste fato tem-se o Condomínio Itaipuaçú Ville, aprovado em 1998, que possui 20% dos lotes dentro do área do Parque e que foi aprovado sem o conhecimento da Diretoria de Meio Ambiente Portanto, especificamente, restaria à esta Diretoria tão só a ação fiscalizatória, praticamente inócua, pois só ocorre depois de consumada a infração. Em Maricá, o Plano de Desenvolvimento Urbano foi elaborado em 1984, passando a ser considerado Plano Diretor no início da década de 1990. Foram definidos como áreas de uso residencial todos os bairros que margeiam o Parque, criando-se a seguinte subdivisão: Zona Residencial 2 - Z2, Zona Residencial 3 - Z3, e Zona Residencial 4 - Z4. As classificações numéricas dizem respeito a restrições quanto a taxa de ocupação. Para as Z2 e Z4 projetaram-se residências unifamiliares com taxa de ocupação permitida em 40%, e, na Z3, com taxa de ocupação permitida em 60%, valendo para lotes acima de 2.000m2. A cota definida para essas Zonas variam de 50 a 100 m2.

5.3.4. Interrelacionamento entre poderes públicos estadual e municipal

A relações inter-institucional analisadas aqui se referem ao Parque e portanto, carecem de uma análise mais apurada nesses 11 anos de existência do Parque. As consecutivas mudanças nas administrações estaduais e municipais trouxeram

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morosidade e falta de prioridade para as questões do Parque. Por outro lado, a falta de iniciativa, integração e diálogo entre os poderes públicos locais e o Estado, foram decisivas para a permanência de um quadro desfuncional que é a realidade do PEST desde que foi criado. Todavia, devido justamente ao constante rodízio político nas diferentes administrações, nem sempre comprometidas com a questão ambiental. As relações inter institucionais ocorrem de maneira informal e dependem das boas relações políticas e pessoais estabelecidas entre os gestores. Inexistem, formalmente, parcerias, convênios ou contratos entre as instituições. Por sua vez, as instituições de Meio Ambiente de ambos os municípios têm mostrado dificuldade em lidar com a demanda, pressões e mesmo com a administração do Estado. Ou seja, pela atribuição da tutela do PEST à esfera estadual, há dificuldades em entender o Parque como patrimônio também municipal, a despeito da atribuição ambiental concorrente Essa questão de Parques em áreas urbanas é muito complicado, uma vez que tem muita legislação no país, inclusive resoluções no CONAMA que foram tiradas ou tomadas para serem aplicadas em lugares como a Amazônia e que servem para o Brasil inteiro. Tem muita coisa errada em termos de legislação no país, e o administrador público tem que cumprir a lei. Só que as pressões urbanas locais são significativas, são as pressões que mudam a leis. (fevereiro/2002 – Secretario Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói)

Essas e outras dificuldades de ordem política não fazem do PEST uma prioridade em suas agendas. Esse desconforto quanto a questão da administração estadual se traduz em perda de autonomia, as vezes confundida com perda de soberania: Essa história de entorno do Parque da Tiririca é complicada. Como o Estado vai legislar na área do município? Se não está preparado para implantar o Parque cria APP que ninguém mexe. A prefeitura cobrou IPTU corretamente porque antes não era Parque. O Parque tem que ser uma área pública, o Estado pode incluir o que quiser a mais nesta área , mas tem que pagar, indenizar! (coordenadora do Grupo de Políticas Urbanas da Prefeitura de Niterói, maio 2002)

No entendimento do município de Niterói por exemplo, a Prefeitura “leva a fama” de autorizar as construções no entorno e na área do Parque, mas o IEF não é cobrado pela ineficiente fiscalização, não havendo o mesmo peso nas cobranças. Nesse sentido, para a prefeitura fica o ônus para o IEF bônus. As relações inter-institucionais são marcadas pela pontualidade das questões. Não existem planejamentos ou propostas conjuntas que relacionem os poderes públicos federal, estadual e municipais com o IEF e vice-versa. A falta de um planejamento participativo,

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envolvendo os órgãos das instâncias públicas citadas, vem trazendo prejuízos para o Parque, cujo exemplo mais concreto é o caso da Mineradora Inoã. A falta de integração entre SMMA e administração do PEST rendeu gastos públicos, prejuízos ambientais e ausência de soluções conjuntas e definitivas para a questão.. O caso do conflito Fazendinha (cf. capítulo 6.2.) é emblemático nesses sentido, uma vez que uma única autorização do próprio secretário municipal foi a responsável pela destruição de uma área significativa de Mata Atlântica no interior do PEST, sem consulta ao IEF. As consecutivas mudanças nas administrações estaduais e municipais trouxeram morosidade e falta de prioridade para as questões do Parque. Dessa forma inexiste convênios ou qualquer documento formal estabelecendo parceria ou colaboração na gestão do PEST, os trabalhos de fiscalização são pontuais e são realizados de acordos com as pressões exercidas pela sociedade e principalmente pelo movimento ambientalista. Por outro lado, a falta de iniciativa, integração e diálogo entre os poderes públicos locais e o Estado, foram decisivas para a permanência de um quadro desfuncional que é a realidade do PEST desde que foi criado, devido justamente ao constante rodízio político nas diferentes administrações, nem sempre comprometidas com a questão ambiental. Por outro lado, a municipalidade a esta época primava por apresentar um marketing polítco ecologicamente simpático, ressaltando a qualidade de vida da cidade. O conceito de qualidade de vida, contudo, restava algo nebuloso, parecendo se traduzir antes em políticas de acesso ao consumo, em expansão de condomínios e na promoção de um turismo predatório e a transformação da RO em um balneário urbano, em especial junto às praias de Itaipu, Camboinhas e Piratininga. “O condomínio parece um mistério para não falar outro tipo de palavra. As coisas são aprovadas sem a gente tomar ciência. O Condomínio Ubá Floresta está 90% dentro do Parque. Como é que isso foi aprovado? Quem aprovou? Quem assinou? Eu não vi documento algum, ninguém viu! Mesmo sendo de 1987, as construções foram realizada aos poucos, constroi-se até hoje! O Estado não teve competência para pagar as pessoas, não teve força. A prefeitura fica parecendo que é conivente, para ela só importa os impostos. Quanto mais plantas e projetos vierem será dinheiro em caixa. De um ano pra cá que ela está ouvindo mais a administração do Parque. O que fez eles terem mais respeito ao IEF foi o escândalo da autorização municipal para o desmatamento na Fazendinha. Eu tenho um documento onde o secretário aprova a abertura de rua lá dentro. Eu tentei ter reunião com ele mas ele nunca podia me atender, estava sempre em reunião, até que ameacei não voltar mais, aí ele resolveu me atender porque soube que eu estava com todos os documentos, havia imprensa em cima, promotoria e tudo mais” (Administrador do Parque)

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A atuação, ou melhor dizendo, a falta de atuação dos municípios atinentes ao Parque sempre foi considerado um assunto problemático na visão do IEF. As políticas de ordenamento do solo e os interesses políticos que sempre vigoraram na região, fizeram com que os relacionamentos fossem difíceis. Com relação à Diretoria de Meio Ambiente de Maricá, também não se estabeleceram relações de trabalho ou cooperação, apesar dos esforços das municipalidades para a doação da sede definitiva. As instituições desconhecem as dificuldades uma da outra. Segundo a atual administração municipal, não há o aprovação de obras ou parcelamentos em área dentro do Parque sem consulta ao IEF. A não visualização do PEST enquanto investimento e oportunidade por parte das prefeituras locais e sim como caldeirão de problemas e sinbolo de um limite de atuação (perda de autonomia), tem gerado a falta de uma legislação urbana específica que não permita o adensamento do entorno (no caso de Niterói, a aprovação do PUR). Por outro lado, a histórica precariedade do Estado na questão da infra-estrutura e prioridades necessárias para atendimento às UCs, ocasionando falta de recursos humanos e financeiros para implantação de projetos, planos, fiscalização, e até das sedes administrativas constituem os grandes entraves para os objetivos de conservação.

5.4. INTERRELACIONAMENTO DOS ATORES: AMBIENTALISTAS CONTRA OS ÓGÃOS PÚBLICOS O movimento ambientalista atuante no PEST surge como grupo de interesse, pressionando constantemente o Estado a atender demandas que não são reconhecidas como reinvidicação de parcela significativa da sociedade. Sua base de legitimação é técnicocientífico-política. A relações que se estabelecem entre este segmento e o Estado, na figura do IEF são pautadas em cobrança por ação. O entendimento de que os recursos naturais formam parte do domínio social e que sua escassez diz respeito a direitos sobre qualidade de vida, tornam tensas as relações entre ambos os segmentos.. É preciso para paralisar as atividades que degradam o Parque. Há um desentrosamento do governo frente à questão coletiva. O Estado defende interesses econômicos! Resgatar o direito a

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vida é obrigar o Estado a respeitar a Tiririca. O meio ambiente preservado é futuro garantido, passa pelos direitos garantidos, é fazer as leis serem cumpridas! (ambientalista discursando em evento)

Ao mesmo tempo que há um entendimento de que o Estado deve fazer o seu dever constitucional, há concomitantemente o entendimento de que aquele patrimônio não diz respeito ao Estado, e sim à sociedade, a qual, na incapacidade legal e administrativa de assumir a gestão, precisa, então, submeter-se ao Estado. A verdade é que em nenhum Parque o administrador administra. Quem está ao lado da preservação é a sociedade civil. Não há gestão do Parque. Ou a sociedade civil assume essa responsabilidade de preservar seu patrimônio ou delega aos órgãos incompetentes” (ambientalista não organizado formalmente)

A articulação do segmento ambientalista através da mídia e da internet, gerando e controlando as informações se configura como uma nova fonte de poder. Nesse sentido, a mobilização para a “causa Tiririca “ se desloca do cenário local e atravessa as fronteiras de sua inserção física se transformando-se em símbolo ou imagem, consolidando-se através de um discurso fractual. Os interesses ambientalistas se tornam “verdade” na medida em que já se predispõe a uma retórica dos eternos “descasos" governamentais”, articulando de forma a gerar uma opinião pública favorável e se transformando num novo campo de luta para os conflitos sócio-ambientais . Quando entrou-se com o pedido de ação civil pública em 1995, iniciou-se uma série de ações de mobilização através da mídia, foi isso que deu visibilidade a nossa questão (ambientalista). O fogo que atinge a Serra da Tiririca, desde a madrugada de hoje, poderia ser evitado. Desde que o Parque da Serra da Tiririca foi criado, em novembro de 1991, a Frente em Defesa da Serra da Tiririca vem denunciando seu abandono.. Se acabasse a inoperância, a impunidade, que permite até a atuação de uma pedreira em sua área, e se o dinheiro destinado ao Parque fosse aplicado como deve, fatos como esse não estariam acontecendo”. (julho/2000 - ambientalista membro da Frente Tiririca, por internet)

De uma forma geral não há relação de parcerias entre o IEF e as entidades ambientalistas atuantes. Pelo contrário, há um afastamento, há desconfiança e um certo desconhecimento mútuo dos projetos. Apesar de ter existido alguma expectativa de manutenção de diálogo e participação efetiva da sociedade organizada na gestão do Parque, quando assumiu a presidência do IEF um representante oriundo do movimento ambientalista

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e, portanto, conhecedor dos problemas e comprometido com as questões ambientais, houve, ao mesmo tempo, uma frustração, na medida em que as entidades perceberam poucas mudanças na gestão do Parque. Os problemas históricos continuaram sendo visualizados pelas entidades, Entre os quais o mais grave consistia na não demarcação definitiva do Parque. Curioso observar que a responsabilidade da demarcação é de alguma forma depositada nas entidades ambientalistas. O próprio órgão gestor do Parque parece, nesse sentido, se conformar e se submeter às decisões dessa Comissão Pró-Parque. Contudo, ao mesmo tempo que ocorre esta submissão, há, também, uma atitude de atribuir às disputas e rixas internas da Comissão a demora da demarcação definitiva. A demora para a demarcação foi por causa da incompetência de todo mundo, a prova clara ficou nessa Comissão Pró-Parque, que foi um fiasco. Eles demoraram esse tempo todo, parece que brigaram várias vezes, eu mesmo presenciei briga aqui por questões irrelevantes. Não conseguem ver nada de forma prática, sempre de forma pessoal e também partidário, porque a maioria aí é do PT e aí tem as facções do PT. Eles não tem técnica, não tem postura. ( ) O maior problema das Unidades de Conservação não é a sustentabilidade econômica, pois a unidade por si só, se não houver invasão etc., ela sobrevive, independente se tem uma sede, vigia etc. O principal é a questão política. Existe o presidente do órgão, o secretário e o governador, e, de acordo com sua teia política engendrada lá, ele vai favorecer esse ou aquele grupo”.(membro do grupo idealizador do PEST) .

Por outro lado, a relação do IEF com os ambientalistas se estabelece no limite da tolerância, uma vez que os próprios gestores admitem a pouca infra-estrutura e prioridade dado ao Parque e entendem a pressão como legítima mas desconfiam das reais intenções desse segmento. Acho que o Parque Estadual da Serra da Tiririca é um vulcão de vaidades. Tem muita gente que quer ser o herói da Tiririca, quer virar nome de rua, de praça, tomara que a história desmascare esses caras No início a mobilização pela Tiririca era feita por um grupo, hoje em dia existem um grande número de ONGs que a gente não sabe se é ONG, ou quais são os interesses, mas que chamam a discussão o Parque” ” ( Julho de 2002/ Diretor do IEF).

Devido às históricas pressões das entidades sobre o IEF, percebe-se uma postura de submissão deste ao movimento ambientalista atuante na Tiririca, como se o Parque pertencesse às ONGs e ao Estado somente o dever de fiscalizá-lo, e não o de geri-lo. Junto aos poderes públicos municipais, as relações são, o mais das vezes, de distanciamento e pautadas em desconfianças. No caso de Niterói, algumas ONGs consideram

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a Prefeitura mantenedora de estreitas relações com a especulação imobiliária e consideram a Secretaria de Meio Ambiente distanciada e descompromissada com os assuntos do Parque. Citam a falta de transparência como impedimento da boa relação. O PEST sofre com as ações das próprias prefeituras que o contornam, são elas que detonam o Parque.(ambientalista representante da Comissão Pró Parque, agosto/2002)

Com relação ao poder público municipal de Maricá, as entidades, de um modo geral, são distanciadas do cenário político e desconhecem as propostas e ações da Diretoria de Meio Ambiente.

