Cidadania e Reconhecimento Cultural: Pistas de uma Trajetória Institucional no Ministério da Cultura

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CIDADANIA E RECONHECIMENTO CULTURAL: PISTAS DE UMA TRAJETÓRIA INSTITUCIONAL NO MINC Mariana Luscher Albinati1 Rodrigo Fagundes Bouillet2

RESUMO: Passados treze anos do início do governo petista, o conjunto das ações do Ministério da Cultura (MinC) e sua própria reorganização institucional se apresentam como um rico material para análise dos tensionamentos entre o referencial teórico e ideológico inicial das políticas culturais e a sua criação efetiva na lida cotidiana tanto com a máquina pública como com a sociedade civil. Como o governo vem preparando o Estado para lidar com a reconfiguração do escopo da cidadania? O artigo apresenta a discussão teórica acerca da reconfiguração da idéia de cidadania, trazendo o debate das teorias do reconhecimento, e oferece um breve levantamento sobre a reestruturação do MinC, buscando entender como e se esse movimento interno reflete a reconfiguração atual do conceito de cidadania cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Cidadania cultural, reconhecimento, Ministério da Cultura

A centralidade assumida pela cultura no discurso e nas estratégias de organizações de todos os tipos e esferas, fato que mobiliza no meio acadêmico um volume crescente de pesquisadores, não deve ser vista sem ressalvas, como um dado positivo em si. Partir do pressuposto de que a cultura é sempre uma “coisa boa” e de que a sua aproximação às demais esferas da vida social acrescenta a estas, necessariamente, “coisas boas”, significa ignorar as disputas e negociações que se estabelecem em torno da definição e dos usos da cultura.

Se por um lado as organizações transnacionais e governos locais afirmam a diversidade cultural como valor humano e social, por outro, essa diversidade vem sendo mobilizada como recurso em diferentes estratégias econômicas e políticas: do turismo étnico, que recorre aos rituais de povos quilombolas situados em lugares remotos, até a revitalização 1 2

Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/ UFRJ - [email protected] Bacharel em Comunicação Social pela UFF, diretor da Associação Cultural Tela Brasilis - [email protected] 1

urbana, que se vale de equipamentos culturais espetaculares criados nos centros degradados das grandes cidades. Em um cenário onde a cultura é pensada como recurso, conforme YÚDICE (2006), a tarefa das políticas culturais voltadas para a diversidade corre o risco de ficar restrita à acomodação dos diferentes nas regras hegemônicas do campo da cultura. A afirmação da diferença, nesse sentido, não trata do empoderamento dos diferentes, mas de auxiliá-los na oferta do seu recurso cultural, ou seja, na integração da sua produção simbólica a interesses maiores (de mercado, de governabilidade, de pacificação, etc.). Mesmo nas lutas por reconhecimento, que desde a década de 60 vem afirmando a importância das diferenças culturais, a cultura pode ser entendida como recurso para a conquista de direitos.

Em 2002, o programa de cultura proposto pelo então candidato Lula à presidência, intitulado A imaginação a serviço do Brasil, apresentou as políticas públicas de cultura como espaço estratégico de ação para o Estado. Tal visão, destoante do cenário recente das políticas culturais brasileiras3, mostrava-se, porém, consonante com a agenda internacional. Organizações transnacionais como a Unesco apontavam então para a assunção da cultura como elemento relevante nos projetos de desenvolvimento e, notadamente, a prevalência do dado cultural na reconfiguração do escopo da cidadania. O programa da coligação liderada pelo Partido dos Trabalhadores propunha então a incorporação da idéia de cidadania cultural, que já vinha sendo trabalhada em algumas administrações municipais do partido, porém considerando a necessidade de reconhecimento das diferenças: Reconhecer esse espaço estratégico de ação do Estado é abrir o campo de oportunidades das políticas culturais ao desafio da inversão das prioridades e do enfrentamento à desigualdade social e à concentração de renda, partindo de uma renovação do conceito clássico de cidadania, que opera pela lógica do direito à igualdade, para assegurar a noção contemporânea do direito às diferenças no plano político de ação do Estado (...). O que está em jogo aqui – e a política cultural passa a ter papel central de denúncia e esclarecimento – é que pensar em redistribuição ou em equidade de oportunidades de renda significa, antes de tudo, reconhecer o outro como sujeito pleno, de direitos iguais. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p.15).

