CIDADE MONÇÕES: UM ESTUDO DE CASO PARA A COMPREEENSÃO DA RELAÇÃO SER HUMANO- MEIO AMBIENTE À LUZ DO CONCEITO DURKHEIMIANO DE ANOMIA

June 3, 2017 | Autor: D. Schmidt | Categoria: Historia Urbana, Sociología, História Da Arquitetura E Do Urbanismo
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cidade monções: Um estudo de caso para a compreeensão da relação ser humano- meio ambiente à luz do conceito durkheimiano de anomia
Introdução
Finalmente, chegou o final de semana. No sábado, logo cedinho, uma olhada pela janela serve para que eu perceba que aquele dia "promete". Um sol lindo brilha lá fora. Depois de um café da manhã tranquilo e gostoso, a hora agora é de pensar em cuidar do corpo. Calço meus confortáveis tênis e me preparo para um dos meus prazeres: uma boa caminhada em ritmo apressado. Como sempre, saio do condomínio e subo a Rua Padre Antônio José dos Santos. Depois de umas 10 quadras, dobro à direita na Rua Guaraiuva. Andando mais alguns metros, chego a meu ponto preferido de caminhada: um quarteirão imenso e arborizado que cerca o terreno do Clube da Sociedade Hípica Paulista. Que delícia! Aquela uma hora e meia de caminhada vai me garantir alguns gramas a menos de peso e uma boa noite de sono.
Porém, logo essa alegria se torna menor. A poucos passos, percebo um saco plástico jogado na calçada. Em outro ponto, um copo. Mais ali, uma latinha de cerveja e um grande pedaço de papelão. O prazer vai se transformando em decepção e questionamento: como um local tão agradável pode estar tão maltratado?
O propósito desse texto é procurar responder sociologicamente a essas pergunta. Ele será dividido em seis partes. Num primeiro momento, farei uma breve descrição biográfica do autor cujo conceito sociológico servirá de referencial teórico para esse trabalho: o francês Émile Durkheim.
A segunda parte será dedicada a uma descrição de um dos seus principais conceitos: a ideia de anomia, que servirá de base para nossa reflexão.
Um terceiro momento será dedicado à exposição de dados sócio- econômicos do bairro que é alvo do estudo: a Cidade Monções, localizada na zona sul da cidade de São Paulo. Eles são importantes para que se estabeleça um perfil dos habitantes do local.
Porém esse perfil de nada vale se não levarmos em conta a história do bairro. Portanto, a quarta parte do texto será dedicada a narrar brevemente a trajetória do local desde seu início rural no começo do século XX até a expansão imobiliária que começou a atingi-lo nos anos 1940. E que não parou mais.
A quinta parte será dedicada a descrever brevemente o triste estado em que se encontra um dos últimos resquícios da fase rural de Cidade Monções: o das cercanias da Sociedade Hípica Paulista.
Em último lugar, procurarei analisar essa realidade à luz do conceito durkheimiano de anomia. Proporei também soluções através da educação.
1 Émile Durkheim, pioneiro de uma nova ciência
Juntamente com Auguste Comte (1798-1857), Max Weber (1864-1920) e Karl Marx (1818-1883), David Émile Durkheim pode ser considerado um dos pioneiros de uma nova ciência surgida no século XIX: a Sociologia.
