CIBERCIDADANIA: MODELOS PARA DISCUSSÃO EM ESPAÇOS PÚBLICOS DIGITAIS NÃO-ESTATAIS

July 25, 2017 | Autor: Antonio Roveroni | Categoria: Political Science, Cibercultura, Cidadania, Democracia, Governo Eletrônico
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CIBERCIDADANIA: MODELOS PARA DISCUSSÃO EM ESPAÇOS PÚBLICOS DIGITAIS NÃO-ESTATAIS Antonio José Roveroni, esp. Centro Unisal – Lorena – Programa de Mestrado em Direito Faculdade UNIRG [email protected]

RESUMO No final do século XX, a dicotomia indivíduo-sociedade que havia tomado corpo na Idade Média começa a regredir. O surgimento da Internet como um meio de comunicação que não depende de aparelhos meramente receptores e a possibilidade imediata de manifestação da opinião reacenderam o fogo da discussão cidadã, fazendo surgir Espaços Públicos Digitais Não-Estatais onde pautas reivindicatórias são discutidas livremente por pessoas ligadas diretamente ou não aos problemas levantados. Os polos individual e coletivo passam a interagir com maior frequência ante a impossibilidade de controle no ciberespaço. Nesse contexto, a discussão sobre justiça política, ou o retorno do debate sobre a importância da dimensão pública e as suas limitações éticas na vida coletiva ganha espaço. Formulações de possíveis modelos para essa discussão, como o sistema imunizador de Niklas Luhmann, que reduz o direito a um código binário; a neutralidade neokantiana de John Rawls, que procura excluir o mundo moral do debato jurídico; a Teoria do Agir Comunicativo de Jünger Habermas, onde, pelo discurso a intersujetividade contrói o entendimento; e a Ciberdemocracia planetária de Pierre Lévy são expostas no presente artigo como variáveis possíveis para o diálogo democrático na ágora virtual. PALAVRAS-CHAVE

Cidadania; Democracia; Governo Eletrônico; Justiça Política; Espaços Públicos Digitais Não-Estatais; Cibercultura.

1. INTRODUÇÃO Segundo o relato mitológico da criação do homem contado por Protágoras (PLATÃO, 427-347 a.C.), chegado o tempo da criação dos animais, os deuses do Olimpo confiaram aos irmãos Epimeteu e Prometeu, a incumbência de determinar as qualidades a serem atribuídas a cada espécie. Epimeteu, o imprevidente1, propôs então a seu irmão que o deixasse fazer sozinho essa distribuição, ficando Prometeu encarregado de verificar em seguida se tudo havia sido bem feito. Obtido o acordo proposto, Epimeteu passou então a distribuir as qualidades entre os animais, de modo a evitar que se destruíssem mutuamente e assegurar-lhes as mesmas possibilidades de sobrevivência. Destarte, atribuiu a certas espécies a força sem a velocidade, dando a outras, velocidade sem força. Para proteção contra as intempéries, revestiu os animais de peles ou carapaças. Para as fontes de alimento, visando a preservar o equilíbrio, decidiu que cada espécie teria seu alimento próprio no reino vegetal e, quando certos animais servissem de pasto a outros, estes seriam menos fecundos que aqueles, de modo a garantir a sobrevivência de todo o reino animal. No final da tarefa, Epimeteu se deu conta que havia distribuído todas as qualidades disponíveis entre os animais irracionais nada sobrando para compor o ser humano, que iria nascer nu e indefeso. Foi nessa situação embaraçosa, quando da verificação acordada inicialmente, que Prometeu o encontrou. Esgotadas as qualidades destinadas aos seres mortais, não viu Prometeu alternativa, senão subir ao Olimpo e, dentre os atributos próprios dos deuses, subtrair de Hefaístos e de Atenas a habilidade técnica, ou seja, a capacidade inventiva dos meios próprios de subsistência, atribuindo-a aos homens. Porém, não deu todas as habilidades a todos os homens indistintamente, mas na proporção de um especialista para cada grupo, mais ou menos numeroso de não-especialistas. Desta forma, por exemplo, nem todos os homens

1

COMPARATO (2001, p. 197), em nota, sugere que os nomes dos dois irmãos Epimeteu e Prometeu formam um trocadilho composto pelo radical do verbo manthanô – aprender, estudar, compreender – e os prefixos epi (após) e pro (antes). Com isso, Epimeteu é o imprevidente, o que “pensa depois” e Prometeu, “o que pensa antes”.

