Cícero. Partições oratórias (Tradução).

July 25, 2017 | Autor: Angélica Chiappetta | Categoria: Cicero, Retórica
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CÍCERO





Partições oratórias
Tradução: Angélica Chiappetta











SÃO PAULO, AGOSTO DE 2007.

Sumário
Exórdio (1-4)
Apresentação (1-2)
Divisões da doutrina do discurso (3-4)
I. A força do orador (5-26)
Invenção (5-8)
Disposição (9-15)
Gênero demonstrativo (12)
Gênero deliberativo (13)
Gênero judiciário (14-15)
Elocução (16-24)
Profusa (16-22)
Palavras isoladas (16-17)
Palavras agrupadas (18)
As cinco luzes da elocução (19)
Trabalhada (23-24)
Ação (25)
Memória (26)
II. O discurso (27-60)
Exórdio (28-30)
Narração (31-32)
Confirmação (33-43)
Conjectura (34-40)
Definição (41)
Qualidade (42-43)
Refutação (44-51)
Peroração (52-60)
III. A questão (61-138)
Os tipos de questão (61)
Questão indefinida - tese, discussão (62-68)
Divisão (62-63)
Tese, discussão teórica - conjectura, definição, qualidade (64-
66)
Tese, discussão prática (67-68)
Questão definida - causa (68-138)
Divisão (68-70)
Gênero demonstrativo (70-82)
Gênero deliberativo (83-97)
Gênero judiciário (98-138)
Antes do tribunal (99-100)
No tribunal (101-138)
Estado da causa, do jugalmento (101-108)
Conjectura (110-122)
Definição (123-128)
Qualidade (129-138)
Peroração (139-140)
Partições oratórias


1 Cícero Filho. Gostaria, meu pai, de ouvir de ti, em Latim, aquilo que tu
me transmitiste em Grego a respeito do método de discursar[1], se neste
momento tens tempo livre e se desejas.

Cícero Pai. Acaso, meu Cícero, existe algo que eu prefira a te ver o mais
instruído possível? Em primeiro lugar, o tempo livre é abundante, pois já
então me foi dada a possibilidade de sair de Roma[2], e depois, anteporia
com prazer esses teus interesses às minhas mais importantes ocupações.

2. C.F. Desejas, então, como tu costumas interrogar-me ordenadamente em
Grego, que assim eu te interrogue alternadamente, a respeito das mesmas
coisas, em Latim[3]?

C.P. Certamente, se te agrada. Pois, assim, tanto eu verificarei o que
recordas do que aprendeste, quanto tu ouvirás ordenadamente aquilo que
desejas saber.

3. C.F. Em quantas partes está dividida toda a doutrina do discurso[4]?

C.P. Em três.

C.F. Mostra quais?

C.P. Primeiro, a própria força do orador, depois, o discurso, e por fim, a
questão[5].

C.F. Em que consiste a própria força do orador?

C.P. Nas coisas e nas palavras[6]. Mas tanto as coisas quanto as palavras
devem ser encontradas e dispostas[7]. Na verdade, "encontrar" é usado mais
especificamente em relação às coisas, e "falar"[8], em relação às palavras.
"Dispor", ainda que ligados aos dois, está mais próximo do "encontrar"[9].
A voz, o gesto, o semblante[10] e a ação como um todo são companheiros da
elocução. Guardiã de todas essas coisas é a memória.

4. C.F. Então, quantas são as partes do discurso?

C.P. Quatro. Duas delas, a narração e a confirmação, são eficazes para
ensinar o assunto[11]; duas, o exórdio e a peroração, para impelir os
ânimos.

C.F. E a questão, que divisão tem?

C.P. Indefinida, que eu chamo discussão[12], e definida, que eu denomino
causa.

5. C.F. Posto que encontrar é a primeira tarefa do orador, o que se vai
procurar?

C.P. Que se encontre de que modo estabelecer a crença[13] naqueles que se
deseja persuadir, e de que modo produzir movimento nos seus ânimos[14].

C.F. Por que meios a crença é estabelecida?

C.P. Pelos argumentos, que são tirados dos lugares, tanto os inseridos no
próprio assunto quanto os a ele relacionáveis.

C.F. O que chamas lugares?

C.P. Àqueles nos quais estão latentes os argumentos.

C.F. O que é um argumento?

C.P. Algo provável[15] encontrado para estabelecer a credibilidade.

6. C.F. De que maneira, então, divides esses dois tipos de argumentos?

C.P. Aqueles que são considerados sem técnica[16], chamo-os remotos, como
os testemunhos.

C.F. E os argumentos inseridos?

C.P. São aqueles ligados ao próprio assunto.

C.F. Quais são os tipos de testemunhos?

C.P. Divino e humano. Divino[17], como os oráculos, os auspícios, os
vaticínios e as respostas dos sacerdotes, dos adivinhos e dos
intérpretes[18]. Testemunho humano é o que vem da autoridade, da vontade
das partes, da confissão espontânea ou forçada. Nisso estão incluídos os
escritos[19], os pactos, as promessas, as declarações feitas sob juramento
e sob interrogatório.

7. C.F. Quais são os argumentos inseridos?

C.P. Os que estão assentados no próprio assunto em questão, [argumentos que
consideram o todo, as partes, a designação, as coisas que de certo modo
estão relacionadas ao que se procura e ao que se discute. Algumas vezes usa-
se o procedimento da definição, outras o da divisão das partes, outras o da
explicação etimológica de um termo. Dos pontos que estão apenas vagamente
relacionados ao assunto, alguns são chamados conjuntos, outros são
classificados pelo tipo, forma, semelhança, diferença, oposição, pelas
conexões, pelos antecedentes, conseqüentes, excludentes, pelas causas,
pelos efeitos, pela comparação com coisas maiores, iguais ou menores][20].
Repetindo, os argumentos inseridos no próprio assunto são tirados da
definição, da antítese, das coisas que se contrapõem ao tema em questão,
como aquelas a ele semelhantes, dessemelhantes, congruentes, incongruentes;
o que é o caso dos temas como que conjuntos ou que se excluem entre si. Há,
ainda, o que vem do próprio ponto de litígio, buscando estabelecer causas e
conseqüências, ou seja, aquilo que decorre das causas. Há o que vem das
classificações, como a divisão em tipos ou os tipos de divisão. Há o que
vem da busca pelas origens e do que é quase pré-condição das coisas em
geral, ponto em que também se podem achar argumentos. Há, por fim, o que
vem da comparação com o que é maior, menor ou igual, medindo-se aqui a
natureza e a potencialidade das coisas[21].

8. C.F. Então, de todos esses lugares tomaremos argumentos?

C.P. Longe disso, por certo. Exploraremos e procuraremos em todos eles, mas
empregaremos o juízo para que sempre rejeitemos os argumentos superficiais,
por vezes até deixemos de lado os comuns e os não necessários.

C.F. Já que respondeste a respeito da credibilidade, desejo ouvir sobre a
comoção.

C.P. Procuras certamente no lugar, mas o que desejas será melhor explicado
quando eu for para o método do próprio discurso e das questões.

9. C.F. O que se segue, então?

C.P. Depois que se tiver encontrado os argumentos, dispô-los. Na questão
indefinida, a ordenação deles é quase a mesma que expus a respeito dos
lugares; na questão definida, no entanto, devem ser empregados também
aqueles que tratam de comover os ânimos[22].

C.F. Como, então, desdobras isso?

C.P. Tenho preceitos comuns para estabelecer a crença e para comover. Já
que a crença é uma opinião firme e a comoção, por outro lado, é um
incitamento do ânimo ao desejo, ao pesar, ao medo, à cobiça (com efeito,
tantos são os tipos de comoção[23], e muitas mais são as partes de cada
tipo particular), acomodo toda a disposição do discurso à finalidade da
questão. Assim, na tese[24], ou seja, na questão indefinida, a finalidade é
a crença; na causa[25], questão definida, a crença e a comoção. Por isso,
quando tiver falado a respeito da causa, na qual está contida a tese, terei
falado de uma e de outra.

10. C.F. O que tens a dizer, então, sobre a causa?

C.P. Que ela é dividida segundo o tipo de auditório. Pois, ou o ouvinte é
do tipo que apenas ouve, ou é um árbitro, isto é, o moderador do assunto e
da decisão, de modo que um deve ser deleitado e o outro deve estabelecer
algo. E estabelece em relação a coisas passadas, como o juiz, ou em relação
a coisas futuras, como o senado. Assim, três são os gêneros do discurso: o
do julgamento, o da deliberação e o da ornamentação, o qual, por aplicar-se
acima de tudo nos elogios, tem já a partir do elogio o seu nome
particular[26].

11 C.F. Que coisas o orador se propõe como tarefa nesses três gêneros[27]?

C.P. O deleite, na ornamentação; no julgamento, a clemência ou o rigor da
sentença; na deliberação, a esperança ou a apreensão dos que decidem[28].

C.F. Por que, mesmo, mostras neste ponto os tipos de controvérsias[29]?

C.P. Para adaptar a maneira de dispor o discurso à finalidade de cada um.

12. C.F. E, então, de que modo?

C.P. Nos discursos nos quais a finalidade é deleitar, as maneiras de dispor
são várias. Pois tanto se pode observar a ordem cronológica quanto a
divisão em categorias. Ascendemos das coisas menores às maiores ou caímos
das maiores para as menores; podemos, ainda, diferenciar essas coisas com
variedade desigual, entremeando as pequenas com as grandes, as simples com
as conjugadas, as obscuras com as claras, as alegres com as tristes, as
inacreditáveis com as prováveis, todas as quais cabem na ornamentação.

13.C.F. E em seguida? O que observas na deliberação?

C.P. As partes iniciais não são longas ou, muitas vezes, nem aparecem.
Estão preparados para ouvir aqueles que deliberam em causa própria.
Certamente, muitas vezes não é preciso narrar muito. A narração é própria
das coisas passadas ou presentes; a deliberação, das futuras. Assim, deve-
se aplicar todo o discurso para estabelecer a crença[30] e comover[31].

14.C.F. E depois? Nos julgamentos, qual é a disposição?

C.P. Não é a mesma para o acusador e para o réu, porque o acusador segue a
ordem das coisas e dispõe cada um dos argumentos como lanças na mão; propõe
com veemência, conclui com energia, confirma por meio dos editos, dos
decretos, dos testemunhos, detém-se muito cuidadosamente em cada um deles.
Os preceitos do discurso que são vigorosos para incitar os ânimos, ele os
usa no restante do discurso, afastando-se um pouco do curso da fala comum e
isso de modo mais veemente na peroração. Seu propósito é produzir um juiz
irado[32].

15.C.F. Por outro lado, o que deve ser feito pelo réu?

C.P. Tudo de maneira totalmente diferente. Ele deve usar as partes iniciais
do discurso para cativar a benevolência. As narrações devem ser resumidas,
se o prejudicam, ou suprimidas, se são totalmente embaraçosas. Os
argumentos que o acusador usou para estabelecer a credibilidade devem ser
enfraquecidos por si próprios, obscurecidos, aniquilados por digressões. As
perorações devem levar à misericórdia.

C.F. Sempre, então, podemos manter a maneira de dispor que desejamos?

C.P. Nem sempre, pois os ouvidos do auditório devem regular o orador
prudente e previdente; o que eles rejeitam deve ser mudado.

16. C.F. Expõe em seguida quais são os preceitos do próprio discurso e das
palavras.

C.P. Há um tipo de elocução espontaneamente profuso; outro, torcido e
trabalhado[33]. Há uma primeira força nas palavras isoladas, uma segunda
nas palavras colocadas juntas. As palavras isoladas devem ser encontradas;
as reunidas, devem ser dispostas. As palavras isoladas são naturais ou
inventadas. Naturais são aquelas anunciadas pelo sentido; inventadas, as
que, a partir dessas, são forjadas e construídas por semelhança, por
imitação, por desvio ou por combinação de palavras[34]. 17. E há, também,
nas palavras, uma distinção quanto à natureza ou quanto ao uso. Quanto à
natureza, conforme umas sejam mais sonoras, mais elevadas, mais leves e, de
certo modo, mais brilhantes; outras são o contrário. Em relação ao uso, a
distinção entre as palavras leva em consideração se são tomadas como o
próprio nome das coisas ou a ele adicionadas, novas ou antigas, modificadas
pelo orador e, de certo modo, desviadas. Desse tipo são as palavras
transladadas e alteradas, as usadas como que abusivamente, as que
atenuamos, as que tomamos de modo incrível, e as que ornamos de modo mais
extraordinário do que permite a fala comum[35].