Essa nova ciência surgiu num momento em que a Europa passava por profundas transformações sociais e econômicas. A Revolução Industrial iniciada no século XVIII chegava agora ao seu segundo estágio. A falta de oportunidades no campo levava milhares de trabalhadores rurais a buscar trabalho nas fábricas recém - surgidas nas cidades. As ruas se tornaram superpovoadas, e isso levando ao desemprego e à violência. A situação do Velho Continente (e posteriormente do Brasil como veremos abaixo) no processo de urbanização e industrialização levou à necessidade de encontrar respostas para essa nova realidade. Para estudar a sociedade humana surgiu então a Sociologia, que teve enorme contribuição de Émile Durkheim. Segundo Selene Herculano: "Coube ao sociólogo francês [...] a tarefa de dar contornos de ciência à Sociologia, delimitando seu objeto e definindo seu método científico de análise, à imagem e semelhança das ciências naturais, o que fez em sua obra As Regras do Método Sociológico, de 1895" .
Nascido na cidade francesa de Épinal no ano de 1858, esse filho de uma família judaica iniciou seus estudos numa escola rabínica. No ano de 1879, foi admitido na Escola Normal Superior de Paris. Ali, tomou contato com as obras de Comte, o que influenciaria sua produção posterior. Formou-se em 1882, passando a dar aulas de Filosofia em diversos liceus.
Em 1885, Durkheim partiu em viagem de estudos para a Alemanha. Ao retornar à França, foi nomeado para a Universidade de Bordeaux como professor da primeira cadeira de Ciências Sociais daquela instituição. Sete anos depois, o sociólogo francês publicou sua tese de doutorado Da divisão do trabalho social. Émile Durkheim faleceu em Paris no ano de 1917.
2 A questão da anomia na sociologia durkheimiana
A Sociologia de Durkheim possui alguns conceitos importantes. Entre eles podemos citar as ideias de fatos sociais, consciência coletiva e solidariedade social. Porém, para essa pesquisa daremos especial atenção a outro desses conceitos: a ideia de anomia.
Para Emile Durkheim, a sociedade era constituída do que ele chamava de fatos sociais. Eles poderiam ser explicados como atitudes coletivas institucionalizadas e definidas em normas. Explicando melhor: seriam elementos impostos aos indivíduos. Segundo o sociólogo francês eles são "as maneiras de pensar, agir e sentir, exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe opõem". Alguns exemplos de fatos sociais seriam as leis, o uso do dinheiro etc.
Outro elemento importante da sociologia durkheimiana é o conceito de consciência coletiva. Podemos definir consciência coletiva como o modo através do qual a sociedade se auto avalia. A consciência coletiva transcende a consciência individual, sendo imposta a todos os elementos da sociedade. Segundo Renato Ortiz:
A noção de consciência coletiva supõe (para Durkheim) a existência de uma essência transcendental exterior aos indivíduos e que os enquadra coercivamente na dimensão da norma. Toda ação social é, desta forma, deduzida a partir de um sistema objetivo de representações que se encontra fora do alcance do ator social; posto que o indivíduo é concebido de forma dual – ser individual/ser social – a questão da ordem pressupõe, necessariamente, a adequação do indivíduo ao sistema social global. O ser individual, que para Durkheim é distinto e antagônico ao homem social, deve obrigatoriamente ser recalcado diante da coerção exercida pela consciência coletiva.

