Chicos 43 Julho 2015

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Chicos Um dedo de prosa N. 43 Julho 2015 e-zine de literatura e ideias de Cataguases – MG Capa

Cataguases comemora o centenário de sua Ponte Velha. Ela liga as duas barrancas do Rio Pomba; já foi cantada em prosa e verso por seus velhos e novos poetas. Ela é a nossa capa num trabalho do Altamir. Nossas homenagens à velha senhora. Fernando Abritta nos brinda com uma nova fornada de ótimos poemas. Entre os poetas argentinos, quem reaparece por aqui é o Eduardo Dalter. Vocês verão algumas considerações sobre Haroldo de Campos o poeta da transcriação. Eltânia André nos fala em sua crônica, sobre um filme de Jaromil Jires. Filme que acabamos de assistir, dentro de um ciclo do cinema tcheco capitaneado pelo Fernando Cesario. Antônio Jaime enviou um interessante material sobre o Paulo Flexinha que compartilhamos com vocês.

Divirtam-se!

Os Chicos

Editores Emerson Teixeira Cardoso José Antonio Pereira Fotógrafo Vicente Costa Ilustrador Altamir Soares Colaboradores desta edição Antônio Jaime Soares Antônio Perin Eduardo Dalter Eltãnia André Fernando Abritta Flausina Márcia da Silva Fale conosco em: [email protected] Visite-nos em: http://chicoscataletras.blogspot.com/

18.11.1930 - 20.08.2014

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Sumário

FERNANDO ABRITTA Jf _ jF e outros poemas......................................................................................04 FLAUSINA MÁRCIA Dígito F e outro poema .....................................................................................14 ANTÔNIO PERIN Chão da tecelagem..............................................................................................17 EDUARDO DALTER Papeles em la noche ...........................................................................................18 HAROLDO DE CAMPOS Poeta da “transcriação”.....................................................................................23 JOSÉ ANTONIO PEREIRA 23 horas e 3 minutos...........................................................................................24 EMERSON TEIXEIRA CARDOSO O Leitor..............................................................................................................26 ELTÂNIA ANDRÉ Deslumbramentos...............................................................................................28 JOSÉ ANTONIO PEREIRA Devotos do Santa Rita........................................................................................30 ARTUR DA TÁVOLA A morte do locutor...............................................................................................31 ANTÔNIO JAIME SOARES Era uma vez uma voz.........................................................................................32 PAULO MÁRCIO DE MIRANDA Paulo FleXinha.....................................................................................................33

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Chicos 43 Fernando Abritta Nasceu em Cataguases MG, Nativo de Cataguarino, Cataguases– MG, em 1950. Mora em Juiz de Fora. Tem dois livros publicados pela lei Murilo Mendes de Juiz de fora - umÁrvore e O Caso da Menina que Perdeu a Voz, e Uma Verde História pela lei Ascânio Lopes de Cataguases em parceria com Joaquim Branco, um e-book - Relâmpago. E os inéditos MulaSemCabeça e A Árvore do Esquecimento. Outras participações: Grupo 13–RJ(1971); Expoética–RJ(1973); TOTEM(1975 a 1977); Jornal DE FATO(1977); Jornal TABU(1977); Expoética–Natal-RGN(1977); Arte de Rua-Brusque–SC(1978); jornal A República-Natal–RGN(1978); Expoética–80-Cataguases-MG (1980); Cataguases-Cartazes(2014)

Jf_ jF Para Ronaldo Cagiano

Jf passa por pontes no Paraibuna imundo entre prédios comprimidos prendendo portais e portas onde Pedro, o segundo, deveria passar parar pernoitar (preferiu palácio de Procópio, o Mariano). jF atravessa fundos e casas antigas quintas, quintais, varandas perdidas galerias furando quadras quarteirões imensos de extensos dos filhos (herdados do engenheiro velho Halfed). JF corre entre Barão do Rio Branco e Getúlio Vargas no limite da Independência agora Itamar indecência de aperto pressa sacolejo (urbano transporte animal inumano). escorre passa atravessa corre o tempo nenhum cafezal a sustenta nada mais dos tantos escravos negros nem de alemães italianos turcos não mais a laboriosa inglesa nada mais dos muitos operários nunca capital sonhada do velho engenheiro.

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Juiz de Fora espalha por entre morros e vales apertadas ruelas lotadas: gente fazendo gente vida criando o comum c o m u m v i r a n d o o v a l o r. Explode o casulo e cresce negra branca amarela mestiça miscigenada antropofágica desesperada e ga rga lha no mi ss gay.

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C o m o fa ze r u m b o m c a fé :

Te r n a m e d i d a colher das de sopa bem cheia do fino pó negro pra cada xícara de água. (uma das velhas colheres dos cacarecos herdados.) Esperar fogo iniciar pulos da água e bem no início do jogo (picumãs que enfeitavam o teto sumiram.) deitar nessa água numeradas colheradas do pó e da fervura esperar espuma trepar bordas da panela quente. (chamas vermelhas não queimam olhos, nem fumaçam disfarçando lágrimas.) Calma e solenemente verter líquido fervente ao coador e sorver (barulho de cebola fritando na panela de arroz, colher de pau batendo angu, ainda em/canta no ouvido) cheiro odor perfume do café quente esparramando pelo ar da casa que acorda sonolenta. (cheiro do café sempre nos leva(rá) pra casa, Carol, pra alguma delas.)

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Pirilampo

Abra os olhos Feche olhos AbrolhoS A vida é um relâmpago Feche os olhos Abra olhos FecholhoS Relâmpago Pirilampo apagou ralando asa e relando perna risco brilho luz pulou sumiu Relâmpago lumiou escuro longe breu da noite respondeu pirilampagou no céu Som chegou trovão depois rebombando grota após Pirilampo pirilampeou atrás luzindo fresta adentro Chuva descarregou lavando vento Pirilampo apagado restou. Vida é relâmpago.

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VODUM e A Árvore do Esquecimento Talvez não entenda a lenda silenciosa em mim. Luiz Ruffato

– Em mim Oyá abre troncos de baobá, nos galhos oferece folhas ao chá. Em mim baobá, tronco forte no chão, proteção do povo que o envolve. Em mim raízes do baobá viram vermelho sangue negro cruzando oceano, salgando medo. Em meu sangue Oyá, senhora da terra, Naná Nanã Iansã, em meu sangue fala. rei Agonglô visita o mercado, apresenta a Exu sua descendência: ao lado, Adondozam, filho mais velho, seria regente após sua morte, até que Guezo, o herdeiro infante, esteja pronto para subir ao trono.

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– Em mim mergulha Iemanjá, no sangue quente ela nada seus peixes. Velha dona do mar abre mundo em seu ventre e minha boca fala. Filho da jovem esposa Nã Agotimé, Guezo seria rei. Adandozan, filho da outra, teria reinado com fim determinado e isso não satisfez Adandozan, isso não o satisfez, não satisfez Adandozan.

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– Em mim Xangô, em meus olhos gêmeos tem seu duplo, relâmpago e fogo, vento e trovão. Em mim seu machado bate coração e pulsa som do tambor: ecoa e fala. Agonglô morreu, deixou dois reis: Adandozan, violento sanguinário, Guezo, criança, infante. Adandozan assentou-se sobre o seu trono de único tronco, na medida exata de seu traseiro, na altura completa de seu joelho e, de cima dele, lá de cima resolveu. Subiu e não desceria mais, ninguém o tiraria de lá.

