Cidades e Ambiente

September 19, 2017 | Autor: Sara Lemos | Categoria: Urbanismo
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Cidades e Ambiente

Cidades e Ambiente 1. A Cidade 1.1 Conceito actual O conceito de “cidade” tem variado ao longo do tempo e está longe de ser consensual em termos internacionais. O termo "cidade" é geralmente utilizado para designar uma dada entidade político-administrativa urbanizada, tendo por base distintos critérios, nomeadamente:  Critérios Demográficos  Critérios Funcionais  Critérios Mistos Neste sentido, estudos mais recentes procuram abordar a “cidade” a partir de uma perspectiva mais complexa, associando este conceito à observância de um conjunto de aspectos, entre os quais se destacam: (1) um determinado qualitativo populacional formado por indivíduos socialmente heterogéneos, (2) uma localização permanente, (3) uma considerável extensão espacial, (4) um certo padrão de espacialidade e de organização da propriedade, (5) a ocorrência de um certo padrão de convivência, (5) a identificação de um modo de vida característico dos citadinos, (6) a presença de ocupações não agrícolas, (7) a presença de um quantitativo populacional considerável, cujo limiar é redefinido a cada época da história, (8) a ocorrência de uma considerável densidade populacional, (9) uma abertura externa, (10) uma localidade de mercado, entre outras características.

1.2 Evolução histórica A “cidade” terá a sua origem nas antigas povoações do neolítico, quando é trocado o regime nómada predominante, pelo sedentarismo. A fixação das tribos e o alvorecer da agricultura permitiu criar determinadas sinergias entre os habitantes dessas aldeias primordiais favorecendo o trabalho comunitário organizado com a obtenção de resultados bem mais enriquecedores. A possibilidade da obtenção de excedentes agrícolas como resultado da implementação de actividade agrícola nos terrenos férteis presentes nas margens de grandes rios como o Nilo, o Tigre e o Eufrates proporcionou, assim, o surgimento de comércio associado à troca de bens e ao desenvolvimento de obras colectivas mais expressivas. 1

Dá-se início ao desenvolvimento de uma nova economia onde o aumento da produção agrícola e a concentração de excedentes nas “cidades” conduz a um aumento da população e de produtos disponíveis garantidos pelo domínio técnico e militar da cidade sobre o campo. No decurso do tempo, o desenvolvimento técnico e cultural permite a “criação” de uma nova ordem onde o comércio desempenha papel fulcral e onde a cidade se transforma na polis aristocrática ou democrática que caracterizou a civilização helénica e que ainda hoje constitui a base da cultura dita ocidental. É na organização desta cidade-estado que se tornou possível o extraordinário avanço da literatura, da ciência e das artes e de nova ordem de pensamento, que se estendeu por toda a época da Antiguidade Clássica. O desenvolvimento das cidades sofre novo impulso com o início da revolução industrial em que o trabalho agrícola nos campos é substituído pelo trabalho operário nas novas fábricas criadas na envolvente às cidades e povoações préexistentes. Assiste-se então a um aumento de população e de actividade no seio das áreas urbanizadas, sem que tal seja acompanhado de infra-estruturas que permitam assegurar condições mínimas de salubridade no interior dos novos bairros operários, surgindo então os primeiros registos de problemas de carácter ambiental associados essencialmente a questões de saúde (proliferação de epidemias) e incomodidade (os primeiros registos de situações de poluição atmosférica em Londres associados à queima de carvão com elevado teor de enxofre). Desde o alvorecer da revolução industrial e até aos nossos dias as cidades têm vindo a ser o centro das actividades políticas, lúdicas e culturais, assistindo-se a uma permanente substituição dos sectores primário e secundário, pelo sector terciário que actualmente assume, pelo menos no interior das grandes cidades, actividade quase exclusiva. A crescente evolução das actividades citadinas, a cada vez maior concentração populacional nas grandes cidades e zonas envolventes e o consumo cada vez maior de bens promovido pelo sistema capitalista, contrasta com o surgimento de uma nova consciência ambiental que se tem vindo a enraizar aos mais diversos níveis desde a Conferência do Rio em 1992 e que lança novos e ambiciosos desafios à humanidade.

