Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação necessária.

June 14, 2017 | Autor: Silvana Fontanelli | Categoria: Memória empresarial, Centro de Memoria
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SILVANA APARECIDA FONTANELLI

Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação necessária.

São Paulo 2005

SILVANA APARECIDA FONTANELLI

Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação necessária.

Trabalho de conclusão de curso (TCC) apresentado ao Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para obter o grau de Bacharel em Biblioteconomia.

Orientadora: Profª Drª Johanna W. Smit

São Paulo 2005

Fontanelli, Silvana Aparecida Centro de memória e ciência da informação: uma interação necessária / Silvana Aparecida Fontanelli. – São Paulo: S.A. Fontanelli, 2005. 105p. Monografia (Trabalho de Conclusão do Curso de Biblioteconomia) – Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo, 2005. Orientadora: Profª Drª Johanna W. Smit 1. Centro de Memória. 2. Instituição-memória. 3. Ciência da Informação. 4. Memória. I. Autor. II. Título.

Termos de Aprovação

Nome do autor: Silvana Aparecida Fontanelli Título da Monografia: Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação necessária.

Presidente da Banca: Profª Drª Johanna W. Smit Banca Examinadora: Profª Drª Maria Christina Barbosa de Almeida

Instituição: ECA/USP

Profª Drª Maria de Fátima G. M. Tálamo

Instituição: ECA/USP

Aprovada em:

Para o João pelo apoio incontestável e pelo amor imensurável.

AGRADECIMENTOS

À professora Johanna pelo apoio, pela paciência e pelas importantes observações durante a realização deste trabalho. Às professoras Asa e Maria Christina pelas palavras de apoio num momento delicado da minha vida. E a todo o pessoal do CBD que dividiu comigo muitas inquietações, mas também muitas alegrias que ficarão na minha memória. Em especial ao Zé (José Estorniolo) e à Juliétti, que me acompanharam durante boa parte dessa trajetória e que sempre me apoiaram e me estimularam.

Guardar Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda nada. Em cofre, perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela. Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro. do que um pássaro sem vôos; por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declama e declara um poema: para guardá-lo; para que ele, por sua vez, guarde o que se guarda, guarde o que quer que guarde um poema. Por isso o lance do poema: Por guardar-se o que se quer guardar. Antonio Cícero

FONTANELLI, Silvana A. Centro de Memória e Ciência da Informação: uma interação necessária. São Paulo, 2005. 105f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Departamento de Biblioteconomia e Documentação. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo.

Resumo As instituições-memória, consideradas como serviços de informação, são comparadas e analisadas para auxiliar o estudo da delimitação da atuação do centro de memória, entendido como instituição fundamental para a preservação da memória das organizações e do patrimônio cultural e histórico da humanidade. Enfatiza-se o papel do profissional da informação na administração e gestão dos documentos e informações que compõem o acervo do centro de memória. A análise engloba a relação entre memória e história; a definição dos lugares da memória e sua importância; o estudo das similaridades e especificidades dos serviços de informação (arquivo, biblioteca e museu), tendo como base a relação intrínseca e interdisciplinar que mantêm com a Ciência da Informação; e a apuração do papel do profissional da informação na transformação do centro de memória em um serviço cujo objetivo seja não só a preservação da memória da instituição, como também, e principalmente, a disponibilização dos dados de forma clara e eficaz, contribuindo para a produção de conhecimento, para o desenvolvimento da instituição e, quem sabe, para a transformação do indivíduo e da sociedade.

Palavras-chave memória; história; centro de memória; instituição-memória, ciência da informação; informação; documento.

Lista de Abreviaturas

ALA

American Library Association

CI

Ciência da Informação

CNPq

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

FID

Federação Internacional de Documentação

ICOM

Conselho Internacional de Museus

IIB

Instituto Internacional de Bibliografia

IID

Instituto Internacional de Documentação

Natis

National Information System

VINITI

Instituto para a Informação Científica

UNESCO

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNISIST

Sistema Mundial de Informação Científica

Sumário Resumo Lista de Abreviaturas Apresentação ....................................................................................................................... 10 1.

Introdução .................................................................................................................. 13 1.1 Objetivo geral .................................................................................................... 15 1.1.1 Objetivos específicos ................................................................................... 15 1.2 Procedimentos metodológicos .......................................................................... 15

2.

A relação entre memória e história ............................................................................ 17

3.

Os lugares da memória e sua importância na preservação da memória coletiva ....... 25

4.

A Ciência da informação............................................................................................ 29 4.1 Ciência da informação: sua história e conceituação .......................................... 29 4.2 Informação e documento ................................................................................... 36 4.3 Arquivologia, biblioteconomia, documentação e museologia: ciências da informação? ....................................................................................................... 45 4.3.1 Arquivologia e arquivo ................................................................................ 46 4.3.2 Biblioteconomia e biblioteca ....................................................................... 53 4.3.3 Documentação e centro de documentação e informação............................. 60 4.3.4 Museologia e museu .................................................................................... 65

5.

Do paradigma do acervo ao paradigma da informação/usuário: as ciências da informação e suas interfaces ...................................................................................... 74

6.

Centro de memória..................................................................................................... 80 6.1 Um pouco de história......................................................................................... 81 6.2 O centro de memória como serviço de informação ........................................... 83 6.3 A constituição do centro de memória ................................................................ 88 6.4 O centro de memória e o profissional da informação........................................ 93

7.

Considerações Finais.................................................................................................. 96

Referências

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Apresentação “É pela memória que se puxam os fios da história. Ela envolve a lembrança e o esquecimento, a obsessão e a amnésia, o sofrimento e o deslumbramento [...] Sim, a memória é o segredo da história, do modo pelo qual se articulam o presente e o passado, o indivíduo e a coletividade. O que parecia esquecido e perdido logo se revela presente, vivo, indispensável. Na memória escondem-se segredos e significados inócuos e indispensáveis, prosaicos e memoráveis, aterradores e deslumbrantes.” Octavio Ianni

Este trabalho se deve a fatores estritamente pessoais. Durante onze anos trabalhamos no Centro Pró-Memória do Club Athletico Paulistano (até outubro de 2002 denominado como Museu), sempre procurando manter uma postura crítica em relação às atividades ali desenvolvidas, no intuito de resgatar a importância quase perdida da memória do clube e, assim, recuperar seu próprio significado, dentro e fora da instituição. Para nossa satisfação, os produtos e serviços oferecidos demonstravam a importância do centro tanto para os associados quanto para os pesquisadores externos. Entretanto, apesar da reconhecida importância desse tipo de trabalho, verificamos que não havia uma delimitação das atividades e da missão do Centro Pró-Memória, e que isso acontece não apenas no Paulistano, mas também em outras instituições que mantêm um setor responsável pela preservação e divulgação de sua memória. Nem sempre é fácil definir a missão de um setor desses e, principalmente, quais as suas responsabilidades. Percebe-se que algumas instituições confundem centro de memória com arquivo central ou centro de documentação. Em face dessa realidade, traçaremos breve histórico do surgimento e evolução dos estudos e trabalhos que enfocam a memória empresarial, além das iniciativas de criação de centros de memória em empresas e afins, mostrando que, a partir de meados dos anos de 1970, surgiu uma maior preocupação com a coleta, organização e disponibilização da memória institucional. No início, restritos às instituições maiores, tais trabalhos, atualmente, alcançam instituições das mais variadas áreas, de portes variados e missões das mais específicas. Multinacionais, ONGs, Prestadoras de Serviços, Empresas do Terceiro Setor, enfim, tornou-se uma coqueluche a preocupação com a memória. Muitos acreditam que a realização de um bom trabalho no centro de memória da empresa trará benefícios e fortalecerá a imagem interna e externa da entidade. A questão da identidade da empresa tem sido um fator essencial a justificar o trabalho de valorização da memória empresarial, questão que se

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resolve à medida que os integrantes da corporação se sentem parte dela, se sentem os protagonistas de sua história e de seu desenvolvimento, e não apenas seus “funcionários”. Trabalhar com a memória de uma empresa é trabalhar com as memórias de cada um de seus integrantes, que se reconhecem como tais e, assim, constroem as identidades individuais e a coletiva — imprescindíveis para o desenvolvimento da instituição. Pretendemos também avaliar a importância da preservação e divulgação da memória e da história institucional como elemento de afirmação e projeção de uma imagem positiva da empresa perante o público. Em muitas instituições, há algum tempo, a memória entra como ingrediente estratégico. O que nos faz lembrar as palavras de Nassar (2004, p. 21): “[...] Recuperar, organizar, dar a conhecer a memória da empresa não é juntar em álbuns velhos fotografias amareladas, papéis envelhecidos. É usá-la a favor do futuro da organização e seus objetivos presentes. É tratar de um de seus maiores patrimônios. Depois com a memória na cabeça, é preciso contar as histórias”. A partir dessa análise, demonstraremos a importância dos centros de memória para as instituições, para isso tendo de delimitar mais claramente seu campo de atuação, de modo a não mais confundi-lo com o da biblioteca, o do arquivo, o do museu ou o do centro de documentação. O estudo teórico permitirá uma visão melhor dos pontos comuns e dos divergentes, bem como das particularidades da missão de um centro de memória. Desta forma, mostrar-se-á que o trabalho desenvolvido nesses centros também pode e deve ser responsabilidade dos profissionais da informação, em parceria com historiadores, conservadores e restauradores, etc., buscando "disponibilizar a informação certa, da fonte certa, para o usuário certo, no prazo certo, numa forma considerada adequada para o uso e a um custo justificado pelo uso", conforme Mason, citado por Smit (2001, p. 14). O trabalho será dividido em capítulos. Primeiramente analisaremos a relação, às vezes, um tanto conflituosa, entre história e memória. Em seguida, analisaremos a questão dos Lugares de Memória — expressão cunhada pelo historiador Pierre Nora. Partiremos da concepção de Lugares de Memória, mas enfatizaremos as instituições-memória mais conhecidas e ainda hoje importantes no tocante à preservação e à divulgação das várias memórias, a saber: arquivo, biblioteca, centro de documentação e museu. Nosso objetivo é, após a discussão sobre memória e história, inserir nessa problemática a questão das instituições que guardam e disponibilizam a memória. Em seguida, trataremos da Ciência da Informação, definindo-a, demarcando seu campo de ação e explicitando sua relação com a

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biblioteconomia, a arquivologia e a museologia. Nosso pressuposto é que todas essas áreas compõem a Ciência da Informação, embora muitos autores as estudem separadamente. A meta deste trabalho, entretanto (e sem perder de vista o fato de que são partes de algo maior), é traçar o perfil de cada uma delas, procurando valorizar as semelhanças e mostrar que as diferenças, quando existem, são fruto muito mais da técnica e metodologia de trabalho que propriamente das idéias e objetivos buscados. Para que fique mais claro, faremos um breve resumo histórico das origens de cada uma das instituições-memória. Concluídos os históricos e o exame comparativo e analítico das instituições-memória, passaremos a estudar os centros de memória, a partir dos resultados do estudo anterior. Analisando as características convergentes e divergentes dessa instituição-memória em relação às demais, esperamos demonstrar que ela também exige cuidados e mão-de-obra de profissionais especializados e das mais diversas áreas. Assim, o profissional da informação aparece como figura principal, uma vez que ficará responsável pela coleta, organização e disponibilização de dados, além da produção de conhecimento novo a partir de pesquisa no próprio acervo. Em suma, o trabalho objetiva demonstrar a importância do centro de memória como instituição-memória, ressaltando seu papel para o desenvolvimento de uma organização ou comunidade e para a construção de sua imagem social.

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1. Introdução “Diante da perda iminente, vive-se uma ‘fome de memória’ que se materializa, entre outros, na constituição de museus, centros de memória, de documentação e arquivo que possam preservar experiência de um cotidiano em vias de extinção.” Zilda Kessel

No Brasil, há mais de vinte anos, muitas instituições começaram a criar setor ou departamento específico para a preservação da memória institucional. Antigamente, apenas algumas instituições — e, obrigatoriamente, os órgãos públicos de todas as esferas — se preocupavam com a alimentação e organização de seus arquivos. De uns tempos para cá, no entanto, a necessidade de guardar documentos pessoais, objetos, fotografias, etc., disseminouse largamente. Esta mudança de comportamento deveu-se à própria alteração ou dilatação dos objetos da História, principalmente após a fundação da Escola dos Annales, cujos historiadores passaram a valorizar a pluralidade de fontes documentais, procurando as informações não somente nas tão privilegiadas fontes primárias dos arquivos históricos e oficiais. O próprio campo temático ampliou-se, tendo como conseqüência redefinições teóricas e metodológicas. Atualmente, faz-se história de temas tão diversos quanto, por exemplo, o estudo das flores e sua importância nas diferentes culturas, realizado pelo historiador e antropólogo Jack Goody, citado por Pallares-Burke (2000, p. 55); ou ainda a História das coisas banais, do renomado historiador Daniel Roche. Temas assim, muito provavelmente, eram até mesmo inconcebíveis durante a maior parte da história. Esta riqueza, resultado da evolução ou transformação da historiografia mundial, provocou alterações nas instituições-memória. Bibliotecas, arquivos, museus, centros de documentação e os centros de memória, tornaram-se locais de guarda das memórias do homem, por meio de informações registradas em diferentes suportes — desde um ofício até o depoimento oral de um trabalhador. Segundo a historiadora Heloisa Bellotto (1991, p. 183): A informação administrativa contida, enquanto validade jurídico-funcional, nos arquivos correntes e, posteriormente, como testemunho em fase intermediária ou como fonte histórica custodiada nos arquivos permanentes, não se restringe a si mesma. Se a considerarmos com maior abrangência, analisando-a como transmissão cultural, lançada para o futuro através de diferentes documentos grafados em diferentes suportes, ela pode significar muito mais, quando aliada a outros dados/informações oriundos de campos não-arquivísticos. Trata-se de algo em que vai muito além do próprio conteúdo do documento. Os conjuntos informacionais que se geram não podem ser definidos

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compartimentadamente como material de arquivo, de biblioteca ou de centro de documentação, por serem atípicos, como totalidade, a qualquer um deles. Estes conjuntos de dados constituem a memória.

Enfim, o trabalho com a memória institucional utiliza documentos variados que não podem ser caracterizados apenas como documentos de arquivo. Os centros de memória desenvolvem trabalhos com especificidades relacionadas às “3 Marias”1 (arquivos, bibliotecas e museus), responsáveis pela guarda, preservação, organização e disponibilização da memória do homem. São nestas instituições que as descobertas e as experiências da humanidade são preservadas e, geralmente, estão disponíveis a quem interessar. Com base nas missões das instituições-memória da humanidade, o centro de memória, na maioria das vezes, é criado com a finalidade de preservar, organizar, disponibilizar e divulgar informações e documentos relativos à vida da instituição que os mantém. A partir de sua missão, concluímos o grau de importância que desempenha dentro da empresa, sindicato, clube, etc. Para Goulart (2002, p. 34) “[...] o papel mais importante dos documentalistas que concebem e organizam os centros de memória é o de ser intermediário entre as organizações e os pesquisadores, sendo sua principal responsabilidade, depois dos arquivos organizados, a interface entre as instituições detentoras dos arquivos e o mundo da pesquisa”. A cada dia surgem novos centros de memória e os trabalhos desenvolvidos pela equipe dos centros possibilitam que a troca de informações entre os profissionais da instituição contribua com o desenvolvimento da empresa e com a otimização de tarefas. Segundo a historiadora Silvana Goulart (2005, p. 17), “Os centros de memória hoje, apesar de comumente não serem concebidos como arquivos centrais, guardam documentos ligados às atividades-fim, [...] o que resulta na acumulação de registros de caráter substantivo para o seu funcionamento”. Entretanto, verificamos que a constituição do acervo dos centros de memória varia bastante. Algumas vezes, chegam a ser confundidos com o arquivo central da instituição ou então se tornam responsáveis por toda a documentação gerada pela empresa. A missão do centro de memória e a função que os documentos preservados e organizados representam são questões fundamentais a se levar em conta durante o processo de constituição do setor, para que as atividades e o valor atribuído aos documentos ou mesmo sua missão não sejam desvirtuados.

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Expressão criada por Johanna W. Smit e que será explicada de forma mais detalhada no decorrer do trabalho.

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1.1. Objetivo Geral Identificar o campo de atuação de um centro de memória e demonstrar sua importância na preservação, organização e disponibilização de seu acervo por meio de instrumentos de pesquisa, exposições e outros.

1.1.1. Objetivos Específicos Relacionar história e memória coletiva e individual, inserindo os conceitos no trabalho das instituições-memória; Conceituar Ciência da Informação traçando sua interface com a arquivologia, biblioteconomia, documentação e museologia; Contextualizar o surgimento das instituições-memória — arquivo, biblioteca, centro de documentação e museu — e analisar as transformações das disciplinas relacionadas a elas e a relação com a Ciência da Informação; Contextualizar o momento histórico da criação dos centros de memória, relacionandoo às alterações no estudo da história, ao surgimento e valorização de novas fontes documentais e também à valorização da informação na produção do conhecimento; Demonstrar a importância do trabalho desenvolvido no centro de memória e sua relação com o desenvolvimento da organização que o mantém; Demonstrar a importância e o papel desempenhado pelo profissional da informação no gerenciamento de um centro de memória.

1.2.Procedimentos Metodológicos Este estudo teve como base literatura das áreas de história e memória, arquivologia, biblioteconomia, documentação, ciência da informação e museologia. Durante a pesquisa bibliográfica evidenciamos a dificuldade em localizar textos específicos sobre centro de memória. Então, optamos por trabalhar com textos sobre as outras instituições-memória e, a partir da análise de cada uma delas, com base na definição de seu acervo, sua missão, suas

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atividades (serviços e produtos) e seu público, destacar as similaridades e especificidades de cada uma, com o objetivo de definir o que é um centro de memória, instituição que, na maioria das vezes, desempenha papel que mescla um pouco de cada uma das demais instituições, mas que possui especificidades que o diferenciam. Com relação especificamente ao uso de textos em língua estrangeira, optamos por assumir a autoria das traduções.

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2. A Relação entre Memória e História "Nossa memória é nossa coerência, nossa razão, nossa ação, nosso sentimento. Sem ela, somos nada [...]” Luis Buñuel, cineasta

“Se a memória se dissolve, o homem se dissolve.” Jorge Luis Borges

O estudo das instituições-memória nos leva a pensar na própria definição de memória e na importância que estas instituições, a partir dos documentos que preservam, representam para o estudo e produção histórica, pois são, com freqüência, as principais fontes para os historiadores e demais pesquisadores. Há tempos, desde o surgimento da Escola dos Annales, os estudiosos utilizam, além dos documentos mais convencionais, depoimentos orais, obras de arte, monumentos, enfim, outros “Lugares de Memória”, que foram criados com o objetivo de perpetuar eventos, homenagear personagens ou mesmo criticar ou enaltecer algum acontecimento histórico, enfim constituir a memória nacional. O estudo da memória é antigo. Já no fim do século XIX, conforme Pinto (1998, p. 209), surgiram trabalhos sobre o tema em vários campos de reflexão, em virtude, das alterações nas relações humanas advindas da urbanização, que tentava dissipar as lembranças individuais e designar um presente absoluto, rompendo com o passado. Podemos citar, os trabalhos de Henri Bergson, de Sigmund Freud e de Marcel Proust. Mas, para nossa análise, utilizaremos principalmente os trabalhos realizados por Maurice Halbwachs2 e Walter Benjamin3 que, desde os anos de 1920, se preocupavam com este assunto tão caro a toda a sociedade, pois os seres humanos possuem e preservam, das mais variadas formas, memórias e lembranças que permitem o processo de reconstrução do passado e lhes dão a possibilidade de perceber a própria existência e se reconhecer como indivíduos (WORCMAN, 1999).

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Principal estudioso das relações entre memória e história pública, segundo Bosi (1994, p. 53).

Pensador da Escola de Frankfurt que se suicidou durante a II Guerra Mundial. Um de seus principais trabalhos é Sobre o Conceito de História no qual diz que há duas formas de memória: o monumento, feito para durar e significar, e o documento, aquilo que fica aos pedaços. Ao historiador cabe juntar os pedaços, atribuir-lhes significados e escrever a história, a partir de sua experiência presente (MATTOS, 1992, p. 151-4). Em outro trabalho exalta o fim da narração, demonstrando que as péssimas relações entre os homens prejudicam a realização da narração, e que com isso a troca de informações entre gerações torna-se quase que inexistente, o que atrapalha também a transmissão da memória, da experiência. Benjamin acreditava que narrar e ouvir são fundamentais para possibilitar a reflexão sobre o passado e sobre a transformação do presente. (GAGNEBIN, 2004 p. 85-91).

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É importante frisar que há maneiras diferentes de estudar a memória. Existem, por exemplo, os estudos de filósofos, psicólogos e psiquiatras que a estudam de forma isolada4. Enquanto que autores como Halbwachs relacionam a memória com as instituições sociais, considerando-a como um fenômeno social. Neste trabalho, analisaremos a memória, tanto a individual, quanto a coletiva e a subterrânea, além dos esquecimentos e silêncios5, seguindo o pressuposto de Halbwachs sobre a necessidade de que a memória deve ser estudada, tendo como ponto de referência os quadros sociais reais. Maurice Halbwachs salienta a importância da existência da memória individual, mas deixa claro que é comum prevalecer a memória coletiva, pois todos nós estamos inseridos em grupos sociais, ou seja, sofremos a influência das pessoas e do contexto dos quais fazemos parte. Sempre que lembramos, na verdade, estamos refazendo, reconstruindo, repensando “com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado”. (BOSI, 1994, p. 55). Para entender melhor esta questão, Halbwachs (1990, p. 21 e 23) cita Durkheim, [...] não podemos pensar nada, não podemos pensar em nós mesmos, senão pelos outros e para os outros, e sob a condição desse acordo substancial, que através do coletivo, persegue o universal e distingue, o sonho da realidade, a loucura individual da razão comum. [e acrescenta] que, apesar de algum equívoco de expressão, ele nos faz compreender profundamente que não é o indivíduo em si nem nenhuma entidade social que se recorda; mas que ninguém pode lembrar-se efetivamente, senão da sociedade, pela presença ou a evocação e, portanto, pela assistência dos outros ou de suas obras; [...] Um homem que se lembra sozinho daquilo que os outros não se lembram assemelha-se a alguém que vê o que os outros não vêem.

Halbwachs (1990, p. 51) acrescenta também que “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva” e que esta muda conforme o local, o contexto, as pessoas e as relações mantidas com o meio. Por isso, muitas vezes, nossas lembranças podem ser modificadas quando as relembramos com aqueles que delas participaram, já que eles também possuem lembranças que podem ou não coincidir com as nossas, confirmando o caráter familiar, grupal e social da memória. Este é um dos motivos também da necessidade de se 4

Conforme Bosi (1994, p. 54), o filósofo Henri Bergson, um dos pioneiros do estudo da memória, considerava que sua análise deveria se basear apenas na relação entre o corpo e o espírito. Para Kessel (2003, p. 22), Bergson distinguia dois tipos de memória: a memória hábito (conquistada por meio da repetição) e a memória pura (aquela evocada em circunstâncias específicas), tão valorizada por Marcel Proust e por ele denominada, memória involuntária — sua madeleine umedecida no chá de ervas tornou-se ícone da literatura francesa e muitos utilizam a expressão “experiências proustianas” ao tratar de lembranças súbitas. 5 Pollak é pesquisador do Centre National de Recherches Scientifiques (CNRS) e estuda as relações entre política e ciências sociais. No texto Memória, Esquecimento, Silêncio apresenta a importância das memórias subterrâneas, dos esquecimentos e do silêncio, considerados por ele essenciais para a manutenção da memória. Confronta a existência da memória coletiva organizada pela sociedade majoritária da memória subterrânea, aquela que existe, mas é impedida de ser divulgada por delatar episódios que possam denegrir a imagem daqueles que estão no poder.

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diferenciar a memória individual da coletiva. Segundo Bosi (1994, p. 65), considerando um estudo de Bartlett6, “a nitidez da memória não deve ser avaliada isoladamente, mas posta em relação com toda a experiência social do grupo”. Então, ao analisarmos os acervos e as informações disponíveis nas instituições-memória, estamos estudando a memória coletiva, a produção e a escolha de um determinado grupo. Halbwachs (1990, p. 51) novamente nos auxilia com relação à construção da memória ao dizer que a sucessão de lembranças, mesmo daquelas que são mais pessoais, explica-se sempre pelas mudanças que se produzem em nossas relações com os diversos meios coletivos, isto é, em definitivo, pelas transformações desses meios, cada um tomado à parte e em seu conjunto.

O que significa que a relação com o grupo é fundamental para a perpetuação da memória. A falta de convívio e de troca é um dos elementos que podem levar ao esquecimento, além, é claro, do esquecimento proposital estudado por Michel Pollak (1989). Com base na afirmação da filósofa Marilena Chauí, na apresentação do livro de Ecléa Bosi (1994, p. 17-33), as pessoas recordam aquilo que para elas é significativo e ao recordar elas sofrem a influência do tempo, de suas vivências e experiências e até mesmo da história oficial que, muitas vezes, privilegia pessoas e acontecimentos em detrimento de outros, com o intuito de “construir” uma memória. Chauí afirma que o tempo da memória é social, pois influencia na forma de lembrar. O historiador Jacques Le Goff (2004, p. 469), nos apresenta o valor e a importância que a memória coletiva representa, pois Exorbitando a história como ciência e como culto público, ao mesmo tempo a montante, enquanto reservatório (móvel) da história, rico em arquivos e em documentos/monumentos, e aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho histórico, a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas, lutando, todas, pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção [...] A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. Mas a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder.