Passados treze anos do início do governo petista, o conjunto das ações do Ministério da Cultura (MinC) e sua própria reorganização institucional se apresentam como um rico 3

Enquanto nos períodos de ditadura o governo brasileiro tomou a cultura como elemento estratégico para a consecução de seus projetos nacionais autoritários (ver BARBALHO, 1998), com os governos democráticos a partir de 1985 “o Estado parecia persistir em sua ausência no campo cultural em tempos de democracia” (RUBIM, 2007, p.25). Mesmo as questões da cultura tendo ganhado institucionalidade neste período com a criação do Ministério e de diversos órgãos culturais, sua importância foi diminuindo com a ascensão do projeto neoliberal de Estado mínimo. Assim, com baixo orçamento e relevância política da pasta e de seus órgãos vinculados, as leis de incentivo se firmaram no período como sendo “a” política cultural brasileira. 2

material para análise dos tensionamentos entre o referencial teórico e ideológico inicial das políticas culturais e a sua criação efetiva na lida cotidiana tanto com a máquina pública como com a sociedade civil. Como o governo vem preparando o Estado para lidar com a reconfiguração do escopo da cidadania?

O presente artigo apresenta a discussão teórica acerca da reconfiguração da idéia de cidadania, trazendo o debate das teorias do reconhecimento, e oferece um breve levantamento, de caráter inicial e ainda pouco preciso, sobre a reestruturação do MinC a partir do início do governo petista, buscando entender como e se esse movimento interno reflete a reconfiguração atual do conceito de cidadania cultural. Ainda que discursos, entrevistas, textos dos diversos administradores públicos dos diversos níveis do Ministério, bem como as publicações institucionais, configurem profícuo material de pesquisa para a matéria, propomos, como estudo em caráter preliminar, o levantamento dos arranjos institucionais, a partir do início do governo petista, que absorvem a idéia de cidadania cultural e que sinalizam a compreensão de sua reconfiguração conceitual.

Cidadania e reconhecimento cultural No Brasil, a noção de cidadania cultural vem sendo incorporada às políticas culturais – na esfera prática e também na esfera crítica – a partir das décadas de 1980-90, quando os direitos culturais ganharam inscrição na reforma da Constituição Federal. Uma série de reflexões e debates tem tomado como referência a idéia de direitos culturais, sendo a produção mais destacada a da filósofa brasileira Marilena Chauí, que ganhou ampla difusão no país a partir da sua participação como Secretária de Cultura (1989 a 1992) em uma das primeiras administrações do Partido dos Trabalhadores4 em uma grande cidade, quando da eleição da prefeita Luiza Erundina em São Paulo. Nesta ocasião, a prefeitura implementou um programa de cultura intitulado Cidadania Cultural, introduzindo como idéia-força a participação social na política cultural. No livro que leva o mesmo nome do referido programa, Chauí (2006) relata os esforços de sua gestão no sentido de afirmar a cultura como “direito dos cidadãos, sem confundi-los com as figuras do consumidor e do contribuinte” (p.69) e elenca os direitos que alicerçam esta concepção:

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A primeira eleição em que o PT conquistou a prefeitura de uma capital foi a de 1985, na cidade de Fortaleza. Em 1988, junto com a prefeitura de São Paulo, o partido foi eleito também em Vitória e Porto Alegre. 3

- o direito de produzir cultura, seja pela apropriação dos meios culturais existentes, seja pela invenção de novos significados culturais; - o direito de participar das decisões quanto ao fazer cultural; - o direito de usufruir dos bens da cultura, criando locais e condições e acesso aos bens culturais para a população; - o direito de estar informado sobre os serviços culturais e sobre a possibilidade de deles participar ou usufruir; - o direito à formação cultural e artística pública e gratuita nas Escolas e Oficinas de Cultura do município; o direito à experimentação e à invenção do novo nas artes e nas humanidades; - o direito a espaços para reflexão, debate e crítica; - o direito à informação e à comunicação (CHAUÍ, 2006, p.70-71)

