CHARLIE HEBDO: a repercussão ampliada em memes e hashtags

May 31, 2017 | Autor: L. de Lucena Ito | Categoria: Twitter, Internet memes, Hashtags, Charlie Hebdo, Je suis Charlie
Share Embed


Descrição do Produto

CHARLIE HEBDO: a repercussão ampliada em memes e hashtags1 CHARLIE HEBDO: the repercussion expanded in memes and hashtags Liliane de Lucena Ito2 Resumo: Este artigo é uma análise da repercussão no Twitter entre os dias 7 e 8 de janeiro de 2015 acerca dos ataques ao jornal satírico francês Charlie Hebdo. Foram analisados 280 tuítes escritos em português que continham alguma (ou mais de uma) das seguintes hashtags: #JeSuisCharlie, #JeNeSuisPasCharlie, #EuSouCharlie, #EuNãoSouCharlie e #JeSuisAhmed. Dentre os resultados, estão desdobramentos críticos diante do próprio movimento inicial de apoio (representado pela frase Je Suis Charlie, a primeira a ganhar repercussão mundial) e a transposição memética do espaço virtual para outros espaços de práticas sociais, como a presença do meme impresso levado para manifestações de rua. Concluiu-se que memes e hashtags são elementos-chave de um amplo rol de ações comunicativas exclusivo da internet, apropriadas por seus usuários para mostrar opinião, com consequências que ultrapassam a esfera do virtual. Palavras-Chave: memes. hashtags. Charlie Hebdo. Je Suis Charlie. Twitter Abstract: This article analyses the impact on Twitter between 7 and 8 January 2015 about the attacks on the French satirical newspaper Charlie Hebdo. 280 tweets written in Portuguese and that contained some (or more than one) of the following hashtags were analysed: #JeSuisCharlie, #JeNeSuisPasCharlie, #EuSouCharlie, # EuNãoSouCharlie and #JeSuisAhmed. Among the results are critical developments after the initial support movement (represented by the sentence Je Suis Charlie, the first to reach world level) and memetic transposition from virtual space to other areas of social practices, such as the presence of the printed meme in street events. It was concluded that hashtags and memes are key elements of a list of unique communicative actions of the Internet, appropriated by its users for explicit opinion, with consequences that go beyond the virtual sphere. Keywords: memes. hashtags. Charlie Hebdo. Je Suis Charlie. Twitter

INTRODUÇÃO Os ataques contra a redação do jornal satírico Charlie Hebdo, em 7 de janeiro de 2015, causaram intensa comoção e repercussão em nível mundial. Ao todo, 17 pessoas foram assassinadas por três terroristas que também foram posteriormente mortos pela polícia francesa. Poucas horas após o atentado, teve início nas redes sociais da internet uma série 1

Trabalho apresentado na Divisão Temática Ibercom Comunicação e Cultura Digital do XIV Congresso Internacional IBERCOM, na Universidade de São Paulo, São Paulo, de 29 de março a 02 de abril de 2015. 2 Doutoranda em Comunicação na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp, Bauru, SP). E-mail: [email protected]

de manifestações sobre a tragédia, com interações que vão do simples envio de links ao compartilhamento de opiniões, com a forte presença de memes, charges e hashtags virais. Segundo dados oficiais3 do Twitter, mais de cinco milhões de tuítes foram publicados com a hashtag #JeSuisCharlie. O pico de tuítes se deu às 21h do dia 7, quando, em média, 6.200 tuítes por minuto foram publicados com a hashtag #JeSuisCharlie.