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– Oxum em mim escorre como água por olhos, braços, pernas e fala. Mãe protetora, educadora, valente senhora de rios, de correntes águas em minha língua molhada fala. Adandozan fez Nã Agotimé, esposa de Agonglô, mãe do infante herdeiro Guezo, rodar o tronco da árvore, daquela que rouba memórias, árvore do esquecimento, para que rainha não lembrasse ser esposa de herói, mãe de herdeiro, para que esquecesse e fosse esquecida, sumisse no outro lado das águas em terras desconhecidas. Adandozan fez Nã Agotimé, Mãe de Guezo, fez dela escrava de brancos. Em navio negreiro, tumbeiro túmulo, Nã Agotimé foi

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– Em mim Oyá abre troncos de baobá, em mim mergulha Iemanjá, em mim Xangô, Oxum, em mim, em minha língua molhada fala. Árvore do Esquecimento, guardou história. Enquanto Gueso crescia, se fortalecia, passados vinte anos, ele derrubou Adandozan do trono. Adandozan morto, governo findo, Gueso entregou ao branco negreiro o trono que navio tumbeiro levasse embora como oferta ao jovem imperador brasileiro. Em troca, voltassem com Nã Agotimé. E não encontrando a rainha-mãe, Gueso mandou embaixadores vasculharem portos de todas as Américas. Se Nã Agotimé voltou rainha para o Daomé, se no Brasil ficou, ninguém sabe. Quem saberia? Deuses da família real de Agonglô, Adandozan, Guezo, até hoje protegem a Casa das Minas em São Luiz,

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Ferida

Não tinha tempo Já havia um filho E emprego novo E frio barraco de fundos Não havia tempo nem teve espaço pra você, mais um. quando chego forte à terceira idade hoje sinto sua ausência sinto sua falta aqui. Eu que nem sei se você existiu ou seria eu seu pai Ou você seria roubaria mataria iria ser brilhante ela ou pródigo ele. Resumindo, filho, bem fundo sua falta mesmo falsa me fere.

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Chicos 43 Flausina Márcia Nasceu em Cataguases MG, mora em Belo Horizonte, onde trabalhou na Secretaria de Cultura de Minas Gerais. Publicou entre outros: Vagalume (2002), Sua Casa Minha Cruz (2003) e Poemas Declives (2014).

Dígito

F

Faz-me falta, dos filhos, o olhar atento ao próximo passe de mágica da mãe. Foram todos aprendidos. Quero agora olho infante para vê-los desatentos. Mas sabedores ainda, mãe é fera e faisão ela é fábula e falcão. Foca não.

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Au

Letra faz palavra soletra poesia, traz de longe, Lia. Ser celeste Te r r á q u e o Grande Quer minha fala ala-me de permanências, mas não sabe de mim. Fêmea Suspeita Aziaga A mina, tão velha tão morro, tão besta l e m b r a s i l i c o s e e d o r.

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Dentro e fora dela carga sem limite, cegueira aos burros, desastre aos homens. Lias, se eloqüentes, perante indenizações, cobram barras de ouro, no volume dos caixões, pais, filhos, amores, esperanças perdidas. Sirene faz diária puxa fundo, traz de longe, o trabalho. ser celeste terráqueo grande Quer meus sentidos minera em mim o brilho da vida.

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Antônio Perin Baiano, nasceu em Itaobim MG, cresceu nas franjas do Meia Pataca ouvindo sapateiros, costureiras, roceiros, tecelões contarem seus casos e suas histórias de trabalho. Se encantava com folias de reis e embriagados calangueiros em seus desafios pelos becos da infância. Em casa escutava as alucinantes histórias paterna, ouvia a avó negra cantando benditos em latim enquanto costurava, estranhava a emoção materna entre novelas radiofônicas e os afazeres domésticos. Existência -1985 - Manabu Mabe

Chão da tecelagem

Uma luz vaga é refletida pela almotolia, criando nuvens úmidas de óleo e melancolia. E ao fundo escuro, quente, sujo como mundana festa, cruzam fios e rostos ao compasso da férrica orquestra.

Envoltos por medos e silêncios de palavras engolidas entre o pó rostos ocultos pelo estranho véu. Caretas de fome e desesperança, quem sabe sonhem com o céu. Cruzam o ar olhares, balbucias de vagas sugestões... Fundem-se sentimentos místicos E humanas tentações....

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Chicos 43 Eduardo Dalter Nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1947. Em 1971 publicou seu primeiro livro de poesia, tem participado ao longo do tempo, com sua poesia, em importantes publicações em seu país e na América como: revista Crisis (Buenos Aires), a revista Alero (Universidade de Guatemala), Shantih revista (Nova York), a revista National Cultura (Caracas), e da revista Casa de las Américas (Havana), entre outras. Durante os anos da ditadura militar na Argentina viveu no Oriente e na cidade venezuelana de Maracaibo, onde, em 1982, e publicou um de seus livros. Participou de palestras, reuniões e leituras poéticas internacionais, entre outras: o Ginsberg Tribute, no Central Park, em Nova York.

Papeles em la noche

Hay algo que no entiendo, me dije. Una tabla, o un retazo de memoria, q u e d ó e n a l g ú n l u g a r, o bajo tierra. Un viento, a veces, alguna hora, dan indicios de esa pérdida o ese pozo; como si uma raíz extendida hubiera cesado en algún tiempo (y en mí mismo); una raíz arrancada y puesta a secar lejos; lejos de la vida y de las cosas.

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El hombre de bolso al hombro

El hombre de bolso al hombro que va en el estribo, agarrado como puede, y ve pasar las vías velozmente, con sólo abrir su mano llegaría no a la próxima estación sino al otro mundo, el mundo ciego que lo mira, en la mañana temprano, casi noche, y en la tarde. Pero él sigue, y el país sigue, en el férreo estribo de estos años, entre señales y señales, soberbias y soberbias, canciones y canciones, esperando que no llueva ni truene, y en llegar a la estación, aunque con una tristeza que, a fuerza de sola costumbre, ya es casi una alegría que merece un festejo.

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Furgón de carga

En el oscuro furgón de carga, repleto de bicicletas viejas y triciclos, viajan los cansados y los desolados del tren. Hablan a media lengua, en un lunfardo duro, en voz alta, mientras sube un espeso olor a yerba, que comparten. Pero en el fondo, reina el vacío, que el país de estos años inventó. Hay momentos en que crece el silencio, que se hace de piedra en los rostros, mientras las estaciones van pasando, y es como si todos dijeran algo íntimo y muy triste a la vez, que nadie escucha.

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Aire Duro

Dos poemas

Progresos

Bullen los suburbios, se extienden febriles, en maderas, chapas oxidadas y bolsas de consorcio; y así luce el progreso, con perros, con cardos y con zanjas, así como en un mapa vasto de lo que se cuece y lo que talla, entre sol y sol, lágrima y lágrima, que las noches duras abrazan de viejo hedor y de intemperie.

