Certificado de Clube Formador e as suas responsabilidades na formação social dos jogadores de futebol no Brasil / Certificado de Clube Formador and your responsibilities in social development of football players in Brazil

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CERTIFICADO DE CLUBE FORMADOR E AS SUAS RESPONSABILIDADES NA FORMAÇÃO SOCIAL DOS JOGADORES DE FUTEBOL NO BRASIL 1

Ivan Furegato Moraes Universidade do Porto, Portugal [email protected]

Maria José Carvalho Universidade do Porto, Portugal [email protected]

Resumo O presente estudo busca apresentar e esclarecer as alterações ocasionadas pelo Certificado de Clube Formador, criado pela Lei nº 12.395/11, no processo de formação de novos jogadores de futebol no Brasil, bem como retratar como os clubes estão se adaptando às novas regras. Para tal analisou-se a legislação, além de entrevistas com clubes do interior do estado de São Paulo para demonstrar que trabalho de formação vem sendo realizado após a certificação, principalmente no viés sócio-educacional. Palavras-chave: Futebol. Responsabilidade Social. Formação Social. Categoria de Base. Certificado Clube Formador. A.A. Ponte Preta. Botafogo F.C.

Abstract This study seeks to present and clarify the changes incorporated by the Certificado de Clube Formador, created by the Law nº12.395/11, in the new soccer player’s development in Brazil, as well to exhibit how the clubs are adapting into the new rules. In order to do the legislation were analyzed, besides interviews with São Paulo State country clubs to show which development work has been made after the certification, mainly in the socio-educational perspective. Keywords: Soccer. Social Responsibility. Social Formation. Soccer Development. Certificado Clube Formador. A.A. Ponte Preta. Botafogo F.C. 1

Artigo apresentado no 1º Congresso Internacional Responsabilidad Social Corporativa y Gestión Deportiva, realizado entre 21 e 23 de maio de 2014 na Faculdad de Ciencias del Trabajo da Universidad de Granada, Granada, Espanha. Publicado na ata do congresso, Nuevas alternativas para la gestión deportiva, editada por Gutiérrez Gutiérrez, Leopoldo; Moreno Molina, Valentín; Díaz Bretones; Francisco e Tamayo Torres, Ignacio, 2014, Granada, Editorial Universidad de Granada, p. 461-486, ISBN 978-84-338-5664-7.

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1. Introdução O Brasil, a partir da década de 1960, se consolidou como um dos principais centros mundiais de prática do futebol (Paoli, 2007), podendo ser considerado o país onde esta modalidade encontrou seu habitat natural, tendo conquistado milhões de praticantes e torcedores. A aceitação e expansão do futebol no Brasil se deve à diversos fatores como a adoção da modalidade por todas as classes sociais, pela forma com que ela foi absorvida no dia-a-dia da população e como o futebol conseguiu retratar de maneira fidedigna todos os aspectos da sociedade brasileira (DaMatta, 2006). Mas a adoção do futebol pelo brasileiro não se deve apenas à fatores sociológicos e antropológicos, mas também aos resultados obtidos tanto pela seleção quanto pelos clubes, como por exemplo o hexacampeonato mundial, fruto do talento dos jogadores brasileiros que desde os primórdios se destacavam por possuírem uma técnica refinada. Além do fator qualitativo, o fator quantitativo deve ser considerado no sucesso do futebol brasileiro, pois o país sempre teve uma vasta quantidade de jogadores talentosos, não se limitando a inconstantes gerações de bons jogadores, como ocorre com grande parte dos demais países onde o futebol é praticado, sendo o Brasil um verdadeiro celeiro de jogadores. Entretanto, desde a década de 1990, vem sendo notada uma diminuição no número de jogadores talentosos formados no Brasil. Alvito (2006); Carraveta (2006) e Rodrigues (2007) apontam como causas a mudança do estilo de jogo para um modelo onde fatores físicos são privilegiados frente à técnica, aceleração e mercantilização do processo de formação e dos jogadores e a queda da qualidade do processo como um todo. Diante deste cenário, foram desenvolvidas novas formas de incentivar a formação de jogadores, bem como melhorar a qualidade da mesma, tanto no aspecto esportivo quanto no aspecto sócio-educacional dos atletas, visto que o método tradicional objetivava apenas a produção de um jogador de futebol, não de um cidadão. Nesse sentido podemos destacar como a principal medida a criação do Certificado de Clube Formador (CCF). A certificação foi criada pelo governo brasileiro por meio da Lei nº 12.395, de 16 de março de 2011 e objetiva incentivar a formação de novos atletas, em especial futebolistas, além de estabelecer os padrões para tal de forma que a formação seja estruturada e completa para o desenvolvimento não de atletas, mas de cidadãos atletas (Ministério do Esporte, 2011). Com base neste cenário sugiram duas questões que nos levaram a desenvolver o presente artigo: 2

1. Que mudanças foram impostas no processo de formação de jogadores de futebol, principalmente na vertente social, com a criação do Certificado de Clube Formador (CCF)? 2. Como os clubes estão se adaptando a tais mudanças e que trabalho está sendo realizado no aspecto social da formação? De forma a respondermos tais questões o presente estudo tem por objetivo: a) Apresentar e analisar as alterações no processo de formação ocasionadas pela nova legislação; b) Verificar como os clubes estão se adaptando as novas regras; c) Verificação do cumprimento das exigências sociais, educacionais e psicológicas nos clubes certificados.

