China e Angola: Trinta anos de Relações Diplomáticas

June 3, 2017 | Autor: I. Carneiro de Sousa | Categoria: China, Angola, China and angola relations, Forum de Macau, Macau Forum
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A República de Angola e a República Popular da China celebram este ano trinta anos de estabelecimento de relações diplomáticas. Remonta, com efeito, a 12 de Janeiro de 1983 a assinatura do acto formal de reconhecimento diplomático trocado entre os dois países, solenidade que não deve esquecer, todavia, as relações históricas muito anteriores cerzidas também entre equívocos muitos durante o período de luta de libertação nacional angolana. Uma história ainda por reconstruir, provavelmente a refazer com rigor através da distância e do equilíbrio que se ganha com o tempo, mas que normalmente se perde em memória. Recorde-se que a China acompanhou informadamente o período que, entre 1956 e 1960, vai estruturando o processo histórico que conduziu à fundação do Movimento Popular de Libertação de Angola através da progressiva fusão de vários pequenos movimentos nacionalistas: o Partido Comunista de Angola (PCA, criado ainda em 1955), o Partido de Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUAA, fundado em 1956), o MIA (Movimento para a Independência de Angola, organizado à roda de 1957), o MINA (Movimento pela Independência Nacional de Angola, aparecido em 1958) e a Frente Democrática

lusofonias nº 05 | 15 de Julho de 2013 Este suplemento é parte integrante do Jornal Tribuna de Macau e não pode ser vendido separadamente

COORDENAÇÃO: Ivo Carneiro de Sousa

TEXTOS: • A China na Reconstrução de Angola (2002-2010) • A Parceria Estratégica entre a China e Angola (2010-2013) • Angola-China e o Fórum de Macau • Trinta Anos com Futuro • Ainda mais compromissos e apoio do Governo da RAEM • Parabéns a Você e Muitos Anos de Vida

Dia 22 de Julho: Será algum dia de seda o bicho da Lusofonia?

APOIO:

0 3anos

s e õ ç a de rel diplomáticas

China-Angola:

Trinta Anos de Relações Diplomáticas Ivo Carneiro de Sousa

A

República de Angola e a República Popular da China (RPC) celebram este ano trinta anos de estabelecimento de relações diplomáticas. Remonta, com efeito, a 12 de Janeiro de 1983 a assinatura do acto formal de reconhecimento diplomático trocado entre os dois países, solenidade que não deve esquecer, todavia, as relações históricas muito anteriores cerzidas também entre equívocos muitos durante o período de luta de libertação nacional angolana. Uma história ainda por reconstruir, provavelmente a refazer com rigor através da distância e do equilíbrio que se ganha com o tempo, mas que normalmente se perde em memória. Recorde-se que a China acompanhou informadamente o período que, entre 1956 e 1960, vai estruturando o processo histórico que conduziu à fundação do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) através da progressiva fusão de vários pequenos movimentos nacionalistas: o Partido Comunista de Angola (PCA, criado ainda em 1955), o Partido de Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUAA, fundado em 1956), o MIA (Movimento para a Independência de Angola, organizado à roda de 1957), o MINA (Movimento pela Independência Nacional de Angola, aparecido em 1958) e a Frente Democrática para a Liberta-

ção de Angola (FDLA, datando também de 1958 e apoiada pelo Congo-Brazzaville). Os primeiros contactos chineses cruzam estes movimentos para apoiar documentadamente, em 1960, a União Nacional dos Trabalhadores de Angola (UNTA), depois largamente integrada no MPLA. É ainda neste período fundacional que a RPC estabelece contactos com Mário Pinto de Andrade, presidente do MPLA, e Viriato da Cruz, secretário-geral do movimento que, saído em dissidência e depois expulso, se viria a exilar em Pequim onde morreria em 1973. Descobrem-se, assim, contactos muito preliminares da RPC com o MPLA num tempo fundacional exigente em que a necessidade imperativa de acção política nem sempre se podia compaginar com a muita mais demorada especulação intelectual sobre a indecisão de princípios e a excessiva depuração académica de linhas programáticas. Num ambiente mundial carregado pelas contradições da Guerra Fria, com o aprofundamento também das divisões entre a RPC e a União Soviética, a então muita dividida Organização de Unidade Africana (hoje União Africana) foi decidindo reconhecer oficialmente outros dois movimentos de libertação em Angola: primeiro, em 1963, a Frente Nacional de Libertação de

A China

A

pesar da abertura de relações diplomáticas em 1983, a cooperação da China com Angola inicia-se verdadeiramente com o fim da guerra civil e o definitivo estabelecimento da paz, em Abril de 2002. Na verdade, nos meses subsequentes à pacificação do território nacional, o governo angolano procurou organizar uma conferência de doadores internacionais capazes de contribuirem generosamente para a reconstrução de um país dilacerado por uma guerra que havia destruído a maior parte das suas infra-estruturas, isolando mesmo largas parcelas do interior rural. O governo não receberia, porém, mais do que exigências políticas de democratização total e transformação abrupta das estruturas do Estado como condição imperativa para a obtenção de fundos entre os grandes países industrializados ocidentais. A excepção foi precisamente a RPC que, continuando a vazar, ontem como hoje, a sua

política externa nos cinco princípios de coexistência pacífica, remontando ainda a 1954, se prontificou a ajudar a reconstrução de Angola, país que

na

Angola (FNLA, fundada oficialmente em 1961 mas com raízes em 1954 na União dos Povos do Norte de Angola, depois em 1959 simplesmente UPA) e, muito mais tarde, já nos princípios de 1975, concretiza-se o reconhecimento formal da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, organizada em 1966). A RPC apoiou com armas e, pelo menos, 112 conselheiros militares a FNLA desde 1964, depois privilegiando mais comprometidamente a UNITA nos finais da década, assim subestimando quer a base popular nacional do MPLA quer a manipulação étnica e mesmo regional mobilizada continuadamente pelos outros dois movimentos nacionalistas. Seja como for, o resto da história é, por demasiado dramática, infelizmente bem conhecida, precipitando-se depois da declaração de independência de Angola, a 11 de Novembro de 1975, numa terrível guerra civil com que a UNITA se foi opondo ao MPLA, sucessivamente vencedor claro dos vários actos eleitorais desde o primeiro sufrágio de 1992. Estes equívocos e desencontros ajudam a explicar os oitos anos que a Angola independente demorou para formalizar a abertura de relações diplomáticas oficiais com a República Popular da China.