Avaliada também como instrumento de poder, a memória está relacionada à história das sociedades. Walter Benjamin7, nos anos 30, afirmava a importância da memória e dizia 6

Frederic Charles Bartlett, autor do clássico Remembering, primeiro livro de psicologia social que trata da memória e suas relações com o contexto. Bartlett foi fortemente influenciado por Halbwachs. 7 As reflexões de Walter Benjamin analisada aqui foram retiradas do texto de Olgária Mattos (1992, p. 153-4).

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que sua transmissão devia se dar por meio da narração e o historiador deveria ser o narrador, aquele que contaria a história e desta forma impediria o desaparecimento da memória, mesmo que esta fosse apenas representada pela história. Halbwachs, antes mesmo de Benjamin, já refletira sobre esta questão e separou as duas áreas, considerando a memória como instrumento de trabalho do historiador. Para ele, o historiador precisa manter certo distanciamento temporal dos acontecimentos para poder escrever sobre eles de forma crítica. Enquanto que a memória é imediata e, com a ação do tempo ou o distanciamento do grupo, pode ser enfraquecida ou mesmo alterada, em virtude das influências e da alteração do próprio repertório cultural do indivíduo. Assim, diferentemente da memória/lembrança que só pode existir a partir daquele que realmente viveu o fato, a história pode ser contata por alguém que nem ao menos era nascido na época, mas que, a partir das lembranças de outros, registradas em documentos escritos ou orais, além de artísticos e arquitetônicos, tem condições de escrever e refletir sobre o ocorrido. Para entendermos melhor a relação entre história e memória é necessário compreender o que seja história. Tanto quanto a memória, a definição de história também é complexa. Segundo Le Goff , a Escola dos Annales8 promoveu uma nova concepção de tempo histórico, permitindo o desenvolvimento de trabalhos que enfatizavam a longa duração e que buscavam manter relação entre as várias ciências humanas, considerando que história tem como objeto de estudo as sociedades humanas, ou seja, “a história é a ciência da evolução das sociedades humanas” (LE GOFF , 2004. p. 16). Para Marc Bloch9(1976, p. 24), a história é difícil de ser conceituada, mas ele a resume como investigação livre, podendo ser de um indivíduo ou de uma sociedade. Afirma também que a história “é a ciência dos homens, no tempo” (2001, p. 55). Já para a filósofa Agnes

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A Escola dos Annales, nova forma de escrever e fazer história, resultou dos trabalhos de um pequeno grupo associado à revista Annales, organizada em 1929 e que teve como fundadores Lucien Febvre e Marc Bloch. O objetivo da revista era promover um novo fazer historiográfico, com uma história mais abrangente, totalizante e mais próxima das demais ciências humanas. Seus trabalhos foram tão importantes que influenciaram e ainda influenciam historiadores de várias nacionalidades, mas principalmente os franceses. Suas idéias foram aprimoradas ou mesmo modificadas e resultaram no que há tempos denominamos de “Nova História” e que tem entre seus expoentes, Jacques Le Goff, Georges Duby, Philippe Ariès e Michel Vovelle. A importância dos Annales é indiscutível, tanto que o historiador inglês, Peter Burke (1997), a considera a Revolução Francesa da historiografia. 9 Sofreu grande influência dos estudos sobre a estrutura da memória social realizados por Maurice Halbwachs e também do sociólogo Émile Durkheim.

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Heller, citada por Hobsbawn (2002, p. 12), a história “trata do que acontece visto de fora, e as memórias tratam do que acontece visto de dentro”. Apesar de não se tratar de uma conceituação, consideramos interessantes as palavras do historiador marxista, Eric Hobsbawn (2002, p. 311) Não se pode escapar ao passado, isto é, àqueles que o registram, interpretam, discutem e reconstroem. [...] O que entra para os livros escolares e para os discursos dos políticos a respeito do passado, a matéria para os escritores de ficção, de programas de televisão ou de vídeos vem, em última análise, dos historiadores. Mais do que isso, a maioria dos historiadores, inclusive todos os competentes, sabe que ao investigar o passado, até mesmo o passado remoto, estão igualmente pensando e expressando opiniões a respeito do presente e suas questões, e falando a respeito delas. Compreender a história é importante tanto para os cidadãos como para os especialistas.

O próprio Le Goff (2004, p. 26) apresenta a história como a ciência do passado em constante reconstrução. E para Lucien Febvre, citado por Le Goff (2004, p. 26), “a história recolhe sistematicamente, classificando e agrupando os fatos passados, em função das suas necessidades atuais. É em função da vida que ela interroga a morte. Organizar o passado em função do presente: assim se poderia definir a função social da história”. Dessas análises, percebe-se que a complexidade do assunto é notória e discutida por vários estudiosos. Mas, o que nos interessa é demonstrar que memória e história são diferentes, cada uma tem suas características, e que a segunda necessita muito da primeira para poder ser construída, ou mesmo para poder reconstruir ou representar o passado com base no presente. Para finalizar, apresentamos a análise de David Lowenthal que se dedicou ao assunto e de forma clara diferencia a memória da história, considerando a primeira subjetiva e um processo por meio do qual lê-se o passado com base no presente. Nas palavras de Lowenthal (1998, p. 66), “a memória é inevitável e indubitável prima-facie; a história é contingente e empiricamente verificável”, ou seja, é um conhecimento intencionalmente produzido. Esclarece também que a função fundamental da memória, por conseguinte, não é preservar o passado, mas sim adaptá-lo a fim de enriquecer e manipular o presente. Longe de simplesmente prender-se a experiências anteriores, a memória nos ajuda a entendê-las. Lembranças não são reflexões prontas do passado, mas reconstruções ecléticas, seletivas, baseadas em ações e percepções posteriores e em códigos que são constantemente alterados através dos quais delineamos, simbolizamos e classificamos o mundo à nossa volta [...] (1998, p. 103).

Com relação à história, Lowenthal (1998, p. 104 e 107) acredita que esta

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expande e elabora a memória ao interpretar fragmentos e sintetizar relatos de testemunhas oculares do passado [...] A história difere da memória não apenas no modo como o conhecimento do passado é adquirido e corroborado, mas também no modo como é transmitido, preservado e alterado.

A percepção histórica pressupõe atividades em grupo e a produção histórica tem como missão preservar o conhecimento do passado, lutando contra os lapsos de memória (esquecimentos) e o “tempo devorador” (LOWENTHAL, 1998, p. 113). Produz novos conhecimentos que têm um caráter subjetivo, já que o conhecimento histórico é invariavelmente subjetivo. Os registros nos diversos suportes, desde a caverna de Lascaux aos atuais DVDs só poderão ser utilizados pelo historiador se forem preservados e devidamente conservados. A importância da criação da imprensa por Gutenberg está no fato de tornar mais fácil e até mesmo palpável a produção da humanidade, mas esse contato só se torna possível e viável, porque há tempos existe a preocupação com a organização da produção humana no que tange à produção intelectual, artística e mesmo cotidiana, pois não devemos desconsiderar a cultura material que é uma fonte primordial para os estudos e a compreensão do passado. Lowenthal (1998, p. 166) confirma a importância da preservação dos fragmentos e vestígios da cultura material [...] Memória, história e fragmentos oferecem caminhos para o passado que se percorrem melhor quando combinados. Cada caminho exige os outros para que a jornada seja significativa e confiável. As relíquias dão início às recordações que a história confirma e expande recuando no tempo. A história em isolamento é estéril e desprovida de vida, fragmentos significam apenas o que a história e memória transmitem. De fato, muitos artefatos surgiram como testemunhas da história ou da memória.

Assim, compreendemos que a memória é considerada um dos objetos da história e um nível elementar de seu desenvolvimento, e que a história tem, entre outras, a missão de construir a representação crítica do passado, mantendo vínculo com a modernidade, sendo “um campo de produção de conhecimento, espaço de problematização e de crítica” (Pinto, 1998, p. 209). A história é um saber científico que procura analisar de forma crítica a memória voluntária e coletiva. Existe uma relação de dependência entre elas, mas ao mesmo tempo uma dicotomia. A história necessita da memória e esta é perpetuada e registrada, por meio da primeira, entretanto ao ser apropriada pelo historiador e analisada de forma crítica e a partir do contexto e dos valores daquele profissional, a memória deixa de ser memória e torna-se história; fruto de operação laicizante e intelectual, sem um proprietário definido, pois

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a história normalmente pretende-se universal, enquanto que a memória preconiza o ato de lembrar, dando continuidade ao passado. Os trabalhos a partir da memória auxiliam na construção de identidades pessoais, de grupos e de nações, afirmam o direito à cidadania e advertem para determinados fatos ocorridos que não foram benéficos e poderão ser evitados no futuro. O fato de lembrar, de analisar e escrever sobre determinado acontecimento histórico é importante para manter viva a memória e para manter as pessoas “alertas sobre situações novas e, no entanto, análogas”, segundo Habermas e Todorov, citados por Seixas (2004, p. 54). A tão conhecida frase “devemos aprender com o passado” ilustra bem a importância da preservação da memória coletiva e da apropriação desta pelo historiador que, ao analisar e escrever sobre os acontecimentos, se torna o divulgador daquela memória que, mesmo sendo uma representação, possui valor e, com certeza, auxiliará as pessoas em suas atitudes futuras. Um dos mais significativos exemplos da questão de perpetuação ou não da memória, isto é, do direito e do dever à memória, foi citado por Seixas (2004, p. 54) e relaciona-se às discussões recentes sobre a construção de um memorial às vítimas do holocausto no centro da “nova Berlim”. Segundo Seixas, o escritor Martin Walser considerou inoportuna a idéia da construção, por acreditar que as novas gerações têm o direito de esquecer episódio tão medonho da história nacional. Entretanto, a maioria das pessoas, acredita que a memória deve ser mantida e que devemos aprender com ela, pois, segundo Chauí (1992, p. 43), uma política cultural que idolatre a memória enquanto memória ou que oculte as memórias sob uma única memória oficial está irremediavelmente comprometida com as formas presentes de dominação, herdadas de um passado ignorado. Fadada à repetição e impedida de inovação, tal política cultural é cúmplice do status quo.

Por isso, devemos conhecer o passado, para entender o presente e construir o futuro. Precisamos manter a tradição e desta forma a relação de pertencimento com o grupo e sua coesão, mas sempre de forma crítica. Assim, percebemos o valor da memória e também da história. A história depende da memória coletiva e também das fontes nas quais esta memória está registrada. Mas, não adianta apenas preservar, pois os vestígios da memória deverão ser armazenados, acondicionados e organizados para possibilitar sua disponibilização e apropriação por pesquisadores que, a partir deles, produzirão novos conhecimentos.

Estas tarefas são

responsabilidades dos profissionais da informação e das instituições-memória. Além disso, o trabalho de preservação deverá prever a manutenção das referências de grupo, possibilitando

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que o passado tenha seu significado de “experiência coletiva de formação da cultura e da sociedade” (PAOLI, 1992, p. 26). Não devemos retirar os documentos de seu contexto histórico, social e político, pois é a partir deles que conferimos sentido aos testemunhos preservados.

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3. Os Lugares de Memória e sua importância na preservação da memória coletiva “Assim como Teseu, na passagem da informação para o conhecimento, devemos percorrer infindáveis labirintos de informação estocada, labirintos físicos, labirintos digitais, labirintos da nossa memória.” Aldo Barreto

A memória não é apenas aquela que está com e nas pessoas, mas também nos documentos preservados nas instituições que, por isso mesmo, podem ser denominadas instituições-memória ou lugares de memória, expressão cunhada pelo historiador Pierre Nora e por ele definida como “lugares que contribuam para o estreitamento dos laços entre história, memória e experiência, permitindo a articulação entre passado, presente e futuro”, segundo Kessel (2003, p. 11). Para Nora, esses lugares vão além dos museus, arquivos e bibliotecas, por acreditar que os monumentos, as festas, os dicionários, os calendários, santuários, tratados, enfim os símbolos e suportes da memória coletiva, são a única forma de perpetuação de ritos não mais praticados. O historiador critica a necessidade da existência desses lugares, e afirma que eles acabam com a necessidade da memória espontânea, isto é, os lugares seriam desnecessários se “vivêssemos verdadeiramente as lembranças que eles envolvem” (NORA, 1993, p. 13). Segundo Pinto (1998, p. 208), ao citar Nora, “Há lugares de memória porque não há mais meios de memória”. Desde a criação da imprensa por Gutenberg, o mundo vem sofrendo significativa perda da prática da memória (mnemotécnica). Antes da escrita, prevalecia a oralidade e a produção do conhecimento só era possível com a preservação das informações transmitidas e repassadas oralmente. Conforme nos relata Eloy Martínez (2004), “as histórias se perpetuavam por meio da voz dos arautos, que cantavam e improvisavam enquanto os demais ouviam e modificavam o que ouviam com lembranças da memória”.Com o surgimento da escrita, a importância da prática de memorizar enfraqueceu, mesmo assim, ainda era realizada. Mas foi com a invenção da imprensa que a situação mudou drasticamente e, desde então, as pessoas, atentas e ansiosas por novas descobertas, não se preocupam em memorizar, já que “tudo”10 estará registrado. 10

Pretendemos apenas ser enfáticos ao utilizar a idéia de que tudo é preservado, pois estamos conscientes de que seria humanamente impossível que isso ocorresse, além de sabermos que existem políticas e mecanismos para esquecer ou simplesmente apagar determinados acontecimentos. A existência da memória pressupõe o esquecimento. Segundo Barreto (2000), “O esquecimento é uma qualidade da memória, que a preserva e a mantém saudável. Nossa memória funciona, e só funciona, porque nos é dada a capacidade do esquecimento”.

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Em meados do século XX, com a explosão bibliográfica e o aumento vertiginoso da produção de informação, ficou praticamente impossível, além de desnecessário, memorizar as informações. O conhecimento também se tornou mais acessível e ao mesmo tempo muito mais volátil e fluído. No fim desse século, com o incremento dos meios de comunicação, Internet e os documentos eletrônicos, a realidade se transfigurou ainda mais e o volume de informação produzido atingiu tal monta que, definitivamente, não há meios de memorizar o que está sendo produzido, tal o caráter efêmero das informações. Essa nova realidade apenas reitera a necessidade da constituição de gigantescos e vertiginosos estoques de documentos que poderão ser utilizados algum dia. Pierre Nora (1993, p. 14) salienta a necessidade de “suportes exteriores e de referências tangíveis” para a memória que, cada vez mais, é pouco vivida em seu interior. Segundo Nora (1993, p. 13) “os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos [...]”. Para entender melhor a questão dos lugares de memória retomamos a questão das diferenças entre memória e história, sob o ponto de vista de Nora (1993, p. 9) que considera que [...] a memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, [...] A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado [...] A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo.

Nora demonstra a relevância da memória, mas enfatiza também o trabalho do historiador e sua importância na representação da memória realizada com a colaboração dos lugares de memória, que preservam a continuidade do passado e do presente, apesar das dificuldades oriunda da globalização, da massificação e também da aceleração da história, que leva a transformações e destruições, segundo o historiador De Decca (1992, p. 130). Para nós o que mais interessa é demonstrar que a relação da história com a memória nem sempre é feita de forma harmoniosa e que as instituições-memória são, segundo Nora (1993, p. 27), “um lugar duplo; um lugar de excesso, fechado sobre si mesmo, fechado sobre sua identidade; e recolhido sobre seu nome, mas constantemente aberto sobre a extensão de suas significações”. O autor acredita que estas instituições preservam a memória documental,

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ou seja, guardam aquilo que foi produzido e que nos é impossível lembrar, tentam parar ou limitar a ação do tempo e bloquear o esquecimento. Alguns autores são enfáticos ao criticar a necessidade da existência desses lugares de memória, por acreditarem que a memória deveria ser habitada por cada um de nós, sem termos a necessidade constante de consagrá-la em lugares definidos e também de perpetuá-la por meio da história que, muitas vezes, anula ou congela a memória. Consideramos que, se estas instituições não existissem, boa parte dos fatos históricos e da própria formação e desenvolvimento da sociedade humana teria se perdido e estaríamos constantemente reinventando a roda, para exemplificar de forma simplificada. O que quer dizer que estas instituições-memória têm como missão preservar traços e vestígios da memória social e das experiências da humanidade de forma que possam ser acessados. Os monumentos, entendendo aqui não apenas os arcos, memoriais, etc., mas também os registros escritos nos mais variados suportes, são a comprovação daquilo que foi escolhido por determinado grupo para ficar de suas vidas ou então daquilo que restou, para perpetuar sua memória, que passa por um filtro, já que é impossível guardar e preservar tudo. Todos esses registros, produzidos desde a Antigüidade, foram e ainda são guardados em instituições criadas, naquela época, com o intuito principal de preservar a produção humana. Após a explosão da produção de informação, estes antigos palácios dos saberes transformaram-se em verdadeiros laboratórios, onde as informações são armazenadas, processadas e disponibilizadas para diferentes fins. Estas instituições, independentemente do nome que recebam: para Homulos (1990, p. 11) são instituições coletoras de cultura; Smit (2000, p.130) as denominam instituições disponibilizadoras de cultura; já o grupo Ultragaz escolheu o nome de Espaço do Conhecimento, segundo Ricci (2004, p. 85), e Bearman (1994, p. 156) as considera como repositórios culturais, são responsáveis pela preservação do patrimônio histórico e cultural e devemos nos manter atentos para não transformá-las em locais onde se faça a musealização do mundo, valorizando qualquer tipo de vestígio do passado.

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Mesmo com a ampliação dos objetos da história, devemos manter critérios na escolha do que preservar, já que, segundo Walter Benjamin11, Michel Pollak12 e Jorge Luis Borges, precisamos ter a capacidade de lembrar e também de esquecer. A relação entre memória e esquecimento pode ser exemplificada pela história do personagem de Borges no conto “Funes, o memorioso”. Seu protagonista, Funes, após um acidente, adquire a capacidade de tudo perceber e desenvolve uma prodigiosa memória. Tudo observado ou vivido por ele automaticamente transforma-se em lembrança e uma percepção rapidamente se transmuta em outra, impedindo que ele compreenda o mundo no qual está inserido. Borges (1989, p. 97) afirma no conto que, “pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair”, e Funes não tinha esta capacidade, pois tudo lhe era conhecido, sua memória era como um depósito, onde não havia seleção do que preservar, simplesmente lembrava de tudo e guardava percepções diversas de uma mesma coisa, o que o impedia até mesmo de dormir, pois os pormenores da realidade imediata o perseguiam dia e noite, não permitindo que ele distinguisse a memória da consciência. Segundo Creus (2002), “O esquecimento é imprescindível para a evocação da lembrança e para a própria constituição da memória. Somente lembramos porque somos capazes de esquecer”. Compreendemos que não há como guardar tudo e isso nem ao menos é aconselhável, devemos manter políticas que evidenciem os critérios de o que, como e para que preservamos e também estar atentos para não permitir a “especularização da memória que transforma o passado em bem de consumo”, como afirma Kessel (2003, p. 7). Acreditamos que os lugares de memória, frente à crise da memória analisada por Nora e também devido à transformação ocorrida no mundo e nas relações humanas, fruto do surgimento e avanço tecnológico, são necessários e devem ser geridos de forma responsável, por profissionais preparados que analisem muitas das questões acima apresentadas e compreendam o que é memória e qual o papel que ela desempenha na nossa sociedade, permitindo que seja preservada e se torne instrumento de reflexão crítica e de recriação do presente, conforme afirmou Rodrigues (2000, p. 144). Sua administração deverá permitir que seu acervo esteja à disposição de qualquer pessoa, pois o acesso à memória é direito e dever de todos os cidadãos.

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As observações feitas sobre o pensamento de Walter Benjamin se basearam nos textos Bolle (1984), Gagnebin (1998 e 2004), Kessel (2003) e Mattos (1992).Com relação ao esquecimento, Benjamin apresenta-se preocupado com o fato de a memória e as tradições serem esquecidas, mas ao mesmo tempo considera necessário o esquecimento para valorizar a narração, tão preconizada por ele como meio de transmissão da memória de geração a geração. 12 Michel Pollak (1992) afirma que “a memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado”.

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4. A Ciência da Informação “O progresso técnico deve-se, principalmente, à utilização, por indivíduos criativos, de conhecimento, facilmente acessível e disseminado amplamente, visando à criação e ao desenvolvimento de novos produtos, métodos e processos.” E. A. Haeffner

Para continuar o estudo das instituições-memória, suas especificidades e suas interfaces, será essencial refletir sobre o conceito, a abrangência e o objeto de estudo da Ciência da Informação13, e para isso será interessante abordar as características gerais relacionadas a suas origens e às condições e contexto que a transformaram em ciência. Por acreditarmos que a preocupação com o tratamento e assimilação da informação, enfatizando principalmente a primeira, vem de muito tempo, traçaremos breve histórico, que terá como foco a história social do conhecimento e as instituições guardiãs da memória. Na seqüência, exporemos algumas definições de autores que estudaram a CI, com o intuito de demonstrar a polissemia que a área apresenta e as diferentes opiniões, principalmente, com relação às interfaces com a biblioteconomia, arquivologia e, talvez museologia. Enfatizamos a dúvida com relação à museologia, porque, apesar de a considerarmos inserida no contexto e até mesmo nas práticas da CI, encontramos poucos autores que fazem sua argumentação desse ponto de vista. Em seguida, trataremos de dois termos totalmente relacionados à CI — informação e documento e que também são difíceis de ser conceituados. Segundo Belkin, citado por Jardim e Fonseca (2002), não devemos conceituar informação, mas sim “identificar as maneiras de olhar e interpretar o fenômeno informação”. Procuraremos estabelecer requisitos mínimos para mostrar como interpretamos o conceito informação e documento.

4.1. Ciência da Informação: sua história e conceituação A CI passou a ser desenvolvida e conceituada a partir do fim dos anos de 1950, com o aumento vertiginoso da produção de informações. Esta explosão de informação vinha desde o fim da II Guerra Mundial e era conseqüência da necessidade de novas descobertas e das próprias disputas entre as duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética. Ambas 13

Utilizaremos a abreviatura CI para designar Ciência da Informação.

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buscavam desenvolver seus conhecimentos nas mais variadas áreas, vide o exemplo da disputa pela conquista do espaço14 e também a corrida armamentista. Segundo Jardim e Fonseca (2002), a informação transformou-se em “recurso estratégico a ser gerenciado”. Todas essas novas descobertas, novos conhecimentos produzidos, transformavam-se em informação para os pesquisadores que necessitavam de mecanismos sofisticados para acessá-la e produzir novos conhecimentos. Este ciclo15 (informação gerando conhecimento que se transforma em informação para a produção de novo conhecimento), salutar, necessário e ao mesmo tempo fatigante, mostrou quão importante seria a disponibilização de forma clara, objetiva, eficaz e rápida das informações. Foi nesse cenário que surgiu então a CI. Entretanto, sabemos que há séculos o homem já se preocupava com a organização e disponibilização da informação. No livro, Uma história social do conhecimento, o historiador Peter Burke traçou a gênese da história do conhecimento, mostrando que seu desenvolvimento sempre esteve atrelado às atividades de apoio ou ciências auxiliares16, tais como as tarefas dos arquivistas e dos bibliotecários. A produção bibliográfica, a partir da criação da tipografia por Gutenberg, no século XVI, passou por transformações imensuráveis e trouxe muitos benefícios para os estudiosos. Entretanto, estas transformações também geraram problemas. No início, ficou difícil controlar ou mesmo conhecer o que estava sendo produzido, devido à rapidez e ao aumento vertiginoso do número de publicações. Para responder a tal dificuldade, surgiram as primeiras bibliografias e, a partir daí, passou-se a desenvolver o estudo sobre como organizar e disponibilizar a informação. O bibliotecário passou a desempenhar atividades diferentes a partir da criação de Gutenberg. Além das bibliografias, pensadores, como Bacon e Diderot, desenvolveram trabalhos voltados para a organização das informações e do conhecimento, como a enciclopédia. Desse resumo histórico, percebermos que já é antiga a preocupação com a organização e transferência de informação. E todos os estudos desenvolvidos ao longo dos séculos contribuíram para o desenvolvimento da CI no século XX.

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O Sputnik foi lançado em 1957 pela União Soviética. Segundo Hayes, citado por Fonseca (2005, p. 17), “esse evento sacudiu as instituições militares, industriais e científicas dos Estados Unidos”. 15 Para exemplificar esta questão podemos também citar Paul Otlet (1937) que considera o ciclo como “um movimento desenvolvido de espiral em espiral: novo pensamento, nova descrição, novo projetar”. 16 Conforme Silva (2002, p. 576) no século XIX com o desenvolvimento positivista e científico da História, a biblioteconomia, arquivologia e museologia foram consideradas ciências auxiliares.