18. C.F. Tenho algo a respeito das palavras isoladas. Agora pergunto a
respeito das palavras agrupadas.

C.P. Alguns dados de ritmo e concordância das palavras devem ser observados
no agrupamento. Os próprios ouvidos devem medir o ritmo[36], para que não
se sobrecarregue com palavras ou fique redundante aquilo que foi proposto.
Observe-se a concordância para que o discurso não fique confuso quanto a
gênero, número, tempos, pessoas e casos. Pois, como nas palavras isoladas
deve ser censurado o que não é Latim, assim nas palavras agrupadas, o que
não é concordante. 19. São comuns às palavras isoladas e agrupadas estas
cinco como que luzes: clareza, brevidade, probabilidade, brilho,
suavidade[37].
A clareza é obtida usando os termos no seu modo próprio, ordenando-os
numa seqüência fechada, restrita e concisa[38]. A obscuridade é obtida
prolongando ou contraindo o discurso, usando a ambigüidade, o desvio ou
outra alteração das palavras.
A brevidade é produzida isolando as palavras, cada uma dizendo uma
coisa de cada vez, não servindo para nada a não ser falar claramente.
Provável, por outro lado, é o tipo de discurso que não é preparado e
trabalhado em demasia, no qual há autoridade e peso nas palavras, em que as
afirmações são graves ou adequadas às opiniões dos homens e aos
costumes[39].
20. O discurso é brilhante se se colocam palavras escolhidas por sua
gravidade, transladadas, amplificadas, adjetivadas, duplicadas, sinônimas,
que não se afastam do assunto e da referência ao tema. Na verdade, esta
parte do discurso é a que apresentaria o assunto quase que diante dos
olhos[40]. Pois, esse sentido é atingindo antes de qualquer outro; mas os
demais e, acima de tudo, a própria mente, também podem ser movidos pelo
brilho do discurso[41]. E o que foi dito a respeito do discurso claro vale
também para o elegante. Este é tanto mais elegante quanto aquele, claro.
Por um se faz com que entendamos, por outro, com que pareçamos ver.
21. O modo de dizer será suave, primeiro, pela elegância e pela beleza
de palavras soantes e amenas, depois, por um agrupamento que não deve ter
encontros ásperos de sons distantes, não deve ter hiatos[42], deve estar
limitado a um período não longo, adequado ao fôlego da voz e que tenha
vocabulário uniforme e equilibrado. Então, devemos escolher palavras que se
contraponham às já escolhidas, fazendo com que palavras grandes respondam
às grandes, mantendo o tamanho das palavras: encadeiem-se assim palavras
relacionadas a um mesmo termo, duplicadas [ou reduplicadas] ou até
repetidas com mais freqüência. As palavras assim estruturadas devem ser ora
unidas por conjunção ora separadas por assíndeto. 22. O discurso torna-se
suave quando fala algo não visto, não ouvido ou novo. Agrada, também, tudo
que é admirável e comove acima de tudo aquele discurso que incita algum
movimento de ânimo ou que apresenta os costumes do próprio orador como
amáveis. Esses costumes são mostrados quando se aponta uma decisão do
orador, seu ânimo humano e liberal, a inflexão de sua fala, quando, para
aumentar o outro ou diminuir a si mesmo, parece dizer umas coisas e
considerar outras, e mostre fazer isto mais por benevolência do que por
futilidade. Mas são muitos os preceitos para agradar que tornam o discurso
mais obscuro ou menos provável. E assim, também neste ponto[43], nós mesmos
devemos escolher o que a causa solicita.

23. C.F. Falta, então, que fales do discurso retorcido e trabalhado.

C.P. Esse tipo de discurso está totalmente apoiado na modificação das
palavras, a qual se dá em relação às palavras isoladas quando o discurso se
expande ou se contrai a partir de uma delas. Expande-se a partir de uma
palavra, quando a própria, uma de mesmo significado ou uma forjada para
isso são divididas em muitas outras. O discurso se contrai quando uma
definição é reduzida a uma única palavra ou palavras acessórias são
removidas, uma perífrase é referida em linguagem direta, ou por agrupamento
de duas palavras se faz uma. 24. Modificam-se as palavras agrupadas de três
formas, mudando a ordem e não as palavras. Como quando, tendo sido dito uma
vez na ordem direta, segundo a própria natureza do assunto, inverte-se a
ordem e a mesma coisa é dita como que para frente, para o lado, para trás,
depois, o mesmo de modo entrecortado e misturado. Os exercícios de elocução
ocupam-se principalmente desse tipo de modificação.

25. C.F. Agora é a vez da ação, segundo penso.

C.P. Isso. Na verdade, o orador deve alterar sua ação junto com o movimento
das idéias e das palavras. Ela torna o discurso claro, brilhante, provável
e suave[44], não por meio de palavras, mas pela variação da voz, pela
movimentação do corpo e pelo semblante, que contribuem muito mais ainda se
estão adequados ao gênero de discurso e seguem a força e a variação dele.

26. C.F. Então, que outra coisa te resta falar a respeito do próprio
orador?

C.P. Sem dúvida, nada além da memória, que em certo sentido é gêmea da
escrita, semelhante de um modo diferente. Pois, como a escrita consta da
notação de letras e daquilo em que foram gravadas essas notas, assim é a
composição da memória: tal qual uma tabuinha encerada, usa lugares e neles
coloca imagens como se fossem letras[45].

27. C.F. Já que a respeito da força do orador tudo foi exposto, o que tens
a dizer a respeito dos preceitos do discurso?

C.P. Quatro são suas partes, sendo a primeira e a última úteis para mover o
ânimo; este deve ser excitado no início e na peroração. A segunda parte, a
narração, e a terceira, a confirmação, estabelecem a credibilidade para o
discurso. Ainda que a amplificação tenha seu lugar próprio (muitas vezes no
início, quase sempre no fim) deve ser adaptada, todavia, ao restante do
desenvolvimento do discurso, principalmente no ponto em que algo é
confirmado ou censurado. Assim, é também muito útil para a credibilidade.
Pois, a amplificação é como uma argumentação veemente: esta se dá para
ensinar; aquela, comover.

28. C.F. Encaminha-te, então, para me explicar, em ordem, essas quatro
partes.

C.P. Farei isso. Começarei falando da parte inicial dos discursos que, por
certo, trata das pessoas ou das próprias coisas[46]. Os exórdios são feitos
com três finalidades: para que sejamos ouvidos benévola, inteligível e
atentamente[47].
O primeiro desses pontos[48] assenta-se na nossa pessoa, na dos juízes
e na dos adversários. Com base nelas, captamos a benevolência explicando
nossos próprios méritos, devidos à nossa dignidade ou a algum tipo de
virtude, principalmente a liberalidade, o senso de dever, a justiça, e a
credibilidade[49]. Também, atribuindo aos adversários as coisas contrárias
a essas. Em relação aos que julgam, devemos apontar algum motivo ou
esperança de acordo. Se tivermos sido acusados de algum ódio ou ofensa em
relação ao caso, esses devem ser suprimidos ou diminuídos, diluindo-os,
extinguindo-os, compensando-os ou deprecando-os[50].
29. E para que sejamos ouvidos inteligível e atentamente, devemos
começar apresentando o próprio assunto. O ouvinte aprende e entende mais
facilmente o que for falado se se tratar no início o tipo e a natureza da
causa, se se definir, dividir, não embaraçar a prudência do ouvinte
confundindo as partes, nem sua memória, acumulando coisas. O que adiante
será falado sobre a narração clara[51] pode ser também corretamente
aplicado aqui.
30. E para que sejamos ouvidos com atenção, falemos uma de três
coisas: proponhamos algo importante, necessário e ligado àqueles junto aos
quais a ação[52] será executada. E também é preceito importante: quando a
própria circunstância, a coisa, o lugar, a intervenção ou interpolação de
alguém, algo dito pelo adversário e, principalmente na peroração, se nos
tiver sido dada alguma oportunidade para que digamos convenientemente algo
de acordo com o momento, não a deixemos passar. Muito do que falaremos, no
seu lugar[53], a respeito da amplificação pode ser aplicado também nos
preceitos sobre os exórdios.

31.C.F. E na narração, o que deve ser observado?

C.P. Como a narração é a exposição das coisas e como que sede e fundamento
para estabelecer a credibilidade, nela devem ser observadas as mesmas
regras das outras partes do discurso. Algumas delas são aplicadas por
necessidade, outras, para embelezar o discurso. É necessário que narremos
com clareza e probabilidade, mas também devemos impor certa suavidade.
32. Assim, para narrar com clareza valem os mesmos preceitos
anteriormente propostos[54] sobre explicar e ilustrar, entre os quais está
a brevidade, da qual se falou acima, sempre louvada na narração.
A narração será provável se as coisas narradas concordarem com as
personagens, as circunstâncias, os lugares; se for apresentada a causa de
cada feito ou evento; se parecer que são ditas coisas comprovadas,
relacionadas com a autoridade dos homens, com a lei, com o costume, com a
religião, se for indicada a probidade daquele que narra, sua estirpe, sua
memória, a verdade de seu discurso e a credibilidade de sua vida.
Suave é a narração que tem surpresas, expectativa, saídas inesperadas,
movimentos de ânimo, diálogos[55], dores, iras, medos, alegrias, desejos.
Mas agora nos encaminhemos para o que resta.

33. C.F. Certamente seguem as partes que dizem respeito ao estabelecimento
da credibilidade.

C.P. Assim é. Essas se dividem em confirmação e refutação. Ao confirmar,
desejamos provar as nossas afirmações; ao refutar, redargüir as
adversárias. Assim, então, sobre o assunto que é tema da controvérsia,
perguntamos se aconteceu ou não, o que aconteceu ou que tipo de coisa
aconteceu[56]. No primeiro caso, há uma conjectura, no outro, há uma
definição e, no terceiro, um motivo[57].

34.C.F. Guardarei essa divisão. Agora pergunto quais os lugares da
conjectura.

C.P. Ela está totalmente colocada na verossimilhança e nos indícios
característicos das coisas[58]. Mas, com objetivo de esclarecer, chamemos
de verossímil[59] o que acontece a maioria das vezes de determinada
maneira, como ser a adolescência mais inclinada ao desejo. De argumento de
indício característico, o que nunca se dá de outra forma e aponta algo
certo, como a fumaça ao fogo.
Os verossímeis são tirados das partes e como que dos membros da
narração. Assentam-se nas pessoas, nos lugares, no tempo, nos feitos, nas
ocorrências, na natureza do próprio assunto e das ocorrências. 35. Nas
pessoas, primeiramente são observados os dados naturais de saúde,
aparência, forças, idade, sexo. Essas coisas, no corpo. Quanto aos ânimos,
observa-se como são afetados pelas virtudes, vícios, artes, inércias ou
como são agitados pela cupidez, medo, prazer, moléstia[60]. E isso quanto à
natureza. Quanto à fortuna, observam-se a ascendência, amizades, filhos,
parentes próximos, parentes por afinidade, bens, honras, poderes, riquezas,
liberdade e as coisas que se opõem a essas. 36. Sobre os lugares, observam-
se seus dados naturais, como sua localização, marítimos ou afastados do
mar, planos ou montanhosos, suaves ou ásperos, salubres ou pestilentos,
escuros ou expostos ao sol; observam-se também os dados ocasionais, como se
são lugares cultivados ou incultos, povoados ou desertos, edificados ou
vazios, obscuros ou enobrecidos pelos vestígios de grandes acontecimentos,
consagrados ou profanos. 37. Quanto ao tempo, são apontadas as coisas
presentes, pretéritas e futuras e nessas, as muito antigas, as recentes, as
do momento, as que estão para acontecer em breve ou que virão a acontecer
em algum momento. Também dizem respeito ao tempo os dados que marcam a
natureza graças a sua passagem, como o inverno, verão ou as unidades de
tempo do ano, como o mês, o dia, a noite, a hora, que são naturais, e as
ocasionais, como os sacrifícios, os dias de festa, as núpcias. 38. Já os
feitos e as ocorrências são marcados pela tomada de decisão ou pela
imprudência, que são frutos do acaso ou de algum movimento de ânimo. Do
acaso, quando acontece algo de forma diferente da que se esperava. Do
movimento de ânimo, quando o esquecimento, o erro, o medo ou algum motivo
do desejo causaram comoção. E até a fatalidade deve ser colocada como
imprudência. Há três gêneros de coisas tanto boas quanto más. Podem estar
nos ânimos, nos corpos ou fora dos corpos.[61]
Assim, com esse material levantado para a argumentação, todos seus
elementos devem ser mentalmente avaliados e deve-se formar a conjectura
escolhendo-os segundo o tema que se discute[62].
39. Há também outro tipo de argumento, que observa os próprios
vestígios do feito[63], como uma arma, sangue, gritos, lamentos, hesitação,
mudança de coloração do rosto, discurso inconstante, tremor ou alguma outra
coisa que possa ser percebida pelos sentidos. Até mesmo algum sinal de
premeditação ou de arranjo com outra pessoa, ou algo visto, ouvido ou
mostrado depois.
40. As coisas verossímeis comovem em parte uma a uma, a partir do seu
peso, em parte, embora pareçam ser exíguas por si só, aumentam muito quando
são acumuladas. Nesses verossímeis incluem-se, algumas vezes, até os
indícios característicos e certos das coisas. Mas estabelecem a máxima
credibilidade, primeiramente um exemplo calcado na semelhança com o
verdadeiro, depois, a introdução de um caso paralelo. Até a fábula, embora
seja inacreditável, algumas vezes, todavia, comove os homens[64].

41. C.F. Bem, que regra há para a definição e que método?

C.P. Não há dúvida, por certo, que a definição se dá apontando alguma
qualidade própria ou mesmo a enumeração de coisas comuns a partir das quais
se mostra o que é próprio. Mas, como a maioria das vezes há grande
desacordo sobre as qualidades próprias das coisas, freqüentemente é preciso
definir a partir de oposições e muitas vezes mesmo apontando diferenças e
igualdades. Por isso, as descrições são, com freqüência, convenientes neste
tipo de questão e também a enumeração das conseqüências. Aqui comove,
principalmente, a explicação da palavra e da denominação.

42. C.F. Já está quase completa a exposição dos preceitos sobre as ações e
sobre a denominação das ações[65]. Presume-se, então, que resta considerar
a situação quando se coloca a qualidade dos acontecimentos, tendo sido
estabelecido acordo sobre as ações e sua denominação.