precisavam entender de medicina, bastando que existissem alguns médicos para cuidar adequadamente da saúde geral da coletividade. Contudo, mesmo munidos dessa qualidade divina, revelaram-se os homens, desde logo, incapazes de conviver harmonicamente uns com os outros, destruindo-se reciprocamente em dissensões e guerras contínuas. Felizmente para a espécie humana, Zeus lançou os olhos à Terra e, compadecendo-se de tal situação aflitiva, decidiu enviar seu mensageiro Hermes, recomendando-lhe que atribuísse aos seres humanos os sentimentos de justiça (dike) e de respeito pelos outros (aidôs), sem os quais não há sociedade que subsista, bem como, também, um atributo próprio seu: o dom da arte política. E advertiu de forma categórica Hermes: que esse dom não fosse distribuído como fez Prometeu com a habilidade técnica; todos os homens, indistintamente, deveriam possuir a arte política, pois, se apenas alguns fossem nela instruídos, não haveria harmonia social e a espécie humana acabaria por desaparecer da face da terra. Por fim, o pai dos deuses determinou que seu mensageiro instituísse a pena de morte para todo aquele que se revelasse incapaz de praticar a arte de governo, pois ele seria como que o inoculador de uma doença letal no corpo da sociedade (COMPARATO, 2006, pp. 35/37). Da antiguidade clássica até o final do século XX, muita coisa mudou no que concerne a importância dada à atividade política pelas pessoas. De suprema dimensão da vida coletiva, com o tempo, o engajamento político foi perdendo terreno no campo das primeiras preocupações do ser humano na medida em que o individualismo ia ganhando espaço na mente a na conduta humana. Foi na Idade Média a grande ruptura. O distanciamento da ação política das tradicionais limitações de ordem ética sustentado por Maquiavel, Bodin e Hobbes – cada um a seu modo –, a laicização do Estado, bem como a fixação das bases do capitalismo que, mais tarde, com Adam Smith, iria afastar completamente a política da economia foram, aos poucos, colocando os indivíduos cada vez mais longe da ação pública e cada vez mais fechados dentro de suas tramas egoístas. Com o liberalismo, o industrialismo, a imprensa e o nascimento dos Estados Nacionais – e também as invenções de melhores e mais eficazes meios de comunicação do tipo um-todos, como o rádio e a televisão – estava pronto o cenário para a Sociedade de Consumo, de Massa e a onipresença dos Estados Totalitários, diante de populações “apolíticas”, alienadas por seus sonhos pequenos burgueses de consumo. Ao nos perguntarmos como pode obter apoio maciço da população o nazismo – ou o fascismo, ou o estalinismo, tanto faz – para praticar as atrocidades que todos sabemos, uma resposta seria que “as pessoas estavam sob os efeitos de uma histeria coletiva”. No entanto, a hipótese comporta outra resposta: agiram assim, porque não foram devidamente vigiados pelas pessoas; estas, que acreditaram na idéia da representação, acreditaram que a participação política podia se limitar ao sufrágio universal, ou seja, alimentaram a crença que apenas o ato de votar as isentaria da responsabilidade política de seus governos. Em outras palavras, de dentro de seus lares, contando seus vinténs, protegidas por seus muros, grades e cercas elétricas, não achavam que a sanção imposta por Zeus tivesse a eficácia que teve: morte sem piedade! Contudo, no ocaso do século XX, como uma nova chance dada por Zeus, sem ninguém premeditadamente inventar, fruto da feliz convergência de tecnologia com interesse econômico e de comunicação com educação, surgiu a Internet, uma nova forma de interação que vem mudando definitiva e irreversivelmente cada vez mais a vida de mais e mais pessoas. A Rede Mundial de Computadores integra os modos de comunicação um-um, um-todos e todos-todos (LÉVY, 1999, p. 83) e abre novas possibilidades de governança nas organizações através de contato rápido – às vezes imediato – e direto de seus interlocutores, clientes, fornecedores, cidadãos. No caso dos governos – que se convencionou chamar “governo-eletrônico”, a possibilidade é nunca antes vista, nem as ágoras gregas no auge da democracia clássica, puderam gozar de um instrumento tão eficaz, abrangente e desterritorializado. O fato é tão novo, que ainda o chamamos, provisoriamente, de “Democracia Radical” (HOESCHL, [S.d.], p. 23) Fato é que, o e-gov é mais que uma possibilidade digital de gestão mais eficiente da informação e da comunicação entre governantes, controladores e governados, é mais que uma possibilidade de criação de ambientes digitais de simulação, testes, prospecção de necessidades e prestação de serviços públicos. É uma conseqüência impensada da impensada Internet, é a soma de tudo isso com os Espaços Públicos Digitais Não-Estatais que nascem a cada minuto. É um canal político de comunicação que nos permite cumprir as ordens de Zeus: sejamos, pois, cidadãos-governantes. Contudo, há vários problemas a enfrentar. Desde a carência material até o vício da deseducação cívica que a modernidade nos legou, pode ser feito um extenso rol de necessidades. O presente trabalho tem como foco um desses problemas, que consideramos básico: a dificuldade de entendimento, ou melhor, pretende discorrer sobre algumas formas possíveis de se estabelecer um fórum público de discussão sobre

um conceito de justiça política2 que se coloque como base da sociedade atual pluralista, multicultural, ultraconectada e que possa funcionar como vetor para o governo eletrônico na acepção de co-participação e co-responsabilidade que afirmamos. Nesse sentido, são destacadas e cotejadas as idéias de Niklas Luhmann (visão sociológica de sistemas), de John Rawls (liberalismo político neokantiano), de Jünger Habermas (Teoria do Agir Comunicativo) e Pierre Lévy (cibercultura e ciberdemocracia) e, sem deixar de lado outras opiniões, procuram-se pontos comuns que possam sustentar o estabelecimento de uma forma legítima de direito e de Estado, numa visão integradora das sociedades e da civilização norteada pela ética da interconexão.

2. CIBERCIDADANIA 2.1 Base Conceitual Para evitar confusões, esta primeira parte busca fixar o campo semântico, mesmo que de forma breve, dos conceitos que, adiante, serão inter-relacionados.

2.1.1 A Internet A Internet é o resultado da conexão comunicacional em mão-dupla dos computadores de pessoas físicas, de organizações públicas, privadas e do Terceiro Setor, bem como de entes despersonalizados3, formando uma “rede de redes”, consubstanciando-se em é uma forma social surgida no final do século XX, que não aceita nenhum tipo de controle, e sua difusão provoca transformação na vida política global, tornando obsoletas as anteriores formas de relacionamento (LÉVY, 2002, p. 17). Por conseguinte, é forçoso constatar que, uma vez nascidas, determinadas formas sociais parecem irreversivelmente reduzir as formas anteriores a papéis menores. Foi assim que as sociedades que nem tinham Estado nem escrita foram suplantadas pelas que sim, foi deste modo que as que recorriam à imprensa ultrapassaram as que não ou que a utilizavam menos, o mesmo poderíamos dizer a respeito das tecnologias numéricas. Efetivamente, ocorre uma seleção, cumulativa, de certas formas na evolução cultural. O progresso histórico no sentido da democracia liberal, claramente evidenciado por Francis Fukuyama, pode perfeitamente ser interpretado em semelhante quadro evolutivo. O mesmo se poderia dizer da evolução a longo prazo do direito, que, progressivamente, registra as regras de boa conduta que “sobreviveram” a todos os ambientes (pelo menos era assim que Friedrich Hayek via o direito). Curioso notar que a Internet surgiu de uma “fórmula improvável”: a soma da big science – compreendida esta como as investigações científicas que envolvem projetos vultosos e caros, geralmente financiados pelo governo; da pesquisa militar e da cultura libertária – esta, como a ideologia baseada na defesa intransigente da liberdade individual como valor supremo, contando, ou não, com o apoio do governo (CASTELLS, 2003, p. 19). Seu nascimento, em plena Guerra Fria, ainda sob o comando do Estado Totalitário e da Sociedade do Espetáculo, hoje pode ser interpretado como a criação suicida do próprio veneno. Esclarece COMPARATO (1989, p. 138/140) que até o advento dos meios de informação de massa – imprensa, rádio e televisão – o poder de informar era monopolizado pela família, pela escola e pela autoridade religiosa que, interligadas, possuíam o direito de informar, mas denegava-se peremptoriamente aos indivíduos o direito de se informarem e, obviamente, controlarem as informações recebidas. Acrescenta ainda que, até a Idade Moderna, não havia a organização de um espaço público, onde 2

