China, Macau e Timor-Leste: História e Desenvolvimento

June 3, 2017 | Autor: I. Carneiro de Sousa | Categoria: China, East Timor, Forum de Macau, Macau Forum, China-East Timor
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O estado soberano que é hoje Timor-Leste apresenta-se tão curiosa quanto significativamente como o país de língua oficial portuguesa com mais antigas relações históricas e comerciais com a China. Encontram-se documentadas desde o século XII sucessivas viagens de mercadores chineses do Fujian e de Cantão que rumavam nos seus juncos para os Mares do Sul em busca dos lucrativos tratos do sândalo branco de Timor. Considerado o melhor e mais aromático entre as generosas madeiras fragrantes do Sudeste Asiático, o muito abundante sândalo timorense era carregado por embarcações comerciais vindas dos mares malaio-indonésios e do Sul da China para se vender em grosso nos mercados indianos e chineses que o transformavam em caríssimo produto sumptuário: reduzido a pó, misturado com água ou leite, vendia-se entre as castas superiores indianas como selecto perfume e sabão; cortados os troncos em pequeníssimos pedaços, o sândalo procurava-se na China como incenso sobretudo para queimar durante as cerimónias funerárias das famílias mais poderosas, imperadores incluídos. À roda de 1350, o tratado comercial chinês conhecido como Tao-i chin-lueh descreve pormenorizadamente o rico sândalo de Timor (Ch’ih-wen)

lusofonias nº 15 | 21 de Outubro de 2013 Este suplemento é parte integrante do Jornal Tribuna de Macau e não pode ser vendido separadamente

COORDENAÇÃO: Ivo Carneiro de Sousa

TEXTOS: • As Relações Políticas e Institucionais entre Macau e Timor • As Relações Económicas e Sociais entre Macau e Timor • Pensar Timor desde Macau • A emergência das relações actuais entre a China e Timor-Leste: pouco comércio, varias ajudas e algumas obras de prestígio

Dia 28 de Outubro: Nos oitenta anos de Doidinho de José Lins do Rego: a revolução do romance brasileiro

APOIO:

China, Macau Timor-Leste

e

História e Desenvolvimento

China, Macau e Timor-Leste: História

modelo comercial, encontra os mesmo doze espaços de tratos, mas não deixa de se escandalizar com uma ilha que era a mais contaminada pela sifilis que alguma vez tinha visitado, designando o mal por “doença portuguesa”. Apontamento certamente exagerado, já que, após a conquista de Malaca, em 1511, embarcações portuguesas passaram também desde 1515 a procurar os lucros do comércio do sândalo timorense, mas sem nunca o terem conseguido inteiramente monopolizar. Trata-se de um horizonte cronológico que testemunha o definitivo desaparecimento das viagens mercantis de juncos vindos do Sul da China. O comércio do sândalo encontrava-se já, desde as primeiras décadas do século XV, dominado pela intermediação do grande porto Ivo Carneiro de Sousa de Malaca onde viviam activas comunidades de mercadores javaneses, chineses e indianos. A exestado soberano que é hoje Timor-Leste Timor (Ch’ih-wen), assinala o seu comércio di- tinção dos contactos comerciais directos entre a apresenta-se tão curiosa quanto significati- recto e regular com o Sul da China, mas também China e Timor concretiza-se igualmente no contexto da consabida vamente como o país de língua oficial portugue- a presença de mer(...) após a conquista de Malaca, em 1511, política Ming de sa com mais antigas relações históricas e comer- cadores javaneses, encerramento do ciais com a China. Encontram-se documentadas indianos e árabes. embarcações portuguesas passaram também império ao comérdesde o século XII sucessivas viagens de merca- Mais ainda, a obra desde 1515 a procurar os lucros do comércio cio e comerciantes dores chineses do Fujian e de Cantão que ruma- destaca a existência do sândalo timorense, mas sem nunca o terem estrangeiros, covam nos seus juncos para os Mares do Sul em em toda a ilha de Tinhecida por Hajin, busca dos lucrativos tratos do sândalo branco de mor de 12 portos acconseguido inteiramente monopolizar (...) incremetada a parTimor. Considerado o melhor e mais aromático tivos nos tratos dos entre as generosas madeiras fragrantes do Su- sândalos e descreve a sua organização. Assim, o tir de meados de Quatrocentos passadas as excideste Asiático, o muito abundante sândalo timo- comércio era feito nas zonas costeiras, em locais tantes e muito onerosas expedições ultramarinas rense era carregado por embarcações comerciais abrigados de amarração, dirigido por um chefe do famoso almirante eunuco Zheng He. A partir vindas dos mares malaio-indonésios e do Sul da local que, liurai ou dato, organizava as trocas daqui, os contactos comerciais chineses com as China para se vender em grosso nos mercados dos troncos de sândalo por produtos estrangei- ilhas de Timor haveriam de esperar algumas déindianos e chineses que o transformavam em ros, principalmente têxteis e metalurgias. A cadas para poder vir a contar com a plataforma caríssimo produto sumptuário: reduzido a pó, acreditar na informação chinesa, quando os co- comercial que, desde 1553 a 1557, se vai orgamisturado com água ou leite, vendia-se entre as merciantes forasteiros chegavam a estes portos nizar em Macau. As relações históricas e comercastas superiores indianas como selecto perfume eram as mulheres que subiam primeiro aos bar- ciais entre a China e o agora estado orgulhosae sabão; cortados os troncos em pequeníssimos cos, infectando com os seus “desejos secretos” mente independente de Timor-Leste têm, de pedaços, o sândalo procurava-se na China como os mercadores chineses que, depois, se rendiam facto, um demorado passado que se descobre na incenso sobretudo para queimar durante as ce- às outras atracções das mercancias. Companhei- história peculiar que Macau soube especializar rimónias funerárias das famílias mais poderosas, ro de Fernão de Magalhães na sua grande viagem na encruzilhada entre continentes, comércios e imperadores incluídos. À roda de 1350, o tratado marítima à volta do mundo, o cronista italiano territórios variados. Uma história que, pouco cocomercial chinês conhecido como Tao-i chin-lueh António Pigafetta descreve ainda durante a sua nhecida e pior estudada, convém sumariar nos descreve pormenorizadamente o rico sândalo de estada em 1522 no norte de Timor este exacto seus temas mais importantes.

e

Desenvolvimento

O

As Relações Políticas

A

abrir, parece conveniente recordar que, nas áreas políticas e institucionais, as relações históricas entre Timor e Macau começam desde finais do século XVI por procurar enquadrar formas de comunicação comercial mobilizando as entidades políticas que, no contexto do chamado Estado da Índia, organizavam com investimentos muito diferentes os espaços progressivamente mais institucionalizados do enclave português no delta do Rio das Pérolas em contraste com a simplicidade orgânica da capitania de Solor e Timor. Originalmente criada por iniciativa das missões dominicanas quinhentistas em ligação aos interesses de um comércio centrado

e Institucionais entre

no sândalo e no trato esclavagista, a capitania recuperada oficialmente por Filipe II para a coroa portuguesa não manteve comunicações administrativas com Macau anteriores à for-