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6. CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS Porque o único sentido oculto das cousas É elas não terem sentido oculto nenhum, É mais estranho do que todas as estranhezas E do que os sonhos de todos os poetas E os pensamentos de todos os filósofos, Que as cousas sejam realmente o que parecem ser E não haja nada que compreender. (Alberto Caieiro, “O guardador de rebanhos”, XXXIX, 8-14)

Para uma melhor compreensão da ação dramática local, em especial frente ao conceito de conflito que viemos buscando construir, selecionamos alguns casos emblemáticos, capazes de configurar momentos diferenciados nos embates sócio-ambientais. Nesse recorte, levamos em consideração duas grandes questões: a primeira delas foi a noção de território privado e sua reclassificação como área de interesse comum. Desse modo, todos os casos analisados espelham esse estranhamento e, por vezes, mesmo uma indignação, seja do empresário, seja da população local, pela alteração dos valores, avaliados num primeiro momento como descricionários em relação à perspectiva micrológica do observador, que se sente prejudicado por uma espécie de alteração das regras do jogo durante o próprio jogo. A segunda questão considerada diz respeito à própria noção intermediária do conceito de conflito sócioambiental, espécie que não se confunde com o gênero conflito social, nem tampouco com a espécie litígio judicial, conforme manifesto pela sistemática demanda de atuação do MP, junto a qual é gênero.

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6.1. O CASO DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS Desde a criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca, a luta pelo cumprimento dos objetivos de conservação tem gerado constrangimentos a um pequeno grupo de sitiantes tradicionais e seus descenndentes que habitam a região desde o início do século XIX. As tensões decorrentes da superposição existente entre as áreas desse segmento e a área do Parque envolvem um histórico de pressões que teve início na década de 1950 quando a antiga fazenda do Engenho do Mato, grande produtora de açúcar, foi vendida para a Empresa Comercial Terrabrás. Para que se possa compreender melhor o contexto destes episódios, julga-se necessário resgatar, alguns elementos que permitam situar, com maior precisão, a configuração do espaço no decorrer dos anos em torno dos quais se estruturam estes conflitos. A localidade conhecida como Engenho do Mato foi oficializada com esse nome por Joaquim Fróes da Cunha, que era proprietário da “Fazendinha de Itaipu” (produtora de café e outros artigos) comprada no final do século XVIII. Mais tarde, a propriedade será denominada de Fazenda Engenho do Mato. Com a implantação de um engenho para produção de açúcar, café, aguardente e derivados, elevou-se a localidade à condição de grande produtora. Secadores e pátios de café marcaram definitivamente a passagem do ciclo do café nesta região. Encontra-se ainda na Serra da Tiririca vestígios desta época através de mudas de café nas matas, secadores de café no Vale Feliz e na Pedra Grande, no caminho de Várzea das Moças. Com a venda da fazenda em 1905 para Lindolpho de Paula Antunes conhecido pelos antigos moradores como Chico Paulo, iniciam-se melhorias ou investimentos na região, com a abertura da estrada do Engenho do Mato, antes (cf. Capítulo 4) apenas um caminho de terra estreito entre a vegetação cerrada. Com mudanças na produção agrícola, acompanhando as tendências econômicas do país, a fazenda passa a plantar cana-de-açúcar e a transformar o espaço agrário, mudando o local de plantio das encostas para a baixada. O pequeno povoado da região era basicamente composto por pequenos colonos que ocupavam as terras, que eram passadas de pai para filho, muito embora essas terras estivessem localizadas dentro da Fazenda do Engenho do Mato, portanto de propriedade de um sóm caracterizando um sistema oligárquico. Entre 1928 e 1933, o que se contituiria em mais um episódio da venda da fazenda vai

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se transformar em uma mudança radical de rumo, uma vez que os antigos sitiantes mantém viva a memória desse episódio, dando grande conotação ao que eles consideram o fim da melhor fase do Engenho do Mato. O casal Fábio de Azevedo Sodré e Irene Lopes Sodré compram de Chico Paulo a fazenda Engenho do Mato. A escritura de compra e venda e o registro do imóvel foram feitos em São Gonçalo, pois a região ainda estava inserida naquele município. De 1933 a 1945 a fazenda Engenho do Mato deixou de produzir cachaça, sua atividade principal, segundo moradores antigos, devido à aversão à bebida alcóolica por parte do novo proprietário, passando a diversificar a produção. O plantio de cana, então, se voltou para o fortalecimento da produção do açúcar e do melado e se investiu no plantio de milho e mandioca para fabricação de farinha, além de produzir arroz, cítricos, café e outras culturas. Apesar do abandono da atividade secular da região, a produção de cachaça era ainda realizada pelos pequenos colonos que residiam dentro da fazenda e plantavam cana por conta própria, fabricando a cachaça em pequenas quantidades. Essa produção era levada no lombo de burros para as localidades próximas e para o centro de Niterói. A região permanecia conhecida como boa produtora de aguardente, em qualidade e quantidade. O comércio local era abastecido pela produção das pequenas glebas, que ainda produziam uma pequena agricultura com plantios de milho, feijão, tomate, maxixe, quiabo etc. A lenha era fabricada com a retirada da vegetação da Serra da Tiririca. Esses eram considerados colonos “inquilinos” pelos proprietários da fazenda, uma vez que suas terras eram "quitadas" mediante trabalho diário realizado. Na época de Seu Lindoufo e Seu Chico Paulo, que foram os donos das fazendas, os encarregados colocavam os inquilinos pra trabalhar , e dava folga de um dia ou dois para fazer a lavoura. Era lavoura na serra e na baixada. Quem tinha sítio no morro, plantava no morro, quem tinha na baixada, plantava na baixada (sitiante histórico, fevereiro/2002)

Conforme relatado (capítulo 4), em uma segunda fase de ocupação, ocorrida após a década de 1940, a região oceânica se tornou alvo de interesses do setor imobiliário, o qual, apoiado pelo setor público, elegeu a região como área de expansão da cidade de Niterói. Em 1953, o espólio de Irene Lopes Sodré a quem coubera a parte sul da fazenda Engenho do Mato quando de seu desquite amigável em 1939, passa apertencer a Empresa Imobiliária e Comercial Terrabraz Ltda. Desde então iniciou-se a conversão das terras

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agrícolas em lotes urbanos, transformando de forma radical a dinâmica e os valores locais e com grande impacto ambiental sobre os remanescentes de Mata Atlântica ainda existentes. A retalhação das terras outrora agrícolas em lotes urbanos assegurou uma "nova política urbana" municipal , configurando mudanças na estrutura fundiária, passando a vigorar na área uma política urbana em detrimento de uma política agrícola. No final da década de 1950 e início da década de 1960 três Decretos Estaduais (7261/61,7577/61 e 7832/62) foram editados a fim de consolidar um Plano de Ação Agrária, realizado nas terras da Fazenda do Engenho do Mato. O Plano de Ação Agrária foi uma tentativa do governo do Estado em assegurar a permanência desses pequenos grupos de sitiantes como legítimos proprietários e garantir a continuidade do processo agrícola, tendo em vista a eminente expulsão pelo setor imobiliário e em particular pela Empresa Imobiliária responsável pelo loteamento da fazenda do Engenho do Mato. A região do Engenho do Mato (toda a área da fazenda) protagonizou os maiores conflitos fundiários da história da região. Muitos desses conflitos migraram para o PEST. O Plano de Ação Agrária não foi adiante devido às transformações políticas ocorridas durante o regime militar, agravando ainda mais a situação desses sitiantes que residiam tanto na Serra da Tiririca como na baixada. Com a falência da Empresa Terrabraz, loteadora da fazenda, os conflitos fundiários em torna da Serra da Tiririca se agravaram ainda mais, expondo uma complexa rede de diferentes situações fundiárias. Os pequenos sitiantes que permaneceram na localidade sofreram investidas de todos os segmentos sociais envolvido no conflito; tanto daqueles que se diziam donos da massa falida da empresa como daqueles que se diziam donos dos lotes comprados. Haviam ainda os invasores, que aproveitaram a falência da empresa para se apossarem de lotes ainda não vendidos ou lotes vendidos e abandonados. Alguns dos sitiantes resistiram à pressão e permaneceram no local, com precária documentação. Muitos venderam as posses para terceiros, com receio de as perderem. Os que ficaram com suas famílias até os dias de hoje se sentem ainda ameaçados pela precária documentação existente, com medo de perderem suas terras. Essa comunidade arredia, observa com desconfiança toda e qualquer intervenção estatal. A transformação do uso do solo, com a submissão da região a uma nova política urbana e à eliminação do status rural, transformando, inclusive, o ITR em IPTU, foi, aos poucos, eliminando o caráter agrícola secular e transformando a pequena agricultura praticada

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tanto na Serra da Tiririca quanto na baixada em jardins de casas de veraneio. A tradicional extração de lenha e o plantio de subsistência na Serra da Tiririca foi dando lugar aos futuros condomínios. Outras dinâmicas de uso e ocupação, surgiram em função da demanda e dos interesses de uma classe média advinda dos centros urbanos e motivada a ocupar a região pelo mercado imobiliário. . 6.1.1 Os sitiantes

No passado, o nome Serra da Tiririca (ou Serra do Engenho do Mato) era atribuído apenas a maior serra do complexo de morros que compõe hoje o PEST. Com a criação do Parque o nome Serra da Tiririca passou a se referir a todo o complexo. A ausência de um tratamento de territorialidade próprio ao conceito de UC e em especial ao de PN, fez com que morros e serras de diferentes municípios, com percepções e realidade culturais diferentes fossem considerados de forma homogênea, como uma única representação social. em nome de uma concepção de conservação. A escolha do nome pelos idealizadores do PEST se deu, aparentemente, em função de um registro deste em um documento do IBGE, independente da referencialidade da população local. Se, por um lado, a transformação de um complexo de nomes diferentes em um único nome pode soar como uma operação simples, por outro lado, no imaginário popular, a institucionalização do espaço e sua conseqüente transformação em um único nome denota um apelo a interesses alheios: O nome dessa serra não é Serra da Tiririca, isso é invenção de político! Eles colocaram esse nome aí de safadeza. A Serra da Tiririca é lá no Mourão, pra lá! Então eles puseram o nome na serra toda, aqui é o Engenho do Mato, Serra do Engenho do Mato! (Sr. Zezinho Tomás, 87 anos, nascido e criado no Engenho do Mato) . Serra da Tiririca é lá no Telégrafo, aquela parte de lá que é Serra da Tiririca, aqui é Serra do Engenho do Mato. (Dona Silas, 86 anos nascida e criada em Itaipu, se referindo ao morro do telégrafo, um dos morros que compõe o PEST). Aqui sempre foi Serra da Tiririca, mas nós nunca precisamos chama por este nome, aqui isso não importa não, esses morros aí não precisa ter nome não, eu nem sei o nome desse morro daqui de casa! (Dona Otília, 68 anos moradora da Engenho do Mato desde os 5 anos de idade, mora no sopé do Morro do Cordovil desde 1968). Não estou entendendo! O Morro das Andorinhas sempre foi Andorinhas agora vai virar Serra da Tiririca? (representante da associação de moradores de Itaipu se manifestando em reunião organizada para discutir a anexação do Morro das Andorinhas ao PEST)"

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O nome Tiririca é devido às ciperáceas que se encontravam no caminho de burro, hoje conhecida como estrada do Vai-e-vem. A área tinha muita tiririca navalha que cortava a perna do tropeiro. Encontramos esse nome Serra da Tiririca em uma publicação antiga do IBGE que apontava essa serra com esse nome (ambientalista e um dos ideólogos do PEST/ JULHO/2002). A Serra da Tiririca é apresentada nos documentos oficiais (cf. Atlas das UCs do Estado

do RJ, p. 37) como sendo composta por diversas elevações, enquanto, como vimos, a realidade é que a institucionalização é que passou a congregar uma série de elevações situadas em Niterói e Maricá, cujos relevos mais destacados são: Morro do Elefante ou Alto Mourão, Morro da Penha, Morro do Telégrafo, Serra da Tiririca (ou Serra do Engenho do Mato) , Morro do Cordovil, Morro da Serrinha e Morro do Catumbi. Em um contexto urbano, os morros que compõe o complexo são considerados unidades geográficas isoladas e moldadas segundo o histórico de ocupação local. O tratamento dado às UCs, pautado em considerar o ecossistema como um todo, considera apenas a territorialidade da fauna e da flora, não se preocupando em destacar os distintos conceitos de território. Os critérios para a delimitação provisória passou pela preocupação em preservar todos os ecossistemas mais íntegros possíveis e a cobertura florestal. Se a área fosse extremamente degradada, ou ocupada excluía-se, mas se fosse bem preservada, independente de ter ou não proprietário, incluía-se no limite provisório”(ambientalista, do grupo idealizador do PEST/julho de 2002). Esse sítio aqui na serra é meu desde garoto, sempre foi dentro da fazenda sim, eu trabalhei muito nessa serra, eu colhi muito feijão, aipim, muito milho, abóbora, quiabo, fiz isso durante 50 anos! (sitiante antigo, nascido e criado na Serra da Tiririca, 89 anos, contemplado pelo Plano de Ação Agrária/fevereiro de 2002) A serra tinha muitos sítios, cada um tocava sua lavoura, por exemplo: o meu ía até ali, do seu Maneco até lá e do Seu João Amaralina de lá adiante. (idem) Sabe o que eu fazia muito aqui? Eu lotava seis burros de banana e saía pra Niterói, vendia tudo! Carvão? Eu lotava os burros de carvão, 48 sacos de carvão, saco mesmo não é essas porcaria que vejo aí fora não, é saco cheio! Saía daqui e ia lá pra Santa Rosa, pra aquele morro do Estado, eu ía tocando as tropas de burro! (idem).

Assim, o conflito se estabelece em relação ao discurso da conservação materializada no PEST e produzida pelo ambientalismo que considerava o local como de interesse comum em virtude das condições ambientais. Sob o ponto de vista ambientalista, a riqueza natural não pode se esgotar com a apropriação individual ou coletiva; a riqueza estaria em considerar o ecossistema como um todo, que carrega um patrimônio genético imensurável.

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Essa área é importante para a existência e reprodução de animais e plantas da Mata Atlântica na cidade. Desta forma árvores serão protegidas e fornecerão sementes para o reflorestamento de encostas e arborização de ruas. Remanescente de Mata Atlântica a área possui cobertura vegetal formada majoritariamente, por florestas em avançado estágio de regeneração, manchas remanescente da floresta original e por vegetação típica do costão rochoso. (Ambientalista idealizador do PEST dezembro/2001) A criação do PEST evita a privatização excessiva do território municipal e valoriza a cidade, permitindo o desenvolvimento do turismo. É uma forma também, de proteger a vida animal e vegetal, além de nascentes e cursos d água” (idem).