HÖFFE (2006, p. 1) esclarece: “A crítica filosófica pode proceder de diversos pontos de vista. Ali, onde ela é determinada por uma idéia de uma obrigação suprapositiva, principalmente a idéia de eticidade, a tradição ocidental fala de direito natural na modernidade, também de um direito de razão, e mais neutramente de justiça política. Com a idéia de justiça política, as leis e as instituições políticas são submetidas, portanto, a uma crítica ética. E já que, na modernidade, o universo do político assume a figura de uma ordem de direito e de Estado, a justiça política designa também a idéia ética de direito e de Estado.” 3 Tomamos por “entes despersonalizados” todos aqueles que, embora não tendo reconhecida sua personalidade jurídica como sujeitos de direito, são reconhecidos na ordem social como representantes de idéias e pleitos reivindicatórios, independente da legalidade e/ou moralidade de suas ações. No Brasil, um exemplo é o movimento social MST (Movimento dos Sem Terra), no mundo, podemos citar as organizações terroristas ou os sítios libertários de Hackers na Grande Rede.

pudessem ser comunicadas idéias, queixas e acusações. Lembra Tocqueville que salientava que nas sociedades aristocráticas o indivíduo, encontrando-se sempre ligado a uma comunidade, a um estamento ou a uma corporação, que o defendia, não tinha necessidade desse veículo de comunicação universal que é a imprensa; e também dizia que nas sociedades democráticas, ao contrário, o extremo isolamento individual ocasionado pela igualdade faz da imprensa o único socorro do cidadão. Adverte, no entanto, que essa é uma “visão romântica” dos próceres do liberalismo, que puderam antever a importância da imprensa livre na sociedade de massas, mas deixaram de perceber o fato óbvio que a imprensa é um poder social e, nesse sentido, deveriam condenar – como fizeram com os monarcas que se apropriavam da res publica – a apropriação dos órgãos de imprensa por particulares. Essa falha capital no esquema do liberalismo – ou, se se quiser, esse ponto fundamental no processo de ascenção social da burguesia, correspondente ao seu mais claro interesse de classe – tornou o sistema de meios de informação de massa antes um veículo de dominação oligárquica do que um instrumento de defesa democrática, em contraste com as proclamações liberais. De seu lado, o Estado antiliberal do século XX não tardou em incorporar em seu arsenal de poderes mais este, de eficiência comprovada: ultrapassando a simples censura das informações privadas, prerrogativa considerada obsoleta, os governantes passaram, eles próprios, a explorar intensamente a indústria da informação de massa. Ou seja, também aí, o poder social de informação foi submetido a uma apropriação e desviado de seu objetivo público. E, na exploração dessa nova indústria da informação social, os proprietários, públicos ou privados, serviram-se preferencialmente de três técnicas: a linguagem ideológica; a omissão ou deturpação de notícias importantes; e a farta divulgação de futilidades ou de programas de simples entretenimento (COMPARATO, 1989, pp. 139/140). Como se vê, a Internet, diferente dos meios de comunicação massificantes, tem o poder de por em contato pessoas e idéias sem direcionamento, sem manipulação. É, portanto, uma nova forma social, no que tange à técnica de comunicação e quanto ao alcance extremamente abrangente, bem como um instrumento do poder social. É um novo ingrediente: canal de comunicação e interação entre pessoas, entre governos e cidadãos. Se, no nosso ambiente familiar ou geográfico imediato, ninguém for eloquente na defesa de um ponto de vista e se tal prisma também não for claramente exposto na televisão, na rádio ou nos grandes jornais, por muito que “vivamos em democracia”, não deixamos de ignorar a verdadeira paisagem das idéias, quer sejam políticas, filosóficas, científicas ou outras. Ora, na rede, o cibercidadão pode descobrir um sem-número de idéias e propostas que nunca teria imaginado se não tivesse ligado. Além disso, na Internet, as idéias são expressas por aqueles que as produzem e pensam, não por jornalistas forçados a simplificar, senão a caricaturar, por falta de tempo ou de competência. Por conseguinte, o novo meio de comunicação é particularmente favorável a que se ultrapasse o espaço público clássico (LÉVY, 2002, p. 56)

2.1.2 O Governo A palavra “governo” tem sua origem no termo latino kubernetes, designação do timoneiro de embarcações, ou seja, governar é dar direção, comandar, dirigir. Contudo, com o desenvolvimento político da humanidade, esse comando não pode ser exercido ao bel prazer do governante – seja ele uma pessoa, ou um colegiado – deve estar atrelado ao substrato ético social, numa condição teleológica, conforme deixou claro ROUSSEAU (2006, p. 66) ao definir o governo: “Um corpo intermediário, estabelecido entre os vassalos e o soberano4, para possibilitar a recíproca correspondência, encarregado de execução das leis e da manutenção da liberdade, tanto civil como política”. Nesse sentido, o governo é entendido como a condução ideológica das ações do Estado e, para tanto, detém uma dose de poder, este um elemento essencial constitutivo do Estado, representando sumariamente “aquela energia básica que anima a existência de uma comunidade humana num determinado território, conservando-a unida, coesa e solidária” (BONAVIDES, 2001, p. 106). Há, portanto, um entrelaçamento de força e competência, compreendida esta última como legitimidade oriunda do consentimento, este conferido ao governante, pelos governados, através do sistema jurídico. Governar, dessa forma, é “faculdade de tomar decisões em nome da coletividade” (AFONSO ARINOS, apud BONAVIDES, 2001, p. 106). 4

Cumpre lembrar que ROUSSEAU dá o nome se “Soberano” à vontade geral, esta, a deliberação pública, o próprio Contrato Social.

Sendo assim, os atos do governo devem sempre ser revestidos da devida publicidade (transparência na administração), necessária ao exercício do controle pelos governados, no que tange à legitimidade dos mesmos.