2. Procedimentos Metodológicos O presente estudo possui uma natureza exploratória e qualitativa, sendo para tal realizado uma interpretação jurídica da Lei 12.395/11, bem como uma revisão da literatura especializada, com destaque para os trabalhos realizados por Azevedo (2011), Campagnone (2009), Morais (2009), Sá Filho (2011) e Souza (2013). Para a realização da análise do impacto da certificação nos clubes, principalmente na formação social e educacional, selecionamos clubes certificados como formadores do interior do estado de São Paulo, visto que este Estado é o centro econômico e futebolístico do Brasil 2 e pelo fato de que os clubes interioranos foram os que mais enfrentaram problemas na formação devido à Lei Pelé. Com base nestes dois critérios chegamos a quatro clubes 3: Botafogo Futebol Clube, de Ribeirão Preto; Desportivo Brasil, de Porto Feliz; Associação Atlética Ponte Preta e Red Bull Brasil, ambos de Campinas. Contudo, optamos por deixar de fora o Desportivo Brasil e o Red Bull pelo fato destes dois clubes terem sido fundados recentemente (2005 e 2007, respectivamente), não sofrendo todos os efeitos causados desde a implantação da Lei Pelé.

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O Estado de São Paulo é o mais populoso do Brasil com 41,6 milhões de habitantes e o mais rico, tendo em 2011 um PIB de 600 milhões de dólares, representando 33% da produção nacional. No futebol, São Paulo possui 105 clubes profissionais registrados e é o estado com mais clubes campeões brasileiros (5) e mais títulos nacionais (28). Os clubes paulistas foram ainda 8 vezes vencedores da Taça Libertadores da América e 8 vezes campeões do mundo de clubes. 3 Ressaltamos que seguimos a classificação utilizada pela Federação Paulista de Futebol e pela imprensa desportiva que não consideram o Santos como do interior, apesar do mesmo estar localizado fora da região metropolitana de São Paulo. Isto justifica-se pelo fato do clube litorâneo ser um dos maiores e mais tradicionais do Brasil e do mundo, sendo oito vezes campeão brasileiro, três da Taça Liberadores da América e duas do mundo.

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Selecionamos assim o Botafogo 4 e a Ponte Preta5, sendo que o primeiro recebeu o CCF em 24 julho de 2013 e o segundo em 20 de agosto do mesmo ano. A análise do processo de certificação e aplicação das novas exigências sociais, educacionais e psicologias nos dois clubes foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, por e-mail, com os responsáveis das seguintes áreas: o gestor da categoria de formação e com os profissionais que compõem o núcleo sócio-educacional que atendem os atletas em formação. O objetivo ao entrevistar os gestores dos clubes foi perceber que adaptações foram necessárias para que os clubes pudessem receber o Certificado de Clube Formador e quais benefícios a certificação gerou, principalmente na parte social da formação. Para tal a entrevista foi dividida em dois blocos temáticos: • Processo de certificação: quando e como a mesma foi realizada, vantagens da certificação para o clube e se houve diminuição no assédio aos jogadores em formação; • Parte social da formação: existência anterior à certificação de um núcleo sócioeducacional, sobre a regulamentação interna para os jovens atletas e sobre as consequências após a certificação e a adoção das exigências educacionais e sociais. Já a entrevista com os membros do núcleo sócio-educacional foi dividida em quatro blocos temáticos: • O núcleo sócio-educacional: quando ele foi criado, como é composto, quantos atletas são assistidos, como é o funcionamento do mesmo, que tipo de orientação é fornecida aos atletas e as consequências da atuação do mesmo; • Educacional: como é realizado o apoio educacional e de que forma ele é feito; • Psicológico: como é a assistência psicológica fornecida e se há acompanhamento durante as competições; • Social: que trabalho é realizado para a socialização dos atletas, como é a relação entre o clube e as famílias e que tipo de orientação é fornecida.

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O Botafogo Futebol Clube foi fundado em 12 de outubro de 1918 na cidade de Ribeirão Preto. Devido à grandes equipes, o clube esteve em evidência no Brasil na década de 70 e início do século XXI. O clube é considerado um celeiro de jogadores, tendo formado nomes como Sócrates, Zé Mário, Raí, Bordon, Cicinho, Doni e Diego Alves. Para mais informações acessar www.botafogosp.com.br. 5 A Associação Atlética Ponte Preta está localizada em Campinas e foi fundada em 11 de agosto de 1900, sendo o clube mais antigo do Brasil em atividade e o primeiro a aceitar jogadores negros. O clube figura entre as principais equipes do país, tendo disputado a primeira divisão do campeonato brasileiro 21 vezes. Com tradição nas categorias de base, revelou nomes como Dicá, Carlos, Oscar, Waldir Peres, Washington e Luís Fabiano. Para mais informações acessar www.pontepreta.com.br.

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Para ampliarmos a análise dos efeitos do Certificado do Clube Formador buscamos a visão de outro player importante da indústria do futebol brasileiro, o empresário de atletas. Consideramos o papel deste profissional importante já que o mesmo é uma figura constante na vida dos atletas, inclusive dos em formação. Procuramos empresários que atuassem com jogadores em formação, que tivessem ligação com os clubes analisados e que tivessem a par das alterações geradas pelo CCF. Apenas um empresário que se encaixava no perfil desejado aceitou participar, sendo o mesmo familiarizado com as categorias de formação, atuando na área há mais de oito anos e no momento da entrevista representava sete atletas dos 14 aos 20 anos. Além de empresário o entrevistado é advogado especialista em direito desportivo, estando assim a par das alterações legais impostas pelo CCF. A entrevista teve como objetivo expor a visão do mesmo com relação às alterações geradas pela certificação no processo de formação, quais resultados ela pode gerar e o papel e a importância do empresário no processo de formação dos atletas.