Reconstrução

oferecia recursos naturais abundantes para alimentar o acelerado crescimento económico da China. Estruturado, em 2003, pelo governo angolano

de

Angola

(2002-2010)

um grande plano de reconstrução urgente de infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias, equipamentos administrativos, de assistência social e educativos, a RPC ofereceu de imediato empréstimos sem condições políticas com juros e prazos muito favoráveis. A seguir, em 2004, o banco chinês EXIM abriu uma linha de crédito de 2 biliões de dólares concedido ao Ministério das Finanças angolano para a construção de 150 projectos prioritários de reconstrução de infra-estruturas viárias, produção e distribuição de energia, reabilitação de estruturas e equipamentos nas áreas da saúde e educação. Em 2007, dois novos acordos no valor respectivamente de 500 milhões e dois biliões de dólares foram assinados entre os dois países para a reconstrução de várias infra-estruturas, incluindo a conctinuação da reabilitação do vital caminho-de-ferro de Benguela e da ferrovia de serviço a Luanda e arredores.

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II

Segunda-feira, 15 de Julho de 2013 • LUSOFONIAS

lusofonias

Este alargamento fundamental de uma cooperação pragmática, absolutamente urgente na reconstrução de Angola, abriu as portas para um crescimento sem paralelo dos intercâmbios comerciais entre os dois países que, com evidentes vantagens mútuas, foi sumariado com indiscutível frontalidade pelo Presidente José Eduardo dos Santos durante a sua visita de Estado, em 2006, a Pequim: “a China precisa de recursos naturais e Angola quer desenvolvimento!” Assim tem sido. Em 2002, o comércio bilateral China-Angola quedava-se num valor de 1 bilião de dólares para, uma década decorrida, em 2012, atingir o montante impressionante de 37,502 biliões de dólares, tendo mesmo a China passado, desde 2008, a ser o maior parceiro comercial de Angola, ultrapassando os EUA que continuam a possuir forte implantação na exploração petrolífera, sobretudo nos offshores em águas marítimas profundas. Em 2012, a RPC era o maior importador de Angola, representando 36,3% do total, praticamente o dobro dos EUA (18,5%), mais de três vezes a Índia (10,6%), mais de quatro vezes Taiwan (8%) e mais de quatro vezes o Canadá (6,9%), os outros maiores importadores de produtos angolanos, muito maioritariamente petróleo em crude. Em rigor, o modelo de trocas comerciais bastante favorável a Angola assenta na importação quase esmagadora do petróleo em bruto de que a China necessita para o seu crescimento industrial, urbano, transportes e exponencial aumento do consumo doméstico. Assim, dos mais de 41 biliões de dólares de petróleo exportados por Angola em 2012, correspondendo a qualquer coisa como 1,7 milhões de barris por dia, metade foi comprado pela China, representando já 16% das importações totais chinesas neste sector. As outras compras chinesas em Angola de petróleo refinado, gás, minérios e produtos agrícolas são quase marginais face ao enorme volume de importação de crude. O que, naturalmente, não beneficia os acertados planos governamentais em diversificar a economia do país visto que o sector petrolífero representa quase metade do PIB, 70% das receitas fiscais e 97% das exportações. Em contraste, a presença de companhias chinesas na exploração de petróleo em Angola é, não apenas limitado, como pode mesmo vir a desaparecer completamente. De facto, o gigante que é a empresa SINOPEC encontra-se actualmente a ponderar a reconcessão dos três blocos petrolíferos offshore que explorava ao largo do Norte de Angola com a ENI e a TOTAL, estando em negociações com a Galp, a SONANGOL e a empresa indiana Oil and Natural Gas Corporation para a sua definitiva cedência. A RPC não possui ainda as capacidades tecnológicas e a experiência suficiente para explorar qualificadamente o crude angolano que se descobre em águas marítimas profundas. Resultados interessantes apresenta o investimento privado chinês em Angola que, apesar de muitíssimo longe do estatal, atingiu o seu máximo em 2009 quando a Agência Nacional de Investimentos Privado (ANIP) aprovou 66 projectos no valor de 170 milhões de dólares dirigidos sobretudo para o sector da construção civil. De qualquer forma, entre 2008 e 2012, o investimento directo estrangeiro (IDE) foi liderado por Portugal com 739 projectos, seguido pela China com 180, a Líbia com 99 e, muito atrás, a Alemanha com 8. Investimentos privados e estatais, comércio, cooperação e ajuda da China ao desenvolvimento de Angola encontram-se actualmente numa segunda fase de crescimento e especialização que, muito mais exigente e competitiva, se inaugurou com a assinatura de uma Parceria Estratégica bilateral, em Novembro de 2010.

