CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM QUESTÃO

July 23, 2017 | Autor: Fernando Alcoforado | Categoria: Philosophy, Philosophy of Science, Political Science, Tecnnology
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CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM QUESTÃO Fernando Alcoforado* A sociedade vive, mais do que nunca, sob os auspícios e domínios da ciência e da tecnologia. A propaganda que se faz da ciência e da tecnologia é tão intensa que uma parcela significativa das pessoas acredita que elas só trazem apenas benefícios para a sociedade. Para o homem, a tecnologia torna a vida mais fácil, mais limpa e mais longa. O homem cultiva uma relação de dependência crescente em relação à ciência e à tecnologia na era contemporânea. É um comportamento habitual de grande parte da sociedade considerar a ciência e a tecnologia como libertadoras da humanidade dos fardos do trabalho e das ameaças representadas pelas forças da natureza. Somando a tudo isso, existe a visão generalizada de que o progresso científico-tecnológico traz não apenas o avanço do conhecimento, mas também como uma melhoria real, inexorável e efetiva em todos os aspectos da vida humana. No século XX, acreditava-se que os únicos meios confiáveis para o melhoramento da condição humana provinham das novas máquinas, substâncias químicas e as mais diversas técnicas. Inclusive os recorrentes males sociais e do meio ambiente que acompanham os avanços tecnológicos raras vezes têm afetado esta fé. Hoje, existe a clara percepção de que a ciência e a tecnologia têm proporcionado progresso para a humanidade, mas que, junto com isto, possuem a capacidade de também destruí-la. A ciência não é vista apenas como libertadora, mas sim, em determinadas situações, como desumanizadora e escravizadora da vida humana. O crescimento descontrolado da tecnologia tem contribuído para destruir as fontes vitais de nossa humanidade ao criar uma cultura sem uma base moral. A tecnologia tem conformado nossas vidas porque estamos à mercê de sistemas interconectados e, o que é grave, porque estamos submissos à sua autoridade, moldando-nos ao seu funcionamento. A onipresença da tecnologia no mundo atual, aliada à sua maior complexidade, dá lugar a uma situação bastante problemática. Na realidade, a ciência e a tecnologia não estão apenas conformando as nossas vidas para melhor, mas também, em muitas situações, fazendo-as mais perigosas. Percebemos a própria realidade através de máquinas e artefatos, e também tanto o mundo externo como o que diz respeito a nossos corpos e mentes. Concebemo-nos a nós mesmos como complexas máquinas físico-químicas com um cérebro que, segundo investigações realizadas nas últimas décadas, tem resultado análogo a um potente e complicado computador. Parece que a partir da Revolução Industrial a própria construção coletiva da vida social está sendo conformada como se ela fosse uma máquina. Há muitos anos, a ciência e a tecnologia vêm ditando os rumos do comportamento social, tanto no plano industrial quanto no das pessoas individualmente. O ser humano sempre investiu sua inteligência para adquirir, fabricar e utilizar ferramentas que prolongassem e multiplicassem seu conforto material. A ideia de que o desenvolvimento humano é função linear do progresso técnico vem sendo sustentada há muito tempo.

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A tese de que a ciência e a tecnologia seriam os fatores primordiais responsáveis pelo progresso humano foi colocada em xeque pelas explosões das bombas atômicas na Segunda Guerra Mundial, em Nagasaki e Hiroshima. Passou-se a haver uma discussão não apenas sobre o lado positivo proporcionado pela ciência e pela tecnologia. Um clima de crise e dúvida em relação a elas veio à tona. Junto com as benesses da ciência e da tecnologia, vinha o napalm, os desfolhantes, a radioatividade, a bomba atômica. A ciência e a tecnologia passaram a ser encaradas também como antivida e, em determinadas situações, como fora de controle humano. Segundo Walter Antonio Bazzo, engenheiro mecânico, mestre em engenharia e doutor na área de Educação, professor do departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina, existem diferenças entre ciência, técnica e tecnologia (Ver o artigo Ciência, Tecnologia e Sociedade- o contexto da educação tecnológica publicado no website ). A ciência é definida como uma acumulação de conhecimentos sistemáticos visando a compreensão do mundo em que o homem vive, isto é, o conhecimento da realidade. A ciência usa um método objetivo, lógico e sistemático de análise dos fenômenos para permitir a acumulação de conhecimento fidedigno. Seu método de operação é o método científico. A técnica, por sua vez, diz respeito às transformações consecutivas dos diferentes artefatos utilizados pelo homem com o sentido estrito de ferramenta. A técnica é tida como uma entidade sujeita à sua própria dinâmica interna de desenvolvimento alheia a qualquer tipo de intervenção social. A esfera de ação da técnica é mais reduzida e se posiciona em um nível de menor complexidade em relação à tecnologia. Tecnologia é o conhecimento humano que trata da criação e uso de meios técnicos e suas inter-relações com a vida, sociedade e seu entorno, recorrendo a recursos tais como as artes industriais, engenharia, ciência aplicada e ciência pura. A tecnologia simboliza, segundo Walter Antonio Bazzo, uma grande complexidade e qualquer intento por defini-la deveria considerar que:  

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a tecnologia tem relação com a ciência, com a técnica e com a sociedade; a tecnologia integra elementos materiais — ferramentas, máquinas, equipamentos — e não materiais — saber fazer, conhecimentos, informações, organização, comunicação e relações interpessoais; a tecnologia tem relações com fatores econômicos, políticos e culturais; a evolução da tecnologia é inseparável das estruturas sociais e econômicas de uma determinada sociedade.

Fica claro que nesta definição não se pode assumir a imagem de uma tecnologia neutra e objetiva como fundamento e legitimação do desenvolvimento tecnológico. A partir da Revolução Industrial no século XVIII, não apenas a tecnologia, mas também a ciência tem sido utilizada pelo capitalismo para o bem e para o mal como uma das forças a serviço de sua expansão. Nem a ciência e muito menos a tecnologia são empreendimentos autônomos com vida própria, nem tampouco são instrumentos neutros a serviço da humanidade. Em sua obra A Dialética do Esclarecimento (Zahar Editora, 1985), Theodor Adorno e Max Horkheimer, filósofos vinculados à Escola de Frankfurt, afirmam que a supremacia 2

da ciência e da tecnologia preparou o caminho para o desvario político em benefício do capitalismo de mercado. O avanço científico e tecnológico, na medida em que criou a possibilidade técnica de eliminar a miséria, trouxe, também, seu crescimento. Sendo global e onipresente, o capitalismo de mercado dispõe da técnica necessária, fornecida pela ciência e pela tecnologia, para fazer dos homens engrenagens de seu motor, anulando-os, através do princípio econômico da concorrência total. Coligadas, distantes dos indivíduos, economia capitalista, ciência e tecnologia, fundidas agora como se fossem uma instância única, consolidam sua supremacia sobre a sociedade contemporânea, determinando seus rumos com a mesma desfaçatez e impessoalidade de uma mão invisível, segundo Adorno e Horkheimer. * Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.

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