CIDADANIA AMBIENTAL: do nacionalismo ao cosmopolitismo

May 28, 2017 | Autor: Cristiano Lenzi | Categoria: Meio Ambiente, Desenvolvimento sustentavel, Cidadania, Cosmopolitismo, Cidadania Ambiental
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40º Encontro Anual da Anpocs 24 a 28 de outubro – Caxambu/MG - 2016 ST33: Teoria social hoje: quais agendas? Coordenação: Carlos Eduardo Sell (UFSC) Sergio Barreira de Faria Tavolaro (UnB)

Título do trabalho:

CIDADANIA AMBIENTAL: do nacionalismo ao cosmopolitismo

Autor: Cristiano Luis Lenzi Email: [email protected]

Escola de Artes, Ciências e Humanidades EACH - USP

Setembro – 2016.





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RESUMO A questão ambiental tem feito uma contribuição importante na agenda de pesquisa das Ciências Sociais. O adjetivo ambiental tem sido introduzido nas mais diferentes disciplinas e contribuído para o surgimento de novos campos de pesquisa. No presente trabalho, examinamos a influência do debate ambiental nas Ciências Sociais buscando examinar o surgimento do conceito de cidadania ambiental e as controvérsias que o mesmo suscita na política ambiental contemporânea. No presente trabalho busca-se examinar o que alguns autores denominam de "cidadania ambiental liberal" e os vínculos que podem ser estabelecidos, nesse modelo, entre liberalismo, direitos ambientais e nação. Num segundo momento, busca-se examinar a crítica cosmopolita que pode ser direcionada para esse modelo de cidadaniaambiental O trabalho finaliza por tentar indicar as implicações que a crítica cosmopolita oferece para o debate sobre cidadania hoje e de seus efeitos para pensar a idéia de cidadania ambiental em particular.





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CIDADANIA AMBIENTAL: do nacionalismo ao cosmopolitismo

1. INTRODUÇÃO Cidadania ambiental é hoje um conceito central para o pensamento político ecológico. O mesmo encontra-se associado às demandas por justiça ambiental na política ambiental e à expectativa de que o cidadão possa contribuir para a promoção da sustentabilidade1. Seu surgimento recente e tardio tende a surpreender, uma vez que a política ecológica desde o seu início, como aponta Dobson (2005) "se vinculou geralmente com os temas da cidadania, tais como o fortalecimento da esfera pública, o compromisso com a participação política e a busca da relevância política dos cidadãos". Uma das razões desse paradoxo encontra-se possivelmente na própria história do ambientalismo. A visão que se projetou no ambientalismo radical se formou pela visão de comunidades ecológicas de pequena escala fundadas na solidariedade e coesão e não na "visão liberal dos direitos individuais" (KENNY, 1996: 22). Na medida que a cidadania liberal é definida em termos destes mesmos direitos, é compreensível que a mesma tenha sido percebida, desse modo, como imprópria para absorver as novas demandas de uma participação mais ativa na promoção da sustentabilidade ambiental2.

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Essa última expectativa nasce da visão de que a cidadania ambiental possa eventualmente oferecer um estímulo para mudanças de comportamento dos cidadãos distinto daquele oferecido pelos instrumentos convencionais da política ambiental (leis/incentivos econômicos). Como indica Beckman (179): o "cidadão não pode (...) agir de modo sustetável apenas por razões econômicas e práticas: pessoas algumas vezes escolhem fazer o bem por outras razões do que o medo (da punição ou perda) ou desejo (por prêmios econômicos ou status social). Podemos assumir que um modo de alcançar sustentabilidade encontra-se na possibilidade do cidadão de expressar virtudes ecológicas" (BECKMAN, 2001: 179). 2

Nesse caso, se é certo que o pensamento ambiental contemporâneo tenha emergido lançando no imaginário social uma visão de uma cidadania mais ativa, o fez a partir de uma perspectiva crítica à concepção de cidadania liberal. No caso do discurso mais reformista do desenvolvimento sustentável (DS) iremos encontrar um problema diferente. Embora o DS seja visto como um "desenvolvimento mais participativo", essa demanda por uma maior participação jamais foi traduzida por meio da idéia de cidadania ambiental. As demandas por maior participação em documentos associados com a Agenda 21, do mesmo modo, expressam uma demanda por uma maior participação do cidadão, mas esse anseio não foi traduzido por meio de qualquer inovação conceitual envolvendo a idéia de cidadania.





3 O conceito apresenta-se como uma resposta às limitações das abordagens tradicionais da cidadania para as questões ambientais. Na medida que as limitações da democracia liberal vieram a se constituir num tópico de debate no interior da teoria política ecológica, o próprio debate sobre a cidadania ambiental passou a se desenvolver subsequentemente (LATTA, 2005: 02). Apesar de seu aparecimento tardio, o conceito é geralmente visto como trazendo possibilidades de oferecer uma inovação importante no debate sobre cidadania. Dobson (2003), por exemplo, vê a cidadania ambiental como tendo a capacidade de "reconfigurar de maneira singular e inédita" a idéia mesma de cidadania. Isso porque o seu debate desdobra-se, geralmente,

para

discussões

envolvendo

coisas

como

direitos,

obrigações,

responsabilidades, virtude, identidade e comunidade. O próprio adjetivo "ambiental", presente no termo, conota a presença de uma relação entre cidadania e meio ambiente que esteve ausente na história do pensamento político (BELL, 2005). As questões que emergem desse vínculo não suscitam apenas considerações sobre o tipo de meio ambiente que está sendo incluído na definição (local, regional, nacional ou global), mas ao tipo de relação ético-política (direitos, obrigações e responsabilidades) que essa mesma relação pode engendrar. Pois, a idéia de que indivíduos possuem direitos e responsabilidades na condição de "residentes do planeta Terra", como afirma Bell (2005), "sugere uma comunidade política alargada" que pode ultrapassar as fronteiras do Estado-Nação ou da espécie humana3. Fatores externos ao debate intelectual também devem ser considerados para se entender o surgimento da cidadania ambiental como conceito. O governo do Canadá tem feito uso frequente do termo em seus relatórios políticos e se utiliza com frequência do mesmo para nomear as ações cívicas que buscam melhorar as condições ambientais para os cidadãos canadenses (BELL, 2016: 25). Nesses casos, o conceito faz referência a um objetivo político prático das políticas ambientais governamentais. E o mesmo ocorre na esfera da Sociedade Civil com ONGs que também fazem uso do termo para nomear ações ambientais parecidas. Na medida que os estudos sociológicos e políticos examinam o que governos fazem a partir da linguagem que utilizam para definir suas políticas, o conceito tornou-se o foco de pesquisas políticas mais empíricas. Além disso outras mudanças existentes na paisagem da política ambiental 3

A idéia de uma cidadania pós-humana que transcende nossa condição de espécie encontra apoio no trabalho de um proeminente pensador político como Kymlicka que, em livro recente, defende a possibilidade de estender os direitos de cidadania para os animais. Ver, por exemplo, seu livro Zoopolis (2013).