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Postal

Resuena la música desde el galpón de chapas, que luce su cartel iluminado por dos luces mortecinas, en la esquina donde se juntan las dos zanjas, una que llega al espeso riachuelo y la otra que se pierde entre baldíos. Aún no llegó nadie, excepto esos perros que están ahí como esperando a alguien, o que comience el festival bailable, que por aquí, se ve, tiene ese telón de fondo, mientras los colectivos pasan raudos y semivacíos por donde un día, acaso, entrará con su viento el futuro.

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Chicos 43 Haroldo de Campos Nasceu em São Paulo SP, em 19.08.1929 e faleceu em 16.08.2003. Poeta e tradutor “transcriou” em português poemas de autores como Homero, Dante, Mallarmé, Goeth, Mayakovski, além de textos bíblicos, como o Gênesis e o Eclesiastes. Publicou, ainda, numerosos ensaios de teoria literária, entre eles A arte no

Haroldo de Campos, poeta Horizonte doda Provável“transcriação” (1969)

Haroldo de Campos, poeta da “transcriação” O nome de Haroldo de Campos está intimamente relacionado à Poesia Concreta, o movimento literário surgido nos anos 1950, que colocou a poesia brasileira no cenário internacional.

Suas traduções incluem poesia chinesa, japonesa, grega e textos em hebreu. Recentemente, publicou uma nova tradução da Ilíada de Homero, após dez anos de trabalho. A tradução, segundo Haroldo de Campos, é muito mais do que transportar o texto de um idioma para outro. Elementos da estrutura do poema, como o ritmo e as combinações sonoras (rimas, assonâncias, etc), são muitas vezes mais importantes do que a semântica das palavras. Por isso, não basta traduzir o sentido as palavras: é preciso recriar o texto, restituir sua estrutura original em outro idioma. A tradução vira assim uma "transcriação", na concepção de Haroldo de Campos. Leia, por exemplo, esses dois poemas de Brecht, transcriados por Haroldo de Campos:

Mais do que um movimento literário, o concretismo – como é conhecida a Poesia Concreta – foi um processo de renovação artística reunindo também artistas plásticos e músicos. No Brasil, cristalizou-se com a criação do grupo Noigrandes (1952), reunindo, além de Haroldo de Campos, seu irmão Augusto de Campos e poetas como Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald. Nos países de língua alemã, o concretismo está associado aos nomes de Ernst Jandl, Heinz Gappmayr, Gerhard Rühm, ao grupo de Stuttgart em torno de Max Bense, Helmut Heissenbütel e Reinhard Döhl.

Die Maske des Bösen

A palavra, a imagem e o som

An meiner Wand hängt ein japanisches Holzwerk, Maske eines bösen Dämons, bemalt mit Goldlack. Mitfühlend sehe ich die geschwollenen Stirnadern, andeutend: wie anstrengend es ist, böse zu sein.

A revista Invenção, lançada em São Paulo nos anos 60, cristalizou as idéias radicais de toda uma geração: romper com o lirismo sentimental para valorizar a palavra, a imagem e o som. A poesia se aproxima tanto da música, quanto das artes plásticas. O exemplo emblemático é a "música concreta", movimento musical lançado em Paris, no final da década de 40, pelo compositor e teórico francês Pierre Schaeffer. A poesia, no final das contas, está entre a pintura e a música, afirmou Haroldo de Campos. Os poemas concretas ampliam a semântica do texto, valorizam a palavra nas suas dimensões espaciais (distribuição na página), tipográficas (letras e cores) e fonéticas (som). Tudo isso contribui para constituir o sentido. Em 1964, Haroldo de Campos foi a Stuttgart lecionar literatura brasileira contemporânea. Essa estadia estreitou os laços com os poetas e filósofos alemãs. Escreveu, por exemplo, ensaios sobre o poeta alemão Kurt Schwitters (1887-1948), um dos pioneiros da poesia sonora, e sobre Max Bense (1910-1990), filósofo, matemático e semioticista alemão.

A máscara do mal Na minha parede, a máscara de madeira de um demônio maligno, japonesa – ouro e laca. Compassivo, observo as túmidas veias frontais, denunciando o esforço de ser maligno.

Epitaph für Maiakowki Den Haien entrann ich Die Tiger erlegte ich Aufgefressen wurde ich Von den Wanzen.

Epitáfio Escapei aos tigres Nutri os percevejos Fui devorado Pela mediocri dade

A tradução como transcriação A tradução é um dos aspectos mais importantes da obra de Haroldo de Campos. Ele traduziu, grandes nomes da literatura mundial, como Goethe (do alemão), Ezra Pound, James Joyce (do inglês), Maiakovski (do russo), Mallarmé (do francês), Dante (do italiano) e Octavio Paz (do espanhol). 23

Chicos 43

José Antonio Pereira Nasceu em Cataguases MG, é coautor de A casa da Rua Alferes e outras crônicas (2006) e Fantasias de Meia Pataca (2013).

22 horas e 3 minutos

Desde aquele dia e já se passaram vários anos; o tempo, essa variável que mentirosamente acreditava saneadora. Estava ali na sua mente. Aquele noite. Noite que nunca o abandonava, s e m p r e a l i , d e n t r o d a c a b e ç a . To d o s , os algozes, os perdulários no mal fazer, os traidores, os escassos de caráter, já se esqueceram. Amigos até aquele dia, afastaram-se, lentamente o foram esquecendo. A solitária vida inútil percorrera toda linha do tempo, de lá até aqui. Uma reta descrevendo uma cur va embar rigada pelo alongamento de tantos vazios. Ainda sentia, quando se conjugavam noite quente, alta umidade do ar, céu sem lua, o maldito silêncio sonolento da cidade com aquela hora (vinte duas e três). Ficava iner te, tremulo, como se possuído por um estranho frio que var ria sua alma. Não sabia o que fazer, sempre os olhos procuravam naquele exato instante um amparo, mas acabavam sempre encontrando um relógio, estivesse onde estivesse, não tinha jeito. Eram números arábicos, romanos e os malditos ponteiros cravados no vinte dois e três. Os digitais eram como sádicos tor turadores, piscavam em vários tons de doloridos vermelhos ou sofridos amarelos (vinte duas e três... vinte

duas e três...) Aqui, neste agora, vinte duas horas e três minutos, exatos sete anos. Dois tiros rápidos, rompem o silêncio da noite. Dois buracos no lado esquerdo do peito e o jorro vermelho pulsando do peito, ver melhamente explode a d or. Um g ri to at rave ss a a praç a. Do nada a praça enche-se de curiosos. Outro grito, agora sufocado pela dor do moribundo, assusta a turba. Aterrorizados, em seus sustos amarelos, medrosos correm em todas direções. No caos da angústia e curiosidade, uma ordem coordena todos os movimentos e os sincronizam evitando que todos se atropelem. Uma subsequente onda sonora se propaga noutra frequência. Canuto suicidou-se! Canuto Rossi suicidou-se! Lentamente, com o prazer necrófilo dos abutres, começam a se reaproximar, um... dois... três, param, olham e entreolham, fecham um triângulo, rapidamente forma-se um círculo de vinte e dois em torno do triangulo, imediatamente todos os transeuntes fecham-se na mais completa desordem em torno do círculo. O silêncio estabelecido após os disparos é quebrado pelo bater de bocas dos novos abutres. Na ausência de asas, batem línguas.