DISCUSSÃO TEÓRICA O Twitter é um dos espaços da internet onde é possível observar com clareza o fenômeno da emergência, termo criado por Johnson (2003), que se refere a um certo tipo de inteligência existente em processos individuais que conduzem a resultados globais. A emergência, que pode ser vista em sistemas que vão do funcionamento cerebral até a organização de cidades, mudou paradigmas na comunicação com a mediação pelo computador. No Twitter, cada post deve ter até 140 caracteres e as publicações tendem, no geral, a ter um tom bastante pessoal devido ao fato de a plataforma funcionar como um microblog. Além disso, a conexão a outros usuários, elemento típico de redes sociais, também existe no Twitter, já que é possível tanto estar em uma lista de seguidores quanto ser seguido por outros usuários. O sistema também possibilita que usuários que não se conectam pelo ato de seguir ou ser seguido comuniquem-se entre si (nas postagens, isso ocorre por meio do caractere @ precedido do nome de usuário, o que automaticamente cria um link para o mesmo, que será notificado sobre a conexão/conversa). Tais características do Twitter possibilitam a formação de redes sociais do tipo emergentes, em que não necessariamente um usuário necessite estar associado a outro ou a um grupo para se comunicar com ele(s).

As redes sociais do tipo emergente são aquelas expressas a partir das interações entre os atores sociais. São redes cujas conexões entre os nós emergem através das trocas sociais realizadas pela interação social e pela conversação através da mediação do computador (...) Essa forma seria caracterizada pela construção do grupo através da interação, por exemplo, nos comentários de um weblog ou fotolog (...) Dizemos que é uma rede emergente porque ela é constantemente construída e reconstruída através das trocas sociais (Recuero, 2009, p. 94-95).

3

Dados extraídos de {http://reverb.guru/view/237925268987254087}. Último acesso em 12/3/3015

Assim, as conexões no Twitter têm como elemento principal as trocas sociais – neste estudo em questão, visualizadas por meio da marcação de tuítes com hashtags, que são palavras ou junção de palavras (sem espaços entre elas) precedidas pelo caractere #. Após sua postagem, a hashtag se torna um link e, se utilizada por um grande número de usuários, pode ser indexada e mostrar as ocorrências de tuítes que contenham a hashtag em uma espécie de feed. As hashtags geralmente resumem um tema e são utilizadas pelos usuários para que seus tuítes sejam facilmente buscados por outros que se interessem pelo mesmo assunto. Desse modo, é uma forma comunicacional com objetivos implícitos de troca social: ser visível em uma rede e fazer parte da mesma. Esse tipo de ação ao mesmo tempo individual e coletiva está ligada à cultura da autonomia, a “matriz cultural básica das sociedades contemporâneas” (CASTELLS, 2013, p. 167). Para Castells, a autonomia é a capacidade de um ator social, segundo seus valores e seus interesses, de se tornar um sujeito atuante, independentemente de instituições sociais. Segundo o autor, essa autonomia é possível, na contemporaneidade, devido à internet, uma vez que esta seria a plataforma de comunicação organizacional que traduz a cultura da liberdade na prática da autonomia. Os sites de redes sociais, por sua vez, são um importante local onde este fenômeno ocorre:

Os SNS (Social Network Sites) são espaços vivos que conectam todas as dimensões da vida das pessoas. Esta é uma tendência importante para a sociedade em geral. Ela transforma a cultura ao induzir ao compartilhamento. Os usuários dos SNS transcendem o tempo e o espaço, mas produzem conteúdo, estabelecem vínculos e conectam práticas. Temos agora um mundo permanentemente em rede em cada dimensão da experiência humana. As pessoas em suas redes evoluem conjuntamente em interações múltiplas e constantes (Castells, 2013, p. 169).

Desta forma, analisar o virtual é também entender sentimentos e ações sociais não-virtuais. Assim, o estudo sobre como se dá a comunicação entre usuários, bem como quais são as características específicas que definem novas formas de comunicação nas redes sociais da internet torna-se essencial quando se quer capturar práticas de uma parte da sociedade. Além das hashtags, outras formas comunicacionais exclusivas de ambientes da internet são os memes e virais. Para explicar a viralização na web, GUADAGNO et al. (2013) utiliza o