4 fazem do conceito um foco de discussão. A institucionalização de direitos ambientais em diferentes países do mundo e o surgimento de um ambientalismo global são fatores contribuintes nesse processo. Os direitos ambientais levantam questões importantes para a cidadania hoje na medida que suscitam novas questões sobre as relações entre cidadão, direitos e bem-estar4. O ativismo ambiental global, do mesmo modo, tem estimulado um debate sobre as possibilidades de se configurar a prática da cidadania para a além do território nacional contribuindo para as reflexões dnão apenas de uma cidadania ambiental, mas também, global. Não há um consenso sobre a melhor forma de se definir a cidadania ambiental. O conceito, como alguns trabalhos sobre o tema lembram, encontra-se em construção. A idéia de cidadania ambiental, por isso, vê-se atualmente em meio a disputas interpretativas que buscam imprimir ao conceito significados, às vezes, bastante distintos. Essa disputa se apresenta, primeiramente, na própria semântica do termo. Diferentes adjetivos são usados para se referir a ela. Pode-se adicionar ao termo cidadania adjetivos como ecológica, verde, sustentável e ainda outros. Nem sempre é possível saber o que essas variações implicam. Se em alguns casos é possível presumir que elas ocultem variações conceituais importantes, em outros não parecem apontar diferenças substanciais. Contudo, existem diferenças teóricas importantes colocando as visões da cidadania ambiental em posições diferentes. Assim, Bell (2016) classifica os modelos de cidadania ambiental em local, nacional e global e Dobson (2003) em modelos liberal, republicano e pós-cosmopolita. Essa última classificação será usada no presente trabalho para examinar algumas questões associadas ao debate sobre a cidadania ambiental. Dobson (2003), na classificação que propõe, parte do mesmo ponto de vista de Heater (1999) que, em What is citizenship?, argumenta que o debate sobre cidadania ocorrido no século XX pode ser dividido em duas tradições fundamentais. Há, segundo ele, o "estilo republicano cívico, que coloca sua ênfase sobre deveres e o estilo liberal que enfatiza direitos" (HEATER, 1999). Dobson (2003) se utiliza dessa primeira divisão para oferecer uma classificação dos conceitos de cidadania ambiental. Assim, ele argumenta, ecoando a tese de Heater (1999), que é possível também estabelecer uma diferença entre um modelo liberal e republicano de cidadania ambiental. O primeiro é 4 Daí

que van Steebbergen (1994) tenha visto a cidadania ambiental na década de 90 como representando um "acréscimo, mas também uma correção, às três formas existentes de cidadania: civil, política e social" (VAN STEENBERGEN, 1994:142).





5 denominado de cidadania ambiental liberal e o segundo de cidadania ambiental republicana. O modelo liberal, informa Dobson (2003), centra a definição de cidadania ambiental na idéia de direitos ambientais enquanto o modelo republicano se detém na idéia de virtudes ecológicas5. Contudo, Dobson (2003), oferece um terceiro modelo que ele denomina de cidadania ambiental pós-cosmopolita (CAP) 6. Enquanto os modelos liberal republicano de CA se constituiriam, para Dobson (2003), em tipos de cidadania fundadas no Estado-Nação, esse último modelo busca oferecer à cidadania ambiental um viés global ou cosmopolita7. Considerando que o debate sobre a cidadania ambiental perpassa por disputas conceituais como estas, esse trabalho tem o propósito de examinar com maior detalhe as razões que fomentam algumas dessas divergências. Afinal, por que uma cidadania ambiental liberal poderia ser vista como oferecendo limitações na abordagem dos problemas ambientais contemporâneos? E o que há na leitura cosmopolita, tanto dos problemas ambientais como da própria cidadania, que oferece subsídios para a crítica de uma cidadania ambiental de viés liberal e nacional? Creio que as respostas que a literatura tem oferecido para estas questões ainda são insatisfatórias, uma vez que o debate sobre a cidadania ambiental é ainda bastante recente. O que justifica o argumento que o conceito de cidadania ambiental encontrase hoje subteorizado (MELO-ESCRIHUELA, 2008: 114). Assim, esse texto pode ser visto como um esforço para se tentar esclarecer algumas das diferenças que marcam esses diferentes modelos de cidadania ambiental. O objetivo do trabalho é examinar, então, as questões e críticas que uma perspectiva cosmopolita direciona para uma concepção liberal de cidadania ambiental. Deveríamos apoiar a formulação da idéia de uma cidadania ambiental cosmopolita ou global? O que poderíamos ganhar ao revisar o conceito nesses termos? Esse trabalho não oferece uma análise sistemática destas questões, mas busca oferecer uma leitura exploratória de questões que ainda não foram devidamente examinadas na literatura. Na primeira parte do trabalho busco, então, examinar alguns dos pressupostos associados à definição de cidadania ambiental liberal. E, na parte restante busco 5

A linha interpretativa liberal do conceito de cidadania ambiental pode ser encontrada nos trabalhos de autores como Bell (2005) e Hailwood (2006). A defesa de um modelo republicano do conceito, por sua vez, pode ser encontrado nos trabalhos de Barry (2006) e Connoly (2006). 6 Para uma descrição destes modelos de CA, ver também MacGregor (2014). 7

Essa orientação cosmopolita na interpretação do conceito pode ser encontrada nos trabalhos de próprio Dobson (2003) e autores como Smith and Pangsapa (2008), Christoff (1996) e Jelin (2000).





6 examinar os argumentos de defesa de uma cidadania cosmoplita e de suas implicações para a visão de uma cidadania ambiental liberal. 2. CIDADANIA AMBIENTAL LIBERAL A visão liberal de cidadania funda-se na idéia de direitos. O cidadão no interior desta concepção seria aquele que respeita e reinvidica os direitos associados ao seu bem-estar no âmbito da esfera pública de um Estado-Nação"8. No século XX, a noção de direitos passou a se constituir no elemento central da idéia de cidadania de T. H. Marshall. Pensador este que melhor formulou, segundo alguns, a abordagem mais articulada do conceito de um ponto de vista liberal. Marshall (1967) definiu a cidadania a partir de três tipos de direitos: civis, políticos e sociais9. Na década de 90, essa visão liberal encontrou uma inspiração ecológica na proposta de van Steebergen (1994) que viu a cidadania ambiental como a expressão de um "acréscimo, mas também uma correção, às três formas existentes de cidadania: civil, política e social" (VAN STEENBERGEN, 1994b:142).. Van Steenbergen (1994) viu também o ambientalismo como sendo a principal força a permitir o desenvolvimento "de formas diferentes de direitos da natureza" e, também, no principal indutor de uma "cidadania ecológica" (VAN STEENBERGEN,1994:142). Essa visão veio a ser melhor elaborada recentemente nos trabalhos de Dobson (2003) e Bell (2005) 10 . Uma cidadania 8

Essa visão tem sua origem em pensadores como John Locke que, em livros como como Dois Tratados de Governo Civil, afirmara que todo o homem tem o direito de "preservar ... sua vida, liberdade e Estado. Esses direitos também estiveram presentes nas revoluções Americana e Francesa. Na primeira, esses direitos se apresentaram na defesa da "vida, liberdade e a perseguição da felicidade". Na segunda, na defesa dos direitos à "liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão". Esses direitos ofereceram a base e orientação para a concepção liberal de cidadania no século XX. Para uma história do conceito de cidadania, ver Heater (1999). 9 Estes direitos são compreendidos por Marshall (1967) da seguinte forma: "o elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual - liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensametno e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. (...) Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade ou como um eleitor dos membros de tal organismo (...) O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e elvar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade" (MARSHALL, 1967: 65). 10

Bell (2005) é um defensor de primeira linha do conceito de cidadaia ambiental liberal enquanto Dobson (2003) pode ser visto como um comentador distanciado do conceito. Embora Dobson (2003) não descarte o conceito de cidadania ambiental liberal, considera que o mesmo precise ser complementado por um modelo de cidadania ambiental pós-cosmopolita. Ele vê este último como sendo um conceito de cidadania ambiental mais "interessante" por abraçar questões que não são capturadas pela idéia de cidadania ambiental liberal.





7 ambiental liberal, para Dobson (2003), expressa a tentativa de "estender o discurso e a prática da reivindicação de direitos para o contexto ambiental" (DOBSON, 2003: 89). Ela nasce pelo fato de podermos reconhecer que "as questões de direitos ambientais e cidadania estão intimamente ligados". As principais característidas de uma CAL são, então, as seguintes para ele: "é um tipo de cidadania que, no presente, aborda os direitos ambientais, sendo conduzida na esfera pública; suas virtudes principais são as virtudes liberais da razoabilidade e da disposição de aceitar o melhor argumento e a legitimidade procedimental [e sua] missão está associada às configurações desenhadas pelo Estado-Nação. (...) pode-se considerar que a cidadania ambiental diz respeito à tentativa de estender o discurso e a prática da reinvindicação dos direitos para o contexto ambiental" (DOBSON, 2003: 89).

