Cerâmicas unguladas do povoado calcolítico da Penha Verde

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ASSOCIAÇÃO DE ARQUEÓLOGOS

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cerâmicas unguladas do POVOADO CALCOLíTICO DA

PENHA VERDE por João Luís Cardoso (*), Júlio Roque Carreira (* *) e Octávio da Veiga Ferreira (***)

1.rOlrod"ção Na sequência da revisão do espólio arqueológico exumado no povoado da Penha Verde, por G. Zbyszewski e O. da Veiga Ferreira, os autores estudam alguns fragmentos decorados por ungulações. Com efeito, dadas as características pouco frequentes deste tipo decorativo, entendemos pertinente apresentar neste trabalho algumas considerações sobre a sua integração cronológico-cultural.

2. Contexto arqueológico e enquadramento cultural

o povoado pré-histórico da Penha Verde foi no passado objecto de três campanhas de escavações, em 1957, 1958 e 1964 tendo, então, sido identificadas duas casas de planta circular, um silo de grandes dimensões, bem como uma calçada e uma muralha na área adjacente

àquelas estruturas habitacionais (Zbyszewski & Ferreira, 1958, 1959). As estruturas referidas continham um espólio onde abundavam a olaria com motivos decorativos em ''folha de acácia " e "crucífera ", usuais no Calcolítico pleno da Estremadura, associadas a um notável lote de cerâmica campaniforme, actualmente em estudo pelos autores. De facto, não foram encontrados quaisquer elementos pertencentes a épocas imediatamente anteriores, designadamente ao Neolitico fInaI ou ao Calcolítico inicial da Estremadura. Tais observações são relevantes para a integração cronológico-cultural dos materiais agora apresentados. As cerâmicas estudadas provêm da Casa 2 (15 exemplares) e do respectivo fosso (4 exemplares), onde já anteriormente tinham sido referenciadas (Zbyszewski & Ferreira, 1958: 51 ), bem como na Casa I (4 exemplares).

ABSTRACT

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he study of some pottery fragments from the Copper Age settlement of Penha Verde . The unusu01 characteristics of their decoration have led to new insights into chronology and culture of the período

RÉSUMÉ

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tude de quelques fragments céramiques du peuplade ca lcolithique de Penha Verde. Les caractéristiques peu fréquentes de sa décoration justifient quelques remarques relatives à san encadrement cronologique et culturel.

Em cimo:

Foto 1 - Impressões do tipo 2, profundas e largas, de contorno elíptico. Observa-se um dorso, sobre o respectivo eixo maior, nalgumas, separando a parte da impressão devida ã unha e à extremidade do dedo.

À esquerdo: Foto 2 - Impressões do tipo 1, pouco profundas, ob~das unicamente pela unha. Pormenor do frag-

mento Nº 1 da Estampa 1.

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n Coordenador do Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras. (") Rua Inácio de Sousa. Nº 5. 4'. 1500 Lisboa. C " ) Serviços Geológicos de Portugal.

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côncava, limitada por uma protuberância circular, separando-se do corpo do vaso (Est. 2, n04). Os restantes fragmentos de cerâmica, indicam recipientes de bojo convexo ou convexo-côncavo, (vasos de colo estrangulado) como o representado na Est. 2, n° 2. 3.2. Técnica decorativa

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Todos os fragmentos considerados ostentam alinhamentos de impressões que se distinguem pela profundidade, o que resulta em diversas geometrias e dimensões; observaram-se dois tipos principais: Tipo I - Impressões pouco profundas, obtidas unicamente pela unha, de contornos arqueados, em crescente. Dimensões médias: largura de 1a 2 mm; comprimento de 5 a 6 mm (foto 2; Est. I , nO I a 3; Est. 2, n02e3). Tipo 2 - Difere do anterior pelas impressões serem mais profundas e largas; o contorno é geralmente elíptico, estando presente um dorso, segundo o respectivo eixo maior, separando a parte da impressão devida à unha e ao dedo. Dimensões médias: largura de 6 a 10 mm; comprimento de 10 mm (foto I ; Est. 1, n° 4 e 5; Est. 2, nO I e 4). Nalguns casos a pressão exercida na face externa do recipiente era compensada, na interna, como parecem indicar as irregularidades observáveis na respectiva superfície.

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3.3. Organização dos motivos 5

Estampa 1: Cerâmicas unguladas da Penha Verde (Nº 1a 3 e Nº 5) e de Lecela (Nº 4): Tlpo 1(Nº 1a 3); Tlpo 2 (Nº 4 e 5).

3. Descrição dos materiais Os fragmentos cerâmicos objecto deste trabalho, ostentam uma técnica decorativa consistindo em depressões produzidas pelas extremidades digitais. Reconheceram-se, porém, diversas gradações na profundidade e largura das depressões, bem como na organização da área decorada.

3.1. Formas Dentre os 17 fragmentos inventariados reconheceram-se 6 bordos e um fundo. Os bordos, em geral ligeiramente espessados do lado externo, correspondem a recipientes de tamanho médio a grande, de paredes pouco inclinadas tanto para o exterior como para o interior (Est. I, n° I a 3 e 5). O único fundo presente possui base ligeiranlente CENTRO

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As impressões organizam-se obliquamente entre si em consequência de terem sido produzidas aos pares e em simultâneo com o indicador e o polegar. Tanto quanto é possível verificar nos maiores fragmentos disponíveis, os pares de impressões assim obtidos dispõem-se em bandas paralelas entre si na horizonta (em apenas um caso se organizam na vertical).