lusofonias

entre a

Q

A Parceria Estratégica China e Angola (2010-2013)

ualquer observador, visitante de ocasião ou turista curioso, mesmo muito desatento, não deixará de verificar que a China tem vindo a contribuir para transformar o quotidiano dos angolanos e a paisagem sócio-económica do país. Para além do volume crescente do comércio bilateral, sobressaiem os grandes investimentos e a muita activa cooperação chinesa na reconstrução de infra-estruturas, na reabilitação e modernização da rede viária e da ferrovia, na multiplicada construção de edifícios públicos, escolas, hospitais, parques e equipamentos desportivos, desaguando nesse projecto espectacular que, muito (mal) discutido, a empresa estatal chinesa China International Trust and Investment Corporation (CITIC) ergueu a umas dezenas de quilómetros de Luanda para criar uma cidade-satélite de 750 blocos de oito andares, 2.800 apartamentos, centenas de lojas e várias escolas, tendo custado 3,5 biliões de dólares para poder vir a albergar meio milhão de pessoas: a nova cidade de Kilamba. A presença chinesa é, assim, visível por todo o território angolano, encontrando-se no comércio retalhista, em oficinas e em muitos produtos baratos chineses espalhados pelas grandes e pequenas cidades, a que se juntam cerca de 60.000 a 70.000 emigrantes chineses que trabalham e vivem em Angola. Neste caso, não deixando de convocar esse criticismo habitual acusando as cerca de 450 companhias públicas e privadas chinesas activas no país africano de impedirem o acesso dos próprios cidadãos nacionais ao mercado de trabalho ou, mais pensadamente, de atrasar irremediavelmente a industrialização do país e a criação de um empresariado angolano (antigamente dizia-se “burguesia nacional” e explicava-se, em ideológica tese, que sem ela não havia nação...). Seja como for, o conjunto de celebrações assinalando os trinta anos do estabelecimento das relações diplomáticas entre Angola e a RPC tem vindo a contribuir para sublinhar a nova fase que, nestes últimos três anos, amplia e especializa relações bilaterais cada vez mais exigentes. Passada a etapa mais urgente e primária da reconstrução de Angola, o país espera acolher uma cooperação internacional solidária com os grandes desafios do desenvolvimento social. Por isso, o Programa do Governo de Angola de 2012 a 2017, texto especialmente bem escrito tanto como tecnicamente muito competente, explica que o “esforço para a reconstrução, para o desenvolvimento e para a modernização de Angola não deve ser apenas do Estado. Neste esforço, o Estado tem de se fazer acompanhar

pela iniciativa privada, pela sociedade civil e beneficiar da cooperação internacional numa lógica de parceria.” Esta exigência de parcerias decorre imediatamente dos dois objectivos políticos centrais da governação angolana até 2017: a diversificação económica do país que, primeiro, é condição indispensável para se cumprir a segunda meta do aumento da criação de emprego e redução da pobreza. Na verdade, é o próprio Programa do Governo a reconhecer sem rodeios que o sector petrolífero continua a garantir mais de 90% das exportações angolanas e que, por não ser de estrutura intensiva, não poderá nunca gerar o volume de empregos de que o país necessita. O que obriga a uma estratégia clara de diversificação da economia, sem a qual não parece possível contrariar os “altos índices de desemprego prevalecentes no país e a necessidade de eliminar a fome e a pobreza extrema”. Mais ainda, o Programa do Governo reconhece que a diversificação da economia angolana não se concretiza somente pelas dinâmicas da economia interna, precisando de desenvolver também uma nova circulação económica e comercial competitiva de Angola nos mercados globais. A parceria estratégica assinada entre a China e Angola em Novembro de 2010 indicia um primeiro passo importante em direcção às exigências angolanas de uma cooperação internacional em parcerias para o desenvolvimento social do país. Por isso, a nova parceria concluiu, em 2011, um quarto acordo de cooperação no valor de 3 biliões de dólares e, mais significativo ainda, levou o Banco de Desenvolvimento da China a conceder pela primeira vez uma linha de crédito no valor de 1,5 biliões de dólares sem garantias em petróleo. Esta linha de crédito dirigiu-se prioritariamente para apoiar projectos de desenvolvimento agrícola em Malanje e Lubango, prefigurando uma tendência seguida recentemente por muitas das grandes empresas estatais chinesas. Concluídos ou em conclusão muitos dos grandes empreendimentos de reconstrução das infra-estruturas angolanas que mobilizaram essas empresas, várias delas começam a reorientar os investimentos para áreas produtivas, industriais e agrícolas, assim como para sectores sociais quando se concretizam também formas de cooperação cultural cruzando intercâmbio de exposições, eventos, artistas, formação em património e gestão de espectáculos, naturalmente a par com a inevitável instalação anunciada de um Instituto Confucius em Luanda ou da abertura de uma Escola de Amizade Angola-China no Huambo.

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III

Angola-China e o Fórum de Macau

C

aso se inverta a relação bilateral para ser observada de Angola para a China, verifica-se que a presença angolana na RPC, retiradas as exportações sobretudo de crude, limita-se praticamente às suas representações diplomáticas e às centenas de estudantes que receberam bolsas para frequentarem universidades chinesas. Não existe ainda volume de investimentos, presença empresarial e comercial suficiente permitindo a Angola competir no crescente mercado de consumo da China. Uma viragem complicada de concretizar e que passará nos próximos anos pela diversificação das exportações angolanas para a RPC. É provavelmente para este objectivo que, convocando promoção, contactos, conferências, visitas e missões o Fórum de Macau pode vir a dar um contributo importante. Sublinhe-se que Angola tem manifestado grande interesse na sua presença diplomática e comercial em Macau, acolhendo a RAEM um Consulado-Geral e uma Representação Comercial Externa, cujo activo responsável, Dr. Joaquim Pereira da Gama, é também o delegado angolano junto do Secretariado Permanente do Fórum de Macau. Assim, a partir destas representações oficiais, o Fórum de Macau pode apoiar o estudo e promoção de alguns produtos angolanos que interessam ao mercado e às empresas chinesas: granito (a China é o primeiro importador mundial), quartzo (a China é o quinto importador mundial) e mármores (neste sector a China é também o maior importador mundial) com a sua grande procura na construção civil; as sucatas de ferro (a China é o segundo importador mundial), cobre e alumínio (a China é o maior importador mundial destes dois produtos) que Angola tem começa-