Desde Estocolmo é possível perceber a presença de um discurso moral em defesa dos direitos ambientais conferindo ao cidadão um direito a um ambiente saudável e seguro11. A demanda por estes direitos ganhou ainda maior proeminência no Relatório Brutland e nos debates subsequentes sobre Agenda 21. O Relatório Brundtland reconheceu em 1987 que os seres humanos deveriam ter o direito a um ambiente saudável. Na década de 90, o princípio da Declaração do Rio afirmará, em seguida, que os seres humanos "têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza" (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2016). O princípio 10 da declaração também torna explícita a relação entre participação política e direitos ambientais que estão subentendidos em seus princípios. Diz a declaração: "A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos" (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2016).

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Um histórico do desenvolvimento dos direitos humanos ambientais pode ser encontrado em Boyle (2007) e Shelton (1991).





8 Nessa visão, a participação política do cidadão opera exclusivamente no interior do Estado-Nação e imprime à partipação política do cidadão um viés exclusivamente nacional. Shelton (1991) observa que os direitos humanos ambientais podem ser compreendidos como (a) direitos do meio ambiente onde este último é visto como possuindo um valor intrínseco. E numa formulação distinta, os mesmos são vistos como oferecendo uma (b) reformulação e expansão dos direitos humanos préexistentes. Nesse último caso, direitos ambientais humanos encontram-se alinhados com as "garantias procedimentais que podem ser providenciadas contra ações arbitrárias que são prováveis

de causar uma deterioração significante do meio

ambiente" (SHELTON, 1991: 117). Direitos ambientais operam nesse caso como um trunfo para a promoção e defesa de necessidades básicas ligadas às funções que o meio ambiente exerce para os humanos. Na medida que os direitos tem sua importância na possibilidade de impedir que riscos ambientais sejam lançados aos indivíduos, uma cidadania ambiental liberal faz parte do processo político pelo qual os cidadãos podem responder a estas ameaças apelando para seus direitos constitucionais. Essa defesa opera também por meio da exigência de uma contrapartida em termos de deveres ambientais. Eles se constituem num "trunfo" onde garantias legais e instituições são estabelecidas para oferecer garantias para as liberdades individuais. Como indica Nickel (1993: 284), "um direito não é meramente uma reinvidicação para algum tipo de liberdade ou benefício; é também uma reinvidicação para que certos atores tornem possível que essa liberdade ou benefício se torne acessível". Direitos humanos ambientais exigem, portanto, uma contrapartida em termos de deveres que podem recair para diferentes atores da sociedade. Pessoas, organizações e corporações "possuem um dever de evitar certas atividades que geram níveis inaceitáveis de risco ambiental" (NICKEL, 1993). Obviamente que esses direitos ambientais apenas terão esses efeitos caso sejam amplamente aceitos e legalmente implementados no nível internacional e nacional. A cidadania ambiental liberal não é apenas uma cidadania fundada em direitos ambientais, mas é também um tipo de cidadania, segundo Dobson (2003), nacional. Ela é uma cidadania que "aborda os direitos ambientais" onde a reinvidicação dos mesmos se desenvolve a partir das "configurações desenhadas pelo Estado-Nação" (DOBSON, 2003, 69; 89). Desse modo, se uma cidadania ambiental liberal envolve o uso do "discurso e a prática da reinvindicação dos direitos para o



9 contexto ambiental", esse processo é visto como se desdobrando no interior do EstadoNação. A cidadania é geralmente associada a um "corpo político" ou "comunidade política". Algo que se mostra presente até mesmo em algumas definições do conceito. Bellamy (2008), por exemplo, a define como a "condição de se pertencer a uma comunidade política onde todos os cidadãos podem determinar os termos da cooperação social em bases iguais" [grifo nosso] (BELLAMY, 2008, pg. 17)12. Nessa e outra definições, a cidadania vincula-se a uma comunidade bounded, com limites culturais, políticos e geográficos identificáveis. No período moderno o Estado-Nação tornou-se, por sua vez, na expressão real desta comunidade. O que tem feito que a questão central para se definir o conceito se reduza quase que exclusivamente à questão do vínculo que o cidadão estabelece com o Estado-Nação (DOBSON, 2003, 70). Esse preceito constituiu-se no século XX a norma pela qual a idéia de cidadania tem sido convencionalmente compreendida. Por isso, indica Heater (1998; 23), quando a cidadania é vista como "divorciada da territorialidade, soberania e de uma nacionalidade compartilhada", ela perde seu sentido preciso. Antes de examinar a forma como o Estado-Nação encontra-se vinculado ao conceito de cidadania ambiental liberal, farei a seguir um pequeno interlúdio para examinar como o próprio pensamento liberal tem abordado este tema. Examino, a seguir, rapidamente alguns dos argumentos defendidos por nacional liberais sobre a relação entre nação e cidadania para retomar essa questão no conceito de cidadania ambiental liberal logo a seguir. 3. NACIONAL-LIBERALISMO E MEIO AMBIENTE

A tese de que a idéia de cidadania subentenda a idéia de nação, tal como indica Dobson (2003), poderia ser questionada, uma vez que muitos autores criticam justamente o pensamento liberal por este desvincular a cidadania à idéia de comunidade. Comunitaristas, assim, criticam o liberalismo por vê-lo como oferecendo uma visão insatisfatória da relação existente entre indivíduo e comunidade, onde esta última não passaria de um processo de cooperação existente entre indivíduos na busca 12 A

própria definição liberal de Marshall (1967) apresenta essa relação. Em Cidadania, Classe Social e Status, ele afirmará que "a cidadania cuja história tento reconstituir é, por definição, nacional" [grifo nosso] (MARSHALL, 1967: 64).





10 de uma satisfação de seus interesses pessoais (SWIFT, 2001: 152). Se a idéia de bem comum tende a pressupor uma comunidade, os cidadãos encontrar-se-iam, então, destituídos da capacidade de promovê-lo uma vez que a ausência de vínculos comunitários os levariam a considerar apenas seu bem-estar individual. Esse viés individualista existente no liberalismo tem sido considerado como um dos principais entraves na possibilidade de se promover a sustentabilidade ambiental. Como escreve Cahn: "a ênfase do liberalismo no interesse individual cria um conceito problemático de bem comum. A sociedade, como manifesta na teorial liberal do contrato, não existe para promover um bem maior, mas para proteger os direitos individuais. O bem comum é limitado a oferecer um ambiente estável para os direitos individuais. Em consequência, direitos individuais e corporativos de propriedade, ofuscam a reinvidicação de comunidades para a gestão de recursos" (1995: 01).

Pensadores liberais defensores do que é denominado de nacionalliberalismo (NL) discordam dessa avaliação. O NL é uma linha de pensamento liberal que vê o liberalismo e a nação como coisas relacionadas entre si13. Segundo Tan o nacional liberalismo: " (...) é uma forma de nacionalismo que afirma a tese nacinalista geral que todos os Estados, incluindo os Estados liberais, deveriam promover e inculcar um sentido de nacionalidade compartilhada entre seus respectivos cidadãos. Este sentimento de vínculo comum é visto como necessário para criar uma cidadania comum entre indivíduos no Estado moderno, um problema que é especialmente sensível no contexto do estado democrático liberal onde os indivíduos buscam fins diversos e incompatíveis" (TAN, 2004: 88) Como nota Vincent (1997), pensadores nacional liberais tendem a traduzir idéias comunitárias usando a linguagem do nacionalismo (ou nacionalidade). Nessa visão, liberalismo e nacionalismo são vistos como necessários para a construção de uma ordem liberal democrática e para a atividade da cidadania enquanto tal. Nacionalliberais sustentam que, caso consideremos a nação como um tipo de comunidade 13

Em Considerações sobre o Governo Representativo Mill argumentou que a democracia tende a exigir uma cultura nacional insinuando algumas suposições que nacional-liberais defendem atualmente. Do mesmo modo, para pensadores liberais importantes como John Rawls é o EstadoNação que possui um papel distributivo no seio da sociedade. O NL pode ser encontrado no trabalho de pensadores mais contemporâneos como Kymlicka (2002), Miller (2016), Tamir (1993) e Moore (2004). Sobre as principais teses do NL, ver os trabalhos de O'Kelly (2003), Kymlicka (2001) e Tan (2008).