Tendo em vista que o ideal conservicionista desconsidera o uso direto dos recursos naturais, as atividades agrícolas de subsistência perdem valor diante das atividades econômicas consideradas ambientalmente compatíveis com a conservação como é o caso do ecoturismo, por, aparentemente não causarem danos ambientais: O Parque será dividido em áreas que poderão servir a pesquisas científicas, turismo, lazer e educação ambiental. O objetivo é garantir a preservação da serra contendo a caça e o desmatamento. (ambientalista idealizador do PEST dez 2001) Ao se escolher uma categoria que desapropria, pensou-se que a questão dos antigos sitiantes seria resolvida caso a caso, quando fosse possível ser desapropriado seria, desde que devidamente indenizado, mas, em alguns casos talves trabalhar para o próprio Parque , ou seja, dar alternativas. O cara poderia até perder a plantação, mas continuaria morando no local e se tornaria um guarda – Parque, ou um fiscal. (ambientalista idealizador do PEST, julho/2002).

O desmatamento que figura como “problema ambiental” e permeia o discurso da conservação, é considerado de forma homogênea, não sendo importante para o conservacionismo distinguir, quem, quando e sob que circunstâncias se pratica o ato. Sob o guarda-chuva do desmatamento tem-se desconsidero questões de proporcionalidade como a extensão, volume e sobretudo a veiculação ou não deste com as formas de sobrevivência. O que tem sido considerado desmatamento sob o olhar ambientalista pode não o ser sob o olhar de quem utiliza a terra como condição de sobrevivência, reprodução material e cultural. A palavra desmatar, contudo, vai sendo incorporada ao vocabulário destes sitiantes como sinônimo da forma de uso secular praticada por estes quando do cultivo. Curiosa a fala de um sitiante histórico que procura explicar à pesquisadora o novo aprendizado ao relatar que agora já entendia o que era desmatar. Aqui na serra minha filha era tudo sitiante! Esses bamba acabaram com tudo! Não deixaram a

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gente trabalhar, eles prendem a gente, vem com a polícia, carrega tudo! Eles são uns miserável! Se eu derrubar uns pau que já tá caindo, vem uma dúzia aí que passa aí e vê e começa a dizer que o Zezinho tá derrubando uma madeira que faz gosto. Aí, daqui a pouco vem a polícia me prender. Por quê? Um pau que derruba nasce mais cinquenta! Ainda bem que isso nunca aconteceu comigo, pois já tô sabendo agora da moda, como é que eles faz, fico de olho! Eu não burilo em nada!, eu cuido do meu sítio assim como manda a moda, se a moda manda assim, eu não vou queimar, pra levar a pior? Então, agora, eu faço roçada mas eu não desmato. Sabe como é desmatar? Eu aprendi, é assim: tem mato fechado? Se pegar uma foice e roçar tudo, derrubar tudo , tudo isso é desmatar.

Para os que utilizaram a Serra da Tiririca desde o início do século XIX, as novas regras de uso são classificadas como “moda” inventada por políticos profissionais, que mesmo sem rosto ou identificação aparecem no discurso de um sitiante tradicional como “bambas”, se revelando como força política coercitiva. Para os sitiantes antigos, as novas regras se impuseram sobre velhas e tradicionais regras advindas de um saber lidar com a natureza, inerente à percepção e à necessidade de sobrevivência. Desde o começo que nós conhecemo essa terra nós tinha o respeito florestal, nós a gente sempre respeitou metade do morro. Fazia a roça pra baixo, mas pra cima deixava. A gente fazia roça de aipim, milho, quiabo tudo na serra, mas não fazia no mato fechado. Fazia muito carvão, cada raça de carvão que faz gosto! Mas hoje não pode mais nada! Estou muito desgostoso do sítio!

A dificuldades em visualizar de onde são ou quem são os atores sociais inventores ou envolvidos com essa nova “moda” fazem com que o caráter visível do poder público, nmanifestado através do “mal falado” IBAMA e da polícia, seja identificado como o mentor intelectual da perseguição. Naquele tempo eu morava com uma dona nova bonita que nem tu, aí a gente fazia tudo, vamo passear, derrubar aquele mato, plantar... Hoje em dia, entrou uns bamba aí que não deixa fazer mais nada, não pode derrubar, plantar, desmatar um pedaço de terra pra plantar uma planta, não pode nada, porque esses tal de IBAMA, Polícia, não deixa a gente mexer no mato. Então, como é que vai morar dentro se não pode fazer nada? Eu tenho um bananal bom lá num lugar de muita água, só que eles não deixam desmatar! Ficar só com o bananal roçando no mato eu não quero, eu quero plantar quiabo, uma rama de aipim, quero plantar feijão milho... Isso não tá só acontecendo comigo não, sabia? É com todo mundo! Só que eu já me aborreci, vou vender tudo, tô cansado! Sabe quando é que aqui começou a ficar ruim? Não foi com a compra da fazenda pelo Seu Fábio Sodré antigamente não, foi depois dessa proibição aí dos bambas, é a polícia que não deixa ninguém desmatar, todo mundo parou de trabalhar, nós tamo tudo na miséria por causa disso! Eu não estaria aqui se pudesse continuar a roçar, eu estaria produzindo pra comer! Mas se roçar, vem logo o helicóptero da polícia!

O entendimento de que existe um grupo prejudicado com as novas regras de uso, colabora com o entendimento de que apesar de não estarem ainda formalmente legalizados, os

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sitiantes tradicionais reproduzem um discurso semelhante aos de reivindicações sociais, que os coloca na condição de atores sociais. Nossa família vive e planta aqui no Engenho do Mato há mais de 50 anos, era tão grande a produção que os produtos eram vendidos em carreta até para Belo Horizonte. A gente vendia aipim, nabo, feijão de vagem, vagem e muita laranja. Meu marido levava a mercadoria de burro para o mercado, ele saía as duas da manhã para os mercados de Niterói. A coisa começou a cair depois que o meu marido morreu. Meu filho é que toca a roça hoje em dia, mas ele anda desgostoso porque não dá mais pra viver de sítio, Naquela época a gente desmatava tudo pra plantar, fazer carvão e vender. Hoje a gente tem que proteger e aí fica complicado, porque a gente não pode plantar, desmatar, não pode mexer em nada! Nem fazer o carvão! Aqui todo mundo fazia carvão, meu filho, meu irmão... Fica muito difícil trabalhar na lavoura. No tempo do meu sogro ele desmatou tudo e plantou um pomar de laranja, era lindo!! Agora pra fazer umas roças tem que ir no IBAMA, medir o sítio todo, falar como ele é, quanto vai usar de área ... eu não tenho condições financeiras pra fazer isso não! Tudo com procuração! Cartório? (Sitiante do Engenho do Mato, moradora há 70 anos da região, família contemplada pelo Plano de Ação Agrária, com sítio na Serra da Tiririca ) “Meu sítio é lá em Tocaia, se pode ir lá tranquila, sem medo, é tudo gente do povoado. (Idem)

Para esses sitiantes históricos, a proibição de uso das áreas da Serra da Tiririca transcende dimensões meramente econômicas, envolvendo, de um lado, o resgate de sua memória cultural enquanto “gente do povoado”, de outro lado, uma luta contra processos de exclusão e marginalização, pela eminente proibição da condição de subsistência e consequente venda de suas terras por preços baixos devido à precariedade de documentos Este processo de exclusão vai se materializando nas novas gerações que vão surgindo, agora já classificadas como “sem terra”.

6.1.2 Os pescadores tradicionais Não há aqui a pretensão de se fazer um histórico das comunidades de pescadores tradicionais situadas no Morro das Andorinhas na região de Itaipu. Importa registrar o surgimento deste segmento enquanto atores tradicionais no debate sobre a anexação do Morro das Andorinhas ao Parque Estadual da Serra da Tiririca. Nesse sentido, a identificação dessa comunidade como comunidade tradicional se revela no contexto do estabelecimento do Morro das Andorinhas enquanto Parque. A inclusão do Morro das Andorinhas no PEST partiu de uma proposta operacional, advinda do segmento técnico da Comissão Pró-Parque. Tal proposta não é considerada

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aleatória ou inusitada, uma vez que, em 1998, uma entidade ambientalista atuante no Parque elaborou e apresentou a Assembléia Legislativa do RJ um projeto de lei sobre a referida anexação, com as mesmas justificativas ambientais para a criação do PEST, uma vez que o Morro das Andorinhas é considerado, sob o ponto de vista da conservação, como área contígua à Serra da Tiririca, justificando sua conservação pela noção de continuidade dos processos ecológicos, fragmentação dos habitats e dos ecossistemas, sendo naturalmente previsto pela atual política de UCs do país sua proteção ou mesmo anexação. A organização da comunidade de pescadores tradicionais localizada no morro Associação de Moradores Tradicionais do Morro das Andorinhas – foi motivada pela necessidade de se contrapor a uma Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público em meados da década de 1990 (6a. Vara Cível de Niterói – Proc. 200.002.005.290 –4) As tensões aumentaram depois que o Ministério Público pediu uma liminar para a desocupação e demolição das 22 casas do local, baseado na preocupado com o ritmo do crescimento das favelas na RO, amparando-se ainda na condição de tombamento pelo Patrimônio Histórico e na conservação de remanescentes de Mata Atlântica. Das 22 casas consideradas, metade delas pertencia a famílias de pescadores tradicionais. O forte envolvimento de algumas das lideranças de pescadores da comunidade de Itaipu com setores da Antropologia da Universidade Federal Fluminense deu outra dimensào ao conflito que se estabeleceu entre MP e pescadores. Orientando juridicamente e apoiando a organização formal, o núcleo de antropólogos da universidade foi também, aos poucos, se envolvendo nas discussões da anexação do Morro ao PEST. Com o discurso da tradicionalidade, a comunidade de pescadores foi se afirmando enquanto ator social e se contrapondo às tentativas de desterritorialização impostas tanto pela Ação Civil Pública quanto pela “futura” anexação ao Parque. Em meio às discussões nas reuniões da Comissão Pró-Parque era possível visualizar um campo de disputas marcado por diferentes discursos e posturas frente à questão. Uma pequena parte do movimento ambientalista era contrária à anexação, aparentemente em função das restrições impostas pela categoria Parque, o que poderia culminar em desapropriação de uma “população tradicional”, conjecturano para o local uma outra categoria de UC menos restritiva.

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Não é possível transformar a área dessa população em Parque. Nós temos feito um bom trabalho com jovens dessa comunidade, organizando caminhadas com público em geral, banco de mudas e reflorestamento com espécies nativas, estamos inclusive cultivando bromélias. Esse projeto não vai acabar, e sim ampliar, estamos buscando financiamento. Acho que o ideal para a área seria pensar em uma Floresta Municipal, pois a área é de gestão municipal (representante de entidade ambientalista durante a reunião da Comissão Pró- Parque nov/2000)

Outra fatia do segmento ambientalista era favorável à anexação. Justificava esta decisão pela possibilidade, referendada na lei do SNUC ,de permanência desta comunidade na área do PEST em função de sua tradicionalidade, justificando a não ocorrência de prejuízo para a biodiversidade e nem para os pescadores tradicionais. Percebe-se que as justificativas não partiam de um entendimento social da questão ou de qualquer outro tipo de comprometimento com a questão tradicional e sim, como uma forma de “resolver logo esse problema” conquanto não se maculasse a lóguca conservacionista. Não sei pra que tanta discussão sobre a permanência ou não da população tradicional no Parque. Existe a tal lei do Minc e o SNUC fala também na permanência da população tradicional em Parque, então acabou a discussão, resolve-se os dois, vamos votar logo essa anexação” (ambientalista, representante da comissào Pró–Parque, em reunião da Comissào/novembro/2000)

Outra parte ainda do segmento ambientalistas desconfiava da tradicionalidade da comunidade, uma vez que juntara provas, através de testemunhas, de sua recente ocupação, em uma tentativa de atrelá-los à favelização, que estaria ocorrendo em toda a extensão do Morro. “Não sei que tradicionalidade é essa! Tem morador tradicional aí que é DJ, tem eletricista, tem de tudo! Pescador ai só mesmo uns dois ou três. Sei também que eles estão aí desde 1950 e não 1915, essa data aí é exagero! Tenho certeza que com a criação do Parque eles vão se beneficiar, sabe porque? Porque eles poderão ser desapropriados e conseguirem junto a prefeitura casa com saneamento básico, água, luz, transporte e tudo mais que todo mundo quer! (ambientalista, participante eventual das reuniões da Comissào Pró-Parque, durante a reunião novembro/2000) Uma outra parte do movimento ambientalista julgava mais importante a manutenção da biodiversidade, considerando que a saída desta comunidade do local era salutar para a conservação. Se abrir para essa comunidade no final das contas vai ter muita gente morando aí nessa área. Esse local não é para gente e sim para fauna e flora. No mundo tem mais área pra gente morar do que área para a natureza. Nunca vi a convivência entre homem e natureza ser benéfica para a natureza” (representante da Comissão Pró-Parque em reunião da Comissão – nov/2000)

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O setor da antropologia da UFF questionava a necessidade de enquadrar essa comunidade em uma categoria de UC restrita, que previa desapropriações, uma vez que os motivos para a anexação da área ao Parque eram exatamente a constatação de que aquela área permanecia inalterada ambientalmente pela coexistência daquela comunidade secular com a região. Ao mesmo tempo que defendia a tradicionalidade, chamava a atenção para que essa condição não fosse a única para a permanência dessa comunidade em seu próprio local, uma vez que havia controvérsias nos meios acadêmicos e jurídicos sobre esse conceito. Nesse sentido, concluía pela necessidade de se considerar a identidade social construída localmente. Eles são pescadores mas moram no Morro das Andorinhas há quase cem anos. A ocupação deste local pode ter acontecido em um primeiro momento quando da necessidade de subir no morro para localizar o cardume. Esse é o saber local, construído, particular daquela comunidade, essa pode ser uma chave para o conceito de população tradicional em um determinado espaço” (Representante do setor da antropologia/UFF no seminário organizado pelo CREA abril/2002) Eu desafio a qualquer um mostrar aonde está a comunidade tradicional do Morro das Andorinhas, ninguém vê, eles estão integrados a mata! (idem) Se me fosse dado o direito de escolher a categoria eu jamais escolheria Parque. Como articular uma categoria que já existe gente? (representante da Setor da Antroplogia – UFF em reunião promovida na ABANERJ para discutir a anexação dezembro/2000 ) Só sei que na briga entre Ministério Público e a Prefeitura, quem é expulso é a comunidade (idem)

A postura do representante do IEF enquanto coordenador da Comissão Pró-Parque era no mínimo curiosa. Sem existir uma fala oficial do órgão, cada representante do Instituto convocado para falar sobre o assunto se portava segundo suas próprias convicções, se configurando como “conciliadores” em uma postura típica de órgão sem processo de gestão. O IEF não tem interesse em tirar ninguém o que se quer é uma convivência harmoniosa (representante do IEF em reunião organizada na ABANERJ para discussão da anexação/ dez/2001). O IEF está aberto a trabalhos conjuntos com o município nesta questão do Morro das Andorinhas (idem). Independente da minha pessoa, vou designar um representante do IEF para acompanhar as negociações com o município referentes ao Morro (idem). Eu não sei a opinião oficial da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, vou consultar o Subsecretário para uma posição oficial sobre o assunto (idem).

