CENTRO HISTÓRICO DE BOA VISTA/RR: ELE EXISTE?

June 19, 2017 | Autor: Claudia Nascimento | Categoria: Cultural Heritage, Amazonia, Urban Heritage, Roraima, Geografia de Roraima
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CENTRO HISTÓRICO DE BOA VISTA/RR: ELE EXISTE? Prof.ª MSc Paulina Onofre Ramalho, Universidade Federal de Roraima, E-mail: [email protected]. Prof.ª MSc. Claudia Helena Campos Nascimento, Universidade Federal de Roraima, E-mail: [email protected]; Prof. MSc. Raimundo Costa Filho, Universidade Federal de Roraima, E-mail: [email protected] CIDADES E DINÂMICAS TERRITORIAIS INTRODUÇÃO O título deste trabalho reflete inquietações surgidas durante pesquisas realizadas nas disciplinas Estudos Sociais e Econômicos e Patrimônio Histórico e Cultural do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima. Embora a resposta à indagação pareça bastante óbvia, de acordo com o senso comum, ela demanda uma análise consistente a partir de critérios teóricos e práticos, condizentes com a realidade local. Boa Vista, de acordo com a versão mais aceita, surgiu a partir do desenvolvimento de uma fazenda pertencente a Inácio Lopes de Magalhães, fundada em meados de 1830. Com o objetivo de controlar melhor administrativamente a área, em 1858 foi criada, através da Lei Nº 92 de 09.11.1858, a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo, cuja sede foi estabelecida na referida fazenda (OLIVEIRA, 2003). Em 1890 foi instituído o município de Boa Vista do Rio Branco, com a freguesia sendo elevada a categoria de vila e sede. Entretanto, as condições da vila não foram substancialmente alteradas, apresentando-se escassamente povoada e economicamente frágil. Nem mesmo a concessão de foro de cidade à vila, que passou a chamar-se simplesmente Boa Vista, reverteu a situação (OLIVEIRA, 2003). Essa realidade perpassava Boa Vista no momento em que foi criado o Território Federal do Rio Branco em 1943, do qual passou a ser a capital. Nesse período a cidade compunha-se de três ruas paralelas ao rio. Foi a partir dessa configuração que foi implantado o plano urbanístico da cidade, com forma radioconcêntrica, elaborado pelo engenheiro Darcy Aleixo Derenusson na década de 1940 (VERAS, 2009). Entretanto, é ao núcleo mais inicial da cidade que a população atribui a designação de centro histórico. O próprio Derenusson, em entrevista ao jornal A Gazeta de Roraima em 1991, revelou que preocupou-se em preservar a história da cidade ao incorporar sua configuração ao novo traçado. Sua forma triangular é perceptível no grande leque desenhado no lavrado. Normalmente esse recorte, denominado centro histórico, apresenta-se explícito nas legislações urbanísticas ou patrimoniais de uma cidade, cabendo a este trabalho compreender como ele se apresenta de forma legal em Boa Vista.

OBJETIVOS A definição de centro histórico, enquanto espaço urbano dotado de particularidades que demandam políticas públicas específicas, envolve questões práticas, mas, sobretudo, simbólicas e sociais. Desse modo, nosso objetivo principal é verificar a delimitação do centro histórico de Boa Vista, capital do estado de Roraima, e fomentar o debate acerca das normativas urbanísticas que regem os pressupostos de regulamentação para a área. Nesse contexto, abordaremos alguns elementos que balizam sua definição e teceremos comentários sobre a dinâmica que incide sobre esses sítios na atualidade. MATERIAIS E MÉTODOS OU METODOLOGIAS Para o desenvolvimento desta pesquisa pautamo-nos em processos múltiplos de coleta de dados, os quais visaram enriquecer a análise do nosso objeto de estudo. Sendo assim, inicialmente, realizamos uma revisão bibliografia sobre a temática proposta, tendo como referência teórica e conceitual importantes pesquisadores das cidades, como Lynch (1998), Choay (2001), Motta (2000) e Leite (2004). Posteriormente, recorremos à compilação de fontes em diferentes suportes, como fotografias, leis, dentre outros. De forma específica, utilizamos como base o Plano Diretor Participativo e Estratégico e a Lei de Uso do Solo, visando obter informações legais sobre o assunto. Por fim, a partir das informações obtidas nas etapas anteriores, efetuamos o trabalho de campo, no qual fotografamos a realidade encontrada e comparamos com os dados anteriores. RESULTADOS E DISCUSSÃO Após o desenvolvimento da pesquisa não conseguimos localizar dispositivos legais que delimitassem o centro histórico de Boa Vista como unidade administrativa regida por regulamentos específicos que visem definir as ações e políticas que podem incidir sobre esse espaço. A proposta que mais se aproxima de uma delimitação para a área histórica refere-se ao denominado Setor Especial Histórico (SEH), presente na Lei N. 926 de 29/11/200, Lei de Uso do Solo, expresso nos seguintes termos: Considera-se Setor Especial Histórico - SEH aquelas porções do território municipal mais representativa [sic] da história da cidade e onde se encontram os elementos mais significativos da memória e da cultura arquitetônica local que exigem estímulos e políticas próprias para suas preservações [sic]. (grifo nosso)