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Iniciamos o estudo do desenvolvimento da CI, citando a criação, em 1952, do VINITI (Instituto para a Informação Científica) pelo Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética. O instituto colocou em prática um complexo sistema de importação e tratamento da informação de periódicos científicos do Ocidente para responder às demandas de seus pesquisadores. Seis anos depois, foi realizada a Conferência Internacional de Informação Científica de Washington, considerada como o evento fundador da CI. Nela foi explicitado o caráter político-estratégico da informação. Entretanto, muitos autores, inclusive Fonseca (2005, p. 19), consideram que foi em 1962, na conferência realizada no Georgia Institute of Technology, que nasceu formalmente a CI, entendida como a “ciência do armazenamento e recuperação da informação”. Nessa mesma década, os estudos para desenvolver tecnologia voltada para a documentação e recuperação da informação cresceram de forma exponencial. No âmbito internacional destacamos a iniciativa da UNESCO, fundada em 1945, de criar o UNISIST (Sistema Mundial de Informação Científica) que tinha como concepção principal a idéia de que o conhecimento é um bem comum de toda a humanidade e deve ser utilizado para superar os desequilíbrios internacionais. O sistema enfatizava a cooperação voluntária internacional, buscando melhorar o acesso e o uso da informação, que tinha muito mais uma função social, e não econômica ou estratégica, como preconizavam os Estados Unidos.17 As duas iniciativas vieram acompanhadas do desenvolvimento tecnológico e permitiram a criação de sistemas automatizados e o armazenamento de um número cada vez maior de informação processada. Apesar de há tempos haver a necessidade do acesso à informação, o que impulsionou o desenvolvimento da CI foi muito mais a questão da tecnologia surgida e aplicada, a partir dos anos 60, no processo de produção, armazenamento e disseminação da informação, do que alterações no campo da documentação. Pois esta, até então, havia criado condições para que seus profissionais produzissem publicações, catálogos manuais, índices, resumos, enfim, outras formas de organizar as informações, mas sempre em suporte papel. Durante muito tempo, estes instrumentos de pesquisa foram suficientes para suprir as demandas dos usuários/pesquisadores, mas a explosão da produção de informação trouxe consigo a necessidade de ferramentas mais rápidas e eficazes que contribuíram para o surgimento e o desenvolvimento da CI, literal e oficialmente, definida na Conferência da Georgia em 1962, conforme Shera e Cleveland, como 17

Segundo Pinheiro (2002, p.80) o ideal difundido pelo UNISIST, frente à realidade mundial e às dificuldades que interferem no fluxo da informação, pode ser considerado como romântico e utópico.

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Ciência que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que governam o fluxo da informação e os meios de processar a informação para ótima acessibilidade e uso. O processo inclui a origem, a disseminação, a coleta, a organização, o armazenamento, a recuperação, a interpretação e o uso da informação. O campo está relacionado com matemática, lógica, lingüística, psicologia, tecnologia da computação, pesquisa operacional, artes gráficas, comunicação, biblioteconomia, administração e muitas outras. (apud FONSECA, 2005, p. 19).

Para entender melhor a CI, elencaremos outras definições desenvolvidas ao longo do tempo e que especificam ou desmistificam esta ciência, pois, como afirma Dias (2002, p.87), “qualquer área ou campo do conhecimento está em permanente definição”. Nossa intenção é entender como a CI é considerada pelos autores apresentados e, a partir da análise de suas considerações, mostrar se há a possibilidade de traçarmos as interfaces com as demais áreas do conhecimento, que também têm como objeto de análise a informação, no caso a biblioteconomia, a arquivologia e a museologia, embora não tenhamos a pretensão de desenvolver uma análise mais aprofundada sobre a definição e interpretação da CI, por não ser esse o foco central de nosso trabalho. Muitos autores consideram que a CI está mais relacionada à teoria e ao desenvolvimento do estudo sobre o tratamento, disponibilização e assimilação da informação, mas devemos considerar que ela também está vinculada às aplicações práticas, enquanto que a biblioteconomia, arquivologia e museologia não devem ser consideradas apenas como ciências aplicadas, pois desenvolvem pesquisas para a produção de novos conhecimentos em cada uma das áreas (COSTA, 1990, p. 142). Miranda (2002, p. 11) considera que a CI, devido a sua origem pragmática, está muito mais relacionada à documentação do que à informação. Conforme Deschâtelet (1990), citado por Jardim e Fonseca (2002), “a Ciência da Informação seria uma área em gestação constituída por várias ciências da informação como, por exemplo, a Arquivística, a Biblioteconomia, a Informática, o Jornalismo e a Comunicação, as quais têm como objeto de pesquisa imediato a transferência da informação”. A CI pode ser compreendida como um “guarda-chuva” sob o qual estão muitas outras ciências ou disciplinas, que têm, de uma forma ou de outra, a informação e sua transferência como objeto de estudo. A partir desse ponto de vista a museologia também pode ser incorporada a ela, bem como tantas outras ciências (contabilidade, administração, psicologia, etc.). São muitas as definições para CI. Segundo Harold Borko é uma disciplina que investiga as propriedades e comportamento da informação, as forças que regem o fluxo informacional e o sentido do processamento de informação com vista a um máximo de acessibilidade e uso. Diz, assim, respeito a um corpus de conhecimento

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sobre a origem, colecção, organização, armazenamento, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e uso da informação. [...] Trata-se de uma ciência interdisciplinar derivada de e relacionada com os seguintes campos: matemática, [...] comunicações, biblioteconomia, gestão e outros campos similares. Possui, por fim, uma componente de ciência pura na medida em que explora o tema sem olhar às suas aplicações práticas e uma componente de ciência que desenvolve serviços e produtos. A biblioteconomia e o documentalismo constituíam, por isso, aspectos aplicados da ciência da informação. (apud SILVA, 2002, p. 593).

Esta conceituação novamente apresenta a relação entre a CI e a documentação conceituada e desenvolvida por Paul Otlet, que também é exposta na definição de Oddone, citada por Miranda (2002, p. 21), A ciência da informação, enquanto campo do saber humano, ocupa-se tanto do fluxo da comunicação como de seus atores e dos registros que transportam a informação e o conhecimento. Não estuda a natureza propriamente física ou social da comunicação, nem investiga os estatutos políticos e antropológicos que a fundam, mas identifica sua mecânica processual e as instituições que dela participam, seus produtos, seus especialistas e usuários, as ferramentas e as técnicas de que se utiliza, procurando compreendê-los enquanto componentes do vasto organismo sistêmico que garante ao homem a satisfação de seu anseio e de sua necessidade de produzir, transformar, utilizar, comunicar, transmitir, enfim, perpetuar o conhecimento.

Para Oddone a CI vai além do tratamento da informação, está inserida num processo de comunicação inerente a todas as instituições-memória, processo esse que representa papel imprescindível na assimilação, produção e perpetuação do conhecimento, tão caro e necessário a toda a humanidade. Odonne acredita que, para o processo de comunicação ser realizado, o profissional da informação deve considerar o conjunto de atividades e demais elementos relacionados à informação, buscando inseri-los num contexto maior que permita que a informação ocupe papel estratégico na produção de novos saberes. A definição de Oddone não apenas insere a CI nas várias áreas que têm a informação como objeto de estudo, mas também cita todas elas nominalmente em seu texto18, afirmando que, a CI abrange as áreas da museologia, biblioteconomia e arquivologia, desde que estas trabalhem a informação de forma a inseri-la num contexto maior, valorizando sua a função social e sua importância na produção e disseminação de conhecimento. Não devemos manter o foco apenas nos acervos, como foi feito durante muito tempo.

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Para evitar que a citação ficasse muito longa, apresentamos aqui o trecho do texto de Oddone, citado por Miranda (2002, p. 23): A CI “não deve restringir seu escopo epistemológico a essa ou aquela atividade profissional — biblioteconomia, arquivologia, museologia — a essa ou aquela competência técnica — bibliotecários, arquivistas, museólogos, gestores da informação [...].

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Com base em mais um dos clássicos estudos sobre a CI, apresentamos a definição de Le Coadic (1996, p.26) que considera a CI como ciência social rigorosa que se apóia em uma tecnologia também rigorosa. Tem por objeto o estudo das propriedades gerais da informação (natureza, gênese, efeitos), ou seja, mais precisamente: a análise dos processos de construção, comunicação e uso da informação; e a concepção dos produtos e sistemas que permitem sua construção, comunicação, armazenamento e uso.

O autor enfatiza a importância da informação em todo o seu contexto, desde a produção até a assimilação pelo usuário, e procura mostrar que o profissional da informação não deve ter como missão apenas a preservação do documento, como foi preconizado e praticado pelos bibliotecários, arquivistas e museólogos, durante longo período. Agora o foco deve ser o usuário e sua relação com a informação, afinal, as instituições existem para atender seu público. Podemos citar também o pensamento de Saracevic, apresentado em Fonseca (2005, p.27), no qual “a ciência da informação tem três principais características, que são vetores de seu desenvolvimento e evolução: é interdisciplinar; está inevitavelmente ligada à tecnologia da informação; e tem sua evolução marcada pelo desenvolvimento da chamada sociedade da informação”. O autor considera também que “as áreas com as quais a ciência da informação tem as mais significativas e desenvolvidas relações interdisciplinares são a biblioteconomia, a ciência da computação, a ciência cognitiva e a comunicação”. As transformações históricas, econômicas, sociais, culturais e tecnológicas que resultaram na denominada “sociedade da informação” exigem uma nova postura dos profissionais da informação, que têm como objeto de estudo e de trabalho a informação, preservada nos mais variados suportes documentais, que simboliza e comunica a memória da nação, do grupo, de uma empresa, enfim, da área à qual a instituição está vinculada. Nesse novo cenário, onde predomina o uso intenso da tecnologia, o objeto de estudo da CI é definido por Smit e Barreto (2002, p. 17) “como campo que se ocupa e se preocupa com os princípios e práticas da criação, organização e distribuição da informação, bem como com o estudo dos fluxos da informação desde sua criação até a sua utilização, e sua transmissão ao receptor em uma variedade de formas, por meio de uma variedade de canais”. Novamente fala-se da preocupação com a informação em seus vários estados e enfatiza-se a questão da variedade de canais por meio dos quais a informação poderá ser transmitida. Além dos canais de transmissão da informação que, com o avanço tecnológico, sofrem alterações, devemos considerar também que a CI, lembrando Buckland, citado por Pinheiro

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(2004), não se deve prender a estudar apenas os fenômenos representados em textos, já que existem outros tipos documentais como objetos, depoimentos, imagens, etc., que igualmente representam a produção do homem e são imprescindíveis para a perpetuação da ação humana e para novas ações que resultarão na produção de novos saberes. Percebemos então que a CI é uma ciência em constante construção, que tem como objeto de estudo a informação atrelada aos seus meios de transferência ou comunicação e ao seu uso e forma de assimilação pelo usuário, receptor da mensagem. As definições de CI, muitas vezes, salientam a questão e a necessidade da interdisciplinaridade, a partir da qual serão delimitadas as fronteiras entre as disciplinas relacionadas às instituições-memória, evitando que a interdisciplinaridade, tão preconizada por muitos autores, transforme-se em indisciplinaridade, conforme Boulding, citado por Pinheiro (2002, p. 82). Concluímos,

com base na argumentação dos autores19 que valorizam a

interdisciplinaridade, que a CI é uma ciência que pode ou mesmo deve ser aplicada às várias disciplinas (arquivologia, biblioteconomia e museologia) relacionadas às instituiçõesmemória, permitindo, por meio de seus procedimentos de organização e de disponibilização da informação, que as disciplinas acima citadas possam alcançar suas missões de forma mais estruturada,

não

dependendo

das

práticas

e

procedimentos

restritos

aos

locais

institucionalizados. Ou seja, a informação de um documento de arquivo poderá ser tratada e disponibilizada de forma muito semelhante a de um objeto de museu ou a de uma publicação numa biblioteca, pois os procedimentos terão como base os pressupostos da CI e não estarão vinculados diretamente a algumas práticas e métodos preconizados em cada uma das instituições, entretanto salientamos que algumas especificidades deverão ser mantidas, como a organicidade dos fundos arquivísticos, o que não impede que a informação retirada dos documentos que o compõem possam ser tratadas com base nos procedimentos da CI. A incorporação dos pressupostos da CI a algumas práticas da arquivologia, biblioteconomia e museologia de forma alguma tornam essas disciplinas iguais, pois cada uma delas continuará tendo suas missões específicas e se preocuparão em manter a função definida para o documento dentro do espaço institucionalizado. A apropriação dos procedimentos da CI é fundamental para o desenvolvimento, valorização e perpetuação das instituições-memória, que deverão utilizá-los para realizar 19

Nesse caso estamos enfatizando as teorias dos autores europeus que consideram a CI como decorrência da Documentação e mantêm um vínculo mais próximo com as instituições-memória, enquanto que os autores norteamericanos, valorizam muito mais a importância da tecnologia para o desenvolvimento e aplicação da CI, isso porque os estudos voltados à CI ficaram atrelados ao desenvolvimento de mecanismos tecnológicos aplicados à documentação e à recuperação da informação.

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trabalhos que tenham como foco, muito mais que a preservação e a disseminação da informação, o usuário e suas necessidades. Salientamos que os profissionais da informação, a partir do momento que estabelecem as teorias, os parâmetros e os paradigmas para suas atividades e mantém domínio sobre a base conceitual da CI, tornam-se completos e não necessitam necessariamente estar atrelados aos espaços nos quais exercem suas funções e saberes (SMIT e BARRETO, 2002, p.22). Ou seja, o bibliotecário não terá, obrigatoriamente, que exercer suas funções em uma biblioteca e assim por diante. Aliás, a questão do espaço físico tem sofrido transformações, principalmente com o advento da Nova Museologia e o Ecomuseu, no que tange especificamente a museologia, mas também com o surgimento dos espaços virtuais, como as bibliotecas, museus e arquivos virtuais tão comuns hoje em dia. A atual realidade, fruto principalmente do avanço tecnológico e das facilidades de transmissão de dados e de comunicação, torna cada vez mais difícil delimitarmos o campo de atuação dos profissionais de cada uma dessas instituições, pois todos devem trabalhar de forma conjunta para desenvolver teorias e princípios gerais comuns a todas elas, com vistas à gestão da memória, ao tratamento da informação e sua disponibilização de forma rápida e eficaz para o usuário. 4.2. Informação e documento20 “A informação se qualifica como um instrumento modificador da consciência do indivíduo e de seu grupo social, pois sintoniza o homem com a memória de seu passado e com as perspectivas de seu futuro.” Aldo Barreto

O estudo da CI nos remete a duas questões cruciais, também relacionadas ao centro de memória e às demais instituições-memória: a definição de documento e de informação21. Para estudar o termo documento, tomamos como base as definições mais gerais advindas da área da história e da cultura apresentadas principalmente no texto Documento/Monumento do historiador Jacques Le Goff (2004). 20

Na verdade poderíamos considerar como três se acrescentássemos também a questão do conhecimento, mas preferimos centrar nossa análise apenas na informação e documento, por considerar que há muito ainda para se estudar sobre a gestão do conhecimento, apesar de estarmos conscientes de que as mudanças na sociedade pósindustrial alteraram bastante a produção do conhecimento e sua relação com a sociedade, e que tanto o conhecimento como a informação têm importância fundamental neste novo cenário. 21 Salientamos que trataremos especificamente da informação, não a considerando como sinônimo de conhecimento, pois como conhecimento é o produto gerado pelo receptor da informação a partir da compreensão e assimilação desta com base em seu repertório cultural e intelectual, ou seja, enquanto a informação é recebida, o conhecimento é produzido internamente, conforme Hayes, citado por Pinheiro (2004).

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Ao tratarmos do termo informação, nos detivemos às definições no âmbito da CI e suas áreas integradas, como a biblioteconomia. No entanto, consideramos necessário apresentar, para introduzir a discussão, algumas definições apresentadas por McGarry (1984) e que estão relacionadas a várias áreas do conhecimento. McGarry (1984, p. 14-6) começa sua análise pela etimologia da palavra. Informação vem do latim: formatio e forma que exprimem a idéia de dar forma a alguma coisa, de formar um padrão, representar. Segundo o dicionário Concise Oxford English Dictionary, informação que dizer: “informar, dizer, coisa dita, conhecimento, (os almejados) dados de conhecimento, notícia, (acerca de)”. Podemos também considerar que informação é aquilo que recebemos do exterior e que forma a base dos julgamentos que fazemos e das decisões que tomamos durante a nossa vida. Com base nos pensamentos de alguns estudiosos, McGarry cita: •

“Nobert Wiener: informação é o nome dado ao conteúdo do que é trocado com o mundo do exterior quando nos ajustamos a ele e nele fazemos sentir o nosso ajustamento. Viver de facto é viver com informação.



Jesse Shera: informação, tanto no sentido em que é usada pelo biólogo como no sentido em que nós bibliotecários a usamos, é um ‘facto’. É o estímulo que recebemos através dos nossos sentidos; mas é sempre uma unidade, é uma unidade de pensamento.



Marshall Mcluhan: o meio é a mensagem.



George Miller: informação é algo de que temos necessidade quando enfrentamos uma opção. Seja qual for o seu conteúdo a quantidade de informação requerida depende da complexidade da opção. Se enfrentamos um amplo leque de alternativas equiparáveis, se algo pode acontecer, precisamos de mais informação do que se estivermos face a uma simples escolha entre duas alternativas.



D. McKay: é o que se acrescenta a uma representação. Recebemos informação se ‘o que conhecemos’ é alterado. Informação é o que logicamente justifica alteração ou reforço de uma representação ou de um estado de coisas. As representações podem ser explícitas (como num mapa ou numa proposição) ou podem estar implícitas no estado de actividade dirigida do receptor.



N. Belkin: Informação é tudo o que for capaz de transformar a estrutura.



C. Shannon e W. Weaver: a informação tem menos a ver com o que se diz de facto do que com o que se podia dizer. Isto é, a informação mede a liberdade de escolha de cada um quando este tem de seleccionar uma mensagem. A informação aplica-se não a mensagens individuais mas à situação como um todo.



J. Becker: são factos sobre qualquer assunto.”

A sucinta amostra de definições oferecidas por McGarry nos apresenta uma variedade de atributos relacionados à informação. Alguns autores a consideram como elemento fundamental num momento de decisão, além de simbolizar liberdade de escolha; ser caracterizada como matéria-prima do conhecimento e manter uma relação de total

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dependência com o receptor. Estes dois últimos atributos muito interessam aos profissionais da informação. Todas as definições deixam clara a importância que a informação representa, mas é essencial salientar que a informação para ser utilizada ou assimilada deve ser relevante ou pertinente para o seu receptor, caso contrário não passará de um dado. Apresentaremos, agora, outros autores que refletiram sobre o termo, considerando os pressupostos da CI. Segundo Hayes, citado por Pinheiro (2004), informação é “[...] propriedade de dados (isto é, símbolos registrados) os quais representam (e medem) efeitos de seu processamento”. Nesse mesmo trabalho, Pinheiro esclarece que a informação de que trata a CI pode estar registrada de inúmeras formas e em diferentes suportes, e a informação pode ser de uma determinada área do conhecimento — neste caso fica atrelada ao contexto no qual é produzida e aplicada —, ou então ser analisada sob uma determinada abordagem, considerando os aspectos cognitivos, administrativos ou gerenciais. A questão da forma de abordagem está presente também na argumentação de Wersig e Nevelling, citados ainda por Pinheiro (2004), que apresentam tipos de abordagem com base na: estrutura, conhecimento; mensagem; significado; efeito ou processo nos quais está inserida a informação. Enfim, há inúmeras formas de considerar, analisar ou mesmo definir a informação. No caso específico da CI consideramos importante a afirmação de Tálamo, citado por Jardim e Fonseca (2004), "a informação é inseparável do sujeito, tanto daquele que a gera, como daquele que a transforma e a trata, como daquele que a recebe e a aplica, transformando-a ou não em outros conteúdos", pois confirma a importância representada pelo receptor/usuário que, durante muito tempo, foi praticamente esquecido pelos profissionais da informação. Novamente enfatizando a questão da importância da informação e sua intrínseca relação com a CI, citamos Le Coadic (1996, p. 27) que afirma que a informação é o sangue da ciência. Sem informação, a ciência não pode se desenvolver e viver. Sem a informação a pesquisa seria inútil e não existiria conhecimento. Fluido precioso, continuamente produzido e renovado, a informação só interessa se circula, e, sobretudo, se circula livremente.

A circulação preconizada por Le Coadic está relacionada aos estudos e à missão da CI, sabendo que a assimilação, compreensão e apropriação da informação são sempre feitas de indivíduo para indivíduo e dependerá das competências específicas de cada um. A

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informação, dependendo da maneira como é assimilada, pode alterar a consciência do receptor, modificando seu estoque mental de saber e promovendo benefícios àquele que dela se apropria e ao mundo no qual está inserido (BARRETO, 2002, p. 50-53). Percebemos a relevância do papel desempenhado pela CI ao propiciar estudos que buscam melhorar cada vez mais a relação do receptor com a informação, relação esta que também é evidenciada por Setzer (1999, p. 2-6) ao definir a informação como uma abstração informal (isto é, não pode ser formalizada através de uma teoria lógica ou matemática), que representa algo significativo para alguém através de textos, imagens, sons ou animação [...] A informação é objetiva-subjetiva no sentido que é descrita de uma forma objetiva (texto, figuras, etc.), mas seu significado é subjetivo, dependente do usuário [...] A informação visa mudar a forma com que o receptor percebe algo [...]

Setzer enfatiza a importância que a informação representa e a partir disso consideramos que a CI, ao possibilitar de forma variada, por meio das mais diferentes instituições e de seus acervos reais ou virtuais, o acesso e a fruição da informação, contribui para o desenvolvimento social, minimizando as desigualdades, fortalecendo o caráter de cidadania, já que o acesso à informação e ao conhecimento é fator preponderante para a elevação do nível de oportunidades sociais, não importa em que contexto. Por fim citamos a definição de Smit e Barreto (2002, p. 21) Informação — estruturas simbolicamente significantes, codificadas de forma socialmente decodificável e registradas (para garantir permanência no tempo e portabilidade no espaço) e que apresentam a competência de gerar conhecimento para o indivíduo e para o seu meio. Estas estruturas significantes são estocadas em função de um uso futuro, causando a institucionalização da informação.

Devemos enfatizar que conseguir usar a informação confere poder às pessoas, e quanto mais conseguirmos disponibilizá-la para o maior número de pessoas, mais contribuiremos para o engrandecimento destas como cidadãos inseridos na sociedade. Essa argumentação extrapola o papel que, geralmente, é destinado para as instituições-memória. Já que, além de preservarem parte importante da memória e do conhecimento de uma sociedade, as instituições-memória devem se aproximar da população de seu entorno e fornecer ou colaborar com outras instituições para que sejam oferecidos serviços básicos que disponibilizem informações dos mais diferentes tipos, desde as utilitárias até as seletivas (BARRETO, 2000). As unidades de informação ou instituições-memória, escopo do nosso trabalho, transformam-se nas instituições responsáveis pela organização e disponibilização da informação, permitindo que seja concluído o fluxo informacional, mas para que isso ocorra a

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informação precisa estar registrada em algum tipo de suporte e por meio de algum código22, garantido sua permanência no tempo e portabilidade no espaço (SMIT e BARRETO, 2002, p.20). Conforme Smit (2005, p. 24), a informação ao ser registrada num suporte e por meio de um código torna-se uma informação codificada que, desta forma, pode ser acessada e socializada. A autora enfatiza o papel do profissional da informação que não só armazena a informação, mas também cria condições para que ela seja acessada, por meio de vários instrumentos, como as linguagens de representação ou linguagens documentárias, que permitem ao profissional representar o conteúdo do documento, os dados existentes, possibilitando que o usuário tenha acesso a eles e possa, dependendo de sua competência, apropriar-se deles e transformá-los em informação. Percebemos, então, que a informação, como afirma Smit (2005, p. 15), “não constitui um bem tangível, pressupõe sempre a noção de seleção, que seu reconhecimento é circunstancial e que é necessário distinguir claramente em quais condições a informação pode ser compartilhada socialmente em função do código empregado”. A informação, então, é registro em um suporte por meio de um código, e só será incorporada ao acervo e em seguida tratada e disponibilizada se mantiver relação com as atividades ou a filosofia adotada pela instituição que a gerou ou a preservou, podendo ser utilizada para fins diversos pelos usuários que dela se apropriam e a ela atribuem novos significados. Desse modo, a informação é descrita de forma objetiva, mas sua assimilação, apropriação e mesmo preservação estão vinculadas a fatores estritamente subjetivos, seja no nível individual ou institucional. Seu uso e os benefícios ou malefícios que poderá causar dependerá do sujeito que dela se utilizar, daí novamente seu caráter subjetivo. Para finalizar, ressaltamos a necessidade de o profissional da informação manter posicionamento crítico perante seu trabalho, tendo sempre consciência da realidade na qual está inserido, sabendo que não só pode como deve transformá-la, possibilitando acesso mais democrático à informação pelos variados tipos de usuários. Entretanto, sabemos que, frente às dificuldades e desigualdades econômicas, sociais e culturais, presentes na nossa sociedade, o trabalho do profissional da informação pode-se transformar em algo muito mais difícil do que a princípio pareça; convém estar sempre preparado para enfrentar os obstáculos e principalmente conhecer as necessidades de seu público-alvo, considerando também seu 22

Entendido como conjunto de sinais ou símbolos para representar a informação. Por exemplo, no caso de um documento da administração pública podemos ter alguns códigos: a própria língua portuguesa e também números criados com a finalidade de relacionar o documento com o departamento que o criou, etc.

