Cícero. Partições Oratórias. (Introdução)

July 25, 2017 | Autor: Angélica Chiappetta | Categoria: Cicero, Retórica
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INTRODUÇÃO
De como mover os ânimos e estabelecer a fé:o discurso ordenado nas
Partitiones Oratoriae

As Partições Oratórias foram compostas provavelmente no final de 46
aC[1] e aparecem na forma de um diálogo entre Cícero, ele mesmo, e Cícero,
seu filho. Essa figura dramatizada do filho aparece em várias considerações
críticas contemporâneas; serve, por exemplo, para datar o diálogo[2] e para
provar o interesse de Cícero pela educação de seu filho[3].
A cena do diálogo é descrita logo no início: agora que as ocupações
públicas suprimidas o permitem, Cícero vai exercitar os conhecimentos
retóricos de seu filho[4]: o que o pai costumava perguntar ao filho em
Grego, o filho, agora, perguntará ao pai em Latim[5]. Na verdade, o diálogo
encena um conhecimento prévio da técnica; os termos, ao serem explicados e
comentados, já entram com toda sua carga específica. Nesta circunstância,
parece sensato que seja o pai a responder, pois é ele que tem capacidade e,
principalmente, auctoritas para forjar os termos em Latim, tentando
apresentar uma nomenclatura técnica especializada, ainda não totalmente
estabelecida e fixa[6].
Partitio é um termo da retórica que designa uma das partes do
exordium do discurso: aquela em que o orador apresenta uma espécie de
resumo do modo de argumentar que está para usar. No Pro Archia, por
exemplo, é na partitio que Cícero pede licença para, ao defender um poeta,
usar um gênero de argumentação que, em outro caso, poderia não ser próprio
para um discurso forense[7]. De modo breve, a partitio incumbe-se de
cumprir uma das grandes pretensões do discurso retórico: "estimular o
desenvolvimento de conceitos através de uma distribuição estratégica das
idéias que vão sendo pensadas"[8]. É uma técnica de montagem que simula
predispor a distribuição das idéias enquanto ainda estão em gestação: dado
um repertório de possíveis idéias isoladas, a partitio pretende ensinar a
uni-las de modo concatenado, fazendo com que a própria cadeia gere novos
elos conceituais de ligação[9]. Está, de alguma forma, aparentada à
dispositio; no entanto, enquanto a última tem preocupações mais
acentuadamente sintáticas[10], a primeira insiste na força genética de
modelação de conceitos. A partitio está simultaneamente ligada à inuentio e
à dispositio.No Brutus, Cícero faz uma rápida referência aos procedimentos
de concatenação das idéias, de grande importância para manipular a
abundância necessária ao bom orador[11], como é o caso de Hortêncio, que
era capaz de organizar enorme quantidade de argumentos, seus e de seus
adversários


"Ardia de desejo como em nenhum outro eu tinha visto esforço mais
flagrante. Com efeito, não suportava que um dia sequer passasse sem
que falasse no fórum ou, fora dele, meditasse; de modo muito sábio
fazia as duas coisas no mesmo dia. Pouco apresentava do gênero de
discurso comum; na verdade, ele falava de duas coisas de que nenhum
outro falava: das coisas que estava para falar, as partições
(partitionesO, e das coleções (collectiones) do que havia sido dito
contra quaisquer coisas."[12]

A "partição" é, portanto, um instrumento persuasivo diferenciador do
bom orador. Ao dar a seu tratado esse nome, Cícero já lhe confere um
ethos: vai apresentar um resumo dos conceitos que o orador deve conhecer e
saber manipular, e mais, ao apresentá-los pretende articular novos elos
que, por si só, já valem como novos conceitos; tudo isso, é claro, em
Latim.
Sendo uma retórica acadêmica[13], as Partições oratórias desenvolvem
o procedimento da disputatio in utramque partem, da argumentação a partir
de um e outro lado da questão[14]. É aqui, neste tipo de argumentação, que
se efetiva um conhecimento "provável".
Contentio, disputatio, disceptatio são termos que designam o
processo de submeter um assunto aos procedimentos metódicos de obtenção de
argumentos, tarefa da retórica, ligada a uma forma particular de
conhecimento, a do conhecimento provável, que se distingue do conhecimento
certo, socrático ou platônico. Essa retórica tem também a finalidade
prática de persuadir, ou seja, de solicitar uma resposta[15]. Com o tempo
esses procedimentos foranm-se confundindo e restringindo a uma técnica de
falar bem, entendida, por sua vez, como falar de modo ornamentado[16].
A crença acadêmica de que o provável, balanceado entre o verdadeiro
e o falso, pode fornecer bases suficientes para uma escolha, decisão ou
iudicium, é particularmente útil à discussão do discurso ficcional. Nem a
separação pitagórica cabal, presente nas doutrinas platônicas, entre um
mundo inteligível "verdadeiro" e um mundo de aparências "falso", nem a
divisão estóica entre impressões sensíveis "falsas" e "verdadeiras"
permitem a "posição média" requerida pela ficção. Postado entre o
acontecimento real e a fábula, o argumentum oferece bases suficientes para
a audiência aderir temporariamente à probabilidade de uma ação[17].
A "probabilidade" é um método de aproximação da verdade que consiste
em fazer passar a "questão", tomada pelos seus vários lados, pelas malhas
dos argumentos, com a finalidade de se atingir a "adesão".

O conhecimento provável da Nova Academia


Saindo de Arpino[18], Cícero freqüenta em Roma, a partir dos anos 90
aC, a casa de L. Licínio Crasso, onde começa a estudar direito e filosofia,
ouvindo, entre outros, o estóico Diódoto e Filo de Larissa. Diódoto lhe
ensinou dialética; os peripatéticos, que haviam desenvolvido uma teorização
para a retórica, ensinaram-no a argumentar dos dois lados de uma questão;
os Acadêmicos, a refutar qualquer argumento[19], sendo estes últimos,
talvez, sua auctoritas mais marcante. Depois, teve dois mestres
particularmente carismáticos, Antíoco de Ascalão e Posidônio, o polígrafo
estóico; permaneceu, porém, ligado aos ensinamentos de Filo, rejeitando a
possibilidade de um conhecimento certo e afirmando seu direito de adotar a
posição mais persuasiva em cada ocasião[20].
Para Cícero, a filosofia é a melhor mestra da eloqüência[21]. Sua
formação filosófica é a da Nova Academia, relacionada com as doutrinas de
Arcesilao e Carneades, mestres de Filo de Larissa[22]. Nos quatro livros
das Academicae, dos quais restam dois, expôs o gênero de filosofia que lhe
parecia menos presunçoso e mais útil para formar o iudicium[23]. A Antiga
Academia compreende os sucessores imediatos de Platão na direção da escola
(Espeusipo, Xemócrates, Pólemon e Crates) que, em geral, mantêm-se fiel à
orientação dogmática de Platão[24].
Pólemon teve três discípulos notáveis: Crates, que o seguiu na
direção da Academia; Zenão, que corrigiu os ensinamentos de seu mestre;
Arcesilao, que vendo Zenão exagerar o dogmatismo da Academia[25], voltou-se
para o comedimento de Platão, para a confissão de ignorância de Sócrates,
para Demócrito, que afirmava que a natureza ocultou inteiramente a verdade
e, portanto, que não se pode averigüar como são as coisas[26], para
Anaxágoras e Empédocles e quase todos os antigos que afirmavam que não se
pode perceber ou saber nada, que os sentidos são limitados, o ânimo débil,
a vida curta, que tudo depende de opiniões, que não há lugar para a verdade
e que todas as coisas mostram-se rodeadas de trevas[27]. Assim, as coisas
permanecem obscuras, nada se pode perceber ou entender, ninguém pode
afirmar nada, deve-se discutir com todos, propor as sentenças de todos e,
vendo-as contrárias entre si, não confirmá-las e suspender o juízo[28].O
sábio pode tomar decisões na vida prática usando o critério do razoável.
Carneades sucede a Arcesilao na direção da Academia, defendendo que
as representações (uisum) verdadeiras não tinham características diferentes
das falsas, conforme defendiam os estóicos. Zenão afirmava que o processo
cognitivo passa por quatro momentos: uisum(phantasia), o que se vê,
percepção visual, representação; adsensus (syntálepsis), o assentimento;
comprehensio (catalepsis), a compreensão e scientia (epistéme), a
ciência[29]. Contra as representações catalépticas e acatalépticas dos
estóicos, Carneades propunha os "prováveis" e "não prováveis", persuasivos
ou não persuasivos, relacionados à teoria do "razoável" de Arcesilao.
Inventa, assim, a doutrina da "probabilidade"[30] e distingue três tipos de
coisas prováveis: as simplesmente prováveis (dóxa pithanai), as
irrefutáveis por apoiarem-se em algum argumento (pithanai kai aperíspastoi)
e as inteiramente irrefutáveis (aperíspastoi kai periodenménai)[31].
Quando se observa uma representação (uisum), deve-se assegurar que a
mente se encontra em estado normal e que se está situado à devida distância
do objeto, para que a representação (uisum) seja persuasiva, parecendo,
então, verdadeira. Mas como muitas representações assim recebidas são
falsas, embora a maioria seja verdadeira, o sábio não pode ter evidência de
nada, apenas probabilidade. Pode aquietar-se com esta probabilidade se nada
a contradiz, conduzir-se segundo ela e, com base nela, tomar suas
resoluções para fazer ou não fazer algo. O sábio neo-acadêmico não pode ter
certeza dogmática de nada; mas, sem possibilidade de afirmar algo como
certo e seguro, quando só o vê como provável, pode dar uma resposta e tomar
uma decisão segundo a probabilidade de um e outro lado da questão. Isto
basta para proceder com prudência na vida.
Filo de Larissa sucede a Carneades na direção da Academia e dá um
passo a mais em relação ao probabilismo. Tenta reafirmar a continuidade da
escola de Platão, seguindo uma direção mais dogmática. Admite que há
"evidência" em algumas sentenças que formulem a convicção de sua verdade,
mas o homem não pode ter certeza de possuí-la, porque não pode conhecê-la
exatamente; o mais que pode fazer é tentar acercar-se dela. Ainda que a
maioria das representações captáveis como prováveis seja verdadeira,
algumas são falsas; do que resulta impossível poder saber se determinada
representação concreta é absolutamente verdadeira[32].
Antíoco sucede a Filo na direção da Academia, tentando impor uma
retomada do dogmatismo de Platão. Cícero mantém-se fiel à doutrina de Filo;
não é um cético, mas sim um probabilista:
"Com efeito, ainda que todo conhecimento esteja obstruído por muitas
dificuldades e haja tal obscuridade nas próprias coisas e tal
fraqueza nos nossos juízos que mesmo homens muito antigos e muito
doutos desconfiaram de que não podiam encontrar o que desejavam,
todavia, nem aqueles abandonaram, nem nós, porque fatigados,
abandonaremos o esforço de investigar; nossas
discussões(disputationes) não fazem outra coisa senão, falando em
uma e outra parte (dicendo in utramque partem), fazer surgir e como
que extrair algo que ou seja verdadeiro, ou aproxime-se disso o
máximo possível. E entre nós e os que julgam saber não há outra
diferença senão que eles não duvidam de que sejam verdadeiras as
coisas que defendem, nós tomamos muitas coisas como prováveis, as
quais podemos seguir facilmente, com dificuldade podemos afirmar;
por outro lado, somos mais livres e soltos, porque temos íntegra a
potência de julgar e não somos arrastados, por necessidade alguma, a
defender todas as doutrinas que foram prescritas e como que impostas
por alguns. Pois os outros já estão primeiramente coagidos antes de
poder julgar o que pode ser melhor; depois, no momento mais frágil
de sua vida, ou submetidos a algum amigo, ou cativados por um só
discurso de alguém que ouviram por uma primeira vez, julgam a
respeito de coisas desconhecidas e, qualquer que seja a disciplina
para a qual foram arrastados como que por uma tempestade, a ela se
agarram como a uma pedra. Pois o que dizem - que crêem totalmente em
alguém que julgam ter sido sábio - eu o aprovaria se isto mesmo
pudessem julgar os rudes e indoutos (com efeito, estabelecer quem
seja sábio, parece ser acima de tudo próprio do sábio); mas, para
que o pudessem, deveriam poder somente depois de ouvidas todas as
coisas, de conhecido mesmo o pensamento dos outros; por outro lado,
julgam pela coisa ouvida uma única vez e refugiam-se na autoridade
de um único. Mas não sei como a maioria prefere permanecer no erro e
defender com muita veemência o mesmo pensamento que inicialmento o
captou, a investigar, sem teimosia, o que é dito com muita
firmeza."[33]