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2 O Sistema Ambiental 2.1 Considerações iniciais No número 1 do artigo 5º da Lei n.º 11/87 de 7 de Abril, alterada pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, define-se a qualidade de vida como sendo “ (…) resultado da interacção de múltiplos factores no funcionamento das sociedades humanas e traduz-se na situação de bem estar físico, mental e social e na satisfação e afirmação culturais, bem como em relações autênticas entre o indivíduo e a comunidade (…)” dependendo da influência de um conjunto de factores que se interrelacionam. Na alínea a) do número 2 do mesmo artigo, é apresentado o conceito de “ambiente” como tratando-se do “(…) conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem (…)”. Neste contexto pode entender-se o sistema ambiental como um sistema dinâmico integrando um conjunto de subsistemas que interagem entre si e cujo equilíbrio será fundamental para se assegurar quer a qualidade de vida do Homem, quer a sobrevivência do ecossistema global. Assim, poder-se-á considerar por um lado um sub-sistema natural que relaciona os três grandes reservatórios terrestres, solo, água e ar, e por outro, o subsistema humano onde se incluem os aspectos sociais, culturais e económicos. A crescente utilização de recursos a que se assiste desde a revolução industrial e o avanço tecnológico dos últimos séculos veio demonstrar que os recursos que a humanidade tem ao seu dispor não são infinitos, podendo a sua depleção exponencial comprometer a manutenção da vida na terra, pelo menos, nos “moldes” em que a conhecemos. É pois fundamental que se garanta o equilíbrio entre a utilização de recursos e a sua reposição no sistema, não comprometendo, quer em termos quantitativos, quer em termos qualitativos, a sua sustentabilidade. Neste contexto, o verdadeiro objectivo da conservação dos recursos encerra uma dupla vertente, ou seja, por um lado assegurar a preservação de um ambiente de qualidade que garanta tanto as necessidades estéticas e de recreio como as de produtos, e por outro lado assegurar uma produção contínua de plantas, animais e materiais úteis, mediante o estabelecimento de um ciclo equilibrado de colheita e renovação. 3

2.2 O solo O solo constitui a interface entre a terra, o ar e a água e aloja a maior parte da biosfera, uma vez que é constituído por material não consolidado, mineral ou orgânico, existente à superfície da terra e que serve de meio natural para o crescimento das plantas. Trata-se de um recurso que tem vindo a ser explorado desde o neolítico como suporte da actividade agrícola primária. A crescente evolução da população mundial tem solicitado também uma maior utilização de solo para produção agrícola de forma a permitir o sustento de cada vez maior número de indivíduos. A conversão de técnicas agrícolas tradicionais para regimes de produção intensivos tem criado dificuldades na manutenção da qualidade dos solos, diminuindo progressivamente a produtividade destes, na medida em que conduz a uma diminuição da matéria orgânica disponível e consequentemente da biodiversidade associada. Outras actividades humanas têm também contribuído para a degradação do solo ou mesmo para a sua aniquilação, nomeadamente as seguintes: 

A extracção de recursos minerais (pedreiras, minas, etc) que, ou implicam a remoção total do solo, ou deixam-no sujeito à acção directa dos agentes erosivos (água e vento);



A criação de zonas impermeabilizadas de suporte a infra-estruturas construídas;



A utilização de maquinaria e circulação de veículos em vias não impermeabilizadas que conduzem à compactação do solo e consequentemente à perda das suas qualidades como suporte de vida.



A criação de zonas de instabilidade de vertentes que conduzem ao deslizamento de terras e consequente perda de solo.



A utilização do solo como meio receptor de descargas pontuais e difusas de efluentes, resíduos ou por utilização de produtos químicos de modo desordenado (por exemplo pesticidas, nitratos, etc).