11 simbólica e moral, isso acaba por conferir ao conceito de cidadania uma dimensão comunitária. Nacional-liberais podem ser vistos como expressando um tipo de pensamento comunitarista na medida que inserem a nação, enquanto comunidade moral, como uma dimensão importante do liberalismo. A nação é vista como oferecendo os alicerces para a promoção de valores como liberdade e autonomia individual que, para Kymlicka (2001: 228), encontram-se vinculados à participação do cidadão "em sua própria cultura nacional". Nacional-liberais defendem, assim, que uma política democrática é mais provável de ocorrer no âmbito de uma comunidade nacional específica. Isto é, num Estado-Nação. A nação é vista como oferecendo os elementos culturais pelos quais a prática da cidadania torna-se possível. Para Kymlicka, por exemplo, quando "teóricos discutem o que a "comunidade política" pode ou deve significar", os mesmos estão se perguntando "em que sentido os Estados-Nações podem ser reconhecidos como uma comunidade política"(2001: 221-22). Do mesmo modo, quando estes mesmos teóricos, diz ele, "desenvolvem uma avaliação apropriada das virtudes e identidades requeridas para uma cidadania democrática", estão ao mesmo tempo se perguntando "o que significa ser um bom cidadão de um Estado-Nação" (KYMLICKA, 2001:221). Assim, na visão do NL, a nacionalidade é percebida como central para fundar uma cidadania que os indivíduos se reconheçam como iguais no Estado moderno14. A identidade nacional e os laços de solidariedade que dela florescem criam os compromissos que cidadãos estabelecem entre si para resolver seus problemas comuns. A identidade nacinal, no NL, é vista como criando as condições para o sentimento de cooperação e as condições de respeito mútuo entre os fellow-citizens (TAN, 2008: 161). É a nacionalidade que permite, para Kymlicka, que os cidadãos sejam capazes de fazer esforços, por exemplo, para a justiça social (2001:225) ou que obtenham a solidariedade necessária para "sustentar relações de redistribuição" (2001: 239). Se considerarmos a cidadania como envolvendo a perseguição da justiça social no seio da comunidade política, então podemos ver como os direitos e obrigações que

14 Na

visão do NL, a nação permite forjar uma identidade coletiva (nacional) que é vista como essencial para a promoção da política democrática deliberativa e o exercício da cidadania em particular. Entre os atributos culturais que lhe são constitutivos, a linguagem tende a possuir um papel de destaque. Ela não se constitui apenas num meio de comunicação, mas um elemento constitutivo da própria identidade da comunidade política (KYMLICKA, 2001: 212-3). Essa linguagem comum é o que oferece as condições para o exercío da própria política democrática e da cidadania. Para Kymlicka, "fóruns políticos nacionais com uma linguagem comum formam", para ele, "o locus primário de participação democrática no mundo moderno" (2001: 227).





12 cidadãos nacionais possuem entre si alimentam-se da identidade comum que compartilham. No exame do conceito de cidadania asmbiental liberal acima vimos que o mesmo é visto como associado ao Estado-Nação. Por isso, ela se constitui como uma cidadania territorial e nacional. Contudo, Dobson (2003) e Bell (2005) pouco ou nada falam da ligação cultural que nacional-liberais estabelecem entre cidadania e nação. Não aplicam estes preceitos para oferecer qualquer compreensão do conceito de cidadania ambiental liberal. No espectro da política ambiental atual, no entanto, pensadores conservadores veem nacionalidade um componente essencial da promoção da política ambiental. Roger Scrutton, por exemplo, considera a identidade nacional (nacionalidade) um alicerce para a promoção de ações coletivas voltadas para o cuidado ambiental. Segundo ele; "[ambientalistas] tendem a relutar diante da sugestão de que a solidariedades locais deveriam ser vistas em termos nacionais. (…) Existe uma razão muito boa para enfatizar a nacionalidade. Nações são comunidades com uma configuração política. E estão predispostas a afirmar a soberania vertendo o sentimento comum de pertença em decisões coletivas e elitistas aceitas. A nacionalidade é uma forma de vínculo territorial, mas também é um arranjo protolegislativo. Além disso, as nações são agentes coletivos na esfera global de tomada de decisão. Por ser membro de uma nação, o indivíduo tem voz nos assuntos globais” (2016: 24).

O "desenvolvimento da idéia de um sentimento territorial, o qual contém a semente da soberania dentro si", constitui-se, para Scrutton (2016) na principal contribuição dos conservadores para a política ambiental contemporânea. A nacionalidade é fundamental para promover o cuidado ambiental porque, segundo ele, ela permite "traduzir o sentimento comum de pertencimento em decisões coletivas em leis autodeterminadas" (SCRUTON, 2016: 24). No debate sobre uma cidadania ambiental liberal essa questão parece estar ausente, uma vez que parte dos trabalhos não examina o vínculo do cidadão com o Estado-Nação no modo que nacional-liberais abordam essa questão. Uma excessão na literatura é o trabalho de Hiskes (2009) em que, de certa forma, incorpora alguns dos preceitos de nacional-liberais para esboçar sua visão da cidadania ambiental liberal e de sua relação com o tema da justiça ambiental. Hiskes (2009), tal como os nacionalliberais, considera a identidade nacional como um elemento fundamental para a promoção dos direitos ambientais. Segundo ele, nações se constituem em



13 "comunidades morais" e só elas podem oferecer um arcabouço moral e cultural que ajude na promoção dos direitos ambientais. Isso não ocorre apenas, ou fundamentalmente, porque os Estados-Nações se constituam no lugar onde os direitos encontram-se institucionalizados, mas pelos fatores culturais que nacional-liberais geralmente mencionam para defender o papel da cultura nacional para a promoção da cidadania. Hiskes (2009) apela ao argumento cultural presente no NL para afirmar que a promoção da justiça ambiental: "nos compele a ver nós mesmos e nossos direitos sempre dentro do contexto do grupo ao qual - e nossas gerações futuras - pertencemos. (....) Possuímos direitos humanos ambientais como membros de nossa comunidade nacional, que difere de um modo importante - seja em termos físicos, culturais ou políticos - de outras comunidades nacionais, cujos cidadãos possuem também direitos ambientais e obrigações via-à-vis suas gerações futuras também". [grifo nosso] (HISKES, 2009: 150).

Desse modo, cidadãos ambientais possuem apenas obrigações a seus fellow-citizens e será por meio dessas obrigações recíprocas que a promoção dos direitos ambientais poderão se desenvolver. Esse favoritismo ético, onde nossos direitos e obrigações ambientais se circunscrevem às nossas relações com os cocidadãos, mais do que mostrar "um preconceito particularista" afirma ele," é único modo de incluí-los na vida ativa da vida comunitária" (HYSKES, 2009: 91). A promoção dos direitos ambientais demanda, então, a presença de uma identidade nacional. A justiça ambiental, do mesmo modo, "baseada nos direitos ambientais requer o compartilhamento de uma identidade política" (HISKES, 2009:144). Esta identidade política é também ela uma identidade nacional onde cidadãos reconhecem: "uns nos outros uma obrigação compartilhada para preservar seu ambiente como parte de um dever de manter sua prórpia (...) identidade de grupo. Dessa forma todos seres humanos possuem direitos ambientais como (e somente como) cidadãos de suas próprias comunidades nacionais transnacionais" (HISKES, 2009: 143-4).