conceito de contágio: rápida difusão on-line de informação influente entre pessoas. Virais, oriundos da ideia de vírus, são elementos repassados em larga escala num intervalo curto de tempo. Uma série de elementos pode se tornar viral, como vídeos, frases, imagens, textos, hashtags e memes. Memes bem-sucedidos, altamente populares, geralmente são virais: tornam-se conhecidos e são compartilhados em pouco tempo, como é o caso do meme Je Suis Charlie, mundialmente popular poucas horas após o atentado. Expressões populares como essa, ao mesmo tempo massivas e individuais, incluem-se na chamada autocomunicação de massa, termo cunhado por CASTELLS (2013). Para o autor, o fenômeno é, ao mesmo tempo, comunicação de massa, pois ocorre quando há o processamento de mensagens de muitos para muitos com potencial de atingir múltiplos receptores; e também autocomunicação, uma vez que o remetente decide, de modo autônomo, a sua produção, além de a designação do receptor ser autodirecionada. SHIFMAN (2013), ao abordar memes como informação cultural que é passada de pessoa a pessoa e que cresce gradualmente até atingir a escala de um fenômeno social compartilhado, segue o mesmo direcionamento de Castells ao salientar que memes surgiram e são parte de uma fase contemporânea de formação cultural, bastante influenciada pelo uso e recursos oferecidos por plataformas da internet. “(...) a tão falada era da web 2.0, que é marcada pelas plataformas que facilitam o conteúdo gerado pelo usuário. YouTube, Twitter, Facebook, Wikipedia se baseiam na propagação de conteúdo (...)”4 (SHIFMAN, 2013, p. 365). Reproduzido muitíssimas vezes no virtual, o meme Je Suis Charlie também teve transposições para outros ambientes, como imprensa e manifestações de rua, por exemplo, estas marcadas muitas vezes pelo meme impresso em cartazes que eram vistos em meio à multidão. Segundo os estudos de Guadagno et al., é possível observar características comuns em virais de sucesso que estão relacionadas à grande quantidade de compartilhamentos. Duas delas se enquadram no material extraído dos tuítes analisados neste artigo (memes, charges, textos e hashtags): a geração de reações fortemente afetivas (uma vez que o tema em si, o dos assassinatos brutais, naturalmente levou a reações emotivas) e a validação social, “tendência dos indivíduos de olhar para outros a fim de determinar se um comportamento é normativo ou apropriado” (CIALDINI, 2009 apud 4

Tradução de: “(…) the so-called era of Web 2.0, which is marked by application platforms for facilitating user-generated content. YouTube, Twitter, Facebook, Wikipedia, and other similar applications are based on propagation of content (...)”.

GUADAGNO)5. Assim, a validação social pode ser vista nos tuítes que obtiveram um alto número de retuítes de outros usuários. Ou seja, compartilhar algo de um ator social influente na rede evidencia, além de opiniões semelhantes, uma forma de validar como seu pensamento algo já amplamente aceito socialmente em rede, evidenciado a todos os usuários pelo número de retuítes ou pela influência do ator na rede.

ABORDAGEM METODOLÓGICA Fazem parte do corpus deste trabalho as manifestações em português de usuários do Twitter

com

as

hashtags

#JeSuisCharlie,

#JeNeSuisPasCharlie,

#EuSouCharlie,

#EuNãoSouCharlie e #JeSuisAhmed entre os dias 7 e 8 de janeiro de 2015. A escolha em buscar tuítes nestas datas é intencional: tentar compreender como acontece a comunicação em momentos muito próximos ao fato, a fim de se esboçar características reveladoras de uma primeira impressão dos usuários do Twitter sobre a tragédia. Foram escolhidas duas hashtags em português (1. #EuSouCharlie; 2. #EuNãoSouCharlie) e três em francês (3. #JeSuisCharlie 4.#JeNeSuisPasCharlie e 5. #JeSuisAhmed). As hashtags 1 e 2 foram selecionadas por serem versões traduzidas para o português da hashtag principal (3). A 5 foi buscada em francês por não haver nenhum registro de versão traduzida para o português (#EuSouAhmed) entre os dias selecionados e, no entanto, ser considerada relevante para a compreensão do desdobramento crítico diante da hashtag inicial (#JeSuisCharlie), bem como a hashtag #JeNeSuisPasCharlie (#EuNãoSouCharlie). No caso das hashtags 1, 2, 4 e 5 foram observados e catalogados todos os tuítes. Já 3, com altíssimo número de tuítes mesmo em língua portuguesa, teve que passar por outro recorte, a fim de que fosse possível a análise. Optou-se por utilizar a ferramenta Topsy (topsy.com), que analisa dados de redes sociais e é oficialmente certificada pelo Twitter. Assim, chegou-se aos 100 tuítes mais influentes escritos em português que continham a hashtag #JeSuisCharlie. Ao todo, foram analisados 280 tuítes. É importante lembrar que, a fim de se evitar possíveis distorções nos dados, foram retirados da análise os tuítes repetidos (integralmente idênticos, retuitados pelo mesmo ator em momentos diferentes). Entretanto, foram 5

