CINCO LIÇÕES SOBRE A SOCIOLOGIA DO TURISMO

May 30, 2017 | Autor: José Pinto da Costa | Categoria: Tourism Studies, Anthropology of Tourism, Sociology of Tourism
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José Carlos Pinto da Costa

CINCO LIÇÕES SOBRE A SOCIOLOGIA DO TURISMO (Uma Introdução ao Estudo Sociológico do Turismo)

Faro, 2001

INTRODUÇÃO

O estudo sociológico do turismo é uma necessidade que se tem revelado cada vez mais premente. O turismo, pelo seu carácter social e humano, não pode ser tratado aquém ou além do homem e dos grupos sociais, que se situam, simultaneamente, na sua origem e na sua finalidade. O homem tem percorrido o espaço desde os tempos mais remotos, seja o mesmo considerado como uma pequena região, um país, um continente ou todo o planeta. De facto, a migração é uma das características principais da história da espécie humana. As populações humanas – que começaram por ser nómadas – foram descobrindo novos espaços e deixaram o testemunho da sua passagem em vários e variados locais um pouco por todo o planeta. Esta “domesticação” da paisagem viria a tornar-se mais efectiva à medida que entrávamos no Neolítico, período a partir do qual os espaços físicos foram sendo socialmente diferenciados, fruto da intensa comunhão existente entre determinado grupo social e o espaço físico que ele ocupava. Embora não possamos considerar esses movimentos populacionais como “turismo”, não é descabido considerar que eles cunharam o mundo com marcas que deram origem à noção de ecótipo, inerente à própria génese do impulso para o turismo. O ecótipo apresenta-se como uma espécie de sistema que resulta da articulação entre os comportamentos das sociedades e os constrangimentos que lhes são impostos pelo meio físico. Este sistema torna-se repetitivo ao longo da sucessão das gerações e adquire o estatuto de particular, i.e., cristaliza-se como um modelo de organização do grupo social em questão e formaliza-se nas suas práticas de maneira que nenhum outro grupo social se lhe assemelha. Esta especificidade das interacções que resultam do confronto entre o grupo social e o meio que ele ocupa tipifica-se assim em práticas que reflectem a construção de uma memória colectiva que resulta do hábito e do uso, memória essa que cimenta os alicerces das próprias culturas. As culturas, sendo localmente formadas – porque são diferenciadas por aquelas práticas –, são o grande mostruário das possibilidades de adaptação à natureza demonstradas pelo espírito humano. A criatividade presente na variedade de padrões de adaptação do homem ao meio é responsável pela variedade de quadros culturais que identificam modos de vida e visões do mundo diferenciados. Aqui reside precisamente a motivação original para o turismo. É essa variedade cultural que, à la limite, leva as pessoas a viajar. Procurar conhecer-se através da compreensão do Outro é o que, em termos antropológicos, orienta o turista na sua intensa procura da novidade e da diferença. A diferenciação cultural, que matiza o espaço físico, é, também segundo António Ferro, a razão de ser do turismo. 2

Estes pressupostos teóricos são confirmados por inúmeros trabalhos feitos sobre a sociologia do turismo; trabalhos, esses, que foram aqui sujeitos a um esforço de classificação, o que fez com que eu tivesse de optar por apresentar reflexões sobre apenas uma ínfima parte do imenso manancial documental que constitui a temática do estudo sociológico do turismo. A razão pela qual optei por seleccionar alguns trabalhos em detrimento de outros deriva do facto de os trabalhos seleccionados estarem mais directamente relacionados com os pontos que constituíram o programa leccionado por mim na disciplina de Sociologia do Turismo do Curso Bietápico de Turismo da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve, no ano lectivo de 2000/2001. Apesar de não incluir aqui alguns assuntos que tradicionalmente se discutem em sociologia do turismo, penso que o material que aqui apresento constitui o essencial do que se deve saber nessa disciplina, razão pela qual considero que este livro é essencialmente dirigido aos estudantes do curso de Turismo. Mesmo que eles tenham já feito a disciplina, estou certo que encontrarão neste trabalho algumas pistas de reflexão importantes, pelo que o mesmo se poderá revelar interessante para quaisquer profissionais desse imenso sistema socio-económico. Na minha perspectiva, até o próprio turista poderá reconhecer nestas linhas algumas considerações úteis sobre a racionalidade inerente àquilo que ele regularmente concretiza ao longo da sua “carreira”. Estou certo de que, devido ao facto de existirem muito poucas obras escritas em língua portuguesa sobre a sociologia do turismo dirigidas ao grande público, esta poderá minimizar um pouco essa deficiência, que hipoteticamente até já foi detectada por algum turista português mais curioso que, infrutiferamente, procurou já obter uma visão geral sobre as questões que o turismo suscita e que necessariamente implica. O mesmo se pode aplicar aos docentes de Sociologia do Turismo e outros, especialmente os que leccionam sociologia e que se preocupam com os aspectos adstritos a esse movimento que possui uma importância crescente e que articula sectores da economia tão variados como a indústria hoteleira, os transportes, os operadores turísticos, os recursos paisagísticos, o património cultural e edificado, etc. O investigador mais experimentado ficará, decerto, desiludido com o facto de este livro apenas tocar ao de leve em muitos aspectos que poderiam ser mais aprofundados, mas, não é objectivo do mesmo fornecer informação suficiente para encaminhar a investigação no âmbito da sociologia do turismo. Para esses leitores, mais exigentes, apenas podemos fornecer algumas hipóteses de trabalho, deduzidas a partir da variada informação constante na obra e dos exemplos de investigações levadas a cabo por outros investigadores no campo da sociologia e da antropologia do turismo. Enquanto ciência humana, a antropologia pode fornecer-nos reflexões importantes sobre o turismo. A relevância da inclusão da perspectiva antropológica sobre o turismo neste livro justifica-se com base 3