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A morte, num clima de ficção cientifica, movimenta-se, utilizando retrofoguetes silenciosos, blindados por um escudo invisível. Ela também moder nizou-se e tem suas vaidades. Abandonou a já desgastada fantasia de velha da foice, hoje, como vanguardista reciclada, se apresenta como uma drag queen. Muito puta com Canuto Rossi, posto que ele atrasou-se por sete anos à sua agenda; fazendo-a abandonar uma gloriosa noite em que era favorita num concurso de travestis num baile da realeza decadente no principado do viúvo da Grace Kell y. Drag queen enor me, tipo pivô de basquete, tentando ser delicado. O processo de universalização da violência tor nara a atividade da Morte um ofício enfadonho, ao se aproximar de alguém para cumprir o ritual da passagem do estado vivo para o eter no estado morto, não assustava mais ninguém. Sentia que perdera a credibilidade, todos já vivem em tot al t e r r or. Abrindo caminho na praça, surgem truculentos policiais. Enraivecidos por terem de abandonar uma operação achaque a alguns traficantes que ajudaram a tomar um ponto de venda, num bairro periférico. Aos gritos e empurrões afastam os curiosos. Nas transações do submundo o acordado é apenas uma referência ou ponto de partida para a negociação. Quem achaca, sempre quer receber mais, o achacado quer pagar menos. Sabem, que perderam toda a negociação. O chefe do morro, esper tamente vai sumir por um bom tempo. Um dos policiais, nem bem chegara, reporta-se via rádio à delegacia e infor ma: — Indivíduo encontrado baleado. Cambio! Em princípio, duas hipóteses: assassinato ou suicídio. Câmbio! Se assassinato, o autor evadiu-se do local. Se suicídio, só a p e rí c ia pode rá c on st at ar. Câmb i o. Desligo! A morte põe-se a rir do policial pela falta de faro profissional. Quanta incompetência...

O Canuto é a sete anos um suicida natural. Naquela noite em que a mulher o abandonou pelas mãos de um va gabundo esper to. Foi, em seguida, demitido do emprego pela vilania de um puxa saco. Perdera tudo, dignidade, casa, amigos; até os inimigos há tempos esperavam tal desfecho. Os policiais rabecam o corpo. Os abutres se dispersam. A mor te ainda resmungava por ter esquecido daquele idiota, por tanto tempo. Consulta seus superiores, indagando o que fazer com aquele espírito esquálido, frouxo e vazio. Recebendo contrariada a ordem, parte para um chiqueiro miserável da periferia. Procura um porco magro qualquer para cravar-lhe a alma de Canuto.

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Chicos 43 Emerson Teixeira Cardoso Nasceu em Cataguases MG, é autor de Símiles (2001) poesia, coautor de A casa da Rua Alferes e outras crônicas (2006). Traduziu O retorno do nativo de Thomas Herdy. Sempre ativo em publicações literárias. Iniciou-se em Estilete (1967), mimeografado, editor/fundador do Delirium Tremens (1983) e Trem Azul (1997).

O leitor

Lia de tudo que dispunha visitando inúmeras bibliotecas. Numa leu vinte mil léguas submarinas, noutra passou lendo cinco semanas num balão. Tinha um projeto arrojado e secreto: ler dentro de um balão de oxigênio. Assim leu letras de câmbio sem entender bulhufas: resolveu intrincados jogos de palavras cruzadas. Empreendeu perigosas expedições de caça-palavras num safári que imaginou. Lia também inscrições, hieróglifos, diante de câmaras de tevê. Lia até debaixo d’água imitando Houdine realizando escapadas miraculosas. Sempre lendo Se parasse... mil e uma noites lendo - projeto de Sherazade ao contrário – lia também legendas de cinema imitando Mr. Arnaldo em imaginário do cartunista Douné para Sesaugatac, enfim: lia. O que não podia era parar de ler. Lia traduções canhestras do grego extraídas sem anestesia de um dicionário providencialmente encontrado pois ilimitada era sua capacidade de ler: bulas complicadas em letras minúsculas; munido de lupa; placas indicadoras de mil itinerários; convites não a si endereçados eram sumariamente violados tamanha era sua fome de ler. Cartões comerciais e sociais, comunicados de empresas e fúnebres; resultados arranjados em concursos (leiteiros, literários, de beleza) em meados de julho; letras grandes e pequenas de exames de vistas para choferes de meia idade.

Pintura de Patrice Murciano

Movimentou os olhos da esquerda pra direita, estava efetivamente lendo. Não estava preparado para aquele arrastão de palavras. Palavra puxa palavra e era ele que estava sendo puxado. SORRIA, VOCÊ ESTÁ LENDO! Nada mais o impedia de ler, então lia. Lia indisfarçáveis intenções malignas estampadas em rostos de prováveis crápulas; bolas de cristal antigonas encontradas (onde?) Pensamentos na vida formulados, (como?), jornais sensacionalistas anunciando previsões terríveis (para quando?) Não convinha parar de ler, isto sabia, ou pelo menos intuía: devo ler.

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Títulos de fabulosos cartoons exibidos nos tempos heroicos da Tevê Tupi no Sumaré; teve uma boa indigestão depois de lauto jantar e quase morreu disso. Não havia limites para a sua compulsão de ler. Lia nas linhas ferroviárias, nas entrelinhas e nas estrelas códigos poéticos só compreensíveis por iniciados nos meandros da arte ou por loucos capacitados ou de carteirinha. Nas bolas de cristais e nos sinais que ainda existem deixados há milênio nas cavernas pelos nossos ancestrais desde a préhistória. Anúncios de creme dental Kolynos. “O creme dental da gente dinâmica” Você será outro homem transformado milagrosamente pelo poder da leitura. Renuncie unilateralmente do modelo de homem que você é e comece, agora mesmo a mudar lendo pelo velho método das tentativas. Imagine quantas oportunidades você já perdeu por não ter lido o seu horóscopo os jornais caducos daquela sua barbearia. Lembre-se daquela oportunidade de emprego que você perdeu por não ter lido o resumo completo da novela das oito no jornal de notícias do povo na mesma barbearia. Se era pra ler, leria tudo. Ninguém o acompanharia na sua aventura de ler. Assim seguia lendo, tudo lendo, caso raro de obsessão pela palavra: panfletos, fachadas de prédios teoricamente inatingíveis por toda qualidade de homens-aranhas cuja decodificação exigia esforço nunca desistia. Sonhava adquirir acervos incalculáveis pertencentes a bibliógrafos notáveis (um deles à porta da morte) contatos já feitos com herdeiros. Muita leitura por nada se não lesse também atas de reuniões extraordinárias de ligas camponesas e esportivas de qualquer cidade desse país. Lia romances loucos em letra cursiva inaugurando vanguardas literárias de espírito futurista. Só ler valia. Artigos, notas, comunicados, testes, antíteses, dissertações de mestrado, mensagens, tele mensagens redigidas para qualquer fim; recibos, senhas estrategicamente distribuídas para atendimentos bancários, ambulatoriais; fichas garantindo matrículas em programas do governo; campanhas antitabagistas utilizando técni-