Tradução de: “Social validation is the tendency for individuals to look to others to see what others are doing to determine if a behavior is normative and appropriate”

contabilizados os retuítes de tais postagens em momentos diferentes (caso existissem e caso fossem distintos da postagem anterior). Foram também excluídos tuítes em outro idioma que não fosse o português. Assim, há, por exemplo, uma diferença no número total de tuítes na catalogação #EuSouCharlie: são 131 tuítes, mas 124 realmente válidos (sete eram repetidos). Foram também contabilizados os usuários únicos, uma vez que um mesmo ator pode ter publicado diversos tuítes nos dias pesquisados. Após observação inicial dos dados que emergiam da busca, definiu-se as classificações de análise: Ator; Conteúdo; Quantidade de retuítes; Teor e Conversação. A seguir, as categorias propostas para cada classificação e o esclarecimento sobre o significado das que podem vir a gerar dúvida (marcadas com asterisco). Tabela 1. Classificação e categorias das buscas de tuítes com as hashtags #EuSouCharlie, #EuNãoSouCharlie, #JeSuisCharlie, #JeNeSuisPasCharlie e #JeSuisAhmed

Conversação

Ator

Conteúdo

Qtde retuíte

Teor *

*

1 - Usuário comum 1 - Texto

1 - Nenhum

1 - Pesar/revolta

1 - Sim

2 - Usuário público * 2 - Texto e citação *

2 - Até 5

2 - Crítica

2 - Não

3 - Empresa

3 - Texto e link *

3 - De 6 a 10

3 - Humor

4 - Órgão do governo

4 - Texto e meme *

4 - De 11 a 15

4 - Político

5- Ong

5 - Texto e vídeo

5 - De 16 a 20

5 - Manifestação de rua

6 - Sindicato

6 - Texto e charge

6 - Mais de 20

6 - Sobre a hashtag em si

7 – Imprensa *

7 - Texto e foto

7 - Informativo

8 - Portal

8 - Apenas citação

8 – Outro

9 - Blog

9 - Citação e meme 10 - Retuíte 11 – Apenas link

Ator Usuário público: figura pública notadamente reconhecida, que circula em meios massivos de comunicação. Dois exemplos deste recorte são Marcelo Tas e Marina Silva. Imprensa: tanto veículos de mídia como profissionais reconhecidos no jornalismo. Nesta pesquisa, são exemplos o site Uol Notícias e a jornalista Giuliana Morrone. Conteúdo

Texto e citação: quando o usuário se apropria de uma frase de outro indivíduo e faz algum comentário sobre ela, como no exemplo abaixo:

Figura 1. Print de tela com exemplo de texto e citação

Texto e link: posts formados por texto e link para sites, memes, imagens, entre outros. Texto e meme: quando o usuário escreve algo e adiciona no próprio post um meme. Teor Pesar/revolta: quando o usuário exprime consternação; reza pelas vítimas. Crítica: são os tuítes em que o usuário propõe um desdobramento crítico do ocorrido. Coloca questões como liberdade de imprensa, democracia, extremismo religioso. O usuário geralmente defende uma postura diante do fato. Humor: a intenção é fazer piada do ocorrido ou da hashtag. Político: são os textos em que há um forte viés político; há termos como direita e esquerda, por exemplo, ou os tuítes fazem referências a governos e/ou partidos políticos. Manifestação de rua: sobre manifestações em ruas de Paris e outras cidades do mundo. Sobre a hashtag em si: o assunto é a própria hashtag, como casos de usuários que pedem explicação sobre seu significado ou fazem esclarecimentos sobre seu conteúdo. Informativo: tuítes cujo objetivo é informar usuários sobre o fato. Outro: aqueles que não se encaixam em quaisquer categorias acima e, entretanto, não apresentam homogeneidade suficiente para compor uma nova categoria. Conversação Esta classificação se refere à propriedade que o Twitter possui de se transformar em um espaço conversacional. Quando se escreve publicamente a alguém, basta inserir o caractere