O que Hiskes (2009) faz em seu trabalho não é senão incorporar elementos do nacional-liberalismo para abordar a relação entre cidadania e direitos ambientais. Tal como para o nacional-liberalismo, a nação apresenta-se como uma comunidade moral onde uma identidade coletiva torna-se na via pela qual os direitos ambientais podem ser promovidos. Em sua visão, o próprio meio ambiente constitui-se como uma expressão da identidade nacional onde nossos vínculos com ele são estabelecidos pela





14 relação de proximidade existente. A identidade nacional do cidadão, como indica Hiskes é o resultado de sua relação com o "ambiente" e esse "ambiente" inclui "pessoas, estruturas sociais e a ordem natural" (2009: 144). Cidadãos não se relacionam, assim, com um ambiente global, mas com certas partes dele que estão integradas à identidade nacional. Desse modo, embora "o ambiente natural humano é, obviamente, global, cada sociedade considera seu aquele ambiente natural que se estende no interior de suas fronteiras com os quais os aspectos da identidade nacional são definidos" [grifo nosso]. Todas as nações definem sua imagem através desse ambiente físico onde as relações entre os cidadãos se desenvolvem. Logo, toda "nação cria uma imagem de si mesma a partir de suas características ambientais únicas através de sua relação histórica com elas". Se a cidadania ambiental liberal constitui-se numa cidadania nacional, então é possível enxergá-la a luz do que nacional liberais informam sobre a relação entre cidadania e nação. A nação, nessa visão, não constitui-se apenas numa estrutura formal e burocrática onde os direitos ambientais encontram-se institucionalizados. Ela é vista como uma "comunidade moral" onde os vínculos afetivos do cidadão são produzidos. Essa base cultural que vincula a nação enquanto uma comunidade é o que faz com que os direitos e obrigações ambientais floresçam no processo político democrático. Desse modo, a identidade nacional torna-se fundamental na promoção dos direitos ambientais e, consequentemente, da justiça ambiental. Contudo, os argumentos de autores que hoje demandam uma cidadania cosmopolita tendem a colocar limites e problemas para essa visão. A seguir, examinarei então as possíveis críticas que uma visão de uma cidadania cosmopolita pode oferecer para o modelo de cidadania ambiental liberal tal como foi decrito até aqui. 4. LIMITES DA ÉTICA DO ESTADO-NAÇÃO O conceito de cidadania cosmopolita é visto geralmente como representando o resgate do ideal estóico de um cidadão global. O conceito expressa a expectativa de que as preocupações éticas da cidadania possam transcender os limites da identidade nacional. A existência de riscos ambientais globais e a resposta que o ambientalismo global busca dar a estes problemas podem ser considerados como fatores que contribuem para se justificar o conceito (LINKLATER, 2007: 114) (DOWER, 2003: 04). Isso explica, talvez, a razão pela qual no trabalho de vários





15 autores a idéia de uma cidadania ambiental venha sendo construída com a incorporação de um ponto de vista cosmopolita. Assim, para Carter, o ativismo ambiental global tornou-se hoje na expressão da construção de "uma sociedade civil global e de uma cidadania cosmopolita" (2001: 93). E a política ecológica desafia as "abordagens tradicionais de cidadania ao enfatizar a necessidade de decisões internacionais para lidar com os poblemas ambientais" (2001: 05)15. Atualmente, existem vários trabalhos que buscam defender a idéia de uma cidadania ambiental cosmopolita. Dobson (2003), em específico, busca oferecer um modelo de cidadania ambiental cosmopolita que busca transcender as orientações éticas e conceituas do conceito de cidadania ambiental liberal. Essa novas propostas de se pensar a cidadania ambiental são influenciadas pelos debates recentes existentes nas Ciências Sociais sobre o impacto da globalização e às demandas que esse processo tem gerado na possibilidade de dar à cidadania um viés global ou cosmopolita. O conceito de cidadania ambiental pós-cosmopolita ou o conceito de cidadania ambiental global que pode ser encontrado em outros trabalhos (JELIN, 2000) podem ser vistos como sendo influenciados por esse debate16. A seguir, me concentrarei sobre um conjunto de argumentos que geralmente são feitos para se demandar um tipo de cidadania cosmopolita. Entre eles me concentrarei sobre: (a) globalidade dos problemas ambientais, (b) limites da ética do nacionalismo; (b) ética cosmopolita e justiça ambiental global; (c) mudanças institucionais da cidadania cosmopolita. Feito esse exame, retomarei às diferenças que marcam a visão da cidadania ambiental liberal com as questòes presentes nesses argumentos. (a) A globalidade dos problemas ambientais A globalização criou maiores condições para que as pessoas se relacionem entre si para além do espaço nacional. Ao se tornarem globais, essas relações se tornaram desterritorializadas, desvinculadas de um território tal como o Estado-Nação 15 Heater

(2002:123) sugere que nossas responsabilidades com as condições do planeta podem oferecer condições para inserirmos no imaginário político a idéia de uma cidadania cosmopolita. Steward (1991:74) também afirma que a "cidadania do planeta terra incorpora uma nova visão de sujeito político para além do contexto do estado-nação tradicional e instiga uma nova consciência de igualdade baseada em nossa dependência compartilhada da natureza. 16 Segundo Dobson (2003:76): "considerar as diferentes formas emergentes de cidadania transnacional tal com aquelas associadas à cidadania Européia pode ser um modo de construir uma concepção de cidadania "para além do Estado". Seu conceito de uma cidadania ambiental póscosmopolita vale-se, portanto, da literatura sobre cidadania cosmopolita.





16 (DOWER, 2003: 04). A própria globalização é definida em termos da capacidade de estendermos nossas relações para além dos limites do território nacional. Assim, Giddens definirá a globalização como a "intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa" (1991: 69). Esse processo não apenas altera a configuração das relações sociais numa escala global, mas altera a forma pela qual os recursos ambientais são utilizados. Com ela, o uso de "recursos e serviços já não estão mais sob controle local e não podem portanto ser localmente reordenados no sentido de irem ao encontro de contingências inesperadas" (GIDDENS, 1991: 128). Há três formas de globalização ecológica que devemos considerar no debate sobre cidadania cosmopolita: a) poluição transfronteiriça, (b) interdependência ambiental e, (c) degradação dos comuns globais. Problemas transfronteiriços elucidam como a poluição tende a ultrapassar as fronteiras nacionais, fazendo com que se torne impossível enfrentá-la por meio de uma jurisdição política e territorial nacional17. Ela se caracteriza pela capacidade dos riscos ambientais globais de ultrapassarem os limites geográficos e políticos que separam os Estados-Nações uns dos outros. A interpendência ambiental global sugere a separação do lugar de produção da poluição de seu impacto. Nesse processo, poluidores e vítimas da poluição encontram-se em lugares separados na geografia global. Esse tipo de interconexão pode se dar pelas condições biológicas e físicas que constituem o meio ambiente, mas deriva também de processos sociais. Assim, uma cadeia de efeitos causais físicos pode existir de modo a fazer com que os poluentes sejam transportados de um lugar para outro do globo. Problemas como estes aprofundam as relações sociais aproximando a vida de cidadãos de diferentes lugares do planeta18. Os bens comuns globais são "elementos do meio ambiente que são simultaneamente usados (...) e compartilhados por mais de um Estado e que não estão sob a jurisdição ou soberania de ninguém" (GOLDBLATT, 1997: 79). O uso de uma autoridade política nacional para resolver problemas deste tipo é, então, impossível. Ao mesmo tempo, há uma dimensão social que deve estar incluída na análise da escala 17

O'Neill (2009:29), define problemas ambientais globais como problemas que "cruzam as fronteiras nacionais ou afetam os comuns globais". Entre os comuns globais encontram-se a atmosfera, o oceano ou outros recuros não estejam sujeitos à regra da soberania que reje os Estados-Nações. 18 Também devemos considerar que problemas ambientais nacionais podem, ao longo do tempo, gerar consequências globais. Especialmente aqueles que podem gerar, como indica Goldblatt (1997: 79), processos migratórios que acabam por criar tensões nas fronteiras entre os países.