cas terroristas de persuasão. Ver Paris e morrer, não, ler em Paris, Crato, Sevilha, Nova Iguaçu, Conceição do Serro, Tebas de Leopoldina, Mar de Espanha. Queria ter uma congestão de palavras. Leu Dickens e sofreu horrores; apaixonou-se por romances de Lawrance; “vai ragazzo innamoratto” dizia para si mesmo. Leu em casa de portas fechadas; na rua desviando-se de circunstantes, no caixa de um banco onde trabalhava e errou no troco. Deu a volta ao mundo lendo oitenta dias no balão de Filleas Fogg. Estabeleceu para si um piso mínimo de trezentas páginas diárias de leitura. Empreendeu jornadas de submarino, procurando o que? Mais e mais livros. Livros jamais lidos afundados em possíveis naufrágios. Coleções imaginárias de gibis irremediavelmente perdidas no tempo, mas reencontradas num meeting de aficionados ainda existentes, mas decrépitos. Teve certeza de que todos esses esforços só se convergiam para a leitura. Tudo posso naquilo que leio, pensou apropriando-se de conceitos sacratíssimos sem nenhum pudor. Receava ainda esmorecer sem levar a termo sua grande cruzada de leitura. Quem sabe iria para o Guiness Book que provavelmente leria também devorador autofágico. Depois imitando Penélope leu tudo ao contrário. Movimentou os olhos da direita pra esquerda.

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Eltânia André Nasceu em Cataguases MG, reside em São Paulo SP. Autora dos livros de contos Meu nome agora é Jaque (contos, Ed. Rona, BH, 2007) e Manhãs Adiadas (Prêmio ProAC da Sec. de Cultura de SP 2011, Dobra Editora, SP, 2012).

Deslumbramentos

sem barreiras e agora me parece estraAssisti ao filme “Valerie e sua semana

de

deslumbramentos ”,

nho recordar-me dessa fase, tão distan-

película

te, tão esquecida.

tcheca de 1970, que aborda a passagem

A beleza das cenas, a suavidade com

da infância para a adolescência. Femi-

que a inocência é abordada, a ameaça

nino. Delicado. A primeira menstruação

dos seres que vampirizam a jovialidade

é retratada poeticamente em toda a tra-

de Valerie, tudo me sensibilizou e trou-

ma. Numa cena, pingos de sangue dei-

xe à tona a carga do afeto.

tam-se sobre as margaridas que deco-

Como em flashbacks, as sensações e as

ram o caminho. A semana de deslum-

lembranças vêm e vão num movimento

bramentos. Trajetória mítica desse rito

intermitente e obscuro. O rosto de me-

de passagem pelo corredor do tempo.

nina na fotografia estreita -me e eu não

Mergulhei profundamente no universo

sei o que lhe dizer de nós. Falta uma is-

surrealista de Jaromil Jires.

ca, como uma música ou o gosto da bala

Também

usava

o

cabelo

com

franjas

de hortelã para trilhar a memória. Se

quando eu era Valerie. Também o fres-

tento reter um momento da minha ado-

cor da pele e o anseio na alma. Não per-

lescência em sua completude, me é im-

cebia o mundo em sua trama encharca-

possível, assim como o processo onírico

da de sedução, ameaça e volúpia, mas

que não se revela com nitidez. Talvez o

de alguma maneira já pressentia guer-

retorno

ras. Em minhas mãos a fotografia dos

cheiro como o bolo da mãe assando no

meus treze anos, e posso intuir em meu

forno; ou novamente o medo da escuri-

rosto de antes a expressão de desejo e

dão, que aproximassem as duas mulhe-

espanto, através da luz dos olhos, o mo-

res: aquela de treze anos e a de agora.

do como o corpo posa. O tempo correu

Impossível.

28

ao

toque,

a

um

sabor,

a

um

Chicos 43

Deixo minha antiga imagem sobre

não nos percebemos sendo, trans-

a mesa.

formando, sendo, transformando,

Mesmo assim, o filme retoma em

sendo.

mim fragmentos dessa época tão

Que

remota, vêm-me involuntária e ti-

tchecas,

midamente com a sensação de es-

outras? É arriscado questionar o

tranhamento. De detalhes já nem

que quer a mulher, afirma a psi-

me lembro. Como lidei com aque-

canálise. A ditadura cultural po-

le sangue pontual que agora ame-

de

aça ir-se? O passado com a caixa

chismo),

transbordando. Resisto, mas ven-

do

cida. Por que sinto que os núme-

TPM’s, seios, clitóris, músculos e

ros são impostores? Não acredito

curvas; a metáfora de ser mulher

nas

para além do físico; são sussur-

datas,

nos

registros.

Sinto-

liames

se

unem

libanesas,

chocar mas

corpo



(sem o

ter

as

mulheres

brasileiras

falar

do

e

ma-

reconhecimento útero,

cólicas

e

me ainda por descobrir o mundo.

ros que se espalham e chegam a

Nesse impasse

penso

outros

filme

assisti

a

que

pos: Caramelo.

em há

Produçã o

outro de

desafiante e belo (sim, penso em

co

quer

enfrenta mento

o

com

medo a

do

chegada

Uma

delas

envelhecida

meno-

pausa. Para ela deixar de menstruar é deixar de ser jovem. Menopausa: outra transição que as mulheres enfrentam (com menos poesia), evocando outros fantasmas que apontam rugas e despedidas. O vulto da morte rondando os amigos e retirando pessoas do convívio. A tentativa de vangloriar a experiência adquirida ganha o discurso. Não tenho mais o corte jovial dos cabelos, e o branco tinge os fios. Novamente fito a garota da fotografia, ela encara-me, de mim para

mim.

Olhamo-nos,

mas

Ser

mulher ressoa algo intraduzível, beleza

árabes.

femininos.

tem-

2007, que conta a história de cinmulheres

ouvidos

tenho

dúvidas, se dentro da mulher ainda existe o espectro de Valerie. O eterno acordar para o mundo. Viver. A mecânica que gira a engrenagem é compulsória e atrevida; gira nossa vida, gira nossa história... a criança, a adolescente, a mulher, a mulher e o temor da velhice. Por fim: a velhice e o ser mulher durante a velhice. Somos então, separados por fases? Não creio, mas o viver é tão sutil que

29

quando das

existo)

etapas

do

em

qual-

desenvolvi-

mento. Fica o convite: deslumbremo-nos.

Chicos 43 José Antonio Pereira Nasceu em Cataguases MG, é coautor de A casa da Rua Alferes e outras crônicas (2006) e Fantasias de Meia Pataca (2013).