em duas razões principais: em muitos aspectos, os dois campos (sociológico e antropológico) tocam-se e/ou misturam-se quando estudamos o turismo; por outro lado, urge fazer-se um trabalho introdutório sobre a antropologia do turismo em Portugal, simplesmente porque não existe nenhum (nos tempos que correm, é da máxima importância despertar a consciência dos antropólogos portugueses para o estudo do turismo, quanto mais não seja, porque ele será o motor da futura economia e Portugal situa-se na rota dos principais destinos turísticos no mundo, facto que fornece condições extremamente favoráveis à iniciação de um estudo aprofundado sobre as suas implicações na vida dos portugueses). Para o leitor detectar facilmente a valorização de uma ou de outra perspectiva sobre o turismo, deverá reconhecer a perspectiva antropológica sempre que forem apresentadas ideias sobre a interacção de culturas distantes e/ou próximas e sempre que se valorizar a perspectiva comparativa sobre o turismo, o mesmo acontece quando se verificar que o estudo incide mais sobre os impactos sociais e culturais provocados pelo turismo nas sociedades de acolhimento e/ou nas visitantes. Por sua vez, sempre que apresentarmos ideias sobre o sistema turístico nas sociedades ditas ocidentais, sem que se faça um esforço de comparação entre esse sistema turístico e outros, estaremos perante a perspectiva sociológica. A adopção desta perspectiva inter e transdisciplinar alicerça-se não apenas em razões de ordem epistemológica. Com efeito, a articulação dessa perspectiva deriva também de outras duas causas cuja importância para o bom encaminhamento metodológico deste trabalho demonstram ser determinantes: a primeira, e talvez a mais significativa, tem a ver com o facto de a minha formação ter como base a antropologia, enquanto que a sociologia, como é óbvio, fornece o enquadramento epistemológico da disciplina leccionada; a segunda prende-se com o facto de o turismo, independentemente de ter sido institucionalizado na Europa, se tratar de um “fenómeno” humano, pois que assenta nalgumas atitudes que apenas se referem a perspectivas diferenciais tomadas pelos grupos acerca das mesmas necessidades humanas, que culminam no auto-conhecimento e no sentimento de pertença a determinado grupo e a determinado espaço. Como o título indica, a obra será dividida em cinco partes principais. A primeira analisará as principais correntes da sociologia, desde a origem desta ciência até às considerações mais recentes. Esta primeira parte terá como finalidade fornecer aos estudiosos do turismo as bases epistemológicas da sociologia e verificar a sua aplicabilidade no estudo do turismo, familiarizando-os com os conceitos e a linguagem própria da disciplina. A segunda parte apresentará uma breve história social do turismo. O seu objectivo é dar a conhecer os principais constrangimentos históricos e sociais que fizeram com que o 4

turismo evoluísse de um comportamento exclusivo de determinadas classes sociais para um fenómeno de massas. A terceira parte apresentará as tipologias do turismo e dos turistas, partindo-se da ideia de que o mesmo, apesar de ser muito complexo, é passível de ser sistematizado e organizado em esquemas que em muito podem ajudar na compreensão da sua dimensão social. A quarta parte versará sobre as motivações dos turistas. Esta “lição” procurará fornecer o essencial sobre a teoria das motivações do sujeito e terá como fito original demonstrar os preceitos que têm orientado a procura da solução de um problema fundamental do turismo, a saber, a razão pela qual as pessoas fazem turismo. Finalmente, a última parte reflectirá sobre os principais impactos sociais e culturais provocados pelo turismo, sejam eles verificados nas regiões de acolhimento ou verificados na própria formação social dos turistas. Para melhor reflectir sobre os assuntos apresentados ao longo da obra serão ainda feitas, oportunamente, algumas reflexões críticas sobre determinados aspectos focados o que, a meu ver, facilita a reflexão e incita à construção de uma perspectiva sobre a sociologia do turismo que apenas o leitor poderá realizar.

