Cidadãos e Pessoas Constitucionais, Direito à Nacionalidade e Problemas Centrais de Imigração: construindo diálogos no contexto dos direitos humanos [Artigo completo]

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Luciano Meneguetti

1a EDIÇÃO BIRIGUI - SP 2015

© 2015 Luciano Meneguetti Pereira ©Direitos de Publicação Editora Boreal R. Aurora, 897 - Birigüi - SP - 16200-263 (18) 3644-6578 www.editoraboreal.com.br [email protected] Direção e Edição Carlos Roberto Garcia Cottas Capa Carlos Roberto Garcia Cottas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Pereira, Luciano Meneguetti O Brasil e o direito internacional : conflitos e convergências / Luciano Meneguetti Pereira. -1. ed. -- Birigüi, SP : Boreal Editora, 2015. ISBN 978-85-8438-008-4 1. Direitos humanos 2. Direito internacional I. Título. 14-11820

CDU-341:347.121.1 Índices para Catálogo Sistemático:

1. Direito internacional e direitos humanos 341:347.121.1 2. Direitos humanos e direito internacional 341:347.121.1 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS: Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (artigo 184 e parágrafos do Código Penal) com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (artigos 101 a 110 da Lei 9.610/98, Lei dos Direitos Autorais). As opiniões contidas nos capítulos desta obra são de responsabilidade exclusiva dos seus autores, não representando, necessáriamente, a opinião dos organizadores e da editora desta obra.

Orgulhosamente elaborado e impresso no Brasil 2015

conSeLHo eDitoRiaL Da eDitoRa BoReaL

Andréia de Abreu Doutoranda e Mestre em engenharia de Produção pela ufScaR Antonio Celso Baeta Minhoto Doutor em Direito pela ite-Bauru Daniel Marques de Camargo Mestre em Direito pela uenP Dayene Pereira Siqueira Mestre em educação pelo centro universitário Moura Lacerda Dirceu Pereira Siqueira Pós-doutor em Direito pela universidade de coimbra Doutor e Mestre em Direito pela ite-Bauru Jaime Domingues Brito Doutor em Direito pela ite-Bauru Leonides da Silva Justiniano Doutor em educação pela uneSP Doutorando em ciências Sociais pela uneSP Luciano Lobo Gatti Doutor em ciências pela unifeSP Marisa Rossignoli Doutora em educação pela uniMeP Murilo Angeli Dias dos Santos Mestre em filosofia pela uSjt Sérgio Tibiriçá Amaral Doutor em Direito pela ite-Bauru

aPReSentaÇÃo

Não é mais possível ignorar a importância e a influência das fontes jurídicas externas na aplicação do Direito. Sempre atento, Luciano Meneguetti Pereira capta essa atualidade e a transforma num desafio estimulante a si e aos estudiosos que o cercam, cujo produto constitui este material valioso a estudantes, professores, pesquisadores, profissionais da prática jurídica e interessados em geral. O caminho aberto pela comunicação extremamente facilitada oferece a conhecimento e aproveitamento tanto o Direito estrangeiro, com as experiências jurídicas de outros países, quanto o Direito Internacional, com os ordenamentos jurídicos supranacionais de caráter global ou regional. Não é a mesma coisa, que pudesse ser abarcada indistintamente pela expressão “Direito Internacional” ou outra equivalente. Também não se trata de “Direito Comparado”, como é comum dizer-se, haja vista que não existe propriamente um ordenamento jurídico (um conjunto de normas positivas de regulação de condutas) respectivo; o “Direito Comparado” é um método ou técnica que se utiliza da comparação entre materiais jurídicos de procedência diversa. Embora haja óbvias correspondências e o exame das fontes externas (de Direito Internacional e de Direito estrangeiro) possa ocorrer como exercício de Direito Comparado. Esse fenômeno de intercomunicação é cediço no campo teórico, onde sempre houve influências externas que se projetam na produção normativa, inclusive na interpretação que acontece quando da aplicação “concreta” do Direito. Mas o diálogo das fontes jurídicas externas com as internas provavelmente nunca foi tão impactante, evidente e diretamente referido à prática quanto na atualidade, a ponto de os profissionais do Direito sentirem a necessidade de fundamentar seus pontos de vista com referência ao Direito estrangeiro e ao Direito Internacional. Põe-se, assim, uma exigência que apresenta dimensões racionais, retóricas e mesmo estéticas. Não há mais lugar para um modelo de prática jurídica que desconheça ou menospreze o Direito estrangeiro e o

Direito Internacional e já não basta a alusão meramente retórica (de reforço argumentativo): transitamos para um modelo de utilização efetiva das fontes e da experiência jurídica externas, que denomino de “modelo de aplicação”. A tendência é especialmente marcante no Direito Constitucional (sendo a dimensão metanacional uma das características do neoconstitucionalismo, tema tratado por Luciano Meneguetti Pereira em sua dissertação de mestrado1) e sobretudo na área dos direitos fundamentais, que passa a compor um universo mais abrangente, em que o Direito interno soma-se ao Direito de fora (Direito Internacional dos Direitos Humanos). Formam-se verdadeiras redes normativas, que se articulam sob uma perspectiva de coordenação, muito mais que de subordinação (embora esta não deva ser excluída). Na doutrina, verificam-se abordagens diversificadas sob um pano de fundo semelhante: o Professor Canotilho fala em “interconstitucionalidade”2; o Professor Marcelo Neves fala em “transconsitucionalismo”3, o Professor André Tavares fala em “cross-constitucionalismo”4, o Professor Alexandre Pagliarini fala em “constitucionalismo supranacional”5, o Professor Manuel Aragon Reyes fala em “constitucionalismo transnacional”6, o Professor Cass Sunstein fala em “cosmopolitismo constitucional”7; eu falo em “constitucionalismo internacional”8. A presente coletânea capta uma pluralidade de especificações que manifestam o influxo simultâneo do Direito brasileiro com o Direito Internacional e o Direito estrangeiro, ao tempo em que revelam a riqueza do material coligido: a incorporação das normas internacionais, a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a proteção internacional do meio ambiente e do consumidor, nacionalidade e imigração, justiça de transição e a anistia brasileira, comunidades tradicionais e 1.

O neoconstitucionalismo e a concretização dos direitos fundamentais dos idosos. Bauru: Instituição Toledo de Ensino, 2011. 2. CANOTILHO, J. J. Gomes. “Brancosos” e interconstitucionalidade. Itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. Coimbra: Almedina, 2006, p. 266-267. 3. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. 4. TAVARES, André Ramos. Modelos de uso da jurisprudência constitucional estrangeira pela justiça constitucional. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo Horizonte, ano 3, n. 12, p. 17-55, out./dez. 2009. 5. PAGLIARINI, Alexandre Coutinho. Tratado de Lisboa: a significação de um novo Direito Constitucional? Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo Horizonte, ano 3, n. 11, jul./set. 2009, p. 126. 6. ARAGON REYES, Manuel. La constitución como paradigma. In: CARBONELL, Miguel (Coord.). Teoría del neoconstitucionalismo. Ensayos escogidos. Madrid: Trotta, 2007, p. 38-39. 7. Sunstein, Cass R. A constitution of many minds. Why the founding document doesn’t mean what it meant before. Princeton: Princeton University Press, 2009, p. 188-189. 8. ROTHENBURG, Walter Claudius. Controle de constitucionalidade e controle de convencionalidade: o caso brasileiro da lei de anistia. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; DIMOULIS, Dimitri (Coord.). Direito constitucional e internacional dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 337.

minorias em geral, cooperação internacional em relação ao direito de família e à infância, urbanização. Não haveremos de ocultar os problemas postos pela presença e afirmação de órbitas jurídicas diferentes, eventualmente divergentes. A habilidade dos juristas será, no entanto, forjada justamente no enfrentamento das questões e na solução – oxalá frequentemente – concertada por intermédio de um diálogo construtivo das fontes. Essa dialética não passou despercebida à coletânea, que se intitula muito propriamente “conflitos e convergências”. Muito honrado, apresento assim o trabalho coletivo capitaneado por meu já distante orientando Luciano Meneguetti Pereira, contudo hoje (no plano acadêmico) mais próximo enquanto colega professor e (no plano afetivo) ainda mais próximo amigo.

S. Paulo, novembro de 2014. Walter Claudius Rothenburg Mestre e Doutor pela UFPR Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade de Paris II Professor da Instituição Toledo de Ensino (ITE) Procurador Regional da República

PRefÁcio

No momento em que escrevo estas breves palavras, o mundo relembra os vinte e cinco anos da queda do Muro de Berlim, ocorrida em 9 de novembro de 1989. Aquele muro dividia não apenas a atual capital da Alemanha, mas também demarcava duas visões de mundo distintas e simbolizava a existência de um significativo obstáculo ao maior desenvolvimento das relações internacionais e, consequentemente, do Direito Internacional. Com efeito, boa parte dos esforços das relações internacionais à época estava voltada à administração da chamada “Guerra Fria”, com o intuito de evitar que as divergências entre as duas grandes potências da época resultassem num conflito armado de consequências imprevisíveis. Nessa lógica confrontacionista e de permanente tensão e frágil equilíbrio, era limitado o desenvolvimento do Direito Internacional, visto que as negociações em temas importantes, como a proteção dos direitos humanos, eram tremendamente dificultadas. Nesse contexto, era também postergado o tratamento de outros temas de grande relevância para a humanidade, como o comércio internacional e a proteção do meio ambiente. A queda do Muro de Berlim e o fim da “Guerra Fria” uniram-se ao vigoroso desenvolvimento das modernas ferramentas da tecnologia da informação e das comunicações e à relativa aproximação entre os modelos econômicos adotados na maioria dos países do mundo como alguns dos mais importantes marcos do início da atual etapa histórica, em que as relações internacionais adquiriram uma dinâmica com poucos precedentes na história da humanidade. Com efeito, tornaram-se mais intensos os fluxos internacionais de bens, de serviços, de recursos financeiros e de pessoas. Na prática, as relações internacionais passaram a contar com a maior participação de outros atores sociais, como as empresas, as organizações não governamentais (ONGs) e a própria sociedade

civil, que passaram a dividir com o Estado e as organizações internacionais o papel de agentes aptos a influir nos rumos da vida mundial. Livres das amarras da tensão “Leste-Oeste”, os povos impulsionaram as negociações internacionais em matérias importantes, como o comércio internacional, levando à criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), e o meio ambiente, que se firma definitivamente como tema da agenda global após a ECO 92. Nesse novo contexto histórico, entretanto, não há apenas possibilidades, mas também surgiram ou aumentaram os desafios da humanidade, que precisa ainda enfrentar problemas graves. O combate ao terrorismo tem destaque nesse novo momento, mas outras questões, antigas ou novas, também preocupam os povos, como a manutenção da paz, a proscrição das armas de destruição em massa, a proteção dos direitos humanos, a promoção da democracia, o desenvolvimento, as migrações, o combate ao crime organizado e às epidemias, dentre tantos outros temas. A maior intensidade das relações internacionais e o estreitamento de laços entre pessoas e entidades localizadas em países diferentes deixam também claro que o atual quadro da vida mundial é marcado pela crescente interdependência entre os povos. Nesse contexto, fatos mais ou menos corriqueiros ocorridos em um país podem estar relacionados com acontecimentos que tenham lugar em pontos geográficos bem distantes. Com isso, exige-se uma nova percepção dos atores sociais, que passam a precisar entender que os problemas que enfrentam podem ter conexões com fatos ocorridos em outros países. Além disso, impõe-se aos povos a necessidade de envolvimento em ações de cooperação internacional. É nesse contexto de dinamismo da sociedade internacional que adquire importância o Direito Internacional, ramo do Direito destinado a regular as relações que efetivamente perpassem as fronteiras nacionais e que, portanto, efetivamente interessem a mais de um país, de um povo etc. Cabe ao Direito Internacional oferecer ao menos algumas respostas para o rol crescente de temas que se revestem de interesse internacional, como o comércio internacional e assuntos correlatos, a integração regional, a promoção dos direitos humanos, a tutela de padrões trabalhistas mínimos, a proteção do meio ambiente, a manutenção da paz e da segurança internacionais e o combate a inúmeros problemas internacionais de interesse comum, como o terrorismo e o crime organizado transnacional, dentre tantos outros temas, sem prejuízo da necessidade de atender a novas demandas da sociedade internacional, como a proteção contra os desastres naturais e contra as epidemias.