2.1.3 O Governo Eletrônico No sentido que acabamos de ver, no “Governo Eletrônico”, a Internet é incorporada nessa relação, ou seja, de um lado o governo presta serviços e informações (incluídas as prestações de contas) aos cidadãos, de outro, estes participam do governo, contribuindo diuturnamente para a formação do ethos social através de um debate ininterrupto. É o que se convencionou chamar governança eletrônica, que pode ser entendida como a gestão que “diz respeito à capacidade governativa em sentido amplo, isto é, capacidade de ação estatal na implementação das políticas e na consecução das metas coletivas”, ela lida com “a dimensão participativa e plural da sociedade.” (VIEIRA, 2001, apud CANUT, 2004, p. 68). Daí, temos que a principal característica do e-gov, para os fins do presente trabalho, é que proporciona uma articulação entre governantes e governados. Uma conexão nunca antes experimentada pela associação estatal. Seus fatores de realização são a popularização do microcomputador, a evolução da infra-estrutura de telecomunicações e o progresso educacional da população. Com isso, deixamos acertado que passaremos ao largo das questões referentes à prestação de serviços pelas administrações aos administrados – uma outra vertente extremamente importante do e-gov – centrando esforços na questão da interdependência entre governo e vontade geral no que tange à legitimidade da representação.

2.1.4 Espaço Público Digital Não-Estatal De tudo o que se colocou até agora, temos que a nova realidade criada pela Internet – a conexão – cria um ambiente espiritual, onde documentos e fatos sempre estarão à distância de um click das pessoas e suas consciências, formando, pelo ação da inteligência coletiva um “cérebro gigante”, o ciberespaço (LÉVY, 1999, p. 31) que se consubstancia em um Espaço Público Digital Não-Estatal. Os problemas comuns passam a ser discutidos em múltiplos fóruns virtuais, que se operam por várias formas, desde o correio eletrônico (nas mensagens “em grupo”), em sala de conversação, listas de assinaturas e discussão, grupos temáticos, petições públicas e cidades digitais (LÉVY, 2002) e, ultimamente, pelo chamado “modelo wiki”5, este, um hiper-documento que pode ser editado de qualquer ponto, consubstanciando-se em uma forma de construção coletiva que pretende conter o substrato social sobre um ou vários temas. As razões para esse comportamento mais engajado das pessoas pode ser explicado historicamente. No século XX, os debates acerca da democracia superestimaram e desenvolveram a questão da representatividade. No presente, o debate prossegue, porém no sentido de outra vertente, questiona-se a democracia representativa discutindo sua crise na busca de novos instrumentos de participação diferentes do voto, que aparecem como formas de inclusão do povo no processo decisório de governo (CANUT, 2004). Isto se dá, porque a cidadania clássica, baseada no voto, se tornou eminentemente formal, uma vez que este instrumento de manifestação da vontade geral se mostrou de um lado descontínuo – as eleições ocorrem em hiatos relativamente longos – e, por outro, ilegítimo, pela influência de fortes instrumentos comunicacionais de convencimento de massa, como a propaganda – lembramos as questões referentes à imprensa já colocadas – e pelo marketing político. Decorre deste estado de coisas, que o Estado, no final do século XX passou a enfrentar sérias crises de legitimidade. Primeiro, pela manipulação da opinião pública, foi perdendo seu caráter de consciência; depois, com a evolução dos paradigmas sociais – que passou a reconhecer os chamados “direitos das minorias” – ficou claro que a “ditadura da maioria” é uma realidade, sobretudo quando se admite a manipulação pelos meios tradicionais de comunicação e o “direito a ser diferente”. Em suma: “os cidadãos não se reconhecem mais nas instituições que foram por eles criadas (PIERRE LÉVY, apud, CANUT, 2004). Diante deste quadro, passam a ser revistos os conceitos de democracia e cidadania. Nasce uma preocupação cada vez maior de se resgatar uma “educação cívica” (MENOU, 2006), que obriga maior participação política por parte das pessoas, com a inserção cada vez maior do indivíduo na comunidade política. Não basta, portanto, nem a eleição de representantes – como “depositários da vontade política” – 5

Wiki – documento editável na rede. Um exemplo é a Assembléia Constitwiki, que convoca todos os brasileiros para alterarem o texto da Constituição de 1988, propondo novos artigos e discutindo os existentes. Os organizadores pretendem fazer circular na Internet o texto com o intuito de recolher assinaturas para adquirir o caráter de petição popular.

nem a intermediação da sociedade civil pelas chamadas Organizações Não Governamentais, o pluralismo cultural, o respeito às minorias, exige a participação direta. A Internet possibilita que se tenha comunicação verdadeira, esta “que não procede em mão única, do informante para o informado, mas estabelece um entrecruzamento regular de fatos, idéias e opiniões” (COMPARATO, 1989, p. 143). O cidadão, nesse contexto, tem de um lado mais informação e liberdade e, de outro, uma responsabilidade acrescida – o e-cidadão participante nas escalas regional e planetária. Daí, “a visão republicana cívica”, que valoriza a participação política e “atribui papel central à inserção do indivíduo em uma comunidade política” (VIEIRA, 2001, apud CANUT, 2004, p.71). O conceito de cidadania se estende: a “prática da cidadania depende da reativação da esfera pública, em que os indivíduos podem agir coletivamente e se empenhar em deliberações comuns sobre todos os assuntos que afetam a comunidade política. [...]”. Esta nova cidadania que “fornecerá o élan vital para a criação de uma nova institucionalidade política, em que a sociedade civil cumprirá papel central na construção de um espaço público democrático[...]” (VIEIRA, 2001, apud CANUT, 2004, p.72). O Espaço Público Digital Não Estatal ganha em legitimidade, portanto, por ser uma “estrutura institucional mais democrática, posto que ancorada na sociedade civil e não nas elites que tradicionalmente controlam a sociedade política” (VIEIRA, 2001, apud CANUT, 2004, p.77-78). E também assume função auto-educativa, pois, como uma forma descentralizada de organização e intervenção nas ações públicas, mais do que organizar atividades e partilhar informações – ou ainda influenciar na conformação do Estado para seu próprio desenvolvimento – faz avançar a conscientização de que se vive em coletividade e se comungam problemas, mesmo que não sentidos diretamente, ou seja, a cidadania avança nas perspectivas civil, política e social. Em outras palavras, no Espaço Público Digital Não-Estatal, a pessoas configuram os governos de sua cidade, de sua unidade federada – se for o caso – do seu Estado, do planeta e também se auto-configuram. Mas há medidas a serem implementadas, no entanto, como seus detalhamentos ultrapassam os objetivos do presente trabalho, serão feitas apenas algumas indicações de que e são fortes os sinais no sentido de que estão sendo efetivadas. Os gestores dos sistemas informáticos dos governos e organizações públicas e privadas já atentam, na sua confecção, para os padrões de convergência, mobilidade e interoperatividade que possibilitam acesso remoto por vários meios às bases de dados, a integração e o cruzamento de suas informações6. A infra-estrutura de comunicações e de energia elétrica vai estendendo seus tentáculos até os ermos dos sertões mais afastados. Os maiores problemas, porém, são os de ordem econômica e social – o que acaba diminuindo a velocidade do processo – que estão ligados à distribuição de renda e à alfabetização e educação digital. Contudo, estes também estão sendo enfrentados, podendo ser citados o Programa “Acessa São Paulo”, do governo paulista e também a distribuição de Telecentros7 (Escolas de Informática e Cidadania), do governo federal do Brasil. Volvendo aos objetivos inicialmente estabelecidos, até o presente momento entendemos fixados os elementos introdutórios e conceituais para delimitação do problema, ou seja, tendo em vista a crescente participação política individual na associação estatal por conta da Internet possibilitar a existência de Espaços Públicos Digitais Não-Estatais, como se devem dar essas discussões? Existe um modelo, ou aparato jusfilosófico apropriado e coerente com essa nova realidade? Além das construções teóricas que reconhecem e exploram a cibercultura, há esforços de filosofia política que buscam o aprofundamento da democracia reconhecendo a transparência e a ética da inteligência coletiva como vetores essenciais da convivência? Algumas respostas a estas formulações são a seguir alinhavadas.