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LIÇÃO 1

DA SOCIOLOGIA À SOCIOLOGIA DO TURISMO

1. O estudo das instituições sociais A sociologia adquiriu o estatuto de ciência, embora na sua forma bruta, quando Auguste Comte (17981857) resolveu avançar com a ideia segundo a qual as sociedades seriam formadas por relações que resultariam numa certa repetição de comportamentos que assentariam em regras mais ou menos padronizadas e objectivas. Para Comte, assim como as “coisas” físicas ou naturais eram reguladas por leis imutáveis (pensamento que remonta ao século XVI e à física newtoniana) também as “coisas” humanas pareciam respeitar uma lógica sequencial, embora com modos de regulação mais flexíveis que as coisas físicas. Inicialmente, Comte pretendeu formar uma “Física da sociedade”, baseada no pressuposto experimental (positivismo) de que a todas as causas se seguiam efeitos. Mais, aquele que primeiro utilizou o termo “sociologia” como a ciência que estuda os comportamentos da sociedade defendia que às mesmas causas se seguiam os mesmos efeitos (princípio da linearidade da racionalidade científica), deixando antever que os comportamentos sociais poderiam ser previstos com base na repetição e comparação de relações de causa-efeito. Quando ampliado a toda a sociedade, este método poderia mesmo tornar possível a previsão dos acontecimentos historicamente contextualizados a um nível geral, visto que, a um mesmo estímulo corresponderia uma mesma reacção lógica. Esta perspectiva sobre a sociedade pôde ser comprovada, mais tarde, por Ivan Pavlov (1849-1936) que, no âmbito da fisiologia, demonstrou haver uma lógica entre as manifestações fisiológicas e os estímulos a que o cérebro era sujeito. A comprovação da hipótese de haver uma lógica intrínseca (leia-se lei) aos mecanismos que regulam os comportamentos foi o passo decisivo para a confirmação da ideia original anteriormente defendida por Auguste Comte. De facto, as experiências que Pavlov fez com um cão demonstravam que a repetição de um estímulo levava o cérebro a reagir 6

com um mesmo efeito ou comportamento, reacção, essa, que o fisiologista designou por “reflexo condicionado”. Quando esta lógica de associação entre o que está fora e o que está dentro do cérebro fosse possível de verificar à escala social, isso significaria que as ideias se arrumavam no cérebro de acordo com uma lógica de associação entre os fenómenos sociais e a memória que se teria deles (sendo essa memória angustiante ou prazenteira). Comte foi apenas aquele que se adiantou na formação de uma ciência da sociedade. Antes dele, os estudos da ética e da lógica – feitos especialmente por Platão (427-347 a. C.) e Aristóteles (384-322 a. C.), respectivamente – já tinham deixado a impressão de que os comportamentos sociais eram susceptíveis de serem estudados respeitando-se uma metodologia científica. Não muito antes de Comte já Rousseau (1712-1778) e Owen (1771-1843) se tinham atrevido a estudar as sociedades pela agenda científica da análise dos fenómenos naturais. Rousseau, com a imagem do bom selvagem, quis alertar para o papel activo que a sociedade tinha sobre o indivíduo. A sua tese principal, contida no Contrato Social (1762), baseava-se no pressuposto que o indivíduo nascia naturalmente bom e destituído de preconceitos e vícios, sendo a sociedade a responsável pela sua “maldade”. No fundo, o que Rousseau pretendeu foi sensibilizar a comunidade científica e a sociedade em geral para a supremacia da sociedade sobre o sujeito. Já Robert Owen, através do estudo de uma pequena localidade (laboratório científico) chamada New Lanark, perto de Glasgow, Escócia, demonstrou que a personalidade dos indivíduos era formada pelo meio (social) em que os mesmos estavam inseridos. Como tal, a forma de defender os indivíduos contra o poder dos preconceitos socialmente construídos, era educá-los. Só assim seria possível a construção de uma sociedade harmoniosa e feliz (ponto de vista um tanto utópico). Foi, aliás, a preocupação pela educação e formação das pessoas que levou Comte a desenvolver a sua teoria social. Partindo do princípio que um conhecimento verdadeiro teria de ser aprovado pelos métodos experimentais, ele constatou que a sociedade da sua época não estava preparada, em termos intelectuais, para responder aos novos desafios impostos pela crescente industrialização. Haveria, portanto, que incutir um conhecimento científico à população, que permanecia mergulhada em pontos de vista assentes no senso comum (não verificáveis pela experiência e causadores de ambiguidades). O pioneirismo das teorias de Comte e de Owen causou novos debates sobre a sociedade e sobre a humanidade. A importância de tais ideias permanece nos nossos dias no seio da sociologia, ciência que se baseou nos comportamentos sociais e, tratando-os como matéria-prima, procurou, da variedade das manifestações humanas, extrair regularidades científicas, bem à imagem do nomotetismo (objectivo de

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elaboração última de leis gerais através da redução dos comportamentos acidentais num corpo teórico final) das ciências naturais. As principais mais-valias das ideias iniciais da sociologia e, concretamente, promulgadas e defendidas pelo seu pai (Auguste Comte), podem ser agrupadas em pressupostos epistemológicos que viriam a fornecer o enquadramento legítimo das investigações das sociedades e dos grupos.