Devotos do Santa Rita P a s sa n d o p e la P ra ça da Pa dr o e i ra , p a re i na es q u i na d o Pa ço . M e de i c o nt a d e q u e a s p o rt a s do S a nt a R i t a e s t a v a m b a i x a d a s . Fe c ho u - se m a i s u m do s b a r es p o r o n de p er eg r ine i , co n he c i n o v o s a m ig o s e so l i d i f iq u e i v e l ha s a m iz a d e s. Há m u it o t em p o f ic a m o s ó r fã o s da Sa n t a H e l ena , a i l ha e se u s im p á t ico co n v e nt i l ho ; a t er ra ra m t u do . A g o ra é o Sa nt a R it a q u e d e sa p a r ec e . A l ém d e a b a l a r no s sa sa cro - p ro fa na f é, t o do s o s no s so s lo c a is d e fa rra s t êm no m e s d e sa nt o s . N o ss o s n ie t z sc hi a no s p o nt o s d e f u g a s e co m u ng a m no s m e sm o s e s p a ço s f í s i co s. L em b ra m do b a r d o Pa u lo ? V iro u i g r ej a . É a m em ó r ia d e m u it o s b i r it e i ro s v ira n do p o e i ra a o v en t o . Es t o u co m o A nt ô n io J a im e, o j e it o é m ig r a r lá p ra V i la , o n d e o D ep o s it o d e Pã o N o s sa Se n h o ra do R o sá r io r e s i st e b r a v a m en t e. Do i s ep i só d io s r ec e nt e s co n e ct a ra m m eu s n eu rô n io s a o b o t ec o do G a lb a . O p r im e i ro fo i em f ev er e i ro . C h eg u e i lá p a ra u m a ce rv ej a m a t u t i na , re c eb i o s c u m p r im e nt o s, p e lo m eu a n iv er sá r io , de C a r lo s S é rg io e s eu s f i é i s ca v a lh e ir o s d e t á v o la q u e p o r lá j á s e e nco nt ra v a m . Na o ca s iã o , e l e r ec eb i a u m g ru p o d e b e la s j o v e n s c ice ro n ea da s p e la f i l ha do no s so i nt r é p i d o a t o r a u t o r. A ca b e i v i ra nd o a t a r d e p o r lá , co m o To q u in ho o P e q u e no e a A l d a He l e na nu m a p ro sa b e m - hu m o ra da . B eb i p o u co , o m e u p e d ia t ra d e a do l e sc en t e s da t e r ce i r a i da de r ec o m en d a c er v e j a s em á lco o l o u l ig ht , co m o nã o t i nh a n en hu m a da s d u a s. . . M e d i v e rt i m u i t o . O o u t ro m o m en t o fo i a o re m e x er u m a s fo t o g ra f ia s a nt i g a s, d e i d e ca ra co m u m a na m e sa do S a n t a R it a . A co m p a n ha do do a m ig o Pa u lo N a sc im ent o , co m p a nh e ir o d e so fr i d o s p la n t õ e s n o ha n g a r d a VA R I G – a nt ig o c a b i d e d e r ef o rm a do s da A er o ná u t i ca - lá n o G a l e ã o . E la nã o só ex i st ia co m o a c a b a ra d e i nc o rp o ra r a C ru z e ir o do S u l. S e nt e i - m e na q u e l e b a n co em f r en t e a o q u io sq u e d e so rv et e s e v ia j e i n o t e m p o . L á a t rá s, ha v ia m d o i s b a r e s g er m ina do s q u e d e m o c ra t i ca m en t e no s a t e nd i a ; n a e s q u in a p ro p r ia m e nt e d it a , f i ca v a o B ra sã o e d e “ p a r e de e m e ia ” o S a n t a R it a , na o ca s iã o p i lo t a d o p o r u m do s R o m a nh o l. N u m a ce rt a no it e no B ra sã o , b a r ch e io , g ent e s en t a d a em m e sa s na r u a , d eb r u ça do no b a lc ã o co m a lg u n s a m i g o s d eb u lhá v a m o s u m p a p o , c he g a o Hu m b e rt o R e se n d e. E l e p e d e u m a do se d e ca c ha ça , c o m o v o z e ir ã o q u e t ra n sf o rm a v a o b u rb u r in ho d o b a r em m e ro ru í do de fu n do , p e d iu t a m b ém u m c u b o de g e lo . M et eu a m ã o no b o l so , t iro u d o i s b e lo s l im õ e s

g a l eg o , na m a io r ca r a d e a nj o , a p e sa r da b a rb a , p e d iu u m a fa ca . C o rt o u . C o m a q u e la m ã o en o rm e e sm a g o u e nt r e o s d e d o s a m et a d e d e ca da l im ã o . R a p i da m en t e, nã o s e i s e p o r d e s t r ez a o u r e ce i o do s l im õ e s, s eu su m o sa lt o u p a ra d ent ro do c o p o . Ma i s u m p e d i do a o b a l co n i st a do b a r e lá e st a v a o a ç u c a r e i ro . C o m u m p o u co d e lá b i a e a p re s sa do b a l co n is t a e l e e st a v a d e p o s s e, p elo p re ço de u m a p i ng a , d e u m a b e la ca i p i r in ha . E nq u a n t o sa b o r ea v a a b e b i d a e cr i t ica v a a d it a d u ra , fui a p r e se nt a d o a e l e na q u e la no it e. N o u t ra o ca s iã o , n u m sá b a do em t o rno da s du a s o u t r ês ho ra s d a t a r d e, s e nt a do s nu m do s b a n c o s da p ra ç a . Fe r na n do C e sa r io , Z é Ta r c ís i o L im a , e u e m a i s a lg u é m q u e nã o m e l em b ro , co n v e rs á v a m o s a t é o Ma n o e l L e it e da r a s ca ra s . S e m a m e no r c er i m ô n ia e l e m o n o p o l iz o u a p a la v ra . D i sc o r r eu so b r e a s i ns a t i s fa çõ e s do s b a n c á r io s d e B ra s íl ia , p a s so u p e l o t im e do M a n u fa t o r a , v o lt o u a o s p i o n e i ro s d e B ra s í l ia q u e f i ca r a m m i l io ná r io s co m a c o r ru p çã o c a n da ng a . N u m a da s p o u ca s i nt erv e n çõ e s d e m eu s a m ig o s a l g u ém d i s se q u e a o b a t e r d a p r im e i ra e st a ca no p la na lt o ce nt ra l j á ia lo n g e o s de s v i o s f i na n c e iro s . U m d e st es l a rá p io s , a no s d ep o i s co m p r a r ia a VA SP , a cho q u e t a m b ém o L ó i d e A é re o B o l iv ia no , t r a m b ic o u t a nt o q u e nã o p o d er i a p ô r o s p é s na B o l í v i a , o n de o a g u a r da v a u m m a n da t o d e p r i sã o . E o Ma no e lz in ho , d e p é, c o n t inu a v a z ig u ez a g u ea n do p e l o s m a i s v a r ia do s a s su nt o s , t o d o s r e s ig na do s em o u v i - lo . L á p e la s t a n t a s Fe r na n do t e nt o u in t er ro m p ê - lo e e l e s em r e s p i ra r, - P era í ! D e ix a eu co n c lu i r m e u ra c io c ín io . Ho ra s na q u e la co nv e rs a e m e sp i ra l, d e p o i s d e a lg u m a s o u t ra s t e nt a t i v a s d e en c e rra r a q u e le m o n ó lo g o , t o do s j á ca n sa do s da q u e la l en g a - l e ng a . F er na n do l ev a nt o u - se e M a n o e l z i nho , s em da r - l he a m eno r ch a nc e . – Pe ra í! D e ix a e u co nc l u i r m eu ra c io c ín i o . – E nt ã o c ê co n c lu i rá p i do q u e eu t en ho q u e a b a s t e c er m eu ca r ro . R et ru co u F e rna n do . A t u rm a q u e co nt inu a v a s en t a da , ex p l o d iu em g a r g a l ha da s. A q u i ca b e u m e sc l a r e c im ent o a o s m a i s no v o s , a i n co m p et ê n ci a do d it a do r d e p la n t ã o lá em B ra s í l ia e ra t a m a n ha q u e na q u e l e t e m p o p o st o s d e g a so l i na f e cha v a m à s 1 9 ho ra s. Er a o ra c i o na m en t o d e co m b u st ív e l . E a í da q u e l e q u e fa la s s e em ra c io n a m e nt o . A lg u ém , p a ra a l iv i o d e t o do s, – Va m o s t o m a r u m a c erv ej a ! N o s a lo j a m o s na s m e sa s q u e f ic a v a m na ca l ça da do b a r p a ra u m a g e la d a . E nã o é q u e o Ma no e lz in ho no s su rp re e n de m a i s u m a v ez . – G a rço m , u m co p o d e l e it e p o r f a v o r!