Outra questão é o que o sociólogo francês chama de solidariedade social. Uma das preocupações de Durkheim era compreender o motivo da existência dos grupos humanos. Segundo sua percepção, isso ocorria devido à solidariedade social. É importante salientar que aqui, o termo "solidariedade" não deve ser entendido em sua acepção cristã de piedade. Para Durkheim, solidariedade era uma forma de cooperação baseada no trabalho em equipe. Essa solidariedade poderia se dar de duas formas de acordo com o tipo de divisão social do trabalho em determinados grupos humanos: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica.
A solidariedade mecânica existe nas sociedades pré-capitalistas, onde a divisão do trabalho é menor. A unidade do grupo se dá com base na identidade. Isso faz com que o indivíduo se sinta parte do corpo. Aliás, o termo "mecânica" é utilizado aqui para dar a entender que, nesse modelo, não existem motivos para que isso não ocorra: a solidariedade é automática. Nesse caso, a consciência coletiva é bastante forte. Alguns exemplos de solidariedade mecânica podem ser encontrados nas tribos indígenas, nos pequenos grupos religiosos etc. Porém, esse não é o único modelo durkheimiano de solidariedade.
O segundo modelo seria a solidariedade orgânica. Segundo Durkheim, esse tipo de solidariedade está presente nas sociedades capitalistas, onde a divisão do trabalho é maior. Nesse caso, a união não se dá com base na identidade- como na solidariedade mecânica- mas sim na interdependência. Isso explica o termo "orgânica" , que nomeia esse modelo: aqui a solidariedade é estrutural. Nesse ambiente, o indivíduo tem dificuldade de se sentir parte do grupo, pois a consciência coletiva é bastante tênue. É nesse ponto pode surgir aquilo que o sociólogo francês denomina de anomia. Esse conceito será muito importante para a compreensão do objeto de nosso estudo, a relação entre o ser humano e o meio ambiente no bairro paulistano de Cidade Monções. Porém, nesse momento se faz necessário explicar a que o sociólogo francês se refere quando utiliza esse termo.
O termo "anomia" (originário do grego anomos- "sem lei") foi tomado de empréstimo por Émile Durkheim da obra do filósofo e poeta francês Jean Marie Guyau (1854-1888). Porém, enquanto para Guyau anomia servia para designar o necessário rompimento do ser humano para com as regras da Moral e da Religião, essa palavra assumiu outro significado para Durkheim. Em seu livro Da Divisão do trabalho Social, ele vê a anomia como um dos resultados de uma divisão perniciosa do trabalho no sistema capitalista. Segundo Herculano:
A [...]forma anormal de divisão social do trabalho diz respeito à anomia social, ao desregramento, à falta ou ao esgarçamento do tecido das sociedades organizadas, como prefere designá-las nosso autor [...] a divisão anômica caracteriza o mundo moderno, suas crises industriais, seu trabalho contínuo e monótono.
Para Durkheim, a solidariedade orgânica age de forma centrípeta, com uma tendência ao individualismo. Ainda de acordo com Selene Herculano: "Neste mundo moderno as relações do capital e do trabalho encontram-se em 'estado de indeterminação jurídica' e, portanto, a divisão social do trabalho não poderá produzir solidariedade". De acordo com a autora, isso levaria, então, à anomia:
Segundo Durkheim é a falta de um ideal moral que permitirá o aviltamento da natureza humana em tarefas industriais que reduzem o homem ao papel de máquina. É reduzir o homem às suas funções econômicas que irá impedir não apenas seu aperfeiçoamento individual, mas que provocará o esgotamento da própria fonte da vida social.
A História da Humanidade nos proveu de exemplos bastante cruéis de casos de anomia. Um deles seria o dos campos de concentração e extermínio da Alemanha Nazista. Ouvindo testemunhos de sobreviventes, lendo livros como A Noite de Elie Wiesel ou assistindo a filmes como A Lista de Schindler - dirigido por Steven Spielberg- podemos perceber que nesses locais o ser humano era coisificado. As menores regras de conduta deixavam de existir. De acordo com Hannah Arendt:
Os campos destinam-se não apenas a exterminar pessoas e degradar seres humanos, mas também servem à chocante experiência de eliminação, em condições científicamente controladas, da própria espontaneidade como expressão da conduta humana, e da transformação da personalidade humana numa simples coisa, em algo que nem mesmo os animais o são [...]
Como veremos adiante, essa coisificação, esse embrutecimento, não irá deixa reflexos apenas nas relações dos seres humanos entre si. Ela influencia até mesmo a relação do indivíduo com o meio ambiente. No caso específico dessa pesquisa, o ambiente massificante de uma grande cidade como São Paulo leva os indivíduos a um pouco caso com a manutenção da dignidade do próprio meio onde vivem. No caso, o do bairro de Cidade Monções.