2.2 MODELOS PARA DISCUSSÃO EM ESPAÇOS PÚBLICOS DIGITAIS NÃOESTATAIS Conforme exposto na introdução, inúmeros autores se debruçaram sobre a questão de como se formatar possíveis fóruns de discussão sobre justiça política contemporânea buscando coerência com os vetores democráticos, passamos, então a discorrer sobre alguns deles.

2.2.1 O Sistema Imunizador Luhmaniano Niklas Luhmann, com uma visão à luz da Teoria Sociológica de Sistemas coloca o direito como elemento da estrutura da sociedade, entendida esta, como “um sistema social que, em um ambiente altamente 6

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, através de sua Comissão de Informática, pode ser citado como um exemplo dessa preocupação, através do Cadastro Nacional de Advogados, que pretende integrar informações de aproximadamente 600 mil profissionais e também o contato entre eles (OAB, 2005). 7 Convênios entre o Governo Federal brasileiro, município e entidades têm propiciado a instalação de milhares de telecentros comunitários em todo o país, com acesso gratuito à Internet e e-mail comunitário.

complexo e contingente, é capaz de manter relações constantes entre as ações” (LUHMANN, 1983, p. 168), ou, em outras palavras, um ambiente no qual se pode excluir a aleatoriedade das possibilidades pelo caráter conservador do direito. Nesse sentido, o direito é visto como um instrumento de controle empírico da sociedade e se consubstancia, também, por sua vez, em um sistema, gozando de lógica própria: Partindo de sugestões para o desenvolvimento da teoria de sistemas parece lógico que se conceba a sociedade como um sistema social que, em um ambiente altamente complexo e contingente, é capaz de manter relações constantes entre as ações. Para tanto o sistema tem que produzir e organizar uma seletividade de tal forma que ela capte a alta complexidade e seja capaz de reduzi-la a bases de ação, passíveis de decisões. Quanto mais complexo é o próprio sistema, tanto mais complexo pode ser o ambiente no qual ele é capaz de orientar-se coerentemente. A complexidade de um sistema é regulada, essencialmente, por meio de sua estrutura, ou seja pela seleção prévia dos possívieis estados que o sistema pode assumir em relação ao seu ambiente. Por isso as questões estruturais, e entre elas as questões jurídicas, são a chave para as relações sistema/ambiente e para o grau de complexidade e seletividade alcançável nessas relações. (LUHMANN, 1983, p. 168) Para isto, ao homem deve se estender também a visão sistêmica. Para tanto, abandona-se a idéia de que homem e sociedade são forças vivas, sendo a sociedade uma associação de homens concretos, ou seja, não se pode considerar que o homem encontra sua liberdade e sua virtude, sua sorte e seu direito enquanto parte viva da sociedade também viva. O homem passa a ser considerado em vista de suas ações relacionadas – e dos sentidos dessas ações – como um “organismo comandado por um sistema psíquico (personalidade)” (LUHMANN, 1983, p. 169). Numa sociedade cada vez mais globalizada, se torna impossível o isolamento, isso faz com que os sistemas psíquicos (gente) estejam mais e mais em contato, gerando insegurança com relação à função de cada um no quadro social, ante à abertura de infinitas possibilidades. Com isso, cada vez mais as expectativas com relação à conduta alheia vão se frustando e o padrão de comunicação entre os sistemas psíquicos acaba se estabelecendo apenas como uma seleção de sentido entre eles, ou seja, estabelece-se o entendimento apenas no campo semântico da linguagem; as pessoas “se entendem”, literalmente. Como o sistema psíquico é o único operador do processo de constituição de sentido, se consubstancia em uma instância constituída de moda auto-referido e auto-reflexivo. O sujeito, logo, é uma mônada sem janelas, ou “caixa-preta”. Duas caixas pretas entram casualmente em contato. Cada uma delas determina sua posição frente à outra mediante operações auto-referenciais complexas no interior de seus próprios limites. O que se torna visível é necessariamente uma redução. Porquanto cada uma delas supõe que o mesmo acontece com a outra. Por isso, as duas caixas pretas permanecem, apesar dos esforços... intransparentes entre si (LUHMANN, 1995, apud SIEBENEICHLER, 2006). Ou seja, operações psíquicas de uma consciência jamais podem ser realizadas em uma outra consciência. São símbolos de um potencial de insegurança intranscendível. A idéia central é que o principal problema das sociedades complexas reside na falta de confiança – ego e alter se bloqueiam reciprocamente. Logo, a intersubjetividade não se dá nem na esfera interna do ego, nem da no alter, mas num certo ponto situado entre ambos – são engates ou seleções de sentido. Dessa forma, se uma determinada suposição funciona como “engate”, segue-se outra e assim por diante. A mediação entre ego e alter só pode ser pensada como diferença, não como identidade. A partir daí, conclui-se que, para LUHMANN, se torna impossível o entendimento pleno, logo, em um Espaço Público Digital Não-Estatal, a discussão deve ser fechada em um modo de operar a comunicação entre caixas-pretas. O método, portanto, é pressupor um agir sistêmico, constituindo-se o direito a ser construído em uma operação básica que permite manter os limites entre as caixas-pretas. Nesse sentido, o direito é “comunicação na forma do direito” (SIEBENEICHLER, 2006, p. 51), ou seja, uma comunicação que visa manter limites estabelecidos pela sociedade, um sistema de comunicação autopoiético que produz por si mesmo todas as distinções, designações e normas que utiliza. Além disso, o direito não é um modo de comunicação qualquer, tem um número ilimitado de comunicações. Essas comunicações podem ser produzidas num esquema de código binário: direito/não direito (recht/unrecht), justo/injusto, lícito/ilícito. Em sociedades complexas, esse esquema deve ser complementado por um segundo código binário: permitido/proibido. Com isso, o direito se distancia da moral e se transforma em um sistema auto referencial e auto controlado, abrindo caminho para uma outra esfera de comportamentos moralmente neutros.