O solo é um recurso vital para a humanidade e dele depende 99% da produção de biomassa e muitos outros serviços. Trata-se de um recurso que se forma muito lentamente (~1 cm/100 anos) e que se pode degradar muito rapidamente (minutos a poucos anos), sendo por isso, à escala de tempo da vida humana, um recurso natural não renovável. 4

2.3 A água A água é o recurso natural terrestre mais abundante, cobrindo cerca de 71 % da superfície terrestre. Contudo, apenas 1% da água presente no planeta é água doce, utilizável para suprir as necessidades de abastecimento, rega, e utilização industrial. Ao longo do tempo, as diferentes massas de água têm servido não apenas como fonte de abastecimento, mas também como receptáculo de descargas de efluentes e resíduos, quer domésticos, quer industriais. A constante utilização “desregrada” de recursos hídricos tem, em diversos casos, conduzido à “morte” de massas de água ou à sua degradação em níveis que comprometem a sua utilização para a maior parte dos usos, sendo nestes casos um problema no âmbito da salvaguarda da saúde pública. São disso exemplo, os rios Citarum (Indonésia), Yamuna e Ganges (Índia) e Karachay (Rússia). Sendo a água um recurso essencial à manutenção da vida na terra, a sua salvaguarda tem sido objecto de legislação específica, nomeadamente nos países ocidentais. Ao nível nacional, a preocupação da salvaguarda do recurso água manifesta-se na Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro de 2005, que traduz para o direito nacional as orientações de âmbito europeu espelhadas na Directiva Quadro da Água. De acordo com o nº 1 do artigo 3º da referida lei, estabelecem-se os princípios orientadores para a preservação do recurso água, dos quais se destacam os seguintes: 

Princípio do valor social da água, que consagra o acesso universal à água para as necessidades humanas básicas, a custo socialmente aceitável, e sem constituir factor de discriminação ou exclusão;



Princípio da dimensão ambiental da água, nos termos do qual se reconhece a necessidade de um elevado nível de protecção da água, de modo a garantir a sua utilização sustentável;



Princípio do valor económico da água, por força do qual se consagra o reconhecimento da escassez actual ou potencial deste recurso e a necessidade de garantir a sua utilização economicamente eficiente, com a recuperação dos custos dos serviços de águas, mesmo em termos ambientais e de recursos, e tendo por base os princípios do poluidor-pagador e do utilizador-pagador;



Princípio de gestão integrada das águas e dos ecossistemas aquáticos e terrestres associados e zonas húmidas deles directamente dependentes, por força do qual importa desenvolver uma actuação em que se atenda

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simultaneamente a aspectos quantitativos e qualitativos, condição para o desenvolvimento sustentável.

2.4 O ar O ar presente na camada mais próxima da superfície terrestre (ar troposférico) é constituído maioritariamente por azoto (cerca de 78 %) e oxigénio (cerca de 21 %) moleculares, sendo a restante fracção composta por um conjunto diversificado de substâncias, algumas das quais consideradas poluentes atmosféricos tendo em conta os efeitos que provocam na saúde humana, ecossistemas e no balanço energético do planeta. O oxigénio presente no ar é utilizado pelos seres vivos no processo de respiração, permitindo-lhes obter a energia necessária para a sua sobrevivência e crescimento. Dos elementos menos abundantes na troposfera destaca-se a presença do dióxido de carbono, necessário à fotossíntese, mas cuja concentração na atmosfera tem vindo a crescer de forma acentuada em resultado das actividades humanas. A libertação de gases poluentes para a atmosfera pode ter duas origens: libertação natural resultante de determinados fenómenos como o caso das erupções vulcânicas, e libertação de origem antropogénica resultante das actividades desenvolvidas pelo homem. Quanto às primeiras, estas resultam essencialmente da “própria vida” do planeta, constituindo episódios mais ou menos restritos no tempo, garantindose assim a capacidade de regeneração da atmosfera, voltando esta a adquirir de novo propriedades características do “ar limpo”. No que concerne às emissões antropogénicas, destaca-se que estas têm vindo a aumentar ao longo do tempo, fundamentalmente desde o início da revolução industrial, e em especial após as últimas décadas do século XX. Este aumento de emissões resulta de um conjunto mais ou menos alargado de actividades humanas, nomeadamente da produção de energia baseada na queima de combustíveis fósseis, transportes, indústria diversa com destaque para a petroquímica, produção de papel, siderurgia, etc, e actividades agropecuárias intensivas. A degradação contínua da qualidade do ar e o consequente efeito nocivo sobre a saúde humana e ecossistemas conduziu à necessidade de elaborar legislação específica com vista à protecção deste recurso. 6