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Resultados e Discussão

3.1 Certificado de Clube Formador 3.1.1. Contexto Antes de apresentarmos o Certificado de Clube Formador iremos apresentar o contexto anterior à sua criação e a legislação desportiva vigente no Brasil relativa ao futebol e aos atletas. Campagnone (2009) afirma que a Lei 6.354, de 2 de setembro de 1976, também conhecida como Lei do Passe, foi a primeira legislação voltada especificamente para o futebol e para a profissionalização dos atletas dessa modalidade 6. Esta legislação considerava as peculiaridades do futebol e garantia aos atletas profissionais benefícios como assinatura obrigatória do contrato de trabalho, recessos programados e férias remuneradas. Por outro lado, a Lei trouxe prejuízo aos atletas, pois instituiu a figura do “passe”, que funcionava da seguinte maneira: o clube era dono do direito federativo dos atletas com os quais possuía contrato de trabalho, sendo que mesmo após o término do contrato de trabalho o direito federativo continuava de posse do clube. Para que o atleta pudesse transferir-se para outro clube

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A considerar que até então o jogador de futebol era tratado como um empregado comum dos clubes, seguindo as determinações do Decreto-Lei nº 5.452/43 (Consolidação das Leis Trabalhistas). Contudo, devido às peculiaridades do futebol, os atletas não recebiam os mesmos benefícios que os demais trabalhadores. Ver mais em Morais (2009).

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era necessário o pagamento de uma indenização referente à transferência do direito federativo (Campagnone, 2009). O “passe” garantia aos clubes o recebimento por qualquer transação envolvendo seus atletas, protegendo-os e dando poderes sobre seus atletas, tornando a relação de trabalho desequilibrada, de forma que Mendes (cit. por Campagnone, 2009, p.28) considera essa relação uma forma de servidão e até mesmo escravidão, pois caso o clube não liberasse o “passe” do atleta este ficava impedido de firmar contrato com um novo clube. Este modelo vigorou até 1998, quando o Governo Federal promoveu uma série de mudanças legais no desporto visando a modernização, crescimento, transparência e profissionalização (Campagnone, 2009). Para tal, foi criada a Lei 9.615, de 24 de março de 1998, conhecida como Lei Pelé 7. A nova legislação provocou diversas alterações no sistema desportivo brasileiro, principalmente no futebol, sendo possível destacar a criação de novas formas de financiamento, principalmente com apoio público; a aplicação dos direitos do consumir ao desporto; a transformação dos clubes de futebol em empresas e a extinção do sistema de passe no futebol. De todas as alterações, a mais evidente foi o final do passe, pois com o término do mesmo, em março de 2001, os atletas ficaram livres para atuarem por outros clubes após cumprirem os contratos de trabalho, sem que os antigos clubes recebessem pelos direitos federativos, que passaram a pertencer exclusivamente ao atleta. Finalmente, o atleta profissional de futebol conquistava a plena liberdade de trabalho, podendo trocar de clube livremente e de maneira mais simples, pois caso ele tivesse contrato de trabalho vigente bastava o pagamento da multa prevista para transferir-se para outro clube. Se por um lado a lei foi benéfica para os atletas, por outro prejudicou os clubes, pois estes, que não se prepararam para o final do passe, ficaram sem receber nada ao final dos contratos de trabalho, enfraquecendo-se, pois até então o principal patrimônio dos mesmos eram seus jogadores, sendo a principal fonte de renda a venda de atletas (Silva & Campos Filho, 2006). Como afirma Morais (2009), este aspecto da nova lei gerou diversas críticas e posteriores alterações na Lei Pelé 8, para corrigir falhas e tentar proteger novamente os clubes, que não se tornaram clubes-empresas e acabaram por ficar mais fracos ao perder a principal fonte de

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Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, ex-jogador de futebol, considerado o maior jogador de todos os tempos, foi Ministro Extraordinário do desporto do Brasil de 1995 a 1998 e é apontado como o principal responsável pelo fim do “passe” e empresta o seu nome à referida Lei, sendo esta também uma forma de legitimação da mesma no meio futebolístico. 8 A Lei Pelé foi alterada por várias medidas provisórias (como a nº 2.158-35/2001 e a 502/2010), decretos (como o nº 3.659/2000, 4.201/2002 e 5.139/2004) e Leis (com a nº 9.981/2000, 10.672/2003 e 11.118/2005).

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receita, com destaque para os clubes menores e do interior que viviam de formar novos atletas e vendê-los aos grandes clubes, alimentando todo o sistema futebolístico brasileiro (Cruzeiro do Sul, 2014; Silva & Campos Filho, 2006). Os empresários e a sua atuação também foram criticadas, pois os mesmos passaram a atuar de forma mais ativa, aproveitando-se da Lei Pelé e das falhas geradas por ela, promovendo transferências que, segundo os críticos, beneficiavam apenas a si próprios, prejudicando tanto os clubes como os atletas, como afirma Rímoli (2011). O efeito negativo da Lei Pelé foi notado nas categorias de formação dos clubes, enfraquecidas pelo aumento do assédio aos jovens jogadores por parte doutros clubes e empresários, que buscando os melhores passaram a negociar as transferências diretamente com os atletas, sem a participação do clube formador que nada ganhava (Sapienza, 2011). O assédio foi facilitado pelo fato dos clubes já não serem mais “donos” dos atletas e não terem outras formas de “segurar” os jogadores em formação, pois a maioria não possuía contrato de trabalho profissional, que só era permitido à maiores de 16 anos e representava um alto custo para os clubes, pois além dos salários havia os gastos com impostos para manter o profissional registrado, sem a certeza de que o investimento traria retorno. Os clubes menores e do interior foram afetados de forma acentuada, pois estes não possuíam condições de firmar contratos com seus jogadores em formação, perdendo suas revelações para os grandes clubes e empresários, que ofereciam melhores condições, principalmente financeiras, aos atletas que acabavam por trocar de clube facilmente. Sem receber nada em troca, esses clubes ficaram cada vez mais fracos, principalmente na questão financeira. Assim, grande parte dos clubes interioranos entraram em crise e até mesmo fecharam (Edições do Brasil, 2013). Não só os clubes foram prejudicados, mas todo o futebol brasileiro, pois com a formação de novos atletas prejudicada, a oferta de novos talentos diminuiu, bem como a qualidade dos jogadores, já que os clubes diminuíram o investimento na formação devido ao aumento do assédio e a dificuldade em manter os atletas. A Lei Pelé prejudicou o futebol brasileiro em ainda dois outros importantes fatores: com a facilitação das transferência os melhores jogadores passaram a ser mais assediados pelos clubes estrangeiros, notadamente os europeus, que conseguiam contratar os atletas de forma mais fácil e barata (Silva & Campos Filho, 2006); além disso, com o mercado de transferências aberto, os custos com atletas aumentaram, pois para formar boas equipes era necessário um alto investimento em contratações e salários, o que também limitava os investimentos na formação de novos jogadores, além de aumentar o endividamento dos clubes. 7

Ciente desse cenário de crise, os clubes cobraram do governo alterações na Lei Pelé (UOL Esporte, 2008) de forma a valorizar novamente a formação de atletas.