Cabe enfatizar que o Brasil participa dessa dinâmica das relações internacionais de maneira cada vez mais ativa. No campo econômico, por exemplo, o Brasil encontra-se relativamente aberto ao comércio internacional e é destino do investimento externo direto, ao mesmo tempo em que investe cada vez mais no exterior. O Brasil participa também de esquemas que tendem a criar novas referências nas relações econômicas internacionais, como os BRICs. Noutras áreas, o Brasil empreende esforços no sentido de colaborar mais ativamente para a solução dos problemas globais. O Brasil também trabalha para atender às exigências dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos e de outros esquemas voltados a tratar de temas de interesse global, como o meio ambiente. O país encontra-se envolvido em esquemas de cooperação internacional voltados a tratar dos inúmeros temas que a exigem, como o combate ao crime organizado transnacional. O Brasil recebe ainda número cada vez mais significativo de estrangeiros e mantém significativa comunidade de nacionais no exterior. Em suma, o desenvolvimento da sociedade brasileira na atualidade envolve – em crescente medida - temas que requerem conhecimento em Direito Internacional por parte dos operadores do Direito, dos setores público e privado e da cidadania como um todo. Essa necessidade de uma maior preocupação com o Direito Internacional vem-se refletindo, por exemplo, nos concursos públicos, que passam a exigir maior conhecimento na matéria, em vista das inúmeras demandas que requerem o recurso ao Direito das Gentes. Ao mesmo tempo, a maior importância do Direito Internacional no universo jurídico vem-se refletindo na crescente variedade de livros acerca do assunto. Decerto que ainda não há tantos livros e periódicos voltados ao Direito Internacional em comparação com outras áreas do Direito. Entretanto, as novidades da literatura jurídica em Direito das Gentes já permitem afirmar que restou praticamente superada a fase de relativa estagnação que havia na área. Em todo caso, a relativa insuficiência de livros na matéria, que ainda se mantém, e a complexidade do assunto levam a que uma nova obra acerca do Direito Internacional deva ser sempre acolhida com interesse pelos estudiosos na matéria. Neste livro, os autores optaram por tratar de um tema que julgo de grande relevância no Direito Internacional, que é o de sua relação com o Direito interno, que se reveste de caráter fundamental para entender a aplicação do tratado dentro do Brasil e pelo Estado brasileiro em suas relações internacionais.

O tema é polêmico e complexo, e o respectivo marco jurídico vem enfrentando mudanças significativas nos últimos anos. Entretanto, devem os operadores do Direito ter bom conhecimento acerca do assunto e de suas tendências, sob pena de colocar em risco a aplicabilidade dos tratados no Brasil. A propósito, é necessário enfatizar que garantir a aplicabilidade dos tratados no Brasil é também assegurar o cumprimento dos compromissos internacionais do Estado brasileiro, o que contribui para tornar o Brasil um ator confiável nas relações internacionais, percebido como um país que respeita o Direito Internacional e que assim, portanto, promove a segurança jurídica e o respeito a princípios e valores caros às nações do mundo, como a solução pacífica dos conflitos e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Este livro também acerta ao incluir textos acerca de assuntos importantes dentro do Direito Internacional, como a proteção dos direitos humanos, que é uma das grandes prioridades das relações internacionais, bem como de outros temas de grande saliência nas relações entre os povos, como a proteção do meio ambiente, o comércio internacional e as migrações. Interessante destacar que a obra também dialoga com outros ramos do Direito, como o Direito do Consumidor e o Direito de Família, evidenciando como o Direito Internacional é matéria de ampla abrangência dentro do fenômeno jurídico. Este livro é, portanto, referência importante para o entendimento de questões relevantes para o Brasil de hoje, cuja sociedade aprofunda seu processo de internacionalização, o que exige a intensificação dos debates em Direito Internacional no país como um todo e no universo acadêmico em particular. Fortaleza, 13 de novembro de 2014

Paulo Henrique Gonçalves Portela Mestre em Direito Pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduado em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco (IRBr) e em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Diplomata de Carreira (1996-2006). Professor de Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado e Proteção Internacional dos Direitos Humanos em cursos de Graduação e Pós-graduação.

autoReS

Ana Cláudia dos Santos Rocha Mestre em Direitos Difusos. Especialista em Direito e Gestão Empresarial e em Gestão Pública de Cidades. Docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Carina Barbosa Gouvêa Doutoranda em Direito pela UNESA; Mestre em Direito pela UNESA; Pesquisadora Acadêmica do Grupo “Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional”; Professora da Pós Graduação em Direito Militar; Professora de Direito Constitucional, Direito Eleitoral e Internacional Penal; Pós Graduada em Direito do Estado e em Direito Militar, com MBA Executivo Empresarial em Gestão Pública e Responsabilidade Fiscal; Advogada. Carlos Alberto dos Rios Junior Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE) de Bauru/SP. Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE) de Bauru/SP. Bacharel em Ciência da Computação pela Faculdade de Ciências da UNESP de Bauru/SP. Procurador da República. Carlos Henrique Locatelli dos Santos Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP) - Natal/RN (2007). Especialista em Energia, Educação e Gestão Ambiental pelo Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium (UNISALESIANO) – Araçatuba/SP (2006). Graduação em Direito pelo Centro Universitário Toledo – Araçatuba/SP (2005). Professor Universitário. Advogado. Caroline Leite de Camargo Mestra em Teoria do Direito e do Estado pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha de Marília – UNIVEM. Docente nas FITL – AEMS. Diretora e docente do Instituto Três Lagoas de Educação Profissional. Emerson Clairton dos Santos Mestrando em Teoria do Direito e do Estado no “Centro Universitário Eurípedes de Marília – UNIVEM”. Especialista em Direito Empresarial pelo “Centro Universitário Toledo de Araçatuba – UNITOLEDO”. Advogado e Professor pela Faculdade de Direito - UNIESP de Birigui/SP.

Etiene Maria Bosco Breviglieri Pós-Doutoranda pela Università degli Studi di Messina (Itália), Doutora em Direito Civil Comparado pela PUC/SP, Mestre em Direito Internacional pela UNESP/Franca e Mestre em Letras pela UNESP/ SJRP. Hygor Grecco de Almeida Especialista em Direito Processual e Constitucional. Assessor Jurídico da Prefeitura Municipal de Andradina-SP. Presidente do Conselho Gestor do Programa de Desenvolvimento Econômico Sustentável de Andradina – PRODESAN. Advogado. Jorge Kuranaka Mestre em Direito pelo Centro de Pós-Graduação da Instituição Toledo de Bauru (ITE), professor universitário, Procurador do Estado. Juliana Heloise dos Santos Tavares Acadêmica do 9º Termo de Direito no Centro Universitário Católico Salesiano Auxillum – UNISALESIANO. Luciano Meneguetti Pereira Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Toledo de Ensino (ITE); Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP); Graduado em Direito pelo Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO). Professor Universitário em Cursos de Pós Graduação e Graduação; Professor de Direito Constitucional, Direito Internacional e Direitos Humanos; Advogado. Magaly Bruno Lopes Mestre em Direito pelo Centro de Pós-Graduação da Instituição Toledo de Bauru (ITE), professora universitária, advogada. Mauricio de Carvalho Salviano Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor na Graduação e na PósGraduação em Direito do Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO). Gestor do Damásio Educacional em Araçatuba/SP. Advogado. Michel Ernesto Flumian Mestre em Direito (Tutela Jurisdicional no Estado Democrático de Direito) pelo Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO). Especialista em Direito Empresarial e Bacharel em Direito pela UFMS. Membro da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo e do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Professor nos cursos de Direito da UFMS e da AEMS em Três Lagoas/MS. Advogado. Ricardo Guilherme S. Corrêa Silva Doutorando em Direito Público pela Universidade de Coimbra. Mestre em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense. Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor de Direito Internacional Público e Privado na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e no Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN). Advogado..

Sara Asseis de Brito Mestra em Direito Difusos pela Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES; Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera – UNIDERP; Especialista em Direito Processual pelas Faculdades Integradas de Três Lagoas – AEMS; Educadora Física pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ; Docente nas FITL – AEMS; Advogada. Sérgio Henrique dos Santos Matheus Mestre em Direito pelo Centro Universitário Toledo de Araçatuba/SP, Delegado da Polícia Federal e Professor Universitário no Centro Universitário Unisalesiano de Araçatuba/SP e na UNIESP - Campus de Birigui/SP.

SuMÁRio

caPÍtuLo i

incoRPoRaÇÃo DoS tRataDoS e a cReScente VaLoRizaÇÃo DoS coMPRoMiSSoS inteRnacionaiS

1

Jorge Kuranaka Magaly Bruno Lopes caPÍtuLo ii

a SoBeRania e a incoRPoRaÇÃo DoS tRataDoS e conVenÇõeS ao aceRVo LegiSLatiVo DoS PaÍSeS

18

Sérgio Henrique dos Santos Matheus caPÍtuLo iii

o BRaSiL e o SiSteMa De ReSoLuÇõeS De contRoVÉRSiaS Da oMc

37

Etiene Maria Bosco Breviglieri caPÍtuLo iV

oit: PRoMoÇÃo Da juStiÇa SociaL e afiRMaÇÃo DoS DiReitoS HuManoS funDaMentaiS

53

Emerson Clairton dos Santos Juliana Heloise dos Santos Tavares caPÍtuLo V

o engajaMento inteRnacionaL Do BRaSiL na PRoteÇÃo Do Meio aMBiente

77

Carlos Henrique Locatelli dos Santos caPÍtuLo Vi

DiReitoS HuManoS e DiReito Do conSuMiDoR (?) eM cRÍtica

Caroline Leite de Camargo Sara Asseis de Brito

92

CAPÍTULO VII

CIDADÃOS E PESSOAS CONSTITUCIONAIS, DIREITO À NACIONALIDADE E PROBLEMAS CENTRAIS DE IMIGRAÇÃO: CONSTRUINDO DIÁLOGOS NO CONTEXTO DOS DIREITOS HUMANOS

109

Carina Barbosa Gouvêa Luciano Meneguetti Pereira CAPÍTULO VIII

O DIREITO DE NÃO ESQUECER: A ditadura militar brasileira, o “acordo” da anistia e a falaciosa justiça de transição

143

Ricardo Guilherme S. Corrêa Silva CAPÍTULO IX

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E A DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS: UM ESTUDO DE CASO DA COMUNIDADE TRADICIONAL DE PORTO ESPERANÇA

173

Carlos Alberto dos Rios Junior CAPÍTULO X

PRINCÍPIOS DE DIREITO DE FAMÍLIA PARA ALÉM FRONTEIRAS: Cooperação Interamericana em matéria de Direito de Família e Infância

188

Michel Ernesto Flumian CAPÍTULO XI

DIREITOS DAS MINORIAS: O DIÁLOGO ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNO NO BRASIL

209

Luciano Meneguetti Pereira Mauricio de Carvalho Salviano CAPÍTULO XII

O PARCELAMENTO DO SOLO NA MODALIDADE FECHADA E O DIREITO FUNDAMENTAL A CIDADE SUSTENTÁVEL

Ana Cláudia dos Santos Rocha Hygor Grecco de Almeida

244

CAPÍTULO VII

CIDADÃOS E PESSOAS CONSTITUCIONAIS, DIREITO À NACIONALIDADE E PROBLEMAS CENTRAIS DE IMIGRAÇÃO: CONSTRUINDO DIÁLOGOS NO CONTEXTO DOS DIREITOS HUMANOS

Carina Barbosa Gouvêa Doutoranda em Direito pela UNESA; Mestre em Direito pela UNESA; Pesquisadora Acadêmica do Grupo “Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional”; Professora da Pós Graduação em Direito Militar; Professora de Direito Constitucional, Direito Eleitoral e Internacional Penal; Pós Graduada em Direito do Estado e em Direito Militar, com MBA Executivo Empresarial em Gestão Pública e Responsabilidade Fiscal; Advogada.

Luciano Meneguetti Pereira Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Toledo de Ensino (ITE); Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP); Graduado em Direito pelo Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO); Professor Universitário em Cursos de Pós Graduação e Graduação; Professor de Direito Constitucional, Direito Internacional e Direitos Humanos; Advogado.

“Quando me dizem ‘Não’ no país onde eu moro; quando me dizem ‘Não’ no país onde eu nasci; quando me dizem ‘Não’ no país dos meus pais; escutar continuamente ‘A senhora não é dos nossos!’; sinto que sou ninguém e nem sequer sei porque estou a viver. Como apátrida, estás sempre rodeada por um sentimento de desprezo” (Lara, ex-apátrida)1

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

As velhas questões que envolvem políticas de migração, imigração, nacionalidade, pessoas e cidadãos continuam a desafiar o constitucionalismo, 1.

ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES uNIDAS PARA REFuGIADOS. Nacionalidade e Apatridia: Manual para Parlamentares. ACNuR, 2005, p. 6.

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O BRASIL E O DIREITO INTERNACIONAL

a democracia e os direitos humanos. Nos dias atuais, o movimento de entrada ou saída de indivíduos de um país para o outro ou dentro de um mesmo país – de um estado para o outro, de uma cidade para a outra, etc. – (migração) é imenso, como nunca se viu!2 Também nunca se presenciou tamanho fluxo de estrangeiros vindos de todos os lados do globo (por motivos dos mais diversos, v.g., catástrofes, guerras, procura de um futuro melhor) rumo às terras brasileiras (imigração), visando aqui se estabelecerem e “ganharem a vida”3. Compreender e lidar com esse fenômeno, com a pluralidade étnica (e ética) que faz parte de uma nação (e ínsita às nações), a partir do histórico da diversidade sociocultural em nível mundial, constitui um desafio que as nações de pessoas constitucionais (inclusive a nação brasileira) precisam alcançar e superar. A sociedade brasileira, como de resto ocorre com a maior parte das sociedades do mundo atual, depara-se com um século (o presente século XXI) onde a diversidade se faz presente e é complexa, o que traz para a realidade a necessidade de remodelação diante do que seja aquele difuso conceito histórico de “nação brasileira”4. O quadro que se instala faz intensificarem-se os debates acerca dos desafios abertos pelos novos processos de mundialização do capital (globalização da economia), principalmente, sobre o trânsito de pessoas entre as 2.