Em termos sintéticos, as teorias iniciais da sociologia assentavam nos seguintes pressupostos teóricos: 

Os comportamentos dos indivíduos são socialmente determinados;



não existem comportamentos inatos;



a sociedade é regulada pelo “comportamento normal”, ou socialmente aceite e convencionado;



o “socialmente normal” varia de sociedade para sociedade;



a sociedade é mais do que a soma dos indivíduos;



todos os comportamentos normais têm matrizes institucionais;



a sociologia estuda as instituições, ou seja, tudo aquilo que é reconhecido como “socialmente bom”;



finalmente, a sociologia estuda não apenas a estrutura da sociedade e o comportamento dos indivíduos em grupo, mas também as regras ou outras forças sociais que determinam a estrutura social e os padrões de comportamento.

Estes pressupostos seriam sobejamente debatidos ao longo do tempo, confirmando-se uns e infirmando-se outros. Como resultado desses debates, a história da sociologia tem sido caracterizada (fruto da própria revisibilidade inerente a qualquer corpus científico) pelo surgimento de correntes que adoptam uns ou outros pressupostos originais promulgados por Comte. Essas correntes desdobraramse em teorias, continuando, nos nossos dias, a surgir ideias que vêm de alguma forma contribuir para o avanço da sociologia. As suas duas correntes maiores debateram os problemas sociais de forma 8

oposta: de um lado defendia-se uma visão da sociedade no seu conjunto, onde tudo está relacionado com tudo, e onde a sociedade subjuga o indivíduo, obrigando-o a adoptar condutas e expressões que tendem a aproximar-se dos seus pares (macrossociologia); do outro reclamava-se a liberdade do indivíduo e a sua criatividade, que não se cinge totalmente ao que é prescrito pela sociedade no seu conjunto (microssociologia). Destas duas correntes principais surgiram, respectivamente, o estruturalfuncionalismo (desdobrando-se nas teorias do consenso e nas teorias do conflito); e a teoria da acção social e o interaccionismo simbólico, desdobrando-se esta última em outras igualmente importantes, sendo a perspectiva a que, actualmente, mais devotos reúne. Para melhor nos situarmos no seio das teorias sociológicas, apresentaremos, de forma sucinta e com todas as insuficiências que isso acarreta, alguns dos pressupostos teóricos que adquirem maior importância nas várias teorias sugeridas. A minha preocupação passa também por fazer críticas resumidas sobre essas teorias, extraindo delas o que há de mais apropriado para o estudo do turismo.

2. As teorias sociológicas Como todas as ciências, a sociologia não é estranha à multiplicidade de perspectivas e correntes de vários autores e escolas. Como vimos, num plano geral, essas teorias e correntes agrupam-se em duas tendências maiores de análise social: a macrossociologia e a microssociologia. Tal como os termos indicam, a diferença entre uma perspectiva e outra reside sobretudo no plano que serve de campo de estudo. Enquanto a primeira tendência prima por uma abordagem que valoriza a sociedade como um todo (holismo) a segunda, parte das relações entre os sujeitos e daí extrapola para o grupo e, finalmente, para a sociedade, entendida já não como uma coisa, mas como um conjunto de coisas (atomismo). Para melhor entendermos as diferenças entre estas duas abordagens, iremos analisar as várias teorias que se formaram, quer a partir de uma perspectiva, quer de outra.

2.1. - A macrossociologia O positivismo comteano insere-se nesta lógica de análise, tendo sido, por isso, a que surgiu originalmente. Os seus pressupostos assentam na primazia da estrutura social sobre o indivíduo (estruturalismo). O estruturalismo refere-se a todas as formas de análise sociológica que vejam a sociedade como um todo e que estudem a forma como esse todo é estruturado. Retirando importância 9

à vontade e arbitrariedade que compõem as motivações próprias dos sujeitos, defende que existe um sistema de valores central que, através do constrangimento ou do consenso prescreve – dentro de padrões de normatividade convencionados e tomados como tradicionais – e sanciona as atitudes e os comportamentos dos sujeitos. A pedra de toque desta teoria prende-se com o facto de que, em sociedade, o sujeito não tem vontade pura, emanada de si próprio. A subjugação do indivíduo à sociedade é um ponto fundamental nesta abordagem. Por sua vez, a sociedade é vista como um objecto existente e verificável. Ela é entendida como uma “coisa” e não como um conceito abstracto. Esta atitude seria, mais tarde, severamente criticada, especialmente pelos sociólogos que apregoaram a perspectiva microssociológica. De acordo com esta última, o estruturalismo reifica a sociedade (de res – “coisa”), enquadrando o indivíduo numa posição de apatia natural, destituído de poder decisório sobre os seus próprios actos. A atitude ou corrente estruturalista subdivide-se em dois tipos de abordagens, às quais se chamou teoria do consenso e teoria do conflito. Lembremo-nos que ambas estas teorias têm uma visão holista da sociedade.