3 Alguns dados sobre o bairro de Cidade Monções
Cidade Monções é um pequeno bairro de classe média/ média- alta situado na zona sul da cidade de São Paulo. Ele faz parte da subprefeitura de Pinheiros, mais especificamente do distrito do Itaim- bibi (ver figuras 1 e 2)

Figura 1Mapa da subprefeitura de Pinheiros

Essa região abarca outros bairros de classe média e média- alta da cidade como Cerqueira César e Jardim Europa. Segundo dados de 2009, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) local é alto: contabiliza 0, 833. A população fixa é de 270. 789 habitantes. Já a população itinerante gira em torno de 1,5 milhão. Segundo a mesma fonte, a densidade demográfica é de 8598, 50 hab./km². O percentual de urbanização é de 100%.


Figura 2 Mapa do Distrito do Itaim bibi
4 História da Cidade Monções: um bairro inicialmente rural
Como outros bairros de São Paulo, aquilo que viria a se tornar Cidade Monções teve um início eminentemente rural. Ele era o que se costumava chamar de um arrabalde. Nos anos 1920, parte de seu território era ocupada por uma fazenda (da qual fazia parte uma olaria), pertencente à família Ermírio de Moraes, proprietária do Grupo Votorantim. Outra parte era ocupada por chácaras que produziam verduras e flores. Em 1939 se instalou ali aquele que se tornaria um dos últimos resquícios do primeiro tipo de ocupação do bairro: o elegante clube da Sociedade Hípica Paulista, que até hoje ocupa um gigantesco terreno dentro do bairro (ver Figura 3). Segundo o testemunho do senhor Heitor Iório: "fora a grande olaria que era da família Ermírio de Moraes, tinha [sic] também a Sociedade Hípica Paulista, que foi fundada em julho de 1911, no bairro de Pinheiros, e veio para o [sic] Monções em 1939, com a sua entrada principal voltada para a Rua Quintana.

Figura 3 Vista aérea de Cidade Monções nos anos 1950. No alto o terreno da Sociedade Hípica, que ainda existe. Fonte Internet

Porém, logo a especulação imobiliária retiraria daquele lugar suas características rurais. A resposta para isso pode ser encontrada na História do Brasil. A partir de meados do século XX, as mesmas condições existentes na Europa dos tempos de Émile Durkheim resolveram dar as caras por aqui. O período da Era Vargas (1930- 1945) foi marcado por um surto de industrialização e urbanização no Brasil. Uma das principais beneficiárias desse novo momento foi a cidade de São Paulo, que deixou de ser a Metrópole do Café para se tornar o principal polo industrial do país. Começou aí uma transformação que chegaria a seu ápice no período da Ditadura Militar: a cidade se urbanizava e novos bairros surgiam, fruto do êxodo rural. Isso trouxe consequências para aquele arrabalde então longínquo que viria a se chamar Cidade Monções. Em 1945, o terreno da velha olaria dos Ermírio de Moraes começou a ser loteado pela Companhia Bandeirantes. No ano seguinte, a Companhia Monções (daí o nome do bairro) começou a construir uma série de casas. O então ainda desconhecido arquiteto João Artacho Jurado (1907-1983) projetou um conjunto de casas térreas voltadas para a classe média, com garagem nos fundos e varandas em arco (ver Figuras 4, 5 e 6).


Figura 4 Cidade Monções nos anos 1950. Fonte Internet.

Figura 5 Provavelmente uma das casas projetadas por Artacho Jurado em Cidade Monções. Foto do autor



Figura 6 Anúncio do loteamento Cidade Monções. Fonte Internet

O local era tão deficiente em termos de transporte que cada comprador era presenteado com um automóvel. Porém, logo os sinais desse segundo momento de ocupação do bairro também seriam apagados. As pequenas casas de classe média acabaram sendo modificadas ou substituídas por prédios de apartamentos. Como já foi dito, um dos últimos resquícios dos momentos iniciais da ocupação de Cidade Monções seria o terreno ocupado pela Sociedade Hípica Paulista.
5 Um quadrilátero degradado
Um dos últimos resquícios do modelo anterior de ocupação do bairro é a área ocupada pelo clube da Sociedade Hípica Paulista. Desde 1939, a instituição ocupa um terreno de quase 20 quarteirões entre as ruas Guaraiuva, Quintana (onde se situa o portão principal), Porto Martins e Kansas.
As cercanias do clube são arborizadas. Algumas ruas do bairro terminam nos muros da instituição. Isso dá origem a pequenas vilas fechadas por portões, o que torna suas casas muito procuradas numa cidade insegura como São Paulo (ver figura 7).
Figura 7 Umas das pequenas vilas formadas no final das ruas. No fundo, o muro da Sociedade Hípica Paulista.