C.P. É assim como dizes.

C.F. Quais são, então, nesse gênero, as partes?

C.P. Uma ação pode ser feita por direito, para afastar ou vingar uma dor,
em nome da piedade, do pudor, da religião, da pátria, ou por necessidade,
por ignorância, por acaso. 43. Pois, as coisas que são feitas sem motivo,
por comoção ou perturbação do ânimo, essas não têm defesa contra seu erro
em julgamentos legais; nos debates livres, podem ter. No debate em que se
busca qualificar a ação, costuma-se estabelecer uma controvérsia sobre se a
ação foi feita por direito e corretamente, e a discussão deve-se basear
numa lista de tópicos.

44. C.F. Está bem. Mas já que havias dividido o estabelecimento da
credibilidade do discurso em confirmação e refutação[66], e falaste a
respeito de uma, expõe agora a respeito da outra.

C.P. Deves negar o todo que o adversário assumiu na argumentação, se
puderes provar que é fictício ou falso, ou redargüir as coisas que foram
assumidas como verossímeis. Primeiro diga que coisas dúbias foram assumidas
como certas; depois, que algumas podem até ser tidas como falsas; então,
que as que partiram destas não podem produzir-se como ele quer. E é preciso
derrubar uma a uma; assim, o conjunto será quebrado. Devem mesmo ser
evocados exemplos a que não se tenha dado crédito em alguma discussão
semelhante. Deves lamentar a possibilidade de um perigo comum, se a vida de
inocentes tiver sido exposta aos talentos de homens criminosos.

45. C.F. Então, já que tenho de onde são encontradas as coisas que dizem
respeito à credibilidade, espero de que maneira elas serão tratadas, uma a
uma, durante o discurso[67].

C.P. Pareces buscar a argumentação, que é o desenvolvimento dos
argumentos. Constituída a partir dos lugares que foram expostos, deve ser
arranjada e dividida claramente.[68]

C.F. Desejo exatamente isso mesmo.

46. C.P. A argumentação é, então, como foi dito acima, o desenvolvimento
dos argumentos, mas só estará concluída quando, tendo assumido coisas
prováveis ou não dúbias, consigas delas estabelecer aquilo que, por si só,
pareceria dúbio ou menos provável. E os tipos de argumentação são dois. Um
deles visa diretamente à credibilidade, outro inclina-se à comoção[69].
Segue diretamente quando propõe algo a ser provado, assume alguns pontos a
partir dos quais se dará a explicação, volta à proposição e conclui. A
outra argumentação, por sua vez, vai como para trás e ao contrário.
Primeiramente assume as coisas que deseja e as confirma. Só depois,
comovidos os ânimos, lança no fim aquilo que deveria ter sido proposto no
início.
47. Podemos também, durante a argumentação, usar alguma variação não
desagradável, por exemplo, interrogando a nós mesmos ou perguntando,
implorando, apresentando um desejo - coisas que são, com muitas outras,
ornamentos das sentenças[70]. Poderíamos, por outro lado, evitar a
repetição, nem sempre começando a partir do proposto ou, ao argumentar, não
explicitando tudo; por exemplo, se apresentarmos brevemente as coisas que
forem bastante óbvias e as que delas decorrem e com isso a conclusão ficar
patente, nem sempre é preciso explicitá-la.

48. C.F. O quê? Aquelas provas que são denominadas "sem arte", que agora
pouco[71] disseste apenas assumidas, têm necessidade de alguma medida de
arte?

C.P. Com certeza elas têm. E não porque são assim se dizem "sem arte", mas
porque a força do orador não as faz surgir. Mas, levantadas perto dele,
este, então, as trata com arte.
Principalmente em relação aos testemunhos. 49. Pois, a respeito de
todo testemunho deve-se dizer, por um lado, o quanto é débil, por outro,
que os argumentos estão mais próximos das coisas, os testemunhos, das
vontades. Usem-se exemplos em que os testemunhos não tiveram crédito. A
respeito de cada um, diga-se se é por natureza vão, se é fútil, se fruto de
infâmia, medo, raiva, compaixão, se aduzido por recompensa ou favor. Devem
ser comparados com a autoridade superior de outros testemunhos aos quais,
entretanto, não se tenha dado crédito. 50. Muitas vezes, os testemunhos
dados sob interrogatório devem mesmo ser questionados. Pois, para evitar a
dor da tortura, muitos mentem várias vezes e preferem morrer confessando o
falso a sentir dor negando-o. Outros negligenciam até à própria vida para
livrar aqueles que lhes são mais caros que os próprios a si mesmos. Uns, de
um lado, suportam a violência das torturas pela natureza do corpo, pelo
hábito da dor, pelo medo do castigo e da condenação. Outros mentem contra
aqueles que odeiam. E isso tudo pode ser confirmado por exemplos. 51. E não
é difícil entender que, como há exemplos de uma e outra situação e também
há argumentos para se conjecturar tanto contra como a favor, nas situações
em que há oposição devem ser consideradas coisas que se opõem.
E há também um outro método para tratar os testemunhos e os
interrogatórios. Com efeito, muitas vezes pode-se refutar sutilmente coisas
que tiverem sido declaradas de modo ambíguo, inconstante, inacreditável ou
até mesmo em contradição com outro testemunho.

52. C.F. Resta-te a última parte do discurso, que se dá na peroração, a
respeito da qual, com certeza, gostaria de ouvir.

C.P. A divisão dessa parte é mais fácil. Pois, está dividida em duas
partes, amplificação e enumeração. O lugar próprio da amplificação não é só
aqui, ao perorar. Também ao longo do próprio discurso, confirmada ou
refutada alguma coisa, pode-se ter ocasião para amplificar. 53. A
amplificação é, assim, alguma afirmação particularmente grave que, ao
dizer, concilia a crença graças à comoção dos ânimos[72]. Ela é conseguida
pela escolha de palavras e de temas[73]. Devem ser usadas palavras que
tenham força de ilustrar[74] e não estejam afastadas do uso, graves,
cheias, bem soantes, compostas, forjadas, sinônimas, não vulgares,
exageradas e, em primeiro lugar, metaforizadas[75]. E isso não só nas
palavras isoladas, mas também no agrupamento das palavras, que devem ser
ditas sem conjunção[76] para que pareçam muitas mais. 54. Causam
amplificação, também, palavras que se repetem, que se confirmam, que se
acrescentam[77], e as que ascendem gradativamente das coisas humildes até
as superiores. E sempre é mais ajustado para aumentar o discurso natural e
não muito explicado[78], mas cheio de palavras graves.
Isso está nas palavras. A elas deve juntar-se, para comover os ânimos,
a ação congruente da voz e adequada do semblante. A causa deve ser
sustentada nas palavras e na ação e executada em favor do assunto. E, como
essas[79] parecem muito absurdas quando são mais graves do que a causa
suporta, deve-se escolher diligentemente o que convém a cada uma.
55. A amplificação dos temas usa os mesmos lugares apresentados para a
credibilidade[80]. São de especial valor as definições reunidas, a
enumeração de conseqüências, o contraposição de coisas contrárias,
dessemelhantes e opostas entre si, os motivos, o que surgiu dos motivos e,
sobretudo, as semelhanças e os exemplos. Falem até as personagens
ficcionais e, por fim, as coisas mudas[81].
Se a causa suporta, devem ser utilizados os temas tidos como
grandiosos, que são de dois gêneros. 56. Uns, com efeito, parecem grandes
por natureza, outros pelo uso. Pela natureza, são grandiosos os assuntos
celestes, divinos, aqueles cujas causas são obscuras, as coisas admiráveis
que existem na terra e no universo; se olhares com atenção muito desses
temas e outros semelhantes a esses estão bem à mão para amplificar o
discurso. São grandiosos pelo uso os temas que parecem com destaque e
veemência causar proveito ou prejuízo aos homens. Desses há três tipos que
servem para a amplificação: pois, os homens são movidos pela caridade (como
aos deuses, à pátria, aos parentes, ao amor, aos irmãos, aos cônjuges, aos
filhos, aos amigos), ou pela honestidade, ou pelas virtudes[82],
principalmente aquelas que têm valor para a comunhão e generosidade entre
os homens[83]. Essas coisas não só indicam como exortar o que deve ser
respeitado, como também incitam os ódios contra aqueles por quem foram
violadas, e fazem nascer a compaixão.
57. [Há tópicos próprios para a amplificação quanto a bens perdidos ou
em perigo de se perder[84]]. Nada é tão digno de compaixão quanto alguém
feliz passar a ser infeliz[85]. E, na verdade, ainda que esse tema comova,
se alguém cair da boa para a má fortuna[86] e for afastado da caridade de
muitos, mostre-se apenas brevemente o que está perdendo no momento, o que
perdeu, em que males está ou estará. Com efeito, rapidamente a lágrima
seca, principalmente nos males alheios. Nada, durante a amplificação, deve
ser explicado em demasia; toda exatidão é minuciosa e este lugar requer
coisas grandes.
58. Agora, a escolha propriamente dita: que tipo de amplificação
usaremos em cada causa. Naquelas causas que são ornamentadas para o
deleite, devem ser tratados os lugares que possam mover a expectativa, a
admiração, o prazer. Nas exortações[87], por outro lado, as enumerações dos
bens e dos males e os exemplos valem muito mais. Nos julgamentos, para o
acusador, em geral, as coisas que dizem respeito à cólera; algumas vezes,
entretanto, o acusador deve mover a misericórdia e o defensor a cólera[88].
59. Resta o procedimento da enumeração[89], algumas vezes necessária
ao que louva, não muitas vezes ao que delibera, mais freqüentemente ao
acusador do que ao réu. A enumeração deve ocorrer em duas circunstâncias:
se desconfias da memória daqueles diante de quem atuas, por causa do
intervalo de tempo ou do tamanho do discurso, ou se, acumulados e
brevemente expostos os fundamentos do discurso, a causa puder tomar mais
força com a enumeração. 60. Raramente o réu deve usá-la, porque esse deve
apresentar refutações: sendo breve, sua refutação brilhará, seus aguilhões
pungirão. A enumeração deve evitar parecer uma pueril ostentação de memória
e evitará isso aquele que não repetir todas as mínimas coisas, mas, tocando
brevemente uma a uma, mostrar a importância própria de cada uma delas.


61. C.F. E, então, falaste a respeito do próprio orador e do discurso;
expõe agora o que, por último dos três, propuseste: o lugar das questões.

C.P. São dois, como falei no início[90], os tipos de questões. Um deles é
limitado nas circunstâncias e nas pessoas, chamo-o causa. O outro não é
marcado por nenhuma pessoa ou circunstância, denomino-o tese[91]. A tese ou
discussão[92] é como que uma parte da causa e da controvérsia. Com efeito,
o não limitado está presente no definido e, sem dúvida, àquele se referem
todas as coisas. 62. Por causa disso, falaremos antes da tese, cujos tipos
são dois[93]. Uma teórica, de cognição: sua finalidade é o conhecimento,
como se são verdadeiros os sentidos[94]. Outra prática, de ação, que se
refere a produzir algo, como se alguém discute com quais deveres a amizade
deve ser cultivada. E mais, o primeiro tipo pode ser subdividido em três:
tese sobre como alguma coisa acontece ou não, tese sobre o que é exatamente
algo que se acredita acontecer, e tese sobre a qualidade de algo que se
acredita acontecer e que se sabe como definir[95]. Sobre como algo existe
ou não, por exemplo, "o direito está baseado na natureza ou nos costumes?".
Sobre a definição, por exemplo, "o direito é aquilo que é útil para a
maioria?". Sobre a qualidade, por exemplo, "viver de modo justo é ou não
útil?"[96].
63. As teses práticas são de dois tipos. Um em que se discute como
obter ou afastar algo, por exemplo, "com que coisas se pode alcançar
alcançar a glória?" ou "de que modo a inveja pode ser evitada?"[97]. Outro
tipo de tese prática refere-se a algum proveito e utilidade, por exemplo,
"de que modo a república deve ser administrada?" ou "de que modo devemos
viver na pobreza?".
64. Voltando, na discussão teórica, onde se procura se algo é ou não
é, foi ou será, um primeiro tipo de questionamento leva em consideração se
alguma coisa pode ser produzida, como quando se discute se pode existir um
sábio perfeito; outro questionamento, de que modo alguma coisa acontece,
por exemplo, "por que tipo de regra a virtude é classificada: pela
natureza, pela razão ou pelo uso?"[98]. Desse tipo são todas as discussões
em que, como nos assuntos metafóricos e nos naturais, explicam-se as causas
e as razões das coisas.
65. Há dois tipos de tese em que se discute o que é o ponto que está
em questão, ou seja, sua definição.Em um deles, devemos argumentar se duas
coisas são iguais ou diferentes entre si, por exemplo, a pertinácia e a
perseverança. No outro, devemos apresentar a descrição de algo genérico e
como que sua imagem, por exemplo, "o que é um avaro?" ou "o que é a
soberba?".[99]
66. No terceiro tipo de tese teórica, no qual se procura a qualidade
de uma coisa, devemos falar a respeito da honestidade, utilidade ou
eqüidade[100]. Da honestidade, assim: se é honesto expor-se ao perigo e à
inveja em lugar de um amigo. Da utilidade, assim: se é útil ocupar-se em
administrar a república. Da eqüidade, por outro lado, assim: se é
eqüitativo antepor os amigos aos conhecidos. E neste tipo de tese surge
outra disputa; com efeito, não se procura simplesmente o que é honesto, o
que é útil, o que é eqüitativo, mas por comparação, o que é mais honesto, o
que é mais útil, o que é mais eqüitativo, e até o que é muito honesto, o
que é muito útil, o que é muito eqüitativo[101]. Desse tipo são questões
como "qual é a dignidade mais notável da vida?".
E, por certo, essas coisas de que falei referem-se à tese teórica, de
cognição. 67. Restam as práticas, de ação. Uma delas preceitua o que diz
respeito às regras do dever, como "de que modo devem ser cultuados os
parentes?". Outro tipo trata de acalmar os ânimos e abrandá-los pelo
discurso, como na consolação dos abatimentos, na suspensão da cólera, na
supressão do medo ou na diminuição do desejo. Por certo, neste tipo de tese
a argumentação é oposta àquela que está presente na amplificação do
discurso e que serve para gerar ou incitar esses mesmos movimentos de
ânimo[102]. E essa é, mais ou menos, a divisão das teses ou discussões.