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público-potencial, pois, muitas vezes, desenvolvemos trabalhos preciosos e minuciosos, que acabam não tendo função social, por abarcar e responder às necessidades de um grupo extremamente seleto de indivíduos. Não temos a pretensão de transformar o profissional da informação no responsável pelas soluções dos problemas nacionais, mas acreditamos que ele deve cumprir seu papel de forma sempre consciente e crítica, com foco ampliado para a sociedade e não apenas para uma pequena comunidade. Além disso, é crucial não ser ingênuo a ponto de considerar que seu trabalho é totalmente neutro com relação ao tratamento da informação. Aliás, não existe neutralidade nas relações humanas, que dirá no tratamento da informação. Ao selecionarmos, tratarmos e disponibilizarmos uma informação estamos obedecendo a determinado ponto de vista, para atingir certos objetivos e cumprir a missão da instituição para a qual trabalhamos. Após essa pequena mas considerável digressão, retomamos a análise da informação a partir da necessidade intrínseca de seu registro em algum tipo de suporte. Passamos, então, para o estudo do termo documento que também depende do contexto e do enfoque sob o qual é analisado. Conforme Leonhardt (1989), nos sistemas de informação, a principal variável no processo de avaliação do documento é o ser humano, ou seja, o profissional da informação. “A palavra documento vem do latim, docere, que quer dizer ensinar, e de documentum, o que ensina (BELLOTO, 2002, p. 22). Assim, podemos definir documento como uma informação registrada em um suporte e que para existir depende de um código/inscrição. Conforme o Camargo e Bellotto (1996, p. 28), “documento é unidade constituída pela informação e seu suporte”. Le Goff (2004, p. 525) inicia sua análise sobre o termo documento mostrando quão fundamental foi e continua sendo o registro do conhecimento produzido pelo homem em documentos para o estudo e escrita da história. Cita os teóricos mais ortodoxos da História Positivista, Langlois e Seignobos, que exprimiram numa fórmula a base da ciência histórica, afirmando que “sem documentos não há história”23 (LE GOFF, 2004, p.106). Aliás, podemos também citar as considerações de Tessitore (2003, p.11) que salienta que os documentos são testemunhos dos caminhos trilhados pela humanidade e sua existência permite que cada indivíduo, segmento social ou instituição construa sua identidade e decida como agir perante a 23

Apesar da relevância desta declaração, os historiadores da Nova História criticavam os positivistas, não pelo fato da importância que davam ao documento, mas sim à forma como eles consideravam que o historiador deveria trabalhar com o documento — de forma totalmente submissa, o conteúdo do documento não poderia ser criticado, questionado.

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sociedade na qual está inserido. Os documentos são, em última análise, os registros da memória coletiva, e aqui estamos agrupando todos os tipos de documentos que, independentemente de seu suporte físico e de seu significado, têm valor de testemunho, de prova e, muitas vezes, são essenciais na tomada de decisão. Retomando a análise histórica de Le Goff, ressaltamos que todos esses testemunhos são herança do passado e fruto de uma escolha, já que não podemos preservar tudo que é produzido, além de estarmos suscetíveis a acontecimentos que podem provocar a destruição natural de vestígios do desenvolvimento da humanidade. Para compreendermos melhor a relação dos historiadores com os documentos, é necessário voltarmos a 1681quando Jean Mabillon24 publicou De re diplomatica, obra na qual estabelece regras de diplomática, ou seja, estudo dos diplomas, e critérios para estabelecer a autenticidade de atos públicos ou privados, os quais foram apropriados pelos arquivistas para avaliar a estrutura formal e a autenticidade dos documentos ou atos escritos de origem governamental e/ou notarial (BELLOTTO, 1991, p.30) e que permite a utilização crítica dos documentos. No século XIX, com o advento dos positivistas, o documento tornou-se instrumento essencial para o trabalho do historiador e prova irrefutável. “O melhor historiador é aquele que se mantém o mais próximo possível dos textos”, segundo Coulanges, citado por Le Goff (2004, p.527), considerando texto como sinônimo de documento. Para Ranke, historiador tradicional do século XIX, que valorizava a história dos acontecimentos, apenas os registros oficiais, emanados do governo e guardados em arquivos eram considerados como documentos (BURKE, 1992, p.13). No século XX, com a Escola dos Annales, amplia-se a noção de documento. Segundo Lucien Febvre, citado por Le Goff (2004, p. 530) A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. [...] Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem [...]”.

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Considerado o verdadeiro fundador da diplomática (LE GOFF, 2004, p.120). Sua obra é vista como o marco da crítica dos documentos de arquivo.

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E seguindo esse raciocínio, Marc Bloch (2001, p. 80) afirma que não existem documentos específicos para cada questão histórica. Cabe ao historiador pesquisar e encontrar documentos, não obrigatoriamente textuais, que lhe auxiliem em seus estudos. Bloch cita as pinturas, esculturas e até mesmo a disposição das tumbas como documentos ou vestígios essenciais para a escrita da história. Assim, todos os elementos da cultura de uma sociedade devem ser considerados pelo historiador, dependendo do assunto e do foco que lhe é dado. O principal é percebermos que toda essa massa documental ou patrimônio cultural constitui a memória coletiva, mas para que ela realmente seja recuperada ou reconstruída, os historiadores devem trabalhar o documento como monumento, tendo consciência de que “é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder" (LE GOFF, 2004, p. 536). Para explicar melhor a relação entre documento e monumento, retomamos a argumentação de Le Goff (2004, p.526) que salienta que devemos considerar os documentos como monumentos, sendo que estes são definidos como “tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação [...] o monumento liga-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas [...]”. Pois, ao considerarmos os documentos como monumentos, estamos relacionando os vários tipos de produção humana (cultura material, objetos de coleção, etc.) e colocando todos estes vestígios em evidência e passíveis de interpretação. A título de esclarecimento, citamos Foucault que, conforme Le Goff (2004, 103), ao questionar o documento diz que nos nossos dias (seu texto data de 1969) os historiadores transformam documentos em monumentos, permitindo um amálgama de elementos que devem ser isolados e agrupados de forma que possamos relacioná-los, formando um conjunto que nos permita decifrar os traços deixados pelo homem. Os documentos/monumentos, em seus mais variados tipos de suporte e variadas formas de registro, constituem o patrimônio cultural25 seja de uma comunidade, cidade, estado ou nação, mas só terão valor de existência se forem utilizados pela comunidade que lhes atribua valores. Conforme Arantes (1989, p. 16), as coisas preservadas são, em si mesmas, inertes. Como bens de patrimônio elas participam da vida social como suportes privilegiados de significados e resignificados sucessivos, os quais, apesar de ilimitados, estarão necessariamente incorporados nas marcas que esses bens carregam de sua própria história. 25

Conforme Lemos, citado por Bellotto (2002, p.14), o patrimônio histórico restringe-se aos chamados artefatos e é um segmento do patrimônio cultural, definido por conjunto de patrimônios de uma nação ou de um povo. O patrimônio histórico é formado por produtos acabados que servem essencialmente como testemunhos ou provas.

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Temos também o patrimônio documental formado pelos documentos denominados históricos, pois já perderam seu valor de uso, arquivisticamente falando. São os documentos da terceira idade, aqueles que compõem o arquivo permanente ou histórico de uma instituição. Entretanto, procuramos expandir um pouco esta definição, inserindo também no patrimônio documental não só os documentos preservados nos arquivos, mas os das bibliotecas, museus e centros de memória, que muitas vezes ainda possuem o valor de uso, como, por exemplo, os livros disponibilizados nas estantes das bibliotecas, mas que nem por isso deixam de ser testemunhos. As instituições-memória responsáveis pela guarda, preservação e fruição de nosso patrimônio cultural e patrimônio histórico, devem exercer suas atividades com o objetivo de permitir que estes, fruto da construção coletiva e, por conseguinte, símbolo da memória coletiva, possam ser consultados por todos os cidadãos que, além de terem direito ao acesso, também devem ser responsáveis por sua preservação. As instituições deverão criar canais de comunicação com todos os segmentos da sociedade de modo claro e direto, permitindo que todos conheçam suas atividades, sua missão e possam, caso desejem, usufruir de seus serviços e produtos a partir, principalmente, do acesso a seus acervos. As instituições-memória devem estar totalmente inseridas e conscientes do papel que representam na aplicação da política cultural que, segundo Chauí (1992, p. 39), deverá considerar a cultura [...] como um fato ao qual temos direito como agentes ou sujeitos históricos; como um valor ao qual todos têm direito numa sociedade de classes que exclui uma parte de seus cidadãos do direito à criação e à fruição das obras do pensamento e das obras de arte [...] a cultura é simultaneamente um fato e um valor, a enfrentar o paradoxo no qual a cultura é o modo de ser dos humanos e, no entanto, precisa ser tomada como um direito daqueles humanos que não a podem exercer completamente [...].

Enfim, tanto a cultura como a memória são direitos de todos, e as instituiçõesmemória, ao preservar os documentos e tratar suas informações para que possam ser apropriadas, representam papel fundamental nas políticas culturais e devem desempenhar da melhor forma possível sua missão social. O documento e a informação são elementos indispensáveis no trabalho e na própria razão de ser das instituições-memória. Nossa reflexão a respeito do documento ficou centrada muito mais no seu papel como objeto de estudo dos historiadores e como registro da memória da humanidade, por acreditarmos que devemos olhá-lo, não apenas a partir de seu valor de

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prova, de beleza estética ou de seu conteúdo informativo, mas como patrimônio cultural. Entretanto, é importante definir as funções atribuídas aos documentos nos diferentes tipos de instituição aqui estudados. Por isso e para não nos tornarmos repetitivos, buscamos demonstrar que o documento/monumento tem um valor que é quase que imensurável por tudo que representa para a comunidade que o produziu e também para as que futuramente poderão utilizá-lo como testemunho da memória daqueles que já se foram, desde que estejam preservados, organizados e disponibilizados nas instituições-memória.

4.3.Arquivologia, biblioteconomia, documentação e museologia26: ciências da informação? Decidimos tratar cada uma das áreas isoladamente, buscando qualificá-las como disciplinas que aplicam e validam os pressupostos da CI. Para não tornar muito longa a explanação sobre cada uma delas, optamos por traçar seus respectivos históricos de forma resumida, por julgarmos essencial entender a sua gênese até chegar no momento nos qual nos encontramos hoje, já que ocorreram alterações cruciais no desenvolvimento e reconhecimento de todas estas disciplinas. Apesar de considerarmos, como citado acima, que estas disciplinas não estão atreladas necessariamente à instituição, ou seja, não tratam especificamente do local ao qual estão relacionadas, é interessante estudar também as características principais de suas instituições, tornando a argumentação mais completa. Desde já, o que podemos apresentar é que a história da evolução de todas estas disciplinas, principalmente a biblioteconomia e a arquivologia, salienta momentos decisivos de transformação, como quando da criação da imprensa por Gutenberg, no século XVI, ou do desenvolvimento do Iluminismo no século XVIII, que enaltecia a classificação e separação das idéias e dos objetos, buscando atingir uma objetividade científica em todas as áreas do conhecimento, inclusive nas humanidades. Até chegarmos ao século XIX que apresentou mudanças extremamente significativas no modo de produção, no modo de vida e na construção de conhecimento. Até então, as instituições, que preservavam de alguma forma a memória e o patrimônio histórico das nações, mantinham uma postura meramente preservacionista, ou 26

Decidimos enunciar as disciplinas obedecendo à ordem alfabética para evitar qualquer tipo de interpretação valorativa.

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seja, o foco estava na guarda dos documentos — paradigma patrimonialista, conforme Silva (2002, p. 573). A partir do século XIX, surge uma nova forma de desenvolver atividades relacionadas ao patrimônio, que passa a privilegiar a disseminação de tudo que é preservado. São desenvolvidos muitos estudos com vistas a melhorar a maneira de permitir, em princípio, o acesso ao documento, e já no século XX, principalmente a partir da década de 50, o acesso à informação. Este processo evolutivo permitiu o surgimento das ciências relacionadas aos lugares de memória que se transformaram, de meros depósitos, em instituições responsáveis pela coleta, guarda, organização e também disseminação da informação. Nesse novo contexto, a teoria se sobrepõe às práticas e estas instituições passam a estabelecer suas próprias teorias e padrões aplicados em suas atividades para atingir seus objetivos, tendo sempre como foco principal a informação e sua relação intrínseca com o usuário. Após esta genérica introdução, consideramos interessante apresentar alguns detalhes mais pontuais do histórico de cada uma das disciplinas, como também das instituições às quais estão relacionadas. Mostraremos que as instituições-memória sofreram transformações significativas decorrentes das próprias alterações nas relações de produção, do avanço tecnológico e, principalmente, do desenvolvimento de ciências que definiram as teorias e as práticas que serão aplicadas em cada uma dessas instituições-memória.

4.3.1. Arquivologia27 e arquivo “Nos corredores vazios do arquivo não me sentia sozinho e sim muito bem acompanhado de tantos homens e mulheres encadernados em pergaminho e em meus ouvidos soava o grito dos séculos passados, um grito que chamava os homens de hoje e dizia: somos como vossos pais, vossos semelhantes e vossos irmãos.” Michelet

A arquivologia ou arquivística surgiu oficialmente no século XIX como técnica para arranjo de arquivos e teve como base os estudos dos holandeses Muller, Feith e Fruin, que elaboraram um manual no qual constavam a metodologia e os principais pressupostos da

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Optamos por utilizar o termo arquivologia, mesmo sabendo que vários autores utilizam o termo arquivística. Camargo e Bellotto (1996, p. 5) apresentam os dois termos como sinônimos.

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arquivologia. Esse manual28, até hoje considerado como uma das principais produções intelectuais na área, e citado pelos mais conceituados autores da área, foi publicado em 1891. O desenvolvimento da arquivologia esteve atrelado ao da biblioteconomia, da diplomática e da paleografia. Na verdade, muito antes do século XIX, já existia o arquivo — local onde eram guardados os documentos considerados importantes. Entretanto, muitas vezes, estes conjuntos de documentos armazenados ficavam sob a guarda da biblioteca, do museu ou então das pessoas que os produziam e, normalmente, não recebiam qualquer tipo de tratamento; eram apenas preservados. No geral, eram armazenados para atender às necessidades dos historiadores e, por isso mesmo, a documentação administrativa, ou seja, dos arquivos correntes, era praticamente esquecida e não se destinava ao arquivo. Conforme Alberch Fugueras (2003, p. 30) a história dos arquivos e da arquivologia pode ser sistematizada em quatro períodos, aos quais acrescentaremos um quinto, detalhado por Fonseca (2005, p. 59): 1. Na Antigüidade, os arquivos eram mantidos nos palácios, como por exemplo o de Assurbanipal, ou nos templos gregos. Tinham como principais características: serem responsáveis pelo valor probatório dos documentos; conservarem apenas os documentos considerados autênticos ou que tinham valor legal; possuírem um caráter eminentemente público e manterem íntima relação com a gestão do poder. Não havia a figura propriamente dita do arquivista e a forma de organização era totalmente atrelada aos desejos e objetivos dos reis;

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Segundo Theo Thomassem, citado por Fonseca (2005, p.57) a publicação do Manual dos holandeses revolucionou a arquivologia e estabeleceu um novo paradigma ao desvinculá-la da diplomática, consolidando a tradição administrativa, que definia a necessidade de estabelecer a relação de dependência entre o documento, seu órgão produtor e sua instituição de custódia.

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2. Na Idade Média, com a decadência da produção do documento escrito, os arquivos perderam importância. Apenas as instituições religiosas mantinham seus documentos. Segundo Burke (2003, p. 127) “os documentos eram muitas vezes mantidos junto com outros objetos nos acervos e eram constantemente movidos de um lugar para outro, seguindo seus donos”, o que dificultava a constituição de um arquivo do Estado. Os documentos eram organizados de forma descentralizada. As atividades de guarda eram feitas sem procedimentos metodológicos e ainda não existia a figura do arquivista. Aos clérigos cabia o papel de guardiões dos documentos que deveriam ser preservados e seu acesso seria restrito a pessoas autorizadas; 3. A partir do século XVI até o século XIX, os arquivos transformaram-se em arsenais das autoridades e passaram a se caracterizar como: arquivos do poder, arquivos da administração e arquivos da história. “A centralização do governo foi seguida pela centralização dos documentos [...] que eram considerados como pertencentes ao Estado” (BURKE, 2003, p. 128). Os arquivos permaneceram secretos e inacessíveis até a Revolução Francesa, quando foi proclamado seu acesso público. Segundo Certeau (1986, p. 4), em 1847 foi aberta a primeira sala de arquivo para o público realizar consultas. Durante o período analisado, foram desenvolvidas as teorias arquivísticas; textos foram publicados com enfoque na paleografia e na diplomática, que favoreceu o desenvolvimento da prática da análise crítica dos documentos por parte dos historiadores. Surge a figura do arquivista; 4. Do século XIX até meados do século XX, os arquivos converteram-se em laboratórios da história e tinham como missão preservar os documentos que seriam utilizados pelos historiadores. Nesta visão, arquivos correntes e permanentes são totalmente desvinculados. Durante esse período foram definidas as bases teóricas da arquivologia contemporânea, permitindo que passasse de meramente prática para científica; 5. De meados do século XX à atualidade, o arquivo passou a desempenhar um papel social e a arquivologia, com o desenvolvimento da tecnologia, sofreu mudanças significativas. Atualmente, a informação orgânica e o usuário tornaram-se os principais focos da arquivologia e da prática do arquivista. A missão social do arquivo foi enaltecida. Após esse breve histórico, podemos apresentar algumas definições. Segundo Heredia Herrera (1993, p.23) a arquivologia é uma das disciplinas integradas dentro do conjunto da Ciência da Documentação e Informação. Entretanto, muitos não a aceitam como ciência, por

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ter-se iniciado com base em experiências, pelo predomínio da técnica e por não possuir uma terminologia única. A autora salienta também que a dificuldade de estabelecer uma terminologia própria decorre do próprio momento histórico no qual a arquivologia foi desenvolvida e também em virtude das influências sofridas pela íntima relação com a biblioteconomia e com a diplomática, que estuda o documento individualmente e se preocupa muito mais com sua forma e suas cláusulas, a fim de estabelecer as tipologias, enquanto a arquivologia trabalha com massas documentais oriundas de uma mesma instituição e mantém a organicidade deste conjunto de documentos. A arquivologia não deve ser considerada apenas como a ciência do arquivo, pois, conforme Heredia (1993, p. 30) ela “estuda a natureza dos arquivos, os princípios de sua conservação e organização e os meios para sua utilização”, tendo como foco de análise o arquivo como um serviço e não apenas como um local onde são armazenadas massas documentais. Os principais objetos de estudo da arquivologia deveriam ser o arquivo, seus documentos e a informação, mas esta última, até meados do século XX, era praticamente desconsiderada. O foco do trabalho estava voltado para a questão da proveniência e para a manutenção da organicidade dos documentos arquivados, enfatizando o caráter natural presente na acumulação dos documentos. Conforme afirma Fonseca (2005, p. 56) os objetivos e a metodologia estavam voltados para o controle físico e intelectual dos documentos, buscando manter sua organicidade, justificando a preservação do documento por seu valor como fonte histórica e também como prova documental, no que tangia a questões legislativas, por exemplo. Segundo o National Information System (Natis), citado por Costa, (1990, p. 142), a arquivologia é uma disciplina aplicada, dirigida também à aplicação das técnicas de coleta, organização e difusão da informação contida em documentos produzidos como resultado das atividades desenvolvidas por pessoa física ou jurídica, documentando essas atividades para pesquisa futura.

Com base na argumentação de Heredia, podemos perceber que a definição do Natis considera a arquivologia como uma disciplina aplicada e não uma ciência, pois valoriza as técnicas voltadas ao tratamento do documento. Consideramos que esta definição não condiz com a atual realidade dos estudos na área de arquivologia, pois, atualmente, muitos estudiosos consideram que a arquivologia vive um momento de “revolução científica” (FONSECA, 2005, p.57), fruto da explosão da produção de informações e principalmente do vertiginoso desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação.

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O computador passou a fazer parte da realidade dos arquivos e tornou-se instrumento facilitador nas relações entre o usuário e a informação, permitindo que esta se tornasse o principal objeto da arquivologia que passou a ser denominada como arquivologia pósmoderna ou pós-custódia29, conforme Thomassen, citado por Fonseca (2005, p. 59). Esta nova arquivologia tem como objeto de estudo a informação orgânica, ou seja, aquela produzida e inserida num processo administrativo. Seu valor está relacionado ao seu conteúdo e também a sua forma de produção. Sua metodologia, segundo Fonseca (2005, p. 59), está voltada muito mais para a “análise das relações entre os documentos e seus geradores”, enquanto que seu objetivo vai além da acessibilidade, pois procura manter de forma clara a relação entre o documento e o processo administrativo que o gerou. Assim, a arquivologia deixa de ser considerada como uma ciência auxiliar da história, já que o tratamento dos documentos e sua preservação não têm como foco apenas atender às necessidades de estudiosos que queiram reconstruir o passado. Segundo Thomassen, citado por Fonseca (2005, p. 59), a arquivologia pós-moderna começa a adquirir estatura de ciência, “tão autônoma quanto as outras ciências da informação [...]”. A argumentação do autor vai ao encontro de nossa análise que relaciona a arquivologia com a CI, principalmente a partir do momento que a arquivologia passa a exigir que os arquivistas sejam mediadores. Conforme Cook, citado por Fonseca (2005, p. 42), Os arquivistas evoluíram de ascéticos e frios guardiões de uma herança documental para se transformarem em agentes intervenientes, que determinam padrões de preservação e gestão, selecionando para preservação somente uma minúscula parcela do grande universo de informações registradas. Os arquivistas se transformam em ativos construtores de suas “casas de memória”. Assim, devem estar sempre atentos ao exame de suas políticas nos processos de criação e formação da memória arquivística.

Além disso, os arquivistas não são mais meros receptores de massas documentais que deverão ser mantidas, segundo sua proveniência e organicidade, eles passam a influenciar e a atuar no processo de gestão do documento, desde a sua origem até a sua eliminação ou guarda permanente, tendo como principal ponto de análise as “funções e processos na criação dos documentos”, que deixam de ser artefatos fechados e transformam-se em agentes ativos, representando importância na vida de indivíduos, organizações e sociedades (FONSECA, 2005, p. 63). A forma de organizar os documentos passa a refletir a própria dinâmica do

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Segundo Fonseca (2005, p.36) essas denominações surgiram no Canadá no início dos anos 90.

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documento, seu processo de criação e também as inter-relações e usos dos documentos armazenados, pois, segundo Lodolini, mencionado por Bellotto (2002, p. 7), o significado pleno de cada documento evidencia-se somente através do vínculo com todos os documentos do mesmo arquivo, o que interessa é conhecer como este documento foi produzido, no curso de que procedimento administrativo e com que validade/vigência jurídico-administrativa. O processo de avaliação do documento passa a considerar muito mais as funções que este representa do que seu valor de interesse para futuras pesquisas.