Por fim, a postura da Prefeitura de Niterói, representada na Comissão Pró-Parque pela

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Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente, era de todas a mais inusitada. Em uma postura de “gestor do espaço” se posicionava desfavorável à anexação do Morro ao PEST sob a alegação de que a prefeitura e, em especial, a Secretaria, tinham planos e projetos para investimentos na área e que há muito a Secretaria envidava esforços no sentido de fiscalizar e evitar a favelização. Nesse sentido, a Secretaria utilizava-se do argumento de que o estado precário do PEST se devia à falta de infra-estrutura do Estado para administrá-lo e que a anexação só traria mais conflitos e demandas. Não me sinto confortável para abrir mão de uma área que é administrada pela prefeitura. Além disso há o bairro de Itacoatiara entre o Morro e a Serra – diz o subsecretário Renato Guima, informando que questionará a delimitação junto ao governo estadual. O ambientalista Gerhard Sardo, da caminhante Independente, critica a posição do subsecretário: - A argumentação dele esconde a defesa de interesses da especulação imobiliária. Ana Angêlica Monteiro que participa de um levantamento da flora, também defende a anexação: - A tentativa de excluir o morro mostra que a prefeitura tem uma visão muito fragmentada do meio ambiente” (Jornal O Globo Niterói/agosto/2001)

6.1.3. Novas gerações “tradicionais” Não existe, ma legislação brasileira, uma definição de populações tradicionais. DE forma exemplificativa poderíamos citar as comunidades indígenas ou mesmo os remanescentes de quilombos, defendidos pelo texto constitucional (respectivamente, CFRB, art. 231 e ADCT, art. 68), mas quando se trata de uma leitura mais abrangente do termo são várias as dificuldades para uma interpretação escorreita e muitas as perspectivas diferenciadas que se abrem. De um modo geral, o Brasil vinha trabalhando com a ideía de tradicionalidade consorciada ao tempo de fixação num determinado território. Os ordenamentos portugueses propunham um período em torno de cem anos. A lei estadual 2.395/95, procurando atualizar a questão e dispondo sobre a permanência de populações nativas em UCs, não escapou, todavia, do mesmo critério, propondo 50 anos como período identificador. No projeto de lei do SNUC havia uma definição de população tradicional que estabelecia um critério de 3 gerações para um mesmo território, o qual, contudo, foi vetado, uma vez que quase todos os brasileiros poderiam se encaixar nessa padronização. Já as atuais leituras jurídicas tendem a uma mudança de critérios, estabelecendo a tradicionalidade a partir da tecnologia. Desse modo, seria tradicional uma comunidade cuja

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tecnolgia fosse menos impactante. Outro aspecto importante é o fato de que o conceito de tradicionalidade reclamado apresenta, no fundo, o próprio homem enquanto objeto de conservação. Esse recorte antropológico não se distancia de uma perspectiva conservacionista, na medida em que busca o reconhecimento de um homem “natural”, de um “bom selvagem”, um tipo a ser preservado da sociedade que o corrompe.22 Enfim, o tema polêmico parece longe de encontrar um consenso Cabe salientar que a expressão “tradicional” considerada no presente trabalho para identificar a comunidade de sitiantes e de pescadores, foi atribuída em função do entendimento de que sempre houve uma condição de vínculo sócio-afetivo e econômico destas comunidades com a região, advindos de um histórico de ocupação que demonstra a coexistência entre essas comunidades e os recursos naturais23. Evidencia-se também uma espécie de incorporação pelos próprios sitiantes, do discurso da tradicionalidade, que vem se consolidando frente aos conflitos entre segmentos ambientalistas atuantes no parque, e, segmentos ligados a “causa” da tradicionalidade. Nesse sentido, observa-se a entrada de dois “novos” atores sociais no processo que vão consolidar o discurso da tradicionalidade: a inserção de “novos sitiantes” que são segmentos sociais que adquiriram sítios de alguns dos sitiantes tradicionais nas décadas de 70 e 80 . Esses “novos sitiantes” que são comprometidos com a causa do Parque e dos “direitos tradicionais” vão influenciar na organização formal desse segmento, incentivando-os a abandonarem a condição de observadores e partir para a formalização do então grupo24. No caso dos pescadores tradicionais, a influência de setores acadêmicos ligados à Antropologia, que vem atuando junto a comunidade desde a década de 1980, vão conferindo a estes grupos essa condição que vai sendo absorvida e reproduzida nos seus próprios discursos.

22

Ver, nesse sentido, o clásico de ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou Princípios do direito político. 2ª ed. .Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo, Abril Cultural, 1978. 23 Ver, nesse sentido SIMON, Alba; GUSMÃO, alexander; DUTRA, Letícia Gonçalves. Os excluídos e os em extinção: Justiça Ambiental nas Unidades de Conservação e nos assentamentos rurais. In: MADEIRA FILHO, Wilson (org,) Direito e Justiça Ambiental, Niterói: PPGSD/UFF, 2002, pp.257-265. 24 Segundo Nascimento (2001, p. 100), os observadores ou mediadores nos conflitos são personagens que presenciam o conflito, sem necessariamente tomarem partido, ou sem estarem diretamente envolvidos. Mesmo tendo um interesse definido, esse segmento é considerado envolvido marginalmente no conflito e ao mesmo tempo vítima de seus efeitos.

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Fato curioso vem ocorrendo, com as discussões para a criação da futuro Conselho Gestor do Parque, onde as duas comunidades vem se encontrando e, de forma ainda separada, consolidando o discurso da tradicionalidade, principalmente em função do asseguramento da participação oficial desses segmentos no Conselho Gestor, consoante o SNUC.

6.2 - O CASO DO LOTEAMENTO JARDIM FAZENDINHA O histórico de projeção do Loteamento Jardim Fazendinha remonta a década de 1950, quando a Fazenda Engenho do Mato foi vendida e loteada pela Empresa Imobiliária e Comercial Terrabraz Ltda. No início dos anos 60, conforme já relatado, três decretos estaduais (7.261/61, 7577/61 e 7836/62) trataram de desapropriação da fazenda Engenho do Mato sob o ponto de vista do interesse social, prevendo-se no local um Plano de Ação Agrária voltado para os sitiantes locais. Com a falência da empresa loteadora e a não consecução do Plano de Ação Agrária por motivos políticos, toda a área assegurada para a implantação do Plano de Ação Agrária ficou abandonada e foi vitimada por invasões advindas de vários locais do município e até do Estado. Alguns sitiantes locais, conforme já relatado, resistiram às invasões e continuaram a residir no local. Outros venderam suas posses para terceiros que construíram novas residências no local. Desde entào, uma grande parte da área designada para o Plano de Ação Agrária, com cerca de 110.000 m², é disputada judicialmente por dois supostos proprietários. Há suposições, ainda não totalmente comprovadas, de que toda a área ou pelo menos a maior parte pertença ao Estado desde a época da desapropriação para o Plano de Ação Agrária. Essa suposição é levantada pelo Ministério Público que está realizando uma grande pesquisa documental, com a finalidade de compor Inquérito Civil em andamento. O histórico de ocupações das terras da fazenda do Engenho do Mato, após a falência da Empresa loteadora e o fracasso do plano de ação agrária é marcado, além das invasões, por posses e fraudes cartoriais, que envolvem grandes empresários do setor imobiliário, pequenos proprietários e proprietários de baixa renda. Todavia, apesar dessa situação, uns dos que se auto-intitulam proprietário das terras em questão, alegando ter comprado a massa falida da Empresa Imobiliária e Comercial Terrabraz Ltda., vinha comercializando os lotes dessa área

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em litígio desde 1980. Em meados de 2001, os proprietários que adquiriram lotes na área receberam a escritura lavrada em cartório pela referida Empresa. . Desde o início da década de 1960, metade (550.000m²) dessa área é supostamente de propriedade de Adelmy Cabral Neiva, procurador da República aposentado, que nessa mesma época (cf. Capítulo 2) participara da Comissão que elaborou o Código Florestal de 1965. Este senhor, segundo os moradores locais, havia adquirido a área de dois sitiantes antigos da região, também contemplados pelo Plano Agrário. Ao comprar essas terras, o Sr. Neiva vinha tentando usucapiar outras áreas, supostamente do Estado. Quando o Parque foi criado em 1991, o Sr. Neivas procurou o presidente do IEF da época e ofereceu parte dessas terras para serem incorporadas ao Parque. Devido à complexa situação fundiária e, em parte, devido à desconfiança em relação às reais intenções quanto ao oferecimento, uma vez que havia disputa judicial, o IEF se pronunciou desfavorável25. Alguns meses depois o Sr. Neiva foi multado pela fiscalização do IEF por desmatamentos praticados na referida área. A inclusão da área no Parque, se deveu, segundo os ideólogos deste, ao fato de ser um dos últimos remanescentes de alagado de água doce da região. Apesar de toda a área ter sido um grande alagado, o processo de ocupação foi modificando o regime hídrico, sendo aos poucos drenado o solo. Outra motivação para a inclusão da área seria devido a conectividade entre a Serra do Engenho do Mato, propriamente dita, e o Morro do Cordovil, favorecidos pela existência desta área que ainda permanecia em bom estágio de conservação. A argumentação científica para a inclusão da área, concluída por um grupo de biólogos, foi suficiente para “devolver” ao Estado uma área de grande conflito fundiário que se arrasta há mais 50 anos, se tornando pela segunda vez uma área pública, agora sob a argumentação da conservação. Nesse sentido, os conflitos inerentes ao episódio do Plano de Ação Agrária e as disputas entre os dois proprietários são considerados conflitos fundiários, uma vez que a disputa ocorre em função do valor patrimonial das terras. O Conflito sócio-ambiental só vai se configurar quando as disputas por terra culminaram em intervenções que comprometiam os 25

Registra-se um ofício de Norma Escobar, datado de 28/8/1992, endereçado ao Presidente do IEF na época; Axel Grael, dizendo que Adelmy Cabral Neiva pretendia usucapiar uma área de aproximadamente 384.000m² incluindo 2 lotes desta senhora. O ofício informa tratar-se de uma extensa área da Serra da Tiririca, já objeto de desapropriação pelo Estado, conforme processo nº 1380/61, na 6º Vara Cível de Niterói.

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objetivos de conservação na então área pública e quando iniciaram-se manifestações por parte de atores sociais quanto a essa intervenção. Nesse sentido, após a aprovação da sugestão para os limites definitivos do Parque Estadual da Serra da Tiririca, pela Comissão Pró-Parque, ao qual participava a Secretaria de Meio ambiente de Niterói, em meados de 2001, tem início uma corrida imobiliária sobre as terras privadas imersas na área do Parque, acreditando-se em um grande período para a tramitação da proposta nas instâncias burocráticas. O episódio que marca a evidência do conflito sócio-ambiental na área do loteamento Jardim Fazendinha foi protagonizada pela Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói, que, através de um autorização pessoal do Secretário, consentiu a abertura de rua com tratores, rua esta prevista no loteamento desde a década de 1950, mas nunca devido ao embargo judicial. As constatações de ocorrência de desmatamentos em função da autorização concedida pela Secretaria de Meio Ambiente do município em área pertencente ao Parque e com remanescentes de Mata Atlântica em bom estágio de regeneração, provocaram manifestações de segmentos ambientalistas que reagiram mobilizando a imprensa, diversas instâncias de fiscalização (Batalhão Florestal, Delegacia Móvel do Meio Ambiente, IBAMA, IEF, Polícia etc.) e sobretudo com a denúncia ao MP que ingressou com a Ação Civil Pública e Criminal contra a Secretaria de Meio Ambiente de Niterói. O loteamento Jardim Fazendinha “autorizado” pelo então Secretário Fernando Guida (hoje Précandidato a deputado federal pelo PV de Niterói), continua causando destruição no interior do Parque Estadual da Serra da Tiririca. No dia 21 de fevereiro recebi a informação de que a prefeitura de Niterói esatria abrindo ruas no local. Chegando lá no Sábado, 23 de fevereiro, percebi que indivíduos já haviam adentrado a Mata Atlântica (em terrenos na encosta) para desmatar e construir. Logo, o Batalhão Floretal foi acionado. Com a presença de PMs, foram levados a 81ª DP (Itaipu), cinco pessoas envolvidas, tendo sido lavrado dois registros de ocorrência: RO372/02 (desmatamento) e RO 373/02 (construção). Um terceiro infrator não foi identificado. O curioso nesta situação é a impunidade que prevalece, mesmo estando o Ministério Público (1º Promotoria de Interesses Difusos e 2ª Central de Inquéritos) cientes de que o rsponsável pela autorização administrativa das agressões ao meio ambiente ainda não foi denunciado por improbidade administrativa ou crime ambiental.... Enquanto isso, outros “proprietários de lotes” vêm providenciando a “ocupação ordenada” na Serra da Tiririca. A próposito, por onde tem andado o “administrador” do Parque Estadual da Serra da Tiririca? (Sessão de cartas do Globo Niterói, 3/3/2002, carta escrita pelo ambientalista Gerhard Sardo)

A partir da denúncia ao MP por parte do segmento ambientalista, inicia-se um série de