3.1.2. Criação e funcionamento do CCF Fruto das reivindicações, a Lei 12.395, de 16 de março de 2011, alterou a Lei Pelé em diversos pontos (Ministério do Esporte, 2011), sendo parte das mudanças relacionadas com os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016 9. Também podemos destacar como novidades legais a obrigação de seguro de vida para os atletas, o dever das entidades desportivas beneficiadas com recursos públicos de “estar em dia” com as questões fiscais e trabalhistas e alterações na regulamentação dos contratos de trabalho dos atletas profissionais, especialmente dos jogadores de futebol (Ministério do Esporte, 2011). Para atender os clubes sobre a questão da formação de atletas, especialmente no futebol, o governo alterou o artigo 29º da Lei Pelé e criou o artigo 29-A, protegendo os clubes formadores por meio do Certificado de Clube Formador (CCF). Foi estabelecido que a formação corresponde ao período dos 14 aos 20 anos, período no qual o atleta poderá ser considerado aprendiz (Ministério do Esporte, 2011, artigo 29). Como já era previsto, ao completar 16 anos o atleta pode assinar contrato de trabalho profissional. Porém, como a profissionalização não é obrigatória nesta idade, para proteger os atletas, inclusive os menores de 16 anos, e os clubes foi criado o Contrato de Formação Desportiva, que liga o atleta em idade de formação ao clube (Ministério do Esporte, 1998, artigo 29) 10. Desta forma o atleta passa a receber uma bolsa mensal de formação e é possibilitado aos clubes reivindicar, em futuras transferências, a restituição dos valores investidos na formação de cada atleta. Importante salientar que legalmente o Contrato de Formação Desportiva não cria vínculo trabalhista entre o atleta e o clube, liberando este do pagamento dos impostos previstos à um contrato profissional (Azevedo, 2011). Contudo, o contrato de formação só pode ser realizado por clubes que possuam o Certificado de Clube Formador, sendo considerado clube formador a entidade de prática desportiva que (Ministério do Esporte, 1998): 9

Após a escolha do Rio de Janeiro, em 2009, como sede dos Jogos Olímpicos de 2016, o governo brasileiro aumentou consideravelmente o investimento e financiamento das modalidades olímpicas, como forma de assegurar ao país uma participação relevante nos jogos. Parte desses novos incentivos, como programas de auxílio financeiro aos atletas, foram implementados por meio da Lei 12.395. 10 Convém detalhar que no presente trabalho também estamos nos valendo, como referência, da consolidação da Lei Pelé (Lei 9.615/98), na qual as alterações promovidas pela Lei 12.395/11 já estão adicionadas. Para mais detalhes consultar Ministério do Esporte (1998).

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a) Forneça aos atletas programas de treinamento nas categorias de base e complementação educacional; b) Que possua atletas em formação inscritos por ela há pelo menos um ano na entidade de administração regional respectiva (neste caso as Federações estaduais); c) Comprove que os atletas em formação estão inscritos em competições oficiais; d) Garanta assistência médica, odontológica, psicológica e educacional, bem como alimentação, transporte e a convivência familiar; e) Mantenha alojamento e instalações desportivas adequados, principalmente na questão da alimentação, higiene, segurança e salubridade; f) Mantenha corpo de profissionais especializados em formação técnico desportiva; g) Que o tempo diário das atividades de formação não seja superior a quatro horas, devendo ser adequado aos horários escolares ou dos cursos profissionalizantes, além dos clubes serem obrigados a fornecer a matrícula escolar, com exigência de frequência e aproveitamento satisfatórios; h) A formação deve ser gratuita aos atletas com todos os custos arcados pelo clube; i) Os clubes devem comprovar que participam anualmente de competições organizadas por entidades de administração do desporto em pelo menos duas categorias da modalidade na qual eles formem atletas; j) Os clubes devem garantir que os períodos de seleção não coincidam com os horários escolares. Ao olharmos para as exigências podemos notar duas claras preocupações do legislador: a formação desportiva dos atletas com a obrigação deles disputarem competições oficiais e a obrigação do clube em fornecer condições físicas aceitáveis e assistência médica, social, psicológica e educacional de forma a garantir uma formação não restrita à parte desportiva, mas sim que envolva todos os aspectos da vida dos jovens atletas, garantindo um futuro não só desportivo (Sá Filho, 2011). Ao ser certificado, o clube poderá firmar o Contrato de Formação Desportiva que deverá apresentar quatro elementos: identificação das partes e dos representantes legais; duração do contrato; direitos e deveres das partes e especificação dos gastos para o cálculo da indenização dos investimentos realizados na formação (Ministério do Esporte, 2011) . A nova legislação também prevê que o atleta deverá firmar seu primeiro contrato de trabalho profissional exclusivamente com o clube com o qual possua contrato de formação, tendo esse contrato duração máxima de três anos (Ministério do Esporte, 2011).

