CIÊNCIA CIDADÃ NAS ESCOLAS E A PERCEPÇÃO DAS CRIANÇAS EM RELAÇÃO AOS RESÍDUOS SÓLIDOS EM SEU ENTORNO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

May 23, 2017 | Autor: N. Pirani Ghilard... | Categoria: Citizen Science
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CIÊNCIA CIDADÃ NAS ESCOLAS E A PERCEPÇÃO DAS CRIANÇAS EM RELAÇÃO AOS RESÍDUOS SÓLIDOS EM SEU ENTORNO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Lillian Silva Assunpção (Universidade Federal do ABC) Gabriel Augusto Guimarães de Almeida (Universidade Federal do ABC) Eloíza Antonia Araújo (Anhaguera - Universidade do Grande ABC) Natalia PiraniGhilardi-Lopes (CCNH, Universidade Federal do ABC) RESUMO A percepção ambiental sobre resíduos sólidos pode ser estimulada por projetos de ciência cidadã. O presente trabalho visa relatar e refletir sobre a experiência de formação de professores da educação básica em protocolo de ciência cidadã relacionado à percepção de crianças quanto aos resíduos sólidos dispostos no entorno de suas escolas, além da aplicação e avaliação deste protocolo, dentro do contexto do curso de extensão "Ciência Cidadã nas Escolas" (PROEC-UFABC), o qual dividiu-se em 4 momentos: a) encontro presencial na Universidade Federal do ABC, (b) simulação da aplicação do protocolo pelos professores, (c) aplicação do protocolo em suas escolas e (d) encontro para relatos das experiências e avaliação. A aplicação do protocolo permitiu a ampliação da percepção das crianças. Palavras-chave: ciência cidadã, resíduos sólidos, crianças. INTRODUÇÃO No Brasil são coletadas diariamente, aproximadamente, 228 mil toneladas de resíduos sólidos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000). Este número exclui a incontável quantidade de resíduos sólidos mal descartados encontrada pelas cidades, principalmente nos centros urbanos. Nos centros urbanos, concentram-se 80% da população brasileira (IBGE, 2010), que necessitam de um ambiente melhor nos quesitos econômico, social e ambiental. Entretanto, os cidadãos não possuem uma boa percepção a respeito da disposição adequada dos resíduos sólidos, o que gera impactos socioambientais (Jacobi e Bezen, 2011). Esse processo de percepção ambiental pode ser proporcionado por diferentes meios, tais como: uso de outdoors ecológicos (Bogner, 2004), parcerias com escolas (Alencar, 2005) e projetos de ciência cidadã (Hidalgo-Ruz e Thiel, 2013). A ciência cidadã é, de forma geral, a colaboração de alguns voluntários, sem formação acadêmica, em um projeto ou pesquisa de cunho científico, 528 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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principalmente na coleta de dados e na visualização e discussão de resultados (Soares e Santos, 2011). A ciência cidadã pode ser utilizada de várias maneiras e por diferentes áreas do conhecimento (Silvertown, 2009; Dickinson et al., 2012; Ponciano e Brasileiro, 2014). Por exemplo, pode ser usada na coleta de dados científicos a fim de otimizar uma pesquisa, como no projeto eBird (Bonney et al., 2009), ou no intuito de promover educação ambiental, como no projeto “La Historia de laBasura, una investigacióndelpasado, presente y futuro” (HidalgoRuz e Thiel, 2013). Projetos de ciência cidadã podem auxiliar na educação científica de cidadãos, ao propiciar conhecimento sobre a problemática do lixo nos centros urbanos e, ainda, fornecer um panorama sobre esta questão no local de implantação (Bogner, 2002). Projetos de ciência cidadã trabalham com públicos de diferentes faixas etárias, mas um público importante a ser atingido relativamente a essa temática são as crianças, pois elas contribuem aumentando a escala espacial e temporal na coleta de dados, ao mesmo tempo em que melhoram sua compreensão científica – e, nesse caso, ecológica, econômica, ambiental e social (Alencar, 2005; Eastman et al, 2014; Hidalgo-Ruz e Thiel, 2013). Considera-se que, para atingir de maneira mais eficiente este público, uma estratégia interessante seria trabalhar a formação de professores em protocolo de ciência cidadã relacionado com a percepção sobre os resíduos sólidos. Uma vez formados, estes professores podem multiplicar este conhecimento junto aos seus alunos e familiares. OBJETIVO Relatar e refletir sobre a experiência de formação de professores da educação básica em protocolo de ciência cidadã relacionado à percepção das crianças quanto aos resíduos sólidos, além da aplicação e avaliação deste protocolo junto a seus estudantes. METODOLOGIA O presente trabalho é resultado da experiência do curso de extensão intitulado "Ciência Cidadã nas Escolas" (Edital PAE 2016 - PROEC - UFABC), ocorrido entre abril e maio de 2016. O curso tinha como objetivo proporcionar a professores da educação básica a formação em protocolos de Ciência Cidadã que pudessem ser aplicados em suas realidades na escola. Os professores que se inscreveram poderiam optar por um protocolo de ciência cidadã dentre três possibilidades oferecidas. No presente trabalho, será apresentada a experiência com o protocolo relacionado à percepção relativa aos resíduos sólidos urbanos. O curso apresentou carga horária de 100h e foi dividido em 4 momentos:

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● 1º momento - Encontro presencial na Universidade Federal do ABC (4h) Os participantesassistiram a uma aula expositiva, com momentos de reflexão e discussão sobre ciência e ciência cidadã. Em seguida, assistiram à aula teórica sobre o projeto “Percepção das crianças com relação aos resíduos sólidos em seu entorno”. A aula expositiva continha informações referentes ao tema do desenvolvimento sustentável no Brasil; a questão da percepção das pessoas com relação aos problemas socioambientais, especialmente correlatos aos resíduos sólidos; as problemáticas provenientes do descarte inadequado dos resíduos, bem como possíveis normas e instruções para mitigar os problemas citados; e como a ciência cidadã pode colaborar para conscientização das pessoas e aplicação de algumas diretrizes. Nesta aula também foi explicado, passo a passo, o protocolo para a realização do projeto na escola. Ao final da aula, foram indicados dois textos sobre ciência cidadã para leitura (tempo previsto de 8h para leitura); foi distribuído o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a escola e para os alunos que participariam das atividades na escola e também o kit referente ao protocolo de ciência cidadã, para que os professores se familiarizassem com o material. O kit continha os questionários pré e pós atividade a serem aplicados aos alunos, o guia de apoio com informações referentes ao protocolo de atividade (Assunpção, 2016) e o material para aplicação do protocolo, contendo um par de luvas para cada integrante cientista cidadão, pelo menos quatro sacos de lixo para recolher os diferentes tipos de resíduos, além de uma prancheta para preencher a tabela que quantifica o tipo (seco ou úmido) de resíduo sólido encontrado. ● 2º momento - Simulação da aplicação do protocolo pelos professores (4h) O segundo encontro presencial foi destinado à simulação da aplicação do protocolo pelos professores, o qual é composto dos seguintes cinco passos: PASSO 1: Caracterização da ciência cidadã e aplicação do pré-teste. Cabe ao professor explicar aos alunos o conceito e a importância da ciência cidadã e os objetivos do projeto a ser desenvolvido na escola. Após as explicações, os alunos (cientistas cidadãos) devem responder um pré-teste, com o intuito de analisar a percepção deles em relação aos resíduos no entorno da escola, o qual é composto por duas atividades lúdicas: uma em que a criança deve desenhar como ela vê o quarteirão da escola e outra em que ela deve escrever ou desenhar o que entende por reciclagem. Após o pré-teste, os cientistas cidadãos, com o suporte do guia de apoio, são orientados de modo a compreender a importância do descarte correto dos resíduos recicláveis,