3.

4.

A Organização Internacional para as Migrações (OIM) preparou um mapa com dados sobre as migrações em muitos países do mundo. Para visualizar basta aproximar o mouse da área desejada que a informação é mostrada; ao clicar no respectivo mapa, na área desejada, aparecerá uma animação sobre o movimento de migrantes de ou para os países. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2014. Sobre o passado, o presente e o futuro dos processos migratórios, suas nuanças e impactos, vide importante obra de Ian Goldin, Geoffrey Cameron e Meera Balarajan, intitulada: Exceptional People: How Migration Shaped our World and Will Define our Future. Princeton, New Jersey: Princeton University Press. O perfil migratório do Estado brasileiro pode ser verificado na obra: ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES. Perfil Migratório do Brasil 2009. OIM, 2010. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2014. Projeto OIM – DEEST/SNJ. Colóquio sobre Direitos Humanos na Política Migratória Brasileira. Brasília: Setembro/2013, p. 3. Este Projeto foi Coordenado pela Dra. Carmen Lussi, consultora da Organização Internacional para as Migrações (OIM). O Projeto OIM – DEEST/SNJ realizou um mapeamento das instituições envolvidas com a temática migratória no Brasil entre os meses de janeiro e maio de 2013. Referido mapeamento constituiu um Diretório Nacional - DITEM, disponível em www.brasil.iom.int, com os dados das instituições que responderam ao questionário utilizado para a coleta de dados. O questionário incluiu quatro perguntas abertas, cujas respostas foram discutidas em três eventos, organizados durante o mês de maio de 2013, em Manaus, São Paulo e Foz do Iguaçu. Este texto apresenta o documento final com os principais elementos objetos dos debates, sistematizados pelos consultores que assessoram os eventos. O texto está organizado em quatro partes, segundo os temas abordados pelas quatro perguntas abertas respondidas pelas instituições que participaram do mapeamento. O texto inclui as Recomendações Finais para melhorias na política migratória brasileira e o perfil dos assessores. Em anexo, são disponibilizados os relatórios parciais de cada um dos três eventos deste processo de ampliação do diálogo social, conduzido pela OIM – Organização Internacional para as Migrações, em parceria com o DEEST – Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça. O Relatório Geral dos Eventos de I Nível do Projeto OIM – DEEST/SNJ está disponível em: , sob o título “Direitos Humanos na Política Migratória no Brasil”. Acesso em: 13/02/2014.

CIDADÃOS E PESSOAS CONSTITUCIONAIS, DIREITO À NACIONALIDADE E PROBLEMAS CENTRAIS DE IMIGRAÇÃO

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novas fronteiras geopolíticas5. O transnacionalismo é a tônica do presente século e um fenômeno irreversível6. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) assegura o direito de ir e vir das pessoas em todo e qualquer país7. Neste sentido, compete a cada nação, independente e soberana, estabelecer suas regras internas para o reconhecimento e efetivação desse direito universal. Cada sociedade legisla de acordo com seus próprios interesses no tocante à abordagem de fluxos migratórios8, de modo que a regulamentação desse fato social assume importância estratégica para os governos. Mas nesse contexto é preciso ressaltar que o fenômeno (i)migratório não é um episódio dissociado das relações humanas, onde não há perda, restrições e privações de direitos básicos de seres humanos ao se cruzar fronteiras. Ao contrário! Ao se transpor as barreiras transfronteiriças, fatos e surpresas ocorrem, nem sempre boas, mas situações que colocam em risco a vida de (i)migrantes se apresentam e muitas vezes vitimizam aqueles que se aventuraram (por vontade ou necessidade) a deixarem o seu lugar de origem, principalmente quando se verificam casos de migração ilegal. Isto porque o quadro que se verifica é que os Estados têm atribuído direitos de cidadania com base na nacionalidade, portanto, pertencer a um determinado Estado torna-se necessário para ser oficialmente reconhecido e capaz de se mover, trabalhar e viver9. Ao lado desse fator, considerando o direito de livre circulação dos seres humanos em igualdade de condições e direitos, evidentemente adaptado aos contextos de determinadas circunstâncias e especificidades que devem ser consideradas, os problemas desencadeados pelos fluxos (i)migratórios que atualmente se verificam em diversos países do globo e, notadamente, no Brasil, devem ser encarados de frente e com responsabilidade pelos governos, onde a preocupação com a proteção dos direitos humanos dos (i)migrantes deve se converter em atitudes práticas; assim como políticas públicas efetivas devem 5. 6.

7.

8. 9.

Projeto OIM – DEEST/SNJ. Colóquio sobre Direitos Humanos na Política Migratória Brasileira, op. cit., p. 4. Para um estudo aprofundado sobre o movimento de pessoas, processos migratórios e o transnacionalismo enquanto um fenômeno que permite o estudo da mobilidade humana, incluindo o processo e o progresso da experiência migratória, assim como a interpretação dos circuitos de mobilidade de pessoas, de informações e de bens que os migrantes produzem e promovem de forma diversificada e não homogeneizante vide tese de doutorado da Dr.ª Carmem Lussi, intitulada: Circularidade entre migrações e fé. Reflexões sobre a alteridade na Igreja de comunhão. Disponível em: . Acesso em 15 de jun. 2014. Artigo 13° – 1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado. 2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país. Projeto OIM–DEEST/SNJ. Colóquio sobre Direitos Humanos na Política Migratória Brasileira, op. cit., p. 4. GOLDIN, Ian; CAMERON, Geoffrey; BALARAJAN, Meera. Exceptional People: How Migration Shaped our World and Will Define our Future. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 2011, E-book.

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ser o alvo dos poderes públicos nacionais nesse sentido. Presente, portanto, a real necessidade de prover esta circunstância, não peculiar, com a aderência do núcleo mínimo do direito universal, incluindo a política da boa governança10 e da nacionalidade, a fim de se solidificar o conteúdo essencial dos direitos humanos fundamentais em favor dessas pessoas. O presente texto tem como finalidade realizar uma abordagem acerca do fenômeno (i)migratório enquanto um descolamento que carece de proteção e de políticas públicas levadas a efeito pelas autoridades constituída dos países, visando-se a proteção dos direitos humanos dessas pessoas. Também busca analisar o caminhar do Brasil no estabelecimento de uma legislação e política migratória voltada à proteção dos direitos humanos fundamentais dos migrantes. Em seguida, é analisado um caso específico de conflito atual envolvente dos problemas imigratórios: uma decisão do Tribunal Constitucional da República Dominicana à luz dos diretos humanos fundamentais, passando-se, ato contínuo, à análise do direito à nacionalidade enquanto um direito humano fundamental. 1 IMIGRAÇÃO: UM DESLOCAMENTO QUE NECESSITA DE PROTEÇÃO E POLÍTICA EFICAZES

De acordo com o documento elaborado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais11, da Organização das Nações Unidas (ONU), o mundo tem atualmente 232 (duzentos e trinta e dois) milhões de migrantes internacionais (3,2% da população). Mais de dois terços do crescimento de migrantes no planeta ocorreu na Ásia Ocidental, passando de 19 (dezenove) para mais de 33 (trinta e três) milhões, em razão da demanda por trabalhos contratados nos países produtores de petróleo. Outros fatores influenciaram diretamente este crescimento, como o grande número de refugiados; conflitos armados; Junto com os nascimentos e os óbitos, a migração é um dos três componentes demográficos de mudança da população que, muitas vezes, é descrito como o mais difícil de medir-se como modelo12, tendo em vista que este fenômeno pode repetir-se ao longo da vida de um indivíduo. Assim, o volume 10. Este preceito, no plano da normatização, está consagrado no art. 41 da Carta de Nice (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia): “1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável”. 11. NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Mundo tem 232 milhões de imigrantes internacionais, calcula a ONU. Disponível em . Acesso em: 15 jun. 2014. 12. SKELDON, Ronald. Global Migration: Demographic Aspects and its Relevance for Development. United Nations Department of Economic and Social Affairs. Population Division. Technical Paper Nº 2013/6, p. 1-32, p. 1.

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e o tipo de migração medidos e analisados dependem das definições utilizadas para identificar um migrante. Esta definição varia conforme o país e, por isso, continua sendo um dos principais desafios, dada a sua importância para orientar a elaboração de políticas baseadas em evidências e debates públicos. A migração, através das fronteiras internacionais, pode ser estimulante para alguns, quando se busca níveis mais elevados de educação e melhores oportunidades de emprego, enquanto para outros pode ser considerada como uma situação extrema e angustiante, enquanto fugitivos de perseguições políticas, conflitos armados ou desastres ambientais13. No tocante à terminologia, ainda que não haja novidade quanto aos conceitos de migração emigração e imigração, torna-se importante salientar algumas distinções, a fim de que se tenha uma exata compreensão do que está a se analisar no presente trabalho. O Ministério da Justiça brasileiro, por meio da Portaria n° 2.162/2013, criou uma Comissão de Especialistas, com a finalidade de apresentar uma proposta de Anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes no Brasil. Referido Projeto, que será objeto de pequenos comentários mais adiante, define o migrante como “todo aquele que se desloca de um país ou região geográfica ao território de outro país ou região geográfica, incluindo o imigrante transitório ou permanente e o emigrante”. A figura do imigrante é tratada como “todo estrangeiro que transite, trabalhe ou resida e se estabeleça transitória, temporária ou definitivamente no País”, sendo que o imigrante transitório é aquele que “se encontra no País com a finalidade de turismo, negócios ou curta estada para realização de atividades acadêmicas ou profissionais”. Por fim, define a figura do emigrante como “o brasileiro, ou pessoa integrante de seu grupo familiar, que se estabeleça transitória, temporária ou definitivamente no exterior”, sendo que, transpondo-se a ideia para uma conceituação abrangente do plano internacional, tem-se que o emigrante será aquele nacional, ou pessoa integrante de seu grupo familiar, que vier a estabelecer-se, transitória, temporária ou definitivamente em país estrangeiro, que não o seu de origem14. Dada a natureza dos dados de migração internacional, a migração é conceituada por Ronald Skeldon como um movimento, a partir do qual se parte de uma origem para encontrar um destino, ou a partir de um local de nascimento 13. SKELDON, Ronald. Global Migration: Demographic Aspects and its Relevance for Development, op. cit., p. 1. 14. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2014.

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para outro destino, através de fronteiras internacionais15. Nos países desenvolvidos, a ideia de migrante, como um “permanente”, muitas vezes é institucionalizada através de fluxos de dados de pessoas admitidas como imigrantes, em oposição àquelas que entram no país como “não-imigrantes” ou “temporários”16. Assim, a migração é vista como um movimento permanente, não havendo uma distinção clara entre migração permanente e temporária e também não havendo como se aferir se padrões atuais de imigração tendem a persistir17. O fato é que, em tempos globais, a imigração faz parte do contexto real vivido pelos países soberanos. Portanto, é imperativo que a política imigratória seja eficaz em cada um deles, a fim de que se possa proteger os Estados em diversos aspectos (v.g., no tocante à política econômica e política de emprego) e, sobretudo, os indivíduos (nacionais e imigrantes). Conceituar e falar sobre política migratória é uma tarefa árdua, pois há a real necessidade de considerar-se os diversos locais e contextos que permeiam o deslocamento dos indivíduos. Muitas políticas afetam a migração, como mercado de trabalho, o bemestar, o comércio e política externa. Dentre elas, destaca-se a afetação direta pela política econômica fundamental de um país, que pode ser maior que as políticas de migração específicas, tendo um efeito sobre os padrões específicos de seleção de imigrantes.18 As políticas de migração internacional podem ser entendidas como as leis, regras, medidas e práticas que são implementadas pelos Estados nacionais, com o objetivo declarado de influenciar o volume, a origem e a composição interna dos fluxos de migração19. O volume refere-se aos objetivos de aumentar ou fazer reduzir os fluxos migratórios ou para mantê-los em níveis semelhantes; a origem se refere a políticas destinadas a alterar a composição dos fluxos de migrantes em termos de países ou regiões de origem; e a composição interna dos fluxos relacionase com o objetivo comum para aumentar ou diminuir categorias particulares de imigrantes, quer independente ou em conjunto com os critérios de origem nacional. As políticas seletivas de determinados países podem afetar as habilidades de renda e classe de composição de fluxos dos migrantes. Os objetivos destas políticas podem confrontar-se, especialmente, com os imigrantes de 15. 16. 17. 18.

SKELDON, Ronald. Global Migration: Demographic Aspects and its Relevance for Development, op. cit., p. 2. SKELDON, Ronald. Global Migration: Demographic Aspects and its Relevance for Development, op. cit., p. 2. SKELDON, Ronald. Global Migration: Demographic Aspects and its Relevance for Development, op. cit., p. 25. CZAIKA, Mathias; HAAS Hein. The Effectiveness of Immigration Policies. IMI Working Papers Series 2011, Nº 33, p. 1-26, p. 5. 19. CZAIKA, Mathias; HAAS Hein. The Effectiveness of Immigration Policies, op. cit., p. 6.