2.1.1. Teorias do consenso As teorias do consenso social baseiam-se no princípio segundo o qual os elementos de uma sociedade têm tendência a organizar-se, mesmo que não existam formas expressas que a isso obriguem. Por exemplo, é costume, em espera, as pessoas formarem filas. Essa atitude, segundo os estruturalistas, é automática e baseia-se no instinto de organização. Aparte esta organização primária, todos os comportamentos tomados em grupo são definidos a partir do nascimento do indivíduo. A este processo de organização (secundária) deu-se o nome de socialização – processo de internalização ou incorporação das referências sociais promulgado pelas instituições que acompanham a inserção do indivíduo na sociedade. Estas instituições organizam de forma a nortear as suas estratégias de socialização de acordo com os valores entendidos como princípios orientadores do modo de estar no mundo. O consenso parte, então, da tomada de consciência de princípios reguladores que pretendem levar à prática a verdade dos valores aceites pela sociedade como certos e verdadeiros (convenções). A aceitação desses valores pressupõe, portanto, a sua apropriação por parte tanto da sociedade como do sujeito. É aliás com base nesta ideia de “valores apropriados” que se define o lugar de cada indivíduo 10

no sistema social. Os papéis sociais que cada indivíduo cumpre asseguram, assim, a continuidade de uma sociedade estável, integrada e regulada. A linguística (e mais recentemente a semiologia) veio criar as fontes epistemológicas para que se compreendesse a função desses valores centrais. De acordo com ambas as disciplinas, os valores centrais de uma sociedade assentam nos signos linguísticos, quer dizer, nas formas linguísticas do entendimento humano que são passíveis de uma interpretação comum por parte de todos os indivíduos de uma mesma sociedade, seja qual for a sua condição ou papel social. Muitos outros estudos foram levados a cabo com base nesta ideia de valores centrais, a que a psicologia chamou também “símbolos-chave” e “representações sociais”. A importância destes conceitos é reconhecida nos nossos dias e, tudo indica, sê-lo-á no futuro, sem falsas visões da nossa parte. Esta afirmação deriva do facto de ser consensual que as estruturas mentais podem ser reproduzidas em suportes digitais partindo-se do modelo dos “símbolos-chave”, cujo paradigma é a conexão, surgindo, por via destas teorias, uma outra, muito mais recente: o conexionismo (corrente defendida pelos teóricos da Inteligência Artificial, que reproduziram os esquemas de processamento mental da informação em operações matemáticas que, de modo simplista, são a base de processamento de informação dos computadores). Independentemente do fascínio inerente à forma como nos comportamos em sociedade e da possibilidade de o replicar materialmente, o que nos interessa neste ponto é conhecer os pressupostos teóricos das teorias do consenso, das quais se destaca o estruturalismo (conceito que deriva da física moderna e do estudo da estrutura atómica dos elementos naturais, cujos valores foram classificada e reunidos num modelo conhecido por “tabela periódica dos elementos”).

a) Estruturalismo Émile Durkheim (1858-1917) foi o primeiro sociólogo a formar uma teoria estrutural baseada no consenso geral. Segundo essa mesma teoria, a sociedade moderna industrial do seu tempo, não pertencia, em natureza, a um tipo de sociedade diferente das sociedades “primitivas”. Durkheim defendia que, na generalidade, existia um substrato comum a todas as sociedades humanas, a que chamou moral. Em consequência dessa ideia original, o sociólogo defendia a existência de uma harmonia geral que ligava todas a variedades culturais. Segundo ele, essa harmonia poderia ter duas formas maiores, às quais corresponderiam dois tipos de sociedades: 

A solidariedade orgânica, que assenta no pressuposto de acordo com o qual, a moderna sociedade industrial, devido à divisão social do trabalho, é organizada, a nível interno, por funções 11

diferenciadas, cristalizadas na forma de instituições cujos papéis específicos tendem a complementar-se num todo harmonioso. Esta harmonia, ou consenso moral interno, é a estrutura fundamental pela qual se rege a sociedade. Assim, se uma ou várias das instituições não funcionarem bem, a sociedade apresenta sintomas de anomia, quer dizer, de desestruturação (noção de saúde/doença sociais). Essa desestruturação manifesta-se como a forma mais radical de renúncia, por parte dos indivíduos, aos valores morais vigentes, que é o suicídio – razão pela qual Durkheim concedeu imenso valor ao estudo das suas causas; (e) 

a solidariedade mecânica (ou por similitude), que é própria das sociedades tradicionais, baseadas nas relações de parentesco. É assim chamada por analogia com a coesão e harmonia que os elementos ou peças dos corpos brutos apresentam quando se movem conjuntamente e com movimentos próprios (ideia que segue os trâmites da teoria sistémica).