Um amplo e complexo sistema jurídico, portanto. Esses dois esquematismos (justo/injusto e permitido/proibido), cuja finalidade é fornecer informações pra uma compreensão melhor do direito, permitem estabelecer um modo de comunicação, ou seja, um sistema de engates e de seleções de sentido que continuam funcionando em meio a conflitos, mesmo quando os meios normais de comunicação falham. Nesse sentido, o direito não serve para evitar conflitos, mas tende, inclusive, a multiplicá-los a medida em que as relações sociais vão se tornando mais complexas. A função básica do esquematismo é, portanto, a solução não violenta de conflitos, mediante formas de comunicação jurídicas e propicia segurança jurídica – permite estabilizar, mediante normas, expectativas de comportamento que encontram respaldo na sociedade. Em outras palavras: é um “sistema de imunidade” que protege a sociedade – por meio de um operar comunicativo – contra a complexidade e insegurança oriunda das caixas-pretas. Podemos concluir que LUHMANN parte de uma radical perspectiva funcionalista que trabalha, basicamente, com a diferença, ou seja, caso um Espaço Público Digital Não-Estatal resolva adotar esse método, basta estabelecer uma distinção inicial nos códigos binários conjugados lícito/ilícito e permitido/proibido que a especificação das estruturas vão sendo construídas pelo próprio sistema - agora nos referimos ao sistema mesmo da base de dados do Espaço Público - à medida em que as "caixa-pretas" vão navegando por ele. Seu pressuposto é que a designação ou tematização de algo implica que qualquer descrição tem que ser capaz de distinguir esse algo de outras coisas, já que, ao distinguir algo de tudo o mais ela está caracterizando o objeto. Nesse sentido, a razão se torna desnecessária, basta ter o conceito e poder fazer distinções. O imperativo categórico do Espaço Público será, portanto, estabelecer distinções.

2.2.2 O Liberalismo Político de John Rawls A doutrina política de John Rawls se debruça sobre a realidade do pluralismo, propondo um modelo não totalitário para o convívio social de pessoas que detém diferentes – e até completamente opostas – concepções morais e éticas, no entanto, são livres para estarem em contato dentro de um Estado, num mundo cada vez mais globalizado. Sua proposta se baseia numa concepção política de justiça que, dessa forma, possa ser base para a racionalidade e razoabilidade no convívio e estruturar – bem ordenar – a sociedade como um “sistema equitativo de cooperação entre cidadãos livres e iguais com as futuras gerações” (RAWLS, 2003, p. 6). Partindo dessa idéia central, no que chama de “pluralismo razoável”, fixa seus “dois princípios de justiça” que devem nortear toda e qualquer discussão sobre justiça política. São, esses princípios, as principais características de um regime democrático bem ordenado: 1º – cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais que seja compatível com o mesmo esquema de liberdades para todos (a idéia é de isonomia, ou seja, igualdade de liberdades básicas devem ser garantidas de forma a que nem o próprio Estado pode limitá-las); 2º – as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: a) devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades; e b) tem de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade (princípio da diferença). Com esses postulados, RAWLS indica que o meio de se evitar o choque entre as pessoas no dialógo que leva à construção da idéia de justiça política é abrir mão de suas concepções de bem, que chama de “doutrinas abrangentes”. Nosso objetivo não é descrever e explicar como as pessoas se comportam de fato em certas situações, ou como as instituições funcionam de fato. Nosso objetivo é descobrir uma base pública para uma concepção política de justiça e isso é da alçada da filosofia política e não da teoria social. Ao descrevermos as partes não estamos descrevendo pessoas tal como as conhecemos. As partes são descritas de acordo com como pretendemos modelar os representantes racionais de cidadãos livres e iguais8 (RAWLS, 2003, p. 114/115). Nesse sentido, a discussão pública de justiça deve partir de uma “posição original”, esta posição só é atingida, se forem observados – além dos dois princípios de justiça – mais dos aspectos que conformariam “condições razoáveis” de discussão: a simetria e o véu da ignorância. O primeiro ocorre quando se “situam simetricamente os representantes dos cidadãos, representados exclusivamente como pessoas livres e iguais, e não como pertencentes a esta ou aquela classe social, ou como possuidores destes ou daqueles talentos naturais, ou desta ou daquela concepção (abrangente) do bem” (RAWLS, 2003, p. 116). O segundo – véu da ignorância – impede que os representantes conheçam as doutrinas abrangentes e as concepções de bem dos representados. 8

Para efeitos desse trabalho, entendemos os “representantes racionais de cidadãos livres e iguais” os Espaços Públicos Digitais Não-Estatais, assunto que não foi enfrentado diretamente por RAWLS.