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determinadas regiões que tendem a pertencer a determinadas classes, grupos étnicos, religiosos, dentre outros. Os critérios nacionais (locais) podem ser vistos (e tidos de fato) como discriminatórios, como a possibilidade de se “abrir” espaço a certos grupos de “interesse” ou a políticas de imigração que favoreçam os “migrantes altamente qualificados”, com o objetivo de reduzir a imigração dos pobres, ou de países culturalmente mais distintos, aflorando, então, a discriminação. Dado esse contexto, o que se pode desde logo verificar é que as questões envolventes da política migratória, bem como a necessidade de reformas para melhor atender aos interesses do Estado, ao mesmo tempo em que se preservem os direitos humanos dos (i)migrantes, não são facilmente resolvidas. Com razão Michael J. Sandel quando, analisando a questão da imigração Mexicana para os EUA, afirma que “a reforma da política de imigração é um campo minado”20. Como acontece com qualquer política, de fato, a de (i)migração é tipicamente um compromisso entre vários interesses, potencialmente concorrentes. Como exemplo, enquanto os lobbies empresariais são a favor de políticas mais liberais (pois favorecem, v.g., a mão de obra barata, como ocorre hoje nos países asiáticos e africanos), os sindicatos dos trabalhadores têm historicamente visto a imigração em grande escala como uma ameaça aos interesses dos trabalhadores nativos, minando, assim, suas bases de poder 21 . Países, como os Estados Unidos, utilizam como argumentos para limitar a imigração, a proteção do grupo e de sua identidade (enquanto cidadãos americanos); a necessidade de proteção dos privilégios de seus nacionais, evitando-se a redução do bem-estar econômico dos cidadãos de seu país; bem como a necessidade de “proteção do emprego e do nível salarial do cidadão americano menos capacidade, mais vulnerável ao influxo dos imigrantes que aceitam trabalhar por salários menores”22. Os objetivos das políticas de migração, muitas vezes, não são singulares, mas polissêmicos, porque visam atender a uma ampla gama de interesses concorrentes, servindo a múltiplos objetivos – de curto e longo prazo. A coalizão discursiva num contexto de estabelecimento de políticas migratórias pode muito bem unir atores com visões diferentes sobre os interesses que pretendem promover, concordando (ou não) com a estrutura cognitiva e com as instituições para gerir seus conflitos. 20. SANDEL, Michael J. JUSTIÇA. O que é fazer a coisa certa. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 283. 21. CZAIKA, Mathias; HAAS Hein. The Effectiveness of Immigration Policies, op. cit., p. 6. 22. SANDEL, Michael J. JUSTIÇA. O que é fazer a coisa certa, op. cit., p. 284.

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O que vale ressaltar é que as políticas migratórias são o resultado de um compromisso. Os objetivos declarados pelos formuladores dessas políticas com relação às mudanças são, provavelmente, o critério mais objetivo com o qual se deva avaliar a eficácia da política de migração. Compreende-se que é necessário avaliar os objetivos genéricos e também aqueles específicos que se insculpem nas leis, medidas e regulamentos23, como a emissão de autorização de trabalho, reagrupamento familiar, imigrantes estudantes, que tendem a ser sujeitos de diferentes regimes de políticas públicas adotadas. O fator tempo também é extremamente importante, porque pode ter um efeito imediato24 ou de implementação progressiva. Mathias Czaika e Hein de Haas, ao tratarem do tema de modo bastante elucidativo, destacam que é importante não confundir a eficácia das políticas migratórias (o que fazer) com a eficiência política (como fazer)25. Esta última refere-se ao modo e à quantidade de recursos necessária para realizar um objetivo político ou alcançar uma meta política dentro de um contexto de estruturação e/ou reforma das políticas migratórias. Eficácia, por sua vez, não é um termo moral, mas refere-se ao alcance que tais políticas têm quanto ao efeito desejado (mensurado conforme objetivos estabelecidos) no controle de outras determinantes migratórias. Por outras palavras, refere-se à capacidade de traçar estratégias, um caminho a seguir na elaboração de um planejamento apto a produzir o efeito desejado quanto ao controle do processo imigratório, em atendimento às expectativas do país, respeitando-se os direitos humanos fundamentais dos (i)migrantes. Ao tratarem da eficácia e da eficiência das políticas migratórias, os autores esclarecem que: É importante considerar o quadro mais amplo, olhando-se além dos efeitos de medidas políticas específicas sobre fluxos migratórios específicos, analisando o efeito do conjunto de políticas específicas sobre o conjunto dos fluxos migratórios. Isso não é importante apenas porque os objetivos de políticas migratórias são frequentemente formulados de forma generalizada - por exemplo, reduzir globalmente os influxos para um certo nível - mas também devido ao fato de que os efeitos de políticas específicas sobre categorias específicas de migração tendem igualmente a resultar em efeitos cascata sobre outros influxos e saídas. De Haas (2011) apresenta hipoteticamente quatro efeitos de substituição que podem limitar a eficácia das restrições imigratórias: 1) substituição espacial através do desvio da migração para outros países; 2) substituição categórica através de uma reorientação para outros canais legais ou ilegais; 3) substituição intertemporal afetando o timing da migração, tal como a “migração agora ou nunca” na expectativa de um futuro estreitamento 23. CZAIKA, Mathias; HAAS Hein. The Effectiveness of Immigration Policies, op. cit., p. 7. 24. CZAIKA, Mathias; HAAS Hein. The Effectiveness of Immigration Policies, op. cit., p. 7. 25. CZAIKA, Mathias; HAAS Hein. The Effectiveness of Immigration Policies, op. cit., p. 8.

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das políticas; 4) substituição por fluxo reverso no caso das restrições de imigração também diminuírem o retorno migratório e assim limitar o efeito sobre a rede migratória26. (livre tradução)

Conforme se afere, ao se tratar das políticas públicas migratórias tornase importante considerar não apenas determinadas situações em contextos específicos, mas voltar os olhos para um quadro mais amplo e genérico da situação que se quer regular no tocante aos fluxos migratórios, procurandose antever quais os efeitos que serão produzidos pelo conjunto de políticas migratórias específicas que se quer adotar. Como esclarecem os autores, isto é importante não apenas porque os objetivos da política de migração são frequentemente formulados de uma maneira geral, v.g., para a redução de fluxos globais a um determinado nível, mas também porque os efeitos de políticas específicas para categorias específicas de migração são suscetíveis de produzirem efeitos em cadeia em outros fluxos migratórios de entradas e saídas. Nos termos estabelecidos pelos autores, hipoteticamente quatro efeitos de substituição podem limitar a eficácia das restrições à imigrações que normalmente os países estabelecem: 1) a substituição espacial, por meio do desvio de imigrantes para outros países; 2) a substituição categórica, através de uma reorientação para outras vias legais ou ilegais; 3) a substituição intertemporal, que afeta o tempo de migração, tais como ‘migração agora ou nunca’, na expectativa de futuro endurecimento das políticas; e 4) a substituição fluxo reverso, se restrições de imigração também diminuírem a migração de retorno e, assim, limitarem o efeito sobre a rede migratória. Concluem os autores que a eficácia no contexto das políticas públicas migratórias representa o grau que uma alteração política efetivamente implementada tem de produzir os efeitos desejados27. Isso vale para o efeito real das leis implementadas, para as medidas e regulamentos sobre o volume, 26. CZAIKA, Mathias; HAAS Hein. The Effectiveness of Immigration Policies, op. cit., p. 8. O texto original: “it is important to consider the broader picture by looking beyond the effects of specific policy measures on specific migration flows by looking at the effects of the ensemble of specific policies on the ensemble of migration flows. This is not only important because migration policy objectives are often formulated in a general way – for instance, to reduce overall inflows to a certain level – but also because the effects of specific policies on specific categories of migration are likely to have knock-on effects on other migration inflows and outflows. De Haas (2011) hypothesized four substitution effects, which can limit the effectiveness of immigration restrictions: 1) spatial substitution through the diversion of migration to other countries; 2) categorical substitution through a reorientation towards other legal or illegal channels; 3) inter-temporal substitution affecting the timing of migration such as ‘now or never migration’ in the expectation of future tightening of policies; and 4) reverse flow substitution if immigration restrictions also decrease return migration and thus limit the effect on net migration”. 27. CZAIKA, Mathias; HAAS Hein. The Effectiveness of Immigration Policies, op. cit., p. 22.

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tempo, direção e composição dos fluxos migratórios na direção pretendida, inclusive o reconhecimento do direito fundamental universal à nacionalidade ao imigrante. Pelas colocações deduzidas até aqui, verifica-se que os altos fluxos migratórios nos dias atuais são inevitáveis. A imigração constitui um fenômeno que atinge uma grande parte de países e, sobremaneira, o Brasil. Como visto, o desenvolvimento e a implementação de políticas migratórias não constituem uma atividade das mais simples, mas bastante complexa, principalmente em tempos de pleno desenvolvimento econômico globalizado e reclamo de efetivação dos direitos humanos fundamentais. 2 O CAMINHAR DO BRASIL NA POLÍTICA DE IMIGRAÇÃO: EM BUSCA DA CONSTRUÇÃO

O Brasil acabou por assumir uma posição de destaque no cenário internacional, pois goza de uma percepção mundial de proporcional acolhida “cordial” aos cidadãos das origens mais diversas28. Todavia, as políticas de imigração brasileiras necessitam urgentemente de um repensar. A regulação interna tem previsibilidade no ultrapassado Estatuto do Estrangeiro – Lei n. 6.815/80, onde é definida a situação jurídica do estrangeiro no Brasil - que, devido ao contexto em que foi elaborado, isto é, durante um período de ditadura militar, caminha para a unanimidade quanto à necessidade de sua reformulação29, uma vez que tem como foco, a “segurança nacional” em detrimento da proteção dos direitos da pessoa humana, o que não condiz com os tempos hodiernos, onde a migração reclama ser tratada como um direito humano, demandando uma regularização migratória apta a proporcionar um dos caminhos mais viáveis para a inserção do imigrante na sociedade. Em 2012, o Ministro Moreira Franco, compondo a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, destacou que apenas 0,3% da população residente no Brasil é formada por imigrantes. No passado, esse percentual já chegou a representar 7,3% e os imigrantes foram importantes, v.g., para o desenvolvimento da agricultura e da indústria30. Provém destas informações, dentre muitas outras, a necessidade de revisão da política de imigração, seja para o reconhecimento da nacionalidade, seja para absorver uma mão de obra qualificada vinda de outras origens, o que agregaria também 28. Projeto OIM–DEEST/SNJ. Colóquio sobre Direitos Humanos na Política Migratória Brasileira, op. cit., p. 4. 29. Projeto OIM–DEEST/SNJ. Colóquio sobre Direitos Humanos na Política Migratória Brasileira, op. cit., p. 4. 30. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2014.

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diversidade de conhecimento para melhora da produtividade, capacidade tecnológica e base de inovação. O grande desafio, destacou Moreira Franco, é construir caminhos para a identificação do que será preciso fazer, principalmente em termos de legislação, para facilitar a entrada do imigrante qualificado, ao lado de medidas que atentem também para o caráter humanitário que envolve os imigrantes desqualificados31. Segundo os dados do Ministério da Justiça32, em 2012 os movimentos de imigração se intensificaram, especialmente de haitianos, bolivianos, espanhóis, franceses e americanos. Em seis meses, a imigração cresceu 50%, em comparação com o total de entradas verificado no final do ano de 2010. Atualmente, o país conta com 1,5 milhão de imigrantes legalizados. Entre os fatores para o aumento da presença de estrangeiros no país está a crise internacional que atingiu a zona do euro e levou imigrantes europeus para países da América Latina e Caribe. Os haitianos, nos últimos anos, foram atingidos por desastres naturais que agravaram problemas já crônicos do país. Muitos chegaram no país de maneira ilegal por meio dos chamados coiotes (agentes que organizam a viagem e a entrada ilegal no país), à procura de oportunidades e postos de trabalho. Assim, muitos imigrantes acabaram submetidos a trabalho semiescravo e aguardam regularização de sua situação jurídica.33 Uma das principais conclusões do projeto34, desde o início da coleta de dados quantitativos e qualitativos que serviram para subsidiar a arena dialógica, foi o tratamento do que hoje se conhece como migração e de como esse fenômeno atinge o Brasil em suas múltiplas faces. Portanto, o objetivo era conhecer o fenômenos, para depois atuar, passou a ser uma prerrogativa do projeto onde elaborou-se “cinco principais recomendações, justificativas (porquês) que os questionários e os eventos fizeram emergir como prioritários em relação aos serviços aos migrantes: 1. necessidade de uma nova legislação brasileira para as migrações: somente com um novo marco regulatório legal, as principais demandas de serviços aos (i)migrantes poderão dispor de recursos assegurados no 31. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2014. 32. Estes dados podem ser encontrados no portal do Ministério da Justiça na internet, disponível em: . Vide também: Imigração de Estrangeiros para o Brasil. Disponível em: . 33. Portal EBC. Cidadania. Imigração: cresce número de estrangeiros no Brasil; há menos brasileiros no exterior. Disponível em . Acesso em: 15 jun. 2014. 34. Projeto OIM–DEEST/SNJ. Colóquio sobre Direitos Humanos na Política Migratória Brasileira, op. cit., p. 7.