Em que pese o relato sobre algumas ações voltadas para grupos étnicos específicos dentro da gestão que defendia a cidadania cultural (projeto “São Paulo dos 1000 Povos”, “Centro de Documentação e Atividades Artístico-Culturais Afro-Brasileiras”, “Embaixada dos Povos da Floresta”), a teorização de Chauí não incorporava então questões do debate que agora vem sendo formulado a partir das teorias do reconhecimento, baseando-se fundamentalmente na divisão de classes da sociedade e criticando práticas de subordinação cultural estabelecidas pelas classes dominantes. Assim, nesta concepção, a cidadania cultural pressupõe que a cultura não se reduz a supérfluo, ao entretenimento, aos padrões do mercado, à oficialidade doutrinária (que é ideologia), mas se realiza como direito de todos os cidadãos, direito a partir do qual a divisão social das classes ou a luta de classes possa manifestar-se e ser trabalhada porque, no exercício do direto à cultura, os cidadãos, como sujeitos sociais e políticos, se diferenciam, entram em conflito, comunicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam outras e movem todo o processo cultural (CHAUÍ, 2006, p.138).

A autora não menciona, assim como faz boa parte da literatura brasileira que incorpora a idéia de cidadania cultural, as relações de dominação/subordinação que não se baseiam necessariamente no fator econômico, mas sim, sobretudo, em aspectos culturais e na forma como a cultura vem sendo apropriada contemporaneamente, como recurso tanto na economia quanto nas lutas sociais.

George Yúdice (2006) defende que a transição do Estado do bem-estar social para o Estado neoliberal, com a flexibilização do trabalho e a privatização da assistência social, é o contexto de criação de uma nova dimensão dos direitos de cidadania: uma cidadania cultural, fundada a partir da confluência da legislação dos direitos civis, do aumento na imigração (documentada e indocumentada), da permeabilidade da sociedade civil às fundações e instituições do terceiro setor dedicadas aos serviços sociais, dos 4

meios eletrônicos e do mercado pós-massa (isto é, uma virada para a comercialização de nicho) (YÚDICE, 2006, p.225).

A partir do advento do neoliberalismo e do início da chamada etapa flexível do capitalismo, a cultura assumiu um papel central na vida social, constituindo uma espécie de ethos cultural (Yúdice, 2006; Fraser, 2007) que determina a predominância dos aspectos culturais sobre quaisquer outros na interpretação das necessidades na sociedade contemporânea. Esse ethos cultural é a base da mudança das políticas de cidadania da redistribuição para o reconhecimento, ou seja, o foco nos direitos iguais e na minoração dos efeitos das lutas de classes muda para os direitos diferenciais (dos “outros” da sociedade, as diversas minorias marginalizadas que a constituem) como solução para lutas identitárias.

Considerando a necessidade de reconhecimento, mas também a de distribuição equitativa das benesses sociais, Nancy Fraser (2007) propõe um modelo integrador de cidadania, que coloca a questão em termos de status social do reconhecimento: o modelo de paridade participativa. Para Fraser, as injustiças sociais possuem duas dimensões, uma econômica e outra cultural, ou, em outras palavras, uma dimensão de classe e outra de status, que não devem ser reduzidas uma a outra. O modelo de reconhecimento por identidade é, segundo a autora, profundamente problemático, pois Ao impor a elaboração e a manifestação de uma identidade coletiva autêntica, auto-afirmativa e autogerada, impõe-se uma pressão moral aos membros individuais para se conformarem à cultura do grupo. O resultado é geralmente a imposição de uma identidade de grupo única, drasticamente simplificada, que nega a complexidade das vidas das pessoas, a multiplicidade de suas identificações e o contra-golpe de suas várias afiliações (FRASER, 2007, p.117)

A necessidade de estabelecer uma identidade grupal para ter reconhecidos seus direitos, também pode mascarar as lutas internas aos grupos, favorecendo o uso de autoridade no estabelecimento de suas representações. Por isso, o modelo proposto por Fraser se baseia no reconhecimento não de uma identidade específica, mas do status dos membros do grupo como “parceiros plenos na interação social”, buscando superar sua subordinação. Assim, independente das identificações culturais dos sujeitos, para fins de justiça e do seu acesso a uma distribuição equitativa, “somente aquelas reivindicações que promovem a paridade de participação são moralmente justificadas” (FRASER, 2007, p.128).