Resumindo: esse é um local aprazível, onde muitos habitantes do bairro vão fazer suas caminhadas de final de semana, andar de bicicleta e levar os cachorros para passear. Porém, um olhar mais atento revela que nem tudo é tão perfeito assim. Aquele é um quadrilátero degradado.
Quem passeia por aquelas ruas arborizadas é obrigado a desviar da grande quantidade de lixo espalhado pelas calçadas. A impressão que se tem é que o serviço público de coleta não passa por ali. Ou pior: que as pessoas que transitam por aquele local não o respeitam. Praticamente a cada passo, é possível encontrar cestos de lixo quebrados, papéis, latas e sacolas plásticas de supermercado e outros tipos de comércio pelo chão. Esse é um material que facilmente poderia ser reutilizado nas casas ou enviado para a reciclagem.


Figura 8 Lixeira quebrada nas ruas do bairro

Figura 9 Lixo

Figura 10 Lixo



Figura 11E ainda mais lixo
Ao nos depararmos com essa situação, fica a pergunta: o que leva a população da cidade a ter esse tipo de relação com o local? Cremos que a resposta pode ser encontrada no já citado conceito durkheimiano de anomia.
6 O conceito durkheimiano de anomia e sua influência na relação ser humano- meio ambiente
Segundo a perspectiva defendida por esse trabalho, a relação ser- humano meio ambiente no bairro de Cidade Monções pode ser compreendida à luz do conceito durkheimiano de anomia. O ambiente da cidade grande levaria a uma quebra das relações tradicionais e à anulação da identidade do indivíduo. Esse mundo despedaçado acabaria se refletindo na relação desse ser com o meio a seu redor. Nesse sentido, a Educação teria um papel essencial no resgate de valores.
Como na Europa dos tempos de Durkheim, a industrialização e a urbanização aceleradas no Brasil lançam os indivíduos num ambiente de coisificação. Na cidade grande, o ser humano se torna um número. O mundo da solidariedade mecânica tradicional de Durkheim, tão bem descrito na canção Vilarejo interpretada por Marisa Monte deixa de existir:


Há um vilarejo ali
Onde areja um vento bom
Na varanda quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão

Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão
Terra de heróis, lares de mãe
Paraíso se mudou pra lá
Por cima das casas cal
Frutas em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonhos semeando o real

Toda gente cabe lá
Palestina Xangri-lá [...]
Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar [...]