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Orçamento Geral da União para melhorar a qualidade das políticas públicas; construção e implementação de um percurso formativo (política nacional de formação sobre migrações e direitos humanos, por exemplo) para todas as esferas do governo e sociedade civil: é fundamental qualificar a intervenção pública e os serviços a serem oferecidos nas questões (i) migratórias, por meio de um processo de capacitação para tal mister; apoio aos espaços públicos de acolhimento (gerenciados tanto pelo governo quanto pela sociedade civil ou parcerias) e oferta de serviços já existentes e em fase de implantação, bem como criação de novos espaços nos territórios de maior necessidade: o aumento dos fluxos de chegada dos imigrantes no Brasil, bem como o retorno dos brasileiros emigrados exigem uma nova rede de atendimento no tocante à acolhida e oferta de serviços; desenvolvimento de uma política nacional de comunicação integrando todas as informações públicas disponíveis sobre o fenômeno social das migrações: é necessário primeiro conhecer a complexidade que envolve o fenômeno das migrações, para, em seguida, intervir de forma coordenada sobre os processos; e apoio efetivo do governo na criação de um fórum de debate e acompanhamento da política brasileira sobre as migrações, envolvendo, principalmente, a organização autônoma das organizações da sociedade civil: espaço próprio de articulação apoiado pelo governo, que trará benefícios coletivos importantes para o conjunto da sociedade brasileira.

De 29 a 30 de novembro de 2013, foi realizada, na cidade de São Paulo, a 1ª Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes da Cidade de São Paulo, município de maior densidade demográfica migrante do Brasil. O evento, realizado pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), abordou temas como cidadania, direito a voto, reconhecimento cultural e promoção do trabalho decente para a população de estrangeiros residente no Município35. Também em São Paulo, foi realizada no período de 30 de maio a 1º de junho de 2014, a 1ª Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio (COMIGRAR)36. 35. Disponível em: . Acesso em: 16 jun. 2014. 36. Comigrar é uma iniciativa governamental inovadora na abordagem da questão migratória no Brasil, com mobilização nacional e internacional dos diversos atores interessados no tema e na discussão dos conceitos centrais da política migratória. É coordenada pelo Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Justiça/Departamento de Estrangeiros-DEEST, em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego e o

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O evento foi promovido pelo Ministério da Justiça, Ministério do Trabalho e Ministério das Relações Exteriores, com apoio as agências das Nações Unidas UNODC37, OIM38, ACNUR39 e PNUD40. A COMIGRAR teve como objetivo a promoção de um diálogo social ampliado para subsidiar a construção da Política Nacional sobre Migrações e Refúgio pautada nos Direitos Humanos, sendo que o evento contou com ampla participação de migrantes e refugiados e promoveu a convergência entre as agendas do tema nas políticas de Estado41. Importante ressaltar que tramita pelo Poder Legislativo brasileiro o Projeto de Lei n. 5655/094242, também chamado de Novo Estatuto do Estrangeiro. O Projeto, que visa substituir a Lei n. 6.815/80, tem por objetivos, dentre outros, definir as regras para o ingresso, permanência e saída de estrangeiros do país; normas para o trabalho, a política de extradição e expulsão, assim como os princípios para entrada de refugiados no país. Na avaliação de Perpétua Almeida, autora do Projeto de Lei, “a nova legislação tem que estar em sintonia com esse novo Brasil que necessita se adequar à realidade migratória e às expectativas mundiais, garantindo uma política de imigração de tal forma que o desenvolvimento econômico, cultural e social do nosso país seja o norte desta política43. Como se nota, o Brasil, a contento ou não, tem envidado esforços para a adequação de suas políticas migratórias ao novo cenário que se instalou nos últimos tempos, com vistas ao desenvolvimento do país, mas também observando a necessidade de proteção dos direitos humanos dos (i)migrantes. Ainda no tocante ao estabelecimento de um novo marco regulatório para a questão dos migrantes, conforme já mencionado anteriormente, o Ministério da Justiça do Brasil, por meio da Portaria n. 2.162/2013, criou uma Comissão de Especialistas, com a finalidade de apresentar uma proposta de Anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes no Brasil. Entre o período de 25 de julho de 2013 e 30 de maio de 2014, a Comissão estabelecida realizou diversas reuniões presenciais para o trato do tema, das Ministério das Relações Exteriores, com o apoio da Organização Internacional para as Migrações-OIM e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD. 37. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. 38. Organização Internacional para Migrações. 39. Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. 40. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 41. Disponível em: . Acesso em: 20 de jun. 2014. 42. Disponível em: . Acesso em 20 jun. 2014. 43. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2014.

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quais participaram, além de seus membros, representantes de órgãos do governo e de instituições internacionais, parlamentares, especialistas e acadêmicos convidados. Promoveu, ainda, audiências públicas com ampla participação de entidades sociais e da cidadania. No decorrer do mesmo período, os membros da Comissão participaram individualmente de numerosas reuniões e atividades relativas aos direitos dos migrantes e à legislação migratória, em diversas cidades do Brasil. Após as discussões havidas no âmbito das audiências públicas; o recebimento de mais de duas dezenas de contribuições escritas de entidades públicas e sociais44 e também individuais de migrantes e de especialistas45; considerar os comentários da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça – SAL/MJ; e tomar conhecimento das recomendações da I Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio - COMIGRAR, a Comissão definiu as cinco características principais de sua proposta: 1. o imperativo de compatibilidade entre a Constituição Federal de 1988 e o respeito ao princípio da convencionalidade, de modo que a nova legislação migratória brasileira deve aportar ao plano legal o tratamento constitucional dos Direitos Humanos no Brasil, em consonância com os tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados e vigentes no país. Para tanto, a proposta do Anteprojeto elimina da ordem jurídica pátria o nefasto legado da ditadura militar nesta área, especialmente o Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980); 2. a promoção de uma mudança de paradigma da legislação migratória brasileira, até então considerada uma área subordinada aos temas de segurança nacional ou de controle documental do acesso a mercados de trabalho, sendo que, com o advento do Anteprojeto, o Brasil passa a abordar as migrações internacionais sob a perspectiva dos Direitos Humanos; 44. Associação Brasileira de Antropologia - ABA, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ACNUR Brasil, Casa das Áfricas, CARITAS Brasil, CARITAS de São Paulo, Centro de Atendimento ao Migrante de Caxias do Sul (RS), Centro de Estudios Legales y Sociales - CELS, CONECTAS Direitos Humanos, Conferência Livre de Santa Maria (RS) - preparatória da COMIGRAR, Defensoria Pública da União, Fórum Social Pelos Direitos Humanos e Integração dos Migrantes no Brasil, Coordenação de Políticas para Imigrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, Grupo de Estudos Migratórios e Assessoria ao Trabalhador Estrangeiro - GEMTE, Instituto de Migrações e Direitos Humanos – IMDH, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, Ministério Público do Trabalho, Presença América Latina e Rede Sul Americana para as Migrações Ambientais – RESAMA. 45. Antonio Carlos da Costa Silva, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, Diego Acosta Arcarazo, Flávio Carvalho, Landry Heri Imani, Liliana Lyra Jubilut e Stela Grisotti.

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3. o enfrentamento da fragmentação dos avanços empreendidos pelo Brasil em matéria de regulação migratória, com o objetivo de dotar a ordem jurídica pátria de coerência sistêmica; 4. acolhida, pelo Anteprojeto, de demandas históricas de entidades sociais que atuam em defesa dos direitos dos migrantes, v.g., a criação de um órgão estatal especializado para atendimento dos migrantes, estabelecimento de direitos políticos aos migrantes (v.g., direito de voto); e 5. preparação do Brasil para enfrentar o momento histórico que vive, caracterizado por um novo ciclo de migrações internacionais em decorrência da globalização econômica, cujas diferenças em relação aos ciclos precedentes desafiam os Estados; pelo recente fenômeno da emigração de centenas de milhares de brasileiros em busca de trabalho, assim como o retorno ainda mais recente de parte deste contingente, etc. Como se nota, a forma de integração e promoção de Direitos Humanos tendentes à proteção das pessoas (nas mais diversas áreas) é abrir horizontes para um mundo que precisa. Sempre deve-se buscar promover a integração como um processo de construção participativa solidária e sustentável, pois países e pessoas são portadores de grande diversidade cultural e de diferentes tradições e modos de vida. Portanto, a integração que se almeja e se propõe no contexto de um processo (i)migratório é aquela que respeita e valoriza a vida em todos os seus níveis de existência e não apenas uma integração priorizando o econômico e o comercial46. O migrante, em termos globais, é um desafio. O direito à nacionalidade e ao seu consectário precípuo, que é cidadania, é reivindicado por migrantes no mundo inteiro, conscientes de que os direitos humanos correspondem hoje à toda humanidade, independente das soberanias estatais e da nacionalidade de cada um, pois, efetivamente fazem jus à proteção dos seus direitos fora das fronteiras de origem, como reconhece hoje o Direito Internacional dos Direitos Humanos. No Brasil, assim como em qualquer outro lugar, a inclusão social dos migrantes só será possível quando a cidadania brasileira for acessível a todos que aqui vivem e trabalham. Por fim, de outro viés, em tempos de construtivismo judicial, também é imperativo o intercâmbio de conhecimentos de órgãos jurisdicionais para 46. Projeto OIM–DEEST/SNJ. Colóquio sobre Direitos Humanos na Política Migratória Brasileira, op. cit., p. 26.

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compartilhar as experiências alcançadas, seja para prover a aprendizagem, seja para prover o seu aperfeiçoamento, a partir da constatação de violações diretas dos direitos humanos no contexto do que está aqui a se tratar, isto é, do fenômeno (i)migratório. Nesta esfera, as decisões dos órgãos jurisdicionais brasileiros também revelarão um dos aspectos centrais da imigração, que é o reconhecimento da nacionalidade como um direito humano fundamental. 3 UM CONFLITO ATUAL ENVOLVENTE DOS PROBLEMAS IMIGRATÓRIOS: DECISÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DA REPÚBLICA DOMINICANA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Uma notícia47 publicada em 19 de outubro de 2013, informou que a República Dominicana foi convidada pela Anistia Internacional a rejeitar uma decisão proferida por sua Corte Constitucional, que afetaria a nacionalidade de centenas de milhares de dominicanos de ascendência estrangeira. A referida decisão, de 23 de setembro de 2013, se deu em sede de apreciação de um Recurso de Revisão Constitucional de Sentença de Amparo (TC 0168/13)48, que foi interposto por Juliana Deguis Pierre perante o Tribunal Constitucional da República Dominicana, contra uma Sentença de Amparo (473/2012) prolatada pela Câmara Civil, Comercial e do Trabalho do Juizado de Primeira Instância do Distrito Judicial de Monte Plata, em 10 de julho de 2012, em uma ação movida contra a Junta Central Eleitoral, por esta ter-lhe negado, em 2008, a emissão de sua cédula de identidade e de seu título eleitoral, solicitada à Junta, no Município de Yamasá, de onde é natural, ocasião em que também a referida Junta lhe retirou o certificado de nascimento. No recurso ao Tribunal Constitucional, em síntese, a pretensão da recorrente foi assim deduzida: a) que a denegação do amparo a inseriu numa situação de indeterminação, não só perante a Junta Eleitoral, como também perante o Estado, onde seus direitos devem ser tutelados; b) que para a emissão dos documentos pessoais pleiteados, todos os documentos exigidos pela legislação em vigor foram apresentados; c) que há patente e abusiva falta de tutela dos direitos fundamentais consagrados na Constituição, nos Tratados Internacionais e no Código Civil, dentre outros; d) que os direitos violados são inerentes à sua pessoa; d) que ela continua sem amparo frente à Junta 47. Migalhas Internacional. Dominican Republic should not implement court ruling on nationality. Disponível em . Acesso em: 21 jun. 2014. 48. Disponível em . Acesso em: 21 jun. 2014.