No entanto, consideramos tal definição extremamente genérica e imprecisa em termos conceituais, pois percebe a cidade em termos binários e opositores entre territórios mais e menos representativos, e elementos mais e menos significativos. Além disso, não explicita quais os critérios que serão utilizados para distingui-los e os valores que tornam o SEH referência para a sociedade e que cabem ao poder público preservar. Entendemos, ainda, que a definição do SEH não acompanha as discussões que se processaram na percepção do que é um sítio histórico urbano. De fato, a partir dos anos de 1980 fortaleceu-se o entendimento de considerá-los como documentos para além de uma pretensa unidade estético-estilística de sua área. Sendo assim, esses espaços foram analisados como suportes para representações simbólicas, históricas e identitárias.

Figura 01 – Setor Especial Histórico de Boa Vista – SEH.

Setor Especial Histórico

Fonte: Lei do Uso do Solo, 2006. Elaborado por NASCIMENTO, 2015. Um centro histórico também pode ser apreendido a partir da noção de monumento histórico, ou seja, não é fundado intencionalmente, mas sua simbologia é construída posteriormente, durante sua apropriação artística e cognitiva (CHOAY, 2001). Isso equivale a dizer que os centros históricos não são fundados como tal, mas adquirem essa conotação a posteriori como parte da produção espacial da sociedade. Segundo Motta: Os sítios urbanos são, de forma especial, objetos culturais histórica e socialmente construídos. Acumulam vestígios e trazem as marcas do processo de sua construção, das transformações, adaptações, apropriações e reapropriações sofridas ao longo do tempo, expressando, com sua conformação, as representações que ali se sucederam (2000, p. 260).

Os sítios ou centros históricos se conformam a partir das experiências vivenciadas pela sociedade e, desse modo, expressam as contradições que ela apresenta. São, portanto, fonte de conhecimento e não simples recortes no tecido urbano. Nesse ponto nos alicerçamos no conceito de bairro proposto por Lynch (1998), para o qual essa unidade não constitui-se uma divisão administrativa, mas parcelas urbanas que, por suas características, apresentam um caráter comum que as identificam, distinguido-as das demais. Essas distinções, entretanto, não constituem-se barreiras, mas representam o entendimento das particularidades de cada área. Nesse sentido, a Carta de Petrópolis nos fornece importantes subsídios para a compreensão da questão ao propor que sítios históricos urbanos são espaços representativos da cultura, em suas múltiplas manifestações, de uma cidade, sendo uma área crítica operacional e não uma oposição a espaços nãohistóricos, pois toda cidade é histórica (IPHAN, 1987). Desse modo, precisamos repensar o Setor Especial Histórico de Boa Vista, visto que este não encontra respaldo teórico e/ou prático em sua definição e delimitação. Para termos ideia da problemática, mapeamos todos os bens tombados pelo município e

contrapomos aos limites estabelecidos para o SEH. O que pode-se verificar é que essa unidade não dialogo com todos esses bens, deixando-os a margem de seu eixo de ação. CONSIDERAÇÕES FINAIS O centro histórico de Boa Vista existe enquanto entidade imagética da população, mas não encontra consonância na legislação da cidade. Tornar-se fundamental, portanto, estudos que o caracterizem de modo a propiciar mecanismos eficazes de proteção. Além disso, como documento que referencia imagens e representações, esse espaço não deve ser visto como mera unidade administrativa, mas parte do processo de vivência social. Do mesmo modo, necessitamos posicionarmos criticamente em relação a forma como os centro históricos tem sido percebidos na atualidade, isto é, como “mercadoria, igualando o bem coletivo aos produtos de consumo” (MOTTA, 2000, p. 258). De um modo geral, a crescente opção por um modelo de apropriação globalizado desses espaços resulta em cenários padronizados, nos quais as populações tradicionalmente residentes são expulsas (LEITE, 2004). A crescente pressão do setor imobiliário gera um descompasso entre as práticas de preservação e as intervenções que tem sido realizada. Todos esses aspectos devem ser analisados de modo a compreendermos como se reflete em Boa Vista, para que possamos elaborar diretrizes de ação que dialogam com a realidade local ao invés de desconsiderá-la. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade; Editora UNESP, 2001. IPHAN. Carta de Petrópolis (1987),1º Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização De Centros Históricos. Disponível em http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Petropolis%201987.p df. Acesso em out. 2015. JORNAL A GAZETA DE RORAIMA. Edição especial. Boa Vista \ ano 101. Ano X. 09 de Julho de 1991. LEITE, R. P. Contra-usos da cidade: lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea. Campinas: Ed. da Unicamp; Aracaju: Ed. da UFS, 2004. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MOTTA, Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético-estilístico nacional ao consumo visual global. In: ARANTES, Antônio A. (Org.). O espaço da diferença. Campinas, SP: Papirus, 2000. p. 256-287. OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima. São Paulo: 2003, USP. (Tese de doutorado). VERAS, Antonio Tolrino de Rezende. A produção do espaço urbano de Boa VistaRoraima. Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana. Universidade de São Paulo, 2007. (Tese Doutorado).

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