Macau e Timor

malização do monopólio macaense do comércio do sândalo timorense que se vai concretizando após a conquista holandesa de Malaca, em 1641. Um investimento comercial que se amplia

com a nomeação de António Coelho Guerreiro, entre 1702 e 1705, para primeiro governador e capitão-geral das ilhas de Timor e Solor instalado em Lifau, mas que tomou posse do cargo em Macau, em Junho de 1701, por aqui reunindo cerca de cem soldados, equipamento militar e duzentos picos de arroz. No entanto, em termos políticos formais, Timor e as suas ilhas adjacentes permaneceram governadas pelas autoridades portuguesas sediadas em Goa que, apesar de perderem à roda de 1790 as viagens marítimas directas com a longínqua colónia, somente quase meio século depois consentiram em entregar a jurisdição do território a Macau. De Rio das Pérolas qualquer modo, as ins-

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Segunda-feira, 21 de Outubro de 2013 • LUSOFONIAS

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tituições políticas superiores do Estado da Índia, centradas no governo, tribunais, administração e burocracias dirigidos por um vice-rei, foram reconhecendo a crescente importância das comunicações comerciais directas entre Macau e Timor devidamente reflectidas em muitos documentos oficiais. É o que se pode testemunhar, entre muitas outras, nas instruções dadas por D. Frederico Guilherme de Sousa ao governador de Timor e Solor, João Baptista Vieira Godinho (1785-88), autorizando a deslocação anual de uma embarcação a Macau, depois do navio do monopólio mercantil macaense ter assegurado a ligação à colónia, movimento que, dada praticamente a inexistência de meios náuticos no escasso território timorense controlado pelos portugueses, remete para os trânsitos marítimos comerciais que distribuíam os tratos de Java e Sulawesi regularmente nos mares do Sul da China. Esta situação administrativa colonial de dependência das autoridades de Goa tende a alterar-se com o advento do liberalismo, pese embora os seus diferentes ecos políticos nesses muito afastados enclaves coloniais do Extremo-Oriente. A revolução liberal de 1820 foi mesmo aproveitada por algumas das mais poderosas autoridades de Macau para procurarem libertar-se de algumas das responsabilidades económicas e financeiras anteriormente assumidas, mas nem sempre rigorosamente cumpridas, com a administração de Timor. Um afastamento que não podia ser permitido pelo governo central, entre Goa e Lisboa, reforçado localmente com a intervenção dessa figura de poder incontornável das primeiras décadas de Oitocentos que é o ouvidor Miguel de Arriaga. Conservador e autoritário, largamente afastado dos ideários do liberalismo, movendo-se activamente em muitos dos diferentes lucrativos contrabandos que passavam pelo estabelecimento português na China, Arriaga defendia o reforço da comunicação colonial entre Macau e Timor, apesar das suas propostas de um mercantilismo utópico para o desenvolvimento da colónia se vazarem na sua especialização como periferia agrícola regio-

nal e na investigação das suas potencialidades na produção de ópio. A partir de 1836, o governo de Solor e Timor passa a ficar totalmente dependente das autoridades de Macau, mas ainda no contexto administrativo do chamado Estado da Índia. Ao mesmo tempo, entre 1822 e 1843, Macau e Timor estavam também representados conjuntamente no liberal (quase) Parlamento de Lisboa por um deputado. Em seguida, um decreto publicado a 20 de Setembro de 1844 criava a Província de «Macau, Solor e Timor», passando estes territórios a ser independentes do Estado da Índia. A sede do governo ficava em Macau, tendo o arquipélago nas Pequenas Sundas um governador subalterno residente em Dili. Formalmente, o governo de Macau estava obrigado a contribuir para o orçamento timorense com uma subvenção anual, encargos militares e de saúde, mas os grandes comerciantes macaenses mobilizavam-se muito pouco para animar intercâmbios comerciais e sustentar estas obrigações financeiras. Neste mesmo ano, o círculo eleitoral foi dividido em duas circunscrições, permitindo passar a eleger dois deputados geralmente controlados pelas elites macaenses. Estas transformações não parece terem suscitado entusiasmos políticos coloniais significativos, concluindo o famoso governador Afonso de Castro que Timor tinha apenas passado a corresponder-se com as autoridades de Macau em vez das de Goa sem renovadas consequências para o seu fomento económico. Talvez isto ajude a explicar a demorada instabilidade subsequente na definição da administração colonial de Timor que, em 1850, com a nomeação para governador do conselheiro José Joaquim Lopes de Lima se torna novamente independente de Macau, sobretudo devido aos amplos poderes recebidos para a negociação com os holandeses das fronteiras do território. Em 1856, a direcção colonial de Timor volta ao Estado da Índia até à reforma administrativa que, em 1863, decide a desintegração, elevando Dili a cidade e sede de governo, constituindo um Conselho de Guerra e uma Junta da Fazenda

As Relações Económicas

A

s ligações económicas e sociais demoradas entre Macau e Timor começam também com as lucrativas aventuras dos tratos do sândalo branco timorense que mobilizaram comerciantes e embarcações de Macau ainda antes do encerramento, em 1639, do muito rico comércio da prata japonesa. Na verdade, documenta-se em 1634 a presença de mercadores de Macau activos nos resgates de sândalo timorense a partir de Macassar, espaço reunindo o interesse de muitos comerciantes privados portugueses e euroasiáticos. A preciosa madeira perfumada de Timor era também complementada por um significativo tráfico de escravos vendidos em Macau, também em Manila e nos enclaves lusos na Índia, chegando mesmo a encontrar-se na lista dos tristemente célebres mártires da embaixada portuguesa a Nagasaki, em 1640, um escravo timorense de dezasseis anos de nome Alberto, acompanhado por um outro escravo de quarenta anos, um António natural de Solor, ambos propriedade de comerciantes portugueses instalados em Macau. Após as sucessivas conquistas holandesas de Malaca, em 1641, e de Macassar, em 1667, os comerciantes de Macau passaram a intervir no comércio do

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sândalo de Timor em regime de monopólio que, organizado desde meados do século XVII, apesar de várias concorrências regionais e privadas, apenas cessou formalmente em 1785. A Fazenda Real, o Leal Senado, a Misericórdia ou vários comerciantes privados foram exercendo este monopólio, duplamente favorecido por uma tributação relativamente baixa e pelo escoamento do sândalo para Batávia através de Cantão. A viagem anual de Macau para Timor normalmente sorteada pelo Leal Senado era conhecida pelo “barco das vias”, mas frequentemente os grandes comerciantes macaenses não demonstravam interesse comercial especial nesta comunicação que tanto se interrompia vários anos como enviava para Dili uma solitária embarcação sem quaisquer mercadorias. Sempre que a viagem se cumpria com normalidade, os comerciantes de Macau (re)exportavam têxteis, metalurgias, ouro fino e arroz comprado em Batávia contra carregamentos de sândalo, escravos, carapaças de tartaruga, mel e alguns outros produtos menores recolhidos nos portos de Citrena, Lifau, Dili, Hera e Tolecão na costa norte de Timor. Tentando melhorar as condições de atracção comercial