No nível interno, todas as sociedades são diferenciadas por áreas separadas ou instituições, que jogam papéis particulares e que se complementam no sentido da harmonia institucional. A atitude macrossociológica da teoria durkheimiana deve-se ao facto do seu autor entender a sociedade como um organismo vivo, que não poderia ser dividido nas suas partes constituintes (órgãos). A harmonia social reflecte-se num modo de pensar (consciência colectiva) que se organiza na forma de conjuntos de valores e normas, atitudes e crenças, signos e símbolos, partilhados por uma comunidade ou sociedade cuja ausência ou enfraquecimento se torna causadora de situações de crise, caos ou anomia. Segundo os princípios “moralistas” de Durkheim, visto que o homem é tendencialmente devasso e insaciável, é necessário controlar os seus impulsos através da autoridade moral (fundamentalmente pela religião) e mesmo da repressão física (autoridade penal). A anomia deve-se ao facto de as funções económicas antecederem e prevalecerem ao processo de formação das regras morais. A ideia de curar as sociedades – ou, pelo menos, de impedir que a doença se torne epidémica – deriva do próprio contexto social e histórico em que Durkheim vive, que se apresenta convulsivo. Segundo o próprio, as doenças sociais que alastram na Europa na passagem do século XIX para o XX devem-se ao facto de a divisão social do trabalho ser forçada e não conforme o talento natural dos indivíduos, sendo, necessário, por força desta desadequação, criar uma nova moral. Porque a crise seria mais moral que económica (crítica a Marx), o estado deveria regular a vida económica também através da formação e desenvolvimento de grupos sociais de tipo corporativo, pois que a sua natureza tende para a harmonia baseada na complementaridade das suas partes. Finalmente, os factos sociais não devem ser confundidos nem com os factos orgânicos (porque incluem representações, normas e valores) nem com os factos psíquicos (porque contrariamente a eles, 12

não existem apenas na consciência e devem encontrar a sua explicação em factos sociais prévios e objectivamente dados). Os factos sociais, constituindo modos de agir, pensar e sentir, são totais, por isso devem explicar-se a partir de factores sociais e definir-se pelas características da exterioridade (apresentam-se ao sujeito a partir de fora) e do constrangimento (constrangem a acção dos actores sociais). Os factos sociais, por serem totais, devem ter a sua explicação apenas a partir de outros factos sociais e não de ideais ou abstracções com origem metafísica ou puramente mental (leia-se, imaginária).

b) Estrutural-funcionalismo de Parsons Por sua vez, Talcott Parsons (1902-1979) partiu da ideia durkheimiana da função das instituições (órgãos do sistema social) para formar a sua teoria funcional da sociedade. Ainda dentro da lógica macrossocial, Parsons defendia que as funções específicas de cada instituição não eram mais do que formas de organização específicas mas que nada poderiam resolver se não se articulassem entre si (lembremo-nos que a complementaridade durkheimiana era verificável apenas no interior de dada corporação ou instituição corporativa, não entre essa e as outras que, no conjunto, formam a sociedade total). Assim, o funcionalismo parsoniano, ainda dando primazia à estrutura social (por isso é vulgarmente chamado de estrutural-funcionalismo), enriqueceu a teoria anterior no sentido em que emprestou modelos de acção próprios às estruturas, que variam entre as instituições mediante as inspirações de base que as mesmas tenham. Nesse sentido, e através da combinação desses modelos de acção, atingiríamos a forma através da qual cada instituição se articula. No final, todos os modelos de acção se agregam e formam sistemas de relações entre os sujeitos, que assentam as suas acções nos pressupostos ideológicos resultantes da articulação dos vários modelos de acção que caracterizam a multiplicidade das instituições sociais. A sociedade passa, definitivamente, a ter uma configuração sistémica e as relações sociais passam a ser vistas como meios através dos quais a comunicação entre as instituições é feita. As principais críticas feitas ao estruturalismo assentam no pressuposto segundo o qual os factos sociais não se ordenam nem falam por si, sendo necessária a existência de uma “natureza moral”, inerente aos sujeitos, que constranja os comportamentos ad initio e que uniformize a multiplicidade de factos sociais. Contrariamente a esta ideia durkheimiana, Parsons defende que sem se fazer uma interpretação dos factos sociais em relação a um quadro teórico de referência que permita a adequação dos factos sociais ao contexto em que são produzidos e reproduzidos (modelo de integração da acção) todos eles seriam resumidos ao estado comum de “factos sociais” confundindo-se assim o seu valor no todo social. Uma valorização relativa dos comportamentos é o que Parsons pretende em última análise. De 13