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Eleitoral; e) e que as violações dos direitos fundamentais se têm estendido e aprofundado. A Corte, de forma sucinta, assentou sua decisão na afirmação de que a competência para a regulação do regime de nacionalidade é do direito interno. Um dos principais pontos de fundamentação da Corte para a denegação do pedido da recorrente foi de que seus pais eram haitianos, estrangeiros “em trânsito” pelo território da República Dominicana quando ela nasceu e de que ela havia sido inscrita irregularmente como dominicana por ocasião de seu nascimento. Além disso, a Corte também estabeleceu que a Junta Central Eleitoral deveria realizar um inventário de todas as inscrições de nascimento do Registro Civil, desde o ano de 1929, e que deveria identificar, em uma lista, todas as pessoas que supostamente foram inscritas irregularmente, outorgando-se, como consequência, a cidadania dominicana. A Corte determinou que tais casos deveriam ser tratados da mesma forma que o caso de Juliana Deguis. Ao lançar mão de uma nova interpretação dos critérios de obtenção da cidadania dominicana, a Corte deu ensejo a uma espécie de “caça retroativa” da nacionalidade de dezenas de milhares cidadãos, pois deu novo sentido (retroatividade) à legislação que regulamenta a cidadania concedida a pessoas nascidas na República Dominicana durante o período de 1929-2010. Importante, portanto, o cotejo da decisão em questão com a Constituição da República Dominicana e com os tratados internacionais de direitos humanos por ela ratificados, a fim de verificar (ou não) a violação de direitos humanos e fundamentais das pessoas potencialmente atingidas pela decisão. Isto porque, se levada a efeito, a decisão da Corte acaba por ter como resultado prático a privação da nacionalidade e consequentemente do exercício de diversos direitos pelas pessoas atingidas. Referida decisão, se aplicada na íntegra, produzirá impactos negativos profundos na vida de centenas de milhares de pessoas, que terão as suas cédulas de identidade canceladas, sendolhes, por conseguinte, negados totalmente alguns dos seus direitos humanos e fundamentais, tais como a liberdade de circulação, o direito à educação, ao trabalho e ao acesso à saúde. Ademais, torna-se importante ainda verificar se a implementação da decisão em comento também vulneraria o direito doméstico dominicano, v.g., o direito adquirido e o princípio básico de direito: a proibição da retroatividade da lei, estabelecido expressamente pela própria Constituição (art. 110). De outro lado, torna-se necessário também verificar se a efetivação da decisão da Corte

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também violaria as obrigações em matéria de direitos humanos assumidas pela República Dominicana por meio dos tratados internacionais que tem ratificado. Importante ainda ressaltar que, na República Dominicana, existe atualmente uma grande quantidade de estrangeiros que aspiram obter a nacionalidade, sendo que a maior parte são imigrantes ilegais de natureza haitiana. Alcança-se, um total de 524.632 imigrantes, o que totaliza 5,4% da população nacional, de acordo com uma pesquisa realizada pela a Oficina Nacional de Estatísticas, no ano de 2012 49. 3.1 A Decisão do Tribunal Constitucional da República Dominicana: Breves Considerações

O Tribunal Constitucional dominicano, ao analisar a questão da competência para a regulamentação do regime de nacionalidade, considerou o problema sob a ótica do direito interno, salientando a grande quantidade de estrangeiros existentes na República Dominicana e que almejam obter a nacionalidade dominicana, constatando que a maior parte deles é de origem haitiana, que vivem em situação irregular no país50. Na decisão em análise, o Tribunal também consignou que, na República Dominicana, as determinações e regulamentações sobre questões migratórias pertencem ao Congresso Nacional, conforme disposição do art. 37, n. 9, da antiga Constituição de 1966 (vigente à época do nascimento da recorrente) e nos termos do art. 93, n. 1, “g”, da atual Constituição, de 2010. Ao passar a análise da competência para a regulamentação do regime jurídico da nacionalidade no plano do direito internacional público, o Tribunal salientou, conforme já exposto anteriormente, que as condições para a outorga da nacionalidade são internacionalmente reconhecidas como parte do domínio reservado à competência nacional exclusiva dos Estados. Mencionou que esse é o entendimento da antiga Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), expresso na opinião consultiva sobre os Decretos de Nacionalidade na Tunísia e Marrocos (1923)51. 49. Disponível em . Acesso em: 21 jun. 2014. 50. Um relatório estatístico detalhado foi utilizado pelo Tribunal Constitucional dominicano, tendo sido compilado no ano de 2012, ocasião da realização da “Primera Encuesta Nacional de Inmigrantes en la República Dominicana” (ENI-2012), cuja realização se deu pela União Europeia, pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pela Oficina Nacional de Estatísticas (ONE). Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2014. 51. Opinião Consultiva sobre os Decretos de Nacionalidade entre Tunísia e Marrocos, CPJI, Ser. B, No. 4, 1923, parágrafo 24. Disponível em: . Acesso em: 21 jun.

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O Tribunal ressaltou que esse também é o entendimento da atual Corte Internacional de Justiça (CIJ), sucessora da CPJI, citando o caso Nottebohm52; e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, expresso no caso Castillo Petruzzi y otros vs. Peru53. O Tribunal Constitucional dominicano tem sustentado, portanto, que as condições e procedimentos para a aquisição de nacionalidade são predominantemente do direito interno de cada Estado, entendimento confirmado também pelos Tribunais de Justiça das Comunidades Europeias. Na mesma linha, o Tribunal também apontou que os tratados que a República Dominicana tem ratificado contemplam a exclusividade do Estado em dispor sobre a matéria referente à nacionalidade, mencionando o Código de Direito Internacional Privado (Código de Bustamante), de 1928. De igual maneira, cita o Convênio Internacional denominado “Modus Operandi de la República Dominicana con la República de Haiti”, celebrado com a finalidade de regular as questões migratórias entre ambos os Estados, onde se lê expressamente, em seu artigo 4º, que “las interpretaciones de la expresión inmigrante serán determinadas exclusivamente por cada Estado y de conformidad con sus leyes, decretos y reglamentos”. Nessa linha de entendimento, o Tribunal entendeu que as questões envolvendo a imigração e a nacionalidade devem ser reguladas e observadas de acordo com ordenamento jurídico dominicano, primando, portanto, pelas disposições de seu direito interno, que deverá servir como parâmetro para a verificação de hipótese de violação ou não dos direitos fundamentais da recorrente. Na sequência, a Corte Constitucional passou a analisar o cumprimento dos requisitos legais por parte da recorrente, para a obtenção dos documentos pleiteados, entendendo que ela não cumpre as condições para a expedição, em seu favor, da cédula de identidade e da cédula eleitoral, uma vez que a sua certidão de nascimento está sob investigação, tendo sido ilícita e irregularmente inscrita no Cartório de Registro Civil, por ser filha de imigrantes ilegais. Ademais, a Corte salientou que a recorrente também não satisfaz as condições previstas na Constituição dominicana para a aquisição de nacionalidade, por ser nascida no país, filha de pais estrangeiros em trânsito no país. De acordo com o Tribunal, em sendo os pais imigrantes ilegais e sem identificação, não poderiam ter realizado o respectivo registro, pois a lei dominicana prevê a obrigatoriedade da apresentação do documento de 2014. 52. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2014. 53. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2014.

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identidade nos casos de registro civil. Para o Tribunal, o registro da recorrente ocorreu em franca violação do texto constitucional vigente à época. A Corte salienta, inclusive, que as formalidades estabelecidas pela lei dominicana para a concessão dos documentos supra mencionados foram implementadas, também, para respeitar os trabalhadores haitianos que encontram-se no país, com o propósito de garantir uma imigração regulamentada e possibilitar que os direitos trabalhistas sejam reconhecidos e implementados. Eis a aquisição de nacionalidade pelo critério ius solis, conforme a atual Constituição Federal dominicana: Artículo 18. – Nacionalidad (...) 3) Las personas nacidas en territorio nacional, con excepción de los hijos e hijas de extranjeros miembros de legaciones diplomáticas y consulares, de extranjeros que se hallen en tránsito o residan ilegalmente en territorio dominicano. Se considera persona en tránsito a toda extranjera o extranjero definido como tal en las leyes dominicanas;

Com base nas circunstâncias fáticas de irregularidade do registro de nascimento e levando em consideração as disposições do ordenamento jurídico interno sobre o tema, a Corte entendeu que a recorrente não adquire a nacionalidade dominicana por ser filha de pais estrangeiros em trânsito no país, a menos que essa situação pudesse resultar numa situação de apátrida, hipótese que foi desconsiderada pelo Tribunal, já que existe a possibilidade de a recorrente adquirir a nacionalidade haitiana. Nesse sentido, a Constituição Haitiana, de 1983, estipula expressamente que obterão nacionalidade haitiana originária todos aqueles indivíduos nascidos no estrangeiro de pai e mãe haitianos, nos seguintes termos: “son haitianos de origen (...) 2. Todo individuo nacido en el extranjero de padre o madre haitianos”. O art. 1º da Convenção Sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, dispõe que será considerada apátrida “toda pessoa que não seja considerada seu nacional por nenhum Estado, conforme sua legislação”. Portanto, no entender do Tribunal, como há a possibilidade de Juliana adquirir a nacionalidade originária, por ser filha de pais haitianos, não será inserida nesse quadro de apátrida. A Corte Constitucional dominicana negou, portanto, o direito de reconhecimento da nacionalidade a Juliana, mesmo tendo anteriormente confirmado seu nascimento em território nacional, por ser filha de cidadãos estrangeiros “em trânsito”. Salientou que, conforme as disposições da Constituição dominicana de 1966, vigente à época do nascimento de Juliana (01.04.1984), a nacionalidade dominicana poderia ser adquirida “(...) 1. Todas las personas que nacieren en el territorio de la República, con excepción de los hijos

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legítimos de los extranjeros residentes en el país en representación diplomática o los que estén de tránsito en él”. Como Juliana foi considerada filha de estrangeiro “em trânsito” na República Dominicana, não teria ela direito à nacionalidade dominicana. Nesse ponto cabe lembrar que os dois países (República Dominicana e Haiti) dividem os cerca de 76.000 km² da Ilha de São Domingos, também conhecida como Hispaniola: a República Dominicana, a segunda maior economia caribenha, a leste, ocupando cerca de dois terços da ilha; e o Haiti, ocupando o terço ocidental – o país mais pobre das Américas. Separados por uma fronteira que divide a ilha do litoral norte ao litoral sul, numa extensão de 360 km, os dois países possuem, histórica e culturalmente, uma rivalidade secular. A situação pela qual o Haiti tem passado, na última década, vivendo um processo de estabilização, com a presença de tropas internacionais, agravada por catástrofes naturais, índice elevado de contaminação por cólera, desemprego e dificuldades econômicas, só aumenta as tensões com a República Dominicana. Caso a decisão da Corte seja implementada, as identidades e outros documentos destes indivíduos serão canceladas, confinando-os ao Estado, pois não poderão viajar, além de terem cancelados os recursos e os serviços do governo. A decisão afetará principalmente os cidadãos de origem haitiana e, de acordo com a Anistia Internacional, resultará em inúmeras violações de direitos humanos às pessoas que serão deixadas sem nacionalidade. 3.2 As Violações de Direitos Humanos Decorrentes da Decisão do Tribunal Constitucional da República Dominicana

A parte dispositiva da decisão do Tribunal Constitucional dominicano estabeleceu que a recorrente Juliana Deguis Pierre, embora tenha nascido em território dominicano, é filha de cidadãos estrangeiros em trânsito pelo país, o que a priva do direito de outorga da nacionalidade dominicana (embora tenha sido outorgado), conforme prevê o art. 11.1 da Constituição da República Dominicana, promulgada em 29 de novembro de 1966, vigente à época do nascimento da recorrente. Ademais, a Corte determinou à Junta Central Eleitoral a adoção de algumas medidas, dentre elas, a restituição, num prazo de dez dias úteis, contados a partir de sua notificação da decisão, do certificado de nacional original à recorrente Juliana; a submissão da referida certidão ao tribunal competente

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para que possa decidir sobre a sua validade ou nulidade; e que a Junta proceda da mesma maneira para todos os casos similares à espécie, respeitando-se as peculiaridades de cada um deles. Nesse contexto, torna-se possível verificar que a decisão do Tribunal e seu efeito erga omnes, dá ensejo ao menos a três hipóteses de violação de direitos humanos fundamentais: 1) viola o direito da pessoa humana de não ser privada arbitrariamente de sua nacionalidade e tornada apátrida (art. 20.3 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos); 2) viola a proibição de retroatividade da lei constitucional (art. 110); e, como consequência, 3) viola os direitos adquiridos. A implementação da decisão da Corte enseja a retirada da nacionalidade de dezenas de milhares de cidadãos dominicanos, principalmente aqueles de ascendência haitiana, que há gerações tiveram a nacionalidade dominicana reconhecida e outorgada pela República Dominicana, tornando todas estas pessoas ilegais no território dominicano e destituindo-as de uma nacionalidade, o que, de certo modo, as torna apátridas, ainda que temporariamente. Como consequência, muitas pessoas serão privadas do acesso à educação, aos serviços de saúde, do direito ao trabalho, enfim, privadas do “direito a ter direitos”. É preciso aqui ressaltar que as normas internacionais de proteção dos direitos humanos consideram duas espécies de apátrida: de direito (de juris) e de fato (de facto). Os apátridas de direito são todos aqueles indivíduos que não são considerados nacionais sob as leis de nenhum país (o art. 1º da Convenção Sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954). Por sua vez, os apátridas de fato são aqueles indivíduos que, embora possuam formalmente uma nacionalidade, esta resulta ineficaz, v.g., quando um indivíduo tem negados, na prática, direitos que são usufruídos por todos os nacionais. Como se nota, a Convenção de 1954 define uma pessoa apátrida como “a que não seja considerada por qualquer Estado, segundo a sua legislação, como seu nacional”. Aqui deve-se enfatizar que esta é uma definição meramente jurídica, não se referindo à qualidade da nacionalidade, à maneira como a nacionalidade é concedida ou ao acesso à nacionalidade. A definição referese simplesmente a uma operação legal por meio da qual a legislação sobre a nacionalidade de um Estado define, ex lege, ou automaticamente, quem é que tem a nacionalidade. O que é preciso esclarecer é que, nos termos desta definição, para que uma pessoa possa ser considerada apátrida, deve restar provada uma condição negativa: que ela não possui um vínculo legal com nenhum país de relevância.