e

próprios para o território. De qualquer forma, em 1866, a colónia de Timor volta a estar subordinada a Macau, formando parte do que se designava por «Província de Macau e Timor». Uma decisão política que não foi aceite pacificamente pelo Leal Senado, sobrando em conflitos entre o governo de Macau e Timor o que escasseava em comunicação comercial e interesses económicos. Neste período, passa a sair também dos efectivos militares de Macau a parte principal do contigente mobilizado para servir dois anos em Timor, situação onerosa que se foi mantendo até às guerras de pacificação de Timor nas primeiras décadas do século passado. Finalmente, em 1896, Timor era desanexado de Macau passando a ser um Distrito Autónomo directamente ligado à metrópole. A implantação da República reforçou esta autonomia, apesar das graves revoltas de Manufahi, entre 1911 e 1912, reprimidas com o apoio da canhoneira Pátria, mandada de Macau, e a mobilização de uma companhia de soldados de Moçambique. A partir daqui, organiza-se uma situação política em dependência colonial do governo de Lisboa que, apesar da variedade de contextos legais e titulações administrativas, se viria a manter até ao final de 1975 quando se concretiza a conhecida ocupação militar indonésia de um território que, na altura, tinha vivido um conturbado processo de descolonização, obrigando alguns movimentos políticos populares a declarar mesmo unilateralmente a independência. Por isso, não deixe de se referenciar brevemente que muitos habitantes, associações e movimentos de Macau mantiveram generosamente um largo apoio político e cultural ao processo de resistência timorense, acolhendo também uma significativa comunidade de refugiados de Timor que, dos sacerdotes aos estudantes, passando por advogados ou quadros políticos, teve uma importância significativa no desenvolvimento das condições de solidariedade internacional que ajudaram a construir a independência da nação que agora se procura desenvolver como República Democrática de Timor Leste.

Sociais

entre

deste monopólio, em 1689, o Leal Senado emitiu licenças permitindo que mercadores chineses pudessem enviar barcos e fretes directamente para Batávia, Timor e Solor, procurando-se através de um sistema de pautas de navio alargar o interesse regional deste trato. Cada barco carregava entre 1800 a 2000 picos de sândalo, escalando em Malaca, Madura, Bali,

(...) instalado em Macau desde 1901, o Banco Nacional Ultramarino passaria também a sediar-se em Timor, ajudando as finanças locais e começando a conceder os primeiros créditos ao fomento agrícola. (...) Larantuka e outros portos das ilhas indonésias, para além de estruturar uma ligação entre Batávia e Timor que permitia abastecer as guarnições com alguns raros portugueses e muito mais milicianos locais sediados em Lifau. Quando se mobilizavam alguns capitais para esta comunicação co-

Macau e Timor

mercial era a moeda de prata espanhola ou os florins holandeses que se preferia manejar em função da sua circulação entre os mares do Sul da China e o Sudeste Asiático. A partir de 1695, durante quase uma centúria, o Leal Senado responsabilizou-se pela concretização do monopólio, organizando um sistema de dois ou três barcos anuais que saíam de Macau directamente ou através de Batávia para Timor. Um terço do espaço comercial era então reservado ao proprietário do navio e os dois restantes distribuídos entre cidadãos privados e instituições de Macau, desde o capitão-geral às viúvas e aos orfãos representados pela Santa Casa da Misericórdia. O interesse do comércio do sândalo viria, porém, a diminuir nas décadas finais do século XVIII quando se esgota grande parte das reservas naturais de Timor e aparecem novos centros para a sua recolha, da África Oriental à Nova Guiné, chegando mesmo os comerciantes holandeses da VOC, em 1752, a abandonar o monopólio que exerciam no comércio do sândalo de Kupang, autorizando a entrada de outros comerciantes, o que permitiria, quase quinhentos anos depois, CONTINUA NA PÁGINA SEGUINTE >

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a reentrada directa de negociantes e embarcações chineses oriundas novamente do Fujian e de Cantão. O que ajuda a explicar a presença, entre finais do século XVIII e princípios da centúria seguinte, de umas trezentas famílias chinesas que, sobretudo vindas de Macau, se vão espalhando pelos principais portos de Timor. Passam rapidamente a dominar o comércio externo tanto do sândalo que, pela via de Macassar, se dirige à China já sem passar por Macau, como o trato da cera timorense que se vendia lucrativamente em Java para alimentar as crescentes indústrias locais do batik. Em consequência, o volume comercial entre as duas colónias portuguesas passa a ser bastante limitado, assegurando as viagens marítimas a circulação de soldados e alguns administradores, valores, papéis oficiais e o movimento dos degredados, para além de provisionar as comunidades de comerciantes chineses de Macau instaladas em Dili, a capital do Timor Português, e em Kupang, a capital do Timor Holandês. Por isso, a partir do governo de João Baptista Vieira Godinho (1785-1788), a administração colonial timorense procurou libertar-se do monopólio do sândalo apropriado por Macau, defendendo um comércio livre entre Dili e Goa. É neste contexto que a poderosa Casa de Comércio da Nação Arménia, estabelecida corria quase meio século em Macau, representada por Wartan Casper, residente em Batávia, faz chegar ao Ministro dos Negócios Ultramarinos em Lisboa, Martinho de Melo e Castro, a pretensão de estabelecer uma casa de negócios em Dili. A proposta tratava de assegurar a regularidade anual da carga comercial do “barco das vias” com passagem por Batávia, ao mesmo tempo que pretendia afastar os comerciantes de Macassar e outros estrangeiros do comércio de Timor, alargando ainda uma maior participação de Macau no comércio do sândalo que chegava aos mercados chineses. As condições oferecidas mostravam-se, porém, politicamente inaceitáveis, visto incluírem a nomeação de um governador pela Casa de Comércio durante seis anos, a colocação de um ouvidor capaz de garantir os seus inte-

“(...)

IV

resses, a que se somava ainda a concessão de autorização para um navio de bandeira portuguesa transportar produtos do Surate para Timor. O interesse financeiro oficial de Macau em Timor é tardio: apenas a 15 de Outubro de 1896 a colónia passa a contar com um subsídio anual de Macau de 60.000 patacas, renovado em 1909. O território timorense apresentava, aliás, um déficit orçamental recorrente, elevando-se a 102.000 mil reis entre 1904-1905, vendo-se Macau obrigado a suportar constantemente as perdas. Equilibrando estas dificuldades, instalado em Macau desde 1901, o Banco Nacional Ultramarino passaria também a sediar-se em Timor, ajudando as finanças locais e começando a conceder os primeiros créditos ao fomento agrícola. A agência do BNU em Dili apoiava principalmente a importação pelos mercadores chineses de Macau de notas e cédulas bancárias emitidas por bancos da China, decidindo a partir de 1920 adoptar a pataca na circulação monetária da colónia. No entanto, em termos gerais, os patriciados de comerciantes de Macau foram considerando o financiamento de Timor um fardo indesejável, entendimento que se foi tornando politicamente dominante com o esgotamento dos interesse gerados pelo trato do sândalo que, desde finais do século XVIII, não eram compensados com o tráfico de escravos e de matérias-primas locais, sobretudo minerais. A comunicação entre Macau e Timor foi largamente preservada ao longo do século XIX pelo peso das comunidades chinesas macaenses que se haviam instalado nas principais cidades timorenses, bem como por esses escravos locais distribuídos por instituições públicas, privadas e famílias macaenses. Muito mal estudados, deixando também pela sua condição social inferior escassas pistas documentais, estes grupos de escravos timorenses podem estar na origem desta tradição de solidariedade ainda tão viva na sociedade macaense, dirigindo para os emigrantes e refugiados de Timor uma especial atenção social. Seja como for, a impopularidade da mobilização de recursos financeiros de Macau para Timor dominou o pensamento e a prática das elites políticas macaenses até bem entrado o século XX, dissolvendo-se à medida