facto, o seu estrutural-funcionalismo critica ainda a omissão feita, por parte do estruturalismo durkheimiano, ao contexto sociocultural que condiciona a sociedade onde se verificam os factos, destituindo estes de sentido. Assim, há que estruturar os factos sociais mediante sistemas sociais de abrangência global (que possam ter validade independentemente da sociedade onde os mesmos forem testados). Só deste modo se pode responder às questões que indagam sobre as fontes da coesão social e sobre a própria possibilidade de criar e estabelecer a ideia de ordem. Segundo Parsons, as respostas encontram-se na configuração sistémica da acção. Esta deve ser hierarquizada consoante a importância da informação que contém; aquilo a que se chamou hierarquia cibernética. De acordo com esta hierarquia, um sistema situa-se mais alto na escala quanto mais rico for em informação e tanto mais baixo quanto mais rico for em energia. Como resultado, a organização da acção em sistemas resultaria numa classificação deste tipo:

ORDENS

SISTEMAS

TIPO DE INFORMAÇÃO menos energia/mais informação

ENERGIA ACÇÃO

Biológico

Energia

Psíquico

Personalidade

Social

Relações

Cultural

Normas, valores mais energia/menos informação

Cultural CONHECIMENTO Social

Antropologia Sociologia

Psíquico

Psicologia

Biológico

Biologia

Quadro 1 – A hierarquia cibernética da acção de Talcott Parsons

Para Parsons, a realidade é constituída pelo conjunto destes sistemas, que se encontram ligados por uma ordem hierárquica de controlo cibernético. Nos pólos, enquanto o sistema cultural controla a acção pela informação, o sistema biológico controla a acção pela energia que produz. Por sua vez, os sistemas sociais são compostos por elementos estruturais, que se resumem em quatro canais através dos quais a cultura passa à vida concreta da sociedade: 1.

valores (orientações desejadas para a totalidade do sistema); 14

2.

normas (modelos orientadores da colectividade e dos indivíduos);

3.

colectividades (conjuntos sociais em torno de valores ou de ideias);

4.

papéis (funções dos indivíduos na sociedade).

Embora a sua teoria sobre os sistemas sociais seja alvo de muita controvérsia, Parsons conseguiu superar o estruturalismo durkheimiano na sua concepção da sociedade. Para ele, um sistema social assenta já não na semelhança entre os indivíduos mas sim na sua pluralidade. Eles são motivados pela máxima gratificação possível no sistema e pela obtenção do melhor estatuto possível. Outra vantagem do estrutural-funcionalismo em relação ao estruturalismo é a sua concepção dinâmica da sociedade. A partir do relevo dado por Parsons ao papel da comunicação e das relações sociais na organização das sociedades abre-se a hipótese de a sociedade poder atingir a configuração de um sistema dinâmico e auto-repositivo. Vejamos, mais detalhadamente, as principais críticas que nos merecem tanto uma como outra teoria:

a) o estruturalismo durkheimiano 

Durkheim foi influenciado por Saint-Simon (pessimismo social), Comte (optimismo social), Montesquieu (corporativismo do estado), Darwin (evolucionismo linear) e Spencer (organicismo). Por seu lado, influenciou Marcel Mauss (representações colectivas), Maurice Halbwachs (memória colectiva) e George Gurvitch (estruturas plasma);



o sociólogo diz que o substrato da vida social são os indivíduos e que, por outro lado, estes são socialmente condicionados; mas quando se trata de explicar os factos sociais, remete a explicação para o campo da consciência colectiva, acentuando a importância das normas e dos valores, por isso tende para o idealismo (embora defenda o facto);



pretende afastar o empirismo mas fica preso a ele;



fundamenta a ciência sociológica na observação, mas analisa os hábitos e a consciência colectiva com base em normas jurídicas e costumes cristalizados; 15



concepção estática da sociedade;



ignora a dimensão histórica, embora a sua teoria sobre o suicídio seja fruto do contexto em que vive;



especula sobre as necessidades morais e sobre a insaciabilidade do homem, à qual importa pôr limites com base na moral, no direito e na religião;



dilui as contradições sociais inerentes às crises económicas, as quais se reduzem à desintegração dos valores morais;



defende a ideia de facto social total, mas reduz os problemas sociais à norma e à moral (que apenas são dimensões dos fenómenos sociais);



é holista e utópico.

b) o estrutural-funcionalismo parsoniano: 

