CHAPTER 7 - HIV/aids no Brasil: aplicação da metodologia da triangulação para construção da resposta a epidemia

July 13, 2017 | Autor: Ivo Brito | Categoria: Epidemiology, Public Health, HIV/AIDS policy
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HIV/aids no Brasil: aplicação da metodologia da triangulação para construção da resposta a epidemia

Ana Roberta Pati Pascom, Juliana Machado Givisiez, Marcela Rocha de Arruda, Elisabeth Moreira dos Santos, Artur Iuri de Sousa, Thiago Rodrigues de Amorim, Ivo Brito

Resumo: Introdução: Ao longo das duas últimas décadas o Ministério da Saúde (MS) vem reafirmando a necessidade de revisitar o planejamento e a gestão baseada em resultados. O presente estudo tem por objetivo apresentar os resultados do estudo de triangulação e como os resultados foram utilizados para melhoria da resposta brasileira ao HIV/aids. Métodos: Utilizou-se de um estudo de triangulação, cuja abordagem analítica integra várias fontes de dados, sem pretensão de inferir causalidade, para responder a pergunta ‘onde e em quais populações ocorrerão as próximas infecções de HIV no Brasil?’. Casos de aids entre jovens de 15 a 24 anos foram utilizados como proxy da detecção de HIV. Resultados: Entre 1999 e 2009, a epidemia permaneceu predominante masculina no país, com exceção da Região Sul. Em 2009, o risco entre os homens UDI e HSH foi, aproximadamente, 28 vezes e 37 vezes maior, respectivamente, quando comparados aos homens heterossexuais. Observouse maior concentração de casos de aids nos municípios com mais de 500 mil habitantes, apesar do crescimento observado nos municípios menores.

Conclusão: As evidências apontadas pelo estudo apresentado, em especial, de que a epidemia encontra-se crescente entre jovens HSH e concentrada em grandes centros urbanos, levou ao redirecionamento da resposta brasileira que, atualmente, alia a cobertura das ações de promoção e controle para a população geral à focalização de ações em subgrupos mais vulneráveis à infecção.

Palavras-chave: HIV; aids; triangulação; gestão baseada em evidência; HSH; jovens

Introdução Ao longo das duas últimas décadas o Ministério da Saúde (MS) vem reafirmando a necessidade de revisitar o planejamento e a gestão baseada em resultados, tendo como eixos de referência o Plano Plurianual (PPA) e o Plano Nacional de Saúde (PNS). Essa estratégia prevê a participação da sociedade por meio do controle social, da transparência das rotas de priorização e execução de ações, custos e inovação. Como parte dessa iniciativa o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais (DDAHV), nos anos de 2010 e 2011, realizou um estudo para geração de evidências que viabilizasse respostas efetivas para os novos cenários da epidemia de HIV/aids, integrada aos processos de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse estudo utilizou a triangulação aqui compreendida como uma abordagem analítica que integra várias fontes de dados, frequentemente utilizada para melhorar a compreensão de um problema de saúde pública e orientar a tomada de decisão. Além disso, esse método sintetiza as interpretações de vários estudos analisados separadamente construção de cenários. Esse tipo de análise não infere causalidade, mas oferece explicação ou interpretação para os dados disponíveis, normalmente gerados por metodologias diferentes. A tradição na combinação de métodos e de desenhos de pesquisa emerge da abordagem pragmática em promover a integração de metodologias qualitativas e quantitativas em uma mesma investigação, em resposta à contraposição de abordagens qualitativas versus quantitativas, que definiu a

chamada guerra dos paradigmas das décadas de 1970-80 no debate acadêmico (ANKER M. et al, 2003). Baseado na pressuposição de que as diferentes abordagens não são incompatíveis para o estudo de um mesmo objeto, os defensores da utilização de métodos mistos em pesquisa, ressaltam a importância da pergunta de pesquisa como fio condutor de escolhas que devem privilegiar o what works para respondê-la e, não necessariamente, uma afiliação paradigmática. Os métodos mistos têm sido recomendados por meio das abordagens rápidas para várias

investigações

em

saúde,

notadamente

para

aplicação

em

monitoramento e avaliação, que subsidiam a tomada de decisão (ANKER M. et al, 2003). Desse modo, visando subsidiar políticas públicas relacionadas ao HIV/aids no Brasil, bem como a indicar ações prioritárias em HIV/aids que necessitem de reforço de intervenções para o controle da epidemia, o presente capítulo se propôs a apresentar os resultados do estudo de triangulação e como os resultados foram utilizados para melhoria da resposta brasileira ao HIV/aids.