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José Rubio Carracedo (2000) também propõe um modelo integrador, denominado cidadania complexa, com foco na relação entre pertencimento e participação. O autor considera esses dois conceitos como complementares, “pero la pertenencia puede cortocircuitar la participación quando no es reconocida o satisfecha de modo suficiente” (2000, p.27). Desse modo se dá o desinteresse de participação na política estatal por aqueles indivíduos e grupos que percebem que sua participação é realizada em condições de inferioridade, devido ao insuficiente reconhecimento de seu grupo cultural de referência. A luta desses agentes passa a priorizar então seu reconhecimento civil pleno e diferenciado, sem o qual sua participação não será efetiva. Para que uma política de cidadania possa solucionar as tensões entre pertencimento e participação, o modelo de cidadania complexa envolve três exigências: a) iguales derechos fundamentales para todos los ciudadanos (...); b) derechos diferenciales de todos los grupos, mayoría e minorias, que componem la estructura organizativa del Estado (...); y c) condiciones mínimas de igualdad para la dialéctica o diálogo libre y abierto de los grupos socioculturales (CARRACEDO, 2000, p.28)

A assunção deste modelo implica, portanto, a articulação de uma política universalista de integração, de caráter distributivo e igualitário, uma política de reconhecimento baseada em diferenças etnoculturais e uma política multicultural que inclua “disposiciones transitorias de “discriminación inversa” (precisamente para igualar las condiciones de partida), de currículos multiculturales, de incentivación del intercambio etnocultural, etc., asi como la prevención estricta de toda desviación homogeneizadora o assimilacionista em la cultura hegemónica” (CARRACEDO, 2000, p.28)

As lutas por reconhecimento, como vimos, buscam a inserção de grupos marginalizados no prestigioso campo da cultura, de onde se imagina poderão vislumbrar um melhor atendimento às suas necessidades específicas e um melhor posicionamento no espaço social mais amplo para resolução de suas necessidades básicas, que deveriam ser contempladas por uma política distributiva universalista. Para além de sua função dignificante, o discurso identitário a que o reconhecimento está atrelado é útil nos enfrentamentos cotidianos dos grupos subordinados. No entanto, essa estratégia é problemática na medida em que representa o risco de se transformar identidades em tábua de salvação para as injustiças sociais e para tanto fazer delas coleções de traços essenciais, oprimindo seus pretensos membros e restringindo sua liberdade de significação da vida, de

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produção cultural em um sentido mais estrito ou mais amplo, de realizar intercâmbios culturais, de ter um consumo não segmentado ao seu grupo identitário, etc.

Nesse sentido é que Fraser defende a prevalência da necessidade de uma participação paritária sobre atendimentos diferenciais. Porém, é importante destacar que a simples coparticipação de grupos diversos em um debate não implica em que todos sejam ouvidos e tenham poder decisório. Carracedo lembra que a possibilidade de participação pode ser frustrada pela falta de pertencimento, ou seja, pelo descrédito dos grupos marginalizados ao perceberem na lida cotidiana com os grupos de maior poder as estruturas também subjetivas que limitam a sua participação.

Sem dúvida, a participação direta, paritária, dos diversos grupos na esfera pública seria a forma ideal de elaboração de políticas públicas, mas para que a paridade não seja apenas formal seria necessária uma costura complexa entre políticas de redução da desigualdade e distribuição igualitária, de participação política generalizada e paritária, além de políticas de valorização das diferenças e dos diferentes, capazes de impedir que aspectos culturais que fazem parte da desigualdade estrutural de sociedades como a brasileira, por exemplo, como o não domínio da norma culta da língua, impeçam a participação efetiva de um expressivo contingente populacional.

A reconfiguração da cidadania e, notadamente, sua colagem ao cultural, demanda das políticas culturais um esforço de reformulação. Uma política de cidadania cultural consonante com essas transformações precisa encarar os diferentes não apenas como tema de celebração. É preciso dar condições para que participem da vida cultural em condições paritárias aos demais agentes do campo da cultura, nas esferas do consumo, da produção e da concepção das políticas.