Cícero faz objeções, portanto, ao dogmatismo de Antíoco, usando
mesmo o método da discussão em um e outro lado (disputatio in utramque
partem), que apresenta uma estrutura facilmente adaptável à análise da
experiência efetivada pela ficção, na qual a crença deve ser mantida
suspensa até que a solução mais provável possa ser identificada.

O conhecimento provável: estabelecer a fé, comover os ânimos

A teoria probabilista depende, assim, desse assentimento em relação
a uma determinada aproximação de verdade, se nada se apresentar em
contrário. Sua aplicação desde sempre esteve ligada ao exercício do
discurso ordenado, como tratado pela Retórica, em busca da persuasão.
Ao estudar a noção de fides no mundo romano, até a época de Augusto,
Freyburger[34] divide a etimologia do termo em dois grandes grupos:
"confiança" e outras etimologias que não "confiança". No último grupo
apareceriam os sentidos de "garantia", "laço constrangedor", "poder de
sujeição", "renúncia"[35]. No entanto, defende que a etimologia que parece
ser a mais correta é mesmo a de "confiança"[36]. Segundo Benveniste[37] a
família do termo latino fides corresponde à do grego peíthomai, "obedecer",
de onde teria sido construído tardiamente pheito, "persuadir". A tradução
mais freqüente do termo fides seria "confiança"; mas, segundo o autor,
apontam para o sentido de "crédito" expressões correntes como fides est
mihi apud aliquem, fidem habere e fidem facere alicui.

"A tradução literal de fides est mihi apud aliquem passa a ser:
'tenho crédito junto a alguém'; é, então, o equivalente de 'eu lhe
inspiro confiança' ou 'ele tem confiança em mim'. Dessa forma, a
noção latina de fides estabelece entre os parceiros uma relação
contrária à que rege, entre nós, a noção de 'confiança'. Na
expressão 'tenho confiança em alguém', a confiança é algo meu que
coloco entre suas mãos e de que ele dispõe; na expressão latina mihi
est fides apud aliquem, é o outro que coloca sua confiança em mim, e
sou eu que disponho dela."[38]

Fidem habere e fidem facere:"Dessa vez é o verbo que se deve
considerar: habere entra em diversas locuções idiomáticas. De fato,
a frase fidem habere alicui deve ser entendida da mesma maneira que
honorem habere alicui 'atribuir uma honra a alguém', e significa,
portanto, 'atribuir a alguém a fides que lhe pertence'.(...) Vê-se
assim a relação entre hic mihi fidem habet e o antigo est mihi fides
apud illum. Por um desenvolvimento fácil passa-se na linguagem da
retórica à expressão fidem facere orationi 'criar a fides para um
discurso', isto é, aqui, a credibilidade. Agora é a palavra que
possui uma fides e pode-se dizer est orationi fides apud auditorem
'o discurso possui essa fides diante do ouvinte', e torna-se assim
capaz de persuadi-lo. Daí, por abreviação, fidem auditori facere,
literalmente 'fazer credibilidade para o ouvinte'."[39]

Em "fazer credibilidade para o ouvinte", a noção de fides, segundo
Benveniste, mistura a confiança que se desperta em alguém com a confiança
que se deposita em alguém. Estabelece-se uma relação bilateral, com duas
partes envolvidas e negociando a fides; os parceiros da "confiança", no
entanto, não ocupam a mesma posição. Em sua forma primitiva, "depor a fides
em alguém" proporcionava, em troca, sua garantia e seu apoio: é uma
autoridade que se exerce simultaneamente a uma proteção sobre aquele que se
lhe submete, em troca e na medida dessa submissão, e que está presente na
palavra latina foedus, "pacto" originalmente estabelecido entre
contratantes de poder desigual. O discurso ordenado, portanto, negocia a
fides, estabelecendo um "pacto" entre as partes. O orador produz
"credibilidade", não para si, mas para o discurso (fidem facere orationi),
e esta deve ser atribuída ao discurso pelo ouvinte (fidem facere auditori),
ou seja, o orador faz com que o ouvinte atribua "credibilidade" ao
discurso[40]. Se há uma desigualdade entre as partes envolvidas no pacto, a
posição hierarquicamente superior é de quem recebe a fides, ou seja, o
discurso.
Freyburger aponta "persuasão" como uma das traduções possíveis de
fides, e justifica-a indicando, principalmente, os usos do termo nos
tratados de retórica[41]. Fides não é sinônimo de persuasão: ao conseguir
estabelecer uma fides, o discurso, em conseqüência disso, consegue a
persuasão.
Nas Partições oratórias o termo fides aparece dezessete vezes[42],
inclusive em expressões como fidem conciliare (53), fidem constituere (31)
e fidem facere (5,9,27,33,40,71,118). Em Part. orat.9, Cícero diz que vai
ensinar a "fazer a fé" e a "comover os ânimos". Alguns comentadores[43]
propõem traduzir fidem facere por "persuadir". Mouere animos também é uma
forma de persuasão, diferente, no entanto, de fidem facere. Cícero define
aqui fides como uma "opinião firme" e a "comoção dos ânimos" como uma
incitação. Em 53, afirma que a "amplificação" é uma "afirmação" mais grave,
já que conseguirá, ao dizer, "conciliar a fé" por meio da "comoção dos
ânimos". Cícero descreve dois modos de se apresentar a argumentação das
questões[44], uma vez que se tenha escolhido uma divisão (partitio): uma
apela ad fidem, ou seja, para o crédito na probabilidade lógica dos
argumentos; outra apela ad mouendos animos, deixando em suspenso a
proposição a ser demonstrada até que as premissas estejam suficientemente
confirmadas para serem tomadas como conclusões. O último método explicita o
que fica implícito no próprio procedimento da "partição": o material que
constituirá um argumento persuasivo é obtido por meio de análise, enquanto
o poder de comoção é efetivado por uma síntese.[45] Os dois procedimentos
são indispensáveis à constituição de um conhecimento provável. Comover os
ânimos, no caso da "amplificação", procedimento básico do discurso
demonstrativo, pode ser um meio para se estabelecer a fé. Tal relação
poderia ser um eficaz instrumento de leitura e análise da ficção
antiga[46].

Uma Retórica acadêmica

Nas obras que apresentam a suposta Crítica Literária na Antigüidade,
a Retórica de Cícero aparece como importante instrumento no estudo do
chamado "estilo" e dos gêneros do discurso. Sua retórica, portanto, fica
limitada à elocutio e, mesmo com esta restrição, a contribuição de Cícero
seria pequena diante da de Aristóteles e Platão.[47] E, no conjunto da obra
retórica de Cícero, os tratados ditos técnicos (De Inuentione, Topica,
Partitiones oratoriae) seriam atualmente[48], desse ponto de vista,
totalmente desprovidos de interesse, a não ser para os juristas e os
profissionais da retórica, quem quer que sejam tais profissionais nos dias
de hoje. George Kennedy[49] diz que as Partitiones oratoriae têm interesse
principalmente para a reconstrução da teoria retórica como pensada pelos
filósofos helenísticos e discute o tratado apenas em seu livro dedicado à
persuasão entre os gregos.[50]
Neste tratado ciceroniano, toda a doutrina do dizer aparece dividida
em três partes: a força do orador (uis oratoris, 1-26), o discurso (oratio,
27-60) e a questão (quaestio, 60-138). A terminologia empregada difere da
de grande parte dos manuais antigos. Apenas como exemplo prévio desta
diferença, note-se que os três gêneros de discurso, classificados quanto à
elocução, referência de interesse marcante na bibliografia moderna[51],
geralmente apresentados como "alto", "médio" e "baixo", são chamados aqui
de probabile, illustre e suaue. Probabile é a elocução que dá ênfase à
argumentação; illustre[52], a que dá ênfase ao jogo ethos/pathos, e suaue,
a que enfatiza a ornamentação (19-21).
A força do orador engloba as coisas (res) e as palavras (uerba) e
trata do que outros manuais trazem como as cinco partes da retórica:
inuentio, collocatio, elocutio, actio, memoria. As partes do discurso são
quatro: exordium, narratio, confirmatio, peroratio[53]. A questão está
dividida em não limitada (propositum, thesis) e limitada (causa,
hypothesis) e repropõe a doutrina da stasis, ou seja, do estabelecimento do
"estado da questão": conjectura, definição, qualidade. De modo geral, o
tratado apresenta traços distintivos[54]: o uso do termo uis pode-se
referir à dynamis de Aristóteles, definição também aceita pelos
Acadêmicos[55]; a breuitas é incluída como uma das virtudes da
elocutio[56], o que indica alguma apropriação estóica, admissível na
Academia, que admitia também a comoção das paixões[57], repudiada pelos
estóicos. Não aparecem as famosas listas de figuras e fala-se muito pouco
sobre o ritmo da prosa[58], o que, como já dito, faz com que parte da
crítica contemporânea classifique o tratado como "técnico" e desprovido de
interesse. É reintroduzida a divisão aristotélica do auditório em juízes e
ouvintes e, dos assuntos, em passados futuros e presentes (10); divisão que
classifica os três gêneros de discursos. Os gêneros demonstrativo (70-82) e
deliberativo(83-97) recebem tratamento mais extenso que o comum. Os três
gêneros são discutidos tanto do ponto de vista da collocatio, ao se falar
da força do orador (12-15), quanto no ponto de vista da questão (68-138). O
final do tratado indica claramente como ele deve ser lido e o que pretende
discutir:

" Foram expostas para ti todas as partições oratórias que, por
certo, florescem em meio àquela nossa Academia, sem a qual não
poderiam ser encontradas, entendidas e tratadas. Pois, o próprio
partir-se e o definir e dividir as partições do ambíguo, conhecer os
lugares dos argumentos, concluir a própria argumentação e, a partir
das coisas que foram assumidas, julgar e distinguir as coisas
verossímeis das inacreditáveis, censurar as coisas mal assumidas ou
mal concluídas e discuti-las rapidamente, como aqueles que são
chamados dialéticos, ou, como convém ao orador, mostrá-las
demoradamente, tudo isso é próprio daquela exercitação da arte de
argumentar sutilmente e falar copiosamente."[59]

É uma Retórica acadêmica que pretende ensinar as partições das
coisas duvidosas, ou seja, a formulação de conceitos a partir do elenco de
conceitos já estabelecidos, reordenados numa cadeia particular. Depois,
ensinar a reconhecer os lugares dos argumentos, concluir a argumentação e,
a partir disso, julgar (as coisas verossímeis e as inacreditáveis),
censurar (as coisas mal assumidas ou mal concluídas) e discutir, rápida ou
demoradamente. A discussão rápida é própria dos chamados filósofos
dialéticos, a demorada é própria do orador. Os três gêneros do discurso
aparecem com suas funções no debate filosófico: o gênero judiciário é
próprio para o estabelecimento da aproximação de verdade possível, o
demonstrativo serve para censurar as falsas verdades dogmáticas, e o gênero
deliberativo é apto para apresentar o conhecimento provável, aquela
excitante aproximação de verdade, seja para persuadir um auditório como faz
o orador, seja para entrar no modo de discussão que os dialéticos adotam.

A doutrina do status quaestionum

Uma das grandes contribuições da retórica helenística foi o
desenvolvimento da doutrina da stasis por Hermágoras, no séc.II aC. Sua
obra está perdida, mas seu sistema pode ser reconstruído a partir de
citações posteriores, principalmente do De inuentione de Cícero e da
Institutio oratoria de Quintiliano. Pode-se-lhe atribuir alguma apropriação
da lógica estóica e dos ensinamentos de Aristóteles e Teofrasto[60]. Os
nomes das quatro staseis de Hermágoras provavelmente são: a)stokasmós
(Agostinho, De rhetorica, 142), em Latim coniectura; b)horós, "definição",
em Latim definitiua (De Inuentione I.10) ou proprietas (Quintiliano
3.6.56); c) katá symbebekós (Quintiliano 3.5.14), "contingente", ou
poiótes, "qualidade", em Latim generalis (De Inuentione 1,10) ou qualitas
(Quintiliano 3.1.56); d)metálepsis (Agostinho, De rhetorica, 143),
"objeção", em Latim translatiua (De Inuentione 1.10) ou translatio
(Quintiliano 3.1.56).[61]
Ao determinar a stasis de um caso, Hermágoras diz que alguém
apresenta uma katáphasis, acusação, que gera uma aítion, causa de ação. O
defensor responde com uma apóphasis, rejeição, que provoca uma synékon, a
necessidade de julgamento em relação ao conflito básico. Ao longo desse
processo, aparece uma skétema, questão, ou krinómenon, matéria sob
julgamento, que então deve ser classificada sob uma das quatro staseis.
Deve-se eliminar sucessivamente cada uma das staseis: a apophasis do
defensor deve-se centrar, primeiro na questão sobre o feito, se for
possível ("você fez"; "eu não fiz"); se não for, na definição ("você fez";
"...mas não foi um roubo") e apenas então na qualidade ("você fez"; "mas eu
tive que fazer").
Para a stasis de conjectura é necessário provar os motivos, a
capacidade e a vontade. O caráter da pessoa fornece evidências para indicar
a probabilidade da ação alegada: Cícero indica uma lista que compõe o
caráter contendo nome, natureza, modo de vida, fortuna, hábitos, cuidados e
propósitos[62]. O próprio ato alegado também fornece evidências: seus
atributos necessários, sua execução, seus acessórios e seus resultados[63].
Tais itens foram apresentados por Hermágoras como uma lista, e a principal
qualidade do orador seria a sutileza ao construir argumentos com seus
vários tópicos.
De acordo com Cícero[64], na stasis de definição o orador deve
definir o crime, provar a definição, comparar esta com o ato da pessoa
acusada, usar os lugares-comuns sobre a gravidade, ou não, do crime. O
defensor deve também tratar da utilidade e honestidade do crime, atacar a
definição do oponente, comparar casos similares, atacar o próprio oponente.
A stasis de qualidade[65] é usada quando as partes envolvidas
concordam sobre o que aconteceu e sobre o nome a atribuir a isto, mas
discordam sobre a qualidade da ação, incluindo sua importância, justiça e
utilidade. Hermágoras divide esta stasis em quatro partes: deliberativa,
demonstrativa, judicial e pragmática. Tais nomes não indicam aqui tipos de
oratória, mas sim tópicos que poderiam ser incluídos numa discussão sobre a
qualidade que justificaria uma ação. A tópica da oportunidade pode ser
considerada deliberativa; o que é louvável ou vergonhoso em alguém faz
parte do material demonstrativo; o justo e o injusto são os lugares do
judiciário e, por fim, o que é praticável ou não faz parte do pragmático.
Assim, um defensor poderia usar o argumento de que o ato alegado foi mesmo
cometido, mas naquelas circunstâncias não havia outra coisa possível,
honrável, justa ou praticável a se fazer.
A quarta stasis, a metalépsis, na qual o defensor afirma que o
acusador não tem direito de apresentar a queixa, ou que a corte não tem
direito de ouvir o caso, ou quando há qualquer objeção ao processo legal,
embora comum na Grécia, não foi adaptada ao processo romano, pois, neste
último, as questões de jurisdição eram definidas no início do caso.[66]
Nas Partitiones oratoriae a doutrina da stasis ou status quaestionum
é apresentada na terceira parte do tratado (61-138), a que trata da questão
propriamente dita, mas já havia sido referida na segunda parte, a que trata
do discurso, ao se discutir a confirmatio (34-43), ou seja, os
procedimentos de argumentação.
Nessa última parte, os lugares da coniectura (34) estão apoiados no
que o tratado chama de uerisimile[67], ou seja, quod plerumque ita fiat,
como o adolescente inclinado ao prazer, e nos sinais, como a fumaça
indicando fogo. Os verossímeis devem ser encontrados nas partes da
narração: pessoas, lugares, circunstâncias, etc. Se tais verossímeis
parecem, quando isolados, exíguos para conseguir a persuasão, são
extremamente poderosos quando reunidos (40). Neste agrupamento há marcas
que são certas e peculiares às coisas, mas, além dessas, ajudam a
estabelecer maximam fidem numa aproximação do verdadeiro, primeiro o
exemplum, depois, a introducta similitudo rei, e a referência a algo
semelhante ao discutido, e mesmo a fabula, desde que comova os homens (40).
A definitio é uma questão de classificação (41), ou seja, é a apresentação
de uma coleção de propriedades comuns a um gênero, por meio da qual as
propriedade particulares em observação podem ser vistas. Neste caso, são
muito úteis as descrições, a enumeração das conseqüências e a explicação
dos termos e dos nomes. Na "questão de qualidade" (43), a discussão
pretende estabelecer se o ato foi executado de acordo com a lei,
honestamente ou não, o que deve ser feito a partir da descrição dos lugares
de argumentação[68].
A terceira parte do tratado divide inicialmente a questão (61) em
propositum (quaestio indefinita) e causa (quaestio finita). O propositum
pode ser uma cognitio (tese, digamos, especulativa) ou uma actio (tese que
pretende lograr algum efeito). Na cognitio é referido novamente o status
quaestionum (64-66). Na cognitio ligada à coniectura (64), discute-se se
algo existe ou não ("Tal resultado é possível?", "de que modo se engendra a
virtude, pela natureza, pela razão ou pela prática?"). A definitio (65)
aparece quando se pergunta o que é a coisa sob observação ("A teimosia e a
perseverança são a mesma coisa?", "O que é um orgulhoso?"). Na cognitio que
se refere à qualidade, deve-se discutir a honestidade, a utilidade e a
eqüidade, sendo que, em tal questão, a referência moral é imediata. A
honestidade e a utilidade são o assunto dos dois primeiros livros do De
officiis, onde se discute quais os deveres morais decorrentes do
reconhecimento do honestum e do utile. O livro III dessa mesma obra discute
a comparação do honesto como útil, principalmente quando os dois parecem
conflitar. Mostra-se que o conflito é apenas aparente ("nada pode ser útil
sem ser honesto") e pode ser resolvido, em cada caso, aplicando-se a noção
de eqüidade.
O status quaestionum volta a ser discutido na questão judiciária
levada diante do tribunal (101-108). O próprio texto adverte que o que se
pretende preceituar não fica restrito à cena do tribunal, mas pode ser
estendido a qualquer ocasião em que duas partes pretendem formar um juízo
(110). O tratamento da coniectura está aqui dividido entre acusador e
defensor. O acusador deve apresentar os eventos, estabelecendo-os como
"causa" e "resultado" (110), entendendo-se "causa" como um motivo para se
fazer alguma coisa e "resultado" como a coisa feita. As "causas" são, em
geral, as "paixões" (111-113). Os "resultados" são as evidências,
apresentadas como conseqüências das paixões (114-116) ou como testemunhos
(117). O defensor deve rebater a construção "causa/resultado" apresentada
pelo acusador (118-122). Nesta contraposição dos preceitos referidos ao
acusador e ao defensor, evidencia-se a disputatio in utramque partem, e a
aproximação da verdade que lhe deve ser conseqüente.
Na definitio (123-128), o mesmo é preceituado para as duas partes,
vencendo aquele cuja análise e delimitação dos termos tiver penetrado mais
profundamente na opinião do juiz (123). A questão de "qualidade" (129-131)
trata da ação considerada correta e, portanto, deve pensar na natureza e na
lei, no sentido divino e humano. A religião trata do primeiro e a eqüidade
do segundo (130). A questão de qualidade, dependendo da flutuação envolvida
na conceituação do que é eqüitativo, é a que mais aproxima a causa do
propositum.Ao tentar estabilizar uma determinada ação apresentada como
eqüitativa, deve-se, necessariamente, perscrutar a honestidade e a
utilidade das ações em geral e, mais ainda, deve-se saber ajustar o
conflito aparente que pode ocorrer entre essas duas coisas.
Desse ponto de vista, a construção exigida pelo discurso judiciário
pode ser estendida para os discursos ficcionais que passam, assim, a ter um
status diferenciado no procedimento de aproximação da verdade. O método de
argüir alternadamente dos dois lados da questão faz parte do
estabelecimento de certo grau de probabilidade suficiente para permitir a
escolha e ação. As conclusões obtidas, embora nunca certas, podem, até
certo ponto, ser verificadas na prática e oferecer fundamento para
deliberações sobre o futuro. Tal método de debate exige suspensão da crença
que é típica dos discursos ficcionais[69], analisa situações forjadas a
partir do que se esperaria que acontecesse.
Foi particularmente útil para a validação retórica da doutrina da
probabilidade que, ao apresentar o esboço do orador ideal, Cícero tenha
incorporado e transmitido as mais importantes relações éticas da Poética de
Aristóteles[70]. Não é de surpreender que uma epistemologia dependente da
análise e síntese do provável esteja tão próxima da ficção. A aliança entre
os dois saberes, no entanto, estende-se para os próprios processos de
percepção. No esforço de descobrir a verdade, argüindo dos dois lados da
questão, os filósofos acadêmicos devem manter certos padrões.