Na cidade grande, o indivíduo se confronta, por vezes literalmente, com a realidade da massificação. As relações e o aconchego não mais existem. Nos casos extremos, surge a anomia, que impregna tanto as relações interpessoais quanto as relações com o meio ambiente. Para exemplificar o primeiro caso, vem à memória um pequeno fato da história familiar. Uma parenta que vive no interior veio um dia veio a trabalho a São Paulo. Para se dirigir a um determinado local da cidade, ela teria que tomar o metrô numa das estações mais movimentadas da capital. O resultado foi uma desesperada crise de choro, pois a massa não permitia que ela entrasse no vagão. No meio da multidão, minha parenta era apenas um número, alguém que não era mais digno de ser tratado dentro das mínimas regras, pois elas não valiam mais. Se não fosse o auxílio de outro cidadão que conseguiu romper a barreira da anomia e auxiliou sua entrada no trem, ela não teria conseguido chegar onde devia para cumprir seu compromisso. Mas essa anomia impregna não apenas as relações interpessoais: ela influencia também na maneira como o indivíduo de relaciona com o meio ambiente. Nesse ponto é que se enquadra o lixo espalhado pelo chão dum recanto aprazível num pequeno bairro da capital.
Na cidade grande o indivíduo é colocado dentro de uma realidade que não cumpre o que prometeu. A propaganda de riqueza e facilidade vendida pelas novelas da televisão se revela irreal. Além de os velhos vínculos já não existirem mais, a cidade não lhe concede nada que se assemelhe a um tratamento digno. No caso de conseguir emprego, depois de passar horas num trabalho enfadonho (algo já referido por Durkheim como um dos efeitos nefastos da solidariedade orgânica), ele é obrigado a enfrentar um sistema de transporte inoperante. Quando fica doente, uma saúde pública que não funciona. Nas ruas, ensino ruim, falta de segurança e de opções de lazer. Portanto, para que tratar bem uma cidade que não lhe "devolve" absolutamente nada? Para que colaborar com a limpeza das ruas de uma cidade que lhe é absolutamente ingrata? O senso de civilidade aparentemente perde a importância. E o lixo vai, consciente ou inconscientemente, parar nas ruas do bairro. Os latões de são quebrados. Pouco importa separar o lixo reciclável do não reciclável. A cidade não merece essa preocupação.
Voltando a Émile Durkheim nesse ponto, podemos dizer que a Educação tem um importante papel a cumprir para romper esse ciclo. Para o sociólogo francês, cabia a ela inculcar nos indivíduos as regras para viver em sociedade. Cabe à educação incluir no grupo aquele indivíduo imerso numa realidade anômica. É dever dos professores não apenas transmitir os conteúdos das disciplinas curriculares, como também valores. E um deles é o da cidadania. O indivíduo deve ser conscientizado de que não é apenas um número, mas um cidadão. Que ele faz diferença e que pode exigir direitos das autoridades. Mas não apenas isso: que ser cidadão envolve também obrigações. Afinal, poder envolve responsabilidades. Responsabilidades que vão tornar melhor a sua vida e a vida da cidade. Um exemplo é a de zelar pelo meio ambiente. Atitudes simples tomadas por ele, como a manter a limpeza das ruas e reciclar o lixo tornam a cidade mais humana. E isso irá dignificá-lo e àqueles que o rodeiam.

Conclusão
Como foi possível perceber através desse trabalho, o conceito sociológico durkheimiano de anomia pode servir para esclarecer a relação difícil entre o ser humano e o meio ambiente que o rodeia. Inclusive, a relação entre os habitantes de um pequeno bairro de classe média e média alta da capital paulista com a limpeza de suas ruas: a Cidade Monções.
Surgida no momento em que a Revolução Industrial europeia entrava na sua segunda fase, a Sociologia procurava dar respostas para a nova realidade vivida pelo seu objeto de estudo, a sociedade humana. As cidades inchavam devido ao êxodo rural. O desemprego e a violência enchiam as ruas. Como vimos, estas condições se repetiram no Brasil, quando esse país viveu o início de seu surto de urbanização e industrialização em meados do século XX.
A Sociologia de Émile Durkheim possui vários conceitos importantes como os de fato social, consciência coletiva e solidariedade social. Porém, foi o conceito de anomia que permitiu uma melhor leitura do nosso objeto de estudo. Segundo Durkheim, essa falta de regras (sentido original do termo na língua grega) seria fruto de um desenvolvimento deturpado da solidariedade orgânica na sociedade capitalista. A extrema divisão do trabalho social vinculada levaria o ser humano a um embrutecimento, a uma perda de valores. Algo muito apropriado para explicar a realidade de uma grande cidade como São Paulo e mais especificamente, a relação dos habitantes do bairro de Cidade Monções com o meio ambiente que os cerca.
Cidade Monções era um arrabalde rural da cidade de São Paulo no início do século XX. Em meados dos anos 1940, foi alvo da expansão da cidade durante o período estado-novista. A partir daí, continuou sofrendo profundas transformações. Porém, um último resquício dos velhos tempos rurais sobreviveu: as cercanias ainda arborizadas e aprazíveis da Sociedade Hípica Paulista.
Porém, um olhar mais atento mostra que aquele local onde os habitantes do bairro fazem suas caminhadas, andam de bicicleta e levam seus cachorros para passear não está recebendo a devida atenção. Ou pior: ele é alvo de um profundo pouco-caso. As calçadas estão repletas de lixo e os pontos de coleta estão quebrados. Uma explicação para o fato: a anomia que impregna tanto as relações entre humanos quanto com o meio ambiente numa cidade hostil como São Paulo.
Neste contexto, a Educação tem um papel essencial para reverter o quadro. Ela tem a função não apenas de preparar o indivíduo para um futuro profissional, como também de ensinar-lhe cidadania. De fazê-lo se aperceber não mais como um número sem alma, mas como um cidadão. Como alguém que tem direitos, mas que também tem deveres. Entre eles está o de cuidar bem do ambiente de sua cidade, para que ela se torne mais acolhedora tanto para si como para seus semelhantes.