Actualmente em Portugal a gestão da qualidade do ar encontra-se regulamentada no Decreto-Lei n.º 102/2010, de 23 de Setembro, que agrega as orientações estabelecidas nas directivas comunitárias sobre esta temática. Acessoriamente conta-se também com um conjunto de diplomas legais que estabelecem regras específicas para emissões industriais e critérios de avaliação das emissões. No nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 102/2010, são estabelecidas medidas destinadas a atingir um conjunto de objectivos, nomeadamente as seguintes: 

Definir e fixar objectivos relativos à qualidade do ar ambiente, destinados a evitar, prevenir ou reduzir os efeitos nocivos para a saúde humana e para o ambiente;



Avaliar, com base em métodos e critérios comuns, a qualidade do ar ambiente no território nacional;



Obter informação relativa à qualidade do ar ambiente, a fim de contribuir para a redução da poluição atmosférica e dos seus efeitos e acompanhar as tendências a longo prazo, bem como as melhorias obtidas através das medidas implementadas;



Preservar a qualidade do ar ambiente quando ela seja boa e melhorá-la nos outros casos.

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3 As cidades e o ambiente O crescimento da população e a sua concentração em cidades induz efeitos sobre o ambiente que se prendem com alterações sobre os recursos disponíveis, mas também introduz um conjunto de benefícios face à dispersão populacional, desde que sejam aplicadas medidas de gestão e crescimento adequadas. Neste contexto apresenta-se e analisa-se em seguida um conjunto de factores que relacionam a cidade com o meio ambiente que a rodeia e onde se insere, agrupados em dois grupos principais: factores internos ou intrínsecos – pontos fortes e pontos fracos – e factores externos ou externalidades – oportunidades e ameaças.

3.1 Análise interna 3.1.1 Pontos fortes A cidade permite concentrar grande número de indivíduos num território relativamente reduzido face ao que sucederia se a sociedade se organizasse predominantemente em aglomerados de baixa dimensão. Este facto permite, de alguma forma, constranger, em termos espaciais, as alterações profundas que estes locais impõem ao ambiente envolvente, permitindo ainda manter outro tipo de ocupações do solo, com elevada importância, como é o caso da agricultura e manutenção de espaços naturais protegidos. Uma vez que nas cidades se encontram concentrados inúmeros serviços de apoio às populações, para além das sedes dos organismos de decisão, tal permite uma melhor distribuição dos recursos económico-sociais, fomentando igualmente o acesso aos serviços de apoio contribuem para uma maior qualidade de vida das populações (saúde, educação, cultura, apoio social, serviços administrativos, etc.). A concentração de infra-estruturas e de população nas cidades, em associação com o desenvolvimento científico, tem vindo a permitir implementar processos cada vez mais eficientes, quer de fornecimento de serviços (por exemplo abastecimento de água, saneamento, energia eléctrica, etc), quer de tratamento das emissões para cada um dos reservatórios ambientais. Por outro lado, a presença de grande quantitativo populacional convida a uma participação mais activa na organização da própria cidade que conduz à necessidade de melhor planear o crescimento e desenvolvimento do território, 8