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além de aprender como descartá-los corretamente e diferenciar o que pode ser reciclável do que não pode. Há atividades no guia de apoio que podem auxiliar neste processo. PASSO 2: Divisão dos grupos. Os alunos devem ser separados em grupos, cabendo ao professor definir o número de alunos em cada grupo (uma média de 5 integrantes por grupo é indicada) e cada grupo deve receber um kit (com os pares de luvas, sacos plásticos e prancheta). Cada aluno deve ter uma função, conforme apresentado a seguir: (i) aluno 1: Responsável por tabelar o lixo úmido no momento da coleta; (ii) aluno 2: Responsável por coletar papéis; (iii) aluno 3: Responsável por coletar plásticos; (iv) aluno 4: Responsável por coletar metais; e (v) aluno 5: Responsável por coletar vidros. Dependendo da quantidade de alunos em cada sala, este esquema pode ser adaptado. PASSO 3: Coleta dos dados. Os cientistas cidadãos, após as orientações e acompanhados do professor, devem sair no quarteirão da escola, levando o kit para a coleta dos resíduos sólidos. Os resíduos coletados de cada categoria são acondicionados nos sacos de lixo separadamente. Cabe ao professor estipular o tempo da saída de campo, sendo aconselhado de 15 a 30 minutos. PASSO 4: Análise dos dados. Após a coleta, os alunos devem estimar a massa (em g ou Kg) de cada saco de lixo contendo resíduos e anotar o resultado no formulário fornecido (Figura 01). Ao final da estimativa, os grupos disponibilizam os seus dados e é feita a somatória das massas obtidas para cada tipo de resíduo encontrado e para o total de resíduos coletados. A massa é a variável utilizada nesse protocolo para medir a quantidade de lixo nos quarteirões das escolas e, também, para evidenciar a problemática do lixo nas ruas.

Figura 01: Formulário disponível no material de apoio para tabulação das massas de cada tipo de resíduo coletado pelos alunos na saída ao entorno da escola.