Bibliografia

1 Livros
HARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. (Col. Grandes Cientistas Sociais, v.39).
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982
TOLEDO, Benedito Lima de. Álbum Iconográfico da Avenida Paulista. São Paulo: Editora Ex-Libris, 1987
WIESEL, Elie. A Noite. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

2 Textos na Internet
HERCULANO, Selene. A Sociologia de Émile Durkheim: moderação e solidariedade para vencer a anomia moderna e alcançar a felicidade. Disponível em http://www.professores.uff.br/seleneherculano/images/A_SOCIOLOGIA_DE_%C3%89MILE_DURKHEIM_MODERA%C3%87%C3%83O_E_SOLIDARIEDADE.pdf.
IÓRIO, Heitor. A origem do bairro Cidade Monções. Disponível em http://www.saopaulominhacidade.com.br/historia/ver/2108/A%2BOrigem%2Bdo%2BBairro%2BCidade%2BMoncoes.
JAYO, Martin. Artacho Jurado desconhecido. Disponível em www.vitruvius.com.br.
3 Sites
http://durkheim.uchicago.edu/Biography.html
https://www.letras.mus.br/marisa-monte/441705/.
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/subprefeituras/qualidade_na_gestao/arquivos/10_converse_com_a_subprefeitura_pinheiros.pdf.
http://www.suapesquisa.com/o_que_e/idh.htm.