cera timorense que se vendia lucrativamente em

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Java

que a metrópole começou a subsidiar directamente o orçamento da colónia, situação que apenas se consolida depois da dramática ocupação japonesa de toda a ilha timorense, desde 20 de Fevereiro de 1942 até ao final da Guerra do Pacífico, em 1945. Em termos sociais e demográficos, a principal contribuição dada por Macau à antiga colónia portuguesa de Timor foi, de facto, a emigração de comerciantes e mão-de-obra especializada chineses. Em 1861, A. Marques Pereira, superintendente da emigração chinesa de Macau, esclarecia que os chineses de Dili constituíam a parte mais útil da população local. Para além de dominarem o pequeno e médio comércio retalhista, assim como a maior parte das exportações, os chineses eram também procurados como os pedreiros, carpinteiros e outras profissões operárias que não se conseguiam recrutar entre a população nativa. Ainda na década de 1860, o capitão de uma embarcação portuguesa em visita a Dili elogiava a comunidade chinesa local que era, a seu ver, a única a realizar comércio, a construir e a trabalhar. Sublinhe-se igualmente que, após o dramático incêndio de Agosto de 1866, praticamente reduzindo Dili a cinzas, a cidade foi reconstruída com ajudas públicas e privadas de Macau, entre as quais se contava uma muita generosa contribuição de comerciantes chineses. Esta especialização social e comercial das comunidades chinesas de Macau instaladas em Timor foi sendo mantida sem grandes alterações até à descolonização de 1974-75, altura em que a maior parte da comunidade chinesa local se foi retirando do território, dispersando-se sobretudo por Macau e Taiwan. Apesar da estabilização política actual de Timor-Leste e dos seus arrojados planos de desenvolvimento, as comunidades chinesas tradicionais oriundas de Macau não recuperaram ainda o seu interesse na nação independente, descobrindo-se entre os novos comerciantes chineses que se têm vindo a instalar nas principais cidades timorenses pessoas e famílias oriundas das comunidades sino-indonésias, esses famosos chineses ultramarinos das mais variadas descendências, gerações e etnias conhecidos por tionghoan, peranakan e totok.

para alimentar as crescentes indústrias locais do batik.”

D

escobre-se também ao longo do p tocentista algum esforço em procur a partir de Macau a situação económic de Timor. Em 1817, o ouvidor Miguel d reflectiu sobre as consequências da d do comércio dominante do sândalo, que Timor passasse a desenvolver a c algodão e sugerindo, no ano seguinte, de sociedades comerciais e a introduç na-de-açúcar. Alguns anos mais tarde, um novo ouvidor de Macau suscita à da Marinha e Ultramar do reino o env naturalista a Timor e às pequenas ilhas tes para estudar as condições de fixação lação e as suas potencialidades produt discussão chega nas décadas de 1820 principais instituições políticas macae brevivendo documentalmente vários a metidos ao Leal Senado para enviar ag chineses para Timor. Pouco depois, sã prias autoridades ultramarinas metro que, em 1837, solicitam a colonização agrícola de Timor por chineses através da Caixa Pública de Macau. Estas reflexões multiplicam-se nos anos finais do século XIX na imprensa civil e católica macaense que, na viragem do século, beneficia com a disseminação de ume rede de transportes a vapor nos mares do Sul da China e, mais tarde, nos mares indonésios permitindo acelerar os ritmos da lenta ligação entre Macau e Timor. A partir de 1891, a ligação marítima directa entre Macau e Timor foi atribuída por contrato à companhia E&A, mas o tráfico acabou dominado pela d holandesa KPM, assegurando comunicações marítimas mensais a Surabaya e quinzenais a Macassar com escalas em Dili. Na década de 1930, a imprensa portuguesa e inglesa sediada no território ou em Hong Kong começa a anunciar com regularidade sazonal uma nova ligação Macau-Timor, oferecendo embarcações a vapor que organizavam uma rápida «Macao Timor Line», alcançando Dili através de Singapura, Batávia e Surabaia. Com o apoio do Banco Na tramarino, convidam-se os exportadore desenvolver intercâmbio comercial co aceitando-se as mercadorias à consigna mitindo o pagamento do frete marítim depois das mercadorias serem vendida nia portuguesa. A própria agência do BN de esclarecer as condições comerciais d ção, os produtos que se podiam vender assim como os que aí tinha interesse com vantagens. O ramo macaense do cional Ultramarino prometia até abatim cepcionais nas viagens dos comerciante lecidos em Macau que desejassem visit portuguesa da ilha timorense, convite q dia com generosos descontos a grupos, excursionistas e desportistas. A linha nã cesso e, desde 1938, são os armadores que, assegurando viagens regulares a e a Palau, no Pacífico, oferecem tarifa te mais baixas para a sua escala em D destes investimentos marítimos, as rela nómicas entre Macau e Timor prolonga ligação comercial pouco rentável que, n

lusofo

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Pensar Timor cando investimentos financeiros significativos, se quedava pela referida presença de comerciantes macaenses chineses explorando, sobretudo em Dili, o pequeno e médio comércios lojista. Mais alargada parece ter sido a comunicação religiosa entre Macau e Timor. Apesar da estreita dependência que a vaga soberania portuguesa exercida por alguns escassos representantes oficiais deve a Macau, é apenas em 1874 que, pelo documento pontifício Universis Orbis Eclesiis, Timor passou para a jurisdição eclesiástica da diocese católica de Macau. O que não significa terem anteriormente os prelados macaenses esquecido completamente Timor. Em 1777, por exemplo, o bispo de Macau D. Alexandre da Silva Pedrosa Guimarães escreveu uma carta violenta atacando o segundo governador de Dili com acusações graves de comportamento escandaloso que, somado a outras arbitrariedades, obrigaram as autoridades de Goa a enviá-lo para o degredo em Moçambique. Em 1814, por decisão régia, foi instalada

ne, educando filhos dos liurai a recrutar para a administração colonial que, em alguns casos, se tornaram futuros catequistas. Estabelecidas em Macau desde 1874, as canossianas foram também convidadas a trabalhar em Timor. Em 1878, partem para Dili as madres Adelaide Pietra, Isabel Sequeira e Júlia, mas a sua embarcação viria a naufragar, obrigando ao seu forçado regresso a Macau. No ano seguinte, ganham Timor, sendo calorosamente acolhidas pelo governador local e pelo superior das missões, mas encontraram-se, contudo, obrigadas a residir em casas particulares nas áreas pantanosas de Dili em difíceis condições higiénicas. O início da actividade religiosa e educativa das madres canossianas mostrou-se especialmente complicado, recusando-se os habitantes da capital de Timor a entregar-lhes as suas filhas, o que, na documentação das religiosas, foi naturalmente atribuído à «superstição». Apenas ao fim de cinco anos do que as canossianas definiram como «luta com os

O início da actividade religiosa e educativa das madres canossianas mostrou-se especialmente complicado, recusando-se os habitantes da capital de Timor a entregar-lhes as suas filhas, o que, na documentação das religiosas, foi naturalmente atribuído à «superstição» (...)