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PASSO 5: Conclusão. Feita a coleta dos dados, os alunos devem realizar novamente a tarefa “Desenhe aqui o que está em volta da sua escola”, caracterizando o pós-teste, para possibilitar uma comparação entre a percepção das crianças antes e depois da aplicação do protocolo. ● 3º momento - Aplicação dos protocolos pelos professores em suas escolas (80h) Nas duas semanas seguintes à simulação na UFABC, os professores ficaram responsáveis por realizar a aplicação dos protocolos junto aos seus alunos. Os dados obtidos nas escolas foram recolhidos para discussão no último encontro do curso de extensão. Durante a aplicação do protocolo, a cientista responsável esteve disponível, via emails e redes sociais, para sanar qualquer dúvida dos professores concernente ao protocolo. ● 4º momento - Encontro para relatos das experiências nas escolas e avaliação dos protocolos e do curso de extensão pelos professores (4h) Neste encontro presencial, os professores relataram suas experiências de aplicação do protocolo em suas escolas e incluíram sugestões para a melhoria do protocolo. Além disso, trouxeram os desenhos feitos pelos alunos previamente e posteriormente à atividade na escola, os quais foram analisados quantitativamente (quantificação da presença de representação de resíduos sólidos nos desenhos). RESULTADOS E DISCUSSÃO Houve a inscrição de quatro professoras para o protocolo, sendo que todas lecionam para turmas da rede pública de ensino. Serão apresentados os dados de apenas duas delas, as quais conseguiram finalizar completamente o protocolo, no tempo previsto. 1º momento - Aula teórica No dia 30 de abril de 2016, foi ministrada uma aula às professoras, na qual foram debatidas questões relacionadas à sustentabilidade, abordando especificamente a problemática dos resíduos sólidos e as diretrizes para mitigar os efeitos ocasionados por seu descarte inadequado. Durante a aula, foi citada a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), que, em suma, propicia um avanço necessário ao País no enfrentamento dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo indevido dos resíduos sólidos; foram abordados três pontos principais: (i) fechamento dos lixões até 2014, (ii) destinação apenas de rejeitos aos aterros sanitários e (iii) implementação da logística reversa. No decorrer da aula, as professoras demonstraram interesse no projeto e compartilharam momentos em que elas tiveram que lidar com problemas relacionados à falta de conscientização de seus conhecidos e parentes. Além disso, elas fizeram perguntas sobre a 532 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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coleta seletiva, uma vez que essa iniciativa é relativamente nova no Brasil - destacou-se a partir da década de 1990 - e ainda existem dúvidas a respeito do que deve ser separado (Ribeiro, 2007) e as diferenças entre aterro sanitário, lixões e aterros controlados. 2º momento - Simulação da aplicação do protocolo no entorno da UFABC No dia 07 de maio, foi simulada a aplicação do protocolo pelas professoras, junto com a cientista responsável e dois voluntários, no entorno da Universidade Federal do ABC, utilizando o passo a passo do que seria feito com os alunos. As professoras foram separadas tal como os alunos seriam: uma ficou responsável pelo papel, outra pelo vidro e assim por diante. O protocolo foi seguido sem grandes dificuldades e, no decorrer da simulação, foram levantadas algumas perguntas a respeito do tipo de resíduo que deveria ser coletado, por exemplo: “Papel, mesmo molhado e sujo, deve ser coletado?”. Foi respondido que o papel, estando molhando apenas por água, pode ser reciclado, entretanto, papéis sujos ou molhados por outros tipos de líquidos, não; e, portanto, era melhor não coletar papéis com tais características. O grupo se impressionou com a quantidade de resíduos encontrada durante a simulação: foram coletados 2 kg de plástico, 700 g de metal, 1,2 kg de papel, 3,4 kg de vidro e não foi observado lixo úmido. Todos esperavam encontrar lixo, porém a quantidade surpreendeu as expectativas do grupo, incluindo a da cientista responsável. No final da simulação, todas as professoras comentaram que a percepção delas, em relação aos resíduos no seu entorno, foi alterada, porquanto nenhuma delas tinha noção da dimensão e da quantidade de detritos que é jogada nas ruas. 3º momento - Aplicação dos protocolos pelos professores em suas escolas (Figura 02) Entre os dias 9 e 19 de maio, as professoras aplicaram o protocolo nas escolas. No total, o protocolo foi aplicado a 88 alunos, na faixa etária de 7 a 11 anos, todos estudantes do ensino público do município de Santo André (SP).

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Figura 02: Alunos da EMEIEF Profª Elaine Cena Chaves Maia durante aplicação do protocolo no entorno da escola.

Será apresentada a seguir a análise dos resultados de 42 alunos das EMEIEFs Professor Júlio Nunes Nogueira (25 alunos) e Professora Elaine Cena Chaves Maia (17 alunos). Na EMEIEF Profª. Elaine Cena Chaves Maia, a ação foi coordenada por uma das professoras participantes do curso, porém o protocolo foi efetivamente aplicado por outra professora, isso porque a professora inscrita é coordenadora da escola e, no momento, não estava em sala de aula. Na EMEIEF Prof. Júlio Nunes Nogueira, a aplicação do protocolo foi feita por uma professora que participou do curso. A análise dos desenhos pré e pós aplicação do protocolo foi realizada a partir da resposta afirmativa ou negativa à questão: “Há presença de resíduos sólidos no desenho?”. Nos desenhos prévios dos alunos da EMEIEF Prof. Júlio Nunes Nogueira foi observado que 64% dos alunos não haviam desenhado resíduos sólidos, porém, no questionário pós, todos os alunos que completaram a atividade (80%) desenharam algum tipo de resíduo sólido no entorno das escolas (Figura 03a). Uma boa parte dos alunos da EMEIEF Profª. Elaine Cena Chaves Maia (65%) apresentou algum tipo de resíduo sólido nos desenhos do questionário pré. No questionário pós, todos os alunos que completaram a atividade (82%) desenharam algum tipo de resíduo sólido no entorno das escolas (Figura 03b).

