Cidadania, Globalização e Novos Movimentos Sociais

September 12, 2017 | Autor: Mafalda Lourenço | Categoria: Sociology
Share Embed


Descrição do Produto

  CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO E NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS Mafalda Lourenço

Este ensaio tem como objectivo fazer uma reflexão sobre a questão da cidadania na pósmodernidade marcada pelo processo de globalização ou globalizações como afirma Boaventura, tendo em conta as suas diferentes dimensões. Uma “nova” realidade transformada pela crescente heterogeneidade que remete para uma diferente forma: cidadania global. Cidadania esta desligada do Estado-Nação e associada aos Direitos Humanos, visível nos Novos Movimentos Sociais. Cidadania moderna A cidadania não nasceu na modernidade, já nas democracias da Antiga Grécia se delineavam as primeiras teorias sobre esta temática, apesar de estarem longe de uma dimensão universal. Os direitos da cidadania grega apenas envolviam os direitos que actualmente chamamos de direitos políticos. Embora tenha sido na Antiguidade Clássica que, pela primeira vez, surgiu a problemática da cidadania, foi no período moderno que encontrou maior expressão. A cidadania e os direitos que a ela estão associados não foram algo adquirido por natureza, são sim resultado da luta de diferentes grupos da sociedade. Assim, tem de ser pensada como um processo iminentemente histórico, como um conceito e realidade aos quais a história atribuiu importância. Marshall, sociólogo britânico, contribuiu para uma melhor compreensão da dimensão histórica e processual do conceito e prática da cidadania na modernidade ao definir três níveis de direitos de cidadania e traçar uma ordem cronológica para o surgimentos destes no mundo moderno. O autor descreve um processo inicial de obtenção dos direitos civis passando pelos direitos políticos e chegando finalmente aos direitos sociais. O século XVIII foi tempo de aquisição de liberdades individuais onde se afirmam os direitos civis que implicam uma limitação do poder Estado. Direitos individuais contra ao

Estado, uma protecção contra a intervenção abusiva do Estado. Essencialmente se adquire o direito à vida, liberdade de pensamento, propriedade, igualdade perante a lei, livre culto religioso. Num segundo momento, século XIX, a par do surgimento das democracias em que o exercício da soberania passa a radicar na vontade do povo, emergem os direito políticos. Todo o indivíduo igual perante a lei, tem o direito de eleger e ser eleito para governar, de votar e ser votado, como forma de assegurar a participação de todos na tomada das decisões que envolvem o conjunto da sociedade. Finalmente, e associados a todos os anteriores, há um terceiro nível dos direitos da cidadania: os direitos sociais. Estes direitos são consequência de todos as reivindicações (reivindicações da classe trabalhadora, a luta de classes, etc.) do século XIX que apenas foram assimiladas e direitos adquiridos no século XX. Eles garantem ao cidadão uma participação mínima na riqueza da colectividade através da protecção contra as forças de exclusão do Estado, a protecção em caso de doença e desemprego, o direito è educação pública, entre outros. Assim, pode-se afirmar que a cidadania moderna associada às democracias constitui-se por três determinações modernas civil, política e social estando organicamente ligada à ideia de direitos. Ao Estado compete garantir que cada cidadão individual duma nação em específico seja tratado de igual forma perante a lei. A cidadania como um contrato entre o Estado-Nação e os indivíduos membros da depende do triângulo: Indivíduo, do Estado e da Nação. Se a cidadania é um privilégio Estatal quem a pode garantir num mundo aberto? Cidadania moderna em crise Como compreender o conceito de cidadania moderna num contexto de globalização e consequente crise de Estado-Nação? A globalização é um fenómeno dinâmico de natureza multidimensional. Pode ser visto como um culminar dos processos de transnacionalização – conexões políticas e sociais fora da lógica dos Estados nacionais – e internacionalização – ampliação da actividade económica além das fronteiras nacionais. Distingue-se por ser um processo de intensificação dos