@ (por exemplo, @lilianeito) na postagem e esta pessoa verá uma notificação. A partir daí podem surgir interações. Nesta pesquisa, quando o usuário que escreve o tuíte “chama” outro para uma conversa por meio do @, foi considerado como “sim” (conversação).

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A primeira constatação é a de que a força da hashtag em seu idioma de origem foi, ao menos no dia e no dia posterior ao atentado, muito maior em relação à hashtag em língua portuguesa. Assim, enquanto #JeSuisCharlie fora ostensivamente utilizada por usuários de língua portuguesa para marcar seus tuítes sobre a tragédia, a versão #EuSouCharlie foi escolhida em apenas 124 tuítes, o que evidencia sua relevância, apesar das barreiras linguísticas. Os tuítes mais retuitados, ou seja, mais compartilhados, também foram aqueles que continham a hashtag em francês. O tuíte com mais alto número de compartilhamentos de todo o corpus foi o do usuário @arthurdapieve, colunista do jornal O Globo, que utilizou a hashtag em francês e obteve 885 retuítes. Dentre o universo de tuítes que utilizaram a hashtag em português, o mais compartilhado foi o do usuário @marcelotas, jornalista e apresentador de tevê, com 96 retuítes6. O tuíte de @marcelotas, inclusive, trouxe além da versão em português, a versão em inglês da hashtag, algo que se repetiu em 32% dos tuítes que contêm a hashtag #EuSouCharlie. A composição de tuítes com várias hashtags, algo comum no microblog, pode ser um indicativo de que a comunicação no Twitter tem como um de seus objetivos o rastreamento dos dados, uma intencionalidade do usuário em fazer parte de um movimento emergente. Nas cinco extrações realizadas, o número de usuários comuns ultrapassou o de usuários públicos, com a maior diferença (89% usuários comuns e 1,9% usuários públicos) na extração de tuítes por meio da hashtag #EuSouCharlie. Na análise dos tuítes com a hashtag #JeSuisCharlie, obteve-se o maior percentual de usuários públicos, 19%, e também o de imprensa, 43%. Isso demonstra que formadores de opinião também optaram por utilizar a hashtag em francês. Entretanto, é válido lembrar que, apesar de nem sempre imprensa e 6

Entretanto, é importante frisar que, com esta comparação, a intenção não é sugerir que possa haver qualquer relação entre o idioma da hashtag e o número de compartilhamentos, uma vez que outros fatores estão envolvidos quando se trata da influência de um ator em uma rede.