68. C.F. Reconheço, mas pergunto que regra para encontrar e dispor existe
nelas.

C.P. O quê? Tu pensas que é outra e não a mesma que já foi exposta[103], ou
seja, que dos mesmos tópicos tira-se tudo o que é necessário tanto para
encontrar o que dizer quanto para estabelecer a credibilidade. E também as
mesmas regras de disposição anteriormente expostas[104] podem também ser
aplicadas aqui.

C.F. Conhecida, assim, toda a explicação sobre as discussões das teses,
restam os tipos de causa.

69. C.P. De acordo e, por certo, a forma delas é dupla. Uma delas busca o
deleite dos ouvintes. Toda contenda da outra é para que obtenha, prove e
produza aquilo de que trata[105]. E assim, chama-se aquele primeiro gênero
de demonstrativo; e como pode ser um gênero amplo e, sem dúvida, variado,
dele escolhemos um único tipo: aquele que tomamos para louvar os homens
famosos e vituperar os ímprobos. Com efeito, não há nenhum gênero de
discurso que possa ser mais fértil para o discurso ou mais útil às cidades,
no qual o orador verse mais sobre o conhecimento das virtudes e dos vícios.
O outro gênero de causas trata da previsão do que há de vir ou da
disputa sobre o que passou. Um dessas situações é própria da deliberação, a
outro, dos julgamentos.
70. Dessa partição saíram, então, três gêneros de causa: um que é
denominado, pela seu lado mais importante, de "louvor", outro de
"deliberação", e o terceiro de "julgamentos"[106]. Assim, se te agrada,
discutiremos primeiramente o primeiro.

C.F. Muito me agrada.

C.P. As regras para louvar e vituperar, que não são valorosas apenas para o
bem dizer, mas também para o viver honestamente, exporei brevemente[107].
Começarei pelos primeiros preceitos sobre o louvor e vituperação[108].
71. Por certo, devem ser louvadas todas as coisas que estão reunidas
com a virtude; e as que estão com os vícios, devem ser vituperadas. Por
isso, o limite de uma é a honestidade[109], da outra, é a torpeza. Esse
gênero de discurso[110] usa a narração e exposição do que aconteceu, sem
qualquer argumentação; presta mais atenção em comover suavemente os ânimos
do que em argumentar adequadamente para estabelecer ou confirmar a
credibilidade. Com efeito, aqui não se afirmam coisas duvidosas, mas se
aumentam as certas ou as que podem ser colocadas em lugar das certas. Por
isso, valem aqui as coisas anteriormente preceituadas para narrar[111] e
para aumentar[112]. 72. E como nestas causas toda regra se refere ao prazer
e ao deleite do ouvinte, aqui se deve usar um discurso ornamentado e
adornos feitos de palavras isoladas, que têm muita suavidade (isso se dá se
usarmos freqüentemente neologismos[113], arcaismos, metáforas[114]). Deve-
se pensar também na própria disposição das palavras[115], de modo que,
muitas vezes, sejam alinhadas palavras de mesmo tamanho, sinônimas,
antônimas, palavras duplicadas ou marcadas com um ritmo, não para imitar
versos, mas para satisfazer o sentido dos ouvidos graças a certa métrica
adequada. 73. Devem-se empregar muito freqüentemente também ornamentos para
o assunto: usar o que pode causar admiração, o que é imaginoso, coisas
reveladas por monstros, prodígios, oráculos, coisas divinas ou fatais que
parecerão acontecer àquele de quem tratamos. Com efeito, toda expectativa,
toda maravilha e saída imprevista causam algum prazer ao se ouvir[116].
74. E, como as coisas boas ou más se dividem em três tipos (as
externas, as do corpo, as do ânimo[117]), tratem-se primeiro as que se
referem ao nascimento, o qual será louvado breve e modicamente. Se for
infame, será omitido. Se for humilde, será abandonado ou amplificado para
aumentar a glória daquele que está sendo elogiado. Depois, se o tópico
suporta, deve-se falar da fortuna e da capacidade. Depois disso, da
disposição corporal, cuja beleza, que indica acima de tudo como que uma
virtude, pode ser facilmente elogiada. 75. Depois, deve ir-se aos feitos,
cuja apresentação pode ser de três tipos. Com efeito, ou é mantida a ordem
dos acontecimentos, ou se fala em primeiro lugar do que há de mais recente,
ou os muitos e vários feitos são narrados observando-se os gêneros próprios
das virtudes.
Mas esse tópico das virtudes e dos vícios, embora seja muito amplo e
abra muitas argumentações e variadas discussões, será tratado agora com uma
discussão limitada e breve.
76. A força da virtude é dupla. Com efeito, a virtude aparece tanto no
conhecimento quanto na ação[118]. Assim, a virtude que é chamada prudência,
habilidade ou, com um nome muito grave, sabedoria, essa tem muito poder
quanto ao conhecimento. A que, por outro lado, é louvada por moderar os
desejos e governar os movimentos do ânimo, para a qual há o nome de
temperança, sua tarefa se cumpre na ação[119]. E a primeira costuma ser
chamada prudência doméstica, quanto aos assuntos individuais, e civil,
quanto aos públicos. 77. A temperança, também, está dividida quanto aos
assuntos individuais e aos comuns e, quanto às coisas vantajosas, pode ser
percebida de dois modos: tanto em não reclamar as coisas que faltam, quanto
em abster-se daquelas que estão à disposição. Nas coisas desvantajosas, é
igualmente dupla: a que se opõe os males que se aproximam é denominada
coragem, e a que tolera e suporta o que já está presente, paciência. A que
reúne a estas num único grupo é chamada de grandeza de ânimo, à qual
pertence a liberalidade no uso do dinheiro e, ao mesmo tempo, elevação de
ânimo em suportar as coisas incômodas, principalmente as injúrias e todas
as coisas assim graves de modo calmo, não turbulento. 78. A virtude
referente à vida em comum é chamada justiça; a que se dá em relação aos
deuses é denominada religião; em relação aos parentes, piedade [e, para o
vulgo, bondade]; em relação ao que se tomou emprestado, fidelidade; quanto
à moderação ao censurar, delicadeza; quanto à benevolência, amizade. Essas
virtudes, com certeza, aparecem durante as ações.
Existem outras como que auxiliares e companheiras da sabedoria. Uma
delas, durante a argumentação distingue e escolhe o que se segue daquilo
que foi exposto; essa virtude está toda assentada na razão e no
conhecimento sobre a argumentação[120]. A outra é a oratória[121]. 79. A
eloqüência, com efeito, não é outra coisa senão uma sabedoria que fala
copiosamente, que haurida a partir do mesmo gênero de virtude que há na
argumentação, é mais fértil e mais ampla e, para mover os ânimos e
sensibilizar os sentidos do vulgo, mais conveniente. Por certo, a guardião
de todas as virtudes, a qual foge da desonra e, principalmente, acompanha o
elogio, é a discrição[122]. Na verdade, esses são aproximadamente como que
alguns hábitos do ânimo, experimentados e constituídos de modo que sejam,
um a um, distintos entre si pelo tipo de virtude a que se ligam. Se alguma
coisa foi realizada a partir deles, é necessariamente ao mesmo tempo
honesta e sumamente louvável.
80. Existem alguns outros hábitos do ânimo que os estudos e as artes
podem como que cultivar. Por exemplo, quanto aos assuntos individuais, os
estudos das letras, dos números, dos sons, das medidas, dos astros, dos
cavalos, da caça, das armas. Quanto aos assuntos comuns, os estudos mais
preponderantes estão principalmente em cultivar a si mesmo em algum tipo de
virtude, em bem servir às coisas divinas ou em amar especial e notavelmente
os parentes, amigos e hóspedes. E, por certo, isso é próprio das virtudes.
Dos vícios, por outro lado, são próprias as coisas opostas.
81. Deve-se prestar muita atenção para que não nos enganem os vícios
que parecem imitar a virtude. Pois, a malícia imita a prudência[123]; a
insistência em repelir os desejos, à temperança; a soberba em orgulhar-se
em demasia e a displicência em desprezar as honras, à grandeza de
ânimo[124]; a prodigalidade, à liberalidade; a audácia, à coragem; o rigor
acentuado, à paciência; a severidade, à justiça; a superstição, à religião;
a frouxidão de ânimo, à delicadeza; a covardia, à discrição; a peleja na
escolha das palavras, à valorosa prudência ao argumentar; e alguma inane
abundância ao falar, à excelência da força oratória. E também podem
assemelhar-se aos bons estudos o que é apenas exagero nessas atividades.
82. Por isso toda força do louvor e da vituperação deve estar baseado
nessas divisões de virtudes e vícios; mas, o conjunto total do discurso
deve ser ilustrado[125] principalmente por isto: de que modo alguém foi
gerado, de que modo criado, de que modo instruído e educado e se algo
grande ou incrível lhe ocorreu, principalmente, se isso parecer ter
acontecido por vontade dos deuses. Em seguida deve-se apresentar o que ele
sentiu, disse, fez, e isso segundo o que foi proposto sobre os tipos de
virtudes. Dos tópicos da invenção, serão tirados as causas das coisas, seus
desenvolvimentos e suas conseqüências. Nem, por certo, deverá ser deixada
em silêncio a morte daqueles cuja vida será louvada, se no próprio tipo de
morte ou nas coisas que se seguirão depois dela houver algo em que se deva
prestar atenção.

83. C.F. Ouvi isso e aprendi brevemente não só de que modo louvar um outro,
mas também de que modo esforçar-me para que possa, por direito, eu mesmo
ser louvado[126]. Vejamos, então, em seguida, que caminho e que preceitos
tomemos ao emitir um parecer[127].