"Nossa posição não é a de afirmarmos que nada é verdadeiro, mas de
afirmar que todas as sensações verdadeiras estão associadas com
sensações falsas tão de perto que não contêm nenhuma marca infalível
para guiar nosso juízo e escolha. Disso, segue-se o corolário que
muitas sensações são prováveis, isto é, embora não ocupando
totalmente a percepção, elas possuem, todavia, uma representação
distinta e clara (uisum quendam haberent insignem et illustrem) e,
assim, podem servir para dirigir a conduta do homem sábio."[71]

Como já dito, estas afirmações divergem das estóicas que diziam que
as impressões sensoriais poderiam ser distinguidas como verdadeiras ou
falsas por sinais catalépticos. Para os acadêmicos, nenhuma percepção
sensorial (uisum) pode seguramente resultar numa percepção verdadeira
(perceptio), mas pode ser provável o suficiente para permitir a escolha e a
ação. O homem sábio usará qualquer aparência de provável que encontrar
(specie probabile), se nada se apresentar contrário a esta
probabilidade[72]. A partir disso, conduzirá sua vida[73]. A probabilidade
depende não só da razão, mas da imaginação; não só de proposições a serem
definidas, mas também de impressões sensoriais a serem verificadas.
O esforço de encontrar, no mundo nebuloso do provável, suficiente
clareza intelectual para manter o equilíbrio de ânimo necessário à ação
ética faz com que seja problematizada a dependência característica das
artes liberais em relação à percepção e à vontade. Talvez este esforço,
somado à autoridade da análise estóica da percepção, tenha produzido certas
restrições helenísticas a alguns tipos de narrativa, o que em muitos
lugares aparece retomado como uma desqualificação da ficção. O primeiro
tipo de narrativa restringido foi a fabula, na qual os eventos não são nem
verdadeiros nem verossímeis[74]; a segunda é a historia, um conjunto de
ocorrências reais, remotas no tempo; a terceira é o argumentum, uma
ocorrência ficcional que poderia acontecer. Sexto Empírico refere-se a tais
narrativas, alterando a ordem, como historia (historia), plasma
(argumentum), mythos(fabula)[75]. A recusa estóica em considerar, entre o
falso e o verdadeiro, uma impressão sensorial "provável" suficiente para a
ação é paralela à antiga separação entre acontecimento real e fabula, que
tende a excluir o verossímil forjado (narrativa de ficção) como um tipo
diferente de narrativa, que hoje seria correspondente, em parte, ao que
chamamos de literatura. O argumentum passa a ser visto cada vez mais, na
preceptiva antiga, pela proporção do verdadeiro (feitos e doutrinas) e
falso (mentiras e entretenimento) e passa a ser julgado como utile ou
dulce, respectivamente. A antítese, presente em certas discussões antigas,
nega para a ficção a suspensão da crença acadêmica, o uso das percepções
sensoriais como "hipóteses afetivas" a se verificar. Nega também a
apresentação, a partir de uma discussão in utramque partem, da imago como
modelo ético. O desejo de certeza, quanto à verdade ou à falsidade de uma
afirmação, caracterizou certa interpretações pedagógicas de textos
poéticos, efetuadas por gramáticos e professores de disciplinas
especializadas.[76]
Até aqui discutiu-se a constituição do provável do ponto de vista do
estabelecimento da fé e o valor da ficção nesse procedimento. Seguem-se
agora as questões da comoção do ânimo.

O ethos e o pathos na retórica, na moral e nas artes

A técnica oratória pressupunha o jogo das paixões. Nesse sentido, os
retores talvez tenham sido os primeiros a atribuir a pathos um sentido a
que hoje chamaríamos (psicológico([77]. Na Retórica de Aristóteles, o apelo
ao caráter do orador e às paixões do auditório diz respeito à finalidade de
"formar um juízo", sendo as paixões as causas que introduzem mudanças nos
juízos[78]. Um homem não escolhe suas paixões; para Aristóteles, os
movimentos de ânimo são um dado da natureza humana e não se trata de
suprimi-los ou condená-los[79]. Sempre que se age de modo a revelar um
caráter, o equilíbrio passional entra em jogo, pois o caráter só pode ser
julgado a partir das paixões que executa. Ação e paixão são movimentos,
grandezas contínuas que podem ser divididas em partes menores, de maneira
que, ao agir, sempre é possível fixar a intensidade passional apropriada à
situação. O homem virtuoso aprimora sua conduta de modo a medir, em cada
circunstância, o quanto de paixão -e de quais paixões- seus atos comportam.
É a educação que aprimora os "homens bem nascidos" e ajuda a equilibrar as
paixões em função das circunstâncias[80].
Agitado pelos movimentos da alma, o corpo responde. Se as paixões da
alma são temperadas por uma ética da moderação, o corpo não deverá deixar
transparecer nenhuma agitação excessiva. Espelho da alma, o semblante será
o reflexo da paixão adequada à circunstância; o rosto apresentará uma
alegria prudente e moderada, uma severidade tranqüila; "o fluxo
descontrolado das metamorfoses, bem como a imobilidade de um rosto
inexpressivo lhe são proibidos"[81]. Para Aristóteles, o justo meio é
critério de inclusão de si e do outro em um conjunto político. Nem meios,
nem fins, as paixões são as respostas às figurações que o outro faz de nós.
Negociando identidades e diferenças, distâncias e proximidades, a
prescrição retórica ocupou-se do estudo das paixões e dos caracteres como
meio de persuasão[82]. O ponto de partida é, geralmente, a discussão do
Livro II, da Retórica.
Apresentando as paixões em Aristóteles, Meyer mapeia seu campo de
ação por meio de alguns itens: a) as paixões são representações e até
representações de representações[83]; b) as paixões visam a definir um
lugar em relação aos outros; c) a referência ao outro varia conforme ele é
visto como superior, igual ou inferior na ação. Na Poética de Aristóteles,
por exemplo, a superioridade determina um gênero, a tragédia, e a
inferioridade, outro, a comédia. No caso da inferioridade, são apropriadas
paixões que se refiram a este tipo de relação (vergonha, temor,
benevolência, etc); d) há, também, a imagem que o outro faz de si mesmo na
relação conosco: ele pode sentir-se superior e mais forte, manifestá-lo
pelo "desprezo", sem que isso seja verdadeiro, daí nossa "cólera".[84]
O termo pathos refere-se, portanto, a dois agenciamentos: modos de
ser relacionados ao ethos, determinando um caráter; respostas a outro modo
de ser, um ajuste ao outro. Em Quintiliano[85], pathos aparece como afeto
violento e temporário que perturba e domina; um termo latino que poderia
traduzi-lo seria affectus. Ethos refere-se a afetos mais brandos, mais
duráveis; persuade mais que comanda. A tradução latina de ethos é incerta.
Quintiliano diz que os romanos não têm termo para o conceito; propõe mores
ou morum quaedam proprietas. Na verdade, usa ethos tanto para falar da
constituição do caráter que se forja no discurso, como do caráter do
orador, ou de um tom afetivo menos exaltado.
Esta flutuação já aparece em Aristóteles[86]. "Caráter" pode-se
dizer do orador:
"Dentre as provas por persuasão, as que se podem obter dentro da
técnica são de três tipos: umas residem no caráter daquele que fala,
outras em predispor o ouvinte de alguma maneira, e as últimas, no
discurso mesmo, graças ao que demonstra ou parece demonstrar."[87]

Pode-se dizer também do auditório. Neste caso, vem codificado como
caráter/tipo (o velho, o jovem, o adulto, o rico, o poderoso) que o orador
deve conhecer para melhor persuadir:

" Trataremos agora dos caracteres, segundo as paixões, disposições,
idades e diferenças de fortuna. Chamo paixões: a cólera, o desejo e
todas as paixões da mesma natureza, de que falamos
precedentemente[88]; disposições: as virtudes e os vícios, de que já
tratamos ao indicarmos as escolhas que cada uma destas disposições
nos leva a cumprir. As idades são: o nascimento distinto, a riqueza,
as posses, e o que lhes é contrário, numa palavra , a sorte boa ou
má."[89]

Ethos pode-se dizer, ainda, de uma afecção física:

"Ethe e pathe são 'afecções físicas' comuns ao corpo e à alma, mas
inerentes à matéria. As paixões inclinam violentamente, mas durante
pouco tempo, os caracteres dominam com suavidade a conduta, mas o
fazem prolongadamente."[90]

Esta última é a distinção que aparece no Orator :