Metodologia A construção das evidências iniciou com a seleção de algumas perguntas por meio de uma oficina realizada no Rio de Janeiro em maio de 2010, que contou com a participação de profissionais, pesquisadores, parceiros e técnicos do DDAHV. Foram pontuadas algumas perguntas chave sobre a epidemia de aids e que seriam essenciais para o planejamento do Departamento, tais como: onde ocorrerão as próximas 1000 infecções de HIV

no Brasil?; qual o número de indivíduos infectados que não conhecem seu status sorológico?; qual a tendência geral da prevalência do HIV no Brasil? o que essa tendência expressa quanto a especificidade das redes de difusão por segmento populacional de maior risco?; qual a detecção do HIV por região, categoria de exposição, sexo, faixa etária e outros subgrupos populacionais?; qual a taxa de transmissão vertical do HIV e da sífilis?; qual o impacto dos programas e recursos de prevenção alocados para responder as tendências da epidemia?; e qual a tendência da mortalidade por aids e sua relação com o a introdução dos antirretrovirais? Sendo assim, para o planejamento estratégico do Departamento, optou-se por responder ‘onde e em quais populações ocorrerão as próximas infecções de HIV no Brasil?’. Foram priorizadas as fontes de dados oficiais do de informações epidemiológicas

e

da

base

de

dados

programáticas,

bem

como

sociodemográficas e pesquisas comportamentais e de soroprevalência do HIV com populações de risco acrescido. Para cada uma das fontes de dados incluídas foram elencados todos os indicadores relacionados à pergunta de triangulação, classificados em biológicos, comportamentais e programáticos e os mesmos foram estratificados por região do país. Procedeu-se revisão de literatura no Pubmed para o período de janeiro de 2000 a junho de 2010, utilizando-se as seguintes palavras-chaves: HIV e Brasil; e, aids e Brasil. Foram incluídos os estudos que continham dados de incidência, de prevalência e de comportamento relacionado ao HIV/aids. A consolidação dos dados dos sistemas de informação e da revisão bibliográfica não foi suficiente para responder à pergunta proposta. Ainda, é

sabido que durante o período do estudo, notificavam-se apenas casos de aids no país. Entretanto, os sistemas de informação disponibilizavam uma série histórica de detecção de aids desde 1980, na qual verificava-se que mais de 95% dos casos em jovens de 15 a 24 anos eram devido à transmissão sexual (BRASIL, 2010). Adicionalmente, resultados de estudos comportamentais brasileiros mostravam que a idade média do início da atividade sexual era entre 15 e 17 anos (BERQUÓ et al., 2008; BRASIL, 2011). Além disso, a prevalência de HIV entre jovens pode ser considerada como uma proxy da detecção de HIV (GUYS et al, 2006). Dado o exposto, a detecção de aids na faixa etária de 15 a 19 anos seria a que mais se aproximaria da detecção de HIV. No entanto, a magnitude de casos de aids nessa faixa etária não permitiram as análises segundo as desagregações necessárias. Assim, neste estudo, utilizou-se, como proxy de detecção de HIV, a detecção de aids na faixa de 15 a 24 anos dos casos identificados até 30 de junho de 2010, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), no Sistema de Controle de Exames Laboratoriais (Siscel), Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (Siclom) e no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Foram construídas quatro hipóteses que orientaram as análises realizadas, a saber: 1) há tendência de crescimento do número de casos de aids entre as mulheres, com diminuição da participação proporcional dos casos masculinos e, concomitantemente, à redução da

razão entre os casos de

homens e mulheres (M:F) (FONSECA; BASTOS, 2007; GRANGEIRO et al., 2010); 2) há aumento do número de casos relacionados à categoria de exposição sexual, sobretudo entre homens e mulheres heterossexuais; 3) há

deslocamento da epidemia para as cidades com menor contingente populacional (do interior), ou então, dos grandes centros urbanos para as áreas rurais (FONSECA; BASTOS, 2007; GRANGEIRO et al., 2010); e 4) há mudanças