No Brasil, o alinhamento da agenda pública com a agenda internacional, onde os direitos vem se afirmando cada vez mais a partir do reconhecimento das diferenças culturais, pode ser notado no percurso das políticas voltadas para os grupos culturalmente subordinados, como as populações negra, indígena e LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, e transgêneros).

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Os movimentos sociais têm colecionado importantes vitórias nos últimos anos, fazendo com que o Estado assuma o compromisso de equiparar direitos, combater a violência e a discriminação5 em relação aos grupos culturalmente subordinados. O esforço de institucionalização materializa-se na recente constituição de órgãos executores e mediadores, bem como suas políticas norteadoras, individualizados para a resolução das questões da diversidade sexual e de gênero6, racial7 e étnica8.

No âmbito das políticas culturais, o Ministério da Cultura, em sua reorganização institucional ao longo das gestões petistas, vem sinalizando a incorporação do reconhecimento das diferenças culturais ao entendimento do que deve ser uma política de cidadania cultural pautada pela diversidade.

A institucionalização da diversidade e da cidadania no MinC

A Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC) do MinC, criada em 2012, resultou da fusão de missões de duas outras: a Secretaria de Cidadania Cultural (SCC), de quem herdou o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania - Cultura Viva (depois Programa Nacional de Promoção da Cidadania e da Diversidade Cultural - Cultura 5

A atual Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) é responsável pela articulação interministerial e intersetorial das políticas de promoção e proteção aos Direitos Humanos no Brasil. Criada em 1977 dentro do Ministério da Justiça, recebeu status de ministério em 2003. O primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) é de 1996. 6 Em 2009, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) criou a Coordenação de Promoção dos Direitos de LGBT e divulgou o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNPCDH-LGBT). Em 2010, reestruturou o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT), antigo Conselho Nacional de Combate à Discriminação, criado em 2001 no âmbito do Ministério da Justiça. Em 2013, criou o Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais e o Comitê Nacional de Políticas Públicas LGBT. No âmbito das Mulheres, em 2003 foi instituída a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR). Em 2008, aprovou-se o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) e instituiu-se o Comitê de Articulação e Monitoramento. Em 2010, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) foi reestruturado e passou a integrar a estrutura da SPM/PR, deixando o Ministério da Justiça, onde havia sido criado em 1985. 7 Em 2003, criaram-se a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR/PR) – transformada em Ministério em 2008 – e o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR). Em 2005, o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PLANAPIR) e em 2009 o seu Comitê de Articulação e Monitoramento. Em 2009, a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR). Em 2010, o Estatuto da Igualdade Racial e o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR). 8 Em 2006, criou-se a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), do Ministério da Justiça, até a aprovação do PL 3571/2008, que instituiu o Conselho Nacional de Política Indigenista. Em 2012, a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). Carece ainda a existência de um Sistema Nacional de Política Indigenista bem como a aprovação do Projeto de Lei nº 2057/91, conhecido como “Novo Estatuto dos Povos Indígenas”. 8

Viva) e a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural (SID), de quem recebeu o legado do Programa Identidade e Diversidade Cultural: Brasil Plural. Nesta fusão, a SCDC passou a centralizar, no âmbito do MinC, as questões relativas à cidadania e à diversidade culturais, por isso enfocaremos aqui a reconstrução da trajetória dentro da máquina pública que pavimentou a sua criação. Até a posse do governo do PT, era o decreto nº 3.049, de 06/05/19999, que estabelecia a estrutura organizacional do MinC, dividindo-o em quatro secretarias finalísticas (Livro e Leitura; Patrimônio, Museus e Artes Plásticas; Música e Artes Cênicas; Audiovisual) que, em suas competências, não continham de forma explícita os vocábulos cidadania ou diversidade.

Os primeiros decretos do novo governo sobre a estrutura organizacional do Ministério (nº 4.805, de 12/08/200310, e nº 4.889, de 20/11/200311) introduzem um novo ideário através da adoção de “secretarias-conceito”: Secretaria de Formulação e Avaliação de Políticas Culturais; Secretaria de Desenvolvimento de Programas e Projetos Culturais; Secretaria de Apoio à Preservação da Identidade Cultural; Secretaria de Articulação Institucional e de Difusão Cultural; sendo a única exceção a Secretaria para o Desenvolvimento das Artes Audiovisuais, no lugar da Secretaria do Audiovisual.