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reações em cadeia dos diversos atores sociais envolvidos que acabam por transformar o MP em “Central de Manifestações”. Nesse sentido, o caso Fazendinha expõe uma série de tensões entre os poderes públicos municipal e Estadual – IEF, entre poderes público (ambas as instâncias) e entidades ambientalistas; entre entidades ambientalistas e MP, entre MP e instituições governamentais, entre proprietários dos lotes e MP, entre proprietários dos lotes e ambientalistas; entre proprietários dos lotes e poder público. Em uma arena de disputas, onde o discurso conservador do Estado tradicional, provedor e centralizador, acostumado a uma atmosfera populista, haverá que, por força das circunstâncias, se alterar, na tentativa de iniciar uma adaptação estrutural capaz de atender demandas de tamanha complexidade. Desencadeou-se, portanto, uma série de tensões, que expuseram a precariedade de orgãos públicos, a atuação limitada da sociedade civil organizada, a fragilidade jurídica relativa à defesa de um bem ambiental público etc. Os desmatamentos ocorridos inscrevem-se na própria história da ocupação da região, cristalizando, ao longo do tempo, uma ampla rede de interesses, incluindo especuladores de terra, posseiros, invasores e moradores. A lógica do crescimento metropolitano, selecionando novas áreas para moradia, contrapunha-se frontalmente à lógica rural remanescente e à lógica conservacionista emergente. Esse painel contribui para que o desmatamento da região em questão, enquanto conflito sócio-ambiental, tenha desdobramentos que se projetam em escala regional, uma vez que o que está em jogo é, ou bem a resolução de uma antinomia jurídica ou bem a alteração de paradigmas concernentes ao conveito de propriedade no Brasil. Essa constatação permite avaliar que a institucionalização do espaço através do Parque emprestou maior dimensão aos desmatamentos do caso Fazendinha, emblemático dos resquícios de uma estrutura oligárquica anacrônica, eivada de oportunismos liberalizantes e espamos ideológicos de cunhos social, num mozaico de ações fragmentadas e desarticuladas que apesar de variado e contrapontístico recebe sempre o mesmo nome: Estado. A institucionalização do espaço funcional, através da instância estadual, permitiu, face ao escandaloso descontrole sobre a situação fundiária, em um conflito que, após a reforma de Estado de 1988, em uma questão de tempo para madurecer e consolidar novas remédios constitucionais, atingiria fatalmente a responsabilidade pública administartiva.. Assim, quando a SMMA consentiu a abertura de rua, entendendo que estaria autorizando uma abertura de rua

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em

“território

municipal”

que

culminou

em

desmatamento,

não

considerou

a

institucionalização da área pela instância estadual – Parque Estadual – evidenciando o conflito de atribuições e competências, pautado nos diferentes entendimentos da questão por ambas instâncias, as quais, contudo, e à sua maneira, e ainda que por intermédio de sofismas políticos, assimilam o discurso conservacionista. Atualmente na base da Serra da Tiririca e na área de entorno tem um loteamento grande e grave que foi feito na década de 30 que é o loteamento Fazendinha, que pressiona as pessoas que tem lotes lá desde muitos anos atrás, e que querem ocupar esses lotes e se sentem no direito de ocupar. Uma das pressões ali é que querem construir, querem chegar até os lotes. Outro dia fui dar uma autorização para limpar uma rua oficial e deu uma confusão, ação no MP, porque dei uma autorização para limpar rua, deixando claro que não podia pegar Mata Atlântica. Ao invés de limparem só uma rua, meteram bronca lá num monte de área, isso aí é crime!” (secretário de Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói, novembro/2001)”

No centro das diferentes percepções ou entendimentos sobre a questão, evidencia-se a necessidade de arrecadação financeira através de impostos, no caso o IPTU, que colabora com a não visualização da institucionalização do território pela instância Estadual. Naquele loteamento Fazendinha, muita gente continuou pagando IPTU porque via casas construídas por invasão. A quantidade de lotes que tem ali é enorme. Há a questão das pessoas com área dentro do Parque ter que pagar IPTU é a mesma questão de quem tem lote subaquático, ou seja, lotes dentro da Lagoa, é uma questão que precisa ser revista na Secretaria de Fazenda. Se eu fosse o secretário de Fazenda, mesmo deixando de arrecadar, eu eu teria parado de cobrar IPTU. Teria feito uma nova regulamnetação para lotes deste tipo. Mas também é muito difícil, pois não há entrosamento entre o pessoal de Urbanismo e Meio Ambiente por uma questão de cultura. É difícil você conseguir com o secretário de Fazenda, eu falo isso porque não sou o secretário, se eu fosse talvez minha cabeça fosse diferente e eu teria que pensar em arrecadar de qualqer maneira, senão não consegue nem pagar as despesas da prefeitura. Um lugar como Niterói que não tem industria, acaba que o IPTU significa muito para a arrecadação (secretário de Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói, novembro/2001)

A comparação entre a arrecadação controversa de IPTU dos “lotes subaquáticos” com os lotes inseridos na área do Parque são emblemáticas, uma vez que, independente do histórico de licenciamento dos loteamentos, a comparação nos permite identificar que o tratamento dado aos lotes inseridos em um espaço institucionalizado e os lotes em uma área de preservação permanente – Lagoa - se configuram sobre enfoques diferentes de proteção. Ou seja, a figura jurídica denominada UC e a categoria de manejo Parque Estadual estariam circunscritas em uma política pública, devendo-se, portanto, prever planos, projetos, planejamentos etc. Logo, o Parque não se configura “pelo só efeito da lei”, pressuporia uma “delimitação física”, com objetivos definidos, cujas atribuições administrativas recaem sobre o

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Estado. Em suma, o Parque pressupõe - e exige – gestão, para que se o respeite. Por outro lado, o espaço institucionalizado convive com a circunscrição das políticas municipais, que se configuram como resultado da dinâmica política e social da sociedade local. No caso Fazendinha, essas relações inter-institucionais se expõem e visualizam-se com mais clareza as dificuldades em lidar com a concepção de conservação e com suas estratégias. uma vez que o Parque não tem uma delimitação física, o espaço institucionalizado perde o arcabouço, o limite, o reconhecimento institucional, o espaço se dilui e se mistura com espaços territoriais municipais. Desse modo, a entrada em cena de um terceiro a gente, o Ministério Público, representando os interesses relativos à tutela do patrimônio ambiental e os direitos difusos, tenta redimensionar o espaço, criando limites jurídicos, adequando as instâncias públicas e mesmo forçando a existência de uma gestão. De um ano pra cá é que a Secretaria está ouvindo a administração do Parque, apesar de eu ter feito já várias críticas a eles quando ao desrespeito ao IEF na questão da tiririca. Mas foi aquele escândalo lá da Fazendinha que fez isso acontecer. Eu tenho um documento onde o secretário aprova a abertura de rua lá dentro. Eu tentei várias vezes ter reunião com ele, mas ele nunca podia me atender, estava sempre em reunião. Depois que o escândalo estourou e o Ministério Público se envolveu, aí ele me atendeu. Ele deu autorização e ainda cedeu as máquinas. Depois que o IEF, MP, Batalhão Florestal, Delegacia Móvel estiveram no local, ele passou a procurar o IEF. (Administrador do Parque, dezembro/2001) As pessoas vem aqui reclamar que não podem fazer nada e alegam que o loteamento é da década de de 40 ou 50, aí eu sou obrigado a dizer que eu não tenho nada com isso, pois eu não trabalho com isso, eu trabalho com o que está aqui e isso aqui não pode. Aí a pessoa vem dizer que paga IPTU. Enfim, essa é uma conversa para quem está no IEF ou no meio ambiente, e que não pode e não deve olhar para os lados. Agora, se coloque no lugar dele, o cara não tem nada a ver com o meio ambiente, o cara herdou, ganhou, comprou uma área bonita e maravilhosa, aí você acaba usando os mesmos argumentos dele, não é? Então vamos melhorar este discurso e vamos dar uma delimitação definitiva ao Parque para ele sair do provisório. (idem) O papel do MP é garantir a legalidade e essa legalidade é hoje representada pela existência de um Parque que está sendo desrespeitado. Nós propusemos uma ação na 6ª Vara visando obrigar o município e o IEF a exercer o seu dever/poder de polícia, não polícia armada mas o dever de polícia administrativa de tomar conta das coisas e de ir lá, ir lá ver o que está crescendo, embargar as construções irregulares etc. é nosso dever manter essa ação, lutar por ela. Nós resolvemos nessa ação não incluir nenhum tipo de poluidor e não particularizar a questão. A questão é, principalmente, perto do Jardim Fazendinha, que é o lugar que o conflito é mais intenso, de ter uma fiscalização semanal, essa é nossa preocupação. Fora disso, as questões inter subjetivas do ponto de vista patrimonial de propriedade, não estão nos interessando.... Na ação que eu propus eu falo para que novas construções não sejam permitidas, quer dizer, eu queria congelar as coisas do jeito que elas estão. Viria uma delimitação definitiva nesse meio tempo e eu ganharia com essa ação. Já tivemos pessoas aqui dizendo que o cara na frente dele construir um haras e porque ele não pode construir sua casa, não tem licença e tal. Quer dizer, há falta de critérios, de transparência, de isonomia, de igualdade entre as pessoas dentro do Parque, Há falte de poder público é que causou essa situação. E agora o poder público continua se omitindo vergonhosamente, por isso

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propusemos a ação. (Promotor de Justiça)

Se o interesse ambientalista pelo Parque desencadeou conflitos sócio-ambientais na área em questão, do mesmo modo todos atores sociais envolvidos centraram suas críticas no papel do Estado ou na ineficiência deste enquanto gestor do Parque. Em meio às cobranças ao setor publico, destacam-se as tensas e históricas relações entre ambientalistas e poder público municipal, baseadas em desconfianças quanto à falta de transparência nos atos.: Há dois meses atrás iniciou-se, de forma rápida e obscura, abertura de ruas naquele local. Na ocasião soube-se, através de moradores, que o IEF, na figura do administrador do Parque Estadual da Serra da Tiririca, esteve na região e autuou os proprietários dos lotes que estavam sendo "limpos", o que por si só poderia ter sido uma medida inibidora para a continuação do ocorrido. Todavia, em um período de dois meses, numa ação rápida e devastadora, ruas e lotes foram "aparecendo", sem nenhuma indicação, sinalização ou placa, que indicasse os motivos daquela "reengenharia" (carta de ambientalista divulgada por e-mail,.set/2001)

No mesmo período, a Comissão Pró-Parque votava a delimitação definitiva do referido Parque, indicando que área em questão estaria totalmente inclusa. Vale lembrar que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Niterói participava da Comissão Pró-Parque, o que significa dizer que esta Secretaria estava ciente e concordou com a permanência definitiva desta área no Parque, e mais, não só colaborou como realizou junto ao IEF e a técnicos da Comissão todo um trabalho de mapeamento das áreas do entorno, o que acabou por subsidiar a delimitação definitiva.

Independente do conflito fundiário que se arrasta desde a década de 60, a realidade da área hoje é que a mesma está inserida dentro de um Parque Estadual e mesmo que a delimitação definitiva não tenha virado lei, vale ainda a delimitação provisória. A área em questão é totalmente coberta por Mata Atlântica e portanto não há como autorizar limpeza de ruas sem que haja desmatamento. Era preciso pelo menos ter-se ido ao local para se verificar a necessidade arguída. Diante do exposto, algumas perguntas merecem ser respondidas: 1) Porquê estaria a Secretaria de Meio Ambiente de Niterói autorizando limpeza de ruas em área fechada, imersa em um Parque Estadual, exatamente no momento em que participa da delimitação definitiva daquela unidade de Conservação? 2) se a área em questão permanece ainda em litígio, conforme informações dos moradores do local, a quem a Secretaria deu a autorização? 3) porque a Secretaria de Meio Ambiente de Niterói não enviou o processo relativo ao empreendimento como um todo para o IEF opinar, uma vez que a área está dentro do Parque?. O Parque Estadual da Serra da Tiririca abriga um caldeirão de conflitos que são evidenciados por vários fatores, dentre eles o atrelamento da administração pública municipal aos detentores dos investimentos imobiliários, acarretando o não cumprimento de suas atribuições, dentre elas planejar e re orientar o crescimento da cidade, garantindo o meio ambiente como bem público. Esclarecimentos contínuos à sociedade são os "bio-indicadores" de uma gestão democrática e da transparência de uma administração Pública. Portanto fica o registro, o pedido de esclarecimento e

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um alerta para a sociedade de que os problemas com a delimitação definitiva do Parque estão só começando. (carta de ambientalista divulgada por e-mail/ set/2001)

A ação do Ministério Público, paralisando as autorizações municipais desencadeou uma onda de protestos por parte dos proprietários que haviam adquirido lotes no local, que acabaram se unindo em uma associação para defender o direito de construir na área dentro do Parque. Os compradores alegam que não foram informados de que o loteamento estaria na área do PEST. Fui ao Registro Geral de imóveis e tirei todas a certidões necessárias. Também paguei as dívidas de IPTU do lote. Só descobri que talvez não possa construir por intermédio de outros compradores, que já tiveram licenças ambientais negadas. (Compradora de lote no local/ O Globo on line/fev.2003) Há uma confusão enorme sobre a delimitação. Na documentação, está tudo correto. Não entendo como o RGI, que é um órgão ligado a Corregedoria de Justiça, não nos informa que a área é de preservação ambiental (compradora de lote do local/O Globo on line/fev/2003) A prefeitura aprovou o loteamento em 1949. Quem tem que ver se a área é de preservação é a prefeitura! (Substituto do Oficial do 16º Ofício de Notas/ O Globo on line/fev/2003) Os políticos ambientalistas são bons de cobrar providências, mas não estão fazendo a sua parte aprovando os novos limites da área (Promotor de Justiça )

O conflito Fazendinha, retrata, de forma clara e explícita, que o processo de institucionalização através do Parque Estadual, é constantemente influenciado por processos locais e por uma constelação de instituições e questões paralelas. A falta de transparência dos poderes públicos e a ausência de processos de gestão por parte dos órgãos competentes contribui ainda mais para que as tensões já inerentes a questão da conservação se cristalizem. O resultado imediato é o distanciamento entre poder público e sociedade e o crescimento do número de ações civis públicas. Nesse loteamento, tem sentenças de juízes obrigando a prefeitura a deixar as pessoas construir e ocupar seus lotes, repito, é sentença judicial. Eu só dei autorização para a limpeza das ruas, com base em uma setença judicial do Juiz José Carlos Maldonado de 11 de julho de 1995! Eu dei autorização para limpar essas três ruas sem mexer na Mata Atlântica, e eu estou respondendo por isso! (Secretário de Urbanismo e Meio Ambiente de Niterói, nov/2001) Fazendinha é uma grande fraude, a área desse loteamento já foi desapropriada para a reforma agrária, ninguem mexe na questão fundiária! (Ambientalista, reunião para esclarecimento da nova proposta para os limites do Parque/ maio/2002) O problema administrativo do IEF é muito sério, a CECA é importente, o Secretário Guida autorizou a implantação, o governo não tem toda a culpa, o malfeitor é o propietário!

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(Administrador do PEST, idem/maio/2002) O IEF não é omisso, houve três autos de constatação, o administrador faz a parte administrativa, o Batalhão Florestal faz outra coisa, não se consegue parar, sustar só administrativamente, apesar de um dos autos ser embargo, e sabe porque não? Porque os caras vão lá e peitam e continuam fazendo as obras! (idem).