usuário público serem necessariamente formadores de opinião, nesta extração especificamente eles ocupam tal lugar, uma vez que esta busca, feita com o auxílio da ferramenta Topsy, filtrou e disponibilizou os 100 tuítes mais relevantes baseados na métrica de quantidade de retuítes. Veículos de imprensa e jornalistas que utilizaram a hashtag na cobertura do atentado no Twitter e em outras redes sociais optaram, em sua grande maioria, pelo idioma francês, o que pode ser observado no teor informativo de 30% dos tuítes na extração #JeSuisCharlie (em contraponto a 1,6% na extração #EuSouCharlie e 8% na extração #JeSuisAhmed). Nenhum tuíte que tenha utilizado a hashtag #EuNãoSouCharlie tinha o teor informativo. Todos eram de crítica, o que evidencia o uso de tal expressão para marcar comunicações essencialmente críticas a respeito da viralização da hashtag #JeSuisCharlie. Apesar das pequenas amostragens de tuítes em português extraídos na busca #EuNãoSouCharlie (quatro no total) e na busca #JeNeSuisPasCharlie (21), é possível notar, já no mesmo dia do atentado, horas após o ataque, uma reação crítica ao compartilhamento massivo da frase e da hashtag #JeSuisCharlie (sendo que 71% dos tuítes foi de teor crítico no caso de #JeNeSuisPasCharlie). Tais usuários demonstravam por meio de tuítes que negavam “ser Charlie” porque, apesar da massiva disseminação da frase, eles não concordavam com a linha editorial do Charlie Hebdo. Com o argumento de que o periódico é preconceituoso e xenofóbico, muitos usuários defendiam ser contra o atentado, entretanto acompanhados da opinião de que as charges publicadas pelo jornal são ofensivas a culturas não etnocêntricas. Essa derivação de hashtags revelou que um universo de usuários do Twitter enxergou outros vieses do atentado e de seu desdobramento na internet. Questões como a xenofobia europeia, o preconceito contra judeus, a necessidade de diferenciação entre extremismo religioso e o islamismo, entre outras, foram expostas por meio de comunicações em rede, muitas delas com a marcação de hashtags específicas, como #JeSuisAhmed, em homenagem ao policial muçulmano Ahmed Merabet, morto na rua, minutos após o ataque à redação do jornal. Com esta frase, fazia-se claro o apoio a islâmicos não extremistas, uma tentativa de mostrar ao mundo que a repercussão deveria levar em conta também as outras vítimas além das que faziam parte do corpo editorial do Charlie Hebdo, bem como frisar que não se deve incluir todos os muçulmanos na categoria de fanáticos e que, inclusive, inocentes da mesma religião são vítimas, diretas e indiretas, de atentados desse tipo. A análise dos tuítes em português com #JeSuisAhmed mostrou que a grande maioria (87,5%)

dos usuários que publicaram a hashtag eram usuários comuns; 70% eram tuítes que continham apenas texto (em sua maioria, reflexões que os próprios usuários faziam sobre o atentado e a ironia por um dos mortos ser muçulmano). Notou-se que os tuítes não tinham a intenção de informar ou repassar charges e/ou memes, mas estritamente expor um sentimento de pesar e reflexão diante da tragédia (46% dos tuítes tinha o teor crítica) ou afirmar o apoio ao policial por meio da hashtag (37% dos tuítes versaram sobre a hashtag). Outros desdobramentos críticos diante do atentado puderam ser vistos na hashtag #VoyageAvecMoi (viaje comigo), em que franceses ofereciam companhia a muçulmanos em transporte público, uma vez que cresceu o sentimento de islamofobia e houve registros de ataques a mesquitas7 em retaliação. Após o assassinato de uma policial francesa por um extremista ligado aos assassinos do massacre de Charlie Hebdo, surgiu também a hashtag #JeSuisPolicier (eu sou policial), seguidas por #JeSuisJuif (eu sou judeu) em apoio às vítimas mortas posteriormente no mercado judaico. De todas as hashtags pesquisadas, os teores predominantes foram os de crítica e os de pesar/revolta, já que naturalmente as pessoas manifestavam sua opinião sobre o ataque. Apenas na busca por #JeSuisCharlie, o teor informativo teve grande destaque (30% informativo; 16% pesar/revolta e 33% crítica), o que certamente está relacionado à filtragem do Topsy por influência dos atores. Ainda sobre o teor, apenas #EuSouCharlie trouxe um resultado de teor humorístico (uma foto do ator Charlie Sheen, que interpretou entre 2003 e 2011 um personagem de humor na minissérie Two And a Half Men, Charlie Harper), o que claramente mostra que não houve interesse por parte da grande maioria dos usuários em fazer rir sobre o assunto. Dos tuítes analisados, foi possível notar uma quase ausência de conversação entre usuários que utilizaram as hashtags pesquisadas (apenas 3% do total de posts), o que pode indicar que, nesta amostragem especificamente, o assunto não fora debatido entre seus usuários, mas muito mais utilizado para expressar consternação ou crítica. E, por se tratar de uma plataforma que é comumente utilizada para divulgação e redirecionamento para outros sites, 31% do total de tuítes são do tipo que contém links (para outros sites). 42% dos posts são do tipo somente texto, em que o usuário escreve sobre o tema e adiciona a hashtag. Tuítes que fazem referência a manifestações de rua (4%), como protestos em homenagem 7

Disponível em: {http://www.jornalnh.com.br/_conteudo/2015/01/noticias/mundo/117689-varios-ataquescontra-mesquitas-sao-registrados-na-franca.html}. Último acesso em 15/3/2015.