Conforme Smit (2005, p. 9), na arquivologia a função do documento e a atividade que o gerou são os fatores considerados para sua entrada no serviço de informação e posterior organização e disponibilização. Nesse mesmo texto (p. 31), a autora afirma que o arquivo confere valor institucional ao documento que se torna prova, testemunho, e informa sobre as atividades da organização. A informação torna-se institucionalizada e prevalece o caráter de autenticidade, naturalidade e inter-relacionamento dos documentos no arquivo. O sistema de gestão de documentos no arquivo pressupõe: controle da produção e da recepção dos documentos (protocolo); tratamento, classificação, descrição, indexação, utilização, transferência, recolhimento ou eliminação e geração de informações estruturadas para serem acessadas pelo usuário, de forma coerente à instituição. O arquivo transforma-se em um sistema de informação “que significa, constrói a inteligibilidade do acervo documental, incluindo em sua preocupação o usuário com suas diferentes linguagens” (SMIT, 2005, p. 50). As significativas transformações ocorridas na arquivologia foram fruto dos avanços tecnológicos e do surgimento dos documentos eletrônicos, mas, independentemente do porquê das transformações, devemos considerá-las essenciais por realçarem o valor da informação conectado à função do documento e também por permitirem que o arquivo cumpra de forma mais crítica e integral sua missão de mediador entre o documento e o usuário, disponibilizando documento e informação que serão utilizados para tomada de decisão, além de ser, como já havíamos citado, responsável pela preservação da memória coletiva. Como afirma a historiadora Bellotto (2002, p. 8), os documentos constituem a herança cultural e o testemunho social. Entretanto, é necessário sabermos que, muitas vezes, o arquivo apenas disponibiliza para seus usuários o acesso aos documentos, porque o acesso à informação, explicitado anteriormente, dependerá das competências apresentadas pelos usuários, que deverão ter condição de contextualizar a atividade que gerou o documento que está sendo consultado para conseguir se apropriar da informação (SMIT, 2005, p.35). Devemos saber que a passagem do

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documento para a informação não se dá de forma instantânea e que, segundo Smit (2005, p.43), “o usuário é muito mais complexo do que se quis pensar inicialmente e suas formas de identificação de uma necessidade informacional e de busca de informação são altamente diversificadas, mutantes e circunstanciais; o usuário justifica a existência e geralmente mantém o arquivo”, disso resulta a importância da interdisciplinaridade com a CI, pois os estudos desenvolvidos acerca dos usuários e também de instrumentos de representação da informação, auxiliarão o trabalho do arquivista ao desenvolver uma linguagem adequada ao usuário e que possibilite o acesso rápido e eficaz à informação. Ou seja, os arquivos devem ser considerados lugares de memória, desde que, conforme Jardim e Fonseca (2004), a memória nesses espaços seja gerenciada e considerada como informação e que seja não apenas ordenada, mas também transferida. É enquanto lugares de informação — espaços (às vezes virtuais) caracterizados pelo fluxo informacional — que os arquivos (em qualquer uma das fases do ciclo vital) redefinem sua dimensão político-social. Os arquivos, além de serem “o arsenal da administração e o celeiro da história”, conforme Braibant, citado por Smit (2005, p.6), também representam papel social voltado a atender às necessidades de seus usuários. As técnicas, a questão da organicidade dos fundos arquivísticos, o conceito da proveniência e o valor de prova dos documentos são características ainda presentes e essenciais no trabalho do arquivo, mas não devem ser o foco central das atividades do arquivista. Sendo assim, o arquivo atende não apenas àqueles que criaram o documento, como também ao pesquisador e ao cidadão comum. Para cumprir sua função, o arquivista tem que considerar o documento como parte integrante de uma estrutura que mantém relação com os demais documentos gerados. A visão de que os arquivos existem para possibilitar a prestação de contas e a continuidade administrativa, além de assegurar direitos aos cidadãos existe. No entanto, conforme Cook, citado por Fonseca (2005, p. 61), atualmente, a principal razão de existência dos arquivos repousa no fato de “serem capazes de oferecer aos cidadãos um senso de identidade, de história, de cultura e de memória pessoal e coletiva”. Segundo Favier, citado por Jardim (1996), os arquivistas não são homens do passado, têm “a responsabilidade da

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memória comum dos homens e uma responsabilidade na construção do futuro [...] A memória é o fundamento dos direitos dos cidadãos”. Infelizmente, países como o Brasil, ainda se encontram num estágio intermediário. Algumas instituições já se conscientizaram e estão mudando suas práticas e dando maior atenção ao usuário, entretanto muitas, por causa de dificuldades financeiras e falta de mão-deobra qualificada, continuam a ser instituições preocupadas basicamente com a preservação do documento, muitas vezes, não consideram sequer sua organicidade e a relação com a instituição produtora. O caminho a percorrer é longo e árduo, mas os profissionais devem ser perseverantes e conscientes da importância da interdisciplinaridade para desenvolver suas tarefas e cumprir sua missão social. Além disso, devem se interessar e participar ativamente do projeto “Sociedade da Informação” que está sendo desenvolvido pelo governo brasileiro, sob a responsabilidade do CNPq, e no qual os arquivos ocupam espaço periférico e pouco significativo, segundo Jardim (2000, p. 3). O governo ainda não se sensibilizou para o fato de que os arquivos, tanto quanto os museus, bibliotecas, centros de documentação, centros de memórias, coleções particulares, etc., desempenham ou desempenharão papel estratégico no desenvolvimento da nação, ao praticarem políticas que minimizem as desigualdades informacionais, a partir da ampliação do uso social da informação. Frente a esse descaso, cabe aos arquivistas conquistarem seu espaço ao sol e mostrarem que não só estão conscientes de sua missão, mas também têm condições de cumpri-la a contento.

4.3.2. Biblioteconomia e biblioteca "[...] Felizmente existem os livros. Podemos esquecê-los numa prateleira ou num baú, deixá-los entregues ao pó e às traças, abandoná-los na escuridão das caves, podemos não lhes pôr os olhos em cima nem tocar-lhes durante anos e anos, mas eles não se importam, esperam tranqüilamente, fechados sobre si mesmos para que nada do que têm dentro se perca, o momento que sempre chega, aquele dia em que nos perguntamos, Onde estará aquele livro que ensinava a cozer os barros, e o livro, finalmente convocado, aparece, está aqui [...]" José Saramago

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Iniciamos pelo histórico das bibliotecas30, uma das mais antigas instituições-memória que, no início, apresentavam acervo composto de documentos nos mais variados suportes (tabletes de madeira, pergaminho, papiro, pedra, madeira, etc.), confundiam-se com o arquivo e o museu, e estavam prioritariamente preocupadas com a preservação de seus acervos. Segundo Sagredo e Nuño, citados em Ortega (2004), a primeira biblioteca foi organizada no terceiro milênio a.C., na Síria, e ficou conhecida como a Biblioteca de Ebla. Seu acervo estava composto por mais de 15 mil tábuas de argila, com textos administrativos, literários e científicos. Além da riqueza representada por todos os documentos preservados, essa biblioteca, apesar de tão antiga, já apresentava uma forma de classificação, — todos os documentos estavam organizados em estantes a partir de seus assuntos. E esta organização deveu-se ao surgimento da escrita, na época a cuneiforme, que, aos poucos, substituiu os sistemas pictográficos e foi relevante para “as atividades de organização sistemática de documentos” (ORTEGA, 2004). No segundo milênio a.C., tivemos na Mesopotâmia a realização de trabalhos de organização e representação dos documentos, com o objetivo de permitir posterior recuperação — resumos dos documentos eram registrados em tabletes de argila e armazenados. A Antigüidade ficou marcada pela produção literária e filosófica, mas também pela existência de grandes bibliotecas, como a de Assurbanipal, em Nínive, e, posteriormente, a de Pergamo e a de Alexandria que, além de ser considerada a mais famosa, foi fundada no século III a.C. e inspirada na biblioteca criada por Aristóteles em sua Escola de Filosofia. Tornou-se uma das maiores bibliotecas já conhecidas, pois tinha como principal objetivo abrigar a totalidade do conhecimento humano registrado, o que ajudou a cidade a se tornar o principal centro intelectual do mundo helenístico. Na Idade Média, a biblioteca tornou-se a instituição que representava, por excelência, o local do conhecimento. Nesse período, não só as Igrejas (grandes guardiães da produção intelectual e de todo o patrimônio herdado do império greco-romano), como também alguns nobres, mantinham acervos sob suas responsabilidades, os quais mais tarde deram origem a algumas das bibliotecas nacionais. O surgimento das primeiras universidades também colaborou para algumas mudanças, pois a produção de conhecimento tornou-se muito maior. Mas o principal acontecimento desse período, com certeza, foi a criação da imprensa por

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Utilizamos como base o texto de Ortega (2004).

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Gutenberg31 — os livros, até então produzidos em pequeníssima escala pelos copistas, em sua maioria clérigos, passaram a ser produzidos mais rapidamente. A invenção da tipografia contribuiu para o barateamento da produção e para o aumento e rapidez na distribuição dos livros. Como afirma Burke (2003, p. 56) “[...] a biblioteca aumentou de importância, assim como de tamanho depois da invenção da imprensa”. Outro ponto importante relacionado à invenção de Gutenberg é o fato de que, com o aumento da produção de livros, as bibliotecas, que até então eram uma mistura de arquivo e museu, tornaram-se mais especializadas no trato do livro. As bibliotecas passaram a existir separadamente e alcançaram status maior, ganhando mais visibilidade pública e social. Os documentos tornaram-se foco de interesse do arquivo, e os livros, da biblioteca. O bibliotecário, que até então trabalhava basicamente com a (re)produção de documentos, começou a se preocupar com o conteúdo do documento/livro (ORTEGA, 2004). O século XVII, já com a prática da impressão de livros avançada, caracterizou-se pelo surgimento das primeiras bibliotecas públicas, financiadas por mecenas, que ofereciam acesso livre e gratuito a seu acervo organizado. Gabriel Naudé escreveu uma obra32 na qual constam os primeiros princípios da biblioteconomia moderna. Apresenta também uma conceituação sobre biblioteca, próxima da que conhecemos atualmente. Naudé trabalhou com a idéia da “ordem bibliográfica”, a qual permitiria o acesso e o compartilhamento do saber, conduzindo a uma organização da razão política. Propôs um método de produção de bibliografias que contava com o levantamento de referências e a identificação de falsificações, o que caracterizava como uma operação de verificação [...] Naudé apresentou a biblioteca como necessariamente pública e universal e defendeu um projeto político para substituir a autoridade espiritual da Igreja pela “máquina cultural” da biblioteca. (ORTEGA, 2004).

Segundo Lucas (2000, p. 30), nos Estados Unidos as primeiras bibliotecas abertas ao público surgiram a partir de 1731. Na França, o acesso marcadamente democratizado começou após a Revolução Francesa, que tinha como um de seus principais objetivos democratizar o acesso ao patrimônio da nação. Ainda com relação à questão do acesso, Burke (2003, p. 160) afirma que este, nas primeiras bibliotecas modernas, dependia das atitudes do bibliotecário e de sua equipe. Era freqüente os pesquisadores serem impedidos de ter acesso à

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Segundo Leroi-Gourhan, citado por Le Goff (2004, p.452), com o impresso o leitor além de ser colocado em presença de uma “memória coletiva enorme” passa a não ter capacidade de memorizar tudo que lê e um texto acaba levando à descoberta de outros. O surgimento da imprensa colaborou e muito para a decadência da arte da memória (ato de lembrar) e da tradição da oralidade. 32 Advis pour dresser une bibliothèque, primeira edição é de 1627.

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documentação, simplesmente por um capricho do bibliotecário. Dessa afirmação, percebemos, mais uma vez, a relação intrínseca entre o poder e a informação. No século XIX, com o surgimento das indústrias, novas necessidades apareceram; os operários tinham que aprender a ler para manipular as máquinas, e o conhecimento tornou-se cada vez mais sistematizado. A biblioteca, nesse cenário, passou a representar papel primordial para o desenvolvimento econômico da sociedade. O avanço na produção de conhecimento, principalmente com a produção dos periódicos científicos, somado à abertura das bibliotecas e à necessidade de informação por parte de uma parcela cada vez maior da população, provocou o desenvolvimento dos pressupostos do trabalho na biblioteca. A necessidade de classificar e organizar os documentos produzidos tornou-se cada vez mais presente. Desenvolveu-se, então, a biblioteconomia. Ortega (2004) afirma que o termo biblioteconomia foi citado pela primeira vez em 1839 no título33 de uma obra publicada por um livreiro e bibliógrafo. Entretanto, apenas no fim do século XIX é que as técnicas e práticas relacionadas à biblioteca passaram a ser estudadas com mais profundidade e foram sistematizadas. O desenvolvimento da biblioteconomia está totalmente atrelado ao da bibliografia, considerada como prática fundamental para o desenvolvimento científico. Na verdade, esta já era realizada de forma limitada na Antigüidade. As primeiras bibliografias importantes datam do século XV, e a primeira que tentou ser universal foi feita na metade do século XVI. Destas iniciativas e também por causa do aumento do número de livros circulando e armazenados nos acervos, passou-se a elaborar bibliografias especializadas, muitas visando a fins comerciais. Em 1791, foi criado o primeiro código nacional de catalogação. Mas só em 1840 surgiram os primeiros índices de autores. Nos Estados Unidos, em 1850, foi desenvolvido um catálogo coletivo das bibliotecas públicas do país. A cada nova tentativa, o trabalho se aperfeiçoava. Em 1876, Melvil Dewey publicou a primeira edição de sua Classificação Decimal, que foi rapidamente adotada pelas bibliotecas, principalmente as norte-americanas, no tratamento de suas coleções. Entretanto, foi também nesse período que os bibliotecários, em especial na Inglaterra e nos Estados Unidos, passaram a desempenhar uma função muito mais educativa do que propriamente de documentalistas, pois tinham que atender às 33

Bibliothèconomie: instructions sur l’arrangement, la conservation e l’administration des bibliothèques.

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necessidades de uma massa de analfabetos que, da noite para o dia, tinha que aprender a ler e a escrever para poder atuar no novo modo de produção. As bibliotecas então passaram a ser entendidas como “equipamentos de acesso universal à educação e à cultura” (ORTEGA, 2004). Foi a partir desse momento que começou a haver uma diferenciação no trabalho do documentalista e do bibliotecário. Diferenciação esta que resultou na separação entre as duas áreas, principalmente após os trabalhos de Paul Otlet e Henri La Fontaine34, que sistematizavam a Documentação com base nas bibliografias até então desenvolvidas. O século XX caracterizou-se pelo forte desenvolvimento da biblioteconomia. Muitas bibliotecas e outras instituições irmãs, como os centros de documentação35, surgiram. A partir do final desse mesmo século, alterações significativas ocorreram devido ao desenvolvimento da tecnologia e da comunicação, especialmente em virtude do surgimento da Internet. Atualmente, as informações podem ser apresentadas em suportes diversos e o uso da tecnologia em prol de um dos objetivos da biblioteca — organização, disseminação e acesso à informação — trouxe mudanças profundas nos trabalhos desenvolvidos. Enfim, a história da biblioteca não pode ser separada da história do próprio homem, pois a produção de documentos (suportes onde se registra a memória coletiva), patrimônio cultural de uma sociedade, leva à necessidade de sua preservação e organização para posterior apropriação. Como ocorre com a arquivologia, os estudos sobre a biblioteconomia também não apresentam um único ponto de vista. Parte dos autores considera-a como disciplina, principalmente pelo fato de haver um predomínio das técnicas, como podemos perceber na definição do Natis, citada em Costa (1990, p. 142) A Biblioteconomia é uma disciplina aplicada, dirigida à aplicação das técnicas de coleta, organização e difusão da informação registrada em diferentes tipos de suportes materiais. Compreende as bibliotecas, centros de documentação, serviços e sistemas de informação. Faz o tratamento dos materiais produzidos em origens diversas, cujo conteúdo está relacionado com a necessidade de prover os usuários com informações necessárias sobre o universo do conhecimento ou parte dele.

Apesar de citar a questão do tratamento da informação para responder às necessidades dos usuários, esta definição privilegia as técnicas, mas entendemos que, há tempos, a biblioteconomia deixou de ser apenas uma disciplina que aplica métodos e técnicas predefinidas no tratamento de documentos, principal ou exclusivamente livros. 34

Os detalhes sobre os trabalhos desenvolvidos por eles serão apresentados no item 4.3.3.

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Para entender melhor a biblioteconomia, começaremos por sua etimologia. Conforme Fonseca, citada em Carteri (2004), a palavra é composta por três elementos gregos: biblion (livro), theka (caixa) e nomos (regra), acrescidos do sufixo ia; e definida como “conjunto de regras de acordo com as quais os livros são organizados em espaços (‘caixas’) apropriados”. Novamente, privilegia-se a técnica e cita apenas o livro como documento de interesse da biblioteconomia. Existem aqueles que acreditam no seu caráter científico. Segundo o Conselho Regional de Biblioteconomia da 10ª Região, citado por Carteri (2004), a biblioteconomia é [...] ciência que se ocupa do conjunto de conhecimentos teóricos e técnicos indispensáveis para armazenar, recuperar e disseminar informações em qualquer tipo de veículo ou formato, para indivíduos ou grupos, de maneira ágil e dinâmica.

Os avanços tecnológicos e o surgimento dos documentos digitais trouxeram um novo alento para as discussões acerca da biblioteconomia, mas é interessante citar que, já nos anos de 1930, havia estudiosos preocupados com esta questão. Entre eles, destacamos Pierce Butler e Lous Round Wilson que, segundo Carteri (2004) foram os precursores dos estudos da Biblioteconomia como ciência. Ambos buscaram estudá-la a partir das problemáticas sociológica, psicológica e histórica. Segundo Ortega (2004), Butler “afirmou que as bibliografias eram importantes desde que houvesse clareza sobre seus fins e que, [sic] deveria haver um deslocamento do foco nos processos para a função, com ênfase no status social dos bibliotecários e a função social da biblioteca”. Sendo assim, a biblioteconomia, principalmente nos tempos atuais, em que predominam diferentes tipos de documentos e meios de comunicação, deve ser considerada como a disciplina praticada pelo profissional da informação/bibliotecário, que, ao coletar, organizar, classificar e disponibilizar a informação, se torna o mediador entre esta e o usuário e poderá desempenhar sua função não apenas nas tradicionais bibliotecas, mas em qualquer espaço real ou virtual que tenha como objetivo disponibilizar informação para as pessoas, buscando democratizar o acesso a ela, independentemente do suporte na qual esteja registrada, contribuindo assim para o desenvolvimento social e para a preservação e construção da memória. Pois, como deixamos claro ao tratar dos documentos, toda a produção humana compõe o patrimônio cultural, e este, representado por livros, periódicos, mapas, sites, etc., deve ser devidamente selecionado, organizado, avaliado e divulgado pelos profissionais da informação que, no caso específico das bibliotecas, recebem a denominação 35

Os centros de documentação serão melhor discutidos no item 4.3.3.

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de bibliotecários. Conforme Sambaquy, citada por Carteri (2004) “cumpre aos bibliotecários conviver e cultuar a memória”. Concluímos que as bibliotecas, como já afirmamos várias vezes, são instituiçõesmemória, por terem a responsabilidade de preservar boa parte do patrimônio cultural da humanidade. E, como afirma o museólogo Chagas (2005), a biblioteca é identificada como um lugar espacial e social onde é feita a identificação de bens culturais e de usuários, ou seja, onde há a relação do documento com o usuário. No caso específico da biblioteca, esta relação é permeada pelo trabalho do bibliotecário que, tanto quanto o arquivista, tem o poder sobre o documento, ao selecionar e administrar a documentação que é preservada e ao fazer o tratamento da informação. Acreditamos que a atividade do bibliotecário não se diferencia muito da do arquivista, considerando as questões referentes aos objetivos do tratamento da informação e também à questão de poder que está atrelada às atividades desenvolvidas por todos os profissionais responsáveis pela seleção, preservação e disponibilização do patrimônio cultural. Tanto quanto o arquivista, o bibliotecário deve manter uma posição crítica no trato da informação e estar consciente do importante papel que desenvolve não só na preservação do patrimônio cultural da humanidade, mas principalmente no papel de mediador entre a informação ou documento e o usuário, afinal o trabalho com o estoque informacional (SMIT, 2000, p. 129) deve prever a capacidade de alterar algo na sociedade ou no indivíduo. Segundo Vaillant e Singly (1997, p. 119), as bibliotecas devem ser mais que mediadoras ao criar espaços nos quais seus usuários possam expressar ou mesmo desenvolver idéias e conhecimentos a partir da apropriação do acervo. Consideram, também, imprescindível o compartilhamento do conhecimento e salientam o fato de que o ato da leitura tornou-se extremamente fechado, o que impede que as pessoas discutam sobre o que estão lendo. A troca e o compartilhamento são essenciais para que os leitores/cidadãos deixem de ser apenas consumidores de cultura e passem a ter uma postura crítica ante o que é produzido e oferecido a eles. Segundo Kupiec, citado por Vaillant e Singly (1997, p. 124), “ler é ter acesso à opinião do outro”, por isso a socialização da biblioteca como espaço público e cultural é relevante para que seus usuários transformem-se em consumidores e produtores de conhecimento. Com relação às crianças, o papel da biblioteca é ainda maior, por desempenhar função primordial na democratização da aprendizagem. Infelizmente estas atribuições do bibliotecário nem sempre são percebidas e praticadas. Nem por isso devemos esmorecer. O

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posicionamento crítico e a consciência da amplitude de sua missão são fatores elementares para que o bibliotecário desenvolva trabalhos voltados para o público, que deve ser o foco principal das atividades da biblioteca, como podemos verificar em trecho da carta do Conseil Supérieur des Bibliothèques, da França, 1992, citado por Pallier e Poullot (1997, p. 139) a biblioteca é um serviço público necessário ao exercício da democracia. Ela deve garantir a igualdade de acesso à leitura e às fontes documentais para permitir a independência intelectual de cada indivíduo e contribuir com o progresso da sociedade.

Pallier e Poullot (1997, p. 142) complementam sua análise apresentando a definição dada pela ALA em 1939, que considera a biblioteca como “um fórum destinado à circulação de informações”. E, para que os profissionais cumpram sua missão, é necessário que a biblioteconomia, tanto quanto as demais ciências da informação, mantenha-se em constante aperfeiçoamento e que estimule, cada vez mais, a interdisciplinaridade com outras ciências, buscando a produção de conceitos e teorias que caracterizem definitivamente a biblioteconomia como ciência e não apenas como uma prática, fortalecendo, assim, o papel desempenhado pelo bibliotecário na Sociedade da Informação.

4.3.3. Documentação36 e centro de documentação e informação “O futuro e a independência brasileiros dependem de várias trincheiras, sendo que uma delas é constituída pela atividade científica e tecnológica e sua documentação”. Johanna W. Smit

A história da documentação se confunde com a da biblioteconomia. Desde a Antigüidade já eram desenvolvidos trabalhos que se preocupavam com o conteúdo dos documentos armazenados e preservados nas bibliotecas. Mas foi a partir do século XV que a prática de estudo do conteúdo dos documentos mostrou-se mais necessária e passou a ser produzida de forma sistematizada. Os primeiros trabalhos foram as bibliografias — verdadeiras listas/relações de obras de determinado assunto, ou de determinada região geográfica, e assim por diante. Tinham como principal objetivo facilitar o controle de tudo 36

Embora saibamos que muitos autores consideram a documentação uma variante da biblioteconomia, decidimos tratá-las separadamente, para traçar o histórico de cada uma delas, mas consideramos que na essência as duas se complementam e podem até mesmo ser consideradas praticamente sinônimas.

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que estava sendo produzido, auxiliando, e muito, os filósofos, os cientistas — enfim, os intelectuais da época. A prática apresentou resultados tão bons que aos poucos foi sendo aprimorada. No início, eram feitas pelos próprios especialistas de cada área do conhecimento e depois foram surgindo profissionais especializados na confecção das bibliografias. Apesar de sua antigüidade, a documentação foi criada oficialmente em 1892, quando os belgas Paul Otlet e Henri La Fontaine lançaram as bases para a criação do Instituto Internacional de Bibliografia (IIB). Segundo Fonseca (2005, p. 14), o Instituto teria como objetivo estabelecer a compilação internacional da informação bibliográfica registrada, que, conforme Pinheiro (2002, p. 71), poderia ser vista como memória do conhecimento científico, desvinculada dos arquivos e bibliotecas. Em outras palavras, já se cogitava, a partir dessa iniciativa, a idéia da criação dos centros de informação/referência ou documentação, nos quais não haveria a necessidade obrigatória da guarda do documento original, e sim, como a própria denominação esclarece, a referência a tudo, ou quase tudo, produzido a respeito de um assunto específico. O desejo dos belgas ia muito além das bibliografias até então produzidas, e seu caráter extremamente audacioso impediu que fosse concretizado, principalmente porque necessitaria de uma cooperação internacional, o que tornava a iniciativa um tanto quanto sonhadora. Entretanto, apesar de a realização da bibliografia universal não ter sido realizada, Otlet continuou seus estudos acerca da documentação, separando-a cada vez mais da biblioteconomia, considerada por ele como o conjunto de técnicas para tratar os livros. Para fortalecer e tornar viáveis seus planos, Otlet buscou a colaboração de intelectuais estrangeiros em seu projeto, ao promover a I Conferência Internacional de Bibliografia, em 1895, quando foi aprovada a criação do IIB, que em 1931 passou a denominar-se Instituto Internacional de Documentação (IID). Uma dos pontos principais do trabalho de Otlet está no fato de ampliar o rol de documentos que interessariam aos documentalistas. Ele acreditava que um documento não se restringia aos registros textuais, ampliou a categoria de documento e incorporou também os objetos e os documentos iconográficos e sonoros, os chamados audiovisuais. Esta maior abrangência de tipos documentais, vinha ao encontro dos princípios e objetos da Nova História, que começou a ser desenvolvida praticamente na mesma época: fim dos anos de 1920.

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Segundo Fonseca (2005, p. 14), o instituto criado por Otlet propôs a seguinte definição para documento: “tudo aquilo que represente ou expresse por meio de sinais gráficos (escrita, diagramas, mapas, algarismo, símbolos) um objeto, uma idéia ou uma impressão. Os textos impressos (livros, revista, jornais) constituem, hoje, a categoria mais numerosa de documento”. Anos depois, a definição de Otlet foi melhorada, por Briet, citado por Pinheiro (2002, p. 65), que apresenta o documento como qualquer traço concreto ou simbólico preservado ou registrado com o propósito de representar, construir ou comprovar um fenômeno físico ou intelectual [...] qualquer base de conhecimento materialmente determinada, capaz de ser usada para consulta, estudo ou troca deve ser considerada como documento.