6.3. O CASO DO CÓRREGO DOS COLIBRIS

A área denominada Córrego dos Colibris situa-se no Bairro Peixoto, Itaipu. Ë uma área plana, com cobertura florestal secundária, com níveis diferentes de alteração mas, em geral, é bem conservada, com árvores de grande porte, com curso hídrico e inserida no PEST. Desde 1987 tem sido alvo de consecutivas tentativas de parcelamento, principalmente devido a sua localização, em área nobre da RO. Em 1945 a área foi gravada Rural no Registro de Imóveis do 13º Ofício como “Reserva Florestal”26, no loteamento original “Cidade Balnearia de Itaipú”, o que significa dizer que desde aquela época ela é considerada uma não edificandi. Pelo alto grau de biodiversidade foi e tem sido ainda local de diversos estudos realizados pela UERJ, pelo NEA e por outras instituições, que vêm publicando, inclusive em eventos internacionais, trabalhos resultantes de observações naquele local. A área em questão é considerada “Zona Núcleo” pelo zoneamento da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Muitas espécies consideradas em extinção foram identificadas no local. O Córrego dos Colibris é uma das áreas mais emblemáticas e simbólicas do PEST. Sua configuração plana em local de fácil acesso, além da aparência de um grande bosque, tornou-o frequentado por moradores locais e ambientalistas que realizam curtas caminhas. O local tem sido ainda transformado em palco de manifestações públicas contrárias às tentativas de parcelamento da área, contando com diversos eventos culturais, apresentação de peças teatrais, oficinas de pintura, retiro espiritual etc A presença constante de ambientalistas, a instalação de inúmeras placas informativas, educativas ou repressivas, logotipos, aliado a realização de plantios de espécies nativas, 26

O termo, utilzado na época, encontra paralelo com a legislação referente à Reserva Legal. Contudo sua confusão terminológica para com categorias próprias às Unidades de Conservação tem, independente da confusão conceitual que acarreta, servido como sustentação para as teses de defesa do patrimônio ambiental. Valverde (op.

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melhoria de trilhas, visitação guiada, foram imprimindo ao local formas simbólicas de identificação do espaço. A consolidação do espaço enquanto espaço científico foi instituído pela presença da UERJ/FFP – São Gonçalo que já o utiliza como laboratório natural realizando diversas pesquisas. Essa institucionalização simbólica foi proporcionada em grande parte pela necessidade de reagir às inúmeras tentativas de parcelamento da área apoiadas pelo poder público municipal. Em 1987, a Empresa Imobiliária Ubá e a Prefeitura de Niterói - PMN - foram condenadas por sentença prolatada a partir de uma ACP. A PMN, por autorizar a implantação de um loteamento em uma área imediatamente contínua à referida (Quadras 51 e 52). A ACP (processo 18.026), movida pelo então Curador de Justiça do Meio Ambiente e do Patrimônio Comunitário, João Batista Petersen Mendes, a pedido dos moradores da região, alegava o fato da área ser Reserva Rural do loteamento citado, entre outros descumprimentos referentes à legislação ambiental. Além disso o loteamento também sofreu interdição, com base em uma deliberação da Comissão Estadual de Controle Ambiental - CECA 2.353/91. Em 1989 foi iniciado um projeto totalmente irregular, apresentado por Nelson Gomes de Almeida, proprietário da Ubá Imobiliária, visando a implantação de um condomínio em 900 mil m2 no próprio Vale dos Colibris. O Projeto foi negado pela Superintendência de Meio Ambiente da época (época em que parte do grupo de ambientalistas idealizadores do PEST atuavam no órgão – cf. capítulo 4) que alegou irregularidades na planta, omissão de cursos d’água etc., provocando o cancelamento do referido pelo Decreto Municipal n.º 5611/89. Em 1994 deu entrada no IEF um processo da prefeitura de Niterói (Processo n.º 80/3040/94 (PMN) referente a outro projeto para empreendimento de parcelamento da mesma área. O ofício, enviado pelo então secretário Adyr Mota, fazia consultas sobre a área. O IEF solicitou maiores informações sobre o referido empreendimento, mas nunca as obteve.. Em 1995 foi protocolado no IEF, por pessoa física, gerando o processo n.º E07/300067/95, outro projeto para empreendimento imobiliário na gleba 5, no próprio Córrego dos Colibris. A então administradora do Parque deu parecer contrário e o processo foi indeferido pelo presidente do IEF. cit.) historiciza o panorâma fundiário e a produção legislativa estadual sobre a questão, identificando tipos difenciados, que ora surgem como Reserva Legal, Reserva Rural ou Reserva Florestal.

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Em 1999 tramitava ainda na Prefeitura de Niterói dois processos (nº 080/2682/96 e 080/004078/97 – PMN) referentes a parcelamento no Córrego dos Colibris. Através de solicitação de entidade ambientalista, o MP foi acionado para averiguar informações junto a Secretaria de Meio Ambiente. Nesse sentido, respondendo ao MP, a Secretaria informava que havia dado parecer negativo ao projeto. O IEF não tinha conhecimento oficial do assunto. A tentativa mais recente de construção na área, ocorrida em 1999, pela Empresa Mattos & Mattos, merece uma análise mais detalhada, uma vez que os conflitos evidenciados com esta investida, permitem uma análise das relações entre os atores sociais envolvidos, suas percepções, intenções e como se comportaram no conflito evidenciado. A referida empresa se dizia detentora dos direitos das terras e propriedades da Empresa VEPLAN - Companhia de Desenvolvimento Territorial Ltda, empresa essa que foi à falência na década de 1980. A empresa Mattos e Mattos apresentou um projeto à SMMA referente à implantação de um condomínio, utilizando 15% dos 768.516,40 m² da área para a criação de 77 lotes residenciais. Acreditando na possibilidade de driblar a condição de “Reserva Florestal” através de investidas cartoriais e nas relações pessoais que tinham com técnicos da prefeitura, e confiantes ainda na possibilidade de enfrentar a delimitação provisória do Parque, a empresa protocolou o projeto sem nenhuma consulta ao IEF. A descoberta do processo pelos ambientalistas rendeu mobilizações públicas, denúncias ao MP e mobilização da imprensa, exigindo um posicionamento da SMMA e do IEF. Como o IEF não tinha tomado conhecimento oficial da proposta não se posicionou oficialmente. Apesar das promessas do IEF de vetar o processo caso fosse apresentado ao órgão, os ambientalistas temiam a pressão política e os artifícios burocráticos passíveis de serem realizado pela Secretaria. Pressionado pelos ambientalistas, o Secretario de Meio Ambiente de Niterói27 se apresentava contra o projeto, alegando, inclusive, tê-lo indeferido um parecer negativo. Por outro lado, corriam boatos sobre o estreito relacionamento entre os empresários da referida empresa com o secretário e sobretudo com um técnico da SMMA. As suspeitas se baseavam em promessas de recebimento de lotes, financiamento de projetos e favores pessoais em troca da aprovação do “condomínio ecológico”. Tais acontecimentos foram largamente divulgados pela imprensa local, onde o poder público aparecia sempre

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Na época, a Secretaria de Meio Ambiente era separada da Secretaria de Urbanismo.

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atrelado aos interesses do setor imobiliário. . Os empresários reagiam ameaçando entrar com processos contra segmentos ambientalistas28, respondendo aos ataques ambientalistas igualmente através de e-mails e procurando espaço na imprensa local para defesa de seu projeto. A SMMA se posicionava junto à imprensa como favorável a não favelização da área, uma vez que um dos discursos utilizados pelos empresários para o convencimento público era a necessidade de implantação de condomínios para deter o avanço das favelas no local, uma vez que esses consideravam os sitiantes do Engenho do Mato como favelados residentes na área do Parque. Com o agravamento das tensões e os diversos confrontos pela internet que ganhavam dimensão nacional, colocando em risco a imagem da SMMA, administrada pelo PV, foi organizada por esta uma Sessão Pública, com o intuíto de esclarecer a proposta dos empresários, que, segundo a própria Secretaria, tinha um cunho ecológico. Estiveram presentes diversas entidades ambientalistas que se confrontaram diretamente com os empresários e com o secretário. A sessão pública caracterizou-se por uma série de mal entendidos e discussões derivadas das diferentes interpretações que poder público, empresários e ambientalistas tinham da realidade local, do significado de conservação da natureza e das abordagens que deveriam ser adotadas para sua promoção. O fato se agravava por se tratar de um loteamento em área de Parque Estadual. Após acalorados debates, a Secretaria decidiu-se pelo arquivamento do projeto. Em um cenário misto de simbólico com emblemático, o Córrego dos Colibris foi o local onde ocorreu a primeira reação de ambientalistas contra a primeira tentativa de parcelamento em 1989, esta reação conforme foi relatado, impulsionou a campanha de criação do PEST. Nesse sentido, a área sempre fôra objeto de polêmicas e de vigilância por parte dos ambientalistas. A eterna “defesa” pelo córrego dos colibris, por parte desse segmento expressa o simbolismo de uma área onde a ciência e o sentimento de pertencimento público vigoram. A Empresa Mattos e Mattos elaborou um ‘Memorial Descritivo” como parte integrante do projeto de loteamento para a área do Córrego dos Colibris. Tal documento tinha o objetivo 28

Não raras foram as ameaças de agressão pessoal e mesmo ameaças de morte a ambientalistas. Após a Sessão Pública para avaliar o projeto no Corrego dos Colibris, uma ameaça de morte, feita de forma anônima, ficou registrada na secretária eletrônica da residência dessa pesquisadora (que havia se pronunciado frontalmente contra os interesses da especulação imobiliária), que tratou de torná-la pública através de denúncia na Delegacia de Polícia de Itaipu, propagada pela internet e pela imprensa.

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de justificar o empreendimento sob o ponto de vista ambiental. Curioso observar, em primeiro lugar, que o próprio título do documento: “Memória Descritiva Ambiental – Córrego dos Colibris”

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assinado pelo proprietário da empresa denuncia a consolidação do nome dado

pelos próprios ambientalistas ao local e, em segundo lugar, o cuidado dos empresários em justificar, diga-se reagir, se opondo ao discurso ambientalista através então de um outro discurso, através de uma “memória ambiental”. No referido documento parecem como justificativas: a) o benefício que seria trazido ao local pelo condomínio, uma vez que este funcionaria como cinturão contra a favelização; b) as condições de infra-estrutura local, c) as preocupações ambientais dos empresários em criar RPPNs – Reservas Particulares do Patrimônio Natural

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nos locais não loteados; d) o incentivo ao ecoturismo através da

construção de pousadas ecológicas, e, por fim, e) a pouca relevância da biodiversidade local, considerando a área como “ocupada por vegetação de regeneração natural, não ocorrendo nenhum trecho de mata primária e sem ocorrência de espécies em via de extinção”, quanto à fauna, o “Memorial” afirma ser composta por sapos, pererecas, camaleões, cobras e gambás, explicando que “as principais causas da pobreza em fauna nativa é devida à proximidade com vias de circulação intensa de veículos que afugentam, pelo ruído, a maior parte dos animais silvestres”. Como reação ao documento “Memorial Descritivo Ambiental”, surgiram três pareceres de segmentos ambientalistas ligados ao NEA que seguiram para a própria prefeitura, para o MP e para os empresários. Em um desses pareceres31, as justificativas contrárias ao empreendimento se baseiam dentre outros aspectos, no argumento científico, que considera os aspectos relativos ao endemismo, à biodiversidade, à importância dos processos ambientais e à afirmação do local enquanto espaço para a conservação da natureza. Percebe-se, portanto, que o argumento visualizado para buscar o mais alto grau de legitimidade científica para área se

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Memória Descritiva Ambiental – Córrego dos Colibris, assinado por Maurício Alvarim de Mattos, documento que integra o projeto de parcelamento da área, apresentado a Prefeitura Municipal de Niterói através dos processos: Nº 080/2682/96 e Nº 080/004078/97 30 As RPPNs são Unidades de Conservação instituídas em propriedades privadas de acordo com a vontade do proprietário e do consentimento do IBAMA, não necessitando de desapropriação. As RPPNS tem caráter de perpetuidade. 31 Parecer Técnico sobre a Proposta de Parcelamento da Área do Entorno ao Córrego dos Colibris (Parque Estadual da Serra da Tiririca, Niterói/Maricá, RJ) elaborado pela Bióloga Ana Angélica Monteiro de Barros Presidente do NEA – Protetores da Floresta.

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constitui no fato dela, além de inserida no Parque e protegida pela legislação ambiental em vigor, ser considerada Zona Núcleo32 da Reserva da Biosfera, uma vez que a área da Serra da Tiririca foi reconhecida pela UNESCO como parte integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. A busca por este status científico internacional33 e a identificação do local como área cuja interferência humana é inadimissivel – Zona Núcleo -, uma vez que em outras situações de risco não se buscou tal argumento, revela o entendimento de creditar à pesquisa científica a legitimidade do discurso de incompatibilidade entre o uso direto dos recursos naturais por se tratar de um “Centro de endemismo, de riqueza genética, com características naturais únicas e de excepcional interesse científico” tornando-o incontestável sob o ponto de vista da conservação. A Área da Serra da Tiririca foi reconhecida pela UNESCO como parte integrante da Reserva da Biosfera. O Córrego dos Colibris está na Zona Núcleo, por ser uma área florestada estratégica e em bom estado de regeneração. Esta zona não permite visitação ou qualquer obra de infraestrutura sendo bastante restrito seu uso. A zona núcleo é uma Área de Preservação Permanente, contendo os remanescentes mais significativos da Mata Atlântica e seus ecossistemas associados. São Centros de endemismos, de riqueza genética, com características naturais únicas e de excepcional interesse científico. Nessas áreas pode não haver qualquer tipo de utilização que não seja educacional ou científica voltada para conservação ambiental. (Ana Angélica Monteiro de Barros/ NEA-Protetores da Floreta)

Nota-se que o discurso empresarial, voltado para a tentativa de desvalorização da área sob o ponto de vista ambiental, através de afirmações sobre a pobreza faunística composta por sapos, pererecas e lagartos, ou creditando ao empreendimento o poder de, através de um cinturão ocupacional, que se uniria ao condomínios laterais, pretende resolver um dos maiores temores atuais da classe média alta que é o “risco” de favelização. O suposto condomínio, além de impedir o risco social na área, “preservaria a flora e a fauna do Parque”. Travestindo32

Segundo o Plano de Ação da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CONSÓRCIO MATA ATLÂNTICA; UNICAMP, 1992, p. 15) o gerênciamento da Reserva da Biosfera se dá através do zoneamento de sua área. As zonas núcleos são identificadas como: “a região mais preservada de um ecossistema representativo, hábitat favorável ao desenvolvimento de numerosas espécies de plantas, animais e seu cenário de convivência com seus predadores naturais. Registra-se, aí, a ocorrência de endemismos, espécies raros de importante valor genético e lugares de especial interesse científico. Amparada sempre em proteção legal segura, só se permitirão em seus limites atividades que não prejudiquem ou alterem os processos naturais e a vida selvagem. Exemplo: a zona inatingível de um parque ou de uma estação ecológica , uma Reserva Biológica ou uma Área de Preservação Permanente” (Reserva da Biosfera da Mata Atlântica – Plano de Ação; 1992, p. 16) . 33 As Reservas da Biosfera foram criadas pela UNESCO, em 1972, e estão presentes em 110 países. Têm sua sustentação no Programa UNESCO, “O Homem e a Biosfera”, desenvolvido pelo PNUMA, em parceria com a UICN e outras agências internacionais de desenvolvimento.