Na Secretaria de Desenvolvimento de Programas e Projetos Culturais foi criado o programa Arte, Educação e Cidadania: Cultura Viva, em geral nomeado apenas como Programa Cultura Viva, sendo por isso de interesse acompanhar as sucessivas alterações de suas competências. Segundo o decreto de 2003, a esta instância competia: I - elaborar, executar e avaliar programas e projetos estratégicos necessários à efetiva implementação da política cultural; II - formular e implementar os instrumentos necessários para a execução dos programas e projetos aprovados, estabelecendo modelo de gestão, de financiamento e de acompanhamento da referida execução, em articulação com a Diretoria de Gestão Estratégica; III - gerar informações que possibilitem subsidiar o monitoramento e acompanhamento dos programas e projetos culturais; e IV - realizar estudos e pesquisas aplicadas à elaboração, execução e avaliação de programas e projetos culturais (BRASIL, 2003).

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Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3049.htm Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4805.htm 11 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4889.htm 10

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Já à Secretaria de Apoio à Preservação da Identidade Cultural, primeiro lócus das questões da diversidade cultural, competia: I - acompanhar, em conjunto com a Secretaria de Articulação Institucional e de Difusão Cultural, a implementação dos Fóruns de Política Cultural, responsáveis pela articulação entre o Ministério e a comunidade cultural; II - subsidiar a Secretaria de Formulação e Avaliação de Políticas Culturais no processo de formulação das políticas públicas da área cultural, relacionadas com a promoção, a diversidade cultural, o intercâmbio cultural e a proteção dos direitos autorais, nos níveis nacional e internacional; e III - apoiar e incentivar as atividades de suporte à diversidade cultural e promoção da cidadania, a cargo do Ministério (BRASIL, 2003 – grifo nosso).

O Decreto nº 5.036, de 07/04/200412 renomeou todas as secretarias e redistribuiu suas competências, além de criar mais uma secretaria. A Secretaria de Desenvolvimento de Programas e Projetos Culturais, transformada em Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC), perdeu seu inciso II original, ao que nos parece, incorporado à recente Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura. Por outro lado, ganhou um novo escopo de atuação ao reconfigurar o primeiro item de sua competência: de “I - elaborar, executar e avaliar programas e projetos estratégicos necessários à efetiva implementação da política cultural” (BRASIL, 2003 – grifo nosso) passa a “I - elaborar, executar e avaliar programas e projetos estratégicos necessários à efetiva renovação da política cultural” (BRASIL, 2004 – grifo nosso).

A Secretaria de Apoio à Preservação da Identidade Cultural, de forma mais condizente aos novos tempos bem como aos novos termos, passa a ser Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural (SID) e conquista papel protagonista e indutor ao deixar para trás a idéia de “III - apoiar e incentivar as atividades de suporte à diversidade cultural e promoção da cidadania” (BRASIL, 2003 – grifo nosso) e, neste novo momento, adotar a missão de “I promover e apoiar as atividades de incentivo à diversidade e ao intercâmbio cultural como meios de promoção da cidadania” (BRASIL, 2004 – grifo nosso). Para a SPPC, tais aprimoramentos estão à propósito do Programa Cultura Viva13 e da consequente publicação do primeiro edital de Pontos de Cultura14. Para a SID, as alterações

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Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5036.htm Portaria nº 156 GM/MinC, de 06/07/2004: http://semanaculturaviva.cultura.gov.br/linhadotempo/pdf/legislacao/PRT0156_GM_06JUL2004.pdf 13

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são decorrentes da criação do Programa Identidade e Diversidade Cultural: Brasil Plural15, que a partir de 2005 lançou editais para Culturas Populares (mestres, grupos formais e informais) e LGBT (paradas gays), o Programa de Fomento e Valorização das Expressões Culturais e de Identidade dos Povos Indígenas, entre outras ações.