17 destes problemas. Como observa Goldblatt (1997): as "origens e consequências dos problemas ambientais regionais e globais interagem com instituições e processos econômicos, políticos e culturais". Isso ocorre quando problemas ambientais não são transportados por meios físicos do meio ambiente, mas quando resíduos tóxicos são exportados pelo comércio internacional (YEARLEY, 1996). Ocorre também quando sistemas industriais dos países ricos são exportados para os países pobres aumentando a capacidade total da economia global de gerar poluentes ambientais. Logo, como nota Yearley (1996: 28), os problemas ambientais globais estão "conectando a vida das pessoas em sociedades muito diferentes". E, enquanto os indivíduos podem tentar minimizar o impacto destes problemas em suas próprias vidas, seria impossível afastar-se deles inteiramente. Sendo assim: "Nenhum humano e virtualmente nenhum animal ou planta podem se colocar-se a parte destes problemas" (YEARLEY, 1996: 28). Então, problemas globais são globais porque, como aponta Dower (2003: 04), seus impactos são causados por atores que estão localizados em diferentes partes do globo e sua solução depende de uma ação coordenada dos mesmos. Problemas deste tipo não podem ser abordados apenas por cidadãos nacionais, mas sugerem, que algo deva ser feito por atores fora do país onde eventualmente o impactos existem. Contudo, esse tipo de percepção parece estar ausente na visão nacional-liberal da cidadania que vimos anteriormente. A visão tradicional do processo político democrático vinculado ao Estado-Nação, onde os preceitos do nacional-liberalismo podem ser incluídos, presume-se que os "cidadãos situados num território demarcado constituem uma comunidade política compartilhada de destino" (GOLDBLATT, 1997: 80). A participação cidadã se resumirá no desenvolvimento de uma cooperação local e nacional para enfrentar problemas locais e nacionais. As soluções emergem por meio da eleição de governos nacionais que deverão responder aos interesses do eleitorado. Para Goldblatt (1997) a globalização ecológica que vimos acima leva a uma implosão deste tipo de suposição porque: "Em primeiro lugar, a existência dos comuns globais e seu declíneo ecológico geram uma comunidade ambiental de destino que é muito maior que os Estados-Nações singulares. Este aspecto é demonstrado pela existência da poluição transfronteiriça e da interdependência ambiental. Então tanto o escopo legítimo da comunidade política democrática e a extensão das responsabilidades e obrigações recíprocas e os direitos não podem mais ser localizados apenas no nível do Estado-Nação. Em segundo lugar, se nos restringirmos às comunidades nacionais, o escopo geográfico de ecossistemas e da degradação ambiental facilmente escapa do alcance





18 soberano do Estado-nação. Nenhum Estado tem a capacidade autônoma para controlar a qualidade de sua atmosfera ou impedir que a poluição chegue com o vento. Terceiro, o direito legal soberano de governar num determinado território torna-se comprometido pela rede de compromissos, tratados e obrigações legais que os estados tem aderido. Quarto, a capacidade de uma política de perseguir uma política pública autônoma é constrangida por seu envolvimento necessário em regimes ambientais internacionais onde ele deve barganhar com outros Estados" [grifo nosso] (GOLDBLATT, 1997: 80).

Esse défice democrático tem sido visto como criando as condições para a defesa de uma cidadania cosmopolita. (b) Limites da ética do nacionalismo Attfield argumenta que a "natureza global de muitos problemas ambientais exige uma ética global cosmopolita" onde agentes humanos se reconheçam como cidadãos globais que pertencem a uma "comunidade global emergente" (2003: 159). Pensadores cosmopolitas direcionam um crítica à ética do Estado-Nação por ela oferecer uma orientação moral seletiva para as questões ambientais. Essa ética particularista nacional faz com que o cidadão desenvolva, segundo Attfield, uma valoração de "aspectos naturais de seu meio ambiente favorito", ao custo, de uma "exclusão da natureza para além dos limites nacionais e também dos sistemas naturais do planeta" (2005: 40). O cidadão imbuído do nacionalismo ético, projetará suas preocupações para problemas locais e nacionais na medida que estes possam ser percebidos como uma ameaça para seu território e fellow-citizens. Desse modo, o nacionalismo ético, segundo ele, "tende a priorizar alguns territórios, ambientes e ecossistemas sobre outros" (ATTFIELD, 2005:40). Simultaneamente, esse caráter seletivo pode fazer com que o cidadão trate com indiferença os elementos do meio ambiente que se mostrem estranhos ao território nacional. Ainda segundo Attfield (2005:41) existem "certas práticas nocivas contra as quais o nacionalismo e o comunitarismo levantam poucas objeções". Elas incluem situações onde países com maior poder político e econômico acabam por exportar seu lixo (ex: produtos tóxicos) para países mais pobres do terceiro mundo. Esses casos expressam, então, "uma forma de comunitarismo que se importa pouco com as pessoas do terceito mundo, seu ambiente e seus descendentes" (2005: 41). Se uma crítica de práticas ambientais deste tipo nos parece necessária, essa mesma crítica precisa incorporar, então, uma "base





19 cosmopolita de um tipo ou outro" (ATTFIELD, 2005: 41). Julgar situações como estas como injustas, ao que parece, exige que estejamos de posse de princípios e valores cosmopolitas que permitam conferir às pessoas e ambientes de países diferentes o mesmo valor de pessoas e ambientes que nos estão próximos no território nacional. A crítica endereçada à cidadania liberal nacional que vimos acima não encontra-se apenas no fato que sua orientação ética nacional para o meio ambiente, baseada no Estado-Nação, seja seletiva. Essa seletividade apresenta-se também problemática de um ponto de vista cosmopolita. Isso ocorre porque a preocupação para ambientes locais pode envolver também uma preocupação com o ambiente global. A orientação ética oferecida pelo nacionalismo deixa de oferecer, portanto, uma disposição ética robusta para a resolução de problemas ambientais globais quando ambientes "locais" e "globais" estão conectados19. Por isso, a solidariedade formada pela identidade nacional no âmbito do território nacional pode se mostrar num entrave para a resolução de problemas ambientais globais. A dificuldade aqui é que pessoas que vêem sua identificação com a nação em termos absolutos são prováveis de perpetuar as rivalidades e tensões que fazem com que esse tipo de problema persista. Os vínculos locais podem gerar um tipo de arrogância cultural e moral. Como afirmará Thompson: "as pessoas que estão satisfeitas com suas solidariedades locais são prováveis de se considerarem no direito de não sacrificarem esses interesses locais ou nacionais em nome de interesses globais." (2001:138). A ordem política mundial, fundada em fronteiras e identidades nacionais, estaria a promover nesse caso um tipo de paroquialismo moral, tornando os cidadãos indispostos a tomar responsabilidades para o que ocorre além de suas fronteiras. Instigaria também esse comportamento nos próprios governantes que, na política ambiental internacional, podem se indispor com valores globais que são percebidos como uma ameaça para o "interesse nacional"20. Os problemas vinculados 19

Para Attfield (1999) “Não há nada de incoerente e absurdo nos vínculos que podemos construir em relação à biosfera planetária (...) ou o planeta terra". Na verdade, esse vínculo que podemos criar com o planeta, torna-se ele mesmo necessário para a prática de uma cidadania cosmopolita em sua visão.



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Essa avaliação converge para o diagnóstico de Saiz (2005: 167) quando afirma que a falta de cooperação para a política ambiental internacional ocorre pelos Estados se mostrarem resistentes na construção de mecanismos de coordenação global para a governança global. A origem dessa resistência encontrar-se-ia no estatismo que conduz, em sua visão, a práticas diplomáticas realistas fundadas tão somente nos "interesses nacionais".





20 com a ética do nacionalismo exige que o ponto de vista cosmopolita seja, então, considerado com seriedade. De uma perspectiva cosmopolita problemas ambientais globais exigem então ações coletivas fundadas em redes de solidariedade global. Esses problemas apenas podem ser enfrentados se "muitos indivíduos e a maioria dos países concordarem em cooperar em resolver ou mitigá-los" (ATTFIELD, 2005:159). O que exige que esse cidadão desenvolva uma "sentido de participação no âmbito dessa mesma comunidade global" e a percepção de que estes problemas se constituem em desafios comuns (2005: 159). Eles tendem a exigir também "uma consciência mais ampla de cidadania global" (2005, 38). Assim, as crenças, princípios e valores de uma visão cosmopolita se fazem necessários nesse contexto onde se demanda uma crescente cooperação global para lidar com problemas ambientais globais. Os valores cosmopolitas deveriam se constituir, então: "na base para uma solidariedade transnacional que faria indivíduos que desejam (...) sacrificar os interesses pessoais, locais e nacionais em nome de pessoas do mundo como um todo. E eles devem dar surgimento, ou encorajar, o desenvolvimento e manutenção de instituições que oferecem meios políticos e econômios para resolver problemas globais, mas, ao mesmo tempo, não solapem as relações locais e particulares que são valorizadas pelas pessoas " (THOMPSON, 2001: 138). Se a origem e desenvolvimento dos problemas ambientais radicam nos processos sociais envolvendo a produção e consumo em escala global, então nossas responsabilidades se dirigem para estes processos que não estão mais contidos no território nacional. Como afirma Dower (2007: 178): "onde as linhas de causa e efeito [dos problemas ambientais] cruzam as fronteiras do Estados-Nações, assim deveria também ocorrer com nossas responsabilidades". A idéia de uma cidadania cosmopolita transforma-se

num

ponto

de

partida

promissor

para

vislumbrarmos

essa

responsabilidade global. Ser um cidadão global, para Thompson (2001: 136) "envolve a capacidade de compartilhar esta responsabilidade e instituir formas de governança que facilitam a cooperação".