Em 1934, Otlet sistematizou todas as operações documentárias numa publicação denominada Traité de Documentation. Quatro anos mais tarde, 1937, declarou que o termo documentação estava indissoluvelmente ligado à cadeia de seis termos: ciência, técnica, cultura, educação, organização social, civilização universal. No ano seguinte, o IID transformou-se na Federação Internacional de Documentação (FID) e o termo documentação foi então definido como “a reunião, classificação e distribuição de documentos de todos os tipos, em todos os campos da atividade humana”. Em 1936 foi criado a American Library Association (ALA) que se interessava pelo estudo das questões relacionadas à reprodução documental (FONSECA, 2005, p. 14-15). O termo documentação relacionava-se cada vez mais à informação especializada. Novos estudos surgiram em prol da documentação, que conquistou mais espaço e importância com o desenvolvimento da técnica da microfilmagem, a partir dos anos de 1930, o que possibilitou o surgimento de novos métodos de reprodução de documentos. Além disso, o mundo passava por inúmeras e significativas transformações. Após o término da II Guerra Mundial, como citamos no item sobre a CI, a preocupação com a produção, organização e disponibilização de informações aumentava, e os centros de documentação e informação começaram a proliferar, como resposta à captura de informação relevante de forma rápida e eficaz. Durante esse período, vários estudos foram desenvolvidos tanto na área da biblioteconomia como na da documentação. Podemos considerar que os documentalistas se apoderaram das técnicas da biblioteconomia e a aperfeiçoaram, principalmente porque passaram a se preocupar com o conteúdo dos documentos de forma mais detalhada, além, é claro, de incorporar aos seus estudos outros tipos de documentos, fora o livro e o periódico.

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Muitos autores consideram que Paul Otlet foi o precursor da CI já que, a partir de meados da década de 1950, com o avanço da tecnologia, aos estudos da documentação vão sendo incorporadas as questões tecnológicas e passa-se a denominar esta nova área de CI. No entanto, o princípio continua sendo o mesmo — o tratamento da informação, normalmente especializada, para que seja apropriada por um determinado público. A grande diferença que percebemos entre a documentação e a biblioteconomia está no fato de a primeira, no princípio, ampliar a variedade de documentos com os quais trabalhava e também apresentar uma preocupação maior com o tratamento da informação analítica, enquanto que a biblioteconomia continuou, durante algum tempo, a privilegiar o tratamento dos documentos impressos e a prezar muito mais a questão da organização física de todos eles em detrimento do conteúdo, além de focar suas atividades nas questões patrimonialista e preservacionista. Felizmente, este tipo de postura com relação ao documento vem sofrendo alterações há tempos. Atualmente, é difícil separar a biblioteconomia da documentação, assim como definir o perfil do bibliotecário e do documentalista. O que percebemos é que a distinção acaba acontecendo muito mais em função do espaço físico no qual trabalham do que com base nas atividades que desempenham e nos objetivos que procuram atingir. Novamente, fica clara a relação intrínseca entre a documentação, a biblioteconomia e a CI. Com relação ao espaço físico destinado especificamente ao trabalho do documentalista, podemos dizer que, em muitos aspectos, se parece com a biblioteca. Possui, todavia, características específicas que o tornam diferente, como a possibilidade de não manter acervo, principalmente no caso dos centros de informação ou referência e quanto à questão da especialização, já que, geralmente, trabalham com temas específicos e têm um público mais especializado. Sabemos, porém, que parte dessas características também estão presentes na biblioteca. O centro de documentação e informação pode ser caracterizado como o local onde são preservados ou referenciados documentos do tema relacionado às atividades-fim da instituição que o organizou. Os documentos ou as referências servirão de apoio para o desenvolvimento de novas pesquisas. Segundo Tessitore (2003, p. 15), o papel do centro é não apenas disponibilizar documentos ou referências ao pesquisador, mas tornar-se um pólo de atração “da produção documental de pessoas e entidades que atuam ou atuaram no seu campo de especialização”.

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A partir da composição de seu acervo, podemos considerar que o centro de documentação é uma mescla de biblioteca, arquivo e, algumas vezes, museu; no entanto, a função dos documentos que compõem seu acervo difere das demais instituições-memória. O centro de documentação também é uma instituição-memória, pois é responsável pela coleta, organização, tratamento e difusão das informações registradas em documentos de tipos variados, que representam ou compõem o patrimônio cultural de uma determinada organização, voltada para um universo específico da produção humana. Na verdade, esta é uma das características mais marcantes da distinção do centro de documentação, com relação aos arquivos e às bibliotecas. Entretanto, se analisarmos mais profundamente a questão, veremos que as bibliotecas, com exceção das públicas e das de entretenimento, também procuram estabelecer políticas de formação de coleção voltadas para determinados assuntos. Podemos citar as bibliotecas universitárias, que, muitas vezes, são setorizadas. Tanto quanto o bibliotecário, o documentalista desempenha um papel social e também está envolvido nas questões de poder, ao manter o domínio sobre parcelas do conhecimento e da informação produzidos. Ao selecionar, organizar e tratar a informação para que seja apropriada pelo usuário, o documentalista, tanto quanto os demais profissionais da informação, está realizando uma atividade que não deve, de forma alguma, ser considerada neutra. Valores pessoais e institucionais estarão presentes no trabalho por ele desenvolvido, ao representar a informação nos vários instrumentos utilizados para permitir o acesso por parte do usuário. Enfim, procuramos mostrar as diferenças, mas principalmente as similaridades, entre a biblioteconomia e a documentação, as quais, do nosso ponto de vista, diferem no grau de especificidade que tratam a informação. Falamos, sem entrar em detalhes, do centro de documentação e informação, que representa papel importante na organização da produção do conhecimento, facilita o trabalho dos pesquisadores e desempenha papel elementar na produção de novos conhecimentos e no desenvolvimento social, econômico e cultural da nação.

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4.3.4. Museologia e museu “O museu é representação da vida, da cultura, da educação, e não pode ser visto apenas como local de representação da cultura erudita, mas extensão da escola, da casa e da cidade.” Rodrigo Faleiro

A história dos museus está entrelaçada à das bibliotecas e arquivos já que, no início, essas instituições se confundiam ou existiam num único espaço físico. Os museus são herdeiros do fenômeno social do colecionismo (LOPES, 1988, p. 14), que tem o sentido de dar continuidade ao passado. Temos notícias de que os museus institucionalizados surgiram no III milênio a.C., como o de Alexandria, que, de acordo com Guarnieri, citado por Lopes (1988, p. 14), com seu caráter universalista, se tornou o primeiro centro de pesquisa e convívio cultural e objetivava armazenar toda a produção da humanidade. Esta coleção aleatória tinha como finalidade específica preservar a memória da humanidade, mas também era símbolo incontestável de poder. Durante a Idade Média, com o predomínio do poder clerical, os tesouros passaram para a custódia da Igreja; ao homem caberia apenas a riqueza espiritual, por isso tinha que se desapegar de qualquer objeto de valor econômico. As doações serviram para fortalecer ainda mais o poder da Igreja, que só foi enfraquecido a partir do século XIV, quando os príncipes começaram a organizar suas coleções, compostas basicamente por documentos textuais e objetos relacionados à produção de novos conhecimentos. Os séculos XV e XVI foram marcados pela formação de coleções de objetos, oriundos das escavações realizadas em busca de vestígios de culturas antigas. O Renascimento caracterizou-se pela valorização da cultura greco-romana. Nesse período passou a predominar uma visão antropocêntrica em substituição à teocêntrica. Houve também as grandes expedições, que resultaram no descobrimento de novas terras e povos. Este contato propiciou o enriquecimento dos museus, que passaram a ter em suas coleções objetos classificados como exóticos, vindos das terras de além-mar, como o Brasil. Surgem então os gabinetes de curiosidades, compostos pela reunião de objetos das mais variadas origens e com as mais diferentes funções. Os objetos, ao entrarem para o acervo dos gabinetes, perdiam seu caráter de uso e passavam a ser estudados, preservados e “mostrados”, porém o acesso, nessa época, ainda era muito restrito.

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O contato com povos tão diferentes provocou uma crise do conhecimento na Europa, pois havia desconhecimento total sobre tudo aquilo que chegava e compunha o acervo dos museus e dos gabinetes de curiosidades. Esse período foi marcado pelo início de práticas de classificação dos novos objetos. Os gabinetes transformaram-se em núcleos de investigação e pesquisa. Em 1640 foi criado o gabinete do jardim das plantas do rei, que mais tarde originou o Museu de História Natural da França. Algumas décadas depois, em 1683, foi inaugurado o Ashmolean, considerado o primeiro museu de histórica natural de caráter pedagógico, ou seja, as tarefas do museu começavam a extrapolar a questão da preservação e da mera curiosidade por objetos excêntricos. Segundo Lopes (1988, p. 18), a concepção do Ashmolean “já se aproximava das visões dos museus atuais com propósitos de investigação, conservação, catalogação, educação e exibição”. Ele é considerado o primeiro museu público europeu. O período entre o fim do século XVII e início do XVIII ficou marcado pela cristalização da instituição museu que tinha como “função social expor objetos que documentassem o passado e o presente e celebrassem a ciência e a historiografia oficiais” (SUANO, 1986, p. 23). O acesso às grandes coleções tornou-se mais freqüente, em virtude da própria política educacional e cultural que predominava em alguns países da Europa. No século das luzes, os museus passaram de meros gabinetes de curiosidades para locais onde eram preservados objetos que deveriam manter relações entre si. Com base no pensamento iluminista, que tinha influenciado a bibliografia e a biblioteconomia, os museus começaram a realizar trabalhos de classificação dos objetos, a formar as primeiras coleções de belas artes e a desenvolver trabalhos voltados para a maneira de expor os artefatos. Nascia aí, de forma tímida, mas contundente, a museografia, aplicada principalmente nos museus de história natural. Para Lopes (1988, p. 18), da segunda metade do século XVIII até meados do XIX, predominou a organização de inúmeros museus de História Natural, e foi nesse período também que os museus passaram a ser abertos para o grande público. A Revolução Francesa foi um marco para as atividades das instituições-memória, pois permitiu que os acervos pudessem ser pesquisados. No caso específico dos museus, estes tornaram-se públicos e todos os cidadãos puderam ter acesso ao patrimônio nacional, até então mantido nas mãos de uma pequena parcela da população. Todo o patrimônio acumulado pelos príncipes tornou-se público, e esses testemunhos históricos preservados serviam para legitimar o valor da cidadania. A preocupação com a forma de organizar e expor os objetos estava sempre

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presente nos trabalhos do museu, que buscava valorizar o caráter informativo representado por cada documento de seu acervo. Os historiadores passaram a utilizar esses objetos como fonte para suas pesquisas. No século XIX foram organizadas as exposições universais que serviram de vitrine para as nações externarem tudo de mais interessante que produziam e o que obtinham por meio das expedições etnográficas por elas empreendidas. A exposição dos objetos produzidos pelos povos que estavam sob o domínio imperial era uma maneira de cada uma das nações demonstrar o seu poderio. Nos museus, a preocupação com a organização ficou ainda mais evidente. As coleções, principalmente com a aquisição de objetos etnográficos, cresceram de forma vertiginosa, e sua administração passou a ser institucionalizada. O século foi caracterizado pelas exposições enciclopédicas; pela organização de centros de pesquisa, influenciados pelo pensamento positivista; pelo caráter de templo de saber que passou a ser atribuído aos museus; e pela consolidação destes como depositários do patrimônio cultural da humanidade. Nesse período também predominou o espírito comemorativo: datas importantes eram lembradas, figuras importantes homenageadas. A memória coletiva era lembrada, e o museu desempenhava papel fundamental ao preservar e expor parte do patrimônio recuperado das mãos dos príncipes. Como observou Castro (2005), [...] a instituição museal não se constitui em um espaço neutro nem mesmo transparente, como quer parecer à primeira vista; a experiência museológica revestese de uma camada monumental em si própria, rivalizando com os mais tradicionais monumentos, tais como, templos clássicos, catedrais medievais, palácios da Renascença, entre outros.

O início do século XX, até a II Guerra Mundial, foi caracterizado por poucas transformações no cenário museológico, que, no entanto, já apresentava algum desenvolvimento em relação a seu público, mas ainda não o desejável, visto que os próprios cidadãos não se dispunham a visitar os museus por acreditarem ser local apenas dos privilegiados e escolhidos. No entanto, já era perceptível que o museu se tornara o mediador entre o público e o acervo. A comunicação entre eles era mediada pelo discurso produzido pelo museu, que já há algum tempo tinha, como continua tendo, responsabilidade sobre o que custodia e também sobre a forma como exibe seu acervo, na tentativa de cumprir sua função social. Esta questão relacionada ao público não foi tratada na análise sobre as bibliotecas, arquivos e centros de documentação, principalmente por acreditarmos que, nesses casos, normalmente o usuário que procura a instituição já tem um motivo definido — quer encontrar

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uma informação para resolver um problema específico. No caso dos museus, esta dúvida geralmente não existe; se existe, o indivíduo não sabe que poderá esclarecê-la com uma visita ao museu. Naquela época, muito mais que hoje, o museu era visto como um templo onde eram expostos objetos que mereciam a admiração de seu público. Praticamente não existiam questionamentos, ou mesmo a vontade de visitá-lo apenas por curiosidade ou deleite. Após a II Guerra Mundial, desenvolveu-se maior interesse pelo patrimônio arquitetônico e urbano, devido à enorme destruição sofrida por inúmeras cidades, inclusive capitais européias. Países como França e, com destaque, a Alemanha dedicaram-se à reconstrução de suas cidades. Na Alemanha, essa tarefa tinha como principal objetivo apagar as marcas terríveis das atrocidades praticadas por Hitler e seus seguidores durante o Nazismo. Os museus, que tinham sido saqueados, aos poucos receberam seus acervos de volta e começaram a desenvolver novos trabalhos com e para seu público. Chegaram então os anos de 1960 a 1970, e um novo modelo de museu surgiu: o Ecomuseu, que trata de um território, considerando todo o patrimônio de uma região, englobando as riquezas naturais, geológicas, agrícolas, industriais, sociais, culturais, etc. O museu tornou-se um local de preservação e de produção de conhecimento, cabendo a seus profissionais desenvolver mecanismos que estimulem o público a visitá-lo e a participar de forma ativa e comprometida com as atividades por ele desenvolvidas. Tanto quanto as bibliotecas, arquivos e centros de memória, o museu e seus profissionais devem analisar o contexto no qual estão inseridos e procurar realizar trabalhos que permitam a integração do museu com a população de seu entorno. No caso dos Ecomuseus, esta integração já existe desde o começo do trabalho, e é muito comum o profissional que gerenciará o projeto ser um integrante ativo da comunidade. Este levantamento permite perceber que a evolução da instituição museu está totalmente relacionada ao processo histórico em que se insere. Para compreendermos melhor o museu e suas transformações devemos começar entendendo o que seja museologia. Como as demais disciplinas analisadas neste trabalho, a museologia não possui uma conceituação única, como salientou István, citado por Cerávolo (2004, p. 6), falta “unidade lingüística em museologia”. Mesmo assim, apresentaremos algumas definições atuais de museu e de museologia para inserirmos esta instituição-memória na nossa discussão.

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Muitos autores, a começar pela saudosa Waldisa Rússio Guarnieri (1989, p. 10), consideram que o museu é o local onde é realizado o fato museal, entendido como a “relação entre o homem, sujeito que conhece, e o objeto, a parte da realidade a qual pertence e sobre a qual tem o poder de agir”, e que a museologia é a ciência que estuda o fato museal. Assim, percebe-se que definir museu não é o mesmo que definir museologia. Esta não deve ser caracterizada como a ciência que estuda o museu, mesmo porque, hoje em dia, existem muitas práticas museológicas fora do espaço institucionalizado do museu. De acordo com o artigo 2º do estatuto do Conselho Internacional de Museus (ICOM), citado por Cerávolo (2004, p. 209), Museu é uma instituição sem fins lucrativos a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe, com propósitos de estudo, educação e divertimento, as evidências materiais de um povo e seu desenvolvimento [...]

O estudo sobre museu e museologia já é antigo, mas foi a partir da década de 1980 que foi estruturado e sistematizado. A definição do ICOM está voltada para a questão de o museu poder existir apenas num local institucionalizado e não enfatiza a questão da transferência de informação. Por outro lado, Taborky, citado por Cerávolo (2004, p. 79), acredita que os museus lidam com a preservação e produção das imagens sociais e delas geram conhecimentos que poderão ser apropriados pelo público de várias maneiras, pois essa apropriação depende muito da competência intelectual do interlocutor, no caso o público do museu. Até os anos de 1970, predominava a noção do museu tradicional, caracterizado pelo foco no acervo. O que mais importava era conservar e preservar edificações e objetos. Felizmente, com o advento da Nova Museologia, o foco passou da preservação para a educação. Segundo Sola, citado por Cerávolo (2005, p. 84), “o verdadeiro objeto de museu é a transmissão de informação pertinente, cuja forma de apresentação não é necessária e exclusivamente o objeto tridimensional”. As noções de informação e de comunicação passam a freqüentar os discursos sobre museus e museologia. Na Mesa Redonda realizada em Santiago do Chile, em 1972, alguns relevantes pressupostos foram apresentados, como o fato de considerar o museu um instrumento de desenvolvimento que tem uma função social e que deve se preocupar com questões relativas a identidade, território e população. Nessa mesma época, George Henri-Rivière, um dos mais conceituados teóricos da área da museologia, criou

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o conceito de Ecomuseu que, conforme Cerávolo (2004, p. 87), tem como foco o patrimônio total, procura inserir toda a comunidade no processo, e todos os cidadãos daquele grupo transformam-se em responsáveis pelo museu, isto é, são vistos como curadores. De acordo com Horta, citada por Cerávolo (2004, p. 90), a Declaração de Caracas, de 1992, teve como principal avanço a proposta, apesar de não ter ficado explícita nos postulados, de utilizar o termo “museu integral”, destinado a proporcionar à comunidade uma visão de conjunto do seu meio material e cultural. Com relação à museologia podemos citar algumas definições apresentadas na tese de Cerávolo (2004, p. 112-115): Para Klaus Schreiner a museologia é uma disciplina científica social com objeto de estudo complexo, estrutura e leis, envolvendo o processo de aquisição, preservação, decodificação, pesquisa e exposição de objetos originais selecionados da natureza e da sociedade como fonte primária de conhecimento.

Anna Gregorová afirma que a Museologia é a ciência que estuda a específica relação do homem com a realidade, consiste numa proposital e sistemática coleta e conservação de objetos selecionados, inanimados, materiais, móveis e tridimensionais [que] documentam o desenvolvimento da natureza e sociedade e dos quais é feito um uso científico e cultural-educacional.

Stránsky, citado por Cerávolo (2004, p. 180), acredita que Museu é meio, o assunto da museologia, assim esta envolve-se com a idéia de museus ou a necessidade social que temos deles e não com suas normas e técnicas. O objetivo da museologia é definir a específica relação do homem com a realidade para satisfazer necessidades sociais. Museologia como ciência tende a esclarecer a realidade social e sua relação com o homem.

Segundo Peter Van Mensch, conforme Cerávolo (2004, p. 182), A museologia examina o complexo processo de aquisição, conservação, identificação e registro, a pesquisa, a exposição e comunicação dos objetos selecionados e autênticos da natureza e sociedade que são fontes primárias do conhecimento.

Para finalizar, citamos a definição do grupo da Nova Museologia, também apresentada por Cerávolo (2004, p. 207): Museologia como área de conhecimento científico que se concretiza sobre indícios variados do patrimônio cultural e natural (o objeto), em qualquer lugar que eles se apresentem (o lugar), através de procedimentos de preservação, conservação,

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documentação, exposição, educação, divulgação e disseminação de conhecimento (os instrumentos).

As definições mostram o desenvolvimento da museologia até chegar à Nova Museologia. Todas elas preconizam a questão do objeto, algumas não falam da relação do homem com este objeto, como podemos perceber na conceituação de Schreiner, mas as demais consideram o homem como elemento essencial no estudo da museologia. Isso fica claro nos trabalhos desenvolvidos pelo ICOM, principalmente a partir de 1995, quando foi decidido que os museus e os monumentos deveriam não apenas ser testemunhos da riqueza e da diversidade cultural, mas também servir como ferramentas que possibilitem a comunicação entre os povos (SCHEINER, 2005), contribuindo para o exercício da alteridade e da tolerância (XAVIER, 2005), retomando os pressupostos apresentados por Otlet ao desenvolver seus trabalhos sobre a documentação, no fim da década de 1930. Os museus devem sempre desenvolver atividades que busquem estabelecer pontes entre as diversas culturas, valorizando o ser humano. Apesar de sabermos que existe uma relação intrínseca entre museu e museologia, os estudos, principalmente os dos teóricos da Nova Museologia, mostram que esta relação é necessária, mas não imprescindível, já que os pressupostos museológicos podem ser aplicados em locais não institucionalizados como museus. Os Ecomuseus são exemplares para afirmar esta independência. O caráter científico da museologia foi reforçado em todas as definições, como também alguns procedimentos essenciais para o seu trabalho: preservação e exposição, entendida esta como o veículo de comunicação que permite ao museólogo, por meio do patrimônio cultural custodiado, transmitir uma mensagem ao público. Na verdade, como argumenta Xavier (2005), o processo de comunicação realizado no museu deve prever a relação com o público externo, mas também com o interno, que elabora o discurso e deve estar preparado para receber e interpretar as reelaborações feitas pelo público. Desse modo, o público colabora com o processo curatorial, e este ciclo é extremamente rico para o museu, permitindo que seja derrubada a idéia de local onde a memória e o patrimônio cultural são congelados. A exposição torna-se o principal meio de concretização do fato museal, mas insistimos que esta exposição não precisa necessariamente ser organizada dentro de um espaço institucionalizado.

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O museólogo, como os outros profissionais da informação, deverá conhecer muito bem o acervo que está sob sua responsabilidade, quando este existir37, e precisará ter uma postura aberta para aceitar e poder interagir com o seu público, que poderá ser um grupo de estudantes ou então uma comunidade, dependendo do tipo de museu e dos objetivos estabelecidos por ele. Será função do museólogo desenvolver projetos que permitam o contato do usuário com as informações contidas no acervo, possibilitando o processo de comunicação. A organização, a estrutura e os serviços oferecidos pelo museu estarão relacionados à política da instituição e por isso terão um recorte ideológico específico, que deverá ser compreendido pelo museólogo e, de alguma forma, ser passado para os usuários. “Ao museu caberá indagar e não trabalhar com respostas prontas [...] construir espaços de troca onde as memórias sociais possam ser devolvidas à sociedade e a seus atores” (CASTRO, 2005). Dessa forma, ganharia espaço externo e poderia se inserir no processo de constantes transformações às quais a sociedade está inserida. O museu não deve ser considerado algo estático, mesmo porque desenvolve um processo de comunicação ativa com seu público por meio do qual consegue transmitir informações que poderão resultar na produção de novos conhecimentos, dependendo do seu receptor. O museu enriquece e torna útil a relação do indivíduo com seu patrimônio cultural, e transforma-se no “espaço institucionalizado onde é possível ‘construir’ o passado, organizar o conhecimento e articular facetas da memória individual e/ou coletiva” (BRUNO, 1993). O acervo, preservado nos museus, representa o patrimônio cultural, fonte de informação e instrumento para o desenvolvimento sociocultural. A memória preservada, organizada e disponibilizada nos museus, é a informação que, desde que comunicada e apropriada pelo cidadão, poderá se transformar numa ação futura. Os museus tornam-se teatros da memória, onde os objetos, retirados de seu contexto e sem o seu valor de uso, são relacionados com outros objetos e, a partir das variadas técnicas museográficas, o profissional do museu, que podemos denominar também de profissional da informação, constrói narrativas que serão apreendidas de forma livre pelo público, possibilitando a construção de novos olhares e vivências a partir do acervo.

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Pois sabemos que atualmente são realizados projetos nos quais não há a necessidade intrínseca da existência de acervo, na concepção de conjunto de artefatos produzidos pelo homem. Nos ecomuseus, o acervo é toda a comunidade, sua produção e sua cultura, não existe a prática do tombamento desse ou daquele objeto ou monumento.

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Em face das transformações decorrentes do processo de globalização, o museu e o museólogo, como também as demais instituições-memória e seus respectivos profissionais, desempenham papel fundamental no processo de transformação pelo qual vem passando a sociedade, por permitir o diálogo entre culturas tão díspares, por meio da preservação e divulgação do patrimônio cultural, criando condições para que sejam construídas pontes entre as diferentes culturas, pontes estas que viabilizarão o fluxo das interfaces culturais, de forma não valorativa e sim tolerante às diferenças.