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se, pois, do moderno conceito de desenvolvimento sustentável, pressupondo para tanro o apodo “ecológico” para o empreendimento e o ecoturismo como a “melhor maneira de se desenvolver sustentavelmente o nosso país, trazendo divisas e mantendo os nossos ecossistemas preservados”. Os discursos de ambos os documentos revelam, onde, os diferentes interesses, percepções e valores, que se configuram como modos de apropriação do mundo material. Em confronto e colocados lado a lado, temos os valores de um mercado imobiliário e a lógica conservacionista. O primeiro trabalha com a visão oposta a do segundo, considerando que a conservação está cincunscrita somente em uma arena estética, não se configurando em processos ou sistemas, e que a simples manutenção de jardins, ou paisagens artificiais suprem as necessidades e demandas da sociedade na questão da qualidade de vida. Ou ainda, que, o maior risco da conservação é que, na medida em que esta não se materializa em benefícios para as classes dominantes, se tornam focos produtores de favelização. O ecoturismo, nesse sentido, vem consolidar o discurso da necessidade de otimizar o capital natural, apropriação produtiva da natureza movida pela dinâmica utilitária da economia, que busca critérios de eficiência, nível de produtividade. A idéia de sustentabilidade impressa no ecoturismo se revela como estratégia para legitimar o espaço para uso de determinada classe, uma vez que a conservação expressa somente pela ciência, não colabora com essa eficiência econômica e não assegura ganhos reais para este segmento. O ecoturismo, neste caso, é um convite à homogenização dos discursos.

6.4. O CASO DA MINERADORA INOÃ E DA SAIBREIRA A Mineradora Inoã e a Sabreira Fernandes e Oliveira foram instaladas na área do PEST no final da década de 1980, antes da criação do Parque. Pelo tipo de atividade econômica altamente impactante e por se situarem em área de Mata Atlântica ambas já eram consideradas infratoras da legislação ambiental. Após criação do Parque, intensificaram –se as pressões por parte de ambientlaistas sobre os empreendimentos. Em 1996, o IEF emitiu um auto de constatação à Saibreira (Empresa Fernandes de Oliveira Saibreira e Material de Construção Ltda) por retirada de saibro em área do Parque - Morro do Cordovil -, supressão de 600m de vegetação nativa e

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movimentação de terra no topo do morro, efetuada com trator de esteira. A empresa já era infratora reincidente, outros autos de constatação foram expedidos em 1990 e 1994. A Licença de Operações da FEEMA, de 12/3/96, foi expedida visando a recuperação da área explorada. A empresa apresentou o plano de recuperação ambiental e foi autorizada a explorar na face sul da área com restrições, não podendo fazer remoção de vegetação. O proprietário alegava na época que obteve licença da prefeitura de Niterói, em 16/9/94, com validade de um ano, sendo revalidada nos anos posteriores até 1997. Além da licença da Prefeitura, a empresa registrou em cartório um termo de compromisso com o n.º 05/94, em que se “compromete a efetuar a recuperação ambiental da área conforme determina a lei orgânica do município no art. 316, parágrafo 1º”. A empresa possuía registro no Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM e registro de licença de operações, cuja validade extinguiu-se em 1997. A Empresa possuía também certificado de registro no Departamento de Recursos Minerais - DRM (Estado) com validade até 1998. O advogado do IEF no processo, chama a atenção sobre o impedimento legal da prefeitura em licenciar atividades na área do Parque, lembrando que o PEST existe antes das licenças expedidas pela prefeitura. Há também, por parte do Ministério Público Federal, solicitação de informações sobre a referida saibreira a fim de subsidiar o Inquérito Civil nº01/98, impetrado por uma entidade ambientalista. A saibreira vem declarando o encerramento da atividade desde 1999. Sabe-se que até 2002, além da continua exploração, parte da área tem sido oferecida como lotes para venda. . Já a Mineradora Inoã explorou brita em área do PEST até 1999, quando foi fechada por determinação da CECA. Durante o tempo de funcionamento foi responsável por desmatamento de grandes proporções, com movimentação de terra, explosões e desbarrancamento na localidade denominada Inoã. A Empresa iniciou suas atividades em 1989, apesar da autorização para funcionamento através de portaria de lavra ter sido dada apenas em 1994 e não ter sido consultado o órgão gestor oficial do Parque, o IEF. Até esta data funcionou com um guia de utilização do Departamento Nacional de Produção Mineral DNPM, autorização para desmatamento do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente - IBAMA, registro do Departamento Recursos Minerais - DRM - e com as respectivas Licenças da FEEMA. A lei municipal 1313/94 regulamentou a atuação do município para licenciar as atividades minerais A partir daí, os proprietários de empresas mineradoras precisaram solicitar

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licenciamento no município como condição para obter a licença da FEEMA. O DNPM, federal, e o DRM e a FEEMA, da esfera estadual, só licenciam atividade mineral se o empresário obtiver previamente a licença municipal. Desde 1994, a licença municipal era dada anualmente à Mineradora Inoã e à saibreira Fernandes de Oliveira. Em 1997, a Mineradora Inoã solicitou e recebeu mais uma vez a licença anual da recém criada SMMA de Niterói. Em 1998, pressionados por grupos ambientalistas e pelo MP, em virtude de ACP provocada por denúncia de ONG solicitando a cassação das licenças à mineradora, a Secretaria cassou a licença baseada em irregularidade no plano de controle ambiental - PCA - apresentado pela empresa. Devido a uma série de equívocos jurídicos por parte da Secretaria, a empresa conseguiu recorrer ao judiciário, que ssustou a medida. Por fim, em 1999 a CECA cassou a licença estadual, culminando no fechamento da empresa. O proprietário, em reação, exige do Estado a compra de suas terras, que segundo sua avaliação chegam a custar 8 milhões de reais. A análise do caso das atividades minerais, que ocorrem na área do PEST desde 1989, coloca em jogo, de um lado, um suposto direito de propriedade referendado pela Constituição Federal, e de outro lado, a nova leitura desse direito, fruto da consolidação do Direito Ambiental, que dá ao Estado e ao cidadão brasileiro o direito e o dever de defender o meio ambiente e reconhece ainda a função sócioambiental da propriedade. Visualiza-se o campo do conflito formado por várias instâncias do poder público, por agentes econômicos individuais que atuam no espaço dos direitos jurídicos da propriedade e pelo movimento ambientalista, que vai reclamar aos poderes públicos e ao MP a apropriação privada dos recursos naturais e a transformação destes em recursos econômicos pelo agente privado e pressioná-los pelo o uso coletivo dos recursos naturais através do uso indireto assegurado na conservação através do PEST. Essa contradição se traduz em conflitos de interesses distintos e opostos. O caso espeçifico da Mineradora Inoã expõe por outro lado, o conflito de atribuições entre órgãos das diversas instâncias (Federal, Estadual e Municipal), responsáveis pela proteção ambiental, e as dificuldades em se internalizar a institucionalização do território, que a partir da materialização do Parque, passa a ser gerido por um único órgão gestor, exigindo-se um tratamento diferenciado quanto ao licenciamento previsto e concedido tradicionalmente pelos órgãos licenciadores. Observa-se que tal situação conflitante advém de dificuldades históricas

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de integração entre os órgãos públicos na questão ambiental e do despreparo em lidar com as novas determinações da Constituição Federal O controle de licenciamentos se revela como parte de um sistema administrativo desarticulado, que ainda patrocina favores a particulares por intermédio do poder público, interpretando a competência concorrente de forma exclusiva e não inclusiva como reza a legislação. Verifica-se igualmente a participação de um terceiro a gente presente neste e em outros casos de conflito: o MP, que vai arbitrar os interesses em conflitos, recebendo denúncias, intermediando o processo de disputa, regulamentando os procedimentos e pressionado o órgão gestor para um processo de gestão. A análise dos conflitos relativos a Mineradora Inoã permitem uma análise das concepções e valores atribuídos ao recurso natural que considerou estes como inesgotável em nome de um desenvolvimento econômico acelerado. O início da exploração mineral no final da década de 1980 marca decisivamente a fase onde as empresas, de um modo geral, não assumiam as responsabilidades pelos danos ambientais executados. As externalidades negativas não eram incorporadas nos custos da empresa, mesmo estando designado em leis e regulamentos referentes ao licenciamento ambiental. Com a criação do PEST, a situação se agrava e através de novos remédios constitucionais os rumos começam a mudar. O caminho foi – e ainda é – tortuoso, esbarrando na morosidade do Judiciário em adaptar-se aos novos paradigmas, insistindo em não dar provimento às medidas cautelares em razão de uma ótica civilista arraigada, onde o direito privado se sobrepunha ao direito difuso. Contudo, com a denegação da ação para a esfera federal o principal desdobramento do foi a paralização completa das atividades, tendo em vista o reconhecimento da área de preservação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: FECHANDO UM CICLO

Ainda assim, sou Alguém. Sou o Descobridor da Natureza. Sou o Argonauta das sensações verdadeiras. Trago ao Universo um novo Universo Poque trago ao Universo ele-próprio. (Alberto Caieiro, “O guardador de rebanhos”, XLVI, 29-33) .

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O País conta hoje com 8,13% do território nacional protegidos em UCs. Dessa porcentagem, 2,61% constituem UCs de Proteção Integral. O Estado do Rio de Janeiro conta com 21 UCs de Proteção Integral. Destas, 12 estão sob a categoria de manejo Parque Nacional, sendo que 7 são Parques Estaduais. Registra-se que em 99% destes existam moradores resindido no interior da Unidade. Apesar de considerado pelo governo brasileiro como avanço significativo em termos de proteção integral dos ecossistemas, a categoria PN se constituiu em uma ferramenta conflituosa para a conservação, na medida em que se pressupõe a institucionalização do espaço com regras de uso e apropriação dos recursos naturais através do não uso. Os PNs são criados como espaço da conservação, onde as novas regras de uso passam pelo lazer, pela pesquisa e pela educação, regras pautadas no não consumo dos recursos naturais sobrepostas em territórios impregnados de complexas relações sociais. Desse modo, três ordens de fatores se apresentam como relevantes enquanto considerações finais para o presente trabalho: 1) a crítica referente à ferramenta Parque; 2) as transformações perceptíveis nos novos movimentos sociais ambientais; e 3) o exame específico da Gestão Tiririca , visando a uma plataforma de ação. 1 - Quanto ao primeiro item, tratando da ferramenta Parque, este, enquanto produto do movimento ambientalista, tem sido o instrumento conservacionista mais procurado para conter ou reagir às ameaças reais ou potenciais e às tentativas de privatização dos recursos naturais de grande valor ambiental e considerados vitais para perpetuação da vida. A institucionalização do espaço social revertido como espaço da conservação onde novas regras de uso e apropriação vigoram evidenciou conflitos sócio-ambientais que culminaram em entraves ou desafios para a conservação. Uma vez instituídos como resposta ou reação, os PNs instauraram ou evidenciaram

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reações ou resposta às novas regras estabelecidas agora no “espaço da conservação” e não mais em um espaço social das relações. Numa visão unitarista, os conflitos oriundos da necessidade de adequação do espaço social ao espaço da conservação sempre foram tratados como entraves técnicos ou instrumental. Nesse sentido, os entraves da conservação estavam alocados no campo da ineficiência estatal, uma vez que o Esatdo não estaria cumprindo suas atribuições no trato da conservação.Os conflitos evidenciados com a criação de PNs estariam diretamente ligados à incapacidade institucional, técnica, financeira e operacional deste ator político, tendo em vista a não consecução dos objetivos de conservação impressos na unidade. Logo, os problemas advindos da permanência humana nessas áreas eram considerados como “problemas fundiários”, em geral revelando a necessidade de se removerem os residentes destas áreas, o que, no caso do Brasil, simplesmente não ocorria pela inexistência de verba para desapropriação. Por sua vez, o uso direto dos recursos naturais, praticado pelos residentes dessas UCs, passou a ser interpretado como ineficiência da fiscalização, resultantes, na melhor das hipóteses – e numa visão pseudo-democrática – da ausência de projetos de educação ambiental. Outros aspectos podem ser somados para a consolidação desse “álibi” estatal, como a incapacidade em prover programas de geração de renda, a retórica em torno do ecoturismo e as propostas de transformação desses residentes em guarda-parques. Ao Estado e, em especial, aos órgãos responsáveis pelo setor ambiental, estaria atribuída toda a responsabilidade em gerir esse território sob o ponto de vista estritamente conservacionista, desconsiderando-se a histórica fragmentação e a falta de integração entre os entes federativos. Muitos dos órgãos responsáveis pela administração destas unidades surgiram de acomodações organizacionais como é o do IEF. Trata-se, no fundo, de uma herança da centralização político-administrativa brasileira, que tarda ainda em implantar, de forma definitiva, uma República. Posto que ainda vivemos em uma Res privada. A institucionalização do espaço para a conservação e a conseqüente construção de um entorno, colocou em evidência os inúmeros desafios relativos a essas fronteiras sóciopolíticas. Todavia, o processo de maturação dessa transversalidade vem permitindo cotejar que o império da coercitividade e da exclusão começa a se fazer substituir pelo espaço plural da construção coletiva das trajetórias. Sob o ponto de vista da conservação, o entorno das UCs e em especial dos PNs, configurado como um espaço de pressão e ameaças, vem obrigando a