C.P. Ao deliberar é a utilidade, então, o fim ao qual todas as coisas devem
referir-se e, apontando uma resolução ou emitindo um parecer, o que
aconselha ou desaconselha deve, em primeiro lugar, observar o que pode
acontecer ou não pode, o que é necessário ou não é. Pois, se algo não pode
ser feito, não há nada a deliberar sobre isso, ainda que seja útil; e, se
algo é necessário (necessário, isto é, sem o qual não podemos viver a salvo
e livres) isso deve ser anteposto às demais conveniências e vantagens da
razão pública.
84. Quando se procura o que pode acontecer, observe-se o quão
facilmente possa. Pois, as coisas que são muito difíceis, muitas vezes
devem ser tidas como se não pudessem ser produzidas. Quando, por outro
lado, se pensa a respeito da necessidade, mesmo se algo parecer não
necessário, observe-se, todavia, o quão importante isso é; porque, com
efeito, as coisas muito importantes muitas vezes devem ser tidas por
necessárias. 85. Assim, já que este gênero de causas consta do
aconselhamento e do desaconselhamento, ao que aconselha propõe-se uma regra
simples: se é útil e pode ser feito, faça-se. Ao que desaconselha, uma
regra dupla: uma, se não é útil que não se faça; outra, se não pode ser
feito, que não seja empreendido. Portanto, pelo que aconselha, cada uma das
coisas deve ser demonstrada; ao que desaconselha basta invalidar uma delas.
86. Assim, como toda resolução está baseada nessas duas coisas,
falemos inicialmente a respeito da utilidade[128], que trata do
discernimento das coisas boas e más. As coisas boas, em parte são
necessárias, como a vida, o pudor, a liberalidade, como os filhos, os
cônjuges, os irmãos, os parentes; em parte são não necessárias, algumas das
quais devem ser procuradas por si mesmas, como as que estão ligadas aos
deveres e às virtudes, outras, porque produzem algo vantajoso, como os bens
e a riqueza. 87. E das que são procuradas por si mesmas, em parte o são por
sua própria excelência, em parte o são por alguma vantagem. São procuradas
por sua excelência aquelas que procedem das virtudes das quais se falou
pouco antes[129], certamente louváveis por si só. Por alguma vantagem, as
que estão nos corpos ou nos bens da fortuna. Dessas, algumas ligadas a um
valor moral, como a honra, como a glória; outras não diretamente, como as
forças, a beleza, a boa saúde, a nobreza, os clientes.
88. O valor moral tem também uma espécie de índole[130] que fica
muito visível nas amizades. E as amizades são reconhecidas principalmente
pela caridade e pelo amor. Pois, o culto tanto dos deuses, quanto dos
parentes, da pátria e dos homens que são superiores pela sabedoria ou pelos
recursos, costuma referir-se à caridade. Já os cônjuges, os filhos, os
irmãos e aqueles que o costume e a familiaridade reuniram, ainda que
estejam agrupados também pela própria caridade, o são, todavia, acima de
tudo, pelo amor. E como as coisas boas estão divididas nessas categorias, é
fácil entender o que se opõe aos bens[131].
89. Se sempre pudéssemos ter as melhores coisas, certamente não
necessitaríamos muito de conselho, pois tais coisas são, por certo,
evidentes. Mas como devido a circunstâncias de força maior muitas vezes a
utilidade disputa com a honestidade[132], e essa contenda leva à
necessidade de deliberação, para que não se relegue o vantajoso em favor da
dignidade, nem o honesto, por causa da utilidade, vamos expor os preceitos
para tratar essa dificuldade.
90. Como o discurso deve estar acomodado não só à verdade, mas também
às opiniões daqueles que ouvem, entendamos primeiramente isto: há dois
tipos de ouvintes, um não douto e rude, que prefere sempre a utilidade à
honestidade; outro, humano e polido, que a todas as coisas antepõe a
dignidade. Assim, a este tipo é proposto o louvor, a honra, a glória, a fé,
a justiça e toda virtude; àquele, a vantagem, o proveito e o fruto. E até
mesmo o prazer, que é acima de tudo inimigo da virtude e adultera a
natureza do bem ao imitá-lo de modo falaz, pode ser perseguido
acirradamente por pessoas rudes e que o antepõem não só às coisas honestas,
mas também às necessárias; assim, dando conselho a esse tipo de homens,
muitas vezes até mesmo o prazer deve ser louvado.
91. Deve-se observar o quanto mais os homens evitam os males do que
seguem os bens, já que nem tanto procuram as coisas honestas, quanto evitam
as torpes. Quem, com efeito, alguma vez, procurou tanto a honra, quem a
glória, quem o louvor, quem o decoro, quanto evitou a ignomínia, a infâmia,
a afronta, a vergonha? O grande pesar que isso causa é testemunho de que o
gênero humano, nascido para a honestidade, corrompe-se pela má educação e
pelas opiniões parvas. Por isso, ao exortar e aconselhar, deveremos, por
certo, propor que mostremos os meios por que possamos conseguir os bens e
evitar os males. 92. Junto a homens bem instruídos, falaremos muito sobre o
louvor e a honestidade e, acima de tudo, trataremos daqueles tipos de
virtude que estão relacionados à manutenção e ao aumento da utilidade comum
dos homens[133]. Se, pelo contrário, falamos junto aos não doutos e
imperitos, arrolem-se os frutos esperados, os proveitos, os prazeres e como
evitar os dolos, ajuntem-se até as vantagens e as ignomínias. Ninguém é,
com efeito, tão rude que, se a própria honestidade o faz menos, não o
comovam muito, entretanto, a vantagem e a vergonha.
93. Por isso, escolha-se do que foi exposto o que contempla a
utilidade. Observe-se, pensando principalmente nos antecedentes
necessários e nas causa, o que pode ser produzido ou não. Quanto a isso,
costuma-se ponderar o quão facilmente desembaraçadamente algo pode
acontecer. E os tipos de causas são muitos: há algumas causas que, elas
próprias, produzem algo; outras, aferem alguma força para produzir. As
primeiras são chamadas causas eficientes; as restantes são classificadas
como causas necessárias para que se possa produzir algo. 94. A causa
eficiente é absoluta e perfeita por si mesma; a outra, auxiliando em algo,
é uma espécie de acessório da execução. A força desse tipo de causa é
variada e às vezes maior, às vezes menor, de modo que aquela que tem a
maior força muitas vezes é chamada causa única. Há ainda algumas causas que
são chamadas eficientes quanto ao princípio ou quanto ao resultado. Quando
se procura o que é o melhor a se fazer, a utilidade ou a esperança de
produzir algo levam os ânimos a concordar com uma decisão.
95. E como já falamos a respeito da utilidade, falemos da
possibilidade de realização. Nesse caso deve-se procurar com quem podemos
realizar algo, contra quem, em que circunstância, em que lugar, com que
quantidade de armas, de dinheiro, de companheiros e de outras coisas que
dizem respeito à execução. Deve-se observar não apenas as possibilidades
que se apresentam a nós, mas também aquelas que se nos opõem. E se, por
comparação, as nossas possibilidades forem mais fáceis de executar, não só
se deve persuadir os ouvintes de que podem ser produzidas as coisas que
aconselhamos, mas também se deve cuidar para que elas pareçam fáceis,
propensas, agradáveis de executar.
Os que desaconselham devem colocar em dúvida a utilidade do que se
propõe ou expor as dificuldades de se produzir, e isso não a partir de
outros preceitos senão dos mesmos tópicos do aconselhamento. 96. Além
disso, para amplificar cada um desses tópicos são necessários muitos
exemplos, recentes, para que sejam mais conhecidos, ou antigos, para que
tenham mais autoridade. Nesse tipo de discurso, é preciso estar bem
preparado para, muitas vezes, antepor as coisas úteis e necessárias às
honestas, ou estas àquelas.
Para comover os ânimos, se hão de ser incitados, são úteis sobretudo
as considerações que dizem respeito à satisfação dos desejos, à saciedade
do ódio e ao castigo das injúrias. Se, pelo contrário, hão de se refrear os
ânimos, esses devem ser advertidos do estado incerto da fortuna, dos
sucessos dúbios das coisas futuras, da possibilidade de manter a fortuna,
se essa é favorável, e se ao contrário, adversa, do perigo. Esses são, por
certo, os lugares da peroração.
97. No discurso deliberativo, o exórdio deve ser breve. Com efeito,
não como um suplicante ao juiz é que se apresenta o orador, mas como um
instigador e um conselheiro. Por isso, deve mostrar com que intenção fala,
o que deseja, de que coisas está para falar e deve instigar a que ouçam
dizendo que falará brevemente[134]. O discurso inteiro, simples e grave,
deve ser ornamentado mais pelos pensamentos do que pelas palavras.

98. C.F. Já conheço os tópicos do louvor e do conselho. Agora espero o que
diz respeito aos julgamentos e acho que nos resta esse único gênero.

C.P. Entendes corretamente. O fim do gênero judiciário é a eqüidade, que
muitas vezes não é obtida de modo simples, mas a partir da comparação. Como
quando se disputa com um acusador tido como muito veraz ou quando se pede a
posse de uma herança sem determinação legal ou sem testamento; nessas
causas, procura-se obter o que é mais eqüitativo ou o que é muito
eqüitativo[135]. Para tais causas, pede-se a capacidade de argumentar a
partir dos lugares da eqüidade, dos quais se falará em breve[136].
99. Antes do julgamento[137] costuma haver uma decisão sobre o próprio
julgamento a ser constituído. Nesse momento se discute se é possível haver
uma ação judicial conforme a solicitada, se é possível no momento, se acaso
já deixou de ser possível ou se é possível haver ação por causa da lei
citada ou por causa dos termos empregados[138]. E mesmo que essas coisas
não tenham sido discutidas, julgadas ou concluídas antes que a causa venha
a julgamento, acabam todavia tendo um enorme peso nos próprios julgamentos,
quando pode-se, por exemplo, dizer: "Na tua causa, estás solicitando em
demasia!"; "Estás solicitando tarde demais!"; "Não foi essa a tua
petição!"; "Este julgamento não deveria estar-se dirigindo a mim, não
deveria estar baseado nesta lei, nestas palavras!". 100. Esse tipo de causa
está relacionado ao direito civil, que trata da lei ou costume das coisas
privadas e públicas. O conhecimento desses assuntos, negligenciado pela
maioria dos oradores, parece-nos necessário para discursar. Mais pela
circunstância da ação do que pela diferença de gênero separo um pouco dos
julgamentos o que diz respeito à constituição da causa, ou que diz respeito
à decisão de instituir o julgamento e sua execução, ou à suspensão do
julgamento pela iniqüidade da ação, ou à comparação da eqüidade com outros
julgamento. Mesmo que esses procedimentos sejam tão específicos que devam
ser tratados antes, acabam muitas vezes aparecendo durante o próprio
julgamento. Pois, todos os debates relacionados ao direito civil, ao bem e
ao que é eqüitativo acabam caindo na questão de qualidade, de que falaremos
logo a seguir[139], e que está baseada principalmente na eqüidade e no
direito.
101. Assim, em todas as causas há três pontos em um dos quais pelo
menos, se não se consegue mais, deve-se basear a oposição a uma acusação
feita. Pois, pode-se negar o feito que está sob julgamento; ou, se se
confessa o feito, negue-se que tenha a força e a definição que o adversário
incrimina; ou, se não se pode contestar nem o feito, nem a denominação do
feito, negue-se que o adversário demonstrou adequadamente o valor do
acontecido, e defenda-se que é correto o que tiver feito ou que deve ser
tido como permitido[140]. 102. Assim, trate-se aquele primeiro estado[141]
e quase conflito com o adversário como uma conjectura; o segundo, como uma
definição ou determinação de certa da palavra; o terceiro, como
argumentação sobre o eqüitativo, verdadeiro, correto e humano para se
perdoar.
O defensor deve sempre não apenas sustentar um determinado estado da
questão[142] (desmentindo um feito, definindo-o de outra maneira ou
contrapondo-se à eqüidade proposta pelo opositor), mas também apresentar a
razão de suas objeções: no primeiro estado[143], pode dizer que a acusação
é injusta, negando e desmentindo o feito[144]; no segundo[145], dizer que
não está na coisa o que, com a palavra, é atribuído pelo adversário; no
terceiro[146], defender que é correto aquilo que, sem nenhuma controvérsia
quanto à denominação, confesse-se ter sido feito. 103. Em seguida o
acusador retoma cada uma dessas razões e mostra que, se elas não estivessem
com a acusação, de modo algum poderia haver um julgamento. Chame-se, então,
de pontos essenciais da causa em questão[147] as coisas assim referidas,
embora as razões apresentadas contra a linha da defesa não sejam mais
importantes para o julgamento causa do que as próprias razões da defesa.
Para diferenciá-las, então, chame-se motivo aquilo que o réu apresenta para
se defender e afastar a culpa, sem o que nada haveria a defender. E chame-
se de fundamento o que se apresenta em contrário para enfraquecer o motivo,
sem o que a acusação não poderia permanecer em pé.
104. Da contraposição e como embate entre motivos e fundamentos surge
uma questão que chamo debate[148]. Nela, costuma-se procurar o ponto que
está realmente em julgamento e a respeito de quê se debate. Pois, na
primeira contraposição entre os adversários a questão é difusa. Por
exemplo, numa conjectura: "Décio[149] teria apanhado o dinheiro?"; numa
definição: "Norbano[150] haveria diminuído a majestade do povo romano?";
numa questão de eqüidade: "Opímio[151] teria assassinado Graco por
direito?". Essas primeiras discussões, baseadas na argüição e
contraposição, são, como disse, muito amplas e difusas. A contraposição
entre motivos e fundamentos leva o debate a um ponto mais específico.
Na conjectura esse ponto é nulo. Com efeito, quem nega que algo foi
feito não pode, deve ou costuma apresentar um motivo. Assim, nessas causas,
o primeiro questionamento e o resultado do debate são o mesmo. 105. Por
outro lado, nas causas em que se diz: "Norbano não diminuiu a majestade do
povo romano porque agiu de modo tresloucado em relação a Cepião; com efeito
uma justa dor do povo e não a ação do tribuno causou aquela violência; além
disso a majestade, na medida em que é a grandeza do povo romano, foi antes
aumentada que diminuída ao ser assegurada por ele por direito e graças a
seu poder"[152]. E responde-se assim: "A majestade está na dignidade do
império e do nome do povo romano, à qual diminuiu aquele que pela força da
multidão leva as coisas à sedição"[153]. Então, do debate surge como ponto
realmente em questão se acaso diminui a majestade quem, pela vontade do
povo romano, fizer uma coisa grata e justa, usando a força[154]. 106. E nas
causas em que se julga a qualidade da ação, Opímio, por exemplo poderia
dizer: "Matei Graco por direito e para salvação de todos e conservação da
coisa pública"[155]. Décio responderia: "Com certeza nem mesmo um cidadão
tão criminoso como Graco pode ser morto por direito sem antes um
julgamento"[156]. Então resulta do debate: "Poderia ser morto de modo
correto, para a salvação da república, um cidadão que arruinou a cidade mas
não foi julgado"[157]. Nesse caso, os debates que tratam de controvérsias
marcadas por personagens e circunstâncias determinadas, são reconduzidas
novamente à forma e método de uma discussão geral, ou tese[158].
107. Os fundamentos mais incisivos devem questionar se há
contraposições à defesa num texto escrito, por exemplo, de uma lei ou de um
testamento, nas próprias determinações de um julgamento ou em alguma
estipulação ou promessa. Por certo, esse tipo de fundamento não ocorre nas
conjecturas: como o feito é negado, esse não pode ser confutado por um
escrito. E também a questão de definição não pode ser contestada por um
escrito pois, mesmo se é preciso definir a força de uma palavra em um
escrito (- como quando, em relação aos testamentos, procura-se o que se
entende por "provisões" ou quando, em relação à lei de edificações, o que
são "bens móveis"-), não o tipo de escrito, mas a interpretação da palavra
produz a controvérsia. 108. Quando um escrito significa muitas coisas, por
causa da ambigüidade de uma ou várias palavras (de modo que quem se
contrapõe pode arrastar a significação do escrito tanto quanto conseguir e
desejar); ou quando, não havendo ambigüidade, um escrito conduz das
palavras à intenção e pensamento do escritor, ou ainda, quando se pode
apresentar um outro escrito sobre o mesmo assunto, mas com uma posição
contrária, então o debate incorre numa discussão sobre o próprio escrito.
Se há ambigüidade, disputa-se o que realmente está dito. Se se contrapõe a
letra do escrito à sua intenção, deve-se mostrar qual das duas, letra ou
intenção, o juiz deve seguir. Se dois escritos se contradizem, deve-se
mostrar qual dos dois tem mais valor.
109. E quando o resultado do debate é finalmente constituído, o orador
deve ter clara para si uma tese[159] em torno da qual concentrem-se todas
as argumentações, retomadas a partir dos tópicos da invenção. E, ainda que
para quem deve escolher esses os tópicos latentes seja suficiente conhecer
os lugares comuns que são como que estoque de argumentos, tratemos,
todavia, dos lugares específicos para as causas determinadas.
110. Assim, na conjectura, quando o réu está desmentindo a acusação, o
acusador (e uso aqui acusador no lugar de qualquer orador[160] e
demandante; com efeito, esse mesmo tipo de controvérsia pode aparecer até
nas causas sem acusação), deve tratar inicialmente de duas coisas: a causa
do feito que ele alega e seu resultado[161]. Denomino causa, o motivo para
fazer algo, e indícios resultantes, aquilo que decorre do que foi feito.
A divisão das causas já foi apresentada anteriormente[162], no tópico
do aconselhamento. 111. Com efeito, as coisas que eram prescritas para
tomar uma decisão sobre um tempo futuro parecem, por isso, ter também
utilidade ou capacidade para produzir algo; quem discute se algo foi feito
ou não deve retomá-las[163]. Demonstre que foram úteis para aquele que
argumenta e puderam ser produzidas por ele. A conjectura de utilidade[164]
é reforçada quando se diz que aquilo sobre o que se argumenta foi feito
pela esperança de obter bens ou pelo medo de males; mas isso é mais
contundente quando se destaca tanto a utilidade quanto a capacidade.
112. Os movimentos de ânimo também estão relacionados aos motivos de
uma ação. Por exemplo, uma ira recente, um ódio antigo, um empenho em
castigar, a dor de uma injúria, o desejo de honra, o de glória, o de
comando, o de riqueza, os perigos, o temor, o dinheiro emprestado[165], as
dificuldades da circunstância específica: um acusado que é audaz, leviano,
cruel, impotente, incauto, ignorante, amante, um que estava com a mente
alterada, embriagado, com esperança de produzir algum resultado, com a
expectativa de abafar algo, ou, se tiver sido descoberto, de suprimir a
acusação, diminuir o perigo ou adiá-lo por muito tempo, se a pena do
julgamento é mais leve que o prêmio do feito ou se o prazer do crime é
maior que a dor da condenação[166]. 113. Por todas essas coisas confirma-
se a suspeita de uma ação encontrando-se no réu os motivos tanto de seu
desejo quanto de sua capacidade. Quanto ao desejo, procura-se apontar a
utilidade de adquirir algo vantajoso ou evitar algo desvantajoso, sendo que
a isso parece ter impelido a esperança, o medo, ou algum outro repentino
movimento de ânimo que impeliu à fraude até mais rapidamente que
considerações sobre a utilidade. E assim, considere-se explicado os motivos
de uma ação.