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5. Do paradigma do acervo ao paradigma da informação/usuário: as ciências da informação e suas interfaces “[...] para além de galhos e profissionais, em nome de el-rei, uni-vos! Ou: pelo bem de todos, demarcai-vos os espaços, afirmando-vos pelo conhecimento [...]” Johanna W. Smit

Com base nas análises das instituições-memória e das ciências da informação a elas relacionadas, procuraremos mostrar que essas instituições devem ser entendidas como serviços de informação, principalmente em decorrência da mudança de paradigma ocorrida38 nos últimos anos, fruto dos avanços tecnológicos que alteraram drasticamente os modos de comunicação e de produção de documentos. Atualmente documentos digitais estão presentes nas bibliotecas, arquivos, museus e centros de documentação, o que constitui mais um argumento favorável à não-diferenciação dessas instituições tendo por base a formação de seus acervos. Os estudos, com ênfase na evolução da CI e no desenvolvimento histórico das instituições, mostraram que a função atribuída aos documentos, em cada uma dessas instituições, é um dos fatores que as diferenciam, e que o foco voltado para a informação e o usuário as aproximam. Em primeiro lugar, é importante entender que, utilizando a expressão instituiçõesmemória, isto não significa que as entendemos como algo estático. Com base em tudo que foi apresentado até o momento, podemos verificar que, além de representarem importante papel na preservação do patrimônio cultural da humanidade e, por conseguinte, da memória coletiva, elas também são consideradas sistemas de informação e podem ir um pouco além. Segundo Smit (2000, p. 130), com base na proposta de Homulos, os arquivos, bibliotecas e museus são “instituições disponibilizadoras de informação”, pois suas atividades e pressupostos extrapolam a simples organização e guarda de documentos. O que tem interessado a elas é a divulgação da informação e como esta pode ser transferida e apropriada pelos usuários. Sendo assim, as instituições-memória passam a ser consideradas como responsáveis pela guarda e disponibilização de estoques informacionais.

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Podemos considerar que em algumas situações e em algumas instituições esta mudança ainda está por acontecer.

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Para Smit (2000, p. 122), as três39 instituições diferem essencialmente pela função atribuída aos documentos que compõem seu acervo. As questões metodológicas e a tipologia documental não devem servir de atributos para diferenciar ou especificar as instituições. Devido às similaridades de práticas e de objetivos, podem trabalhar em conjunto, como numa família. Isto explica por que a autora cunhou a expressão “3 Marias”, que enfatiza a possibilidade da interdisciplinaridade, respeitando-se as especificidades de cada uma das instituições-memória e também das disciplinas a elas relacionadas, já que o objetivo das instituições de informação é [...] determinado não por sua existência, mas por aquilo que pode ser elaborado a partir dessa existência. Em outros termos, as instituições não se justificam de um ponto de vista estático (a existência de estoque), mas de um ponto de vista dinâmico (o fluxo de informações e as alterações geradas pelo mesmo no estado de conhecimento). (SMIT, 2000, p. 129)

A questão da interdisciplinaridade já é antiga, pois estava presente nos postulados do criador da documentação, Paul Otlet (1937), que acreditava que as atividades e pressupostos definidos pela documentação deveriam ser aplicados em instituições como bibliotecas, arquivos, centros de documentação e museus, os quais se transformariam em grandes depósitos dos tesouros intelectuais da humanidade. No início do século XX, Paul Otlet colocou todas essas instituições-memória sob o mesmo foco, por acreditar que todas tinham como missão principal preservar, organizar e disponibilizar a memória da humanidade, além de valorizar a cooperação entre todas elas. Essa questão também foi tema da conferência da UNESCO de 1974, em que se afirmou a necessidade da “definitiva integração dos serviços de bibliotecas, informação e arquivos [e que] esse princípio de integração não deveria ser apenas retórico, mas de adoção indispensável, em nível organizacional e em termos de política de planejamento, pesquisa e de formação de recursos humanos” (COSTA, 1990, p. 146). Nos países desenvolvidos, este intercâmbio já pode ser verificado, entretanto, nos demais, ainda há muito por ser feito. No caso específico do Brasil, como citamos no item 4.3.1, as políticas referentes à Sociedade da Informação não consideram a possibilidade da interação entre as instituições-memória, detentoras de boa parte da informação que interessa a todos. Percebemos que a ênfase tem sido dada aos trabalhos desenvolvidos pelas bibliotecas. Isso pode ser explicado pelo fato de a biblioteca ser a instituição mais antiga, mais tradicional e com mais visibilidade entre todas as 39

A autora não inseriu o centro de documentação em sua análise, mas acreditamos que ele também pode integrar esta análise. Mas, por considerarmos muito semelhantes os centros de documentação e as bibliotecas, como também a documentação e a biblioteconomia, a partir de agora enfatizaremos apenas as instituições apresentadas por Smit.

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que estudamos, pois os resultados apresentados por ela são, muitas vezes, mais palpáveis. No entanto, iniciativas têm sido desenvolvidas e o fato de a questão da interdisciplinaridade estar em pauta já deve ser considerado como um grande avanço para todos os profissionais que trabalham com informação, pois são, ou pelo menos deveriam ser, os mais interessados na ampliação das práticas conjuntas, fortalecendo o papel que as instituições-memória desempenham para a e na sociedade. Sabemos que novos estudos foram realizados e atualmente verificamos que a literatura especializada refere-se a arquivistas, bibliotecários, museólogos e outros profissionais da informação, com novas designações e objetivos e atividades semelhantes. Se por um lado se manifestou, durante muito tempo, isolamento e endogenia entre as categorias, uma exacerbada defesa de espaços e competências, o cenário acena, mesmo que ainda de modo incipiente, para a busca da integração, tendo por alicerce o novo modelo da interdisciplinaridade e do compartilhamento, da sociedade em rede marcada pelas tecnologias de informação e comunicação. (MATOS e CUNHA, 2003).

Ainda sobre a interdisciplinaridade, Silva (2002, p. 590-591) afirma que se aceitarmos a informação, humana e social, como fenómeno e processo, a Arquivística, a Biblioteconomia e a Documentação fazem parte integrantes de um corpus científico unificado pelo mesmo objecto [...] Seja literária, científica, político-administrativa, artística, museológica, etc. a informação é sempre e originariamente orgânica (termo enfatizado pelos autores canadianos da Arquivística integrada) de onde se infere que entre fundo (conjunto orgânico de documentos) e colecção (conjunto de documentos acumulados pelo acaso) não há diferença porque é muito difícil, para não dizermos impossível, que o acaso substituta a natural intencionalidade e organicidade do colecionador.

Em sua análise, Silva (2002, p. 591) não considera que a museologia esteja integrada à CI, como a arquivologia e a biblioteconomia, por acreditar que a informação não é o objeto central do conhecimento museológico. Entretanto, com base na análise específica sobre museologia, museu e sua missão social, percebemos que a argumentação de Silva pode ser discutida, já que, desde que haja um comprometimento e um trabalho consciente, o museu, por meio de sua exposição, pode servir de mediador no processo de comunicação entre o usuário e o objeto. Alguns até acreditam, e estão tentando colocar isso em prática, que o papel desempenhado pelos museus vai muito além da relação homem/objeto, ao possibilitar a ponte entre culturas, povos, etc. Na verdade, este tem sido o novo desafio dos museus. Mas, independentemente disso, o processo de comunicação presente nos museus prova que a informação pode ser assimilada, apropriada e resultar, dependendo do interlocutor, na produção de conhecimento.

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Podemos também analisar a interdisciplinaridade a partir do fato de que, conforme Smit (1999, p. 5-6), as instituições-memória têm em comum o documento e a informação que devem ser vistos como as duas faces da mesma moeda. A função atribuída aos documentos, na biblioteconomia, está associada ao uso, ou seja, o documento cumpre sua missão quando é utilizado, quando é selecionado pelo usuário. O mesmo ocorre na museologia, onde o processo de informação se dá durante o fato museal (relação entre o usuário e o objeto no cenário da exposição, por exemplo). Já para a arquivologia, a função do documento determina sua forma e sua entrada no arquivo. Assim sendo, a função atribuída ao documento na biblioteca e no museu está na saída, ou seja, quando é utilizado/consultado/observado, e no arquivo está na entrada, começa a partir do momento em que é produzido. Aliás, a sua função está relacionada ao porquê de sua produção. Outro elemento de similaridade entre as instituições-memória é que todas são responsáveis pela preservação e pela produção de cultura, patrimônio e memória. Todas, com essa missão social, formam um campo de pertencimento que deve ser muito mais valorizado que as especificidades presentes em cada uma delas, derrubando as fronteiras que muitos ainda preconizam como elementares para a delimitação de atuação das instituições e de seus profissionais. Cada vez mais, percebemos que as interfaces entre elas são possíveis e essenciais para suas existências e principalmente para o bem-estar daqueles que delas se utilizam — o usuário. De tudo que foi exposto, enfatizamos a questão da ruptura de paradigma. Como ficou claro na exposição sobre o desenvolvimento histórico de cada uma das ciências da informação, o objeto de estudo delas, durante muito tempo, ficou centrado na preservação do acervo, mas o surgimento e evolução da CI, em conjunto com o desenvolvimento tecnológico, possibilitou uma alteração elementar no foco dos estudos e objetivos da arquivologia, biblioteconomia e museologia. O objeto de estudo destas ciências passou a ser o usuário e o tratamento dado ao acervo e, por conseguinte, à informação, procurando disponibilizá-la de forma objetiva, rápida e eficaz para o usuário. O mais desejável será que cada instituição defina o perfil de seu usuário (público-alvo) para que possa atingir seus objetivos. Entretanto, algumas vezes, dependendo do caráter e da importância representada pela instituição e o grau de abrangência do acervo por ela custodiado, fica difícil delimitar seu público. Assim, o usuário e a forma como a informação é transferida e apropriada por ele são atualmente os principais objetos de estudo da

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arquivologia, da biblioteconomia e da museologia, as quais se apropriaram das teorias e metodologias da CI para atingir seus objetivos. As instituições-memória passaram então a incorporar novos estudos e práticas no seu quotidiano e, com o uso da tecnologia, podem chegar a criar redes que possibilitem o intercâmbio de informações e a própria disponibilização de acervos digitais ou digitalizados. Segundo Bearman (1994, p. 157), as redes formadas pelas instituições-memória terão como foco o tratamento do conteúdo dos documentos para que o usuário possa acessar a informação desejada. Os acervos virtuais facilitarão a vida do usuário, possibilitando o acesso remoto à informação, mas isso não quer dizer que o valor representado pelos documentos “reais”, organizados, tratados e disponibilizados in locu, seja diminuído ou mesmo excluído dos trabalhos nas instituições. Acreditamos que a tecnologia contribui bastante para a quebra de paradigma e para fortalecer ainda mais a importância que as instituições-memória/serviços de informação ou disponibilizadoras de informação representam não só como responsáveis pela preservação da memória e do conhecimento produzido, mas também como elementos cruciais para o desenvolvimento da humanidade e, se utilizada de forma adequada e igualitária, para a democratização do acesso à informação, auxiliando na diminuição das desigualdades sociais. Entretanto, gostaríamos de frisar que não consideramos que os profissionais da informação tenham responsabilidade maior sobre as desigualdades sociais; porém, dependendo da forma como atuam, poderão contribuir para melhorias circunstanciais nas relações sociais, ou então prejudicar ainda mais o que já não vai bem. Para finalizar, retomamos a questão das relações entre CI e arquivologia, biblioteconomia e museologia, reforçando a idéia de que a relação entre elas é salutar e necessária, principalmente considerando o paradigma da informação/usuário, entendido como a disponibilização de informação com foco no usuário. Os profissionais da informação devem se unir em prol de um bem maior — o uso, de forma racional e crítica, da tecnologia em benefício da coleta, organização, tratamento e disponibilização de informação para usuários, reais ou virtuais, tendo sempre em vista que a disponibilização não garante a apropriação da informação. Sendo assim, é importante também que os profissionais, com base nos estudos desenvolvidos pela CI, criem mecanismos para avaliar as formas como as informações disponibilizadas estão sendo apropriadas e se desta apropriação são gerados novos conhecimentos, fechando assim o fluxo informacional tão desejado em todos os serviços de

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informação/instituições-memória, entre os quais se inserem também os centros de memória, assunto de nosso próximo item.

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6. Centro de Memória “O importante conjunto de acervos históricos deve ser preservado e colocado à disposição da sociedade. As empresas possuem verdadeiros tesouros, relacionados ao desenvolvimento das pessoas, das cidades, dos negócios e da comunicação empresarial.” Paulo Nassar

O trabalho específico com a memória das organizações começou a ser realizado de forma mais sistematizada a partir dos anos de 1970, quando, em virtude de estudos sociológicos, antropológicos e históricos mais profundamente voltados para a questão da memória, muitas organizações se deram conta da importância, para o seu próprio crescimento, do registro e da preservação de sua memória institucional. Nessa fase, muitas organizações, tanto públicas quanto privadas, perceberam que poderiam perder o “trem da história” se não começassem a se preocupar com a preservação e o tratamento de toda a massa documental por elas produzida ou a seus processos históricos relacionada. Segundo Goulart (2002, p. 10), em 1983 foram criados, na França, os arquivos do mundo do trabalho, que tinham como missão “coletar apenas arquivos privados, com objetivos culturais e científicos, e tratar da conservação definitiva da memória pertinente à empresa e aos sindicatos”. Em outras palavras, com receio de que a memória de muitas empresas fosse perdida, já que a criação de centros de memória institucional não era comum, o governo francês tomou a iniciativa de se transformar no guardião da memória empresarial e sindical da nação. Entretanto, apesar da reconhecida importância dessa iniciativa, o trabalho ficou centrado apenas na preservação dos documentos, tendo em vista seu uso pelos historiadores. Quando se fala, porém, de centros de memória institucional, o que se tem em mente é um setor que terá como usuários não apenas o historiador, mas principalmente a comunidade interna da organização. Essa nova postura com relação à preservação da memória não decorreu tão-somente de sua valorização nos estudos acadêmicos. Os avanços tecnológicos e dos meios de comunicação suscitaram inquietações e demonstraram quão necessário é manter a compreensão sobre todo o processo histórico pelo qual a organização passa, de modo que ela possa adaptar-se à nova realidade que a tecnologia provoca. Essa provocação obrigou as instituições a voltarem-se para sua própria história, como forma de fortalecer sua identidade

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interna e externa e de compreender mais claramente seu papel e o de seu corpo funcional nos novos cenários, com vistas a uma adaptação mais bem-sucedida. O trabalho de construção da memória institucional normalmente exige que trabalhemos com os documentos não apenas de forma isolada. É essencial a consciência da necessidade de analisar a massa documental como um conjunto de documentos/vestígios a partir do qual se pode captar a “intencionalidade e o simbolismo do corpo social ao registrar o seu passado” (VON SIMSON, s.d.). Percebida a necessidade, foram então criados os primeiros centros de memória, muitos ainda hoje denominados como centros de documentação. Mas existem diferenças básicas entre essas instituições-memória. A principal delas está na função atribuída aos documentos de seu acervo. Como afirma Camargo (1999, p. 50), esses centros de memória muitas vezes são criados em organizações que “dispõem da biblioteca e de um setor de arquivo, o que demonstra a necessidade de outras formas de base informativa, para apoio da administração, da comunicação, ou como instrumento de decisão”. Para analisar mais profundamente os centros de memória, vamos traçar-lhes um breve histórico. Em seguida analisaremos o centro de memória como um serviço de informação a serviço de um público.

6.1

Um pouco de história

Nossa fonte principal neste breve histórico é o texto de Totini e Gagete (2004, p. 113119). Nele se vê que, no início do século XX, surgiram na Europa as primeiras tentativas de organização de arquivos empresariais históricos, como, por exemplo, o caso da empresa alemã Siemens, que, em 1907, já possuía um arquivo histórico. Além das empresas, o mundo acadêmico também se debruçava sobre o assunto. Em 1927, em Harvard, existia um curso denominado História Empresarial, em que se estudavam as biografias de empresários famosos e bem-sucedidos, além de algumas técnicas administrativas praticadas nas empresas e registradas em seus arquivos. Essas pesquisas tinham objetivos estritamente acadêmicos. Entre os anos de 1940 e 1950, por causa das transformações sociais e econômicas do pós-guerra, os estudos voltaram-se para o uso da tecnologia e de novas formas de organização, para superar a competição cada vez mais

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acirrada. Na década de 1960, o estudo sobre as estratégias de inovação organizacional desenvolvido por Chandler inaugurou uma nova tendência na administração, pelo menos entre as empresas norte-americanas, que valorizava mais a estratégia que a estrutura. Na década seguinte, na Europa, transformações significativas ocorreram no campo da pesquisa historiográfica com o advento da Nova História e suas novas abordagens, novos objetos, novos problemas. Além disso, no meio empresarial, surgiu a figura do arquivista-historiador — aquele que não apenas organizava e preservava a documentação histórica, mas também, por valorizar o material preservado, gerava mais conhecimento útil para a própria empresa. Nas duas décadas seguintes, as consultorias para projetos de memória empresarial viriam a valorizar ainda mais os arquivos históricos e seus usos para fins diversos. Quanto ao Brasil, a década de 1960 foi marcada por alguns trabalhos acadêmicos sobre memória empresarial, com enfoque no desenvolvimento e evolução das empresas brasileiras e em alguns empresários de destaque. Nos anos 1970, os historiadores brasileiros sofreram a influência da Nova História, e a abordagem sobre o mundo empresarial ganhou novo rumo. No período da redemocratização, surgiram as consultorias para memória empresarial, e reformulou-se a gestão das empresas, estimulando-se o resgate de sua memória. Segundo Rodrigues (2000, p. 128), nessa época a sociedade se mobilizou para promover atividades que valorizassem a memória e sua preservação, por meio da “busca das raízes culturais de grupos étnicos que, reivindicando o direito ao passado, procuravam firmar sua cidadania; pela expansão de grupos voltados à preservação do meio ambiente; pelo interesse de empresas privadas em divulgar sua história e pela organização de arquivos históricos particulares”. Nos anos 1990, ampliou-se o campo de atuação dos historiadores e profissionais da informação nos trabalhos com memória institucional, considerada reforço da cultura e da identidade das organizações. Segundo Ricci (2004, p. 83), em meados dos anos 1990, o conceito de memória empresarial ultrapassou o conceito de celebração e ganhou a importância de elemento aglutinador e detonador de atividades que reforçam a cultura e a questão da identidade. No século XXI, as empresas passaram a desenvolver trabalhos mais específicos com sua documentação histórica, pois vêem “os projetos de memória empresarial como ferramenta de gestão estratégica, quer no que se refere ao autoconhecimento necessário às tomadas de decisão do presente e ao planejamento do futuro, quer na construção de políticas de relacionamento com seus stakeholders.” (TOTINI e GAGETE, 2004, p. 120).

83

6.2

O centro de memória como serviço de informação

O histórico apresentado tratou, de forma mais específica, dos trabalhos voltados para a memória empresarial. Nossa intenção, entretanto, é estudar os centros de memória como instituições-memória que podem existir em vários cenários, não apenas no de organizações empresarias, como, por exemplo, os centros de memória que vêm sendo organizados em instituições esportivas e sociais, como clubes de futebol ou de recreação, ou ainda aqueles organizados em universidades, os quais, muitas vezes, extrapolam o âmbito da própria instituição de ensino. Buscamos na literatura pertinente as referências e esclarecimentos que ajudassem a compreender melhor o que vem a ser um centro de memória, mas, de modo geral, frustrounos o resultado. Quase nada há a esse respeito, especificamente. O que existe são relatos sobre experiências de projetos para a criação de centros de memória, ou trabalhos que enfatizam a importância da organização e da disponibilização da memória institucional. Também pudemos perceber que é muito comum os autores falarem de centros de memória, quando na realidade estão tratando de centros de documentação. Diante de tal dificuldade, somos forçados a começar pela única definição que pudemos encontrar na literatura consultada. Segundo Gagete e Totini (2004, p. 124), os centros de memória constituem-se como setores responsáveis pela definição e aplicação de uma política sistemática de resgate, avaliação, tratamento técnico e divulgação de acervos e, principalmente, pelos serviços de disseminação do conhecimento acumulado pela empresa e de fontes de interesse histórico [...] [que garantam] a manutenção racional e sucessiva de conhecimento produzido cotidianamente, sem acúmulo desnecessário, perda ou dispersão de documentos que expressam a evolução da empresa e fundamentam a formação de sua cultura, seus valores e seu capital intelectual.

Antes de detalhar a metodologia para a criação de um centro de memória e especificar seus serviços e produtos, vejamos alguns pontos de vista de profissionais envolvidos em projetos de valorização da memória institucional, nos quais se evidencia a relevância dos trabalhos com a memória e sua importância para a empresa, funcionários, a comunidade do entorno e, quando bem estruturados, até mesmo para a nação. Começamos com o ponto de vista de Karen Worcman (2004, p. 23), proprietária do Museu da Pessoa, instituição responsável pela realização de vários projetos de memória, com ênfase na memória oral. Worcman acredita que a memória de uma empresa é um marco referencial a partir do qual as pessoas redescobrem valores e experiências, reforçam vínculos, criam empatia com sua

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trajetória e podem refletir sobre as expectativas dos planos futuros [...] e transformar a memória em conhecimento útil.

Ela afirma também que, como as empresas não estão isoladas, suas histórias integram a história da nação, e isso é mais um dos fatores que justificam a necessidade e a importância dos trabalhos do centro de memória, permitindo que as empresas, ou outros tipos de organização, interajam e contribuam para a construção de novos conhecimentos e para o desenvolvimento social, além de reconhecer a importância dos trabalhos com a memória no processo de gestão corporativa e na manutenção da identidade e da coesão de seus grupos. Com relação aos resultados do trabalho de gestão da memória realizado na Ultragaz , Ricci (2004, p.86) salienta que surgiu a percepção global de sua importância e a abrangência da preservação e disseminação do patrimônio técnico-informativo e do capital intelectual da empresa, para perenizar a marca e seu diferencial competitivo e para o suporte de ações de responsabilidade social e histórica, estabelecendo o elo passado–presente–futuro.

Já Gloor (2004, p. 54-57), que participou do projeto de memória da Fundação Belgo, considera o trabalho com a memória uma ferramenta de gestão para o reforço da identidade, para a integração interna e para o relacionamento com as comunidades. Procura vincular a história da instituição à história do país, ao considerar que aquela “tem valor histórico, na medida em que pode ser referência para a compreensão do processo atual de desenvolvimento e para a implantação de projetos futuros”. Para Von Simson (s.d.), do Centro de Memória da UNICAMP, o objetivo do trabalho de preservação e disponibilização da memória de uma instituição, de uma cidade, bairro, etc., é permitir que seus personagens estabeleçam laços de pertencimento com a cidade e também estimular a conscientização e a formação desses indivíduos como pessoas ativas, que tenham posicionamento crítico e opiniões próprias, tornando-se contribuintes incondicionais do desenvolvimento não só da instituição como da sociedade na qual estão inseridos. Segundo Flávia Pereira, proprietária da consultoria Tempo e Memória, instituição responsável por vários projetos de organização de centros de memória, citada por Damante (2004, p. 29), as organizações devem ser consideradas como personagens históricas, mas também como agentes sociais inseridos no processo de desenvolvimento do país e, por isso, responsáveis pela preservação e divulgação de sua memória, que, sem dúvida, faz parte da história da nação.

85

Melgaço, diretora-executiva do Instituto Algar, também citada por Damante (2004, p. 31), salienta que “resgatar a história da empresa é uma possibilidade de reviver valores próprios”. De sua parte, Lobelo, diretor da Prêmio Editorial, citado por Damante (2004, p. 32), afirma que “as empresas que conhecem sua história evitam errar duas vezes”. Por fim, podemos citar o trabalho de valorização da memória desenvolvido na Natura, atualmente conhecido como Memória Viva Natura, do qual um dos principais objetivos é a transmissão “de signos do passado que estão presentes para perenizar a história e promover a modernização das organizações” (DAMANTE, 2004, p. 35). Muitos projetos de valorização da memória institucional podem voltar-se não apenas para a comunidade interna, mas também dar suporte para a comunidade científica, que poderá se beneficiar da massa documental organizada e disponibilizada, além de outros tipos documentais, como os depoimentos. Dessas afirmações, sinteticamente podemos dizer que o trabalho com a memória institucional tem como objetivo propiciar um novo olhar, internamente, sobre a trajetória da instituição e sobre sua relação com o entorno, com o bairro, com a cidade; e a partir desse novo olhar, sensibilizar sua comunidade interna e mostrar que ela também é responsável pela instituição, e não apenas personagem coadjuvante de alguns capítulos de sua história. Esse tipo de trabalho também deve servir para desenvolver a identidade e o senso de responsabilidade em cada um dos associados/membros da comunidade, e, como afirmaram Totini e Gagete (2004, p. 124), possibilitar não só a preservação do conhecimento produzido e acumulado, mas principalmente sua disseminação e aperfeiçoamento. Feitas essas considerações, pode-se afirmar que, ao menos parcialmente, centro de memória e centro de documentação se assemelham, uma vez que ambos acumulam documentos e se preocupam com a gestão das informações para a geração de novos conhecimentos. Acontece, porém, que a função dos documentos no acervo de um centro de memória é diferente. O foco dos profissionais responsáveis por seu gerenciamento, via de regra, está no coletar, preservar, organizar e disponibilizar documentos relacionados especificamente à história da instituição e com os quais seja possível reconstituir sua memória.