IV

do a exportar nos últimos anos; a que se podem somar as madeiras, o café, o tabaco e até mesmos os crustáceos já que, neste último caso, apesar da China ser o quinto exportador mundial é também um grande importador que com Hong Kong compra 1 bilião de dólares nos mercados externos. O apoio do Fórum de Macau a Angola passa também (como com os outros países de língua portuguesa representados na organização) por continuar a esclarecer o ambiente e oportunidades de negócios no país, destacando as principais oportunidades que se oferecem a empresas e empresários da RPC. Através de missões comerciais e empresariais, colóquios, encontros e estudos importa divulgar as novas realidades económicas e exigências de cooperação internacional de Angola, assim como dilucidar com rigor as tendências do comércio bilateral, cooperação e ajuda da RPC no país. Na verdade, a presença comercial e económica da China em Angola e, no geral, na África foi-se tornando nos últimos anos uma espécie de alvo preferido tanto dos media quanto de muitos estudos académicos acusando criticamente o que foi sendo designado como a ofensiva (em alguns textos, mesmo invasão...) chinesa em África. Textos de opinião, livros e artigos com pretensões científicas e rigorosas foram apresentando o crescimento das trocas comerciais e da cooperação chinesa em África como uma espécie de novo neo-colonialismo, apostado, como no passado colonial da maior parte do continente, em pilhar os ricos recursos naturais africanos sem um mínimo de exigências políticas, sociais e ambientais. Para estas perspectivas muito acolhidas pe-

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los media e academias ocidentais, comércio, investimentos e cooperação chineses enformariam um modelo unívoco de ofensiva económica sem princípios, contribuindo apenas para sustentar as predadoras nomenclaturas africanas no poder e encher os bolsos das grandes empresas estatais da RPC. É certo que nas etapas iniciais do desenvolvimento da presença económica e comercial chinesa em África, nos primeiros anos do nosso século, muitas empresas chinesas se foram movimentando no continente com pouco conhecimento das sociedades e culturas locais, ao mesmo tempo que a cooperação foi multiplicando grandes obras públicas que, dos grandes estádios desportivos aos majestosos edifícios estatais, colocaram reais problemas de sustentabilidade. É verdade também que nesse período muitas das grandes empresas chinesas privilegiaram de forma excessiva a mobilização de mão-de-obra directamente da China em detrimento da formação e integração de trabalhadores locais. Mas esta não é, todavia, a situação actual da presença e cooperação chinesas em África que, pese embora concorrências e invejas muitas, tem sido contribuição pre-

ciosa ao desenvolvimento africano: assim foi e assim é em Angola, país que se tornou um dos mais frequentados casos de estudo deste tema agora mediaticamente recorrente de China em África. Muitas reportagens, artigos de análise e alguns estudos académicos encontraram precisamente em

Angola o paradigma crítico final de todos os defeitos e contradições imputados à cooperação chinesa em África que mais não seria, afinal, do que elemento estratégico desse modelo econónico-comercial de voraz rapina dos inocentes recursos naturais e energéticos do continente africano: a nova cidade de Kilamba. Quando, nos finais de 2011, a gigante estatal CITIC deu por concluída a construção desta enorme cidade projectada para 500.000 habitantes, as reportagens críticas

lusofo

nos mais diferentes media europeus e norte-americanos sucederam-se sem piedade: os “chineses” tinham acabado de construir em África uma dessas suas célebres cidades-fantasma que se descobrem em vários pontos da China; muito poucos angolanos teriam algum dia dinheiro para comprar um dos 2.800 apartamentos da nova cidade; Angola não teria quaisquer possibilidades de sustentar um investimento absolutamente megalómano; chegando-se mesmo a sugerir que Kilamba mais não era do que uma equívoca reminiscência das cidades africanas construídas pelo colonialismo desde as décadas finais do século XIX. Até mesmo a sempre impoluta e muito séria BBC enviou os seus bem formados repórteres para produzirem documento incontroverso sobre o caso Kilamba. A reportagem aí continua disponível pelo incontornável Youtube, mostrando uma grandiosa cidade vazia, impecavelmente a cheirar a novo, aqui e ali percorrida por alguns trabalhadores chineses, alguns dos quais saudando surpresos o aparato técnico que tantas vezes rodeia as grandes reportagens da BBC, algumas feitas para mudar mesmo a “opinião do mundo”. Apesar da nova cidade de Kilamba enfrentar ainda problemas vários

onias

que têm de ser resolvidos para fixar uma efectiva população urbana – mais escolas, creches, polícia ou simplesmente super-mercados –, a verdade é que se trata de um projecto fundamental na criação de novas centralidades, permitindo libertar a grande pressão demográfica e económica sobre Luanda que se tem vindo a tornar uma das cidades mais caras do mundo entre muita especulação imobiliária e agitação económica. Não existe neste caso qualquer culpa “dos chineses” (como se generaliza, mal, nos media) que realizaram em tempo excepcional uma obra complexa e gigantesca, normalmente apreciada pelos seus primeiros habitantes, sendo suficiente ampliar a intervenção governamental, como se parece prefigurar, para que à cidade possam afluir milhares de novos residentes apoiados por vários incentivos estatais que é para isto mesmo que Estados e governos existem. Seja como for, neste como em muitos outros casos, o Fórum de Macau pode e deve cumprir um papel fundamental de esclarecimento e reflexão rigorosos sobre as realidades económicas e sociais dos países de língua portuguesa, ao mesmo tempo dirigindo atenção especializada para divulgar qualificadamente modelos, realizações, práticas e programas da cooperação da China nos diferentes países lusófonos. O que se pode conseguir sem muitas complicações convidando mais responsáveis, especialistas e técnicos que cruzem e esclareçam ainda mais as oportunidades, desafios, mas também problemas, das relações económicas e comerciais entre a China e os países de língua portuguesa. Em Macau, responsáveis, especialistas e técnicos dos