114. C.F. Guardo e pergunto quais são os indícios que disseste resultantes
dos motivos.

C.P. Alguns sinais que são conseqüências de coisas passadas e como que
vestígios impressos do que foi feito[167]. Com certeza eles levantam grande
suspeita e são como que testemunhos calados dos crimes. Certamente são mais
contundentes, pois os motivos parecem poder incriminar e inquirir de modo
geral a todos que pudessem ter apenas um vago interesse na ação, mas os
indícios referem-se especificamente aos que estão sendo inquiridos como,
por exemplo, uma arma, uma pegada, sangue, alguma coisa solta que pareça
retirada ou arrancada, respostas inconstantes, hesitações, indecisões, ter
sido visto com alguém que levanta suspeita, ter sido visto no próprio lugar
em que houve o crime, parecer pálido, com medo ou, ainda, alguma coisa
escrita, selada ou contratada. Com efeito, essas coisas levam a uma
suspeita de crime, já que se ligam ao próprio momento do ato, a um momento
anterior ou posterior.
115. Se, no entanto, esses indícios não existirem, é necessário
ressaltar os próprios motivos ou a condição de poder ter cometido o crime,
acrescentando argumentos mais gerais: o acusado não estava fora de si a
ponto de evitar deixar indícios ou ocultá-los, ou a ponto de agir tão
abertamente que largasse uma marca para incriminação. Contra esse tipo de
argumento pode-se responder também com um argumento comum: a audácia é
amiga da temeridade, não da prudência. 116. E também com aquele outro
argumento próprio da amplificação: não se deve esperar até que o acusado
confesse, as acusações devem ser provadas por argumentos; e aqui podem-se
apresentar até exemplos.
117. E isso basta quanto aos argumentos. Se, por outro lado, existir
também a possibilidade de testemunhos, primeiramente deve-se louvar essa
própria classe de provas e dizer que o réu se acautelou para que não
pudesse ser apanhado por argumentos, mas não pôde evitar os testemunhos;
depois, deve-se elogiar cada um dos testemunhos (e já se falou sobre o que
é louvável[168]); em seguida, lembrar que num argumento sólido (porque,
todavia, muitas vezes é falso) pode-se, corretamente, não acreditar e num
homem bom e sólido, sem vício do juiz, não se pode deixar de crer. Mesmo se
os testemunhos forem de pessoas pouco conhecidas ou pouco poderosas, diga-
se que não se deve pesar a credibilidade a partir da fortuna, que os mais
ricos testemunhos de qualquer coisa são aqueles que podem saber algo sobre
o que está em julgamento. Se, por outro lado, os testemunhos foram tomados
sob tortura ou a petição para que sejam tomadas ajudar a causa,
primeiramente é preciso validar esse procedimento, falando do poder da dor,
da opinião dos antepassados que, se não o aprovaram por completo,
certamente não o repudiaram. 118. Lembrem-se as instituições dos atenienses
e dos ródios, homens doutíssimos entre os quais (o que é muito cruel) até
homens livres e cidadãos são torturados; lembrem-se as instituições dos
nossos homens mais prudentes, que embora não permitissem a tortura de
escravos nos casos contra o senhor, permitiram-na nos casos de incesto e na
conjuração que foi feita durante meu consulado[169]. Ridicularize-se mesmo
as discussões que costumam ocorrer para invalidar os testemunhos sob
tortura e diga-se que são premeditadas e pueris.
Assim, deve-se estabelecer a crença de que os testemunhos são
cuidadosos e sem envolvimento e o que foi dito sob tortura deve ser
ponderado pelos argumentos e pela conjectura como um todo. E essas são, de
modo geral, as partes da acusação.
119. É próprio da defesa, primeiramente enfraquecer os motivos:
afirmar que não existiram, ou não são tantos, ou não são motivos só para o
acusado, ou que ele poderia ter conseguido o mesmo de um modo mais fácil,
ou que ele não tem esses costumes, não tem esse tipo de vida, que seus
movimentos de ânimo foram nulos ou não tão desmedidos. Refutará a
capacidade de executar o crime[170] se demonstrar que faltaram forças,
auxílios, recursos, riquezas, que a circunstância foi adversa, o lugar não
propício, os espectadores muitos, em nenhum dos quais poderia confiar; ou
que ele não foi ingênuo a ponto de fazer o que não poderia ocultar, nem
estava tão fora de si a ponto de desprezar as penas e os julgamentos. 120.
Enfraquecerá os indícios dizendo que não são vestígios inequívocos coisas
que, mesmo se não tivesse ocorrido crime algum, poderiam ser encontradas;
discorrerá sobre esses pontos um a um, defenderá que antes são próprios do
que ele mesmo diz ter acontecido do que do crime acusado; se alguns desses
pontos são também usados pelo acusador, que eles devem antes contar em
favor de alguém em perigo do que contra sua salvação. A partir dos tópicos
de censura dos quais antes se falou[171], refutará em geral, e o quanto
puder em particular, as provas por testemunho e por testemunho sob tortura.
121. Nesse tipo de causa[172], os exórdios do acusador devem levantar
suspeitas que levem à cólera, denunciar o risco para todos de traições,
excitar os ânimos para que prestem atenção. Já o réu deve começar queixando-
se de uma acusação movida por suspeitas forjadas e, também ele, para o
risco comum e as traições que vêm do acusador. Os ânimos serão aliciados
para a misericórdia e a benevolência dos juízes será incitada modicamente.
A narração do acusador será como que uma explicação desconfiada, ponto
por ponto, da ação realizada, desmontando todos os argumentos, ofuscando
todas as defesas. O defensor deve narrar todos os eventos, quer tenham sido
deixados de lado, quer tenham sido ofuscados pelos argumentos das
suspeitas.
122. Ao confirmar argumentações próprias e refutar as contrárias,
muitas vezes o acusador deve incitar os movimentos de ânimo e o réu,
abrandá-los.
E na peroração, um e outro têm uma tarefa muito importante: o acusador
deve recapitular os argumentos e ligá-los todos a um ponto comum; o
acusado, se ao responder já tiver esclarecido totalmente a causa, deve
enumerar os argumentos adversários e enfraquecê-los um a um e fazer em
seguida um apelo final aos juízes.

123. C.F. Pareço já conhecer de que modo a conjectura deva ser tratada.
Agora ouçamos a respeito da definição.

C.P. Preceitos comuns são dados nesse gênero ao acusador e ao defensor. Com
efeito, é necessário que vença aquele dos dois que, ao definir e descrever
com a palavra, penetrar mais no sentimento e na opinião do juiz, o que
tiver observado mais e com maior propriedade a força comum da palavra e a
preceituação que os que ouvem tomarão nos ânimos como voluntária.
124. Esse gênero não é tratado argumentando, mas como que explicando e
examinando com a palavra. Se contra um réu, absolvido por dinheiro e
novamente convocado, o acusador definir que prevaricação é qualquer
tentativa de corrupção do julgamento efetuada pelo réu e, por outro lado, o
defensor definir que não qualquer uma, mas apenas a corrupção do acusador,
surgirá, então, um debate prioritariamente sobre a palavra, em que, ainda
que a definição do defensor se aproxime mais propriamente do costume e do
sentido do fala comum[173], a do acusador, todavia, apóia-se na sentença da
lei. 125. Com efeito, o acusador nega que seja preciso provar que aqueles
que escreveram as leis deveriam separar corrupção de qualquer envolvido e
corrupção do acusador. Apóia-se na eqüidade, já que a lei deveria ser
escrita visando a aplicação geral; tudo aquilo, então, que abarcasse a
corrupção de julgamentos diz-se que a lei indicou com a única palavra de
prevaricação. 126. O defensor contesta com o que é costume na fala comum e
aumenta a força da palavra e esclarece seu sentido seja referindo-se a uma
contrária (por exemplo, acusador de boa fé costuma ser usado como o
contrário de prevaricador), seja referindo-se às conseqüência dessa
denominação (porque um voto com a letra P costuma ser usado no julgamentos
em relação ao acusador[174]); seja referindo-se à própria palavra, porque
indica aquele que nas causas em que as partes se opõem parece estar em uma
e outra posição[175]. Mas, todavia, também o defensor deve recorrer aos
lugares da eqüidade, à autoridade dos julgamentos prévios, à possibilidade
de pôr fim a um perigo. Para os dois vale o preceito: quando cada um tiver
definido o melhor que puder tanto o sentido comum como o significado da
palavra, então confirmará a sua definição e interpretação com exemplos dos
que usaram o termo com o mesmo sentido.
127. E para o acusador, neste gênero de causas, aquele lugar comum:
deve-se permitir pouco que aquele que confessa a respeito da coisa defenda-
se pela interpretação da palavra. O defensor pode apoiar-se não só na
eqüidade que propus, mas também estabelecer uma própria, queixando-se que o
réu é perseguido não pela coisa, mas pela depravação da palavra. Em tal
gênero, o defensor poderia enumerar a maioria dos tópicos da invenção.
Ainda que os dois usem situações paralelas, contrárias e conseqüentes,
todavia o réu, se a causa não for completamente absurda, o faz com mais
freqüência. 128. Para amplificar, tanto quando desejam falar afastando-se
da causa[176], quanto quando peroram, devem levar ao ódio, à misericórdia
ou, de modo geral, devem mover os ânimos dos juízes com as mesmas coisas
que foram apresentadas antes[177], desde que assim requeiram quer a
eminência do assunto quer a inveja ou dignidade dos envolvidos.

129. C.F. Entendo isso; agora desejaria ouvir sobre as coisas que, na
discussão sobre a qualidade, convém procurar argüindo um e outro lado da
questão.