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Caso o atleta deseje trocar de clube durante a vigência do contrato de formação ou no momento da assinatura do contrato de trabalho profissional o clube formador terá direito a receber indenização de até 200 vezes o valor investido na formação do atleta (Sá Filho, 2011). A entidade formadora também possui preferência na primeira renovação do contrato profissional dos atletas por ela formados e caso isso não ocorra o clube deverá ser indenizado em até 200 vezes o salário mensal oferecido pelo novo clube ao atleta. A Lei 12.395/11 também acrescentou à Lei Pelé o artigo 29-A que prevê o pagamento, aos clubes formadores, de uma taxa compensatória em todas as transferências de atletas nacionais (Ministério do Esporte, 2011). Baseada no “Regulamento sobre o Status e Transferência de Jogadores” da FIFA 11, esta taxa serve como mais uma forma de compensação pela formação e um incentivo à formação de novos atletas (Souza, 2013). Assim, sempre que ocorrer uma transferência entre clubes brasileiros, definitiva ou temporária, 5% do valor pago pelo contratante deverá ser revertido para os clubes que contribuíram para a formação do atleta em questão, sendo feito na seguinte proporção (Ministério do Esporte, 1998, artigo 29-A): a) 1% para cada ano de formação do atleta, dos 14 aos 17 anos de idade; b) 0,5% para cada ano de formação, dos 18 aos 19 anos de idade. Por fim, é determinado que todo o processo de emissão e controle do Certificado de Clube Formador é de responsabilidade da entidade de administração nacional da modalidade (Ministério do Esporte, 1998, artigo 29). No caso do futebol está reponsabilidade, bem como as questões ligadas aos contratos de formação, cabe à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que regulou o assunto por meio de duas resoluções presidenciais publicadas em janeiro de 2012. A resolução do presidente (RDP) 01/2012, de 17 de janeiro de 2012 “estabelece normas, procedimentos, critérios e diretrizes para emissão do Certificado de Clube Formador (CCF) pela CBF” (CBF, 2012a, p. 1). O documento delega às federações estaduais o poder para emitir pareceres sobre a concessão do CCF aos clubes interessados e determina que elas são responsáveis pela fiscalização dos clubes após a certificação, podendo esta ser suspensa a qualquer momento caso 11

O Regulamento sobre o Status e Transferência de Jogadores da Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) prevê dois mecanismos de ressarcimento pela formação de atletas, período considerado entre os 12 e 23 anos. São previstas compensações financeiras aos clubes formadores no momento da assinatura do primeiro contrato profissional e nas posteriores transferências entre clubes de países diferentes. Para saber mais consultar FIFA (2010).

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seja verificado descumprimento das exigências. É autorizado também que as federações acrescentem novas exigências e foram criadas pela CBF duas categorias de certificação (CBF, 2012a, artigo 1): - Categoria “A”: para os clubes que apresentem requisitos comprovadamente acima das exigências mínimas, sendo que para estes a validade máxima do CCF será de dois anos; - Categoria “B”: para os clubes que apresente os requisitos mínimos, que receberão o certificado com validade máxima de um ano. Sá Filho (2011) critica essa divisão em categorias, pois para o autor é possível a utilização política do CCF pelas federações e pela CBF já que não é suficientemente claro quais exigências serão consideradas acima dos requisitos mínimo exigidos pela CBF, que são os seguintes (CBF, 2012a, anexo II): I. Apresentar relação e habilitação dos técnicos e preparadores físicos responsáveis pela orientação e monitoramento dos atletas em formação; II. Comprovação da participação em competições oficiais; III. Apresentar programa de treinamento com responsáveis, objetivos, horários e atividades, de forma compatível com a faixa etária, atividade escolar dos atletas e período de competição; IV. Proporcionar assistência educacional que permita ao atleta frequentar curso em horários compatíveis com as atividades de formação em qualquer nível mediante matricula em estabelecimento de ensino regular ou através de professores contratados, mantendo controle de frequência e o aproveitamento escolar do atleta; V. Proporcionar assistência médica, através de profissional especializado contratado, terceirizado ou mediante convênio com instituições públicas ou privadas de modo a permitir: a) Avaliação prévia realizada por médico especializado em medicina do desporto, cardiologia ou clínica geral e ainda por ortopedista, como forma de prevenção à morte súbita; b) Exames complementares mínimos tais como: hemograma completo, glicemia, teste de afoiçamento de hemácias, parasitológico de fezes, urina (EAS), ECG basal e RX de tórax, assim como outros necessários para diagnóstico do estado de saúde do atleta; c) Calendário de vacinação atualizado e realização de exames periódicos anuais; d) Manter departamento médico dotado de área física e instalações compatíveis e apropriadas, equipado com material e medicamentos para atendimento básico e primeiros socorros, sob a responsabilidade de um médico e contando ainda, nos horários de funcionamento, com auxiliar de enfermagem e médico; e) Manter prontuário médico individual para cada atleta, devidamente atualizado, além do registro diário dos atendimentos; 11

f) Garantir meios para diagnóstico e tratamento de patologias, intercorrências e lesões; g) Dispor de centro de reabilitação, próprio ou conveniado, sob a responsabilidade de profissional habilitado, com o mínimo de material e equipamentos que permitam a recuperação de lesões comuns; h) Propiciar assistência psicológica, por profissional habilitado, que destine pelo menos quatro horas semanais ao clube; i) Dispor de meios que permitam, de forma constante e contínua, proporcionar assistência odontológica, por meios próprios, terceirizados ou conveniados; j) Facultar, sem prejuízo da atividade desportiva, a visita de familiares dos atletas, a qualquer tempo, e proporcionar, às suas expensas, ao final de cada temporada oficial, meios para que o atleta possa viajar à sua cidade de origem, quando for o caso, com o objetivo de conviver com seus familiares; k) Garantir aos atletas em formação residentes no clube, o mínimo de três refeições diárias (desjejum, almoço e jantar), planejadas por nutricionista e servidas no clube ou fora dele, sendo exigível local adequado e em boas condições de higiene e salubridade. Aos atletas em formação não residentes no clube será assegurado lanche em cada período de treinamento; l) Assegurar transporte para treinos e jogos às expensas do clube e realizado pelos meios permitidos; m) Comprovar o pagamento mensal de auxílio financeiro para o atleta em formação sob a forma de bolsa de aprendizagem, livremente pactuada mediante contrato de formação desportiva; n) Apresentar plano de contingência médica que garanta, nos locais de treinamento e jogos, pessoal, material, e equipamentos de primeiros socorros, atendimento imediato e meios para pronto transporte da vítima; o) Comprovar a existência, às expensas do clube, de seguro de acidentes pessoais para os atletas em formação; p) Manter alojamento com área física proporcional ao número de residentes, dotado de ventilação e iluminação natural, em boas condições de habitabilidade, higiene e salubridade, com mobiliário individual, assim como e da mesma forma, banheiros e área de lazer; q) Fornecer aos atletas uniformes de treino e jogo, além de roupa de cama, mesa e banho, material de limpeza e higiene pessoal. Novamente podemos notar a preocupação e as exigências relacionadas às questões educacionais, psicológicas e sociais, de forma a dotar o processo de formação desportiva de meios para ampliar a formação dos atletas. 12