2







Cf. HERCULANO, Selene. A Sociologia de Émile Durkheim: moderação e solidariedade para vencer a anomia moderna e alcançar a felicidade.Disponível em http://www.professores.uff.br/seleneherculano/images/A_SOCIOLOGIA_DE_%C3%89MILE_DURKHEIM_MODERA%C3%87%C3%83O_E_SOLIDARIEDADE.pdf. Visitado em 22 de maio de 2016.
O bisavô, o avô e o pai de Durkheim havia sido rabinos.
Cf. http://durkheim.uchicago.edu/Biography.html. Visitado em 22 de maio de 2016.
Citado em Herculano.
Cf. ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. (Col. Grandes Cientistas Sociais, v.39). pp. 7-36.
Durkheim defende que a divisão social do trabalho surge á medida que as sociedades se tornam mais complexas. O motivo é que nessas situações a luta pela vida se torna mais intensa. Mas ela não é a causa das hostilidades entre os indivíduos, muito pelo contrário. Ela serviria para proteger a sociedade. Neste ponto, ele toma de empréstimo a Teoria da Evolução de Charles Darwin (1809-1882). Segundo o biólogo inglês, quanto mais semelhantes fossem dois organismos, mais concorrência iria existir entre eles, pois teriam os mesmos objetivos. A divisão do trabalho substituiria então a eliminação pura e simples e reforçaria a solidariedade.
Nesse ponto pode-se perceber a influência do pensamento de Auguste Comte sobre a sociologia de Durkheim. Para o criador do Positivismo, a sociedade funcionava como um organismo.
Cf. Herculano.
Cf. Idem.
Cf. Idem.
Cf. WIESEL, Elie. A Noite. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. Em uma das cenas de seu livro de memórias do Holocausto, Wiesel narra como os prisioneiros famintos lutavam entre si como animais quando um naco de pão era lançado dentro do vagão que os levava de um campo de concentração para outro.
Em A Lista de Schindler, ficaram famosas as cenas em que o comandante do campo de concentração de Plaszow, Amon Goeth ( interpretado por Ralph Fiennes) se posta na sacada de sua casa para disparar tiros de espingarda nos prisioneiros que passavam.
Cf. HARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.582.
O IDH tem o objetivo de apurar o grau de desenvolvimento econômico e qualidade de vida da população de um determinado país, estado, região ou cidade. Essa pesquisa é desenvolvida por um órgão da ONU- o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)- e o valor é calculado levando em conta dados socioeconômicos. Ele varia de 0 (nenhum desenvolvimento) a 1. Cf. http://www.suapesquisa.com/o_que_e/idh.htm. Visitado em 21 de maio de 2016.
Cf. http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/subprefeituras/qualidade_na_gestao/arquivos/10_converse_com_a_subprefeitura_pinheiros.pdf. Visitado em 22 de maio de 2016.
Como Cidade Monções, muitos outros bairros da capital paulista tiveram um início rural. O vizinho Campo Belo, por exemplo, era uma fazenda de propriedade da família Vieira de Moraes. A região da Avenida Paulista teve origem no loteamento de algumas chácaras- como a Chácara Bela Cintra- nos últimos anos do século XIX. Cf. TOLEDO, Benedito Lima de. Álbum Iconográfico da Avenida Paulista. São Paulo: Editora Ex-Libris, 1987, p. 16.
Cf. IÓRIO, Heitor. A origem do bairro Cidade Monções. Disponível em http://www.saopaulominhacidade.com.br/historia/ver/2108/A%2BOrigem%2Bdo%2BBairro%2BCidade%2BMoncoes. Visitado em 27 de maio de 2016.
Cf. Idem. Na verdade, existe outro resquício do modelo pioneiro de ocupação de Cidade Monções. Trata-se do Condomínio Paulistânia Bosque Residencial, onde vive o autor desse trabalho. Anteriormente, no terreno de 18.000 m² agora ocupado pelo condomínio existia uma única casa rodeada por um verdadeiro bosque de eucaliptos e outras árvores. Porém, nesse caso, o tratamento dado à questão ambiental foi totalmente diferente daquele que, como veremos adiante, foi dado ao setor do bairro selecionado para esta pesquisa. Quando a população soube da venda do grande terreno -situado na esquina das ruas Pensilvânia e Padre Antônio José dos Santos com a Avenida Santo Amaro- organizou- um grande "abraço" em volta do local. Atendendo aos anseios do bairro, a construtora Cyrella optou então por construir apenas três torres de apartamentos, deixando preservado o restante do bosque, que foi transformado num pequeno parque aberto à população. Talvez por ser mantido pela iniciativa privada, o local é muito bem cuidado.
Cf. SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, pp. 64-71.
Artacho Jurado posteriormente se tornaria renomado ao projetar edifícios que se tornariam ícones arquitetônicos da cidade de São Paulo como o Planalto, Louvre e Bretagne.
Em outro ponto do loteamento, conhecido como Parque América, as casas já eram vendidas com telefone (um artigo de luxo na época) e com certificado de bem de família, um documento que garantia a quitação do imóvel, caso o chefe da família falecesse .Cf. JAYO, Martin. Artacho Jurado desconhecido. Disponível em www.vitruvius.com.br . Visitado em 29 de maio de 2016.
Na rua Quintana é possível até mesmo contar com um serviço que disponibiliza bicicletas gratuitas. Ele faz parte de uma ação de marketing urbano do Banco Itaú que cede temporariamente bicicletas mediante o cadastramento em um site.
Num dos nossos passeios pelas ruas do bairro pudemos encontrar algo sui generis jogado na calçada: um recipiente de vidro de uma conhecida marca de café solúvel intacto e ainda com tampa. O mais incrível é que ele continha tempero de cozinha em seu interior. Ou seja, era algo que ainda poderia ser higienizado e reutilizado por um número incontável de vezes.
Cf. https://www.letras.mus.br/marisa-monte/441705/. Visitado em 26 de maio de 2016.

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