"Há duas coisas que, bem trabalhadas pelo orador, tornam a
eloqüência admirável. Uma, que os gregos chamam ethikon , é
apropriada ao temperamento, aos costumes e ao trato da vida. A outra
eles chamam pathetikon; por meio dela, os ânimos são tocados e
excitados e o discurso triunfa. Aquela é afável, agradável, própria
para conduzir à benevolência. Esta é veemente, inflamada, impetuosa;
por ela as causas são arrebatadas. Quando é conduzida com ímpeto,
não pode ser retida de nenhum modo."[91]

Depois de Aristóteles, a Retórica helenística pouco discutiu a
persuasão por meio do ethos e do pathos. Cícero parece ser o primeiro a
retomar o estudo dos lugares-comuns e dos argumentos baseados num elenco de
afetos. Refere-se algumas vezes ao "caráter' do orador, tal como conhecido
antes do discurso[92], dizendo que este também é um instrumento
importantíssimo para a persuasão. Em ao menos uma passagem das Partições
oratórias, fala do ethos aristotélico do orador como prova dentro da
técnica :


"O discurso torna-se agradável quando fala algo não visto, não
ouvido ou novo. Agrada, também, qualquer coisa admirável e comove,
acima de tudo, aquele discurso que incita algum movimento de ânimo
ou que apresenta costumes do próprio orador como amáveis. Esses são
mostrados ao se identificar uma decisão do orador, seu ânimo humano
e liberal ou a inflexão de sua fala, quando, por motivo de aumentar
o outro ou diminuir a si mesmo, parece dizer uma coisas e considerar
outra, e mostre fazer isso mais por benevolência do que por
futilidade."[93]

Neste ponto, Cícero está discutindo a elocutio, uma das partes da
força do orador. Do ponto de vista da filosofia acadêmica, e também da
peripatética, o caráter que o orador apresenta no discurso por meio da
elocução relaciona-se com a, diga-se, (realidade empírica( de sua vida
apenas na medida em que tais doutrinas preconizam que agir corretamente
(recte facere) e falar bem (bene dicere) são a mesma coisa. Mais adiante,
lê-se o seguinte preceito para o orador que está aconselhando no gênero
deliberativo:

"Como o discurso deve ser conveniente não só à verdade , mas também
às opiniões daqueles que ouvem, entendamos primeiramente isto: há
dois tipos de ouvintes, um não douto e rude, que prefere sempre a
utilidade à honestidade; outro, humano e polido, que a todas as
coisas antepõe a dignidade. Portanto, a este tipo é proposto o
louvor, a honra, a glória, a fé, a justiça e toda virtude; àqueles,
a vantagem,o proveito e o fruto. E até mesmo o prazer, que é acima
de tudo inimigo da virtude e adultera a natureza do bem, ao imitar
falazmente, que alguém muito cruel segue acirradamente e antepõe não
só às coisas honestas, mas também às necessárias, quando a esse tipo
de homens dês um conselho, muitas vezes até mesmo o prazer deve ser
louvado."[94]

Tal preceito refere-se à acomodação à opinião dos homens e poderia
ser entendido (e atacado) como um convite ao perjúrio e à falsidade. No
entanto, Cícero está falando de dois tipos de homens: um indoctum e
agreste, outro humanum e politum. Com os primeiros devem ser usados
argumentos que possam ser entendidos por alguém que, ao decidir, leva em
conta mais a utilidade do que a honestidade[95]. Deve-se então apelar para
referências ao que é vantajoso, proveitoso e até prazeroso. Tais apelos não
são falsos, apenas estão num plano filosoficamente inferior, pois, conforme
discutido extensamente no Livro III, do De officiis, nada pode ser útil sem
ser honesto; a aparência de utilidade é enganosa e deve ser evitada com o
trabalho especulativo de reconhecimento do honesto. É inferior a
probabilidade do argumento que se baseia na utilidade. No entanto, é
aquilo que o ouvinte tosco pode acompanhar e é o que o orador deve produzir
diante de tal ouvinte. O ethos deve ser produzido ad hoc.
A comoção (ethos mais pathos) é referida várias vezes nas
Partitiones oratoriae[96]; em geral, correlacionada e apenas aparentemente
contraposta ao estabelecimento da fé. Aparece pela primeira vez na
discussão da inuentio (5), uma das partes da força do orador. A invenção
não é fechada e absoluta, é sempre executada tendo em vista aquele a quem
se deseja persuadir. Para tanto, deve buscar estabelecer a fé e comover os
ânimos. A fé é estabelecida pelos argumentos, tirados dos "lugares"
contidos no assunto ou a ele atribuídos. Cícero adia a explicação do que é
"comover os ânimos" até que o tratado comece a discutir o discurso e a
questão (8), indicando que a comoção dos ânimos que depende da força do
orador só pode efetivar-se propriamente no discurso e para uma ocasião
particular. No entanto, ao passar pela collocatio (13), refere-se
rapidamente a uma organização ad motum, uma forma de dispor os argumentos
encontrados de maneira a tocar, diríamos até surpreender, o público.
Na parte do tratado que discute o discurso, Cícero apresenta suas
quatro partes e diz que duas delas (o initium e a peroratio) servem para
comover os ânimos, enquanto as duas outras (narratio e confirmatio)
concentram-se em estabelecer a fé. As tarefas não são excludentes. Para que
a narratio consiga estabelecer a fé é preciso que seja clara, breve,
provável e suave (31). A suavidade depende de admirações, expectativas e
comoções (32), em geral, que o orador deve construir e apresentar no
discurso para produzir a credibilidade do ouvinte em relação ao que se diz.
A confirmatio também precisa das paixões presentes nos verossímeis (34).
Deve-se fazer a fé, pois não existe antes do discurso; é, portanto,
resultado de uma construção. Os ânimos devem ser comovidos, ou seja, o
discurso deve tocar em algo que já existe e conduzi-lo para onde quer que
queira. Mas há duas comoções referidas: a que o orador opera diretamente no
ouvinte (a captatio beneuolentiae do exórdio, por exemplo) e a que ele
constrói e apresenta no discurso para observação do público, com a
finalidade de estabelecer a fé. Este segundo tipo de comoção é uma espécie
de animi faciendi que o orador deve estabelecer e que pode ser considerada
um tipo de prova para a persuasão.
As três provas dentro da técnica, ethos, pathos e logos, podem ser
relacionadas às três tarefas do orador, doutrina codificada por Teofrasto,
bastante referida na retórica latina, embora com designações que se
alternam. Em Cícero, por exemplo, a lista dos três officia do orador tem
várias versões: docere, delectare, mouere (Brutus, 185-200); probare,
conciliare, flectere (De oratore II.114 e 121); decere, delectare, mouere
(De oratore, II.130), são algumas delas. A lista varia conforme as
necessidades da argumentação. O termo delectare talvez seja mais restrito,
referindo-se à sedução por meio da elocutio. Conciliare (que engloba
delectare) refere-se genericamente aos vários procedimentos que suscitam a
crença e a benevolência do auditório[97].
Das três tarefas do orador, probare relaciona-se aos lugares e,
portanto, à argumentação; conciliare (mostrar-se de maneira a tornar o
auditório favorável) ficaria a cargo do ethos, enquanto mouere (incitar as
paixões no auditório, com a finalidade do formar um juízo) dependeria do
pathos. Do orador é exigido, portanto, lidar com o problema prático de
fazer com que o público acredite (ou melhor, atribua fides) naquilo que ele
diz, principalmente a respeito de si mesmo. Não se trata, como já dito, de
uma sinceridade psicológica, mas de uma fides retórica que depende de um
juízo do público: deve haver correspondência entre o ethos declarado e as
ações efetuadas (e as paixões e elas associadas), a elocutio aplicada e a
actio apresentada. O critério de correspondência será a verossimilhança e o
decorum[98].
O orador fala de maneira a apresentar o caráter que deseja. Na
recepção oral, a actio é a parte da oratória mais imediatamente
perceptível[99]: para o julgamento, o conjunto (voz, tom, semblante,
gesto)[100] deve ser conveniente ao agenciamento das paixões que o caráter
declarado pressupõe. Cada um dos componentes da ação acha-se codificado em
termos das paixões[101]:

"Certamente, todo movimento do ânimo tem, por natureza, um certo
semblante, uma inflexão, um gesto, e o corpo inteiro do homem, toda
sua aparência, todos seus sons vibram como as cordas de uma lira
conforme são pulsionados pelo movimento de ânimo correspondente a
cada um. A voz é como uma corda tensionada que responde a qualquer
toque; aguda, grave, rápida, lenta, grande, pequena e, além disso,
existe uma modulação intermediária correspondente a cada
gênero."[102]


" Com efeito, toda ação decorre do ânimo e o semblante é o espelho
da ânimo, os olhos são os índices. Pois esta é a única parte do
corpo que, de quantas são movidas pelo ânimo, pode executar tantos
significados e tantas alterações."[103]

"Antes de tudo prevalece o semblante. Com um somos súplices, com
outro, ameaçadores, com outro, brandos, com outro, alegres, com
outro, firmes, com outro, submissos. Os homens examinam o semblante,
perscrutam-no; ele é observado antes mesmo que falemos. Por um
parecemos amar alguém, por outro odiar, por outro compreender muitas
coisas, outro, muitas vezes, vale por todas as palavras."[104]

Como já se disse, a utilização retórica, na ação, das marcas de
movimento de ânimo depende de uma determinação ética:

"Portanto, como, nas liras, os ouvidos dos músicos percebem até as
coisas mínimas, assim nós, se desejamos ser sérios, diligentes e
atentos aos vícios, compreendamos, com freqüência, coisas grandes a
partir das pequenas. Da contemplação dos olhos, da distensão ou da
contração dos supercílios, da tristeza, da alegria, do riso, da
fala, da reticência, da contensão da voz, da submissão e de outras
coisa semelhantes, facilmente julgaremos qual delas se faz
convenientemente e o que discorda do dever moral e da
natureza."[105]