Complementando RDP 01/2012, a CBF emitiu a RPD 02/2012 que estipula o modelo do Contrato de Formação Esportiva estabelecendo os processos de confecção e assinatura, merecendo destaque o fato de que caso o clube tenha seu certificado suspenso ou cassado os contratos de formação ficam nulos automaticamente e os atletas livres para trocarem de clube sem o pagamento da indenização ao clube formador (CBF, 2012b). Também é valido destacar a definição dos critérios para a composição da indenização prevista pela Lei Pelé ao clube formador, sendo considerados os seguintes gastos do processo de formação (CBF, 2012b, anexo I): a. Valor da bolsa de aprendizagem paga aos atletas em formação durante o contrato; b. Custos, despesas e gastos individuais com assistência médica, odontológica, educação e despesas escolares, fisioterapia, passagens e transportes, alimentação e outros; c. Média aritmética dos custos, despesas e gastos coletivos da categoria a que pertença o atleta em itens como comissão técnica, transporte, material esportivo e outros próprios e restritos à respectiva categoria; d. Média aritmética dos custos, despesas e gastos coletivos das diversas categorias formadoras do clube, tais como: alimentação, comissão técnica, departamento médico, transporte, segurança, equipe de cozinha, serviços gerais de manutenção do alojamento e instalações desportivas, pessoal e despesas administrativas, seguros e outros desde que comprovados e vinculados ao processo de formação do referido atleta. Após o levantamento de todos esses itens é obtido o valor investido pelo clube na formação de determinado atleta, valor este que pode ser multiplicado até 200 vezes para a obtenção do valor da indenização (Sá Filho, 2011). Podemos perceber que, apesar de alguns itens ainda serem vagos e necessitarem de uma maior clarificação, a nova legislação atende à demanda dos clubes, pois protege as categorias de base, evitando a perda de atletas durante o processo de formação e garantindo, se isso ocorrer, o pagamento de uma indenização condizente com o valor investindo, além de incentivar a formação de novos atletas por meio da taxa compensatória. Também é nítida a preocupação da legislação com as questões educacionais, sociais e psicológicas, obrigando os clubes a terem núcleos sócio-educacionais de forma a não privilegiar a formação desportiva, mas sim o desenvolvimento de cidadãos conscientes capacitados para terem um futuro não só desportivo.

3.2 Aplicação prática do CCF

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Após a regulamentação do Certificado de Clube Formador por parte da CBF, as federações estaduais iniciaram a certificação dos clubes. A Federação Paulista foi a primeira a avaliar os clubes e emitir as licenças, sendo a Sociedade Esportiva Palmeiras o primeiro clube a obter a certificação, em outubro de 2012 (O Estado de S. Paulo, 2012). Os clubes do estado de São Paulo, principal centro econômico e futebolístico do Brasil 12, foram os que mais rápido se adaptaram às novas exigências, sendo que até o atual momento nove equipes paulistas obtiveram o CCF: Associação Atlética Ponte Preta, Associação Portuguesa de Desportos, Botafogo Futebol Clube, Desportivo Brasil, Grêmio Osasco Audax Esporte Clube, Red Bull Brasil, Santos Futebol Clube, Sport Club Corinthians Paulista e Sociedade Esportiva Palmeiras (Federação Paulista de Futebol, 2013). A seguir apresentamos os resultados das entrevistas realizadas com o gestor da categoria de formação e com os membros dos núcleos sócio-educacionais dos dois clubes analisados, bem como a entrevista com o empresário.

3.2.1. Gestor da categoria de formação Gestores de ambos os clubes responderam às nossas questões, contudo um de forma incompleta, pois no momento da pesquisa o referido clube passava por uma mudança nos cargos de direção, sendo que o gestor que acompanhou o processo de certificação foi “desligado” e o novo gestor não estava a par de todo o processo para poder responder todas as questões. No clube que respondeu todo o inquérito, entrevistamos um diretor ligado à formação, que segundo o informado está ligado à esta parte do clube há mais de seis anos. Segundo o mesmo, as maiores dificuldades do clube para a obtenção do certificado foi a parte burocrática do processo, devido à grande quantidade de documentos exigidos, e a financeira, pois foram necessários investimentos em infraestrutura e na contratação de pessoal, com destaque para treinadores e preparadores físicos capacitados, além da criação do departamento multidisciplinar, que exigiu a contratação de enfermeira, psicóloga, assistente social e pedagoga. Para o entrevistado, a certificação tornou a relação entre clube e atleta mais transparente e segura, além de fortalecer as categorias de formação, que estão mais bem preparadas para formar novos jogadores. 12

O estado de São Paulo é o mais populoso do Brasil com 41,6 milhões de habitantes e o mais rico, tendo em 2011 um PIB de 600 milhões de dólares, representando 33% da produção nacional. No futebol, São Paulo possui 105 clubes profissionais registrados e é o estado com mais clubes campeões brasileiros (5) e mais títulos nacionais (28). Os clubes paulistas foram ainda 8 vezes vencedores da Taça Libertadores da América e 8 vezes campeões do mundo de clubes.