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a) EMEIEF Prof. Júlio Nunes

Antes

Depois

Porcentagem

100% 80%

60% 40% 20% 0%

COM RESÍDUOS

SEM RESÍDUOS

NÃO FEZ A ATIVIDADE Representação de resíduos nos desenhos

b) EMEIEF Profª Elaine Cena Chaves Maia

Antes

Depois

Porcentagem

100% 80% 60% 40% 20% 0% COM RESÍDUOS

SEM RESÍDUOS

NÃO FEZ A ATIVIDADE Representação de resíduos nos desenhos

Figura 03: Presença de resíduos sólidos nos desenhos dos alunos que participaram da atividade de ciência cidadã na a)EMEIEF Prof. Júlio Nunes Nogueira e b) EMEIEF Profª. Elaine Cena Chaves Maia, antes e depois da coleta dos resíduos no entorno da escola.

Fazendo uma comparação entre os desenhos pré e pós atividade (Figura 04), é possível notar que, na EMEIEF Profª. Elaine Cena Chaves Maia, apenas 18% das crianças mudaram sua percepção após a realização da atividade. Isso porque previamente à aplicação do protocolo, elas já demonstraram ter noção sobre a presença dos resíduos, situação que pode ser explicada por dois motivos: (i) o fato da professora que aplicou o protocolo não ter participado do curso, introduzindo aos alunos o assunto trabalhado antes de aplicar o questionário prévio, podendo ter induzido os desenhos (Bonney et al., 2009) ou (ii) pelo fato dos alunos já terem participado de um projeto relacionado com meio ambiente. Independentemente do motivo, o fato de as crianças apresentarem alta percepção em relação aos resíduos sólidos é bastante positivo. Já na EMEIEF Prof. Júlio Nunes Nogueira, notou-se 535 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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que 56% das crianças que previamente à aplicação do protocolo não haviam desenhado detritos passaram a inserir estes elementos no desenho pós-atividade, o que se considera bastante proveitoso, pois provavelmente o protocolo permitiu esta alteração na percepção. Nesta mesma escola, 24% dos alunos já possuía uma consciência prévia e manteve a inserção dos resíduos nos desenhos pós-atividade, ou seja, o protocolo não alterou, nestas crianças, a noção de que os resíduos fazem parte de seu meio ambiente, pois elas já possuíam tal conhecimento. 70%

Porcentagem

60%

EMEIEF Prof. Júlio Nunes

50%

EMEIEF Profª Elaine Cena Chaves Maia

40% 30% 20% 10% 0%

NÃO FEZ A ATIVIDADE Representação de resíduos sólidos nos desenhos MUDOU

NÃO MUDOU

Figura 04: Alteração na percepção dos alunos das escolas EMEIEF Profª Elaine Cena Chaves Maia e EMEIEF Prof. Júlio Nunes quanto aos resíduos sólidos, após a aplicação do protocolo de ciência cidadã. A análise é baseada na presença de resíduos nos desenhos pré e pós-atividade.

4º momento - Encontro para relatos das experiências nas escolas e avaliação dos protocolos e do curso de extensão pelos professores No dia 21 de maio, as professoras relataram as experiências proporcionadas pela execução do protocolo. Todas demonstraram satisfação ao participar do projeto, uma vez que ele estimulou uma mudança na percepção tanto dos alunos quanto delas mesmas relativamente às problemáticas provenientes do descarte inadequado de resíduos sólidos, além de ter oferecido uma aprendizagem ativa e interdisciplinar, já que as professoras relataram também ter utilizado recursos das aulas de informática e das aulas de matemática durante a aplicação. A principal dificuldade relatada pelas professoras foi dar explicações aos pais dos alunos sobre a dinâmica do projeto, posto que os pais “não queriam os filhos pegando lixo da rua”, o que evidência a necessidade de toda a comunidade escolar (professores, funcionários, alunos e pais) assumir uma posição reflexiva a respeito dessa temática (Alencar, 2005). A 536 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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principal sugestão para a melhoria da atividade no entorno da escola foi a ideia da identificação dos alunos responsáveis por cada tipo de resíduo com alguma placa ou crachá (Figura 05), pois a grande quantidade de alunos dificultou a atividade no momento de separação dos tipos de resíduos nos diferentes sacos plásticos.