na

composição

da

epidemia

para

estratos

sociais

mais

empobrecidos(FONSECA; BASTOS, 2007; GRANGEIRO et al., 2010). Os mapas do estudo foram confeccionados usando o aplicativo Tabwin 3.0. Todas as análises foram feitas utilizando o pacote estatístico SPSS® V18.0. Aplicou-se o teste do Qui-quadrado para detectar diferença de proporções. Reconhece-se que há uma série de limitações associadas ao método de triangulação. Apesar de a seleção das fontes ter sido feita de acordo com critérios de qualidade rigorosos, elas podem sugerir interpretações alternativas e algumas incertezas ainda permanecem. Além disso, as fontes utilizadas têm representatividade diferente, que pode influenciar a interpretação dos resultados. Outro ponto importante, é que como as fontes de dados são independentes, não é possível atribuir causalidade entre os fatores de interesse do estudo.

Resultados Foram identificadas 25 fontes de dados para análise, incluindo sistemas de informações e pesquisas. Além disso, identificou-se, também, 191 estudos, dos quais, excluindo-se as duplicidades, foram selecionados 50 para análise.

No período de 1990 a 2009, observou-se que entre os jovens de 15 a 24 anos, havia predominância de casos de aids entre homens até 1998, quando as taxas de detecção entre mulheres jovens se tornaram superiores e permaneceram assim até 2005, voltando a ser mais altas nos anos subsequentes. Por outro lado, entre os indivíduos maiores de 25 anos, a epidemia permaneceu predominantemente masculina durante todo o período analisado (Gráfico 1). No que se refere às diferenças regionais, o Gráfico 1 mostra que as mesmas tendências observadas no Brasil, ou seja, a predominância masculina entre indivíduos maiores de 25 anos e a inversão e reversão das taxas entre os jovens, são verificadas em todas as regiões brasileiras, com exceção da Região Sul. Nessa região, as taxas de detecção na população jovem feminina permanecem superiores as masculinas a partir de 1998, embora nos últimos anos a diferença entre as taxas por sexo esteja diminuindo.

Gráfico 1. Taxas de detecção de aids (por 100 mil habitantes) entre indivíduos de 15 a 24 anos de idade segundo sexo por ano de diagnóstico. Brasil, 19902009

A análise da razão de sexo (M:F) dos casos de aids entre indivíduos de 15 a 24 anos, no país, mostra que a razão que era de 3,7, em 1990, passou a ser de 0,9, em 2000. No ano de 2008, observa-se novamente predominância masculina, com razão de sexo passando para 1,2. Essa tendência é também observada em todas as regiões brasileiras, com exceção da Região Sul, que manteve a predominância feminina.

Na análise dos casos de aids notificados no Sinan de 1990 a 2009, o gráfico 2 mostra que, no início da década de 1990, havia maior contribuição dos UDI entre homens jovens de 15 a 24 anos. Porém, ao final da década de 1990, observou-se aumento da proporção dos casos em mulheres, de forma acentuada, e dos casos em homens heterossexuais, em detrimento dos homens UDI. A partir de 2004, verificou-se aumento na proporção de HSH, acompanhado de tendência de estabilidade de homens heterossexuais e queda entre homens UDI, e também, diminuição da participação de mulheres. Destaca-se ainda que, a partir de 2006, há aumento proporcional dos casos de aids atribuídos à transmissão vertical entre jovens de 15 a 24 anos, resultado do aumento da expectativa de vida das pessoas vivendo com HIV/aids em decorrência do tratamento antirretroviral (TARV).

Gráfico 2. Distribuição percentual dos casos de aids entre indivíduos de 15 a 24 anos de idade segundo categoria de exposição por ano de diagnóstico. Brasil, 1990-2009