C.P. Nesse gênero, os que são acusados confessam que fizeram aquilo mesmo
por que estão sendo censurados. E, como alegam que agiram por direito,
acabamos tendo que tratar do próprio direito. Esse se divide em duas partes
primeiras, a natureza e a lei. A força de cada tipo está distribuída em
direito divino e humano, dos quais um é próprio da eqüidade, outro da
religião. 130. O sentido de eqüidade é duplo. Por um lado, é o princípio
direto do que é verdadeiro e justo e, como se diz, do eqüitativo e do bom.
Por outro, diz respeito à possibilidade de retificar um reconhecimento, que
é denominado favor, quando se trata de um benefício, e punição, quando se
trata de injustiça. E essas coisas são comuns à natureza e à lei. São
próprias da lei não só aquelas que foram escritas, mas também aquelas que,
sem letras, são preservadas pelo direito dos povos ou pelo costume dos
antepassados. Dos direitos escritos, um é privado, outro público. Fazem
parte do direito público leis, consultas ao Senado, tratados; do privado,
títulos, pactos, contratos, promessas. As coisas que não foram escritas são
sustentadas pelo costume, pelas convenções e como que consenso dos homens e
o mais importante é que mantenhamos nossos costumes e nossas leis do modo
como foram prescritos pelo direito natural.
131. E como já foram mostradas brevemente algumas fontes de eqüidade,
deveremos considerar, nesse tipo de causa de qualidade, o que deve ser
falado nos discursos a respeito da natureza, das leis, dos costumes dos
antepassados, do afastamento da injustiça, do seu castigo, de todo assunto
do direito. Se alguém por imprudência, necessidade ou acaso, tiver feito
por iniciativa e vontade próprias algo em relação a que não se pode esperar
suplicar perdão, deve-se pedir uma concessão[178], e essa é tirada da
maioria dos tópicos da eqüidade.
Falei, o mais brevemente que pude, a respeito de todo tipo de
controvérsia, se tu não perguntas algo além disso.

132. C.F. Sem dúvida, a única coisa que vejo restar é: como tratar a
qualidade[179], quando a disputa versa sobre escritos.

C.P. Entendes corretamente; com efeito isso exposto, terei cumprido todo a
tarefa que prometi.
Assim, quando se trata de escritos ambíguos, os preceitos são comuns
aos dois adversários. Com efeito, ambos defendem que a significação na qual
o próprio se apóia é digna da prudência do escritor. Os dois defenderão que
aquilo que o adversário diz dever ser entendido é absurdo, inútil, iníquo,
torpe, ou mesmo, que difere dos demais escritos de outros ou, se for o
caso, principalmente dos do próprio adversário. Defenderá que o que ele
próprio sustenta, tanto o tema quanto e sentido, qualquer homem justo e
prudente, se partisse do nada, poderia ter escrito, mas de maneira mais
completa; 133. que o entendimento que propõe não tem armadilha ou vício; e
se provassem que é o contrário disso, seguir-se-iam muitas coisas viciosas,
tolas, iníquas, contraditórias.
Quando o escritor parece ter sentido uma coisa e escrito outra, será
preciso que aquele que se apóia no escrito, exposta a questão, recite-o;
depois, inste o adversário, repita e reafirme, pergunte se o adversário
negará mesmo o escrito ou, ao contrário, desmentirá o feito. Por fim,
chamará o juiz à evidência da força do escrito. 134. Tendo usado esta
confirmação, amplificará o discurso elogiando a lei e confutará a audácia
daquele que, embora tendo feito e confessado em público o que se opõe à
lei, ainda assim comparece para defender o que fez. Em seguida,
enfraquecerá a defesa que afirma que o escritor desejou e sentiu uma coisa,
escreveu outra, dizendo que não se pode admitir que a intenção do
legislador seja explicada por qualquer coisa que não a lei. Por que assim
teria escrito se assim não fosse sua intenção? Por que o adversário
despreza coisas que estão explicitamente escritas e defende outras que não
se acham escritas em parte alguma? Por que julgará que homens tão
prudentes, ao escrever, poderiam ser acusados de suma estupidez? O que
teria impedido o escritor de excetuar o que o adversário diz que acabou
ficando de fora? 135. Usará exemplos em que o mesmo escritor ou, se não o
puder, outros explicitaram que deveria ser excetuado aquilo que o
adversário diz ter ficado de fora. Também, deve-se procurar a razão, se se
puder encontrá-la, de não ter sido excetuado. Se se diz que a lei é injusta
ou inútil para decisões futuras, motivos há tanto para respeitá-la quanto
para anulá-la. Enfim, a voz do adversário e da lei não se entendem. Depois,
para amplificar, deve-se falar de modo grave e veemente a respeito da
preservação das leis, do perigo para as coisas públicas e para as privadas,
e isso tanto na peroração quanto em outros pontos do discurso.
136. E aquele que defender a si mesmo usando a intenção e a vontade da
lei, presentes na deliberação e na mente do escritor, defenderá que a força
da lei não está nas palavras ou nas letras, e elogiará a lei dizendo que
ela não excetuou nada para que não propiciar refúgio às culpas e para que o
juiz interpretasse o sentido de qualquer lei em relação ao feito
específico. Em seguida, deverá usar exemplos nos quais toda a eqüidade
mostre-se prejudicada se for medida pelas palavras e não pelas intenções da
lei. 137. Depois, incitará o ódio do juiz contra esse tipo de malícia e
calúnia, queixando-se da inveja. E se surge um motivo para alegar
imprudência, devida não a um delito, mas ao acaso ou à fatalidade, pontos
que tratamos pouco antes[180], deve-se rogar contra a dureza das palavras
usando a eqüidade da intenção.
Se, por outro lado, os escritos diferirem entre si, a arte é tão
entrelaçada e as coisas são tão interligadas e convenientes entre si, que
os preceitos sobre os escritos ambíguos, que demos antes[181], e
igualmente os sobre e intenção e a letra, que demos há pouco[182], deverão
ser aplicados neste terceiro tipo de problema. 138. Pois, pelos lugares com
que defendemos, tratando de um escrito ambíguo, o entendimento da lei que
nos é favorável, por esses mesmos lugares nossa lei deve ser defendida das
leis que se lhe opõem. E em seguida, devemos trabalhar para defender a
intenção de um escrito, as palavras de outro. Assim, as coisas que há
pouco[183] preceituamos a respeito das palavras e da intenção de um escrito
também podem ser aplicadas aqui.
139. Foram expostas para ti todas as partições oratórias que, por
certo, floresceram em meio àquela nossa Academia, sem a qual não poderiam
ser encontradas, entendidas e tratadas. Pois, o próprio dividir, definir e
discernir os elementos que compõem a ambigüidade, conhecer os lugares dos
argumentos, concluir a própria argumentação e, a partir de alguns pontos
assumidas, julgar e distinguir as coisas verossímeis das inacreditáveis,
censurar as coisas mal assumidas ou mal concluídas, discuti-las secamente,
como aqueles que são chamados dialéticos ou, como convém ao orador, mostrá-
las demoradamente, tudo isso é próprio daquela prática da arte de
argumentar sutilmente e falar copiosamente[184]. 140. A respeito das coisas
boas, más, eqüitativas, injustas, úteis, inúteis, honestas, torpes, que
capacidade ou abundância o orador pode ter, sem as artes que tratam de
questões mais amplas[185]?
Assim, essas coisas que expus fiquem para ti , meu Cícero, apenas como
indícios daquelas fontes. Se te aproximares delas, tendo a nós ou a outros
como guias, então, acabarás por conhecer os temas próprios da oratória e
outros muito mais amplos.