Figura 05: Crianças devidamente identificadas com o resíduo de sua responsabilidade durante aplicação do protocolo, conforme sugestão dada pela professora participante do curso de extensão.

Por fim, segundo o relato das professoras, o curso “Ciência Cidadã nas Escolas” superou as suas expectativas, pois elas tomaram conhecimento de uma nova perspectiva para o ensino de ciências, a ciência cidadã, concordando que as crianças podem colaborar com o ambiente em que vivem, desde que elas tenham consciência de que fazem parte desse meio e que suas ações podem afetar positivamente ou negativamente o meio. As professoras comentaram que a execução do protocolo abre possibilidades para trabalhar diversos assuntos relacionados à temática sobre lixo nas escolas, e que a saída da sala de aula permitiu aos alunos uma nova motivação para o estudo, enfatizando a importância da participação do educando no processo ensino-aprendizagem e das metodologias ativas de aprendizagem (Matos, 2009). As metodologias ativas de aprendizagem estimulam a independência e a responsabilidade, preparando o aluno para o trabalho em equipe (Marin, 2010), rompendo com o tradicionalismo do ensino, e colaborando, no caso desse protocolo, para um novo modo de observar o meio em que os alunos estão inseridos. Considerações finais O presente trabalho mostrou que a Ciência Cidadã pode contribuir para a alfabetização científica (Sasseron e Carvalho, 2008) de crianças, auxiliando no aumento de sua percepção em relação aos resíduos sólidos em seu entorno, a partir de um protocolo padronizado, como também na sua formação como cidadãos conscientes de seu papel e responsabilidade no 537 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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tocante ao meio ambiente. Além disso, o curso de formação continuada contribuiu para a ampliação do repertório dos professores sobre as possibilidades de ensinar ciências na educação básica, ainda tão distante do almejado pelas diretrizes brasileiras para o ensino de ciências, onde os estudantes devem, entre outros objetivos: 1) ser capazes de perceberem-se integrantes, dependentes e agentes transformadores do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente e 2) saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos (Brasil, 1997). Ademais, a aplicação do protocolo, na visão das professoras, proporcionou aos alunos uma outra perspectiva em aprendizagem, já que eles precisavam sair do ambiente da sala de aula para efetivar o projeto, motivando-os a observar o que acontece em seu entorno, inclusive no âmbito socioambiental. Referências ASSUNPÇÃO, L. S. Pintando uma cidade melhor. In: GHILARDI-LOPES, N.P. Série Ciência Cidadã, vol. 2. Santo André: NTE - UFABC, 2016. ALENCAR, M. M. M. Reciclagem de lixo numa escola pública do Município de Salvador. CandombléRevista Virtual, v. 1, n. 2, p. 96–113, 2005. BOGNER, F. X. The influence of a residential outdoor education programme to pupil’s environmental perception. European Journal of Psychology of Education, v. 17,n. 1, p. 19–34, 2002. BOGNER, F. X. Outdoor Ecology Education and Pupil’s Environmental Perception in Preservation and Utilization. Science Education International, v. 15, n. 1, p. 27-48, 2004. BONNEY, R., COOPER, C. B., DICKSON, J., KELLING, S., PHILLIPS, T., ROSENBERG, K. V., e SHIRK, J.. Citizen Science: A Developing Tool for Expanding Science Knowledge and Scientific Literacy. BioScience, v. 59, n. 1, p. 977–984, 2009. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: ciências naturais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. DICKINSON, J. L., SHIRK, J., BONTER, D., BONNEY, R., CRAIN, R. L., MARTIN, J., PURCELL, K The current state of citizen science as a tool for ecological research and public engagement. Frontiers in Ecology and the Environment, v. 10, n. 6, p. 219-297, 2012.

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2000.

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