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Chicos 43 Artur da Távola Nasceu no Rio de Janeiro em 03.01.1936. Faleceu em 09.05.2008. Artur da Távola é o pseudônimo de Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros, foi advogado, jornalista, radialista, escritor, professor e político brasileiro.

A morte do locutor Há uns dias faleceu uma das vozes mais bonitas e de correta dicção do rádio carioca, o Paulo Márcio, locutor, entre outras emissoras, da Rádio MEC FM, que registrou no ar a dor da perda. Seus colegas deixaram palavras de saudade numa rádio que fala pouco, apenas o suficiente e, por isso, é boa. O locutor de rádio, guardião da fala qualificada, é um ser em extinção, não obstante a importância de sua tarefa, hoje semianônima, mal remunerada e não reconhecida. A Rádio MEC, sobretudo a FM, é um oásis de respeito ao falar qualificado, elegante, preciso. A começar por Guilherme de Souza, hoje o decano dos grandes locutores do Rio, impecável, expressivo, culto e a continuar por seus colegas homens e mulheres, até porque uma das melhores vozes femininas do rádio, a de Daniela Lapidus, também trabalha na emissora. Isso sem falar na classe do J. Carlos. Curioso: o rádio esportivo ainda preserva bons locutores, vide Edson Mauro e Evaldo Leite, o Garotinho. Permitam-me a expressão: o rádio carioca avacalhou a fala como instrumento evoluído de comunicação. Claro que há exceções, principalmente na FM O Dia, na Rádio Rio de Janeiro, na Jornal do Brasil FM, na CBN, em um ou noutro noticiarista da Tupi. A Globo acabou com os excelentes locutores de noticiários que tinha. Nosso rádio ficou gritado nas AMs e, em algumas FMs, a linguagem é chula, o idioma paupérrimo e hoje grossura, palavrão e baixaria imperam em pelo menos 60% dos casos. Povo que não cuida da fala dá um atestado de atraso mental. Dicção ruim, voz mal colocada, inflexões grosseiras, dizem da alma e da cultura de quem fala. E o rádio deveria ser – como era – exemplo para a população. Quer saber como anda o nível cultural de um povo? Ouça-lhe o rádio e repare como é, em que estágio está a fala da média das pessoas. Se ela é vulgar, o tom grosseiro, a voz

mal colocada, pobre de repertório, não tenha dúvida: o nível está baixo. Um locutor precisa: voz boa, adequada colocação dessa voz; boa dicção para se fazer claro; conhecimento de idiomas tanto para nomes de músicos e músicas quanto para a leitura de noticiários; modos educados e persuasivos, perceptíveis em sua fala. Chama-se califasia. Não existe caligrafia para a boa letra? Pois existe califasia, nome complicado para expressar a fala qualificada. Por isso a morte de um excelente locutor como o Paulo Márcio, ainda que passe quase em branco para o público em geral, é perda muito maior do que se supõe. Numa indispensável e bela profissão em extinção, ela chega a ser irreparável.

Publicado originalmente no jornal O Dia

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Chicos 43 Antônio Jaime Soares Nasceu em Cataguases MG, lá na Chave. Já foi redator de publicidade. Poeta e cronista publicou Pedra que não quebra (2011)

Era uma vez uma voz No finzinho de 2002 perdemos uma das mais belas vozes do rádio brasileiro: morreu Paulo Márcio de Miranda, o Paulo Flexinha, deixando muitos amigos em Cataguases e no Rio. Recebeu homenagens na Rádio MEC FM, seu último emprego, em duas rádios de Cataguases e uma crônica simpática de Art h u r d a T á v o l a , n o j o r n a l O D ia. Paulo falava que nunca teve vocação para porcaria nenhuma até descobrir que sua voz era boa. Empregou-se na Rádio Cataguases e se deu bem. Porém, queria mais, foi para o Rio, em 1970, e deu-se ainda melhor. Atuou em mais de uma dúzia de emissoras, entre elas as rádios Jornal do Brasil, Eldorado, Globo, Tupi, Nacional e também na TV Globo. Logo no início, Eliakim Araújo, que gostava dele, o alertou, dizendo que deveria ser mais ambicioso e investir mais em seu potencial. Certo, não fosse Paulo, por incrível que pareça, muito tímido, só se sentia à vontade entre amigos. Com esses, virava o jogo, era sempre o mais animado da turma. Ao microfone, entretanto, era sóbrio, o que não o impedia de receber telefonemas de fãs apaixonadas e outras tietagens. Vez em quando recebia elogios também na imprensa, guardava os recortes, sem fazer alarde, pouco se lixando para a possível fama, embora a merecesse. Arthur da Távola acertou ao dizer que sua morte, de certo modo, é um sintoma da morte do próprio rádio, enquanto veículo inteligente de informação e lazer. O rádio, hoje, está muito gritado e Paulo nunca entrou nessa, mantendo-se mais em sintonia com o falar sem floreios de um William Bonner e longe da impostação canastrona de um Cid Moreira. Chegado a um copo, foi citado num livro sobre os bares do Rio, como habitué do Ta ng a rá , boteco da Cinelâ ndia, frequentado por bebuns folclóri-

cos, como Jaguar e Albino Pinheiro. Muito mais de mil e uma noites regadas a Steinheager e baforadas de Hollywood, que só lhe magoavam as cordas vocais, como o próprio admitiu, na última vez que me telefonou. Estava já quase sem voz, justamente seu instrumento de trabalho. Gostava de ir ao Teatro Municipal, deleitar-se com óperas e concertos. E gostou sobremaneira (adorava palavras assim, pomposas, para gozá-las) de trabalhar em rádios que tocam a chamada música erudita. Fora desta, só músic a s m a i s n o n s e n s e , c o m o C o m ad r e S e bastiana. Ta mbém compôs uma s trinta , todas muito apimentadas. Apreciava a ficção de Sartre e livros como Os miseráveis, A montanha mágica e Guerra e paz. Fa milia riza do com a obra de Jorg e Amado, passou a relê-la em francês, para ampliar seu domínio da língua. Paulo foi, acima de tudo, um humorista (mais adequado, no seu caso, seria comicozinho). Não deixava escapar a menor sutileza, se esta lhe desse motivo para dar uma gozadinha, com ou sem malícia. Cômica também é sua autobiografia, em estilo cordel, na linha coloquial-irônica de Adoniran Barbosa. “Do sofrê brota o pensá” é o verso de que mais gostei e Adelzon Alves gostou de tudo, a ponto de ter produzido um programa na Rádio MEC AM, registrado em CD, que, infelizmente, não ouvi. Narra sua infância paupérrima, na roça, quando ninguém podia supor que iria trabalhar no que gostava e proporcionar melhores condições de vida para si e os dez irmãos. Em tom jocoso, enquanto um intelecto mais limitado faria daquilo uma choradeira. E já estava doente, quando compôs o texto. Ficou sendo seu testamento. Rir e fazer rir era a sua forma de dar graças à vida. Publicado originalmente em Há Notícia