países que falam oficialmente português encontrarão não apenas a sua língua comum como um ambiente único propício à reflexão, ao debate sereno e à busca de renovados entendimentos. Mais ainda, o governo da RAEM através do Fórum de Macau pode encontrar inspiração suficiente nas várias medidas que, através do Fórum de Cooperação China-África (mais conhecido pelo acrónimo FOCAC de Forum on China-Africa Cooperation), a RPC dirigiu para Angola (e para outros PALOP): o país foi isentado de pagar os juros em dívida dos seus empréstimos, ao mesmo tempo que a China passou a oferecer tarifa zero a 95% dos produtos angolanos importados. Paralelamente, concretizando projectos

muito concretos que também o governo da RAEM poderia incentivar, a RPC apoiou através dos fundos do FOCAC a construção do Centro Nacional de Controlo da malária, doou abundante medicação contra a doença e mobilizou 35 médicos para Angola. Alguns dos projectos de cooperação chinesa actualmente em curso em Angola, da construção de escolas primárias no interior rural à assistência técnica em vários sectores, não são sequer dispendiosos, mas representam solidariedades e afectos que também o governo da RAEM através do Fórum de Macau poderia passar a considerar para reforçar ainda mais o seu papel de plataforma ente a China e os países de língua portuguesa.

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V

Trinta Anos

A

abertura de relações diplomáticas oficiais entre a República Popular da China e a República de Angola, em 1983, não foi um acto político do passado, sem presente e futuro. Pelo contrário, representou uma ligação entre dois países soberanos que hoje vivem momento e desafios políticos importantes quando as suas economias se abriram e se situam, ano após ano, entre as que mais crescem no mundo. As diferenças e distâncias entre a China e Angola são evidentes do demográfico ao económico, do civilizacional aos hábitos culturais, mas no respeito destas diferenças os dois países conseguiram

tornar-se parceiros comerciais quase indispensáveis e consolidar uma cooperação que, apesar de não estar isenta de alguns equívocos e até mesmo de impactos negativos, foi cimento importante na reconstrução de Angola que agora se encontra obrigada a essa outra reconstrução muito mais decisiva do tecido social, do trabalho, da educação, da assistência social e da qualidade de vida. É esta a fase e o futuro muito mais exigente das relações e cooperação entre a China e Angola: o desafio do desenvolvimento económico e social sustentado do grande país africano de língua portuguesa em favor das suas populações e dos seus

Economias... Reúne

estudos e análises sobre o desenvolvimento económico dos

Países

de

com futuro

territórios. Por isso, se as relaçôes entre a China e Angola não estiveram isentas de equívocos no passado, de forma mais do que evidente durante a luta de libertação anti-colonial, hoje quando se comemoram trinta anos do estabelecimento das relações diplomáticas entre a China e Angola, os dois países encontram-se convidados a reforçar laços comerciais e cooperação activa contribuindo para uma globalização multilateral, mais plural e, sobretudo, dirigida ao desenvolvimento social e ao bem estar das suas populações. Macau pode e deve ajudar a estreitar afectuosamente o futuro das relações entre a China e Angola.

Língua Portuguesa

e a sua cooperação com a

República Popular

da

China

EMBAIXADOR EM PEQUIM ENREVISTADO PARA O JTM

30 João Pimenta*|em Pequim

J

TM-Volvidos 30 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre China e Angola, como vê o desenvolvimentos das relações bilaterais? Embaixador Garcia Bires-A cooperação com a China é vital para Angola. Numa fase inicial, é importante referir o envolvimento da China na reconstrução de Angola. Depois de 38 anos de guerra, em que o país ficou devastado, conseguimos reconstruir as infra-estruturas indispensáveis ao desenvolvimento, em menos de 10 anos. Tudo isto foi possível devido ao auxílio financeiro e técnico da China. Com o processo de reconstrução estamos também a acumular conhecimentos e experiência em várias matérias: na construção moderna, na urbanização, reconstrução de vias rodoviárias e ferroviárias, nas áreas de energia e telecomunicações… JTM-Para além dos sectores de construção de infra-estruturas e projectos de urbanização, prevê-se o envolvimento da China noutras áreas, a médio prazo? G.B.-Na agricultura e agro-indústria, por exemplo. Essas são outras das áreas em que existem já garantias por parte da China. Creio que nos próximos anos iremos garantir a segurança alimentar. Eventualmente poderemos também exportar o excedente, especialmente de cereais, para outros países africanos.