relacionamentos transfronteiriços, interdependência, globalidade, conectividade, de interconexão e encolhimento do mundo, quer a nível económico, cultural, político e social. O Estado-Nação como estrutura política baseada numa unidade territorial, cultural, linguística e religiosa, depara-se com a sua perda de importância. Simultaneamente, assistese a uma erosão supra-estatal , em que os fluxos económicos ultrapassam o próprio Estado que se traduz numa impossibilidade de controlar a economia livre e a uma erosão infraestatal visível na descentralização e reivindicação de mais autonomia. Uma desoberaniação do Estado no sistema internacional. Este factores abalam estrutura política e do equilíbrio entre Estado e Nação e criam a necessidade da sua redefinição. A ideia de Estado deixa de estar associada à soberania total e à territorialidade exclusiva sendo que as fronteiras são cada vez mais permeáveis, inoperantes e ridículas. Segundo Bauman (2004), assiste-se a um deficit de poder dos Estados-Nação no processo de globalização. Seguindo o seu pensamento, as fronteiras não fazem qualquer sentido numa sociedade “pós-espacial”, mas adquirem cada vez mais importância são um verdadeiro paradoxo lógico. Num mundo globalizado, as fronteiras são cada vez menos efectivas, perdendo o seu sentido e importância prática. Porém, o medo e a insegurança que se sente no espaço global, devido ao incontrolável processo de globalização, fazem com que exista uma obsessão pela sua reconstrução. Nestas circunstâncias o poder do Estado esvanece-se. Bauman refere que utilizamos ferramentas locais para manejar situações e resolver problemas globais. Assim, decisões tomadas no âmbito do Estado-Nação, localmente, serão desfasadas da lógica do transnacional. As actividades transnacionais não têm um lugar físico, dão-se fora da lógica territorial de localidades e nações, transgridem e transcendem o sistema de Estado-Nação. Deparamonos com uma mudança de referência espacial que se sobrepõe ao Estado-Nação, com uma base transnacional, multicultural e global. Este facto obriga a repensar o nacionalismo que caracteriza a modernidade e a naturalidade das fronteiras dos Estados-Nação delimitarem os processos sociais. Para analisar estes fenómenos transnacionais urge sair da lógica fronteiriça. Paradigmas actuais são abalados com este transnacionalismo e interconectividade que o caracteriza atravessa as fronteiras

políticas dos Estados, pelo que se associa à recomposição dos espaços socio-económicos e políticos, propondo uma reformulação de concepções como o nacional. Actualmente, é consensual a existência de novas realidades sociais com um denominador comum que decorrem do fenómeno da globalização. Relações sociais, políticas e económicas que se afastam do âmbito nacional, internacional e multinacional. Realidades transnacionais que terão consequências importantes nas ordem social contemporânea. A cidadania moderna vincula-se intimamente à ideia de direitos individuais e de pertença a uma comunidade particular, colocando-se, portanto, no centro de debate contemporâneo, pois no contexto actual assiste-se a uma dessacralização da relação entre cidadania e nacionalidade. A noção de cidadania moderna deixa de fazer sentido e abrem-se novas possibilidades e lealdades no contexto de globalização. Cidadania Global e Novos Movimentos Sociais Neste contexto de globalização e transformação social a participação política e cívica dos indivíduos não está dependente e está fora do domínio nacional dos sistemas participativos. Surgem novas formas de exercer pressão e participar na política internacional e global tendo como base os Direitos Humanos. Segundo Boaventura (1997:12) “os direito humanos podem ser colocados ao serviço de uma política progressista e emancipatória”. Embora não se possa recusar todas as conquistas da cidadania moderna dever-se-á pensar novas formas de cidadania e formas de exerce-la, não rejeitando a política, mas sim ampliando-a. A politização do social, cultural e inclusivamente pessoal abre um imenso campo para o exercício da cidadania revelando as limitações da cidadania liberal (Boaventura, 1991). Actualmente, exige-se que se reinvente o conceito de cidadania e se passe a considera-lo como global. “Global citizenship is this: all human beings are global citizens in virtue of rights and duties wich we all hace as human beings” Dower, 2002 A cidadania global surge como um vínculo entre o indivíduo e a sociedade, todavia vivido numa multiplicidade de escalas de relações: os cidadãos são sujeitos de várias identidades combinadas e vividas de uma forma singular e relacionam-se entre diferentes territórios que não se restringe somente a uma comunidade onde vive no seu quotidiano. Estas características apontadas demonstram que a cidadania moderna não cobre estas exigências.