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uma integração e à criação de diversos programas e projetos, voltados a minimizar essa constante pressão. As estratégias de compatibilização ou minimização, ainda que projetadas sob o ponto de vista conservacionista - assim sendo, corredores florestais, zonas de amortecimento, projetos de educação ambiental - são algumas das iniciativas elaboradas. Outras, de cunho participativo, também foram contempladas, como é o caso das diretrizes do SUNC, onde merece destaque a instituição de Conselhos Participativos, de caráter consultivo e a participação popular na configuração da unidade através de uma Consulta Pública. Ainda que essas novas ferramentas não sejam suficientes, pois pressuõem um acidadania ativa, uma militância permanente, e não o nosso histórico de cidadania tutelada, a consulta apregoada no SNUC pode ser utilizada para minimizar os conflitos evidenciados na criação de UCs e principalmente dos PNs. A inclusão da consulta pública é considerada uma resposta aos reclames da corrente sócio-ambientalista que chamou atenção para os conflitos advindos da criação de UCs, principalmente as de proteção integral, em locais já habitados, e para os critérios eminentes científicos que sempre pautavam a escolha da categoria e de sua localização. Tal consideração é comprovada na medida em que a consulta pública só foi assegurada aos PNs, dentre todas as categoria de UCs de proteção integral existente, uma vez que é nessa categoria que ocorrem os principais conflitos. Quanto ao caráter consultivo do conselho das UCs de proteção integral, parte-se do princípio de que as questões relativas a essas UCs não podem ficar ao sabor da pressão social, uma vez que, dependendo do grau de conflito evidenciado, teme-se a dissolução da unidade. Tal afirmação é notória, na medida em que a CRFB de 1988 impôs ao poder público identificar as APPs e de criar as UCs em todo o território nacional. Desse modo, a não permancer a presença marcante da sociedade civil organizada, o Conselho Consultivo pode se configurar em mero instrumento de legitimação da política governamental, uma vez que a sociedade não estaria autorizada a mudar o rumo da conservação. 2 - Quanto ao segundo ponto, sobre as transformações perceptíveis junto às novas gerações de militância ambientalista, ressalva-se que, em um primeiro momento da história de criação de PNs no Brasil, os atores sociais envolvidos com a criação destes eram conservacionistas partícipes de uma oligarquia histórica que se entranharam na máquina pública e de lá efetuaram uma política redencionista, onde a natureza era o elemento da verdade essencial a ser resguardada a qualquer custo. Para a ótica atual, estes

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conservacionistas precursores podem mesmo vir a serem considerados, em uma leitura extrema, como “militares da conservação” em seu “exército da salvação” da natureza. Com a mudança de paradigma após 1972, as novas gerações ambientalistas vão transformar esse discurso monológico, pontual e auto-validável em um discurso outro, multifacetado e em permanente reelaboração. Ainda que resista certa ideologia conservacionista, o novo movimento ambientalista se consagra como golpe mortal na antiga “maçonaria”. O “novo conservacionismo” se alinha ao discurso da democracia, da “cidadania ecológica” e dos novos direitos. Os PNs do final da década de 1980, se configuram como produto híbrido desses dois conservacionismo, demonstrando a dialética democrática inerente aos momentos de transformação política pelo qual passava o país, em busca do resgate do caráter público da natureza, entendendo-a como um interesse universal a ser resguardado em comunhão com o valor local. 3 - Quanto ao terceiro fator ressalvado, no caso do PEST a institucionalização do espaço da conservação obrigou a uma delimitação física instituindo-se naturalmente um entorno. A complexidade sócio política do entorno, cuja ausência de definição conceitual complexizou ainda mais as relações com a unidade, acabou se constituindo em elemento de pressão e ameaças, sendo necessário a busca de uma permanente interação com este entorno. O PEST perpetua a concepção de conservação exposta e consolidada nos PNs brasileiros. O PEST é um produto do movimento ambientalista local que, em nome da conservação da biodiversidade, dos processo ambientais, dos habitats da fauna e da flora e dos recursos hídricos existentes, transformou espaços históricos sócias em espaços da conservação. O processo de ocupação das áreas naturais em um contexto urbano obedece a uma outra lógica que se sobrepõe à lógica da conservação. O pensamento urbanístico, que sempre vigorou nas grandes cidades possuidoras de áreas naturais, privilegiou a ocupação destas, construindo para as mesmas uma escala de valor subjetivo que terminou por degradá-las. .O processo de estruturação urbana que vigorou nas cidades de Niterói e de Maricá na região onde se encontra o PEST foi responsável por um tipo de ocupação que se choca frontalmente com a lógica da conservação, desencadeando diversos conflitos. Típico do ambientalismo do final dos anos 80, o movimento civil atuou no processo político de decisão sobre a distribuição social dos recursos contidos na Serra da Tiririca.

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Apoiando-se nos pressupostos científicos como irrefutáveis para a conservação, justificou-se a criação do Parque num cenário da escassez global, pressupondo-se ainda que a transformação da Serra em Parque traria como conseqüência a presença maior do Estado na área, beneficiando o aspecto social e afastando o utilitarismo do capital privado.. Ao seguir o modelo de conservação dos PNs sem definir o espaço físico da institucionalização, optando por deixar um limite provisóri, o ambientalismo da Tiririca se sinalizou a possibilidade de construir socialmente o espaço da conservação, abrindo tal possibilidade em canal oficial (lei de criação do PEST) de debate para construção desse espaço, em contrapartida. Essa postura de vaguarda contribuiu para diluir o território em face da lógica de apropriação territorial fronteiriça, submetida a uma pulverização de regras, muitas delas adversas à conservação. O resultado dessa diluição foi o avanço da dinâmica dos modos de apropriação do entorno para dentro da unidade. Demonstrando, com isso, que a não delimitação do espaço da conservação no ato de criação do Parque, o revelou como instrumento indefinido na aplicação das regras da conservação, expondo a fragilidade de uma ferramenta conservacionista cuja sustentabilidade ambiental vem a se atrelar à necessidade de sustentabilidade política. Nesse sentido, as regras da UC se configuraram como díspares em relação às regras do entorno. A eventual perda de 7 hectares da área original do PEST com a futura aprovação da delimitação definitiva constituir-se-á em um indicador de pressão muito importante para se avaliar sua inserção urbana em seus 11 anos de existência. Sua condição de submissão às políticas institucionais locais e a demanda e pressão de ocupação no interior da área e de seu entorno, uma vez que este se encontra em "em área de expansão urbana" com forte política de arrecadação financeira através do IPTU (que se constitui em principal recurso financeiro do município), colaboram para o acirramento dos conflitos em torno das propriedades no Parque. O resultado dessas investidas refletem-se diretamente no esforço de fiscalização desprendido pelo órgão gestor, que, ao contrário de inserir o Parque em um processo de gestão, se vê obrigado a fazer exclusivamente o papel de órgão fiscalizador dos problemas locais e das condutas municipais de ordenamento urbano. Tendo em vista a complexidade do espaço social e os conflitos evidenciados com a criação do PEST, entende-se que as particularidades do PEST e a participação efetiva da sociedade na gestão poderão colaborar para a construção de um modelo de conservação

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independente da concepção vigente. O Conselho Consultivo instituído pelo SNUC para funcionar mesmo sem poder de decisão, no caso do PEST poderá ser o propulsor de um melhor relacionamento entre os Órgãos Públicos e as ONGs ambientalistas com trabalhos no local, gerando políticas conjuntas para o Parque. A escolha das ONGs que comporão o Conselho Consultivo deve contemplar o grau de representatividade e legitimidade destas e a possibilidade de representação dos residentes no PEST. A constituição do Conselho nesses moldes pode se configurar como um marco decisivo na história do Parque, se houver presença marcante da sociedade civil e compromisso por parte do Estado na gestão da unidade. Urge a delimitação definitiva e o enfrentamento, sem temor, por parte do órgão gestor, dos problemas relativos às propriedades privadas dentro da área do PEST. Uma vez que os critérios para a delimitação proposta, que redimensionará o Parque não levaram em conta nem a ciência da biologia da conservação, nem estudos diferenciados da situação fundiária, nem o uso da terra ou mesmo uma caracterização sócio econômica da área, será necessário rever situações onde os objetivos de conservação podem não haverem sido contemplados. Para evitar um futuro desentendimento quanto à questão da delimitação, seria importante levar a questão para o futuro Conselho Gestor da unidade. O permanente diálogo com os afetados e interessados pela questão é um dos caminhos imprescindíveis. Por fim, uma vez que os conflitos evidenciados no PEST podem ter como origem a concepção de conservação impressa nos PNs, seria necessário clarear as “novas regras do jogo”, que visam formas diferentes de uso e apropriação do espaço da conservação, democratizando o acesso à informação e gerindo conjuntamente novas regras, as quais poderão colaborar para a construção paulatina de uma nova concepção de conservação. Urge, nesse sentido, mapear e identificar oficialmente os conflitos sócio-ambientais na área do PEST, para que estes possam se configurar como combustível para a retroalimentação de novos conceitos de conservação. Há necessidade premente de cooperação entre os poderes públicos estadual e municipal, na busca de políticas públicas que possam minimizar os conflitos (tais como redução de IPTU para moradores do PEST) e fazer valer os objetivos de conservação. A elaboração do plano Gestor da Unidade deve ser pensada conjuntamente com a participação da sociedade e poderá se configurar em uma tentativa de busca de um modelo de

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gestão, compatível com as particularidades locais, uma vez que é possível se vislumbrar áreas de conivência entre a sociedade e o PEST, sem se pautar na desapropriação. Por fim, espera-se que essa dissertação contribua para o entendimento de que existe a necessidade de se construir socialmente uma concepção de conservação baseada no entendimento do espaço da conservação como espaço da gestão das relações sócioambientais.

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS

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ANEXO 1 DECRETOS-LEI DE CRIAÇÃO E DE DELIMITAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DA TITIRICA

DECRETO-LEI 1.901, de 29 de novembro de 1991. Dispõe sobre a criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca. DECRETO-LEI 18.598, de 19 de abril de 1993. Dispões sobre limites da área de estudos para a demarcação e do perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca.

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Conflitos na conservação da natureza: o caso do Parque Estadual da Serra da Tiririca

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ANEXO 2 MATÉRIAS JORNALÍSTICAS E PANFLETOS SELECIONADOS (EM ORDEM CRONOLÓGICA) Jornal Tribuna: “Prefeito anula loteamento na Serra da Tiririca”. Niterói, março de 1989.. Jornal do Brasil. “A Serra da Mãe Joana: Decreto quer impedir o vale-tudo imobiliário na Serra da Tiririca”.Março/1989 O Globo Niterói. “Tiririca”. Sessão “carta ao leitor”: Outubro/1989 O Globo Niterói: “População se mobiliza em defesa da serra”. Outubro/1989 O Globo Niterói: “Grupo começa luta contra destruição do meio ambiente”. Novembro/1989 Jornal da AFEA: “Frente Defende a Tiririca”.Dezembro/1989 O Globo Niterói: “Uma audiência pública para o meio ambiente”. Janeiro/1990 O Fluminense: “Enfim, Cidadania Ecológica”. Janeiro/1990. O Globo Niterói: “Ecologistas tem projeto para transformar o lugar em Parque Nacional”. Abril/1990. O Globo Niterói: “Hoje é o Dia da Terra: Ajude a salvar a mata da Serra da Tiririca”. Abril/1990 O Globo Niterói: Saibreiras e pedreiras não respeitam a Lei Orgânica”. Fevereiro/1991. Carta Verde. Boletim Informativo do mandato do Carlos Minc – capa. Março/1991. O Globo Niterói: “Grupo luta em defesa do meio ambiente: Cidadania Ecológica acusa prefeitura de descaso”. Março/1991. O Globo Niterói: “Desmatamento irregular ameaça encostas dos morros da cidade”. Março/1991 O Globo Niterói: “Município quer leis em defesa do meio ambiente/” e “Serra da Tiririca pode vir a se transformar em Parque Estadual. Maio/1991. Jornal do Movimento Cidadania Ecológica: “Serra da Tiririca: A luta por um Parque”. Junho/1991. Jornal do Brasil: ‘Tiririca agora é reserva”. Novembro/1991 Caderno Oceânico: “ ‘Cidadania’ ganha lei para Tiririca”. Novembro/1991. O Globo Niterói: “Em defesa da Mata Atlântica. Na Serra da Tiririca, o antigo sonho do movimento”. Março/1992. O Fluminense: “Burocracia ameaça Serra da Tiririca”. Abril/1993. Revista O Cais: Reunião em Niterói e Maricá retomam luta pela implantação do Parque Tiririca”. Maio/1993. O Globo Niterói: “Parque da Tiririca faz três anos sem razões para festa”. Novembro/1994

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O Globo Niterói: “Por um parque fora do papel”. Novembro/1995. Caderno Oceânico de Niterói: “Destruição ameaça Serra da Tiririca” e “S.O.S. Serra da Tiririca: Entidades ecológicas fazem manifestação em defesa da área florestal e acusam IEF de omissão”. Novembro/1995. Caderno Oceânico de Niterói: “Ato cultural defende o Parque Estadual da Serra da Tiririca”. Abril/1996. “Parque Estadual da Serra da Tiririca é Vítima de omissão do Governo do Estado”. Panfleto distribuído pela Frente em Defesa da Serra da Tiririca em outubro/1998. “Córrego dos Colibris é alvo mais uma vez da especulação imobiliária”. Panfleto distribuído pela ONG NEA – Protetores da Floresta, Projeto Ecoando e Grupo Excursionista Serra da Tiririca – GEST em maio de 1999. A Hora: “Serra da Tiririca tem novos defensores”. Julho/1999. O Globo Niterói: “Ecologistas brigam por Serra da Tiririca: Lista da comissão de implantação do parque é alvo de discórdia entre ONGs e a APEDEMA”. Junho/1999. O Dia: “Parque da Serra da Tiririca sairá do papel: Projeto do IEF vai custar R$ 750 mil”. Agosto/2000. O Globo Niterói: “Acordo tenta conter devastação na Fazendinha: Prefeitura se compromete com IEF a não autorizar novas intervenções na Serra da Tiririca”. Agosto/2000. O Globo Niterói: “Pedreira irregular é interditada em Niterói: Vistoria no Parque Estadual da Serra da Tiririca constata que curso de rio foi desviado”. Agosto/2000. O Globo. “Verba para projetos não tranquiliza ecologistas: eles dizem que, enquanto o dinheiro não sai, áreas de Mata Atlântica são degradadas”. novembro /2000. O Globo Niterói. “A cidade cresce em direção à Região Oceânica: censo 2000 mostra aumento de 26% na população da área, enquanto Zona Norte perde 5,2% de moradores”. Maio/2001 O Fluminense: “Parque ainda não saiu do papel: Ambientalistas entram na justiça para pedir implantação e fiscalização ostensiva na área”. Junho/2001. O Globo: “Delimitação vai virar lei, mas Serra da Tiririca continua sob ameaça: Construções ficarão fora do parque e Morro das Andorinhas é incluído. Pescadores e Sitiantes querem ficar”.Agosto/2001. O Povo: “Conflito por terrenos na Serra da Tiririca”. Agosto/2001. O Fluminense: “Serra da Tiririca: área do parque será definida: Limites serão definidos pelo estudo feito pelo CIDE, que utilizou imagens de satélite para mapear o espaço e os limites do parque”. Agosto de 2001

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