VI

e China: anos com muito para contar

No ano em que se celebrou o 30º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre a China e Angola, o embaixador da nação africana em Pequim aponta a cooperação com o gigante asiático como sendo vital para o seu país. Em entrevista ao JTM, Garcia Bires, fala de uma ligação que poderá deixar de ter no petróleo a sua única força motriz: diamante, ferro e cobre, poderão ser as próximas matérias-primas a seguirem para o gigante asiático

JTM-A China é actualmente o maior comprador de petróleo angolano. As exportações de Angola para o país asiático poderão vir a abranger outro tipo de matérias-primas, ou bens de consumo? G.B.-A previsão que fazemos é precisamente no sentido de diversificar os produtos exportados por Angola, nomeadamente alguns recursos minerais, como o diamante, e também o ferro, cobre, e manganês. Uma vez organizado o nosso sector agrícola, poderemos enviar produtos como banana, abacaxi, manga, entre outros. A previsão é que de facto outras áreas sejam também contempladas. JTM-E para além da área comercial, o intercâmbio entre os dois países envolve diferentes âmbitos, particularmente, e segundo as palavras do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, a área judicial. Em que aspectos, a China poderá ser útil nesta matéria? G.B.-Primeiro, e por razões históricas, a origem de um sistema é complexa, e consideramos importante estudar a experiência da China, e procurar elementos possíveis A previsão que fazemos é precisamente no de enquadrar no sentido de diversificar os produtos exportados nosso sistema, neste âmbito. Depois, por Angola, nomeadamente alguns recursos existe a questão da minerais, como o diamante, e também o ferro, segurança dos cidadãos chineses em cobre, e manganês. Uma vez organizado o nosAngola, que constiso sector agrícola, poderemos enviar produtos tuem uma comunidade bastante alarcomo banana, abacaxi, manga, entre outros. gada, e portanto, existe uma preocupaEmbaixador Garcia Bires ção por parte dos governos dos dois países,

Segunda-feira, 15 de Julho de 2013 • LUSOFONIAS

Angola

no sentido de garantir a sua segurança física. Existe ainda a tendência de crimes transfronteiriços, que perturbam a estabilidade de Angola, e procuramos essa cooperação também para garantir um combate eficaz às actividades ilícitas. JTM-Outra das vertentes da cooperação bilateral é a educação. Também neste aspecto parece existir um intercâmbio importante... G.B.-Sim, a China é um parceiro importante na formação dos nossos quadros. Só no ano passado, mais de 30 jovens angolanos terminaram a sua formação em engenharias de construção, com o apoio da empresa chinesa Sinohydro. A maioria dos angolanos a viver na China são estudantes, e em Angola encontram-se muitos professores chineses, do ensino médio ao superior. Além disso existe também a colaboração com a China para construir laboratórios, escolas, espaços para pesquisa e estudo. JTM-A China pode-se dizer é um dos parceiros mais importantes no desenvolvimento de Angola. Mas quanto aos países de língua portuguesa, qual a importância que atribui a Portugal, Brasil e aos PALOP na diversificação da economia e comércio angolanos? G.B.-Há razões históricas para que esses laços sejam muito fortes. Como é fácil perceber para quem visita Angola, muitos produtos portugueses têm hoje o país como um dos principais destinos. A nossa cooperação a nível dos CPLP, e dos PALOP, é diferente, porque além do laço comercial, existem também os laços afectivos. Portanto, sendo o Brasil e Portugal, países com melhores condições em alguns aspectos, são obviamente mercados que nós também procuramos, e julgo que esses países também vêem Angola como um dos seus principais parceiros. *Jornalista