Explica RAWLS que esses pressupostos são necessários para que se dê preferência ao racional em detrimento do razoável nas discussões. temos de distinguir entre o racional e o razoável, distinção análoga à distinção de Kant entre o imperativo hipotético e o imperativo categórico. O procedimento do imperativo categórico de Kant submete as máximas racionais e sinceras de um agente (formuladas à luz da razão prática empírica do agente) às restrições razoáveis contidas naquele procedimento, submetendo assim a conduta do agente às exigências da razão prática pura. De modo similar, as condições razoáveis impostas às partes na posição original cerceiam-nas no esforço de alcançar um acordo racional sobre princípios de justiça em que cada qual procura defender o bem daqueles que representa. Em cada caso, o razoável tem prioridade sobre o racional e o subordina inteiramente (RAWLS, 2003, p. 115). Para efeitos de construção de Espaços Públicos Digitais Não-Estatais levando em consideração essas concepções de RAWLS, os limites das discussões são estabelecidos pela racionalidade das propostas e são excluídas as concepções morais, portanto, dos participantes. Resulta um menu de opções onde se encontram princípios contendo as mais importantes concepções políticas da tradição de um dada sociedade, lista esta na qual podem ser incluídos novos princípios e excluídos outros, desde que o critério seja o puramente racional e não o “bom”. Como vemos, RAWLS admite a pluralidade e acredita ser a neutralidade uma maneira de convivência política justa e estável entre cidadãos profundamente divididos por doutrinas (totalidades) morais, religiosas e filosóficas incompatíveis. Para tanto, deve haver fundamentos constitucionais e questões de justiça básica. Os fundamentos constitucionais estão ligados à organização e poderes do Estado, ao processo político e ao sistema das liberdades básicas que devem ser respeitadas pela maioria governante. Mas há também questões de justiça básica que devem ser discutidos: os aspectos essenciais da justiça distributiva; os aspectos essenciais dos níveis de desigualdade; as condições efetivas para a igualdade de oportunidades; e a dimensão econômica. Em suma: se aceitamos a existência de um desacordo razoável, também temos que aceitar que determinados princípios são comuns – pode haver um consenso por sobreposição e este se dá no que chama de “ponto de convergência”. Dessa forma, qualquer discussão nos Espaços Públicos Digitais Não-Estatais que se pretendam fecundas, deverão estar dotadas desse “esquilíbrio reflexivo”, lembrando sempre que as circunstâncias da justiça refletem condições históricas e, sendo a condição histórica da política do limiar do século XXI é a diversidade que: “Não existe maneira politicamente praticável de eliminar a diversidade, exceto pelo uso opressivo do poder estatal para impor uma determinada doutrina abrangente e silenciar toda dissensão, o que denomino fato da opressão” (RAWLS, 2003, p. 118).

2.2.3 O Agir Comunicativo de Habermas Jünger Habermas vê sérios defeitos na teoria de J. Rawls, no entanto, não nega que ela pode contribuir para a institucionalização pacífica da cooperação social. Sua maior crítica é que, a teor da formulação de RAWLS, os cidadãos têm que, primeiro, se convencer da concepção de justiça antes de poderem firmar algum consenso. Nesse sentido, HABERMAS pensa diferente, o conceito de justiça, tendo em vista que o consenso é apoiado na linguagem comum e na racionalidade comunicativa, se constrói mutuamente entre as pessoas na experiência da intersubjetividade. A razão, portanto, é comunicativa e pública, não uma simples inteligência que opera e calcula monológica e secretamente: “Para sabermos se aquilo que fazemos no mundo ou se nossas representações do mundo são racionais, não temos outra saída a não ser a troca pública – livre e libertadora – de argumentos sobre aquilo que experimentamos e pensamos” (SIEBENEICHLER, 2006). Para HABERMAS, então, intersubjetividade tem um pano de fundo, a linguagem comum (que se opera quando os interlocutores comungam do mesmo "mundo da vida"). Comunicação ou interação se dá, dessa maneira, entre sujeitos capazes de falar e agir e que por isso mesmo não podem ser tidos como mônadas destituídas de janelas, nem caixas-pretas. Adquire, assim, sentido em um processo de interação, lingüístico, social, histórico e frágil, onde, ego e alter são orientados pela possibilidade de entendimento – são sujeitos que se socializam por meio de uma comunicação intersubjetiva viabilizada pela linguagem que é comum a ambos. Nesse sentido, os mundos da vida são compartilhados intersubjetivamente – ego e alter se transformam com o discurso. O pressuposto, o horizonte, os recursos e o contexto para processos racionais de entendimento se dão, portanto, pela linguagem e os discursos são argumentos destinados a resgatar pretensões de validade.

Contrariando LUHMANN, HABERMAS adverte que, numa perspectiva estratégica – as caixas-pretas cumprem as normas simplesmente porque são dotadas se sanção - as pessoas consideram as normas como simples ordens que interpõem limites a seu espaço de ação “...quando isso acontece, o direito deixa de ser fruto de um entendimento intersubjetivo motivado racionalmente, obtido no âmago de uma associação de membros livres, iguais e autônomos de direito” (SIEBENEICHLER, 2006), enquanto que, numa perspectiva performativa, intersubjetiva e comunicativa – as pessoas interpretam o direito como mandamentos válidos e legítimos, a serem seguidos por respeito à lei. Para apoiar a legitimidade das normas jurídicas de sociedades pluralistas, multiculturais e altamente complexas, HABERMAS formula a seguinte hipótese teórica: mesmo que as condições complexas e multifuncionais das nações e grupos humanos da sociedade contemporânea sugiram o contrário, é possível pensar que o direito está ligado à idéia de uma auto-organização de cidadãos livres e iguais. Nesse sentido, lançando mão da razão comunicativa (procedimental), é possível discutir a validade do direito, que passa a ser o resultado de uma “gênese racional” e de um procedimento racional comunicativo e discursivo detentor de um sentido performativo (SIEBENEICHLER, 2006). Isso porque, nas sociedades pluralistas atuais, não existe mais a possibilidade de um consenso generalizado sobre o conteúdo moral ou natural das normas do direito, apenas sobre o procedimento capaz de gerá-las e esse procedimento só pode ser o procedimento comunicativo e democrático – sua única fonte de legitimidade pós-metafísica aceitável em meio ao atual pluralismo. Ou seja, nele, o direito positivo pode se legitimar “mediante um procedimento público e racional de formação da opinião e da vontade dos cidadãos”. “Podem pretender legitimidade as normas e modos de agir com os quais poderiam concordar livremente todos os possíveis atingidos enquanto participantes de um discurso racional” (SIEBENEICHLER, 2006). Dessa forma, o direito preenche funções de integração social. Funciona, pois, como uma correia de transmissão capaz de transportar a solidariedade humana para um nível mais abstrato, que é o da solidariedade cidadã e coação jurídica converte-se em meio de integração. Habermas formula também um segundo argumento: a legitimação das ordens jurídicas pós-modernas implica na idéia de autodeterminação do sujeito. Tal idéia leva a pensar que os cidadãos devem poder se entender, a cada passo, como autores autônomos do direito ao qual estão sujeitos como destinatários. Sustenta, portanto, Habermas que os elos entre Estado de Direito e democracia não são causais nem meramente históricos, são internos e conceituais. De tudo que vimos do pensamento de HABERMAS, podemos retirar como indicativo para a construção de Espaços Públicos Digitais Não-Estatais, que devem atentar para, o mais possível, “por em contato” os interlocutores, deixando que as suas trocas recíprocas de argumentos e contra-argumentos construam os pilares da justiça política que se tornem canais de comunicação entre governo e governados.