C.F. Eu, sem dúvida, e, por certo com grande esforço, meu pai, a partir das
tuas muitas e claríssimas dádivas não buscarei nada de mais importante.
-----------------------
[1] Ratio dicendi: método de discursar.
[2] O tratado é,supostamente, de 46 a.C., momento em que Cícero já está
quase totalmente impedido de participar da vida pública.
[3] Fica indicado aqui o propósito do tratado: tradução dos termos da
Retórica, do Grego para o Latim.
[4] Doctrina dicendi: doutrina do discurso, instrução para discursar,
ensino do discurso.
[5] Vis oratoris, oratio, quaestio: força do orador, discurso e questão.
[6] Cf. discussão sobre "as palavras e as coisas" em Roland BARTHES. "A
Retórica Antiga" in VVAA. Pesquisas de retórica. Petrópolis, Vozes, 1975,
p.183.
[7] Collocanda. "Collocatio" é o termo que aparece aqui no lugar do mais
freqüente "dispositio". Os dois referem-se à ordenação dos discursos. O
primeiro (cum + locare: "estabelecer os lugares conjuntamente, ao mesmo
tempo") chama atenção para a ordenação como um todo, depois de feita,
harmonizada como conjunto; refere-se a uma observação sintética. O segundo
(dis + ponere: "pôr para todos os lados") aponta para o ordenação sucessiva
das partes que devem, paulatinamente, preencher o discurso; refere-se a uma
observação analítica.
[8] Eloqui. É um composto de loqui, verbo que indica a "fala" em geral,
diferenciando-a da "fala ordenada" apontada por dicere. Eloqui ("falar de
dentro para fora", "falar a partir de algum lugar") é o verbo que indica o
ponto da elaboração do discurso ordenado em que as coisas encontradas e
dispostas ligam-se às palavras, ou seja, indica a "elocução". Essa etapa de
ligação entre a inuentio e a collocatio não poderia ser referida pela ação
de loqui, "locução", presente em qualquer ato de fala, nem pela ação de
dicere, "dição", ato de fala ordenada entendido na globalidade de suas
partes. Eloquens é o orator que tem qualificações quanto à elocutio, ou
seja (e em termos anacronicamente mais analíticos), é o agente de um
discurso ordenado que tem qualificações positivas quanto à ligação das
"coisas" encontradas e dispostas às "palavras".
[9] A disposição está mais ligada à invenção do que à elocução.
[10] Vultus: semblante.
[11] Ad rem docendam: para ensinar a coisa; para argumentar em relação ao
assunto.
[12] Consultatio: discussão. Logo a seguir, em 9, Cícero usará o termo
propositum, tese, para designar a questão indefinida.
[13] Quemadmodum fidem faciat: de que modo estabelecer a fé, a
credibilidade do discurso e a crença do ouvinte. Cf. Discussão sobre o
termo fides na 'Introdução'.
[14] Quemadmodum motum eorum animis afferat: de que modo produzir movimento
nos seus ânimos, nas suas mentes.
[15] Cf. a doutrina neo-acadêmica do conhecimento provável, por exemplo,
nas Academica de Cícero e na 'Introdução'.
[16] Para uma discussão mais específica sobre os argumentos, veja-se a
Topica de Cícero, principalmente 24 e 73. Cf. também De or. II.114 e
QUINTILIANO. Inst. orat. V.1.1.
[17] Cf. Topica 77.
[18] Interpretes, principalmente de sonhos.
[19] As leis, os documentos. Cf. 130.
[20] O trecho entre colchetes é, aparentemente, uma interpolação. Trata-se
de um resumo da Topica 8-20.
[21] Os lugares são tomados aqui para compor um argumento que produzirá a
credibilidade.
[22] Na questão definida, portanto, a comoção parece ter maior importância
do que na questão indefinida.
[23] Refere-se às paixões. Cf., por exemplo, ARISTÓTELES, Retórica II.2-11.
[24] Propositum é um dos termos que Cícero usa para a questão indefinida,
tese. É o mais utilizado na terceira parte do tratado, quando Cícero
discute a questão. Nesta primeira parte, em que se fala do força do orador,
a questão indefinida é designada, também, pelo termo consultatio,
discussão. Cf. 4 e 61.
[25] Causa: questão definida, hipótese.
[26] O terceiro tipo de discurso, a exornatio, também é chamado
'demonstrativo' ou 'epidítico'.
[27] As três tarefas do orador, estabelecidas por Teofrasto.
[28] Notar como essas propostas incidem sobre a Retórica das Paixões.
[29] "Controvérsia" é outro termo usado aqui para indicar as questões
definidas.
[30] Na deliberação, a tarefa de estabelecer a fides é cumprida pela
confirmatio.
[31] Na deliberação, a comoção fica por conta da peroratio.
[32] Novamente, aqui aparece a Retórica das Paixões.
[33] A elocução pode produzir o efeito de ser espontânea ou trabalhada.
[34] Esses seriam os hoje chamados processos de derivação de palavras.
[35] Breve referência a várias figuras de linguagem.
[36] Cf. Orator, 177 e Brutus, 34.
[37] Estas "luzes" são muitas vezes chamadas, em outros tratados de
Retórica, de "virtudes" da elocução. A lista de tais virtude costuma
incluir a clareza, a brevidade, a elegância, a correção e a adequação.
[38] Dispostas em períodos fechados e longos ou curtos e divididos, as
palavaras brilham com clareza.
[39] A probabilidade da elocução depende da constituição de verossímeis.
[40] Com esse sentido aparece a expressão "ilustrar um feito", ou seja,
tornar o feito elegante graças às articulações do discurso.
[41] A elocução é responsável pela comoção dos ânimos.
[42] Cf. De oratore III.171-172.
[43] Cf. 8.
[44] É interessante notar que as tarefas da ação assemelham-se às luzes da
elocução. Cf. 18.
[45] Cf. o relato da invenção da arte da memória por Simônides no De
oratore, II.350 ss. Sobre e memória, ver também, Rhetorica ad herennium,
III.28-40 e Quintiliano, Inst. Orat. XI,1-51.
[46] Cf. De oratore II.315.
[47] Cf. De inuent.I.20, De or. II.80, Or. 122, Top.97.
[48] Conseguir a audição benevolente.
[49] Liberalitas, officium, iustitia e fides são conceitos discutidos no De
officiis.
[50] Até aqui, Cícero falou como a captatio beneuolentiae produz ouvidos
benevolentes.
[51] Cf. 32.
[52] Res, a causa, o assunto em debate.
[53] Cf. 53.
[54] Cf. 19.
[55] Cf. QUINTILIANO. Inst. or. IV.2.107.
[56] A respeito de tudo que vem à controvérsia pergunta-se "an sit?", "quid
sit?", "quale sit?".
[57] Ratio: motivo, questão de qualidade. Cf. 101-106.
[58] Aqui "coisas verossímeis" referem-se ao eikós e "indícios
característicos", ao tekmérion, indício certo. Ambos estão discutidos na
Retórica I.2, de Aristóteles.
[59] Conferir a diferença entre uerossimilis e probabilis discutida na
Introdução.
[60] Este trecho refere-se ao decoro na verossimilhança física e das
paixões. Uma lista semelhante aparece nos parágrafos 74-82, quando Cícero
fala do elogio e da censura no gênero demonstrativo.
[61] Esses lugares da conjectura serão retomadas em 70-82, quando se tratar
da questão no gênero de ornamentação.
[62] Ad id quod agetur: tomando "executar algo" no sentido de defender uma
causa, discutir um assunto. O termo agere (e actio) refere-se ao momento
concreto em que o discurso é proferido. Muitas vezes, indica o próprio ato
de ordenar um discurso.
[63] Cf. Ad Her. II.8.
[64] Cf. discussão sobre este trecho na Introdução.
[65] Ações: conjectura. Denominação das ações: definição.
[66] Cf. 33.
[67] In dicendo: ao dizer, no discurso elaborado.
[68] Cf. Ad. Her. II.27 ss, De inuent. I.44 ss, De or. II.177.
[69] Cf. 5.
[70] Sententia: máxima, pensamento.
[71] Cf. 6.
[72] A amplificatio conjuga crença e comoção. Usa a comoção como meio para
atingir a finalidade da crença.
[73] Res et uerba, temas e palavras.
[74] Illustrare: ilustar. Termo ligado à enargéia grega.
[75] Translata: levada ou carregada de um lado para outro
(trans+latus,a,um). É o termo latino que traduz o grego metaphora.
[76] Assíndeto.
[77] Verba relata, iterata, duplicata: palavras repetidas, reiteradas,
acrescentadas. Referências a algumas figuras de linguagem. Cf. Or. 135.
[78] Explanata. É quasi naturalis a oratio que não se explica muito.
[79] Essas, ou seja, as ações e as palavras.
[80] Cf. 33 ss.
[81] Notar como a enumeração, partindo da objetividade da definição e
chegando às coisas mudas que falam, segue uma gradação amplificada.
[82] Cf. De officiis I.13-14 e II. Os deveres e as virtudes estão
relacionados à vida comum e à sociedade entre os homens.
[83] Segundo o De offic. II, as virtudes mais necessárias à sociedade e à
comunidade dos homens são a sabedoria e, principalmente, a justiça.
[84] A sentença entre colchetes parece ser uma interpolação.
[85] A passagem da dita para a desdita é, segundo Aristóteles, o motor da
compaixão na tragédia.
[86] A passagem da boa para a má fortuna deve ser apresentada brevemente na
peroração, pois o lugar não suporta as minúcias que o caso exigiria.
[87] "Exortações" está designando, aqui, o gênero deliberativo.
[88] Notar o uso das paixões no gênero judiciário. O orador, conforme ocupe
o lugar de defensor ou acusador, deve produzir no juiz a cólera ou a
misericórdia.
[89] A peroração tem uma etapa de comoção dos ânimos, discutida até aqui, e
uma etapa de resumo do que foi tratado no discurso.
[90] Cf. 4 .
[91] Propositum, tese.
[92] Consultatio e propositum, discussão e tese, estão sendo usados
alternadamente. Do ponto de vista da força do orador, a questão indefinida
é uma consultatio, discussão: ele se senta junto com alguém para deliberar.
Do ponto de vista da questão, ela é um propositum, uma tese: algo que foi
posto diante para ser tratado.
[93] Cf. Top .81.
[94] Segundo o De officiis I.15-16, também faz parte do honestum o
conhecimento do verdadeiro e do falso.
[95] Sit necne, quid sit, quale sit, conjectura, definição e qualidade, as
três questões já mencionadas anteriormente em 39 e 42.
[96] A contraposição entre a justiça do honesto e o útil aparece no Livro
III, do De officiis. Esse tratado, portanto, tomaria as regras da questão
de qualidade.
[97] O Livro II, do De officiis, discute como alcançar a glória (II.30-51)
e como lidar com a inveja dos homens (II.23-29).
[98] No De officiis I.11, Cícero apresenta a doutrina estóica que liga a
virtude tanto ao uso, quanto à razão e à natureza.
[99] Cf. Top. 83.
[100] Honestidade, utilidade e eqüidade são, respectivamente, os assuntos
dos três livros do De officiis.
[101] Notar a mesma divisão dos livros do De officiis.
[102] Cf. 52 ss.
[103] Cf. 5, 8, 13, 33 ss.
[104] Cf. 9.
[105] Quod agit. O verbo agere é usado no sentido de tratar um assunto,
executar a discussão sobre um assunto. Agere causam poderia ser entendido,
também, como o ato concreto de tornar público, externar o discurso que se
elaborou a respeito de uma causa.
[106] Os três gêneros definidos na Retórica I.2, de Aristóteles, a partir
da atitude dos ouvintes.
[107] Cf. Ad Her. III.10 ss, De inuent. II.177-178, De or. II.341.
[108] Mais uma vez aparece a relação entre o bem dizer e o viver
honestamente, que é retomada no De officiis.
[109] Cf. De inuent. II.156 e Top. 91.
[110] Dictio: ato de dicere, ou seja, ato de falar ordenadamente.
[111] Cf. 31-32.
[112] Cf. 52-56.
[113] Verbis factis: neologismos.
[114] Palavras metaforizadas.
[115] Cf. De oratore III.152.
[116] In audiendo: na audição.
[117] Cf. De officiis I.
[118] "Conhecimento" e "ação" são também os dois tipos de questão
indefinida (62-63). Cf. Aristóteles. Ética a Nicômaco, I.33.
[119] No De officiis, a prudência e a sabedoria são virtudes relacionadas
ao conhecimento do verdadeiro, primeira das quatro fontes do honesto. A
temperança e a moderação ligam-se ao decoro no agir e no dizer, quarta
fonte do honesto.
[120] Disputare, aqui como sinônimo de argumentar. Scientia disputandi,
conhecimento sobre a argumentação, dialética.
[121] Oratória deve ser entendida aqui como a elaboração do discurso que
leva em conta todo o dicere. Scientia disputandi, conhecimento sobre a
argumentação, e oratoria, a elaboração global do discurso, são as
auxiliares e companheiras da sabedoria.
[122] Verecundia: discrição, comedimento, modéstia, pudor.
[123] Cf. em Aristóteles. Retórica I.9, como o orador pode usar esta falsa
semelhança para elogiar o que pareceria não merecer elogio.
[124] Novamente, a virtude aparece aristotelicamente definida como um
ponderado meio-termo entre dois vícios.
[125] Illustrare está relacionado ao uso do ornato e da evidência.
[126] A Retórica e a Moral, o bem dizer e o bem viver, as Partitiones
oratoriae e o De officiis andam juntos.
[127] In sententia dicenda: ao dizer ordenadamente uma opinião, uma maneira
de ser, um projeto, uma intenção. Trata-se, aqui, do discurso deliberativo.
[128] Sobre a "utilidade", vejam-se as discussões do livro II do De
officiis. No gênero demonstrativo, discutido há pouco, as referências eram
a "virtude" e o "honesto", tratados no livro I do De officiis.
[129] Cf. 76-81.
[130] Materies: matéria, aquilo de que alguma coisa é feita, índole.
[131] A glória, a amizade, a liberalidade, a saúde e a riqueza são as
fontes do útil, discutidas no De officiis II.9-87.
[132] A disputa entre o útil e o honesto é o assunto do livro III do De
officiis. Os preceitos referidos aqui, 90 ss, resumem o conteúdo desse
livro e apresentam uma indicação de como utilizá-los para conseguir a
persuasão de diferentes públicos. Cf. também De or. II.135.
[133] Cf. De officiis I. 20-60. A justiça e a liberalidade são as virtudes
que mantêm a sociedade dos homens. Cf. também De or. II.346.
[134] Cf. Ad Her. II.28 e De or. II.177.
[135] O eqüitativo é um critério que se instaura quando a aplicação unívoca
de uma lei não é possível ou quando a autoridade daquele contra quem se
fala é muito forte.
[136] Cf. 129 ss.
[137] No procedimento judiciário romano, a causa deve ser reconhecida como
legítima antes do julgamento propriamente dito.
[138] Illane lege, hisne uerbis: por causa da lei citada ou por causa dos
termos empregados.
[139] Cf. 129 ss.
[140] Aqui aparece a doutrina da stasis, importante contribuição
helenística para a Retórica. Para ordenar a composição do discurso, o
orador deve estabelecer o status causae: saber se vai contestar o feito
(sitne?), o nome do feito (quid sit?) ou a qualidade, a pregorrativa moral
do feito (quale sit?).
[141] Status causae: estado da causa.
[142] Status, ou seja, estado da questão.
[143] Primeiro estado, ou seja, a conjectura.
[144] Ainda que se tenha estabelecido o estado de qualidade, o defensor
pode voltar à definição e à conjectura, desmentindo os feitos e redefinindo
o que foi apresentado.
[145] Segundo estado, a definição.
[146] Estado de qualidade.
[147] Continentia causarum: pontos essenciais das causas do julgamento.
[148] Disceptatio: debate.
[149] P. Décio, tribuno em 121 aC, pretor em 114 aC. …..
[150] C. Júnio Norbano, tribuno da plebe em 95 aC. Acusou o cônsul Q.
Servílio Cepião de traição por haver pilhado o templo de Apolo em Tolosa,
em 106 aC, e, também, pela derrota do exército para os Címbrios, em 105 aC.
O Senado apoiou Cepião. Norbano armou um revolta e Cepião foi exilado. Em
104, Sulpício acusou Norbano e este foi defendido e absolvido por Antonio.
Cícero parece propor aqui um julgamento sobre a possibilidade de Norbano
ter diminuído a majestade, ou seja, o poder da República e do povo romano,
pelo fato de ter armado uma sedição quando não obeteve apoio do senado para
exilar uma homem culpado.
[151] L. Opímio, cônsul em 121 aC, baseado em um decreto do Senado, tomou
as armas e matou C. Graco e vários de seus partidários. Foi acusado pelo
tribuno Q. Décio de crime de lesa majestade e defendido a absolvido pelo
cônsul Caio Carbão.
[152] Cícero dá exemplo de um motivo que contesta o status de definição; no
caso, uma questão que discute a majestade do povo romano.
[153] Agora, um exemplo de fundamento, em relação ao mesmo status.
[154] Depois do embate entre motivo e fundamento, chega-se ao ponto que
realmente deve ser discutido no julgamento.
[155] Motivo.
[156] Fundamento.
[157] Esse é ponto que ralmente deve ser psoto em julgamento. Lembrar que
Cícero foi condenado ao exílio em 58 aC, sob acusação de ter executado os
conjurados de Catilina sem julgamento, graças a uma decisão do Senado.
[158] A questão de qualidade acaba aproximando a "causa" da "tese".
[159] Propositum, ou seja, uma questão indefinida.
[160] Actor: aquele que executa a actio retórica.
[161] Euentus: resultado.
[162] Cf. 93 ss.
[163] O feito realizado no passado, em certo instante, foi objeto de
decisão futura. Assim, os gêneros judiciário e deliberatvo têm suas
ligações.
[164] Coniectura: resposta à questão "sitne?". Na conjectura de utilidade
defende-se que algo foi feito porque era útil fazê-lo.
[165] Aes alienum: dinheiro emprestado.
[166] Cícero mostra paixões e movimentos de ânimo que podem ser usados na
argumentação de uma conjectura, para persuadir que o feito aconteceu ou
não. Os movimentos de ânimo podem compor uma motivo para o feito.
[167] Cf. De or. II.170, Top. 53.
[168] Cf. 71ss.
[169] Cícero foi cônsul em 62 aC., ano em que Catilina organizou uma
conjuração, abortada pela ação do primeiro. Os discursos de Cïcero na
ocasião, As Catilinárias, ficaram famosos. Salústio também escreveu sobre o
episódio na Conjuração de Catilina.
[170] Facultas: capacidade, no caso, de executar o crime.
[171] Cf. 33 e 44.
[172] Causa conjectural. Cícero passa a tratar de cada parte do discurso na
causa conjectural.
[173] Sermonis: fala comum.
[174] Quod ea littera de acusatore solet dari iudici: porque essa letra
costuma ser entregue ao juiz em relação ao acusador. O texto latino é um
tanto obscuro; optamos pela interpretação de Henri Bornecque in CICËRON.
Division de làrt oratoire/Topiques. Texte établi et traduit par Henri
Bornecque. Parias, 'Les Belles Lettres', 1960, p.49.
[175] Vare: contrariamente; de uarus, o que tem pernas voltadas para
dentro. Provável referência à uma suposta ligação etimológica entre
praeuaricator e uarus,
[176] "Quando se afastam da causa", ou seja, durante a digressão.
[177] Cf. 52 ss.
[178] Pedir licença, ou seja, mostrar que, nas circunstâncias em questão, o
feito é permitido.
[179] Quale sit?, a questão de qualidade.
[180] Cf. 131.
[181] Cf. 132.
[182] Cf. 136.
[183] Cf. 134.
[184] Cf. referência a Demétrio Falério no De officiis I.3.
[185] Artes das coisas maiores, ou seja, artes que tratam de questões
gerais, sem determinação de lugar, tempo, atores. Provável referência aos
estudos da física, da ética, da geometria, da dialética. O dircurso não
deve acontecer sem o conhecimento dessas artes. O orador não deve saber
apenas da causa que está tratando.
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