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uma escola de formação religiosa na casa dos dominicanos de Macau para cinco religiosos a enviar para as missões de Timor. Apesar destes esforços, quando o território se integra no bispado macaense, a situação missionária e eclesiástica em Timor era pouco mais do que miserável, não existindo desde 1834 quaisquer missionários católicos no território, ao mesmo tempo que a Igreja local era acusada em Macau de se render completamente às superstições indígenas. Por isso, ainda em 1874, o padre António Joaquim de Medeiros, reitor do seminário de S. José de Macau e futuro bispo, foi nomeado visitador com o objectivo de restaurar as missões timorenses. Apesar da falta de apoio do governo colonial local, chegavam em 1877 a Dili sete missionários europeus, mais dois sacerdotes vindos de Macau, incluindo o próprio padre Medeiros. Neste grupo descobre-se um missionário chinês natural de Cantão que se dedicou a catequizar a comunidade chinesa de Dili. Ao longo de uma década, o padre António de Medeiros e os novos missionários ergueram uma estação agrícola a sul da capital, criaram o colégio jesuíta de Soibada e uma escola em Laha-

costumes e o clima» conseguiram aceder a um edifício minimamente aceitável para a sua obra. Mais tarde, com o apoio do bispo António Medeiros e do governador do território foi possível construir instalações missionárias qualificadas. Em 1897, a obra canossiana alargava-se com a abertura de nova residência missionária em Manatuto, oferecendo um trabalho educativo que se alargaria até aos primeiros anos do século XX. As actividades missionárias diminuíram drasticamente após a implantação da República, esclarecendo nesta época o bispo de Macau D. João Paulino de Azevedo e Castro que as escolas missionárias estavam quase completamente abandonadas, enquanto as religiosas canossianas se tinham mudado para Malaca, Macau e Singapura. Os esforços religiosos começam lentamente a recrudescer a partir de 1920, apoiadas na enérgica acção do bispo de Macau e Timor, D. José da Costa Nunes, apesar do número de missionários se situar, em 1938, no escasso número de vinte. Por esta época, um texto publicado no Boletim Eclesiástico de Macau por um missionário activo em Soibada permite su-

desde

Macau

blinhar que o problema fundamental da missionação timorense era a relação conflituosa com as culturas consuetudinárias locais, etnocentricamente arrumadas na classificação menor de «superstições», problema muito mais relevante do que a escassez de quadros e equipamentos. Algumas missões, paróquias e obras católicas foram lentamente frutificando, permitindo sustentar a decisão papal que, pela bula Solemnibus Conventionibus, publicada a 4 de Setembro de 1940, separou a diocese de Dili da de Macau, nomeando primeiro administrador apostólico Monsenhor Jaime Garcia Goulart. As ligações missionárias e eclesiásticas alargaram os esforços para pensar Timor a partir da inteligência de Macau. Visitam-se, por isso, vários trabalhos que, entre ensaio e polémica política, procuraram estudar o território colonial timorense. Logo em 1844, no jornal Aurora Macaense, um texto anónimo investiga as divisões étnico-políticas de Timor, destacando a oposição Servião-Belu e a expressão territorial do poder português, holandês e topasse no período subsequente à instalação da capital em Dili, em 1769. O estudo ilumina o sistema de alianças do colonialismo português, estendendo-se pelo litoral norte até Batugadé e penetrando em Atsabe e Maubisse, derramando para leste em direcção a Ermera e Liquiçá, para oeste alcançando Hera e Vermasse, conseguindo mesmo aliados na fronteira com o Servião em Balibó. Este artigo discute também a prática persistente de enviar para Timor os piores condenados e criminosos, sugerindo a urgência de uma colonização feita com gentes e missionários um pouco mais qualificados. Defende ainda o texto a restauração das missões de Solor e Larantuka, praticamente abandonadas, e um forte empenho de Macau no fomento comercial, agricultura, emigração e construção naval de Timor. Estas ideias entre fomento agrícola e missionação civilizadora espalham-se por muitos jornais, revistas e boletins publicados em Macau, mas parece não terem produzido mais do que algumas ideias generosas que, entre ideários coloniais e utopias românticas, se podem mesmo frequentar nos textos sobre Timor de intelectuais que, como Jaime do Inso, mantiveram estreita ligação à cultura e sociedade de Macau. Apesar destes ideários e reflexões, Timor Oriental foi permanecendo demoradamente como a mais abandonada e subdesenvolvida colónia de Portugal, um tema que começaria a concitar a mobilização política dos nacionalistas timorenses desde finais da década de 1960 para, depois de uma demorada resistência, se vazar finalmente na construção de uma nação independente. Que alguma ajuda foi também recebendo solidariamente de Macau, juntamente com algumas ideias e estudos como se encontra referencialmente na obra póstuma do padre Francisco Manuel Fernandes, o nosso saudoso padre Chico que nos deixou, em edição de 2011, uma Radiografia de Timor Lorosae ensinando a entender terras, gentes e culturas timorenses mais a sua estreita e demorada ligação histórica a Macau. LUSOFONIAS • Segunda-feira, 21 de Outubro de 2013

V

A emergência das relações actuais entre a China e Timor-Leste:

pouco comércio, várias ajudas e algumas obras de prestígio

I

nfelizmente, a muita longa relação histórica entre Macau e Timor-Leste aguarda actualização e modernização. Podendo ser herança mais do que relevante também para o desenvolvimento das relações económicas e comerciais entre a China e Timor-Leste, aguarda ainda melhores dias para que se possa cumprir cabalmente o papel de Macau como plataforma de serviços entre a RPC e os Países de Língua Oficial Portuguesa. Com efeito, o comércio entre a China e Timor-Leste é mais do que modesto e praticamente inexistente com a RAEM. Assim, em 2003 o comércio bilateral China-Timor-Leste atingia apenas fragmentários 1,06 milhões de dólares, aumentando ligeiramente em 2004 para 1,7 milhões, descendo em 2005 para 1,27 milhões, crescendo expressivamente em 2006 para 16,75 milhões, logo voltando a descer em 2007 para 9,5 milhões, aumentados em 2008 para quase 13 milhões que praticamente duplicaram em 2009 com um volume de cerca de 21 milhões de dólares. Quase surpreendentemente, em 2010, o comércio bilateral disparou para 43,08 milhões de dólares, mas a maior parte deste valor veio das importações e pagamentos timorenses contraídos com o bem gordo projecto de electrificação nacional que, no valor de 360 milhões de dólares, foi ganho pela gigante chinesa China Nuclear Industry 22nd Construction Company (CNI22). Estando ainda por consolidar e transmitir internacionalmente os dados do comércio externo timorense do ano passado, mesmo assim retenham-se os volumes das trocas bilaterais em 2011: a China gastou inexpressivos 1,7 milhões (1,4%) em importações de produtos timorenses, o que significa que a RPC praticamente não compra em Timor-Leste; em contraste, a China exportou para Timor-Leste no valor de 70,4 milhões de dólares (12%), sendo o terceiro exportador para o país, mas muito atrás dos 220,1 milhões (37,5%) importados da Indonésia e dos 114,3 milhões (19,5%) comprados em Singapura. A RPC exporta para Timor-Leste sobretudo vestuário, malas, produtos alimentares, eléctricos, maquinarias e materiais de construção civil. Apesar de, em 2008, a China ter concedido tarifa zero para a importação de 278 diferentes mercadorias timorenses, as exportações com destino aos generosos mercados da RPC são muito mais do que limitadas, traduzindo-se maioritariamente em algumas centenas de milhares de dólares de café. A assistência da China a Timor-Leste é mais impressiva e recorda a solidariedade política que a RPC sempre dirigiu tanto à luta anti-colonial como, apesar de menos expressivamente, à resistência timorense durante a violenta ocupação indonésia. Vários acordos económicos e tecnológicos foram assinados pelos dois países, destacando-se como nos países africanos de língua oficial portuguesa a ajuda chinesa na construção de alguns dos mais imponentes edifícios públicos de Díli: o Ministério dos Negócios Estrangeiros com os seus 6.700 m2 ; o novo Palácio Presidencial; o quartel e acomodações das Forças Armadas (FDTL); a sede do Ministério da Defesa; um conjunto de cem casas para militares, mais uma escola elementar com as suas nove salas de aulas. Trata-se de investimentos mais de aparato do que verdadeiramente comprometidos com o desenvolvimento económico e social de Timor-Leste, mas dando à ajuda chinesa uma

VI

Segunda-feira, 21 de Outubro de 2013 • LUSOFONIAS

visibilidade mais do que simbólica em muito sobrepujando os modestíssimos valores das desiguais trocas comerciais ou a ainda limitada cooperação e ajuda técnicas. Na verdade, a RPC tem dirigido para Timor-Leste alguns fragmentários programas de ajuda através da concessão de maquinaria agrícola, pesticidas, apetrechos de pesca, uniformes policiais e equipamentos de comunicação. A que se deve acrescentar a ajuda humanitária de 8.000 toneladas de arroz, medicamentos contra a malária e vários outros materiais sanitários, mais a venda muito discutida de um barco patrulha. A cooperação técnica é ainda mais sumária, con-

em Timor-Leste no que são seguidos tanto pela cooperação dos Estados Unidos quanto por vários países europeus nesse contexto muito conhecido das críticas recorrentes, mas nem sempre justificadas, ao que os media ocidentais decidiram designar pela ofensiva chinesa nos países em desenvolvimento. Apesar de tudo, o Banco Nacional de Desenvolvimentro da China (o conhecido CDB) assinou um acordo geral de cooperação com o governo de Timor-Leste de que se aguardam ainda os desenvolvimentos concretos. Em rigor, os volumes ainda modestos de comércio, cooperação e investimentos da RPC em Timor-Leste devem ser devidamente matizados: é o próprio jovem país que ainda se encontra embaraçado em níveis alarmantes de pobreza, desemprego e subdesenvolvimento, mas com a vantagem presente, a não negligenciar, de ter conseguido consolidar a estabilidade política e unir-se em torno de um estratégico plano de desenvolvimento com o horizonte em 2030 quando se espera transformar a nação timorense em território de desenvolvimento médio. Na verdade, os volumes de comércio externo timorense actuais são pobres não apenas com a RPC mas em pauta geral. Seguindo os “(...) as exportações com destino aos generosos mercados da RPC são muito mais do que dados de 2011, os três principais destinos das limitadas, traduzindo-se maioritariamente em algumas centenas de milhares de dólares de café.” exportações timorenses foram os EUA (43,9%), quanto a RPC tenha regularmente enviado desde Alemanha (25,7%) e Singapura (9,1%): números que, 2004 algumas equipas de saúde para Timor-Leste porém, se explicam pela compra quase em regime e, mais recentemente, desde 2008, técnicos agrí- de monopólio da maioria da produção de café ticolas especializados no cultivo de variedades hí- morense pela gigante Starbucks. Em paralelo, as bridas de arroz. importações timorenses pagam-se primeiramente à Em Janeiro de 2011, apareceu em Díli – como Indonésia (39%), depois a Singapura (18,3%), vindo o tem feito em muitos outros países em desen- depois, como se viu, a China, logo seguida pela Ausvolvimento, sobretudo em África – o inevitável trália (10,2%). O comércio total de Timor-Leste em gigante bancário estatal ExIm (o grande banco de 2011 chegou a modestos 712,4 milhões de dólares, crédito às importações e exportações das maiores mas atingindo um déficit de 461 milhões. O modelo companhias chinesas) autorizado a negociar um comercial é evidente: as vendas do Timor-Leste diempréstimo a baixos juros destinado ao desen- rigem-se maioritariamente aos seus vizinhos da Ásia volvimento das infraestruturas de Timor-Leste, que responderam por mais de 85% das exportações falando-se de uma cifra notável de 3 biliões de do país em 2011. A asiática vizinhança parece ser dólares. O putativo empréstimo tem, contudo, uma vantagem que a plataforma de Macau deve savindo a esbarrar em sucessivas objecções do Mi- ber mobilizar. Com efeito, o Fórum de Macau pode nistério das Finanças timorense. Recorde-se que, encontrar uma larga colecção de serviços especianomeada em 2007, a actual Ministra das Finanças, lizados a oferecer às relações económicas e comerDra. Emília Pires, possui um bacharelato em Esta- ciais entre a China e Timor-Leste. Não é preciso tística conseguido na universidade australiana de sequer escolher ou reflectir enredadamente, basta Latrobe, concluiu uma pós-graduação em Direito fazer. E não faltam áreas, ténicos e instituições caGovernamental na Universidade de Melbourne, pazes de fazer: é mais do que suficiente actualizar apresentando ainda um Mestrado em Gestão rea- as demoradas relações históricas entre Macau e Tilizado na London School of Economics. No seu mi- mor-Leste que se multiplicaram em ajudas e solidanistério pontificam várias dezenas de assessores riedades muitas, educação, imprensa, formação e australianos que não se mostram especialmente variados intercâmbios económicos, culturais e intefavoráveis ao crescimento da influência chinesa lectuais à espera apenas de generosa mobilização.