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O arguido ainda ressalta como efeito benéfico o fato do clube possuir atualmente nove atletas originários da sua base na equipe profissional, visto que antes da certificação não havia jogadores formados no clube. Ele julga este fato como muito importante para o clube, tanto na questão técnica como financeira, pois estes jogadores podem gerar receitas ao clube. Também foi informado que o assédio aos jogadores em formação por parte de outros clubes e empresários diminuiu após a certificação, bem como houve redução no número de saídas de atletas sem motivo e um nítido aumento do comprometimento dos mesmos com o clube. Com relação à parte social da formação, o dirigente nos informou que antes da certificação o clube não possuía um núcleo sócio-educacional, sendo o mesmo criado devido às exigências legais. É enfatizado que as consequências da criação do mesmo foram muito positivas, pois tornou a formação mais forte e permitiu a associação da formação do atleta com a do homem. Ainda fomos informados de que o clube possui um regulamente interno para os jovens em formação, contudo o mesmo não foi disponibilizado. Sobre o clube do qual o gestor respondeu parcialmente, fomos informados que o mesmo possuía o CCF e que, no conhecimento dele, não foram necessárias grandes alterações e investimentos para a certificação, pois o clube já cumpria grande parte das exigências, inclusive as da parte social.

3.2.2. Núcleo sócio-educacional Dos dois clubes pesquisados, um não respondeu aos nossos questionamentos. No outro clube fomos atendidos por toda a equipe multidisciplinar, composta de psicóloga, assistente social e pedagoga, que trabalham na formação de clube há dois anos. Com relação ao núcleo sócio-educacional, o clube entrevistado informou que o mesmo foi criado em 2012 devido às exigências do CCF e que ele possui um espaço próprio no centro de treinamento para realizar o atendimento aos atletas, sendo atendidos uma média de 80 jovens jogadores, com acompanhamento frequente. O clube ainda afirmou que o núcleo orienta os jogadores sobre o futuro dos mesmos como atletas profissionais e até mesmo em caso de abandono do desporto por meio de atividades em grupos e que quando um atleta é dispensado é fornecido auxílio com relação à documentação e à matrícula do mesmo em outra escola caso ele seja oriundo de outra cidade. Na visão dos profissionais da equipe multidisciplinar os resultados do trabalho do núcleo sócio-educacional são nítidos, sendo destacada a melhora do rendimento dos jogadores na escola, o maior comprometimento dos mesmos com o clube, a diminuição de conflitos e a 15

melhora da formação, evidenciada pelo aumento de atletas formados pelo clube na equipe profissional. Com relação à parte educacional, a pedagoga inquerida afirmou que os atletas são obrigados a terem o ensino médio completo ou a frequentar a escola para conclui-lo. É exigido que os boletins sejam apresentados à pedagoga que avalia as notas e frequência, que também visita as escolas para acompanhar de perto o desempenho dos atletas. Caso algum apresente rendimento abaixo do esperado é realizada uma orientação pedagógica personalizada, bem como contato com a família do jogador para que ambos trabalhem juntos na solução do problema. O clube ainda fornece suporte fora do horário de aula, com aulas de reforço de português, matemática e inglês, além de disponibilizar uma biblioteca. A pedagoga ainda afirmou que após o início do acompanhamento escolar a evasão diminuiu e o rendimento apresentou melhora significativa. Com relação à parte psicológica, a psicóloga do clube afirmou que os atendimentos são individuais conforme a demanda de cada atleta. Também são realizadas atividades em grupo onde são abordados temas como autoconhecimento, competição e emoções. O clube ainda realiza acompanhamento psicológico antes e durante as competições que os jovens atletas disputam, por meio de atividades em grupo, ações motivacionais e acompanhamento dos treinos e jogos. Sobre a parte social, a assistente social do núcleo sócio-educacional afirmou que o atendimento se inicia quando o atleta chega ao clube, onde procura-se conhecer a vida e a realidade do mesmo. Após este contato inicial é realizado um trabalho diário de socialização dos jovens, por meio de campanhas que estimulam a solidariedade, ações sociais com portadores de deficiência, visitas e orientações sobre temas como preconceito e discriminação. Também são realizadas atividades em grupo nas quais é abordado o trabalho em equipe e relacionamento pessoal, por meio de dinâmicas, discussões e vídeos, além de palestras com profissionais convidados e grupos de reflexão para abordar temas como ética, meio ambiente e sexualidade. Para complementar a formação, os profissionais da equipe multidisciplinar realizam mensalmente atividades de lazer, sociais e culturais fora do horário escolar e de treino, como idas ao clube, teatro, cinema, circo e exposições. Sobre a relação do clube com os familiares dos atletas, os entrevistados consideram que a família é a base da formação de um bom atleta, sendo realizadas visitas domiciliares para conhecer a família dos atletas e a realidade dos mesmos. 16

A relação é próxima dos familiares e o contato é direto, sendo realizadas reuniões esporádicas com os pais, onde são abordados temas para facilitar o relacionamento entre os mesmos e os filhos. Para as famílias que não residem na cidade do clube são realizados contatos telefônicos frequentes e caso a família esteja passando por dificuldades o clube entra em contato com a rede de apoio social da cidade onde a família reside para que a mesma ajude a sanar os problemas. O clube oferece uma bolsa-aprendizagem aos atletas, sendo que parte do valor é utilizado para que os mesmos possam ir visitar os familiares que são de outras cidades.