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Sob este ponto de vista, a decisão do caso em questão, ao destituir Juliana de sua nacionalidade, faz com que opere-se a condição negativa, de modo que não há outro caminho senão a incidência do estado de apátrida. Embora a Corte tenha entendido em sentido diverso, o resultado prático de sua decisão certamente tem o condão de tornar apátridas as pessoas que serão atingidas pela decisão, uma vez que elas perderão a nacionalidade e terão que a requerer novamente, seja na República Dominicana, seja no Haiti. Conforme já afirmado, importa ressaltar que o regramento do direito internacional caminha em sentido contrário. No âmbito da ONU, a Convenção para Redução dos Casos da Apatridia (1954), estabelece em seu art. 8º que “os Estados contratantes não destituirão uma pessoa de sua nacionalidade se isto causar sua apatridia”. Este princípio também está imanente no art. 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que assim dispõe: “1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém poderá ser privado arbitrariamente de sua nacionalidade e a ninguém será negado o direito de trocar de nacionalidade”. No mesmo caminho trilha a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (1969), dispondo em seu art. 20 que “1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra. 3. A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade, nem do direito de mudá-la”. Malcolm N. Shaw, ao abordar aquilo que chama de direitos prioritários, explica que certos direitos previstos em instrumentos de proteção dos direitos humanos são inderrogáveis. Ressaltando a Convenção Europeia e a Convenção Americana, o autor aponta a nacionalidade, dentre outros, como um direito inderrogável, aduzindo que tais direitos ocupam, por sua importância e natureza, um lugar especial na hierarquia dos direitos54. A decisão da Corte também viola disposições de seu direito doméstico. Com efeito, o art. 110 da atual Constituição dominicana estabelece que “La ley sólo dispone y se aplica para lo porvenir. No tiene efecto retroactivo sino cuando sea favorable al que esté subjúdice o cumpliendo condena. En ningún caso los poderes públicos o la ley podrán afectar o alterar la seguridad jurídica derivada de situaciones establecidas conforme a una legislación anterior”. Conforme se verifica, a Constituição estabelece o princípio da irretroatividade das leis, dispondo que eventual retroatividade somente pode ocorrer se para beneficiar os indivíduos. Ao estabelecer uma hipótese de “cassação” 54. SHAW, Malcolm N. International Law. 6. ed. New York: Cambridge, 2008, p. 274-275.

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de nacionalidades já devidamente outorgadas pelo Estado dominicano, viola-se frontalmente a regra constitucional em exame. Como consequência da retroatividade da lei para alcançar situações pretéritas já consolidadas, como é o caso de Juliana, que já teve sua nacionalidade outorgada pelo Estado dominicano, viola-se outro princípio fundamental não só no direito doméstico dos Estados, mas também no direito internacional55, o direito adquirido. É cediço o entendimento de que, uma vez incorporado definitivamente ao patrimônio do seu titular, por meio de um fato idôneo, o direito torna-se adquirido pelo seu titular, de modo que o surgimento de uma lei ou decisão posterior não pode afetá-lo. Portanto, a violação de direitos humanos provocada pela decisão em análise é patente. Tanto é assim que, tão logo foi preferida, imediatamente repercutiu na sociedade internacional, tornando-se objeto de preocupação de diversos órgãos internacionais, notadamente aqueles ligados à proteção dos direitos humanos. A Anistia Internacional foi o primeiro organismo internacional a demonstrar preocupação com a situação ocasionada pela decisão em comento. Um pedido foi enviado ao Governo da República Dominicana, para a desconsideração da decisão de seu Tribunal Internacional, a fim de evitar esse quadro de inserção massiva de pessoas num quadro de apatridia, em patente violação de direitos humanos56. Em seguida, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), órgão oficial da Organização das Nações Unidas (ONU), também remeteu, no dia 05 de dezembro de 2013, um pedido de apelo à República Dominicana para que sejam tomadas medidas efetivas no sentido de restituir a nacionalidade dos indivíduos afetados pela decisão do Tribunal Constitucional do país, que os tornou apátridas57. O ACNUR considerou que como resultado dessa medida, os indivíduos que têm sido considerados cidadãos dominicanos por décadas, alguns por toda sua vida, terão que solicitar a sua naturalização, contrariando os padrões legais estabelecidos internacionalmente. De acordo com esse organismo internacional, as normas internacionais “determinam que o Governo deva restaurar automaticamente a nacionalidade de todos os indivíduos afetados pela decisão judicial e respeitar seus direitos adquiridos” e, desse modo, afirma que 55. SHAW, Malcolm N. International Law, op. cit., p. 103. 56. Disponível em: . Acesso em: 24 jun. 2014. 57. Disponível em: . Acesso em: 24 jun. 2014.

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um procedimento rápido e simples é absolutamente necessário para que essas pessoas possam obter seus documentos de identidade. Como em sua decisão, a Corte decidiu aplicar um novo critério retroativo ao ano de 1929 e, como resultado, concluiu que várias gerações de dominicanos descendentes de haitianos, muitos oficialmente registrados como cidadãos dominicanos ao nascer, não se encaixavam nestes critérios, em seu comunicado, o ACNUR enfatizou que “os indivíduos afetados pela decisão judicial não são migrantes e têm raízes profundas no país”, encorajando, além disso, a República Dominicana a reconhecer e tomar ação para resolver este problema de direitos humanos. Seyla Benhabib, ao comentar o pensamento da Hannah Arendt sobre “o direito a ter direitos”, enfatiza que o desprezo pela vida humana e o eventual tratamento dos seres humanos como entidades supérfluas teve início quando milhões de seres humanos foram tornados apátridas, negando-lhe o direito a ter direitos. Aduz a autora que a apatridia ou a perda da nacionalidade representou a perda de todos os direitos, pois os apátridas foram privados não apenas de seus direitos de cidadania, mas de quaisquer direitos humanos, de modo que a perda dos direitos de cidadania, portanto, ato contrário a todas as declarações de direitos humanos, foi politicamente equivale à perda de direitos humanos por completo. O que se conclui acerca desse pensamento é que Arendt viu a prática da destituição da nacionalidade e a consequente condição de apatridia como sendo quase equivalente à perda de direitos por completo, situação que não está distante do quadro que poderá se configurar se implementada cabalmente a decisão da Corte Constitucional dominicana. 3.3 Pessoas “Em Trânsito”, “Não-Residentes”, Cidadãos e Pessoas Constitucionais: A Necessidade de uma Proteção não Discriminatória

Até recentemente, de acordo com o grupo “Open Society Foundations”, todas as pessoas nascidas em território dominicano, exceto os filhos de diplomatas e os filhos de pais que estavam “em trânsito”, tinham o direito de nacionalidade dominicana58. Os pais seriam considerados “em trânsito” se permanecessem no país por um período de 10 dias ou menos. Sob esta política de cidadania, muitos, embora não todos, nascidos na República Dominicana e filhos de imigrantes haitianos, foram oficialmente reconhecidos como nacionais dominicanos. 58. Disponível em: . Acesso em: 24 jun. 2014.

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Isso tudo mudou em agosto de 2004, quando uma nova lei federal de migração foi promulgada (Lei de Migração n. 285/2004). De acordo com essa lei, as pessoas classificadas como “não-residentes” agora seriam consideradas “em trânsito” e, portanto, excluídas da garantia de nacionalidade pela Constituição. A partir de 2004, as crianças de “não-residentes” já não tinham o direito automático à nacionalidade dominicana, mesmo nascendo e possuindo sua residência habitual na República Dominicana. Em vez disso, elas deveriam esforçar-se para se tornarem cidadãos do Haiti, um país com o qual poucos delas têm qualquer ligação afetiva. Vale ressaltar, nesse ponto, que a lei em questão viola o importante princípio de direito internacional da efetividade da nacionalidade, segundo o qual o vínculo estabelecido pela nacionalidade “não deve fundar-se na pura formalidade ou no artifício, mas na existência de laços sociais consistentes entre o indivíduo e o Estado”59. Para piorar a situação, o governo dominicano aplicou retroativamente a lei de imigração de 2004, tirando a nacionalidade de milhares de dominicanos de ascendência haitiana. Funcionários do governo argumentam que as milhares de pessoas nessa condição, que até agora têm desfrutado de nacionalidade dominicana, nunca deveriam ter sido reconhecidos como cidadãos, uma vez que seus pais eram todos “não-residentes” no momento do seu nascimento. Tal aplicação retroativa de uma lei contraria tanto o direito internacional quanto as próprias normas legais e constitucionais da República Dominicana. A mudança, ocorrida em janeiro 2010 com a nova Constituição Nacional, solidificou a primeira exceção com relação a nacionalidade de “não-residentes”, introduzida na lei de imigração de 2004. Atuais políticas de nacionalidade da República Dominicana discriminam dominicanos de ascendência haitiana, e, portanto, entram em conflito com suas obrigações de assegurar igual proteção dos direitos humanos na concessão da nacionalidade e para prevenir, evitar e reduzir a condição de casos de apatridia. O grupo “Open Society Foundations”, por meio de suas representantes Indira Goes e Liliana Gamboa, tem denunciado que o gozo ao direito à nacionalidade tornou-se quase impossível para os dominicanos de ascendência haitiana60. Desde 2004, esta população vulnerável enfrentou uma avalanche de mudanças legislativas hostis e políticas administrativas eficazes, o que os privou de sua nacionalidade dominicana, tornando-os excluídos permanentemente da vida econômica, social e cultural do país. 59. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 220. 60. Disponível em: . Acesso em: 24 jun. 2014.

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A iniciativa deste grupo trabalha para atingir os seguintes objetivos: combater a negação da emissão dos documentos – civil e eleitoral e privação da nacionalidade no âmbito de prover a sensibilização nacional e internacional de discriminação no acesso à nacionalidade na República Dominicana; envolverse nos desafios que envolvem as questões legais a discriminação no acesso à nacionalidade, perante os tribunais nacionais, regionais e internacionais; investir no corpo político do governo da República Dominicana no combate as suas políticas discriminatórias de nacionalidade e forçá-los a efetuar a mudança a partir do Poder Executivo para alcançar o registro civil. Eis aqui um dos desafios propostos por Canotilho61 ao apresentar o “constitucionalismo moralmente reflexivo”, que consiste na substituição de um modelo autoritariamente dirigente, através de outras maneiras que permitam conjugar o projeto da modernidade, onde ele não se realizou. O desenho institucional, centrado exclusivamente na estatalidade, não vai dar conta de superar os anseios que espera uma sociedade democrática. Os Estados que se assumem democráticos e pluralistas devem deixar um espaço para a política constitucional, principalmente em matéria de direitos fundamentais. No mesmo sentido, uma abertura aos influxos da ordem internacional é absolutamente necessária, assim como o respeito aos engajamentos pelos Estados nas mais diversas áreas, notadamente referente à proteção dos direitos humanos. Apesar da Corte Constitucional ter negado o direito à nacionalidade, adotou uma postura dialógica que, em tempos de constitucionalismo transformador, pretendeu determinar ao Poder Executivo a proceder e implementar um plano nacional de regulação de estrangeiros ilegais radicados no país. 4 A NACIONALIDADE COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL

De maneira geral, a nacionalidade é considerada um laço jurídicopolítico que une uma pessoa ao Estado62, constituindo-se numa espécie de elo que cria para ambos direitos e obrigações recíprocas63. De uma maneira mais técnica e precisa, não se trata apenas de um vínculo jurídico, mas também 61. CANOTILHO, J. J. Gomes. Brancosos e Interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. Coimbra: Almedina, 2008, p. 127. 62. DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado – Parte Geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2011, p. 43. 63. DEL’ OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Privado. 9. ed. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2012, p. 75.

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sociológico e político, cujas condições são definidas e estabelecidas pelo próprio Estado. Trata-se de um vínculo jurídico, porque dele se depreendem múltiplos direitos e obrigações de natureza civil; sociológico, porque faz parte da existência de um traço histórico, linguístico, racial e geopolíticos, entre outros, que conformam e sustentam uma idiossincrasia particular e aspirações coletivas; e político, porque essencialmente permite acesso aos direitos inerentes da cidadania, ou seja, a possibilidade de eleger e ser eleito para exercer cargos públicos no governo do Estado. A nacionalidade é hoje um direito humano fundamental64, entendimento pacífico e comum tanto no plano interno, onde os Estados normalmente consagram esse direito em suas Constituições, como no plano internacional, onde o direito à nacionalidade e o direito de não ser privado dela arbitrariamente é contemplado em diversos tratados internacionais de direitos humanos. Precipuamente, a nacionalidade é objeto de regulamentação estatal, cabendo ao Estado, num ato soberano, regular as formas de sua concessão e obtenção pelos indivíduos, estabelecendo as normas que definirão a sua aquisição, perda e reaquisição. Esta é a regra contemplada na Convenção de Haia Concernente a Certas Questões Relativas aos Conflitos de Leis sobre Nacionalidade, de 1930, que dispôs em seu art. 1º que “cabe a cada Estado determinar por sua legislação quais são os seus nacionais” e em seu art. 2º que “toda questão relativa ao ponto de caber se um indivíduo possui a nacionalidade de um Estado será resolvida de acordo com a legislação desse Estado”. Desse modo, pode-se afirmar, em síntese, que primordialmente cabe somente ao Estado a definição de quem são os seus nacionais. É inclusive por esse motivo que qualquer indivíduo que queira obter uma nacionalidade estrangeira deverá consultar as normas e as autoridades do respectivo país em cuja nacionalidade tiver interesse. O que se nota, portanto, é que a nacionalidade é um tema muito sensível, pois constitui uma manifestação da soberania e da identidade de um país. Contudo, a par desta constatação, observa-se que a atribuição da nacionalidade a um indivíduo faz surgir direitos e deveres recíprocos, tornando, v.g., o Estado encarregado da realização da proteção diplomática do seu nacional 64. A par de todo o debate que há em torno da expressão direitos humanos e do uso indiscriminado de diversas expressões, o presente texto utilizará a expressão “Direitos Humanos Fundamentais”, empregada em nosso meio por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, para fazer referência à nacionalidade enquanto direito fundamental consagrado nas Constituições e também como um direito humano, contemplado em diversos tratados internacionais.