A composição proporcional da transmissão das Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste se refletem no perfil do país, embora na Região Sul ainda se observa uma proporção importante de casos de aids relacionados ao uso de

drogas injetáveis. Por outro lado, nas Regiões Norte e Nordeste a participação proporcional dos casos de aids entre UDI nunca foi expressiva a ponto de se constituir um fator de expansão da epidemia de HIV/aids. Os HSH destacaramse ao longo de toda a série, embora, nos últimos anos, na Região Nordeste, não tenha sido verificado aumento na proporção de HSH. As taxas de detecção de aids de indivíduos 15 a 24 anos, em 1999, foi em torno de 55 vezes maior entre os homens UDI e 34 vezes maior entre os HSH, quando comparados às observadas entre os homens heterossexuais. Em 2009, o risco entre os homens UDI e HSH passou para, aproximadamente, 28 vezes e 37 vezes, respectivamente, quando comparados aos homens heterossexuais. Durante o período analisado, as taxas de detecção entre as mulheres foram aproximadamente duas vezes maior do que a observada entre os homens heterossexuais (Gráfico 3). Gráfico 3. Razão das taxas de detecção de aids entre indivíduos de 15 a 24 anos de idade segundo categoria de exposição por ano de diagnóstico. Brasil, 1999-2009

No que se refere à análise dos casos de aids de indivíduos com idade de 15 a 24 anos segundo o porte populacional do município de residência, a

contribuição proporcional dos municípios com 500 mil habitantes e mais apresentou, de 1993 a 2006, certa estabilidade e, a partir de 2007, observou-se aumento na participação desses municípios no total de casos (Gráfico 4). Os municípios menores apresentaram crescimento persistente na contribuição dos casos até 2006, e, a partir dessa data, uma tendência decrescente. No que se refere à distribuição dos casos de aids por porte populacional segundo região de residência, na mesma faixa etária, a distribuição é similar à observada para o Brasil, com exceção da Região Sul. Essa região apresentou distribuição quase uniforme entre os estratos populacionais dos municípios (Gráfico 4). A análise por sexo mostra que a contribuição proporcional dos casos de aids provenientes de municípios com mais de 500 mil habitantes é maior entre os homens. Estratificando-se os casos de indivíduos do sexo masculino, os municípios maiores apresentam maior proporção de casos entre os HSH quando comparados aos não-HSH. Considerando a análise das taxas de detecção por 100 mil habitantes, segundo ano de diagnóstico, observou-se crescimento mais acentuado nos municípios com menos de 50 mil habitantes do que nos de 500 mil e mais habitantes. Embora os municípios de menor porte tenham apresentado crescimento acentuado nas taxas de detecção, nos de maior porte foi sempre maior do que dos municípios menores. Entre 1980 e 2010, embora 2.799 municípios tenham apresentado pelo menos um caso de aids entre indivíduos de 15 a 24 anos, somente 19 deles concentravam 42% do total de casos identificados nesse período (Figura 1).

Gráfico 4. Casos de aids entre indivíduos de 15 a 24 anos de idade por porte populacional do município. Brasil, 1990-2009

Figura 1. Municípios com casos de aids entre indivíduos de 15 a 24 anos. Brasil, 1980-2010

Analisando os casos de aids de indivíduos com idade de 15 a 24 anos segundo faixas de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) (PNUD, S.d.) entre os anos de 1984 a 2009, observou-se que os municípios com maior IDH apresentaram maior taxa de detecção de aids, quando comparados aos de menor IDH, no entanto, a diferença entre essas taxas vem caindo de forma persistente no período analisado (Tabela 1). Esse mesmo padrão é observado na análise segundo renda mediana per capita, ou seja, quanto maior a renda, maior a taxa de detecção de aids, e a diferença entre essas taxas por classe de renda vem diminuindo com o passar dos anos.

Tabela 1. Tendências temporais das taxas de detecção de aids por 100 mil indivíduos de 15 a 24 anos de idade, segundo recortes populacionais de acordo com níveis de IDH e renda mediana per capita. Brasil, 1984-2009

Considerando a escolaridade do indivíduo no ano do diagnóstico, observa-se que no início da década de 1990, a maior proporção de casos foi observada entre indivíduos que tinham de um a três anos de estudo. Já em meados de década de 2000, verifica-se que proporção dos diagnosticados cresceu entre aqueles com oito a 11 anos de estudo. Observa-se que as tendências nacionais são observadas em todas as regiões, no entanto com menor intensidade na Região Nordeste (Gráfico 5).