A determinação retórico/ético/política naturaliza cada uma dessas
convenções, ao ser efetivada pela actio. No caso da recepção escrita, a
preeminência seria da elocutio[106]: para tipos apaixonados e coléricos,
por exemplo, um excesso de ornamento, dando evidências de elaboração do
artifício, não condiz com o desequilíbrio das paixões a ele associadas e,
assim, diminui a crença na sinceridade do afeto declarado: ethos e pathos
não ficam, neste caso, equivalentes e, portanto, não conseguem angariar a
fides para a persona que se pretende apresentar.
A mesma determinação vale para a ficção e para a oratória, a
pintura, a escultura; aplicando-se, em cada caso, os diferentes decoros dos
modos. Assim, quando Ovídio é dito lasciuus, Catulo, doctus, Tibulo, tersus
atque elegans, Propércio, tener e blandus, estes termos são entendidos como
características técnicas, maneiras de compor e equilibrar o par
ethos/pathos, que revelam não o caráter de um indivíduo que se expõe na
poesia, mas sim os diferentes efeitos exigidos pela prescrição do gênero
poético escolhido[107].
Na Poética, Aristóteles define caráter como "o que nos faz dizer das
personagens que elas têm tal ou tal qualidade"[108]. Se há uma narrativa, o
caráter da personagem é percebido pela "qualidade"[109] da ação narrada, ou
seja, pelo efeito de causalidade resultante da adequada montagem das ações.
É possível qualificar também por meio do jogo paixão/caráter. Nesse
sentido, Ovídio é chamado lascivo porque descreve com propriedade um mundo
de irregularidades morais como se fosse o mundo da norma estabelecida,
executando uma das prescrições da elegia erótica[110]. O chamado "tom
sincero" de Catulo também viria de sua eficiência técnica[111].
Em Roma, sendo a paixão amorosa considerada uma doença e o
apaixonado um desequilibrado, é de se esperar que alguém que se apresente
com tal caráter não tenha o menor domínio sobre suas ações, na medida em
que são respostas às paixões suscitadas pelo outro. Para produzir o efeito
"apaixonado" componha uma personagem com os seguintes traços: declare-o
apaixonado; submeta-o a um pathos, o desprezo, por exemplo; descreva sua
resposta a esta paixão. Um homem virtuoso, vítima de desprezo, pode reagir
com cólera (se a superioridade pretendida no desprezo não for verdadeira),
com desprezo (se ele próprio se julgar superior), com indignação, etc.
Escolhida a paixão, o virtuoso responderia agindo de acordo com os
princípios desta. O apaixonado, desequilibrado que é, não consegue dominar-
se (impotens), vacila entre várias paixões. Do ponto de vista da inuentio,
o retrato está formado. A elocutio deve-se adequar a ele: um apaixonado não
carregaria o discurso de ornamentos, ou sim, mas de modo inepto. A
dispositio deve ser ad motum: lança de maneira displicente seus argumentos
(não necessariamente lógicos, como já dito) e, no final, conclui (ou deixa
a conclusão para o leitor) por aquilo com que deveria ter começado. Somada
ao ingenium, esta receita poderia resultar num poema como o VIII, de
Catulo[112]. Outra versão poderia ser o poema LXXXV[113], mais incisivo,
onde a persona é composta simplesmente declarando-se incapaz de escolher
entre duas paixões opostas.
Como individualizar o tipo "apaixonado"? Singularizando o desprezo,
as ocasiões do pretendido amor e os deslizes no autodomínio.[114] O tipo,
persona, da poesia é uma espécie de quaestio infinita: particularizado por
várias quaestiones finitae, torna-se um tipo individualizado. No Final da
República, em Roma, vê-se o interesse por determinadas quaestiones
infinitae. Cada uma delas entra na malha política/ética/retórica que define
seu valor e que dá lugar a uma certa "ficcionalização performativa do
caráter"[115]. Por exemplo, figurar a falta de domínio como no poema VIII
de Catulo, mostrando preocupações como beijar, admirar, morder os lábios da
amada, apela à intimidade e mundanidade (urbanitas) da personagem,
referindo-se a um gosto particular, em princípio não preferível numa
sociedade em que o valor e o interesse individual medem-se pelos serviços
prestados ao Estado. Traz a público o desequilíbrio do apaixonado na esfera
do que poderíamos chamar de suas atividades privadas, ou seja, das
atividades que não dizem respeito ao negotium[116]. Ao tratar da defesa do
poeta Archias, Cícero diz que sempre ocupou seus momentos de otium com os
estudos de filosofia e letras e que, graças a eles, pôde ser muito mais
útil à República[117]. Salústio declara que, depois de passar, na
juventude, pela vida pública e pela corrupção, vai ocupar o otium de sua
velhice gravando feitos memoráveis de Roma, dizendo que "se é belo ser
útil, por feitos, à República, não é absurdo sê-lo por palavras"[118].
Apesar de referências à vida particular (os momentos de otium),
estas declarações de Cícero e Salústio são parte da persona pública, ou
seja, da persona retórica que varia consideravelmente conforme as
necessidades do momento[119]. Pode-se dizer que, nestas declarações, as
personagens são tão fictícias quanto o apaixonado que diz "pobre Catulo,
deixa de delirar", cada persona declarando o que é preciso para compor o
tipo. O fato de aparecer uma primeira pessoa gramatical (que nos exemplos
referidos, inclusive no de Catulo, é o nome do que se supõe produtor do
discurso) é um recurso técnico que, executado convenientemente, cumpre a
tarefa de conciliare e atribui auctoritas e fides à declaração.
Desconsiderando esta composição retórica dos caracteres e das paixões,
parte da crítica distribui, pelo Final da República, rótulos de "vaidoso"
(Cícero), "sincero" (Catulo) e os rótulos de "verista" ou "idealizado",
para certo tipo de retratos esculpidos, muito freqüentes nesse momento.
Os retratos de aristocratas no Final da República empregam
idiossincrasias do aspecto (rugas, verrugas, marcas faciais, cabelo) para
afirmar a glorificada elevação ética dos optimates. Chamado "verista", este
tipo de retrato dá ênfase às marcas da idade, propostas como marcas do
serviço ao Estado. Em Roma, o acesso às altas magistraturas estava regulado
por uma idade mínima: os cargos de importância necessitam da experiência
dos mais velhos. No Final da República, jovens que adquiriram prestígio na
vida política e militar chegam aos altos cargos cada vez mais cedo[120],
fato apontado pelos optimates como um dos indícios mais evidentes do caos
político. Nesses termos, o retrato "verista" pode estar relacionado às
imagines maiorum, não no sentido de filiação "plástica", mas sim no de
ambos estarem relacionados ao patriciado. As últimas, teatralizando, graças
ao ritual fúnebre do desfile das imagines, a pretendida excelência ética da
tradição das verdadeiras virtudes Romanas[121]. Os primeiros, através da
contraposição com o retrato idealizado, denunciando o pretendido
desequilíbrio da situação atual, em que as ditas verdadeiras virtudes estão
cada vez mais perdendo importância política.
Quando a chamada "idealização" entra nesta classe de figurações,
atenuando as idiossincrasias do modo verista e apagando as marcas
ostensivas da idade, ela dá início a uma interessada homenagem à cultura
helenística[122]. O modo clássico, segundo proposto por essa cultura, é,
então, invocado, não apenas por seu conteúdo inerente, mas também por seu
valor associativo emblemático do que passou a se apresentar como uma Idade
de Ouro[123]. Este tipo de retrato utiliza elementos da figuração
helenísticos de caráter classicizante para dramatizar personalidade e
sugerir uma superioridade divina. Nos dois tipos de retrato, as
contingências da fisionomia individual são agrupadas para a reiteração
formalizada de traços de caráter, assim como eles podem ser vistos em
certas convenções da mímese facial. A manipulação das convenções cria o
efeito de caráter que o decoro exige.
O regime da actio, conforme já dito, propõe que a "fisionomia é o
espelho do ânimo", espelho retórico que reflete o que é preciso refletir. É
possível compor um efeito de "interioridade de um sujeito" a partir das
marcas significantes que se oferecem para serem lidas sobre seu rosto;
compor a mais favorável figuração para chegar a seus fins. O material
disponível para a composição é o mesmo do poeta: as paixões e os
caracteres. As marcas tornam-se significativas na medida em que aparecem a
eles associados.[124] Nesse sentido pode-se falar em "rugas mesquinhas ou
virtuosas", "músculos irascíveis ou confiantes" e "elevação ou devassidão
ética da fisionomia".
O retrato helenístico já apresenta o interesse de analisar a
fisionomia com certo detalhamento[125], gravando na aparência externa a
idade e a experiência de vida. Na verdade, coloca na aparência a máscara
social, as propriedades de conduta que unem o retratado e o expectador num
mundo familiar. Talvez por isso diga-se que os retratos helenísticos são
tipos.[126] Já dos retratos romanos, diz-se que são a primeira tentativa de
mostrar qualidades específicas constituintes da pessoa[127]; o interesse
passaria, agora, para o estudo do caráter, da força interior da
personalidade.[128] Pode-se, de fato, notar alguma passagem do "tipo" para
o "indivíduo". A máscara retórico/social fossiliza o tipo, caráter definido
por uma conjunto específico de paixões: o velho, o filósofo, o amante, o
tagarela, etc. Os "desvios" da máscara, ou seja, a conjunção de paixões
conflitantes para um mesmo tipo, produz o efeito de individualidade, de
experiência particular e singular como desviante do sistema social. Um
pouco de entusiasmo e já se pode falar em "mundo interior da experiência
privada"[129].
O jogo entre ethos e pathos compõe personae tanto na escultura como
na poesia, e nos discursos em geral. Mais uma vez vale lembrar que, em
todas essas artes, a comoção dos ânimos e o estabelecimento da fé têm
determinação retórica e ética. Para entender a circulação dos discursos e