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no exterior, devendo, portanto, velar pelos seus direitos fundamentais tanto no plano interno, como no plano internacional. Por essa razão, esclarece Alberto do Amaral Jr. que “a natureza eminentemente doméstica das questões de nacionalidade foi substituída, nas últimas décadas, pela preocupação com os seus reflexos na esfera internacional”65, notadamente em razão do fenômeno da globalização e do cosmopolitismo, que faz surgir a necessidade da proteção dos indivíduos não só no plano interno, mas também no plano internacional, sobretudo em questões relacionadas à proteção dos direitos humanos e aos conflitos positivos (polipatridia) e negativos (apatridia) de nacionalidade. Como decorrência, uma diversidade de tratados tem sido firmada pelos Estados nos últimos tempos, em uma clara tentativa de disciplinar a nacionalidade e todas as implicações dela decorrentes, em situações que extrapolam o âmbito interno dos Estados. Assim, o Direito Internacional, sem prejuízo da prerrogativa soberana do Estado na regulação da nacionalidade, também estabelece regras gerais no tocante ao tema, visando, sobretudo, resguardar a dignidade da pessoa humana e a estabilidade da sociedade internacional. Não há dúvidas, portanto, de que a nacionalidade está inserida no contexto dos direitos humanos, tendo sido consagrada em muitos tratados tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece em seu art. XV, par. 1, que “Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade”. Também foi contemplada no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, no seu art. 24, par. 3, que prevê que “Toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade” e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que nos parágrafos do seu art. 20 dispõe que “1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra. 3. A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade, nem do direito de mudá-la”, todos eles, ratificados pela República Dominicana. A proteção da nacionalidade enquanto um direito humano também está consagrada na Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada, que dispõe em seu art. 1º que “nem a celebração ou dissolução do matrimônio entre nacionais ou estrangeiros, nem a mudança de nacionalidade do marido durante o matrimônio, poderão afetar automaticamente a nacionalidade da mulher”. Deste modo, em razão da centralidade que a pessoa humana ocupa atualmente nos ordenamentos jurídicos domésticos e internacionais, o direito 65. AMARAL JR., Alberto do. Manual do Candidato: noções de direito e direito internacional. 4. ed. Brasília: FUNAG, 2012, p. 67.

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humano fundamental à nacionalidade deve ser garantido à todos, sem exceção. Pois, lembrando Hannah Arendt: Ser privado da nacionalidade é como ser privado da pertença ao mundo, é como retornar ao estado natural, como homens das cavernas ou selvagens... O homem que não é nada mais que um homem perdeu aquelas qualidades que tornaram possível para outras pessoas o tratarem como igual... Pode viver ou morrer sem deixar vestígios, sem ter contribuído em nada para o mundo comum66.

Nessa linha de entendimento, tendo a nacionalidade como um direito humano fundamental consagrado, a questão que se coloca, portanto, é a verificação da (in)compatibilidade da decisão do Tribunal Constitucional dominicano com a proteção desse direito tanto no plano doméstico como no plano internacional. CONCLUSÃO

As Constituições formam o corpo político fundamental do Estado e há uma necessidade urgente de se abordar o papel constitucional da política democrática, a fim de ver, por exemplo, como não é a separação dos poderes, mas a alternância e o diálogo produtivo entre eles, que fortalece a melhor defesa dos direitos e, de fato, o que é um direito fundamental dos cidadãos de serem tratados como iguais, com abertura de suas reivindicações no quadro democrático, a fim de poder controlar a constituição permanente e suas políticas67. O imigrante é também um valioso agente de transformação social, econômica, política, cultural e religiosa, porque quando ele se move, move a história.68 A remodelagem, a permeabilidade e a aplicação efetiva de novas leis e políticas de migração internas serão capazes de oferecer soluções adequadas aos problemas de migração que se apresentam como contraditórios, massivos e complexos69. A vulnerabilidade determina a necessidade de proteção e assistência a quem migra. Os fenômenos migratórios não só no Brasil, mas no mundo, são fatores que requererem o diálogo entre o Direito doméstico dos Estados e o Direito Internacional, bem como a ação e cooperação de instituições nacionais e 66. ARENDT, Hanna. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 67. BELLAMY, RICHARD. Constitucionalism and Democracy. Internacional Library of Essays in Law Theory; Second Series, p. 11-68. Disponível em < http://papers.ssrn.com/sol3/ papers.cfm?abstract_ id=1571492>. Acesso em: 02 ago. 2014. 68. Projeto OIM–DEEST/SNJ. Colóquio sobre Direitos Humanos na Política Migratória Brasileira, op. cit., p. 26. 69. Projeto OIM–DEEST/SNJ. Colóquio sobre Direitos Humanos na Política Migratória Brasileira, op. cit., p. 18.

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internacionais para serem minimamente garantidos. Contudo, o que se afere é que não existe ainda, numa escala global, instrumentos competentes e idôneos para promover uma completa proteção às pessoas que deixam a sua pátria, imigrando para outros países, embora atualmente haja muitos documentos internacionais de direitos humanos nesse sentido e também previsões constitucionais em diversos países, que resguardam os direitos daquelas pessoas que se deslocam de seu país de origem para outros, temporária ou permanentemente. A fim de atingir esse objetivo é necessário articular, desenvolver e promover uma grande rede de ações em prol de uma integração, que alie direitos internos e suas políticas àqueles externos, a partir do reconhecimento de que os Direitos Humanos devem constituir, hoje, o mote que deve orientar as legislações e políticas domésticas e internacionais. O imigrante deve ser tratado como um ser humano, igual aos demais. A seletividade e políticas migratórias retrógradas e burocráticas acabam por promover o aumento da imigração irregular, tornando-os mais vulneráveis70. A migração irregular e a consequente exclusão da proteção oferecida pela legislação nacional que protege os direitos dos imigrantes71 precisam encontrar um espaço de diálogo na relação que se estabelece entre a soberania nacional e a proteção dos imigrantes como seres humanos. Não se pode entender a dimensão de direitos de uma pessoa de maneira dissociada da dimensão institucional, constitucional e humana que a permeia e lhe é ínsita. A separação dos poderes envolve não só presidentes e parlamentos, mas também a posição constitucional de tribunais e das agências administrativas72. É nesse contexto que os direitos se realizam pelo braço institucional do funcionamento do poder e, caso não haja esta conexão, pode-se gerar um artificialismo na questão do que seja o constitucionalismo e o “respeito” aos direitos humanos. Pode-se dizer, assim, que a cidadania versa sobre o reconhecimento dos direitos dos indivíduos e, nessa conjuntura, Kenneth Karst73 afirma que o princípio da igualdade dos cidadãos “protege o interesse fundamental em ser tratado pela sociedade como uma pessoa, alguém a que pertence”, independentemente de ser um imigrante. Sendo assim, caracterizar-se-á que o princípio da igualdade, em um ordenamento constitucional, inicialmente, protege a pessoa constitucional, atribuindo condições e procedimentos para 70. 71. 72. 73.

Projeto OIM–DEEST/SNJ. Colóquio sobre Direitos Humanos na Política Migratória Brasileira, op. cit., p. 19. Projeto OIM–DEEST/SNJ. Colóquio sobre Direitos Humanos na Política Migratória Brasileira, op. cit., p. 19. ACKERMAN, Bruce. A Nova Separação Dos Poderes. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 6. KARST, Kenneth. Foreword: Equal Citizenship under the Fourteenth Amendment. Harvard Law Review, 1977.

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que possa participar efetivamente da organização político-administrativa em que está inserida, denominando-a de cidadão. Mas não só, pois o que se extrai ainda do princípio é que a proteção é uníssona, não perfazendo distinção entre pessoas constitucionais, ou seja, incluídas no Estado politicamente organizado pelo vínculo da nacionalidade e imigrantes, que incialmente, como regra, não estão ligados ao Estado pelo vínculo da nacionalidade e, logo, não desfrutam de seu consectário lógico que é o exercício dos direitos políticos, entre outros. Frequentemente, a cidadania e a pessoalidade são consideradas direitos opostos, podendo isso ser vislumbrado nas referências à cidadania nacional e seus direitos conexos, enquanto que a pessoalidade invoca os direitos e a dignidade dos indivíduos, independente do estado nacional ao qual estão inseridos e/ ou afetos pelo vínculo da nacionalidade. Nesta linha, pode-se ponderar o pensamento de Alexander Bickel74 de que a Constituição, exemplificativamente a norte-americana, não faz menção de proteção a pessoas e sim a cidadãos. O pensamento de Alexader Bickel não está em consonância com os preceitos de proteção constitucional e, nesta linha, apresenta-se o argumento de fundamentação de Linda Bosniak75, que considera a ambiguidade da personalidade, a partir da ideia construída de cidadania, como por exemplo, a ideia clássica da teoria política que diz, conforme expressado por John Locke76, que a compreensão do significado estaria ligado ao poder político e aos direitos do homem na sociedade civil, entendido, também hoje, como direitos e deveres dos integrantes da sociedade civil. Locke traz a concepção de que não existe a possibilidade de sustentar a existência de direitos diferenciados para os homens na sociedade civil, os homens não podem ter limitados os seus direitos a vida, liberdades, posses, saúde, felicidade. Assim sendo, pode-se compreender que, analiticamente, os termos cidadania e pessoa constitucional são indicados para ambas as relações existentes entre os membros da comunidade política. No âmbito normativo, a cidadania é compreendida com o universalismo no seio da comunidade, associada, ainda, a compromissos sociais. Em se tratando de universalidade de direitos e concepções de garantias humanas fundamentais, atribuir somente ao cidadão os direitos constitucionais previstos é legitimar um verdadeiro retrocesso, inclusive à democracia instituída. O respeito aos Direitos Humanos, de matriz universal e que devem, portanto, 74. BICKEL, Alexander M. The Morality of Consent. Yale University Press, 1975. 75. BOSNIAK, Linda S. Persons and citizens in constitutional thought. Oxford University Press, 2010. Disponível em: . Acesso em: 02 ago. 2014. 76. LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo. São Paulo: Martin Claret, 2010, p. 68.

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ser garantidos aos indivíduos, simplesmente pelo fato de serem humanos, devem ser respeitados e atuados. Tem-se, por certo, que as pessoas inseridas no Estado constitucional são sujeitos de direitos e deveres, estando garantidos os diretos fundamentais aos cidadãos e às pessoas constitucionais. Contudo, os tempos hodiernos permitem fazer-se uma leitura mais atualizada no que diz respeito ao conceito de cidadania, pois “o direito a ter direitos independe da posse da cidadania”, devendo a mesma ser assegurada a todos aqueles que são sujeitos de Direitos Humanos, inclusive e notadamente, os (i)migrantes. REFERÊNCIAS ACKERMAN, Bruce. A nova separação dos poderes. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. AMARAL JR., Alberto do. Manual do Candidato: noções de direito e direito internacional. 4. ed. Brasília: FUNAG, 2012. ARENDT, Hanna. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. BELLAMY, RICHARD. Constitucionalism and Democracy. Internacional Library of Essays in Law Theory; Second Series, p. 11-68. Disponível em . Acesso em: 02 ago. 2014. BICKEL, Alexander M. The morality of consent. Yale University Press, 1975. BOSNIAK, Linda S. Persons and citizens in constitutional thought. Oxford University Press, 2010. Disponível em: . Acesso em: 02 ago. 2014. CANOTILHO, J. J. Gomes. Brancosos e Interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. Coimbra: Almedina, 2008. CZAIKA, Mathias; HAAS Hein. The Effectiveness of Immigration Policies. IMI Working Papers Series 2011, Nº 33, p. 1-26. DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado – Parte Geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2011. DEL’ OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Privado. 9. ed. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2012. GOLDIN, Ian; CAMERON, Geoffrey; BALARAJAN, Meera. Exceptional People: How Migration Shaped our World and Will Define our Future. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 2011, E-book. KARST, Kenneth. Foreword: equal citizenship under the fourteenth amendment. Harvard Law Review, 1977.

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