Gráfico 5. Casos de aids entre indivíduos de 15 a 24 anos de idade por anos de estudo. Brasil, 1990-2009

Discussão O presente estudo analisou a epidemia de aids, no Brasil, utilizando a metodologia de triangulação, para responder à pergunta “onde e em que populações ocorrerão os próximos casos de HIV no Brasil”. Foram reunidas e sintetizadas informações de diferentes fontes de dados, buscando evidências

para corroborar ou refutar tendências que caracterizaram a epidemia ao longo das últimas décadas. As teorias e os modelos sobre a influência e uso de evidências geradas pelo conhecimento de pesquisas nas políticas e nos serviços de saúde têm sido recentemente divulgados no Brasil (HARTZ et al., 2008; WEISS, 1999). Consensualmente, eles se organizam em torno das três grandes categorias consideradas: a instrumental, a política ou simbólica e a conceitual (WEISS et al., 2005). A primeira diz respeito ao uso direto da pesquisa para a tomada de decisão. A segunda refere-se ao uso das pesquisas, inclusive as avaliativas, para gerar novas agendas, propostas ou modelos de intervenções subsidiando a ação política. O terceiro, uso conceitual ou indireto, corresponde à lógica de difusão e mobilização para a acumulação do conhecimento. Nesse contexto, o estudo de triangulação apresentado tem-se constituído num importante mediador de visões divergentes sobre a diversidade de opções para promoção, prevenção e controle da epidemia HIV/aids no Brasil. Isso porque o mesmo reforça diversidades condicionantes e diferentes experiências da epidemia vivenciadas pela faixa etária de 15 a 24 anos, utilizada aqui como proxy da detecção de HIV. As análises realizadas mostraram que, considerando todos os grupos etários, a epidemia no Brasil sempre foi predominantemente masculina, mesmo com semelhantes proporções de homens e mulheres na população brasileira (IBGE, 2012). Quando se consideram apenas os jovens, nota-se que existiu um período de maior proporção de casos de aids entre as mulheres que, recentemente, se reverteu. Essa reversão acontece ao mesmo tempo em que há um aumento dos casos de aids entre os jovens HSH.

As mesmas tendências do nível nacional foram encontradas em todas as regiões brasileiras, variando em magnitude e no ano em que a reversão acontece, com exceção da Região Sul. Essa diferenciação do Sul em relação às outras regiões pode estar associada à maior cobertura de testagem de HIV durante o pré-natal (SOUZA Jr. et al, 2004) e a persistência do uso de drogas injetáveis (BASTOS F.I. et al., 2002). Outra explicação possível para o padrão encontrado na Região Sul seria que uma proporção dessas mulheres diagnosticadas com aids atualmente, poderiam ter sido parceiras de UDI. Essa hipótese não pode ser investigada pela insuficiência de informações sobre parcerias sexuais nos sistemas disponíveis. Adicionalmente, a interpretação desses dados deve considerar as chances diferenciadas de diagnóstico pelo HIV especialmente na faixa etária considerada. Mulheres jovens utilizam o serviço de saúde com maior frequência (SZWARCWALD et al., 2005). Como exemplo, a proporção de mulheres de 15 a 24 anos que realizaram pelo menos um teste de HIV na vida é de 45,7% comparado a 16,1% na mesma faixa etária entre os homens (BRASIL, 2011). Neste estudo, os dados apresentados apontam ainda para a existência de um aumento proporcional nos casos entre HSH, desde 2004, no Brasil. Vale salientar que o risco relativo da população HSH permanece o mais elevado, mesmo reclassificando todos os casos com categoria de exposição ignorada como heterossexual. O padrão diferenciado observado na Região Nordeste (BRASIL, 2011), pode estar sendo mascarado pelo maior estigma e discriminação em relação à população homossexual observado nessa região.

A tendência de crescimento entre HSH é corroborada, ainda, pelo aumento na taxa de prevalência de HIV entre jovens conscritos HSH (SZWARCWALD C.L. et al., 2011). Além disso, a população de HSH também apresentou taxas de prevalência de HIV aproximadamente duas vezes maior do que a de outros grupos considerados de maior vulnerabilidade (profissionais do sexo e UD) e 13 vezes maior do que os homens em geral (BRASIL, 2010). Apesar desse maior risco à infecção pelo HIV apresentado pela população de HSH, é importante ressaltar o aumento de exposição às situações de risco pela população jovem, em especial do sexo masculino (BRASIL, 2011). Os achados deste estudo mostraram, também, que a epidemia continua se disseminando dos municípios de maior porte para os municípios de pequeno porte. Muitos desses municípios são satélites de cidades polos facilitando as redes de interação entre populações de maior risco. No entanto, as