lusofonias

País “dispensa

BRASIL receitas” do FMI

ANGOLA

Sector diamantífero é prioritário na estratégia de desenvolvimento

A

ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, disse no fim de semana que o Brasil “dispensa Conferência Internacional de as receitas” do Fundo Monetário Diamantes, evento que comeInternacional sobre o crescimenmorou os 100 anos dos diamanto económico e considerou que tes angolanos, organizado pela a aplicação das medidas só trouEndiama-EP, serviu de mote para xe “recessão, desemprego e dor relembrar o potencial do sector. ao povo brasileiro”. A resposta O vice-Presidente da República de da representante da Presidente Angola, Manuel Vicente, que abriu brasileira, Dilma Rousseff, surge o certame, referiu que o sector diadias depois de o Fundo Monetámantífero é prioritário no quadro rio Internacional ter revisto em da Estratégia de Desenvolvimento baixa a previsão de crescimento até 2025 definida pelo Executivo. para o Brasil, para 2,5% este ano, “A estratégia de desenvolvimento acelerando para os 3,2% no próximo ano, uma revisão de 0,5 e 0,8 ponde longo prazo de Angola, definida até ao ano de 2025, que está a ser tos, respetivamente. “O FMI tem todo o direito de fazer previsões sobre implementada, coloca o subsector de diamantes entre os sectores prioas economias dos países, mas ritários da actividade económica”, defendeu citado pelo dispensamos as sugestões e o semanário “O País”. Manuel Vicente referiu também que receituário para medidas adopna estratégia de desenvolvimento estão definidos os objectadas pelo Brasil”, assinalou tivos gerais que visam incrementar a incorporação de valor Gleisi, em declarações à agênacrescentado nacional, no contexto do desenvolvimento de cia brasileira Estado. De acordo um cluster de recursos minerais; contribuir para o processo com a governante, há várias rade diversificação da economia nacional e contribuir para o zões para o Brasil não acatar as desenvolvimento sustentável de Angola. O vice-Presidente recomendações do Fundo, prida República considerou ainda que o Plano Nacional de Demeiro porque o país “não deve senvolvimento de Médio Prazo, para o período 2013 a 2017, nada” àquela instituição, antes concentra recursos significativos para o desenvolvimento do pelo contrário, é credor, dis‘cluster‘ da geologia e minas. “Importantes acções começase Hoffmann, sublinhando que ram já a ser implementados este ano, como é o caso do lansempre que o Brasil aplicou as çamento da elaboração do Plano Nacional de Geologia, que medidas defendidas pelo FMI, permitirá inventariar o potencial mineiro e proceder à carhouve “recessão, desemprego e tografia geológica e ao levantamento aerogeofísico e geodor do povo brasileiro”. Na base químico. De igual modo, permitirá assegurar o saneamento das críticas ao FMI está a defedas concessões e actualizar o cadastro mineiro do país”, sa da estabilidade orçamental: mpresa chinesa vai explorar referiu. ‘ O saneamento económico-financeiro das empresas “Temos um compromisso com a diamantíferas está a ser conduzido para incentivar a reacareias pesadas no final do ano estabilidade orçamental”, distivação de projectos de prospecção mineira, bem como a se, acrescentando que o Brasil reactivação dos projectos que foram afectados com a crise empresa de capitais chineses Africa Great Wall Mi“não trabalha com política fiseconómica e financeira internacional de 2009, entre eles os ning Development Company, Limitada deverá inical frouxa”, mas sim com “poprojectos Fucaúma,Luarica e Camuazanza’, sublinhou. ciar no final do ano a exploração e processamento de lítica anticíclica”, tal como foi areias pesadas nos distritos de Nicoadala, Inhassunge feito na crise de 2008. O que se e Chinde, província da Zambézia, noticiou a Rádio Moesgotou, respondeu a ministra çambique citada pelo “Macauhub”. A estação emissoà recomendação do FMI para ra adiantou que a data de início está condicionada à abandonar os estímulos monerabalho aprovação do estudo de impacto ambiental que vai ser tários adicionais, “foi a política analisado em Agosto próximo pelo governo da província que eles apregoam, uma polítide ax tahl incluído no da Zambézia. O projecto, que exigirá um investimento ca que já está e se provou ultraestimado em 130 milhões de dólares, contempla ainda passada”, concluindo: “Aonde registo emória do undo a construção de instalações portuárias em Quelimane, estava o FMI na crise de 2008?” bem como obras de melhoria de estradas e outras destrabalho de Max Stahl, um jornalista britânico que cobriu a pesas de carácter social. O estudo de impacto ambienluta pela Independência de Timor-Leste, em 2002, foi retal foi efectuado pela RMS Consultores Ltd, empresa conhecido pela UNESCO como registo da «Memória do Mundo». que fornece serviços de consultoria legal e ambiental. O programa da UNESCO «Memória do Mundo» foi criado em 1992, para prestar homenagem aos documentaristas que trabalham em condições precárias e com difícil acesso a certas regiões. O projecto destina-se a fornecer um arquivo seguro para as colecções com relevo na história mundial. O trabalho reconhecido de Max Stahl inclui imagens do massacre no Cemitério de Santa Cruz. O jornalista revelou ao mundo, pela primeira vez, através da difusão televisiva, o sofrimento do povo timorense e a sua luta para libertar-se da ocupação indonésia. Através do poder das abo Verde foi referido pela Organização Internacional do Trabalho, imagens foi possível a mobilização internacional, abrindo caminho para a OIT, como exemplo a ser seguido por outras nações quanto à impleIndependência de Timor-Leste. Em 2003, o jornalista britânico fundou o mentação de iniciativas abrangentes de proteção social. A agência cita Centro Max Stahl para Timor-Leste (CAMSTL), com o fim de providenciar os avanços económicos alcançados pelo país nas últimas décadas, acomacesso, por parte da população timorense, à sua colecção de imagens relapanhados por desigualdades sociais. A taxa de pobreza é ainda de 26,6 cionada com a luta pela Independência, a construção da paz e do Estado, por cento, mas o país é tido como uma das nações da África Subsaariana e para a diversidade e o desenque mais têm avançado no estabelecimento de um sistema de protecção volvimento da cultura timorensocial. Os níveis de emprego informal rural obrigam a maioria das pessoas se. Neste momento, o CAMSTL a serem excluídas de regimes de contribuição de pensões. Para abordar a contém uma colecção com cerquestão, ocorre uma integração de programas dirigidos a idosos e pessoas ca de três mil horas de gravacom deficiência. Com o apoio da OIT, cerca de 23 mil pessoas recebem ção, que documenta a história uma pensão social equivalente a 65 dólares norte-americanos mensais. A da resistência e do nascimento maioria é composta por trabalhadores pobres na economia informal com da nação. Os materiais nomeamais de 60 anos. O director-geral da OIT, Juan Somavia, disse que o estados pela UNESCO estão agora belecimento de esquemas similares de proteção contribuiria para reduzir também disponíveis no registo a pobreza. da «Memória do Mundo».

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lusofonias

LUSOFONIAS • Segunda-feira, 15 de Julho de 2013

VII

Filinto Elísio:

Publica

textos de estudo e opinião sobre a diversidade cultural das Lusofonias

um poeta de ideias desassossegadas

Ideias

Eduardo Quive*

“Filinto Elísio encontra na poesia esse espaço para pôr a pratos limpos, os prantos trazidos por esses problemas existenciais, aqueles que não só os cabo-verdianos enfrentam, até porque, Filinto girou por sociedades diferentes por essa faceta intertextual da poesia. Os seus desassossegos alojam-se em si como escultor da palavra, procura navegar pelas águas que cercam o arquipélago onde tem o eterno cordão umbilical, daí não se separar dos ventos, dos ares e dos fogos que vem desses territórios que se formam únicos apesar das águas que impõem limites geográficos às ilhas.”