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Economias... Reúne

estudos e análises sobre o desenvolvimento económico dos

Países

de

Língua Portuguesa

CHINA | Parceria energética com o Brasil

CABO VERDE Guarda Costeira

República Popular

da

China

MOÇAMBIQUE Mais electricidade produzida em Tete

A

China e o Brasil têm potencial para constituir uma parceria tecnológica “significativa” no sector energético, que pode levar energias renováveis às economias emergentes, afirma a Agência Internacional de Energia. No recente estudo “Investimentos Energéticos e Transferência de Tecnologia Entre Economias Emergentes: O Caso de Brasil e da China”, Joerg Husar e Dennis Best defendem que a transferência de tecnologia e cooperação entre as duas potências é substancial e que os investimentos estão a aumentar, mas que ainda estão aquém do seu potencial. “A mais longo prazo, existe potencial para esta relação evoluir para uma parceria tecnológica bilateral significativa, especialmente nos sectores de eólicas e transmissão, onde é possível esperar que os interesses comerciais continuem a conduzir a cooperação”, referem. A intensificação destes laços, adiantam, “pode resultar numa mais rápida instalação de energias renováveis em economias emergentes”, com efeitos positivos ao nível do combate às alterações climáticas. Um director do Centro China-Brasil para as Alterações Climáticas e Tecnologias Inovadoras de Energia referiu aos autores que algumas das entidades parceiras desta aliança já pretendem expandir as suas actividades à África do Sul e à Índia, além dos respectivos países. “Contudo, os esforços sino-brasileiros para transferência de tecnologia estão ainda numa fase inicial de identificação de capacidades, parceiros de projectos adequados e remoção de barreiras”, nomeadamente a nível regulador e comercial. Os dois países prosseguem estratégias de fomento do desenvolvimento industrial no sector energético, tentando assegurar que o investimento estrangeiro se alinhe com os objectivos de políticas mais vastos. Segundo os autores, existe “considerável potencial” na área da transmissão, aplicando a tecnologia de redes inteligentes e tecnologia UHV no Brasil e ainda usando os conhecimentos brasileiros na variabilidade de energias renováveis (hídrica) em território chinês. Na área das eólicas, a transferência de tecnologia limita-se hoje à importação de turbinas da China, mas o “interesse mútuo é claro”. “O Brasil gostaria de adquirir equipamento de baixo custo, altamente eficiente da China – ou que este fosse construído no Brasil – para fomentar o seu sector eólico em expansão, enquanto a China pode acrescentar à sua vantagem comparativa servindo este mercado através de pesquisa conjunta, adaptação de componentes chineses a condições locais específicas”, adiantam. JTM/Macauhub

e a sua cooperação com a

A

empresa britânica Ncondezi Energy assinou um contrato com a estatal Electricidade de Moçambique (EdM) para a compra e transmissão de energia eléctrica produzida na central alimentada a carvão a ser construída no país, informou a empresa em comunicado. Nos termos do acordo, que estabelece tarifas e outras condições, a Electricidade de Moçambique comprará os 300 megawatts de energia eléctrica a serem produzidos durante a primeira fase do projecto por um período de 25 anos. A Ncondezi Energy assinou ainda um contrato de fornecimento de carvão com a Ncondezi Coal, igualmente pelo período de 25 anos. O projecto integrado de mina de carvão e de uma central térmica de Ncondezi situa-se na província de Tete e será desenvolvido por fases de 300 megawatts cada até atingir 1800 megawatts, estando previsto que a construção se inicie em 2017 e a actividade comercial um ano mais tarde. JTM/Macauhub

com missão internacional

A

Guarda Costeira cabo-verdiana foi solicitada para, no âmbito da Comissão Sub-Regional das Pescas (CSRP), fiscalizar actividades ilícitas na Zona Económica Exclusiva (ZEE) de alguns estados-membros da Comunidade Económica da África Ocidental – uma região onde se registam casos graves de pirataria marítima. A investida mais recente da marinha nacional cabo-verdiana aconteceu nos mares da Serra Leoa e da Guiné-Conacri e culminou com a apreensão de um dos sete navios pesqueiros interceptados. Citando o comandante da Guarda Costeira, Tenente Coronel Anildo Morais, a imprensa local assinala que “sem grandes alaridos, para não pôr em causa o carácter secreto de qualquer patrulhamento militar”, a Guarda Costeira comandou duas operações nas Zonas Económicas Exclusivas da Serra Leoa e da Guiné Conacri. Essas acções foram, segundo a mesma fonte, realizadas no âmbito da luta contra a pesca ilegal, a pesca não declarada e a pesca não regulamentada. Referindo-se aos resultados concretos dessas patrulhas, o comandante da Guarda Costeira revelou que foram interceptados sete navios. “Junto com as autoridades marítimas dos respectivos países, foram inspecionados quatro navios na ZEE da Serra Leoa e três outros na ZEE da Guiné-Conacri. Uma dessas embarcações estava em situação ilegal e sofreu um processo de contraordenação, que foi instaurado pelas autoridades”, adiantou Anildo Morais, que não quis avançar mais detalhes sobre esse dossier, alegando questão de segurança. O chefe da marinha cabo-verdiana realça que tais intervenções aconteceram no âmbito da Comissão Sub-Regional das Pescas da Comunidade Económica do Estados da África Ocidental de que Cabo Verde faz parte, junto com o Senegal, Mauritânia, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri e Serra Leoa. A CSRP é uma organização intergovernamental de colaboração, criada nos termos da Convenção de 29 de Março de 1985 e tem por objectivo harmonizar a política dos estados-membros em matéria de cooperação, preservar os recursos haliêuticos e realizar operações de fiscalização nas águas dos sete países-membros da subcomissão regional das Pescas. Destaque-se que em 11 de Outubro a Guarda Costeira de Cabo Verde festejou o seu vigésimo aniversário.

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ANGOLA | Agricultura lidera forte expansão no crédito

O

sector agrícola de Angola liderou uma forte expansão do crédito ao sector no decurso do primeiro semestre, assumindo-se como um dos principais factores de dinamização da economia. Estatísticas oficiais incluídas no boletim mensal sobre mercados africanos do banco português BPI indicam que o crédito ao sector agrícola revelou uma evolução “forte”, na ordem de 132% de Janeiro a Junho, muito à frente do sector da construção civil (4,8%). O crédito ao consumo aumentou apenas 0,3% desde o início do ano, mas cresceu 20,1% face ao primeiro semestre de 2012. Globalmente, o crédito registou uma subida de 5,9% em termos homólogos, com o crescimento médio anual a cifrar-se em 11,7%. Enquanto o crédito ao sector privado continua a aumentar “significativamente”, refere o BPI, rondando 20% desde o início do ano, o sector público registou uma quebra de 1,7% no primeiro semestre. Quanto aos depósitos, registou-se uma expansão de 14,7% em relação ao período homólogo. Ainda segundo o boletim do BPI, as receitas da produção petrolífera atingiram 20,7 mil milhões de dólares até Julho, menos 13% do que em igual período do ano passado. A quantidade de petróleo vendida foi sensivelmente a mesma do que no período homólogo (369 milhões de barris, menos 0,3%), 55% da produção planeada pelo governo no orçamento de 2013. A China “continua a ser o principal destino desta matéria-prima, consumindo 50% do petróleo exportado”, adianta. JTM/Macauhub

LUSOFONIAS • Segunda-feira, 21 de Outubro de 2013

VII

SIGAROWANE

Publica

textos de estudo e opinião sobre a diversidade cultural das Lusofonias

- Tens que avisar a malta

Ideias D

Djenguenyenye Ndlovu*

“Telefono ao médico e dou-lhe um pouco do filme. Aconselha-me a ir ao seu consultório. Deume, logo à chegada, um xarope que não lhe fixei o nome, numa colher de sopa. Comecei a sentir que a boca do estômago, não só doía como também já ardia. Disse do efeito e ele sorriu, como quem diz estamos no caminho certo. Desapareceu e quando voltou trazia uma caixinha de comprimidos. Tirou dois e me deu a chupálos. Levei comigo mais três frascos de medicamentos diferentes.”