21 (c) Ética cosmopolita e justiça ambiental global Se as demandas por justiça, como aponta Kymlicka (2002), levaram ao surgimento do interesse do conceito de cidadania na década de 90, a demanda por uma justiça ambiental (global) tem levado ao debate sobre o conceito de cidadania ambiental. Autores como Dobson (2003) veem na justiça ambiental a primeira e principal virtude do conceito. Contudo, é possível que a orientação ética do nacionalismo, presente na visão da cidadania liberal, choque-se com o ponto de vista cosmopolita.. O cosmopolitismo moral pode ser definido como a visão em que todos "os seres humanos são membros de uma comunidade moral singular e que possuem obrigações morais a todos outros seres humanos independente de suas nacionalidade, linguagem, religião, tradição" (Kleigeld apud TARRABORELLI,2015:01)

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.

Pressupõe que todos os seres humanos possuem valor igual e que esse mesmo valor estabelece ou dá surgimento a responsabilidades morais universais. O cosmopolitismo nos remete a esse horizonte ético uma vez que suas preocupações se direcionam para além de uma comunidade moral particular. Exclui a possibilidade de atribuir um valor último às entidades coletivas particulares como nações e exclui a possibilidade de conferir maior valor a certos tipos de pessoas em detrimentos de outras (Brock apud HARRIS, 2010:102). O cosmopolitismo não oferece, portanto, qualquer argumento para que possamos ter um favoritismo moral a um determinado grupo de pessoas ou comunidades em detrimento de outras. Problemas ambientais globais nos remetem a esse tipo de ética cosmopolita porque envolvem conflitos distributivos globais. Daí que conceopções de cidadania cosmopolita incorporem questões de uma justiça (ambiental) global. Para Vanderheiden (2008), problemas globais como a mudança climática sugerem uma justiça cosmopolita, pois "todos dependem de um clima estável para o seu bem-estar e ninguém pode sair de um esquema cooperativo" (VANDERHEIDEN, 2008: 104). No trabalho de Dobson (2003), sua concepção de cidadania ambiental pós-cosmopolita toma a idéia de justiça ambiental global como sendo a primeira virtude do conceito.

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Jones define o cosmopolitismo ético como a perspectiva que vê os indivíduos como unidades básicas de interesse moral sendo que seus interesses devem ser considerados a partir de um ponto de vista imparcial (JONES, 1999: 102). Os princípios do individualismo e da universalidade são vistos como sendo seus elementos integrantes (HARRIS, 2010: 101).





22 Ser um cidadãos ambiental significa, antes de mais nada, buscar promover a justiça ambiental em escala global22. Para Jamieson a idéia de que governos possuem deveres uns aos outros é problemática para a promoção da justiça ambiental global E, assim a “justiça ambiental internacional deveria ser suplementada por um quadro ecológico mais inclusivo de deveres e obrigações" (apud HARRIS, 2010: 111). Isso porque as relações existentes entre pessoas, instituições e organizações que se expressam nas desigualdades existentes nos problemas ambientais globais nem sempre podem ser mediadas pelos governos. E, nesse caso, concentrar a política distributiva ambiental em escala global nos governos, antes que nos cidadãos pode ser um erro. O modelo interestatal tende a ver o mundo como envolvendo uma ligação entre Estados e não entre pessoas (Jamieson apud HARRIS, 2010:111). Por outro lado, a justiça ambiental não envolve a responsabilidade entre Estados, mas entre indivíduos e instituições que estão relacionadas em escala global de diferentes modos. (d) Mudanças institucionais da cidadania cosmopolita Na parte anterior, tenho apresentado alguns argumentos relacionados às questões suscitadas pelos problemas ambientais globais e os desafios que eles impõe para o tipo de orientação ética associada ao Estado-Nação. Resta finalizar essa parte examinando possíveis mudanças instituicionais que uma cidadania cosmopolita pode eventualmente envolver. Falk (1994) examina duas direções pelas quais uma cidadania cosmopolita poderia ser vista como emergindo no mundo atual 23 . Na primeira 22

Na atual ordem política, essa visão não se aplica. Mesmo porque são os Estados, e não as pessoas ou cidadãos, que são os agentes das negociações distributivas globais. E, desse modo, questões distributivas traduzem-se como um conflito de interesses entre Estados. 23 Em seu trabalho Falk (1994)examina, na verdade, cinco possibilidades institucionais de uma cidadania cosmopolita. Os três modelos que não iremos considerar aqui oferecem pouco suporte para pensar essas mudanças. No primeiro deles, a cidadania cosmopolita é vista se baseando na idéia de um Estado mundial onde a relação que o cidadão mantém com o Estado no nível nacional passaria a se reproduzir numa escala global. Há poucos, se é que há algum, defensor da cidadania cosmopolita que busca articulá-la nestes termos. Numa segunda possibilidade, a cidadania cosmopolita emergeria da cultura propiciada pela economia globalizada. Ela encontraria sua expressão no estilo de vida do executivo global que viaja pelo mundo passando por hotéis e aeroportos de todo o mundo. O cidadão cosmopolita, para esse caso, se constituiria num cidadão "de nenhum lugar", sem capacidade de criar vínculos afetivos e culturais com determinados lugares e o próprio planeta. Uma terceira possibilidade se encontraria na emergência da cidadania Européia. Como fenômeno recente, ela oferece elementos para se pensar a cidadania para além do Estado-Nação. Contudo, como nota Falk (1994) mantém o traço regionalista que caracteria a cidadania nacional, uma vez que esse processo vincula-se a um território particular do globo.





23 possibilidade, Falk (1994) considera a estrutura institucional subjacente na visão oferecida pelo Relatório Brutland (ou Nosso Futuro Comum) como oferencendo o esboço das condições mínimas ou rudimentares que dariam suporte para uma cidadania cosmopolita por meio de uma estrutura de governança global24. No relatório proclama-se o destino compartilhado de todos cidadãos do planeta, clamando também para a necessidade de novas formas de cooperação de modo a promover uma ação concertada entre Estados e instituições globais. A idéia de cidadania cosmopolita subjacente nessa visão, aponta Falk (1994), "significa fazer com que a capacidade de suporte do planeta se ajuste com o que ocorre em partes diferentes do mundo", com o intuito de fazer com que a "sustentabilidade seja suficientemente equânime tornando-a aceitável para as elites políticas e implementada por diferentes regiões (...) que, juntas, constituem o mundo" (FALK, 1994: 136). O segundo tipo de cidadania cosmopolita apresentado por Falk (1994) encontra-se associado com o próprio ativismo global onde grupos ambientais, como o Greenpeace, se destacam. Esses grupos demonstram que as arenas reais da política não mais podem ser compreendidas, segundo ele, como um tipo de ação que cidadãos estabelecem apenas contra o seu próprio Estado. As ações desses grupos ajudam a promover uma consciência global que atravessa o espaço público de cada nação contribuindo na construção de uma agenda política global. Estas novas redes, estão construindo, uma percepção de si mesmos como uma comunidade global (FALK, 1997: 138). Elas envolvem também uma construção institucional rudimentar de arenas de ação e solidariedades que não mais se limitam na relação do indivíduo com o seu Estado (FALK, 1997: 138). Jordan (2011) aponta algo similar quando afirma que a sociedade civil global deveria ser entendida como uma força para mudança democrática "que está implicitamente criando reinvidicações para a cidadania global". Ela estaria promovendo este processo por meio de suas ações de protesto e de lobby onde assumem os direitos e responsabilidades de cidadãos, fazendo, assim, que instituições da governança global adotem mudanças responsáveis em suas decisões25. 24