taxas

de

detecção

nos

municípios

de

maior

porte

continuam

substancialmente maiores, e são nesses municípios que se encontram as maiores proporções de casos de aids entre HSH., exceto em alguns municípios da Região Sul onde as taxas de detecção indicam a existência de redes de difusão entre usuários de drogas injetáveis. Destaca-se também que a contribuição relativa dos casos de aids entre indivíduos de 15 a 24 anos com maior escolaridade é crescente desde 1997. Uma das possíveis explicações para esse aumento poderia estar relacionada ao aumento do grau de escolaridade da população brasileira na última década (PNAD, 1999-2009). Por outro lado, apesar da impossibilidade de estratificação das informações por faixa etária, resultados de pesquisa multicêntrica com

HSH de 18 anos e mais mostraram que a taxa de prevalência de HIV foi maior entre os indivíduos de maior renda e mais escolarizados (KERR, 2009). Na análise ecológica por IDH e renda mediana per capita, observou-se que quanto maior o IDH do município, maior a taxa de detecção de aids, sendo a mesma relação observada para a mediana da renda. Apesar disso, maior crescimento foi observado entre os municípios de menor IDH e de menor renda. Esses resultados devem ser interpretados com cautela por atribuírem os mesmos níveis de IDH e renda a todos os indivíduos residentes naquele município. Essas evidências direcionaram até o momento grandes eixos estratégicos da resposta nacional relacionada à prevenção, como a promoção do sexo seguro, a intensificação da testagem, a distribuição de preservativos e as ações de educação para uma vida sexual saudável. Considerando-se que o conhecimento do status sorológico é importante

para

a

manutenção

de

comportamentos

saudáveis

e

estabelecimento de estratégias de proteção que influenciam na transmissão do HIV (SOUZA Jr. et al., 2007), têm sido implementadas ações de promoção da testagem nos serviços de saúde que ampliem a acessibilidade geográfica e a aceitabilidade do teste de HIV/aids. Destacam-se as ações voltadas para o aumento da cobertura dos testes de HIV e sífilis no pré-natal por meio da integração com a Rede Cegonha e em situações e eventos que agregam populações jovens consideradas em sua diversidade. Vale salientar, entretanto, que ações pontuais voltadas para jovens, são necessárias e relevantes, mas não são suficientes para equacionar a epidemia no Brasil. É preciso fortalecer as ações voltadas para os grupos

populacionais sob maior risco à infecção pelo HIV, uma vez que a epidemia esta concentrada em alguns subgrupos populacionais mais vulneráveis, tais como os HSH, pessoas que usam drogas, mulheres profissionais do sexo e travestis

residentes,

sobretudo,

em

áreas

com

maior

concentração

populacional. Finalmente[JMG-C1], as evidências apontadas pelo estudo apresentado, em especial, de que a epidemia encontra-se crescente entre jovens HSH e concentrada em grandes centros urbanos, levou ao redirecionamento da resposta brasileira que, atualmente, alia a cobertura das ações de promoção e controle para a população geral à focalização de ações em subgrupos mais vulneráveis à infecção. A focalização deve estabelecer medidas de acesso à populações mais vulneráveis às ações de prevenção, de diagnóstico e de promoção à saúde, incluindo a intervenção conjunta e complementar com a sociedade civil organizada. A intensificação, por sua vez, deve ter como estratégia central o emprego da testagem rápida para o diagnóstico, particularmente em ações extramuros, como, por exemplo, testagem volante e oferta do diagnóstico em parceria com organizações da sociedade civil. Já no campo da prevenção, deve incluir a combinação de medidas comportamentais com as estratégias biomédicas com emprego de antirretrovirais, seja pelo início precoce do tratamento antirretroviral ou na profilaxia pós-exposição sexual (PEP sexual).

Limitações Este estudo apresenta algumas limitações: a primeira se relaciona à validade dos processos de coleta dos dados, uma vez que, os mesmos necessariamente não obedecem às regras de coleta de protocolos de pesquisa científica. A segunda, diz respeito à impossibilidade de se estabelecer relações de atribuição, pois nem sempre as evidências são oriundas de desenhos que incluem grupos controles.

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