Com a globalização exige-se a participação no mundo com a consciência das interdependências entre local e global, entre individual e colectivo, para que possamos ter uma aproximação mais clara às realidades complexas das quais inevitavelmente fazemos parte. A perspectiva tradicional de cidadania, ancorada no Estado-Nação, afirma que a cidadania perde sentido se desvinculada da territorialidade e soberania nacional. Contudo, a Cidadania global associa-se à ideia de um direito cosmopolita e vai mais além dos pressupostos anteriores. É um complemento ao direito civil e internacional, transformada num direito público da humanidade. A cidadania global está directamente relacionada aos Novos Movimentos Sociais. Representados por inúmeros agentes, exercem-se em diversos níveis de espaços articulados, reconstituindo gradualmente os espaços comunitários, abrindo novas portas para os indivíduos e, consequentemente, facilitando aos indivíduos tomarem parte principal no seu processo de desenvolvimento. Os Novos Movimentos Sociais são formas de exercício de pressão transnacional, apesar de, muitas vezes, serem localizados têm um enorme poder universalizante. Estes movimentos consistem em projectos que pretendem uma sociabilidade diferenciada transformando as condições sociais da sociedade actual e criando condições para o desenvolvimento das potencialidades da subjectividade humana. Por tal, podem representar a afirmação da subjectividade sobre a cidadania, pois a emancipação pela que luta não é tanto politica, mas social e pessoal. São movimentos que, na sua maioria (alguns dos movimentos acabam por tomar forma em partidos políticos), não tencionam a institucionalização e se distingue por a descentralização estrutural, não hierarquizadas e fluidas. Estes caracterizam-se pela crítica da regulação social capitalista, assim como, por uma crítica da emancipação social socialista tal como foi definida pelo marxismo ao identificar novas forma de opressão que ultrapassam as relações de produção. E, inclusivamente, distinguem-se por defender um novo paradigma social menos baseado na riqueza e no bem-estar material e mais na cultura e qualidade de vida denunciando os excessos de regulamentação da modernidade (Boaventura, 1991). As novas formas de opressão identificadas, opondo-se aos Movimentos Sociais Clássicos, não alcançam apenas uma classe social, pelo contrário, são transclassistas e por vezes comuns a toda a sociedade. A luta emancipatória, em quase todos os casos, e mais uma vez opondo-se aos velhos movimentos sociais, não é feita em nome de uma melhor sociedade a

construir, mas sim tendo como objectivo alterar o quotidiano das vítimas de opressão no imediato. Estes movimentos desenvolvem uma forma alternativa às formas historicamente institucionalizadas de fazer pressão. Pretendem a construção de espaços de autonomia e reafirmação da independência de formas privadas e jamais aspiram conquistar nem mesmo desafiar o poder. Estes abrem a possibilidade da participação de todos os grupos da sociedade reivindicando que novos aspectos da vida social integrem o processo político com formas reconfiguradas de acção. Caracterizados pelo processo contínuo de emancipação conquista a conquista. Conclusão Nesta pequena fez-se reflexão sobre o conceito de cidadania e formas de a exercer num mundo globalizado. Como se pode verificar a cidadania, tal como era concebida na modernidade, deixou de fazer sentido num contexto em que o Estado-Nação perde poder por não responder às necessidades do mundo global. Este facto remete para a urgência em repensar o conceito de cidadania associado à nacionalidade e filiação a uma comunidade territorial. Os Direitos Humanos como direitos comuns a todos os indivíduos são utilizados com instrumento de reivindicação da cidadania global. Uma cidadania cosmopolita que se baseia num pressuposto nos direitos comuns a todos os seres humanos e que extrapola a ideia de direitos associados a uma vinculação nacional. O exercício activo da cidadania global é visível nos movimentos sociais internacionais e deterritorializados,: denunciam opressões e problemas comuns a toda a humanidade, e desenvolvem-se num contexto de transnacionalização. Estes Novos Movimentos Sociais, movimentos de pressão transnacional, possuem formas alternativas de acção e organização. Pretendem reconfigurar a vida social e incitar a novas formas de sociabilidade no contexto global. Exercem, assim, um papel preponderante na consciencialização da sociedade global. Bibliografia BAUMAN, Zygmunt (2004) “New Frontiers and Universal Values” (texto de conferência), Barcelona:

Centro

de

Cultura

Contemporánea,

5

pp.

Disponível

http://www.cccb.org/rcs_gene/frontiers.pdf [Acedido em Dezembro de 2007]

em:

DOWER, Nigel. (2002) “Global Citizenship; A Critical Introduction” . Nova

Yorque:

Routledge MARSHALL, T.H. (1967) “Cidadania, Classe Social e Status.” Rio de Janeiro: Zahar Editores SANTOS, Boaventura de Sousa (1997) "Por uma concepção multicultural de direitos humanos”, in Revista Crítica das Ciências Sociais., vol. 48, 11-32 Coimbra: Centro de Estudos Sociais SANTOS, Boaventura de Sousa (1991) “Subjectividade, Cidadania e Emancipação” in Revista Critica das Ciências Sociais, vol.32, pp. 135-191 Coimbra: Centro de Estudos Sociais

 

   

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.