3.4. Cozedura, pastas e acabamentos A cozedura é em geral oxidante. Com efeito, as superfícies externa e interna são em geral de coloração castanho-alaranjada, apresentando o núcleo a mesma coloração ou, mais raramente, coloração anegrada. As texturas das pastas são, em geral, médias e grosseiras, reconhecendo-se dentre os elementos não plásticos palhetas de mica, escassos grãos de quartzo e abundantes grãos de feldspato. Esta associação mineralógica é compatível com a origem granítica da matéria prima que constitui o substrato geológico do local. As superfícies externa e interna são, em geral, grosseiramente alisadas. ALMADA

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4. Comparações e integração cultural 4.1. Comparações Em contextos além-pirenaicos, avultam, pelas semelhanças com as cerâmicas da Penha Verde, as do Neolítico da bacia parisiense; tal como naquelas, as decorações foram produzidas por impressões digitais aos pares (Bailloud, 1974: fig. 7). No território português, e no contexto específico dos povoados estremenhos, os paralelos mais próximos situam-se em Vila Nova de S. Pedro (paço & Jalhay, 1942: fig. 24, nO 5 a 7), de Leceia (Cardoso, 1989), Penedo (Spindler e Trindade, 1970) e na Rotura (Gonçalves, 1971). De Vila Nova de S. Pedro publicaram-se escassos fragmentos que diferem do da Penha Verde pelas impressões não se encontrarem organizadas como nestes (paço & Jalhay, 1942: fig. 24, n° 5 a 7). Do povoado do Penedo, Torres Vedras, são conhecidos três fragmentos com ungulações aos pares (Spindler e Trindade, 1970: Est. XXIX, n° 708 a 710). Tanto quanto é possível inferir a partir das ilustrações fornecidas pelo autor, as ungulações não são acompanhadas de afundamento envolvente. Em Leceia recolheu-se um único exemplar, até agora inédito, na Camada 2, do Calcolítico pleno (Cardoso, 1989); é semelhante a alguns da Penha Verde (Est. 1, nO 4). Da Rotura, V. Gonçalves (1971) publica vários exemplares idênticos aos da Penha Verde, também com impressões produzidas aos pares e organizadas em faixas. Segundo o autor, tal motivo decorativo encontrar-se-ia apenas presente na Camada lia, a mais antiga da sua sucessão estratigráfica; esta camada encontrava-se separada pela Camada I1c da Camada IIb, com materiais característicos do Calcolítico inicial (presença do que se designa por "copos Viúz Nova 1"). Destas observações não restaria qualquer dúvida sobre a idade neolítica das referidas cerâmicas. Tal hipótese é, aliás, defendida pelo autor (op. cit., p. 163) ao propôr a cronologia para a referida camada, lia, de mais ou menos 5000 a. C. baseada, éssencialmente, nos referidos fragmentos cerâmicos. As primeiras reservas a esta hipótese foram apresentadas pela mesma altura (Ferreira e Silva, 1970) ao considerar totalmente calcolítica toda a sucessão estratigráfica (op. cit., p. 217). A mesma conclusão é confirmada ulteriormente (Silva, 1971), sendo apoiada no estudo sistemático dos materiais cerâmicos recolhidos. Esta posição foi, ainda, recentemente reafmnada, voltando-se a atribuir a ocupação mais antiga da Rotura ao Calcolítico inicial da Estremadura (Silva e Soares, C ENTRO

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1986). Sem negar a ocorrência de cerâmicas unguiformes nalguns contextos europeus do Neolítico antigo, incluindo portugueses, os riscos de utilização de paralelismos formais são grandes. Com efeito, abundam exemplos de simples fenómenos de convergência nos motivos decorativos de materiais cerâmicos, tanto mais prováveis, quanto maior for a simplicidade da sua execução. A título de exemplo, diremos que impressões digitais são conhecidas em recipientes de tipologia idêntica aos da Penha Verde, mas da Idade do Bronze da Charente, Gironde e Dordogne (Briard, 1989: 55). Em conclusão, a cronologia calcolítica das cerâmicas da Penha Verde, inquestionável pelas suas condições de jazida não é contrariada, antes reforçada, pelas homólogas da Rotura, bem como dos restantes povoados da Estremadura. DE

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Estampa 2: Cerâmicas unguladas da Penha Verde: Tipo 1 (Nº 2 e 3); Tipo 2 (Nº 1 e 4).

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S. Conclusões Este trabalho conduziu às seguintes conclusões: 1 - A técnica resultante da impressão das extremidades digitais, incluindo a unha, foi documentada em diversos povoados da Estremadura, onde constitui sempre motivo raro ou mesmo excepcional, no conjunto das cerâmicas decoradas de cada arqueossítio. 2 - A distribuição geográfica desta decoração restringe-se à área estremanha, não sendo conhecida em latitude superior à do povoado do Penedo, Torres Vedras. 3 - A integração cultural destes fragmentos corresponde sempre ao Calco lítico. Elementos de maior pormenor, quando disponíveis (Leceia e Penha Verde), indicam o Calco lítico pleno da Estremadura.

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