Para fins da implementação dessas ações, a SID e a SPPC ganham também funções administrativas, como a de seleção e supervisão de projetos, conforme o Decreto nº 5.711, de 24/02/200616. Já em 2009, com o Decreto nº 6.835, de 30/04/200917, a SPPC passa a ter o nome de Secretaria de Cidadania Cultural, incorporando, além de maiores responsabilidades administrativas, novos cargos como a Diretoria de Acesso à Cultura, a Coordenação-Geral de Fomento à Identidade e Diversidade Étnica e a Coordenação-Geral de Promoção da Diversidade, Difusão e Intercâmbio Cultural. O Decreto nº 7.743, de 31/05/201218, trata da fusão da SCC com a SID para a criação da SCDC. Em seu Relatório de Gestão do Exercício de 201319 a nova Secretaria informa que até 2010 a SID fora responsável pelo Programa Identidade e Diversidade Cultural: Brasil Plural, transferido a partir de 2011, na nova gestão do MinC, para a SCC. A antiga SID, já esvaziada de suas competências, deu lugar à Secretaria de Economia Criativa ao assumir o Programa de Desenvolvimento da Economia da Cultura (PRODEC), instituído pelo MinC em 2006, e “embrião do que agora é o objetivo relacionado à economia criativa brasileira”

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Edital n° 01 GM/MinC, de 16/07/2004: http://semanaculturaviva.cultura.gov.br/linhadotempo/pdf/editais/EDITAL001_GM_16JUL2004.pdf 15 Primeiro programa para a Diversidade Cultural do Brasil, o Brasil Plural tem por objetivo garantir que os grupos e redes de produtores culturais responsáveis pelas manifestações características da diversidade cultural do país tenham acesso aos mecanismos de apoio, promoção e intercâmbio cultural, considerando características identitárias tais como gênero, orientação sexual, grupos etários, étnicos e da cultura popular. Ou seja, traz para o âmbito do MinC artistas, grupos e comunidades populares; povos e comunidades tradicionais: indígenas, ciganos, pescadores artesanais, quilombolas, povos de terreiros; imigrantes; trabalhadores rurais; grupos etários: crianças, jovens e idosos; movimentos sociais: LGBT, pessoas com deficiência física, luta antimanicomial; assim como lida com áreas transversais ao segmento cultural: cultura e saúde, cultura e trabalho, cultura e meio ambiente, dentre outros. 16 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5711.htm 17 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6835.htm 18 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7743.htm 19 https://contas.tcu.gov.br/econtrole/ObterDocumentoSisdoc?codArqCatalogado=5980883&seAbrirDocNoBrowser=1 11

(BRASIL, 2012). De forma complementar, o Relatório de Gestão do Exercício de 2011 da SCC20 afirma que o fato de ter absorvido o Programa Brasil Plural teve como pressupostos 1) Sinergia e otimização dos recursos para consecução dos programas Cultura Viva e Brasil Plural, ambos vinculados à agenda prioritária de Governo; 2) Efetividade das iniciativas para os diversos segmentos com a diminuição das sobreposições e a integração da formulação, implantação acompanhamento e avaliação; 3) Integração de conhecimentos e experiências, favorecendo a implementação das políticas, com melhor aproveitamento dos recursos técnicos e financeiros; 4) Clareza dos conceitos e das ações implementadas favorecendo a comunicação, a participação, o controle social e a articulação com as redes sociais; e, 5) Maior racionalização de fluxos operacionais com estabelecimento de padrões de seleção, análise e avaliação das iniciativas em consonância com a legislação e os órgãos de controle, de forma a qualificar a gestão e a execução dos programas (BRASIL, 2011). A nova secretaria implica na alteração do Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania - Cultura Viva para Programa Nacional de Promoção da Cidadania e da Diversidade Cultural - Cultura Viva, absorvendo o legado do Programa Identidade e Diversidade Cultural: Brasil Plural. A herança do Brasil Plural para o Cultura Viva pode ser percebida nos novos objetivos incorporados ao programa, como o de “reconhecer e proteger a diversidade das expressões culturais, a convivência e o diálogo entre diferentes, o intercâmbio cultural nacional e internacional, o respeito aos direitos individuais e coletivos”. Além destes, são acrescentados objetivos relacionados ao exercício da cidadania cultural, tanto no sentido da participação política, como o estímulo à “participação e o protagonismo social na elaboração e na gestão compartilhada e participativa das políticas públicas da cultura”, como no sentido da garantia de direitos, com o objetivo de “ampliar o acesso da população brasileira às condições de exercício dos direitos culturais” (BRASIL, 2013). A “sinergia” que fez com que fossem unificados os dois Programas, Cultura Viva e Brasil Plural, principais ações das antigas Secretarias da Identidade e Diversidade Cultural e da Cidadania Cultural, sinaliza, a nosso ver, o entendimento da necessidade de incorporação do reconhecimento das diferenças culturais – e não apenas das desigualdades regionais, econômica, entre outras – como critério para a definição do apoio do Estado às iniciativas culturais da sociedade civil. 20