com vista a um ordenamento sustentado dos espaços já afectos à cidade, como das zonas adjacentes a nela incluir. A estrutura urbana assim construída proporciona ainda o desenvolvimento de uma identidade associada aos habitantes da cidade, criando-se uma comunidade capaz de encontrar pontos de ligação, quer entre os indivíduos, quer em relação ao património cultural e construído existente, conduzindo ao interesse pela sua preservação. A existência deste património pode então ser aproveitada e potenciada para contribuir para o desenvolvimento económico local, nomeadamente no que concerne às actividades turísticas. 3.1.2 Pontos fracos O crescimento das cidades e a ocupação dos seus “corações” por serviços administrativos, sedes de empresas e zonas exclusivamente comerciais, conduz a um êxodo das populações residentes para as zonas mais periféricas. A criação de novas zonas residenciais requer a criação de uma maior superfície impermeabilizada, quer para a construção de edifícios, quer para a construção da rede viária associada, com a consequente perda de solo e transformação da paisagem pré-existente. O deslocamento de residentes para as zonas limítrofes da cidade impõe um incremento acentuado no movimento de transporte de pessoas e bens de e para o centro das cidades. Este facto é acompanhado pelo aumento das emissões resultantes do tráfego automóvel cada vez mais intenso no interior das cidades e zonas envolventes, bem como de constrangimentos à mobilidade devido ao congestionamento das vias rodoviárias integradas na rede viária, a que se associam importantes perdas de tempo e aumento do stress. O acentuado tráfego cria então situações crónicas e episódicas de poluição atmosférica que se repercutem na qualidade de vida e saúde das populações residentes e nos “utentes” das cidades. Os grandes centros urbanos são também produtores de elevadas quantidades de efluentes domésticos líquidos, de contribuem para a degradação do meio hídrico, seja ele interior ou marítimo, uma vez que, embora após tratamento, estes efluentes acabam por ser descarregados em rios e oceano, podendo em determinados casos comprometer outros usos para os recursos hídricos presentes. É também de destacar a elevada produção de resíduos sólidos provenientes das mais diversas actividades que tomam lugar na cidade e que necessitam de 9

tratamento adequado para evitar a contaminação dos solos ou meio hídrico devido a descargas indesejáveis. Na medida em que as cidades constituem grandes centros de consumo de bens, importa ainda destacar que, esses bens não são nela produzidos, uma vez que nas cidades se concentram as actividades associadas ao sector terciário e turismo. Assim, também neste caso se encontram envolvidos grandes custos de transporte de bens para o interior das cidades como forma de colmatar as necessidades de abastecimento de produtos. E indissociável a esse transporte, mais uma vez, se destacam, as emissões atmosféricas resultantes do tráfego de veículos.

3.2 Análise externa 3.2.1 Oportunidades O conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico fornecem ferramentas para obter maior informação sobre os problemas associados a meios urbanos e consequentemente tentar encontrar soluções satisfatórias para os mesmos. Neste enquadramento, surge então a possibilidade de, por meio de investigação, e no sentido de obter resultados adequados aos objectivos de melhoria e manutenção da qualidade do ar e da água, desenvolver técnicas de tratamento mais eficientes e com melhores resultados finais esperados. O facto de as cidades serem locais com elevada densidade populacional proporciona o projecto de redes mais eficientes e instalações de tratamento mais eficazes, tendo em conta a economia de escala. A obrigatoriedade de estas instalações estarem sujeitas a procedimentos de licenciamento e fiscalização mais restritivos, permite, à priori, garantir melhores resultados em termos de emissões. Serão disto exemplo as estações de tratamento de água – ETA (preparação de água para abastecimento) – e de tratamento de efluentes – ETAR (saneamento de águas residuais). Os grandes meios urbanos fornecem também a oportunidade de experimentar melhores técnicas no que respeita à recolha e tratamento de resíduos sólidos, com particular destaque para os aspectos relacionados com a criação de recolha diferenciada porta a porta, o que permitirá um aumento significativo em termos de segregação de resíduos por tipologia e o respectivo encaminhamento para circuitos dedicados de tratamento e reciclagem. Este aspecto reveste-se de uma importância acrescida na medida em que permite a recuperação de matéria-prima que constituirá um recurso escasso no 10 