às vítimas, aparecem apenas quando adicionados às hashtags #JeSuisCharlie e #EuSouCharlie. Por fim, no geral, duas espécies de material de imagem predominaram nos tuítes analisados (seja de conteúdo exposto diretamente no Twitter ou implícito em um link): o meme #JeSuisCharlie e as charges que homenageavam as vítimas.

Os memes e as charges de #JeSuisCharlie Utilizada inicialmente pela imprensa francesa para mostrar que não apenas o Charlie Hebdo, mas todos os veículos de mídia haviam sofrido um ataque à liberdade de expressão, a frase Je Suis Charlie foi transformada em meme pelo jornalista e diretor de arte da revista francesa Style, Joachim Rocin. Cerca de uma hora após o atentado, Rocin criou o meme em fundo preto com tipografia semelhante à utilizada pelo Charlie Hebdo com as três palavras (Je Suis Charlie) escritas em branco e cinza. A imagem foi retuitada 3.373 vezes, mas esta é a contagem apenas do perfil de Rocin. Tendo em vista que muitos usuários apenas copiam a imagem para reproduzi-las sem retuitar, certamente o número de replicações ultrapassa a contagem dos retuítes de Rocin. A propagação de memes virais está relacionada à autoridade do usuário na rede em questão, o que pode ser aplicado ao caso de Rocin, um diretor de arte influente no meio jornalístico: “são os atores sociais que detém algum tipo de autoridade que podem, através da divulgação de um meme, fazê-lo epidêmico, graças à sua capacidade de influência” (RECUERO, 2009, p. 131).

Figura 2. Print de tela com o tuíte de Joachim Rocin, criador do meme Je Suis Charlie

No corpus analisado, há 38 registros de tuítes (14% do total) que continham o meme em seu formato original ou derivados. A maioria dos memes estão nas buscas feitas com a hashtag #JeSuisCharlie (50%) e #EuSouCharlie (42%), enquanto que nas extrações de dados de #EuNãoSouCharlie e #JeNeSuisPasCharlie não houve nenhum registro de tuíte

em português contendo o meme. Esse dado reforça a definição deste meme em si: mostrar apoio à causa e ao jornal atacado; aqueles usuários que não se sentiram parte do movimento ou até mesmo criticaram a postura ácida do jornal não repassaram o meme.

Figura 3, 4, 5 e 6. Conjunto de memes derivados do meme Je Suis Charlie

Além do meme compartilhado nas redes sociais, a apropriação do mesmo fora do ambiente virtual também aconteceu já no dia e nos dias seguintes ao atentado. Munidos do meme impresso, jornalistas, celebridades e anônimos em manifestações de rua fizeram com que a frase fosse disseminada também fora das redes sociais da internet. Muito próxima à data da tragédia, a cerimônia de premiação do Globo de Ouro também foi palco das manifestações de apoio, seja ao microfone ou no tapete vermelho (onde o meme foi utilizado por atores como ícone do movimento).

Figuras 7 e 8. Imagens que mostram apropriações do meme em outros espaços. Na primeira foto, durante premiação do Globo de Ouro, atores mostram o meme impresso 8. Na segunda foto, redação da TV Gazeta com uma variação do meme (escrito em português) mostrando apoio ao movimento.

8

A foto é meramente ilustrativa, uma reprodução do site g1.com. A imagem não foi utilizada por usuários dentro do recorte desta pesquisa. Entretanto, a foto seguinte (redação da Gazeta) fora extraída dos tuítes analisados.