dos retratos é preciso conhecer os preceitos que marcam sua produção e sua
recepção.
Vale lembrar, ainda, que a ética antiga, a estóica por exemplo,
trata de problemas relacionados às escolhas pessoais, com o objetivo de se
viver uma vida bela. Se há uma ars dicendi, uma técnica que engloba a
produção dos discursos ordenados, há também uma ars uiuendi, uma técnica
de viver que deve produzir uma existência bela.[130]
-----------------------
[1] A datação das Partitiones oratoriae é controversa. Além de 46 aC,
outras datas possíveis seriam 56 aC ou 44 aC. Cf. a introdução de Henri
BORNECQUE às Divisions de l'art oratoire.(Paris, (Les Bellles-Lettres(,
1960), para os argumentos contra e a favor de cada data.
[2] O tratado não poderia ser de 56 aC porque nesta data o filho, nascido
em 65 aC, não teria ainda idade para estudar retórica. Cf. Henri BORNECQUE.
op.cit..
[3] Cf. H. RACKHAM na ( Introdução( a CICERO. De partitione oratoria.
Cambridge, Harvard U.P., 1948.
[4] Part. orat., 1.
[5] Part. orat., 2.
[6] Na verdade, a nomenclatura Retórica sempre apresentará flutuações e
discutir os termos será, com freqüência, tarefa a que os retores se
lançarão com gosto.
[7] Pro Archia, II.3-4.
[8] Cf. Armando PLEBE & Pietro EMANUELE. Manual de Retórica. São Paulo,
Martins Fontes, 1992, p.78.
[9] Idem, p.78 ss.
[10] "Arquitetônicas", como diz Armando PLEBE, op. cit..
[11] Ao narrar a história dos oradores romanos no Brutus, Cícero vai
julgando-os de acordo com seus modos de efetivarem os preceitos da
retórica. Seu critério de juízo parte da análise das cinco partes do
discurso. As duas carácterísticas apontadas por Cícero como indicadores de
um grande orador são a inuentio, principalmente a abundância de idéias, e a
actio, principalmente a modulação da voz.
[12] Brutus, 302.
[13] Part. orat., 139.
[14] A disputatio é importantíssima para a discussão da ficção.
[15] Cf. Michel MEYER."Censurar o discurso por ser manipulador reduz-se na
realidade a censurar o discurso por ser. Porque está na natureza da
discursividade apresentar-se desde logo como responder." Em (As bases da
Retórica( in M.M. CARRILHO (org.). Retórica e comunicação. Porto, Asa,
1994.
[16] A retórica restringiu-se à elocutio e esta, ao ornatus. Assim, estava
pronto o terreno para apontar o discurso retórico como discurso vazio.
[17] Cf. Wesley TRIMPI. Muses of one mind. Princeton, Princeton U.P., 1983,
p.323.
[18] Os detalhes da vida de Cícero são reconstruídos, em geral, a partir de
dados oferecidos pelo próprio, em sua correspondência ou em referências de
seus tratados ou discursos. Tomemo-los como um verossímil que já se
associou à personagem. De qualquer forma, usamos aqui as indicações de
Miriam GRIFFIN ("Introduction" in CICERO. On Duties. Cambridge U.P., 1991)
e José GUILLÉN (Actitud filosófica de Cicerón. Helmantica, 12224-126: 33-
83, 1990).
[19] Cf. Miriam GRIFFIN. op. cit., p.X.
[20] Cf. De officiis II.7, III.20 e também I.2 e I.6.
[21] Or.70, De or.I.82, II.160, Part. orat. 79, 114.
[22] Para a formação filosófica de Cícero, veja, por exemplo, José GUILLEN.
Actitud filosofica de Ciceron. Helmantica, 124-126: 33-83, 1990.
[23] Cf. José GUILLÉN (op.cit.) e Tusc.2.4. Para uma discussão sobre a
retórica na composição das Academica, veja Michel RUCH. La "disputatio in
utramque partem" dans le "Lucullus" et ses fondementes philosophiques".
Revue des Études Latines, 47: 310-35, 1969.
[24] Acad., I.34.
[25] De or., III.67.
[26] Acad. II.14, II.32, II.73.
[27] Acad., II.44.
[28] Acad., II.45.
[29] Cf. Acad. II.145 e José GUILLÉN. op.cit.,p.58.
[30] De or. III.68.
[31] Sexto Empírico, citado por José GUILLÉN . op.cit., p. 59.
[32] Cf. José GUILLÉN. op.cit., p.61.
[33] Acad., II.7-9.
[34] Gérard FREYBURGER. FIDES - Étude sémantique et religieuse depuis les
origines jusqu'à l'époque augustéenne. Paris, (Les Belles Lettres(, 1986.
[35] Idem, p.13-25.
[36] Idem, p.29-35.
[37] Emile BENVENISTE. O vocabulário das instituições indo européias. Vol.
I. Campinas, EDUNICAMP, 1995, p.114-120.
[38] Idem, p.116.
[39] Idem, p.117.
[40] BENVENISTE (op.cit., p.119-120) discute rapidamente a passagem para o
sentido atual de "fé": "Notou-se já há muito tempo que fides em Latim é o
substantivo abstrato de um verbo diferente: credo. Essa relação supletiva
foi estudada por A. Meillet, que mostrou que a ligação antiga entre credo e
fides se reavivou com o cristianismo: foi então que fides, termo profano,
evoluiu para o sentido de (fé religiosa(, e credere, (crer( para o de
(confessar sua fides(.(...) Credo, como veremos, significa literalmente
(colocar o *kred(, isto é, o (poder mágico( num ser do qual se espera
proteção, e por conseguinte (crer( nele. Ora, evidenciou-se que fides, em
seu sentido primeiro de (crédito, credibilidade(, designa uma noção muito
próxima da de *kred. Compreende-se facilmente, então, que perdendo-se em
Latim o velho nome-raiz *kred, fides pôde ocupar seu lugar como substantivo
correspondente a credo."
[41] Gérard FREYBURGER. FIDES - Étude sémantique et religieuse depuis les
origines jusqu(à l(époque augustéenne. Paris, (Les Belles Lettres(, 1986,
p.75.
[42] Part. orat. 5,8,9,13,15,27,31,33,40,44,45,46,53,55,68,71, 118.
[43] Cf. Gérard FREYBURGER. op.cit., p.38, por exemplo.
[44] As ordenações dos argumentos ad fidem e ad motum foram também
discutidas no Capítulo 1, do presente trabalho.
[45] Cf. Part.orat. 46 e também Wesley TRIMPI. Muses of one mind.
Princeton, Princeton U.P.,1983, p.302.
[46] Cf. ALLEN(1950) aponta fides como o termo retórico que poderia dar
conta, ao se tratar da poesia antiga, de algo que a moderna Teoria
Literária, imbuída de preceitos românticos, chama de sinceridade. Cf.
ACHCAR(1994) para uma apresentação da discussão de Allen e a presença do
tema na crítica contemporânea, principalmente na que trata da
caracterização do gênero lírico. Cf. também VASCONCELLOS (1991), para uma
tentativa de separar fides e sinceridade na poesia de Catulo.
[47] Cf., por exemplo, J.W.H. ATKINS . Literary Criticism in Antiquity.
London, Methuen & CO, 1952. "Não se pode ver a contribuição de Cícero à
crítica literária como algo de valor substancial e permanente", p.45.
[48] G.M.A. GRUBE. The greek and roman criticis. London, Methuen & CO,
1965. "Os três tratados são de interesse principalmente do historiador da
retórica profissional e da prática das cortes de lei, e certamente um
advogado ainda poderia achar aí muita coisa de seu interesse, mas eles (os
tratados) contribuíram pouco para a história da crítica literária ou para
questões mais gerais das controvérsias de seu próprio tempo."(p.191)
Lembrar que Bulmario REYES CORIA trata de apresentar as Partitiones
oratoriae como uma guia de composição de novos discursos hoje.Cf. La
retórica en (La partición oratoria( de Cicerón. Mexico, Universidad
Nacional Autónoma de México, 1987, p.69.
[49] George KENNEDY.The art of rhetoric in the Roman World. Princeton,
Princeton U.P., 1972, p.230.
[50] George KENNEDY. The art of persuasion in Greece. Princeton, Princeton
U.P., 1963.
[51] Em geral, (alto(, (médio( e (baixo( são apresentados como os "três
estilos do discurso".
[52] Illustrare é o termo latino que, juntamente com euidentia, traduz o
grego enargeia, aquilo que dá "vivacidade" ao discurso, o que cria a
impressão de colocar a coisa diante dos olhos. Cf. Part. orat. 20, onde
inlustris oratio é definida como "haec pars orationis quam rem constituat
paene ante oculos".
[53] Os retores pós-aristotélicos haviam aumentado para cinco as partes do
discursos, incluindo a digressio como parte obrigatória.
[54] Cf. George KENNEDY. The art of persuasion in Greece. Princeton,
Princeton U.P., 1963, p.329.
[55] De oratore, II.30.
[56] Part. orat., 19.
[57] Part. orat. 8.
[58] Part. orat. 18.
[59] Part. orat., 139.
[60] Para uma reconstrução da retórica de Hermágoras, veja George KENNEDY.
The art of persuasion in Greece. Princeton, Princeton U.P., 1963, p.303-
21.
[61] Cf. George KENNEDY. op. cit., p.307-8.
[62] De inuentione II.28ss. Part.orat. 34-40.
[63] De inuentione II.38 ss. Part. orat. 34-40, 110-122.
[64] De inuentione II.53ss. Part. orat. 41, 123-128.
[65] Part. orat. 42-43, 129-131.
[66] De inuentione, II.57ss.
[67] O eikós da Retórica de Aristóteles. Para este, as duas fontes de
premissas entimemáticas são o sinal e o eikós. "Porque o eikós é o que
sucede a maioria das vezes, mas não absolutamente, como alguns afirmam;
apenas que, tratando-se de coisas que também podem ser de outra maneira,
guarda com aquilo a respeito do qual é eikós a mesma relação que o
universal guarda com o particular. Quanto aos sinais, uns guardam uma
relação como o do individual ao universal e, outros, como a do universal
para o particular. Dos sinais, os necessários denominam-se tekmérion
("indício certo") e os não necessários carecem de denominação que nomeie
esta diferença."(Retórica, I.22) O exemplo de Cícero, fumaça indicando
fogo, estaria na categoria do (indício certo(.
[68] Os lugares da argumentação são discutidos extensamente na Topica, de
Cícero.
[69] Talvez seja curioso lembrar que os formalista russos falam,
relativamente à ficção, em "supensão da descrença".
[70] Cf. Wesley TRIMPI. Muses of one mind. Princeton, Princeton U.P., 1983,
p.287.
[71] De natura deorum I.12.
[72] De inuentione I.27.
[73] Acad. II..99.
[74] Cf. Part. orat. 40. Cícero diz que a fabula pode ser útil para
construir um verossímil se for capaz de comover os ânimos dos homens.
[75] Sexto Empírico citado por Wesley TRIMPI. Cf. Muses of one mind.
Princeton, Princeton U.P., 1983, p.291.
[76] Por exemplo, Plutarco, Vidas, Estrabão Geografia, comentando a
exatidão das afirmações geográficas de Homero. Para análise desses trechos,
veja Wesley TRIMPI. op.cit., p.292-295. Cf. também PLUTARCO. (Como os
jovens devem ouvir os poetas( in Moralia I.1.