futuro, em especial no que concerne à recuperação de plásticos elaborados à custa da indústria petroquímica, com dependência do petróleo. Em termos do fornecimento de serviços (abastecimento de água, saneamento, electricidade, etc.), o facto de com menor dispersão de segmentos conseguir suprir as necessidades de um maior número de utentes, permite racionalizar os gastos, quer de construção quer de manutenção dessas mesmas redes, libertando verbas estruturantes para outros segmentos, como seja a saúde e educação. A agregação de um conjunto elevado de indivíduos abre ainda a perspectiva de novas potencialidades de negócios, à medida das necessidades dos consumidores. Desejavelmente as novas necessidades a criar deverão privilegiar soluções ambientalmente mais adequadas e sustentadas, nomeadamente ao nível do planeamento urbano. A reconversão de atitudes no sentido do desenvolvimento de uma consciência ambiental efectivamente instalada é agora uma oportunidade a não esquecer, na medida em que, é possível concretizar acções de sensibilização que cheguem a um número cada vez mais significativo de indivíduos. Os instrumentos de planeamento ao dispor, sendo planos dinâmicos, permitem integrar as novas orientações e melhorar ambientalmente as cidades, favorecendo a recuperação de instalações degradadas, melhorando o planeamento e desempenho das redes de transporte, e proporcionando um conjunto de espaços verdes de recreio e lazer com vista à melhoria da qualidade de vida das populações. 3.2.2 Ameaças A difícil concretização de uma rede de transportes colectivos que supram de facto as necessidades dos inúmeros utentes é uma das grandes problemáticas a realçar no planeamento das cidades. Se esta rede não tiver a capacidade de captar grande parte dos movimentos da população, por não ser resposta credível face às necessidades, esta recorre à utilização massiva do transporte individual, com grande penalização para o ambiente e qualidade de vida das populações. Neste último caso, registar-se-ão importantes níveis de emissão de poluentes a partir dos gases de escape que conduzirão à degradação da qualidade do ar, nomeadamente em termos episódicos. Considerando que à escala mundial foram assumidos determinados compromissos no que concerne à limitação das emissões atmosféricas, um mau desempenho das redes de transporte público 11 

nas grandes cidades poderá significar penalizações graves em termos internacionais. Adicionalmente, estas emissões contribuem para o aumento das concentrações de gases com efeito de estufa, alterando o equilíbrio energético do planeta na sua globalidade, e potenciando os fenómenos associados às alterações climáticas. Nesta perspectiva, a ocorrência de fenómenos meteorológicos extremos associados a extensas áreas impermeabilizadas poderá potenciar a ocorrência de situações graves com danos materiais e mesmo humanos consideráveis. Importa destacar que os custos associados a estas ocorrências terão de ser distribuídos por toda a sociedade e não apenas por um sector que de algum modo terá contribuído em maior escala para este problema. Acontecimentos desta natureza podem acarretar graves perdas económicas em diversos sectores de actividade, com especial destaque para o turismo e comércio. Ainda no que concerne à rede de transportes e eixos viários, destaca-se que a utilização de em maior escala do transporte individual dá origem a inúmeras situações de congestionamento da circulação que se traduz nos seguintes efeitos: 

Aumento dos níveis de ansiedade e stress durante períodos de espera mais prolongada, o que a longo prazo se poderá repercutir na saúde geral dos indivíduos;



Funcionamento menos eficiente dos motores dos veículos com aumento das emissões quando a circulação é em regime de pára-arranca;



Aumento dos níveis de ruído em meio urbano o que provoca igualmente incomodidade e consequentemente uma diminuição da qualidade de vida das populações.