Numa visão institucional da cidadania cosmopolita, encontra-se pressuposto que “a estrutura política mundial deva ser reformulada de modo que estados e outras unidades políticas sejam submetidas à autoridade de agências supranacionais de algum tipo” (DOWER, 2003:27). Taraborrelli (2015) define o cosmopolitismo institucional como pressupondo uma "ordem institucional cosmopolita sob a qual todas as pessoas possuem direitos e deveres equivalentes e são, dessa forma, cidadãos de uma republica universal". 25 Essas reinvidicações de cidadania global ocorrem de diferentes maneiras. As ações globais de ativistas alteram as atitudes e práticas de muitas instituições globais. Ao fazer isso, os atores da sociedade civil global fazem com que essas instituições tornem-se mais responsáveis em suas





24 Ao examinar estas e outras situações onde a sociedade civil tem exercido sua influência Jordan conclui que "todas estas reinvidicações de cidadania são congruentes com direitos e responsabildiades de cidadãos nas sociedades democráticas no nível nacional" (JORDAN, 2011: 97). As duas possibilidades de cidadania cosmopolita, como indica Attfiled (1999) não precisam ser vistas como perspectivas opostas. Instituições globais voltadas para a governança global do meio ambiente são sempre o foco das ações do ativismo ambiental globalizado. Ativistas globais geralmente buscam, observa Attfield, reformar os princípios e o desenho de políticas formuladas por instituições internacionais (ex: Nações Unidades, Banco Mundial ou Tribunal Internacional) (ATTFIELD, 1999). Parte do esforço do ativismo ambiental global tem se direcionado para instituições como essas com o fim de alcançar uma melhor governança global do meio ambiente. Nessa avisão da cidadania cosmopolita, as questões ambientais poderiam, assim, ser melhor enfrentadas por uma sociedade civil global que possui um papel importante na construção da agenda política global. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para cosmopolitas, a globalidade dos problemas ambientais amplia a comunidade de destino e esvazia o espaço político nacional criando um défice democrático no interior do Estado-Nação. Para essa visão, a idéia de uma "comunidade de destino nacional" perde o sentido quando pessoas de todo mundo se conectam com os males ambientais que produzem. Como afirma Goldblatt: "a existência dos comuns globais e seu declíneo ecológico geram uma comunidade ambiental de destino que é muito maior que os Estados-Nações individuais" (1997: 80). Além disso, "o escopo legítimo da comunidade política democrática e a extensão das responsabilidades e obrigações recíprocas e os direitos não podem mais ser localizados apenas no nível do Estado-Nação" (1997:80). Os laços de solidariedade formados no âmbito do território nacional podem se mostrar, do mesmo modo, mais num entrave do que numa solução para problemas desse tipo. Na visão cosmopolita, decisões. Em segundo lugar, essa pressão sobre as instituições da governança global tem feito, em muitos casos, com que estas mesmas instituições respondam mais diretamente por aqueles que são afetados por suas decisões. Políticas formais que buscam fomentar a transparência e consulta pública tem sido adotadas por diferentes organizações (FMI, OMC, etc) em razão dessa pressão exercida pela sociedade civil global. Sociedade civil global também tem exercido pressão para que as decisões de instituições globais sejam tomadas no domínio público.





25 haveria aqui um risco da própria cidadania ambiental liberal de ofuscar as soluções para os problemas ambientais globais com um tipo de paroquialismo moral nacional. As solidariedades locais fomentadas pela identidade nacional que Hiskes (2009) atrela ao conceito de cidadania ambiental liberal, pode, na visão de Thompson (2001), perpetuar rivalidades e tensões em escala global impedindo que soluções para problemas ambientais globais se desenvolvam. Há também o risco de uma orientação ética seletiva no interior da cidadania ambiental liberal. Se a identidade nacional é formada a partir do ambiente que cada comunidade nacional "considera seu", sendo que este ambiente encontra-se localizado "no inteior das fronteiras" desta mesma sociedade, qual seria a razão para que o cidadão voltasse suas preocupações para aspectos do meio ambiente que não lhe são próximos? Ou que não estejam integrados a sua identidade nacional? Como mostra Attfield, o vínculo cultural que o cidadão ambiental pode produzir com o seu território nacional, capturando-o como o seu "ambiente favorito", corre o risco de fazer com que o mesmo priorize "alguns territórios, ambientes e ecossistemas" em detrimento de outros. O que poderia induzí-lo, também, a exluir a "natureza para além dos limites nacionais". Do mesmo modo, os vínculos nacionais existentes numa cidadania ambiental liberal poderiam fomentar uma indiferença do cidadão para práticas ambientais nocivas que seu próprio país pode produzir para outros lugares. Tomando os países mais ricos como exemplo, Attfield chama atenção para o risco, como vimos, de um "comunitarismo que se importa pouco com as pessoas do terceiro mundo, seu ambiente e seus descendentes" (ATTFIELD, 2005: 41). A crítica que podemos fazer para tais práticas só poderia emergir de um ponto de vista cosmopolita. Afinal, por que cidadãos deveriam criticar práticas desse tipo se, além de se beneficiarem com ela, se veem destituídos de uma visão que os ifnorme de sua possível injustiça? Além disso, há possibilidade da cidadania ambiental liberal não oferecer qualquer resposta para questões envolvendo desigualdades ambientais globais. Se a mesma incorporar os traços de um nacional liberalismo para a justiça, há um grande risco que a abordagem do conceito tome a justiça ambiental como um fenômento estritamente nacional. Como indica Tan (2003), na perspectiva do nacional liberalismo, é no âmbito de uma "comunidade nacional dentro da qual os principios liberais de justiça se aplicam". Nessa visão, o "ideal liberal, onde o indivíduo possui o direito e um valor igual, apresenta-se como mais paroquial" do que geralmente se imagina. No imaginário nacional-liberal "estes princípios são aplicados aos indivíduos



26 enquanto co-cidadãos, e não a todos os indivíduos como tais" (TAN, 2004: 86). Contudo, como vimos, desigualdades ambientais globais demandam uma perspectiva ética cosmopolita fundada na imparcialidade. Não há na literatura qualquer sinal que o conceito de cidadania ambiental liberal fuja do viés parlticularista acima e o trabalho de Hiskes (2009) para o conceito confirmam essa tendência. Sua concepção de justiça ambiental baseada nos direitos humanos, pressupões que apenas "possuímos direitos humanos ambientais como membros de nossa comunidade nacional" (HISKES, 2009: 150). Por fim, a abordagem de uma cidadania ambiental liberal que delimita a prática da cidadania ambiental nos limites do Estado-Nação incorpora um tipo de nacionalismo metodológico que tende a negligenciar tendências institucionais que apontam para o surgimento da prática da cidadania para além dos limites do EstadoNação. Se as mudanças apontadas por Falk (1994) no âmbito da governança global sinalizam para a possibilidade de cidadãos influenciarem os processo decisórios que se desenvolvem nas arenas internacionais, uma CAL tenderia a permanecer indiferente a processos deste tipo uma vez que apenas reconhece as influências que os cidadãos ambientais podem exercer no processo político democrático no interior do EstadoNação. O conceito também deixa de oferecer qualquer subsídio caso se considere que essas mudanças tendem a ocorrer com a influência do ambientalismo global. Algumas análises do conceito de cidadania cosmopolita tendem a vê-la como um conceito substituto para o conceito de cidadania nacional. Contudo, muitos defensores de uma cidadania cosmopolita a vêem apenas como um conceito complementar e mediador. Para Held (2001) o cidadão cosmopolita poderá abraçar "o diálogo com as tradições e discursos de outros com o objetivo de expandir os horizontes de sua própria estrutura simbólica e cultural". Cidadãos globais se apresentarão, assim, como agentes políticos "que podem pensar do ponto de vista dos outros" equipando-se com os instrumentos necesários para enfrentar as novas questões globais. As críticas que visão cosmopolita direciona à cidadania ambienta liberal coloca questões importantes o suficiente para considerar a demanda por uma cidadania ambienta cosmopolita como utopia necessária e possível. Ela pode ser inscrita, talvez, no que Giddens (1991) chama de realismo utópico. Isso porque ela oferece os vislumbre de "vias para a mudança social desejada" embasadas em "possibilidades institucionalmente imanentes".





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