http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1209060/Relatorio+de+Gestao_2011_SCC.pdf/4ea494ab-2f384674-b9bc-ffe3c5688ee9 12

A primeira edição do Programa determinava assim a sua destinação: “à populações de baixa renda; estudantes da rede básica de ensino; comunidades indígenas, rurais e quilombolas; agentes culturais, artistas, professores e militantes que desenvolvem ações no combate à exclusão social e cultural” (BRASIL, 2004). Na nova resolução, o Cultura Viva “tem como beneficiária universal a população do Brasil” priorizando trabalhar tanto com “povos, grupos, comunidades e populações: I - em situação de vulnerabilidade social e com restrito acesso aos meios de produção, registro, fruição e difusão cultural; II - ameaçados pela desvalorização de sua identidade cultural; ou III - que requeiram maior reconhecimento de seus direitos humanos, sociais e culturais” (BRASIL, 2013) quanto com um rol de 16 povos, grupos, comunidades e populações descritos no documento, tais como povos indígenas, pessoas com deficiência, população sem teto e pessoas em situação de sofrimento psíquico.

Ainda que de forma breve, recobrar a trajetória de reorganização institucional para rastrear as questões relativas à cidadania e à diversidade culturais no âmbito do MinC, possibilita-nos vislumbrar a construção de uma narrativa. Para além do mero encadeamento de fatos (as sucessivas alterações aos textos), essa trajetória apresenta uma narrativa criada no jogo de forças e interesses que desencadeou, em cada período, as alterações aos textos. O que nos faz acreditar nesta pista são as sucessivas alterações de ordem política aos textos, com a paulatina incorporação do reconhecimento das diferenças culturais, sua valorização, promoção e incentivo. A confirmação desta hipótese, no entanto, demanda estudos mais aprofundados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBALHO, Alexandre. Relações entre Estado e cultura no Brasil. Ijuí: Ed. Unijuí, 1998. BRASIL, Decreto nº 4.889, de 20/11/2003. Dá nova redação aos Anexos I e II do Decreto no 4.805, de 12 de agosto de 2003. Disponível em: . BRASIL, Decreto nº 5.036, de 07/04/2004. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Cultura, e dá outras providências. Disponível em: .

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BRASIL. Ministério da Cultura. Portaria nº 156 GM/MinC, de 06/07/2004. Disponível em: . BRASIL. Ministério da Cultura. Relatório de Gestão do Exercício de 2011 da Secretaria de Cidadania Cultural. Brasília, DF: SID, 2011. Disponível em: . BRASIL. Ministério da Cultura. Relatório de Gestão do Exercício de 2012 da Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural. Brasília, DF: SID, 2012. Disponível em: . BRASIL. Ministério da Cultura. Portaria nº 118 GM/MinC, de 30/12/2013. Disponível em: . CARRACEDO, osé Rubio. Ciudadanía compleja democracia. In: CARRACEDO, . R. ROSA ES, . . NDE , . . Ciudadanía, nacionalismo y derechos humanos. Madrid: Editorial Trotta, 2000. CHAUÍ, Marilena. Cidadania Cultural. O direito à cultura. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética? In: SOUZA, Jessé; MATTOS, Patrícia (Orgs). Teoria Crítica no Século XXI. São Paulo: Annablume, 2007. PARTIDO DOS TRABALHADORES. A imaginação a serviço do Brasil. Programa de Políticas Públicas de Cultura. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. Disponível em

RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas culturais no Brasil: tristes tradições, enormes desafios. In: BARBALHO, Alexandre; RUBIM, Antonio Albino Canelas (orgs.). Políticas Culturais no Brasil. Salvador: EDUFBA, v. 2, 2007. YÚDICE, George. A Conveniência da Cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

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