Mais uma vez, estes efeitos terão um custo económico e social que ficará a cargo de toda a população, não sendo possível encontrar “culpados” a quem cobrar a factura. Em última instância de facto a factura deverá pertencer a quem deficientemente planeia o crescimento e desenvolvimento das cidades. Outra das ameaças respeita à possibilidade de colapso das redes de abastecimento e instalações de tratamento. De facto, se estas não forem concretizadas com base em cenários fidedignos poder-se-á assistir a uma falta de capacidade destas, com prejuízos graves, quer em termos dos recursos ambientais, quer mesmo em termos de saúde pública. 12 

Para além dos aspectos anteriormente referidos, importa fazer referência à especulação imobiliária a que se tem verificado ao longo das últimas décadas, favorecendo a criação de cada vez maiores áreas construídas e impermeabilizadas, com sacrifício de áreas ainda naturalizadas. Adicionalmente, este crescimento acima do previsto pode causar dificuldades ao nível da gestão das infra-estruturas colectivas, tornando necessário outros tipos de investimentos não antes previstos.

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4 Ambiente urbano sustentável O desenvolvimento urbano sustentável e a integração dos objectivos nas estratégias de planeamento e gestão assenta num conjunto de princípios de desenvolvimento e dos mecanismos necessários para a sua realização. A gestão urbana com vista à sustentabilidade é essencialmente um processo político que requer planeamento e se repercute na gestão urbana, já que a manutenção da qualidade de vida e do ambiente é dever, mas igualmente direito de todos os cidadãos. O processo de gestão urbana sustentável requer uma série de instrumentos orientados para as dimensões ecológica, social e económica com vista a proporcionar a base necessária para a integração de todos estes factores de forma harmoniosa. A sustentabilidade é uma responsabilidade partilhada. A cooperação e parceria entre diferentes níveis, organizações e interesses são elementos essenciais da acção em prol da sustentabilidade. A gestão sustentável é um processo de aprendizagem, no âmbito do qual a partilha de experiências, o trabalho multidisciplinar, a consulta e participação da comunidade local e o aumento dos conhecimentos são elementos essenciais. O desafio da sustentabilidade urbana é procurar solucionar tanto os problemas que as cidades conhecem como os por elas causados, reconhecendo que as próprias cidades encontram muitas soluções potenciais, em vez de os deslocar para escalas ou localizações diferentes ou de os transferir para as gerações futuras. A gestão sustentável dos recursos naturais requer uma abordagem integrada para encerrar os ciclos de recursos naturais, energia e resíduos nas cidades. Os objectivos dessa abordagem deverão incluir a redução do consumo dos recursos naturais, especialmente dos não renováveis e dos lentamente renováveis; a redução da produção de resíduos pela reutilização e reciclagem, sempre que possível; a redução da poluição do ar, do solo e da água; e o aumento da proporção das áreas naturais e da diversidade biológica nas cidades. Estes objectivos serão mais fáceis de atingir em pequena escala, motivo por que os ciclos ecológicos locais podem ser ideais para a introdução de políticas mais sustentáveis para os sistemas urbanos. Conseguir uma acessibilidade urbana sustentável é uma etapa essencial para a melhoria global do ambiente urbano e a manutenção da viabilidade económica 14 

das cidades. A realização dos objectivos em matéria de ambiente e de transportes exige abordagens integradas, que combinem o planeamento dos transportes, do ambiente e do espaço. Para conseguir uma acessibilidade urbana sustentável é necessário definir objectivos e indicadores de sustentabilidade, estabelecer metas e controlos, e concretizar políticas tendentes a melhorar não só as condições de mobilidade mas também a acessibilidade. Assim, deverão ser procurados objectivos de sustentabilidade pormenorizados, incluindo o estabelecimento de relações ecológicas, uma melhor acessibilidade, eficiência energética e participação comunitária. Finalmente, salienta-se ainda que o planeamento do turismo, do lazer e do património cultural deverão fazer parte integrante do processo de ordenamento do território.

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5 Bibliografia História da Cidade, Leonardo Benévolo, 1997, Roma. Lei nº 19/2014, de 14 de Abril. Decreto-Lei n.º 102/2010, de 23 de Setembro. Fundamentos de Ecologia, Eugene Odum, 2001, Lisboa. Carta das cidades europeias para a sustentabilidade. 1994, Aalborg. O metabolismo urbano na análise dos processos de transformação das cidades, Paulo Pinho, 2011, Industria & Ambiente n.º 69, 2011, Porto.

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