[77] "O objetivo do orador, e, mais ainda, do poeta, não consiste apenas em
convencer com argumentos. É necessário também que ele toque a mola dos
afetos e utilize os movimentos da alma que prolongam certas emoções. É
preciso, então, saber a propósito de que objetivo determinado e por que
disposição determinada do autor realizam-se essas variações afetivas."
Gérard LEBRUN. "O conceito de paixão" in VVAA. Os sentidos da paixão. São
Paulo, FUNARTE/ Companhia das Letras, 1987 , p.19.
[78] ARISTÓTELES. Retórica II.1.
[79] Para Platão, as paixões estão ligadas à teoria do conhecimento: este
último só pode ser atingido pelo afastamento das primeiras. Este conceito,
que faz das paixões algo exterior à natureza humana, vai ser retomado pelos
estóicos, que vão apresentá-las como obstáculos a serem transpostos por
exercícios espirituais que fortaleçam a saúde do sábio. Cf. Gérard LEBRUN,
op. cit. e Pierre HADOT. Exercices spirituels et philosophie antique.
Paris, Études Augustiniennes, 1987.
[80] O homem não é ainda o ser que, no segredo de sua intimidade, consegue,
a todo momento, a vitória sobre si mesmo, mas sim aquele cujas paixões, à
vista de todos, são proporcionais à causa que as produz e à situação que as
suscita. "Não se trata de alguém obediente, mas elegante" ( Gérard LEBRUN.
op.cit., p.21).
[81] Cf. Jean Jacques COURTINE & Claudine HAROCHE. "O homem perscrutado -
semiologia e antropologia política da expressão e da fisionomia do século
XVII ao século XIX" in Eni ORLANDI (org.) Sujeito e texto. São Paulo,
EDUC, 1989, p.37-86. Entre os séculos XVII e XIX verifica-se uma passagem
desta anatomia das paixões para uma paixão da anatomia. Nessa última, a
subjetividade perde a antiga determinação retórica e aparece como
interioridade "indizível", cuja aproximação passa a ser efetuada por um
paradigma do índice, que se apóia no conhecimento científico (de uma
cientificidade a se definir) do individual. Cf. também Carlo GUINZBURG.
"Sinais - Raízes de um paradigma indiciário" in Mitos, emblemas, sinais.
São Paulo, Companhia das Letras, 1990, p.143-79.
[82] Por exemplo: Aristóteles, Retórica, III.17; Teofrasto, Caracteres;
Cícero, Orator, 128-134, De Oratore II, 185-288, III.213-227; Quintiliano,
Instituto Oratoria XI.3, VI.2-20.
[83] As paixões dependem da representação que os outros fazem de nós e até
da representação que nós fazemos da representação que os outros fazem de
nós.
[84] Michel MEYER . "Aristote ou la rhétorique des passions" in ARISTOTE.
Rhétorique des passions. Paris, Rivages, 1989, p. 144-5.
[85] Inst. orat. VI. 2-4, 8-20.
[86] Cf. Eckart SCHUTRUMFF. The Meaning of ethos in the poetics - a reply.
Hermes,115(2): 175-81, 1987 e Cristopher GIL. The ethos/pathos
distinction in rhetorical and literary criticism. Classical Quaterly, 34:
149-66, 1984.
[87] Retórica I.2.56.
[88] Retórica II,2-11, onde Aristóteles apresenta as paixões.
[89] Retórica II.12.
[90] De anima I.1.403a3.
[91] Orator, 128.
[92] Cf. W. Leonard GRANT. Cicero on the moral character of the orator.
Classical Journal XXXVIII: 472-8, 1942/43.
[93] Part. orat., 22.
[94] Part. orat., 90.
[95] Lembrar que o honestum e o utile são os assuntos dos livros I e II,
respectivamente, do De officiis. Os preceitos morais fornecidos nesses
livros são instrumentos para a persuasão pelo discurso.
[96] Por exemplo Part. orat. 5,8,13,20,27,46,112.
[97] Cf. também a discussão sobre a doutrina das três tarefas apresentada
por G.M.A. GRUBE. The greek and roman critics. London, Methuen & CO, 1965,
p.178.
[98] O decoro será, como sempre, um conceito efetivado em reação a outros
conceitos. Aqui, ele é determinado por uma série de excelências éticas
(jogo de virtudes e vícios) que caracterizam os "bem nascidos".
[99] Daí ser a actio um dos critérios mais valorizados por Cícero no
julgamento que apresenta dos oradores romanos no Brutus, conforme já
apontado.
[100] Em Part. orat. 3, a actio aparece como comes eloquendi.
[101] Cf. QUINTILIANO. Inst. orat. XI.3 e CÍCERO. De oratore, III.213-217.
[102] De oratore III.216.
[103] Inst. orat. XI.3.221.
[104] Inst.orat. XI.3.72.
[105] De officiis, I.146.
[106] É curioso notar como ainda hoje a elocução, ou o "estilo", é usada
pela "crítica" para determinar moralmente o caráter do escritor.
[107] Cf. Archibald ALLEN. (Sincerity( and the roman elegists. Classical
Philology, XLV (3): 145-60, 1950.
[108] Poética, 50a. 5-6.
[109] Qualitas correspondente à pergunta retórica (quale sit?(. Cf. Part.
orat. 101-138.
[110] Cf. Paul VEYNE. A elegia erótica romana. São Paulo, Brasiliense,
1985.
[111] Cf. Francis CAIRNS. Generic composition in greek and roman poetry.
Edinburgh, Edinburgh U.P.,1972. Paulo Sérgio VASCONCELLOS. (Introdução( in
CATULO. O cancioneiro de Lésbia. São Paulo, Hucitec, 1991, p.11-34.
Francisco ACHCAR. Lírica e lugar-comum. São Paulo, EDUSP, 1994.
[112] Catulo VIII :Miser Catulle, desinas ineptire,
Et quod uides perisse perditum ducas.
Fulsere quondam candidi tibi soles,
Cum uentitabas quo puella ducebat
Amata nobis quantum amabitur nulla.
Ibi illa multa tum iocosa fiebant,
Quae tu uolebas nec puella nolebat.
Fulsere uere candidi tibi soles.
Nunc iam illa non uolt; tu quoque, impotens, noli,
Nec quae fugit sectare, nec miser uiue,
Sed obstinata mente perfer, obdura.
Vale, puella. Iam Catullus obdurat,
Nec te requiret nec rogabit inuitam;
At tu dolebis, cum rogaberis nulla.
Scelesta, uae te; quae tibi manet uita!
Quis nunc te adibit? cui uideberis bella?
Quem nunc amabis? cuius esse diceris?
Quem basiabis? cui labella mordebis?
At tu, Catulle, destinatus obdura.
[113] Catulo LXXXV:
Odi et amo. Quare id faciam, fortasse requiris.
Nescio, sed fieri sentio et excrucior.
[114] A poesia elegíaca, justamente, hipersingulariza seus tipos.
[115] Cf. Eleanor W. LEACH. The politics of self-presentation: Pliny(s
Letters and roman portrait sculpture. Classical Antiquity, 9(11): 15-39,
1990.
[116] As personae dos elegíacos declaram-se sem qualquer aptidão "para" ou
interese "pelo" negotium, o que é muito conveniente para alguém que se diz
soldado na militia amoris. Cf. Paul VEYNE. A elegia erótica romana. São
Paulo, Brasiliense, 1985.
[117] Pro Archia, I.
[118] Conjuração de Catilina, 3-4.
[119] Em várias ocorrências, Cícero dá a entender que, entre os seus
estudos e seus gostos, as artes (poesia, pintura, escultura) ocuparam pouco
espaço. Chega a simular o esquecimento do nome de Policleto. No entanto,
quando se trata de convencer o juri dos hediondos crimes de Verres, sabe,
com precisão, indicar o valor das obras de arte roubadas. Anne LEEN
(Cicero and the rhetoric of art. American Journal of Philology, 112: 229-
45, 1991) evidencia que o conhecimento artístico de Cícero é suficiente
para que ele ornganize um "programa decorativo" para sua vila em Túsculo,
tendo como princípio agenciador o decorum e a utilitas. Das cartas a Ático
pode-se concluir que ele está comprando obras com o propósito expresso de
fazer com que as pessoas vejam estas estátuas e formem uma impressão
favorável, não apenas de seu gosto e distinção, mas também de sua
importância política e de sua condição social.
[120] Quando é eleito cônsul, em 43 aC, Otaviano está com 19 anos.
[121] Cf. o discurso do "homem novo" Mário ( SALÚSTIO. Guerra de Jugurta,
85) propondo uma nova moral da ação e criticando os arruinados que ainda
tentam se valer do prestígio das imagines maiorum.
[122] Tal homenagem pode ser encontrada também na poesia dos poetae noui e
na da Época de Augusto.
[123] Idade de Ouro: a Atenas de Péricles revisitada pelos sábios
alexandrinos.
[124] Por exemplo: rugas, o caráter "velho" e as paixões a ele associadas.
A associação não é unívoca. Já foi sugerido que as rugas patrícias são
virtuosas marcas de serviço à República. Aristóteles (Retórica II.13)
mostra o caráter dos velhos sujeito a várias paixões: são pusilânimes,
mesquinhos, tímidos, mais inclinados ao cinismo do que à vergonha, etc.
[125] Cf. Ranuccio B. BANDINELLI. L(arte romana nel centro del potere.
Milano, BUR/ARTE, 1988.
[126] Cf. Sheldon NODELMAN. How to read a roman portrait. Art in America,
63: 27-33, 1975.
[127] Pode-se ver certo parentesco entre a alegado (sinceridade( de Catulo
e o (verismo( dos retratos. Também nos poemas de Catulo já foram
ressaltadas as supostas (marcas pessoias(.
[128] George M.A. HANFMANN. Observations in Roman Portraiture - VI.
Latomus, XII: 454-65, 1953.
[129] Uma descrição técnica desse procedimento é apresentada por
NODELMAN(1975): "A poderosa unidade rítmica que une todas as formas da
cabeça (retrato) grega referem-se exclusivamente umas às outras e ao seu
centro ideal (...) No retrato romano, esse sistema rítmico fechado é
rompido. As componentes individuais são percebidas com maior independência
(...) O efeito (de individualização) é conseguido através de enfáticos e
discordantes contrastes com os quais estes detalhes são agrupados para
relacionar-se uns com outros, levando à emancipação em relação a um
princípio formal unitário perceptível e dominante." (p.30) "Ao mundo
social, definido como externo, deve corresponder o mundo interior da
experiência privada e este segundo nível também é visível no retrato
romano, na involuntária, talvez espontânea, contração dos pequenos
músculos, que revela outros sentimentos daqueles afirmados pela máscara, e
na inflexão distorcida da própria máscara". (p.32) Cabe ressaltar que o
"mundo interior da experiência privada" não é refletido pelo arranjo dos
elementos, mas forjado a partir deles. Parece interessante notar como parte
dessas afirmações são transpostas para a crítica que trata da poesia do
período.
[130] Cf. Michel FOUCAULT. História da sexualidade. Vol. 3 - O cuidado de
si. Rio de Janeiro, Graal, 1985. Cf. também Pierre HADOT. Exercices
spirituels et philosophie antique. Paris, Études Augustiniennes, 1987.
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