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Chicos 43 Paulo Flexinha Paulo Márcio de Miranda Apresentado pelo próprio no horário sertanejo da Rádio MEC AM— RJ Produção: Adelzon Alves. Paulo imaginou este texto ( e seu irmão digitou) já pressentindo a chegada da morte. E o fez de forma bem-humorada, como levou a vida, feito cantadores de feira do Nordeste. “Poetas jamais acadêmicos, último ouro do Brasil” Carlos Drummond de Andrade

LAMENTO DOS MININO DO OTAVO

Eu sô da roça, seu moço sô matuto, sim, sinhô hoje moro na cidade mas sô lá do interiô Prest’atenção na história qu’eu agora vô contá: “Os minino do Otavo” pois eu tomém tava lá Sirlei, Abércio, Fernando Eduardo e Carlim Zulmira, Eliza e Ronaldo Remildo, eu e tomém Pedrim Fazenda do Nerso Dutra Grotão de Santa Maria co’s minino do Otavo Margarida nem drumia Sodade daquelas biboca a tapera no matagá donde chegá, só nas canela ô no lombo de animá Sodade de Sô Juvená e Don’Ana o casá que povoava o Grotão tava lá quando cheguemo Hoje só mermo na inspiração

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Chicos 43

Sem lua em noite escura os vaga-lume alucina roça num vai luz ilétrica lumiava é lamparina Mas se o luá de prata banhasse o ôro das ispiga do arrozá tamanha a sede dos zóio saciada na fonte do mananciá O mio nóis dibuiava muía canjica, fubá angu quase todo dia no armoço e no jantá Detráis da casa um chiquêro ingordava um leitãozim da carne só mermo o chêro era incumenda o porquim Pra ingambelá a vontade de cumê um sargadim nóis ia tudo pra varge pra mode caçá passarim Levava o cachorro Rex caçadô de s a r a c ur a que bastava vê a ave e a caça tava sigura Ô xepa de Cumpadi Onofo mestre em caçá tatu quand’imbrenhava na mata trazia o bicho ô um vará de jacu Além de batuta na caça um supimpa sanfonêro se Onofo abarcasse o oito baxo frevia o forró no terrêro Lá mermo no quintá de casa nóis armava uma fuguêra as caça na brasa, uma pinga e sanfona a noit’intêra

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Chicos 43

Por sorte uma cabrinha que dava leite fresquim justo pra mode o sustento mingá do mais piquitim Mas o distino é marvado é sina ô coisa assim uma cobra venenosa picô cabra e cabritim Na roça num tinha iscola as aula na sombra da manguêra p’fessora ajeitava uns banco sem giz, quadro nego ô cartêra Pra cidade vó Zurmira levô eu pra mode istudá gazetiei o ano intêro vortei sem pudê recramá Juca Firmino e Piquita os dono do sítio do lado nóis ajudava no ingenho ganhava garapa e melado Foi só travessura d’infança nem sei se carece contá as moça no rio a banhá e nóis na moita a espiá Galinhêro lá num tinha galinha só faiz ciscá butava os ovo, sumia na boca de um gambá Era um bársamo pros zóio na lagoa a pata e os patim ela dislizano n’água rebocano a fieira de bichim

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Chicos 43

Nóis drumia cum a argazarra dos sapo e grilo no brejá pra dispertá, sinfunia de mil passarim a cantá Anunciano a arvorada o sór que num tarda brotá brincano pru riba das arvre pra logo o mundo isquentá

Tão bunita as gota de orváio sarpicada nas frô do capim que nóis serelepe espaiava pelas bêra do camim O pai madrugava cedo bem in ante do sór raiá dava duro na fazenda ganhava uns caraminguá Gastava tudo na venda comprava o essenciá sale, fósfro, querozeni punha tudo no imborná Um pôco arredado de casa lá na venda do Jaci donde o pai fazia as compra nóis ia pra mode distraí As rôpa e os agazaio agrado de argum padrim puído, às veiz remendado mãe Ciça trazia limpim Pra missa, quermesse aos domingo nóis levava os carçado nas mão os pé lameado lavava lá embaxo, bêra do riberão

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Chicos 43

Nóis tomém foi candiêro guiava os carro de boi que cantava nos êxo um gimido quanto mais carregado foi De um trabaio nóis gostava era bão que nem brincá esparramá café cum rodo no terrerão pra secá De coiê o café tomém nóis gostava pra daná puxano os grão pro balai era que nem ordenhá Mas na safra do corte de cana nóis ali manejano o facão essa lida nóis detestava as paia da cana arranha a mão Mas se os ispim da dô fáiz sofrê do sofrê brota o pensá o pensamento frorece é só sabê curtivá O pai, de tanto chamego (mareja os zói recordá) num pudia dá o pexe insinô nóis a pescá Não de rede no açude locá de procriação mas de anzó, de pinêra nos brejo lá no Grotão Nos brejo a pesca de pinêra que nem de batéia na mão eu garimpei um tisôro nas gruta do coração

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Chicos 43

Me lembro Abércio, o “Neguina” um coice na testa, da potrinha num jipe a xispá pra cidade no volante, Almir, o “Tutinha” Do Grotão inté a fazenda carregado na cacunda mais uma veiz nego Onofo de alma branca, profunda Das fruta num carecia ninhum de nóis recramá durante horas a fio nóis depenava o pomá Coieno manga lá nas grimpa dispenquei que nem um guariba vó embaxo rezava na pedra donde quase istatelei in riba

Na fazenda, Dona Antonha foi pra cuzinhá pra seis chegava os minino do Otavo lá cumia é dezesseis A mãe ficava em casa cuidano dos miudim que vorta e meia chorava mas tudo barrigudim Nóis roçava, batia pasto na foice, no enxadão livrava das erva daninha o capim do gado, a ração Os boi, as vaca, os bizêrro subia pros morro a pastá discia na boca da noite pra ruminá no currá

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Chicos 43

Ainda tá na lembrança as vaca de leite, a ordenha o queijo que era um luxo pro pessoá da fazenda Sô Nerso, o dono de tudo home humirde de coração nunca fartô um agrado nem paricia o patrão Às veiz inté cunvidava nóis a pescá no açude o tucunaré êta pexe bunito e graúdo nóis barrotava o coité Hoje num tem mais fazenda Nerso, nem pai, nem Grotão sem dó desmataro o terreno e a fazenda foi pro chão

FIM

39

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