VIII

V

iajando na poesia cabo-verdiana, falar da poesia de Filinto Elísio é, sem dúvida, um exercício complexo, não pela dificuldade que se possa ter de ler a sua poesia – que não é pouca –, mas pela elevada investida que o poeta faz nos seus sujeitos de criação sobre os cenários que retratam. É difícil compreender o acto de filosofar quando está em poesia, apesar de, como o considera Ferreira Gullar, é mais poeta aquele que compreende a poesia que o que a faz. Uma poesia que nos sugere um mapa, ao mesmo tempo que arranca os espaços físicos a favor de uma viagem lunar. Não há chão que suporte os versos desassossegados do poeta das ilhas. Ele tem demarcado o seu território, porém navega no mundo como o verdadeiro “O Inferno do Riso”. Há, em Filinto Elísio, aquilo que revela Aristóteles em sua “Arte Poética” ao distinguir também os poetas de heróicos e satíricos. Nessa perspectiva ao ler “O Inferno do Riso” (Instituto da Biblioteca Nacional, 2001), encontramos as sagas e os paradigmas que se passam a volta dos sujeitos poéticos (satíricos) que Filinto Elísio usa para versar nas quatro “estações” da sua poesia, sendo elas, I. O inferno do riso; II. Dos ventos; III. Dos fogos; IV. Das águas; V. Das terras; VI. Dos ares. A divisibilidade que o autor atribui à sua poesia em tempos, lugares e estados, incorporando, igualmente, a razão, criação e dimensão, atribuem-no, eficazmente, o título daquele que sente, observa, interpreta (ou imita como defende Aristóteles), o objecto da sua poesia. Aí começa o tal dilúvio da interpretação do “Inferno do Riso”, uma obra onde antes do poeta, o verso liberta-se das exigências dos que se podem chamar messias que nas nossas sociedades africanas são tantos que também são, os fantasmas que atribuem às “coisas” o certo ou o errado. Como se Filinto soubesse dessas lamúrias, sarcástica e filosoficamente responde: “não existe pecado coisa nenhuma/ tudo é permitido ao filho do homem/ tudo é fogo antes mesmo de ser verbo (…)/não existe inferno coisa nenhuma/ tudo é abismo dos desejos/ tudo é vertigem de abismos à toa.” “O Inferno do Riso” mostra-se não só como uma das mais enxutas (típico do filósofo) expressões poéticas contemporâneas, mas como a anuência de outros debates que se camuflam em sociedades (excessivamente) regradas ante as mudanças do presente. Se assumimos que a África de hoje não é a mesma de ontem e, com efeito, a sede de alcançar a diáspora no sentido intercontinental é mais do que uma imposição dos sujeitos da globalização (o famoso ocidente), mas o ensejo dessa mudança vem do próprio africano. E que os não acostumados (que são tantos) têm a nostalgia como o lugar de aprisionamento, mas o poeta, que tem por privilégio, a audácia da “rebeldia” dá aos olhos o que a alma sente (poema 6): “Tento declamar em vão versos de Apollinaire/ Penso nos vagões rumo a Treblinka e Auschevitz/ No vácuo das câmaras do Holocausto/ É a mesma mão que vergastou negros ou-

Segunda-feira, 15 de Julho de 2013 • LUSOFONIAS

trora/ A mesmíssima mão sufoca a África nos vagões/ E Senghor quer que Deus perdoe aos genocidas/ E as mãos de Gulag as mãos de Hiroshima meu amor?/ As mãos que apertamos no descuido as mãos de sangue/ As mãos que desenham molduras nas terras…” (p.58) Aí entra o poeta e o papel da sua poesia em tentar resolver, através de versos, problemas existenciais internos, como a angústia, incompreensão e inadaptação ao mundo, como já disse Carlos Drumond de Andrade. Filinto Elísio encontra na poesia esse espaço para pôr a pratos limpos, os prantos trazidos por esses problemas existenciais, aqueles que não só os cabo-verdianos enfrentam, até porque, Filinto girou por sociedades diferentes por essa faceta intertextual da poesia. Os seus desassossegos alojam-se em si como escultor da palavra, procura navegar pelas águas que cercam o arquipélago onde tem o eterno cordão umbilical, daí não se separar dos ventos, dos ares e dos fogos que vem desses territórios que se formam únicos apesar das águas que impõe limites geográficos às ilhas. Isto justifica a posição de um dos mais originais poetas africanos dos últimos tempos, em particular da África falante do português que é Filinto Elísio. E esse título, certamente, não é o que o poeta reivindica, afinal, há muitas questões pendentes que, filosoficamente, debate na sua poesia que traçam cenários para além da compreensão de um olhar não vocacionado ao dizer (poema 7): Topaste a cidade como está?/ Crivadíssima de balas – dá vergonha!/ Uma puta decadente e a propósito/ São bestiais as putas de Manila?/ E do vácuo tens ideia? Olha o precipício/ Parece até sem fundo, mas a queda é pedra/ Espatifa-se o suicida que nem é lembrado/ Matar-se é um verbo filho da mãe!” (p. 19). Como é notável, nesse poema referente ao primeiro conjunto “O inferno do riso”, a relação entrecruzada dessa “incompreensão” que o poeta tem sobre o cenário que vive, não o faz diminuto na dimensão sarcástica a que não se escusa estar ao longo da sua obra. Filinto Elísio tem a indagação como o percurso para chegar à razão desejada. São perguntas que se fazem em todo lado, no leitor também, inevitavelmente, se vão recompor. Por esse e por todos aspectos, encontra-se em Filinto Elísio a poesia de ideias, filosoficamente construída e, pelo seu grão de desassossego e sentimento, capaz de trazer o estrondo que só um bom poema sabe criar à alma. É ainda por esse empenho futurista que, a poesia cabo-verdiana nunca acomodada, vai guiando-se pelo mar das ilhas ao continente e aos continentes. Por isso e por muitas outras razões, Filinto Elísio, “Das águas e dos ventos somos aqui ouvidos/ Queremos novos dos fogos e das terras” antes que “dorme poeta o teu sono merecido”. *Jornalista e escritor moçambicano, director editorial da Literatas – Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona (www.revistaliteratas.blogspot.com), in: CULTURA. Jornal Angolano de Artes e Letras

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