3.2.3. Empresário de atletas O entrevistado considerou válida a alteração legal que criou a certificação, pois os clubes sempre desejaram gozar dos benefícios de ser um clube formador, mas nunca se preocuparam em garantir condições satisfatórias aos atletas. Com a nova legislação os clubes deverão fornecer estas garantias para poderem usufruir dos benefícios como formadores. Para ele, os clubes têm buscado se adaptar às novas exigências, mas devido à alteração ser recente poucos clubes estão adaptados. O processo está ocorrendo, o que é positivo e a médio e longo prazo os benefícios nas estruturas dos clubes e no processo de formação será nítido e relevante para o futebol brasileiro. O entrevistado afirmou que os clubes tem buscado melhorar as condições “fora do campo”, como a assistência médica, escolar, social e psicológica fornecida aos atletas e que isso, bem como toda a certificação, é benéfico a todos: aos clubes que se enquadram na lei e tem seus direitos como formador garantidos, aos atletas que receberão uma formação melhor e terão seu desempenho desportivo aperfeiçoado e aos empresários que verão seus atletas terem uma melhor formação que os permitirá terem uma carreira promissora beneficiando diretamente seus representantes. O arguido considera que a certificação não alterou diretamente o trabalho dos empresários, mas sim outras alterações promovidas pela Lei 12.395/11 13. Com relação as transferências, o empresário considera que elas serão menos frequentes no período da formação, pois os atletas deverão permanecer mais tempo no clube devido ao Contrato de Formação Desportiva.

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O entrevistado refere-se ao artigo 27-C, que trata dos contratos entre os jogadores de futebol e os empresários, limitando de forma geral a atuação dos empresários, além de expor que os contratos de representação não geram vínculo desportivo e não restringem a liberdade de trabalho dos atletas. Para mais detalhes consultar Ministério do Esporte (1998, artigo 27-C).

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Sobre a parte social, o entrevistado crê que a presença de uma estrutura sócioeducacional trará resultados aos atletas a médio e longo prazo, pois estes serão melhor instruídos, permitindo lidarem de uma maneira melhor com situações adversas, como nas relações interpessoais ou em transferências internacionais. O nosso arguido afirma que o empresário possui um papel fundamental na formação social e educacional, pois na sua visão o clube realiza um trabalho mais genérico, global, sendo que o empresário se dedica de forma individual e específica ao atleta devido ao contato direto com o mesmo. Por fim, ele explica que presta auxílio financeiro, jurídico, contábil, negocial aos atletas com os quais possui contrato, além do aconselhamento em questões familiares e sociais.

4. Conclusões Mesmo com as limitações do presente trabalho e a necessidade de uma amostra maior para chegarmos a conclusões mais amplas sobre o tema no Brasil, considerados que a Lei 12.395/11 e a criação do Certificado de Clube Formador foram benéficas e irão aperfeiçoar o futebol brasileiro, incentivando a formação de novos atletas e dando garantias aos clubes do ressarcimento dos investimentos realizados. A inclusão das exigências sociais e educacionais foi muito importante neste processo, pois as mesmas, como já citado ao longo do trabalho, são fundamentais para que não seja formado apenas um jogador de futebol, mas sim um cidadão completo que possa ter um futuro digno após encerrar a carreira de desportista. Os clubes de futebol brasileiros cada vez mais têm assumido um papel fundamental na formação dos cidadãos, assumindo muitas vezes o papel do Estado e das famílias. Este papel ficou claro nos clubes analisados, pois os trabalhos realizados, apesar de terem sido iniciados devido à legislação, foram assumidos pelos clubes como algo benéfico e que gera bons resultados a todos os envolvidos. Pudemos perceber que o trabalho dos núcleos sócio-educacional está sendo realizado de forma séria e comprometida com a formação dos jovens atletas, de forma a garantir a melhor formação possível. Os empresários, até então considerados vilões, possuem um papel fundamental na formação dos jovens atletas, devendo dedicar especial atenção à formação social dos jogadores, para a formação de homens vitoriosos dentro e fora de campo. Por fim, o futebol no Brasil é muito mais que um simples desporto e divertimento, sendo uma possibilidade real para milhares de jovens terem sucesso e condições melhores de vida. 18

Contudo, para isso é necessário que todos os envolvidos no processo de formação dos jogadores estejam conscientes de que a formação vai muito além dos aspectos técnicos da modalidade, sendo necessária atenção aos aspectos psicológicos, sociais e educacionais para garantir que o Brasil forme não só “craques” dentro dos gramados, mas também cidadãos conscientes e responsáveis.

5. Referências Bibliográficas Alvito, M. (2006). «A parte que te cabe neste latifúndio»: o futebol brasileiro e a globalização. Anál. Social, 179, 451-474. http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S000325732006000200007&lng=pt&nrm=iso Azevedo, K.P. (2011). O trabalho infanto-juvenil: Lei x realidade. Porto Alegre, Brasil. Campagnone, V. G. (2009). Legislação no futebol profissional do Brasil: da Lei do Passe aos agentes FIFA. Campinas, Brasil. Campestrini, G. R. H. (2009). A reponsabilidade social na formação de praticantes para o futebol: análise do processo deformação em clubes brasileiros. Lisboa, Portugal. Carraveta, E. (2006). Modernização da gestão no futebol brasileiro. Porto Alegre: Editora Age. CBF, Confederação Brasileira de Futebol. (2012a). Resolução da Presidência nº. 1. http://www.cbf.com.br/A%20CBF/Presidente/Resolu%C3%A7%C3%B5es%20da%20Presid %C3%AAncia/?page=2 CBF, Confederação Brasileira de Futebol. (2012b). Resolução da Presidência nº. 2. http://www.cbf.com.br/A%20CBF/Presidente/Resolu%C3%A7%C3%B5es%20da%20Presid %C3%AAncia/?page=2 Cruzeiro do Sul. (2014). Lei Pelé prejudica as categorias de base. Cruzeiro do Sul. Retrieved 19 Fev 2014, from http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia/526608/lei-pele-prejudica-ascategorias-de-base DaMatta, R. (2006). A bola corre mais que os homens. Rio de Janeiro: Rocco.

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