VIII

e repente há um corte de energia eléctrica e a esteira pára bruscamente. Posso fazer abdominais, ou ainda bicicleta, mas sinto uma grande fraqueza nas pernas, o que é absolutamente incompreensível, pois a marcha durou apenas qualquer coisa como onze minutos, se calhar pouco mais. Decidi, então, descer para atender o pedreiro cuja chegada me foi anunciada minutos depois do início da esteirada. Ele devia ter chegado na manhã do dia anterior e como isso não aconteceu, vai ter que esperar outra oportunidade, que esta um outro não desperdiçou. Ele está sentado na mangueira, a tomar um café, que pela chávena, é duplo. Está de costas para mim e aproveito o facto de ainda não me ter visto, para ir ao meu quarto e pegar no estojo de medicamentos. Mesmo antes de rodar a maçaneta da porta, já sinto necessidade de me atirar à cama. As pernas mal suportam o peso do corpo. Mas não posso fazer isso porque o pedreiro me espera e é importante que tão cedo saiba da sua sorte para melhor se decidir. Carrego no estojo e vou ao encontro do pedreiro, que está, agora, recostado numa cadeira de palha que lhe faltam duas almofadas e respectivos encostos para se tornar num óptimo sofá. Dou-lhe as boas-vindas e peço perdão pela demora no atendimento. E sorri. Aquele sorriso matreiro, que sei quando é que ele aflora aos lábios do pedreiro. Enquanto corro o zip do estojo e de dentro deste retiro um outro de dimensões muito diminutas, vou-lhe dizendo que o lugar está já ocupado e que tem de esperar, mas eu não podia esperar, pois estou a ser muito pressionado pelos fornecedores para concluir, rapidamente, a construção das pocilgas. Ele entende isso, mas procura formas de me tirar algum dinheiro, o que não consegue. Eu ofereço-lhe. Dou uma picadinha na ponta do anelar da mão esquerda e uma bolinha de sangue escuro salta. Faço a recolha por meio da folha metida no glucómetro. Segundos depois o resultado é surpreendentemente estúpido e não entendo porque é que ainda me governo. Resultado altíssimo. Peço e tomo o chá de beijo da mulata na quantidade de meio copo. Cinco minutos depois, faço um Glucophage, de quinhentas miligramas. Cruzo os braços sobre o tampo da mesa e sobre eles repouso a cabeça sustentada por esta enorme testa. Tenho os olhos fechados. Minutos depois abro os olhos e levanto a cabeça. Sinto que é tudo suportável. Levanto-me e me dirijo ao quarto. Toda a gente está em cuidados, pois já se apercebeu que o quadro é simplesmente mau. Já no quarto, decido-me antes por um duche, o que consigo, mesmo que com alguma dificuldade. Tenho problemas de uma vitamina na pele, faz muito tempo que o médico me disse, mas nunca dei importância ao seu tratamento. Hoje decidi fazê-lo. Então reúno forças e passo o creme pelo corpo. Só na terceira gaveta localizei os pijamas. Escolhi umas de flanela. Vesti-as e depois meti-me na cama. Puxei os lençóis até ao peito. Meu desejo maior era que o sono tomasse conta de mim, o que não acontecia. Uma dor aguda na boca do estômago não deixava que isso acontecesse. Uma outra dor, não menos incómoda, no dedo mindinho da perna direita que tem uma espécie de um golpe de faca na parte baixa, era outra chatice.

Segunda-feira, 21 de Outubro de 2013 • LUSOFONIAS

Mas acontecesse o que fosse, estava de banho tomado, pele tratada e bem posto. Perfumado é que não, embora o tenha e de boa qualidade. Todo oferecido. Recordei-me do dia anterior, do gozo que me deu visitar a herdade do Morais e Gaspar, de ouvir grandes dissertações sobre a suinicultura na voz do nosso amigo Niquice. E depois um regresso cantante, durante o qual ganhei alguns louvores pela parte do Morais pela forma como me comportava nos comandos da máquina que nos transportava. Estacionámos num lugar e sentámo-nos a uma mesa de quarto. Era preciso festejar o dia. Apareceu o Zito e encaixou-se entre o Morais e o Gaspar, mas logo a seguir o Morais seria substituído pelo Cavel, não antes de vazar um litro de sumo e meio litro de água. Eles devem estar agora nos locais de trabalho e eu não sei o que me aguarda nem sei se de tal serei responsável por alguma coisa. Telefono ao médico e dou-lhe um pouco do filme. Aconselha-me a ir ao seu consultório. Deu-me, logo à chegada, um xarope que não lhe fixei o nome, numa colher de sopa. Comecei a sentir que a boca do estômago, não só doía como também já ardia. Disse do efeito e ele sorriu, como quem diz estamos no caminho certo. Desapareceu e quando voltou trazia uma caixinha de comprimidos. Tirou dois e me deu a chupá-los. Levei comigo mais três frascos de medicamentos diferentes. Às onze da manhã estava novamente no quarto, estava novamente dentro dos lençóis. As dores continuavam e ainda por cima acompanhadas de um desarranjo intestinal de que não tenho memória. Seria necessário encontrar formas mais eficazes de promover o equilíbrio entre os biliões de bactérias que formam a flora intestinal, que a situação não era para menos. Eles estavam sendo mesmo avacalhados. Os líquidos são uma via, dizem os médicos, mas eu tenho outra possibilidade: Alta Flora. Hoje tenho só que fazer duas tomas desta droga. Corre a tarde e chega a noite e disso não me apercebo. Batem à porta ao mesmo tempo que a abrem. Anunciam a presença do Vasco, que tendo sabido e como bom cristão, vem em visita. Arrasto-me até a sala de visitas e por lá ficamos na lamentação/encorajamento. Veio o outro dia e aí parecia que as coisas pioravam e a situação de temporariamente solteiro, agravou ainda mais o quadro. Nesse dia, pelo meu corpo não passou um pingo de água sequer. O Moniz, parou de fazer não sei o quê e pôs-se a confeccionar uma sopa que depois me foi trazida ao quarto. Estava quente e me sabia muito bem. Isso depois de me medicar. Forçaram-me a tomar um chá, não Milo com Nido. Depois adormeci. Às dez horas despertei e pouco tempo depois anunciaram a presença de dois amigos. De novo arrasto-me até a sala, onde fico deitado no sofá grande e me cubro com uma das duas mantas de alindarem, também, o espaço que numa das pontas da cadeira repousa normalmente. Fiquei por ali não sei quantas horas. Os dois meus amigos estiveram ali por hora e meia. Hoje, terceiro dia, estou teclando sem nada saber dos companheiros de outro dia de visita à herdade. Eles não sabem o que estou passando e ainda bem que é assim, pois hei-de gostar de ouvir-lhes esta “pôrra, tens que avisar a malta”. *In “Jornal de Notícias” de Moçambique

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