2.2.4 A Ciberdemocracia de Pierre Lévy Para Pierre Lévy, sempre lírico e otimista, a governança planetária se constrói naturalmente. Os projetos, tanto do socialismo, como do capitalismo têm um ponto de encontro natural que estará cada vez mais próximo quanto mais rápido o processo de educação da população se concluir. A cidadania e a democracia pressupõem o alfabeto, isto é, a possibilidade da cada cidadão ler, aplicar e criticar a lei, assim como a de participar da sua elaboração. A imprensa permitiu a edificação dos Estados-nação, assim como o desenvolvimento das opiniões nacionais, graças a uma defesa pública inicialmente estruturada pelos jornais e, depois, pela rádio e pela televisão. A rede telefônica mundial, a televisão por satélite, a multiplicação dos canais televisivos e, mais recentemente, a interligação mundial dos computadores, que integra todas as mídias anteriores num meio de comunicação interativa original, leva oa nascimento de um novo espaço público (LÉVY, 2002, p. 29). Com isso, a expansão do ciberespaço traz, ao mesmo tempo, mais liberdade e mais comunicação e interdependência. A construção de um “metatexto planetário” de forma comunitária cria um “tecido vivo” que se materializa em uma “cultura mundial”, um “ambiente de sentido” humano que vai se compondo pelo entrecruzamento ativo e a interligação criativa de todas as vozes. Na noção de democracia, há, simultaneamente, a idéia dos direitos e das liberdades, que implicam a iminente diginidade do cidadão (versão política da pessoa), e a deliberação, do debate e da busca comum das melhrores leis e, portanto, da inteligência coletiva no que tem de mais nobre: a procura de uma regra justa, imparcial, universal. Em suma, a democracia compreende, ao mesmo tempo, a idéia de liberdade e a de inteligência coletiva (LÉVY, 2002, p. 31)

Pelo que se vê, para LÉVY, toda a Grande Rede é um só Espaço Público Digital Não-Estatal onde cabem todas as línguas, todas as formas de expressão, de reivindicação, de protesto, de regozijo, de organização e de humanização. Mas adverte: a luta é contra a exclusão digital – no sentido de colocar como dever de “todas as autoridades políticas responsáveis, não deixar nenhuma parte da juventude na ignorância da rede” (LÉVY, 2002, p. 90).

3. CONCLUSÃO Dentro das limitações impostas pelos objetivos do presente trabalho, podemos tirar uma primeira conclusão: que estamos diante de novos conceitos de esfera pública – ou não tão novos assim, sobretudo se considerarmos que a dicotomia indivíduo/sociedade é uma invenção da modernidade. O modelo representativo, fruto da ótica da representação política se encontra em crise e começa a surgir um novo modelo, o modelo participativo, que se alimenta da ótica associativa. Por sua vez, a idéia de esfera pública, não se trata da reciclagem da noção de “espaço público”, onde, no ideal liberal, especialistas do modelo representativo habitam, mas de um ambiente na visão habermasiana discursiva que atua como instância mediadora entre os impulsos comunicativos gerados no mundo da vida e as instâncias que articulam institucionalmente as decisões políticas, seja de parlamentos, seja de conselhos, seja do próprio indivíduo visto singularmente. Os mecanismos de representação e participação propostos por RAWLS – o consenso sobreposto e o véu da ignorância – também podem contribuir para a conformação dos Espaços Públicos Digitais NãoEstatais e não podem ser excluídos a priori – nem mesmo a formulação do direito em código binário, proposto por LUHMANN. Por outro lado, a idéia de Espaço Público Digital Não-Estatal como “ponto de conexão entre as instituições políticas e as demandas coletivas, entre as funções de governo e a representação de conflitos” proposta por VIEIRA (2001, apud CANUT, 2004), é elastecida, à luz de uma visão mais abrangente, da inteligência coletiva. Nem o direito tradicional (preso em um positivismo sem alma), nem o sistema representativo, conseguem mais dar respostas efetivas e eficazes para as transformações que se operam e, caso não se reciclem, não sobreviverão à sociedade do conhecimento, nem à liberdade proporcionada pelo binômio educação/acesso na formação de uma comunidade planetária. Um exemplo disso é a atual situação moral da classe política brasileira, flagrada incessante e insistentemente por câmeras e sistemas de controle em atos denegridores do parlamento e da res publica – isso sem falar na mínima noção de compostura do mais comum dos populares. A adoção de técnicas de confecção de sistemas especialistas para a gestão da informação dos Espaços Públicos Digitais Não-Estatais, utilizando as formulações para discussão da idéia de justiça política desenvolvidas no presente trabalho encontra viabilidade. Serve a lembrança de que “em vários momentos de seu desenrolar, o desenvolvimento humano decorre de idéias provenientes de alguém que está livre das amarras da racionalidade científica, ou ainda de alguém que possua desprendimento suficiente para formular uma hipótese considerada improvável (ROESCHL, 1997). Máxime, porque falamos de um modelo teórico para governo eletrônico cidadão, e não de “controle” do – e pelo – Estado da vida privada, e nem de prestação de serviços públicos. A construção destes sistemas “inteligentes” pode – e deve – ser livremente exercitada pela sociedade civil (ou planetária), tendo em vista que as iniciativas estatais, não raro esbarram na burocracia e no conflito de interesses entre os seus níveis, sobretudo por desarticulação, acabando em ações, até, conflitantes (TAKAHASHI, CHAHIN, 2004, p. 94). Qualquer discussão nos Espaços Públicos Digitais Não-Estatais que pretenda questionar as bases sociais, não pode perder de vista a questão da justiça política – ou Direito Natural – pois, como elemento estrutural da sociedade, o Direito deve ser concebido como “uma formulação provisória de uma aprendizagem coletiva sempre em aberto” (LEVY, 2002, p. 12). O poder de subjugar – seja pela força, seja pela apropriação ilegítima da informação – é verbo passado, os sistemas especialistas, as novas ágoras, novos modos de informação e deliberação impõe um novo proceder ético da sociedade, conforme observou VON BRADENBRUG, “a tecnologia não é um meio de opressão ou alienação, mas sim um meio de descentralização e democratização política”, acrescentando que, contrariamente às primeiras previsões, longe de serem instrumentos de opressão, o contrário aconteceu “com os computadores se tornando instrumento que promovem democracia ( apud ROESCHL, 1997).

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