As charges, talvez pelo fato de o Charlie Hebdo ter sido atacado por conta de suas próprias charges, foram uma outra forma bastante popular de expressão. Produzidas para o momento ou retiradas de outro contexto (mas que conferiam sentido ao que havia acontecido) foram amplamente publicadas. Especialmente no recorte analisado, são 91 charges (alguns links continham até 50 delas – todas foram contabilizadas), sendo sua grande maioria oriunda dos posts da busca #JeSuisCharlie (90%). Nas buscas #JeSuisAhmed e #EuNãoSouCharlie não houve publicação de charges.

CONSIDERAÇÕES A tragédia na França teve uma repercussão ampliada na web por meio de ações virais de usuários de redes sociais no mundo todo. Diversos usuários de língua portuguesa que fizeram algum tipo de menção ao atentado por meio das hashtags pesquisadas usaram ou reformularam memes do movimento Je Suis Charlie. Ainda sobre o conteúdo dos tuítes, foi possível notar uma concordância entre conteúdo/tipo de tuíte e a hashtag utilizada pelos usuários. Assim, enquanto o uso das hashtags #JeSuisCharlie e #EuSouCharlie esteve relacionado a postagens de apoio, citações e homenagens, muitas vezes com links para charges e memes, o uso das hashtags #JeNeSuisPasCharlie, #EuNãoSouCharlie e #JeSuisAhmed era acompanhado de frases reflexivas e críticas, com poucos links, charges e memes. Também foi possível observar, nas hashtags, o início de um movimento de contracorrente dentro das manifestações sobre os ataques. Já na noite do dia 7 de janeiro e no dia 8 havia tuítes que questionavam o tipo de jornalismo feito no Charlie Hebdo, muitas vezes com duras críticas à sua linha editorial satírica. Não presentes neste estudo, hashtags como #VoyageAvecMoi e #JeSuisJuif, entre outras, deram continuidade ao movimento crítico iniciado pelos atores em redes sociais on-line. Aqui, é válido refletir sobre as limitações deste estudo: tanto no que concerne à pesquisa filtrada por hashtags (uma vez que mostra apenas o que uma parte dos usuários falou do tema – levando a crer que um universo de tuítes sem hashtags pode ter ficado de fora) quanto pela diferenciação na busca pela hashtag #JeSuisCharlie em tuítes escritos em português – o que pode ter gerado resultados diferentes das outras quatro extrações de dados, que foram feitas na íntegra.

Entretanto, a ideia não era fazer uma análise mais estrutural da rede social que se formou a partir das menções ao atentado. Assim, as contribuições desse estudo exploratório podem estar no fato de que a intenção fora fazer uma análise atenciosa e qualitativa de hashtags virais específicas como repercussão de um contingente de usuários de língua portuguesa. Quanto ao uso de memes e charges do atentado, pôde-se notar que, assim como as hashtags, estes são elementos-chave de um amplo rol de ações comunicativas exclusivo da internet, amplamente apropriadas por seus usuários para explicitar opinião. Tais manifestações produzem desdobramentos, inclusive não virtuais, como a transposição para manifestações de rua, além de provocar uma espécie de inversão de agenda setting, onde o coletivo de usuários é capaz de se fazer incluir na pauta da imprensa por meio de sua produção presente nos sites de redes sociais. REFERÊNCIAS Castells, M. (2009). Comunicación Y Poder. Tradução de María Hernández. Madrid: Alianza Editorial. Castells, M. (2013). Redes de Indignação e Esperança. Movimentos Sociais na Era da Internet. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar. Guadagno, R. et al. (2013). What makes a video go viral? An analysis of emotional contagion and Internet memes. Computers in Human Behavior, volume 29, p. 2312 a 2319. Disponível em: . Acesso em: 27/4/2014. Johnson, S. (2003). Emergência: A dinâmica em rede em formigas, cérebros, cidades e softwares. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora Jenkins, H. (2008). Cultura da Convergência. Tradução de Susana Alexandria. São Paulo: Aleph. Recuero, R. (2009). Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina. Shifman, L. (2013). Memes in a digital world: reconciling with a conceptual troublemaker. Journal of Computer-Mediated Communication, volume 18. p. 362-377, abril de 2013. Pennsylvania State University. Disponível em: . Acesso em: 21/4/2014.

.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.