Por

isso,

alguns

profissionais

consideram

que

parte

do

arquivo

permanente/histórico, basicamente os documentos relacionados às atividades-fim da

86

instituição, deve compor o acervo do centro de memória, pois testemunha o desenvolvimento da empresa; por outro lado, consideram que os documentos das atividades-meio, ou mesmo aqueles que têm valor estritamente legal, como os contábeis, de recursos humanos e os jurídicos, devem permanecer no arquivo permanente. Entretanto, algumas instituições optam por manter no centro de memória toda a documentação do arquivo permanente. Isso ocorre, normalmente, em organizações que não possuem um sistema de arquivos organizado, o que leva o centro de memória a acumular função específica de arquivo. Muito comum em organizações de pequeno porte, essa mescla de instituições-memória pode, contudo, prejudicar a própria dinâmica do centro, por obrigá-lo a extrapolar suas atribuições específicas. O mais desejável, e salutar, é que cada instituição-memória desempenhe seu papel específico dentro da organização, e que, ao centro de memória, caiba a responsabilidade da preservação de parte da massa documental ali produzida, como também dos documentos coletados, para que possam promover o desenvolvimento integral da organização e também para registrar sua trajetória e projetar sua imagem, interna e externamente. Embora tenhamos salientado que, nessa questão das interfaces das instituiçõesmemória, cada uma deva ter seu papel específico, é interessante, no entanto, recorrendo mais uma vez às idéias de Homulos (1990, p.11), que no interior de cada organização seja possível o intercâmbio e a integração entre elas, para o bem do todo. Quando se analisa mais detalhadamente o acervo de um centro de memória, a questão da interface torna-se mais presente, pois é muito comum dele constarem também documentos arquivísticos, bibliográficos e museológicos, que, uma vez integrados ao centro, ainda que cumprindo papel específico, devem receber tratamento semelhante ao dispensado ao acervo das demais instituições-memória. Se for conveniente, o acervo bibliográfico do centro, por exemplo, poderá ser tratado como os livros nas bibliotecas, submetendo-o, conforme o caso, a tabelas de classificação, vocabulário controlado adaptado, ou outros instrumentos adequados. No caso dos documentos de arquivo, deve-se obedecer a sua organicidade, pois são fruto das atividades da organização. A maneira como são arquivados os documentos já denota sua importância para a história institucional. Algumas vezes, por estarem integrados ao centro de memória, pode o valor histórico dos documentos arquivísticos prevalecer sobre seu valor de prova.

87

Há situações em que os centros de memória se tornam responsáveis pela guarda de documentos com valor probatório: no encerramento das atividades de uma empresa, na fusão, na privatização, etc. Quando isso acontece, cabe ao centro guardar e tratar toda a documentação e criar algum mecanismo para levar o fato ao conhecimento do público; caso contrário, os documentos perdem sua função, e os que deles precisam, não conseguem localizá-los. É por isso que, em tais casos, deve-se divulgar a existência dessa documentação, ou, quando os documentos em acervo não condizem com a função social da instituição, estudar a possibilidade de migrá-los para outra mais apropriada. A política de formação do acervo deve ser um dos primeiros pontos a serem definidos no caso dos centros de memória, tendo em mente que não se pode guardar tudo e que nem tudo é importante na história da organização. Os profissionais da área, portanto, precisam manter-se atentos e evitar essa tendência. Ao centro de memória incumbe a responsabilidade de preservar parte do patrimônio da organização, patrimônio este que, segundo Meneses, citado por Rodrigues (2000, p. 91), é fruto e testemunho da cultura organizacional; é produto das respostas do homem aos desafios diários. Deste modo, o patrimônio da empresa não é algo relacionado intrinsecamente apenas ao passado, mas algo vivo, que não só pode, como deve, influenciar as atitudes e as decisões que o presente reclama. É essencial que seja trabalhado de forma sistemática, permitindo que os documentos e objetos que o compõem mantenham relações entre si, possibilitando a construção de significados que poderão ou não ser apropriados pelos usuários do centro. Antes de tratar especificamente do modo de organizar um centro de memória e dos produtos e serviços que ele oferece, é importante lembrar que, tanto quanto as demais instituições-memória, ele também deve ser considerado como um serviço de informação. Toda a massa documental nele preservada só terá importância se for utilizada pela comunidade interna, bem como por pesquisadores externos. Os profissionais do centro de memória se vêem, assim, obrigados a conhecer as demandas de seus usuários, os procedimentos para o tratamento dos documentos e da informação neles contida, como também sua disponibilização de forma clara e eficaz — tanto quanto deve ocorrer nas demais instituições-memória. Dada sua importância para a organização, o centro de memória deve estar integrado à rede de informações, quando existir uma. É interessante que seus profissionais participem de reuniões de caráter decisório, que estejam integrados no quotidiano da organização e que

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tomem parte das principais atividades, especialmente das relacionadas à integração dos funcionários, seu público-alvo. Quando são desenvolvidos trabalhos com a História Oral, ou mesmo na coleta de documentos para o acervo, podem se tornar elementos essenciais no processo de levantamento da memória da empresa. Enfim, o centro de memória e seu corpo funcional devem desempenhar papel estratégico dentro da organização. E devem ter ampla visibilidade, para que sejam respeitados e possam contar com a contribuição de todos. Para isso é muito importante que não só o centro de memória mas também as demais instituições-memória ocupem posições estratégicas no organograma da instituição. Dificilmente um centro de memória conseguirá desenvolver seu trabalho com eficácia e competência se estiver subordinado a um departamento de pouca importância na organização. O ideal é que esteja atrelado à diretoria, para que seus profissionais tenham liberdade e autonomia para agir. Todavia, para que isso ocorra, a organização, por intermédio de seu corpo diretivo, tem de ter plena consciência da importância de preservar e disseminar a história da instituição, de reconstruir sua memória, mantendo, assim, uma ótima imagem perante seus consumidores e fornecedores. Deve ser evitado a todo custo que se torne somente uma atividade pontual com finalidade comemorativa, ou então que a preservação da memória seja vista como relacionada apenas às atividades de cunho cultural, como muitas vezes acontece.

6.3.A constituição do centro de memória40 Para constituir um centro de memória institucional, o fundamental é que a organização realmente o deseje e esteja consciente do papel que ele desempenhará. Precisará de uma ótima infra-estrutura para consegui-lo. O trabalho de construção de um Centro de Memória pode ser dividido nas seguintes tarefas: 

Definição dos objetivos da organização ao decidir a constituição do centro;



Delimitação da missão do centro;

40

O texto utilizado como base para este item foi o Goulart (2005, p. 21-23).

89



Definição do papel que o centro desempenhará dentro da organização. Institucionalização

do centro ao definir sua posição no organograma da empresa; 

Delimitação de seu público-alvo e suas demandas. É importante realizar diagnóstico que

possibilite traçar o perfil do público-alvo, mesmo antes de sua criação, porque, às vezes, sua própria razão de existir perde importância quando se descobre, por meio do diagnóstico, que o próprio corpo funcional ou mesmo a diretoria da empresa não se interessam por sua história ou não percebem a importância do trabalho de preservação e divulgação da memória. Caso isso aconteça, antes de iniciar o trabalho de organização do centro, a instituição deverá desenvolver ações específicas de valorização do trabalho com a memória institucional para conquistar a colaboração de todos; 

Composição de uma equipe multidisciplinar para desenvolver o projeto e para administrar

o centro; 

Definição do organograma do centro;



Levantamento histórico e diagnóstico da produção documental, como subsídios para o

planejamento detalhado do trabalho; 

Treinamento dos produtores de documentos da organização a fim de que todos os

profissionais responsáveis pelos arquivos correntes tornem-se conscientes da relevância de seu trabalho no processo de produção e posterior arquivamento de toda documentação produzida. Ou seja, caberá à equipe do centro de memória instruir os profissionais dos arquivos setoriais sobre a forma de produção, identificação e acondicionamento dos documentos; 

Estabelecimento de infra-estrutura básica para o funcionamento do centro: instalações

físicas que privilegiem o acondicionamento do acervo, prevendo as exigências para sua conservação tanto com relação a mobiliário e climatização do ambiente, quanto ao material utilizado para acondicionar os documentos e objetos. Deverá haver sala apropriada para o atendimento dos usuários e outra para a equipe do centro desenvolver suas atividades. Além de espaço físico apropriado, deverão ser adquiridos mobiliário e equipamentos que possibilitem que todas as atividades sejam realizadas da melhor maneira possível; 

Definição da natureza do acervo. Geralmente, o acervo do centro de memória é híbrido,

pois pode ser formado por coleções ou por fundos arquivísticos;

90



Resgate/recuperação de documentos por meio de campanha interna e de pesquisa em

instituições externas, como, por exemplo, arquivos de empresas de comunicação. Algumas vezes é preciso reproduzir os documentos, de arquivos, bibliotecas e outras instituições, fundamentais para a reconstrução da história institucional; 

Campanha de comunicação com fins didáticos para explicar o que se pretende com o

trabalho de reconstrução da memória e também o que se considera como documento histórico; 

Desenvolvimento de projetos de memória oral: coleta de depoimentos de pessoas que,

independentemente do grau hierárquico que ocupem dentro da organização, tenham informações importantes para a reconstrução da memória organizacional. A importância dos projetos de memória oral está não apenas no fato de recuperar informações inexistentes em documentos, mas principalmente em possibilitar que personagens da história contem suas experiências e se sintam realmente integrados nessa história. A coleta de depoimento normalmente dá voz às pessoas e as valoriza; a história é contada por quem a fez, permitindo uma diversidade de visões que enriquecem o trabalho. Segundo Worcman (1999), o trabalho com a memória oral vai muito além da preservação e organização física de documentos; seu objetivo está na preservação do conhecimento intangível, aquele presente na cabeça e fruto das experiências das pessoas; 

Sistematização da coleta das informações sobre a história da organização, inclusive por

meio dos depoimentos; 

Estabelecimento da política de formação do acervo, por meio de normas para aceitar ou

não doações, empréstimos ou comodatos41; 

Avaliação e triagem dos documentos com base nos critérios estabelecidos na política de

formação do acervo; 

41

Procedimentos de registro de entrada dos documentos ou fundos e posterior classificação;

Espécie de termo de empréstimo por meio do qual o proprietário do documento o empresta ao centro de memória por um período determinado. Durante a vigência do comodato, o centro se responsabiliza pela conservação do documento, podendo utilizá-lo em pesquisas, exposições, etc., desde que sempre indique o nome do proprietário. Prática muito comum entre museus de temas afins ou então entre pesquisadores e centros de memória ou museus. Normalmente, é interessante para ambas as partes: o proprietário não tem o custo de manutenção do documento e o centro de memória ou museu, apesar de arcar com este custo, pode usufruir do documento. Por isso o comodato só ocorre se o documento representar importância fundamental para o acervo da instituição que o aceitará, caso contrário representará prejuízo.

91



Estabelecimento do arranjo e da descrição dos fundos arquivísticos, caso estes não tenham

sido tratados anteriormente. Se forem fundos provenientes do arquivo permanente da instituição, caberá ao centro manter a organização e descrição preestabelecidas, mas deverá desenvolver alguns instrumentos de pesquisa que facilitem a recuperação da informação; 

Estabelecimento de uma política de preservação do acervo, que visará preservar os

documentos que estão em bom estado (conservação preventiva) e restaurar aqueles que corram o risco de desintegração (conservação corretiva); 

Classificação e notação dos documentos custodiados e também descrição (tratamento da

informação dos documentos/objetos); 

Estabelecimento dos procedimentos para a identificação de documentos audiovisuais,

principalmente fotografias, que tenham chegado ao centro sem qualquer tipo de informação. O ideal é que o trabalho de identificação seja feito no ato da entrega da documentação, porque, normalmente, o doador conhece o histórico daquela documentação e pode oferecer detalhes importantes que nenhum outro documento ou pessoa fornecerá; 

Disponibilização das informações e do acervo para seu público-alvo por meio de

instrumentos de pesquisa ou bancos de dados que deverão ser gerenciados constantemente pela equipe do próprio centro com o apoio dos profissionais da área de tecnologia; 

Promoção de intercâmbio com centros de memória de organizações afins para aprimorar

as técnicas de trabalho ou mesmo o acervo, porque algumas vezes existem documentos no acervo de uma organização que podem interessar a outra e, nesse caso, há a possibilidade de fazer a referência ou então de reproduzir e citar a procedência do original. 

Realização de pesquisas sobre assuntos relacionados à história da instituição, para

variados fins, tais como: exposição temática, atendimento de usuário, informações processadas para banco de dados, intranet, site institucional, etc. Normalmente, estas pesquisas são realizadas com base nos documentos do acervo do centro e, caso não sejam suficientes, pesquisa-se acervos externos; 

Realização de atividades para a divulgação do acervo ou das atividades desenvolvidas na

empresa, por meio de publicações, exposições, oficinas, jornadas culturais, seminários, etc. Tais atividades, normalmente, são consideradas os produtos desenvolvidos pelo centro;

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Construção, caso a organização possua espaço físico apropriado, de uma sala de

exposições permanentes ou temporárias, na qual seja exposta parte do acervo de forma contextualizada; 

Estabelecer estratégias para atender o público como também políticas de empréstimo, no

caso de o centro possuir documentos que possam ser consultados fora da sala de pesquisa; 

Reavaliação constante do escopo do trabalho, a partir do número de consultas internas e

externas realizadas, e qual o grau de satisfação dos usuários; 

Estabelecimento de políticas de constante alimentação do acervo, pois ele, tanto quanto a

história da organização, é vivo e, por isso, precisa ser atualizado. Além de todas essas atividades, Totini e Gagete (2003, p. 15), consideram que para o centro de memória desempenhar sua missão de preservar os documentos considerados de caráter histórico, contribuir para a divulgação ou mesmo perpetuação da imagem da corporação e facilitar a circulação das informações entre seus membros, ele precisará cumprir pelo menos cinco objetivos, descritos abaixo e acompanhados de alguns comentários: 1. Garantir o resgate, a preservação e a disseminação do patrimônio histórico-documental, do know-how técnico-admnistrativo e dos valores da cultura organizacional ao longo da vida da organização; 2. Auxiliar no reforço da imagem institucional, como também da identidade corporativa e do diferencial competitivo de marcas, produtos e serviços; 3. Dar suporte a várias estratégias administrativas, mercadológicas e gerenciais, favorecendo a comunicação interna, as relações institucionais e de recursos humanos e promovendo a responsabilidade social nos vários níveis da organização; 4.

Gerenciar a produção e o fluxo de documentos e informações. No entanto, as atribuições

de gestão dos documentos, geralmente, são específicas do arquivo. Entendemos que ao centro caberá à gestão de toda documentação produzida por ele, enquanto que a documentação produzida pelos demais setores ficará sob a responsabilidade de cada um deles ou então de um arquivo central, com o qual o centro deverá manter intercâmbio, para que os documentos de caráter histórico possam ser enviados para o centro, conforme os prazos definidos na tabela de temporalidade estabelecida pela organização. Caberá ao centro criar mecanismos para o

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tratamento e disponibilização das informações advindas dos documentos que compõem seu acervo; 5.

Utilizar a tecnologia em benefício próprio, buscando não apenas preservar, mas

principalmente disponibilizar as informações e documentos do acervo de forma eficaz, estimulando a produção de novos conhecimentos e possibilitando a preservação do capital intelectual já acumulado Será interessante que os procedimentos da CI, no que tange ao tratamento e disponibilização da informação, sejam incorporados às práticas do centro de memória. Como se vê, um centro de memória deverá manter relações com todas as áreas da organização e muitas vezes desempenhará papel estratégico, porque domina as informações referentes a determinados processos e eventos. Caberá ao centro de memória desempenhar papel de aglutinador e disseminador de todas as informações relacionadas à história da organização. Necessitará manter uma equipe multidisciplinar, que contará obrigatoriamente com profissionais da informação.

6.4. O centro de memória e o profissional da informação Ao demonstrarmos que o centro de memória também pode e deve ser visto como um serviço de informação, concluímos que a presença do profissional da informação será imprescindível para que boa parte das atividades necessárias para a constituição e manutenção do centro seja realizada. Quando pensamos no profissional da informação, estamos pensando tanto no arquivista, no bibliotecário quanto no museólogo. No caso específico do centro de memória, dependendo da composição de seu acervo, será interessante ter uma equipe composta de todos esses profissionais, que, de formas diferentes, trabalharão a informação. O profissional da informação desempenhará importante papel na coordenação de boa parte das atividades do centro, principalmente daquelas relativas à definição da política de formação do acervo; classificação e descrição dos documentos, inclusive os considerados museológicos (tridimensionais); tratamento e disseminação da informação presente nos documentos preservados; e organização e manutenção de bancos de dados.

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Algumas atividades, como coleta de depoimento oral, pesquisa em acervos externos para coleta de material, pesquisa histórica com base no acervo, montagem de exposições, confecção de livros, etc., são atribuições que não condizem diretamente com o perfil do profissional da informação, mas ele, normalmente, está presente nessas atividades por dominar todo o processo de formação do acervo e participar ativamente de sua organização. Sendo assim, toda a documentação gerada durante o processo de coleta dos depoimentos futuramente será tratada pelo profissional da informação. No caso de pesquisas em acervos externos, é essencial que o historiador/pesquisador, antes de sair a campo, procure o responsável pelo acervo, geralmente o profissional da informação, para que este possa orientá-lo com relação às lacunas presentes no acervo e o que deve ser considerado mais importante para saná-las. Com relação especificamente à exposição, esta não acontecerá se o museólogo não tiver acesso aos documentos relacionados ao tema da exposição. Novamente reaparece aqui a figura do profissional da informação que, além de auxiliar o museólogo na escolha dos documentos e objetos, também ficará responsável pela documentação referente à saída e à devolução de todos os documentos e objetos utilizados na exposição. O controle do fluxo dos documentos é fundamental para que seja mantida a integridade física de todo o acervo e também para o registro da história do documento dentro da instituição. Cabe ao profissional da informação manter controle de tudo que entra e sai do acervo, como também o registro das consultas ao acervo. Esse controle poderá ser feito por meio de planilhas eletrônicas, onde serão anotados os dados pessoais do usuário, o documento pesquisado, para quê e por quê, permitindo com isso que a própria equipe do centro possa avaliar como o acervo está sendo consultado e o que tem sido produzido a partir dele. É interessante seja mantido intercâmbio com os usuários e que se crie políticas de troca, com o intuito de incorporar ao acervo os produtos decorrentes da pesquisa, tanto de usuários internos quanto externos. Por exemplo: um aluno de pós-graduação utiliza a documentação do centro de memória para desenvolver um dos capítulos de sua dissertação; será interessante que, após a conclusão de seu trabalho, o aluno ceda uma cópia para o centro de memória, enriquecendo assim o acervo com novos dados, além de fornecer uma prova definitiva da forma como se apropriou da informação do centro e em seguida produziu um novo conhecimento. Desse modo, ao profissional da informação cabe o papel de mediador entre o documento/informação e o usuário. O documento é preservado para determinada finalidade, qual seja, testemunhar certas atividades ou feitos da organização, ou ainda a metodologia do processo de produção de um produto, etc. Ao ser preservado e em seguida disponibilizado,

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esse testemunho histórico poderá ser apropriado pelo usuário, que terá liberdade de utilizá-lo da forma que melhor lhe convier. Novamente, voltamos à questão da transferência de informação, pois o centro de memória, tanto quanto as demais instituições-memória, deve ter essa questão como um dos focos de análise do trabalho que desenvolve. A preservação, a disponibilização e a recuperação de documentos e objetos que compõem o patrimônio histórico de uma organização — e, em última análise, da nação na qual está inserida — são fundamentais para a manutenção da tradição, como podemos verificar nas palavras de Arantes (1989, p. 13) [...] através dos objetos conservados e transmitidos às gerações posteriores, se estabelece um contato físico, afetivo, sensorial e cognitivo tanto com o passado, enquanto lugar de acontecimentos ancestrais, como com os significados que se foram imprimindo a esses objetos ao longo do processo histórico. Desse modo, através da transmissão hereditária e das várias formas de reapropriação [...], criam-se laços com o passado e se dá substância concreta ao que denominamos tradição.

Todos os profissionais do centro de memória formam um conjunto que possibilita à instituição alcançar seu objetivo principal, que é o de preservar e divulgar sua história por meio, essencialmente, de sua massa documental. O profissional da informação será aquele que domina as técnicas tanto de preservação, como de organização, disponibilização e recuperação da informação. No entanto, seu trabalho sofrerá, com freqüência, as influências da própria cultura da organização. Por isso deverá estar consciente de que sua interferência no tratamento da informação não é neutra e que o acesso a ela representará desenvolvimento para alguns mas não para outros, já que é praticamente impossível criar políticas de disseminação da informação que abranjam uma ampla parcela da população, principalmente quando se trata de centros de memória de organizações com fins lucrativos. Enfim, o profissional da informação pode estar consciente de seu papel social na disseminação da informação, mas a empresa à qual está vinculado pode não ter a mesma visão, e criar empecilhos para que ele atinja seus objetivos. Assim, é fundamental que os profissionais da informação mantenham postura crítica e assumam o papel de questionadores, procurando persuadir as organizações nas quais trabalham a acreditar que o tratamento e a disseminação da informação devem ser realizados de forma mais democrática.

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7. Considerações Finais "Aqui estamos nós, 2.500 arquivistas juntos, conversando uma semana inteira sobre a nossa profissão. Mas onde estão os usuários, nossa razão de ser? Eles estão do lado de fora, num mundo que nós não podemos ver porque não há janelas, não há janelas neste salão, não há janelas nos depósitos arquivísticos, não há janelas em nosso pensamento profissional.” Ketellar

A epígrafe deste capítulo refere-se aos arquivistas, mas acreditamos que, adaptada, sirva também para todos os profissionais mencionados ao longo deste trabalho. Pois todos estão procurando se adaptar à nova realidade e buscando desenvolver atividades que tenham como foco central o usuário. No entanto, há um longo caminho a ser percorrido. Apesar de o foco da nossa análise ter sido o centro de memória, mostramos que é muito difícil tratar dessa instituição-memória sem discutir as demais, dadas as inúmeras afinidades entre si, especialmente no tratamento da informação e em seu processo de assimilação pelo usuário. Lembramos também, e desde já, que de forma alguma este trabalho teve a intenção de esgotar este assunto. Na verdade, pudemos verificar que ainda há muito a ser estudado, principalmente devido à escassez de literatura sobre o tema. As demais instituições-memória, de uma forma ou de outra, já possuem um arcabouço teórico que lhes dá sustentação e permite novas abordagens e críticas aos pressupostos estabelecidos. Isso não acontece com o centro de memória, que, além de ser uma instituição muito recente — passou a existir oficialmente a partir dos anos de 1970 — ainda não possui uma metodologia de trabalho definida nem uma conceituação apropriada. Diante dessas dificuldades, procuramos apresentar alguns procedimentos considerados essenciais para o bom desenvolvimento do trabalho com a memória, enfatizando a organização dos documentos e a disseminação da informação, além de traçar as bases gerais para que o centro de memória tenha características próprias e uma missão predefinida que possa diferenciá-lo das demais instituições-memória. Tentamos esclarecer também que é fundamental que pelo menos parte dos profissionais que trabalham no centro de memória, e principalmente aqueles que coordenam as atividades, tenham conhecimentos de CI para não permitir que a instituição se torne um

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mero depósito de documentos antigos não relacionados e que, desorganizados e descontextualizados, não sirvam de fonte de informação, da mais elementar à mais sofisticada. O acesso à documentação histórica, preservada, organizada e disponibilizada no centro de memória, traz benefícios imediatos a quem dela usufrui, mas também resultados positivos em longo prazo, porque a valorização e a reconstituição da memória colaboram profundamente para uma melhor relação interpessoal entre os funcionários. Como salienta Von Simson (s.d.), “o ato de relembrar em conjunto, isto é, o ato de compartilhar a memória, é um trabalho que constrói sólidas pontes de relacionamento entre os indivíduos e, talvez por isso, conduza à ação [e permita] utilizar ‘óculos do presente’ para reconstruir vivências e experiências pretéritas”. Aos profissionais do centro de memória caberá desenvolver atividades que além de permitir a preservação da memória e a construção da história ou histórias da organização, crie condições para que os indivíduos, personagens dessa história, possam, a partir das experiências do outro ou do grupo ao qual pertencem, reconstruir sua própria memória, propiciando a eles a possibilidade de compartilhar um passado comum e de criar vínculos com seus pares, quiçá com a comunidade toda. Assim, o papel do profissional da informação vai muito além da simples organização e disponibilização da informação. Ao permitir o acesso a toda memória organizacional acumulada, ele permite que a história da instituição seja continuamente construída e preservada e que seus personagens se identifiquem como integrantes do grupo. Essa questão da identidade e o fato de as pessoas se sentirem inseridas num processo produtivo, é muito importante principalmente para aqueles que já se aposentaram e cortaram todos os laços de pertencimento com a organização da qual participaram e ajudaram a construir. Nossa expectativa ao levantar essas questões, trazê-las à tona e constatar a falta de uma literatura de apoio mais ampla nessa área, é que novos estudos surjam e enriqueçam a argumentação aqui apresentada. Se tiverem de refutá-la, que seja de forma crítica e construtiva, para, no fim, todos sairmos ganhando.

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