Parsons foi influenciado por Marshall (na sua forma de ver os assuntos económicos), Pareto (teoria do poder), Durkheim (holismo e homogeneidade social) e Malinowski (facto social total);



apesar do assento no estrutural, revela um certo voluntarismo na concepção dos modos alternativos da opção do actor social e na interacção, perpassada por factores psíquicos – o que lhe dá uma atitude socio-psicológica muito forte;



o seu sistema social exclui outras dimensões da realidade (emoções, atitudes);



defende que toda a sociedade deve encontrar modalidades de equilíbrio no seu meio físico e social e assegurar a sobrevivência dos seus membros (aproximando-se mais do dever-ser da filosofia do que do ser da ciência);



da mesma forma, toda a sociedade deve encontrar modalidades de diferenciação e de atribuição de papéis (novamente o dever-ser); 16



defende igualmente que toda a sociedade deve instituir modos de comunicação entre os seus membros de forma a terem orientações cognitivas comuns (o dever-ser, mais uma vez);



diz que é necessário haver um conjunto articulado de objectivos sociais gerais (moralismo);



diz também que é necessário regular as expressões afectivas;



incumbe a sociedade de assegurar as modalidades de socialização dos seus membros;



a sociedade deve ainda desenvolver mecanismos de controlo dos desvios (refere-se amiúde à sociedade, como se “ela” fosse uma personalidade autónoma dos sujeitos);



defende a obrigatoriedade da existência de um mínimo de institucionalização (asserção óbvia e verdadeira);



entende que todas as sociedades devem viver em harmonia e equilíbrio, mas suportando-se pela diferenciação de papéis sociais;



diz que toda a sociedade onde existam desvios é disfuncional (generalização);



deixa-se envolver em conceitos demasiado sistémicos e organicistas;



diz que todas as funções são fundamentais – carácter que o vai opor a Merton, que diz que não há indispensabilidade de funções (excepto um mínimo de segurança) e que a disfunção é importante. Para este autor, a funcionalidade é dispensável, o que faz com que algumas instituições sejam também dispensáveis.

2.1.2. Teorias do conflito As teorias do conflito partem do princípio base de que todas as sociedades são estratificadas (organizadas em classes sociais): à imagem das classificações medievais (realeza, nobreza, clero, burguesia e povo) todas as sociedades são hierarquizadas e estas hierarquias estão assentes na dominação de uma classe sobre outras. 17

De acordo com estes pressupostos, o estudo social deveria ser centrado na influência dos conflitos sociais no processo de continuidade e/ou mudança das sociedades. Assim, a relação básica entre a classe dominante e a dominada (não necessariamente neste sentido) regula-se de acordo com a primazia técnica e económica da classe dominante sobre a dominada, esta última constituindo apenas a força primária de trabalho. Uma das mais importantes críticas feitas aos teóricos do consenso reside no facto de que os valores que estão na base da socialização são “trabalhados” de acordo com a permanente dominação de uns modos de pensar sobre outros. Em termos sintéticos, quem socializa é o dominador e a imposição dos valores dos grupos dominantes é capaz de sustentar uma estrutura social que favoreça a sua própria posição na sociedade. Assim, a mudança social não deve resultar da evolução mas sim da revolução. Dentro desta lógica de raciocínio, a teoria que mais se destacou foi o marxismo. De tal forma a sua influência na história foi importante que serviu de inspiração a ideologias políticas e a profundas reflexões sobre a história humana, visíveis, ademais, em praticamente todos os movimentos reivindicativos. Actualmente, as ideias promulgadas por Marx e Engels continuam a inspirar muitos sociólogos, que, apesar de declaradamente se identificarem com as ideias de Marx, procuram aplicá-las a contextos históricos sectoriais pós-industriais (neomarxismo). O socialismo e o marxismo espalharamse pelo mundo, mas, na maior parte das vezes, desvirtuando a verdade dos ensinamentos do mestre. Como ele próprio declararia, “ce qu’il y a de certain c’est que moi, je ne suis pas marxiste.”

a) Marxismo Embora a ideia pareça estranha, o facto é que já Charles Darwin (1809-1882) tinha referido a importância que o conflito tinha na própria evolução e desenvolvimento das espécies. Esta ideia foi transposta para o domínio social por Karl Marx (1818-1883). A sua tese partia do princípio que o conflito social era omnipresente, visto que, sendo a economia a base da sociedade e da estrutura social, haveria sempre lugar à apropriação por parte da classe dominante (a que detinha os processo de produção) do trabalho da classe trabalhadora, valorizando-o através da capitalização e pagando apenas um valor nominal (e não real) ao trabalhador. O proletariado estava assim submetido à burguesia. Este facto histórico levava a que se passasse das meras relações de produção para as relações de classe. A ideia é sustentada pelo facto de os indivíduos participarem em relações cujo significado não existe (as relações são valorizadas de acordo com as intenções de enriquecimento do patronato, sendo o trabalhador apenas uma peça do conjunto dos sistemas de produção, que apenas tem uma função operativa). Por outras palavras, o trabalhador é destituído da sua natureza humana e tornado apenas 18

num número cuja validade se encontra na sua potência para trabalhar. Mais, a parte de humanidade que o trabalhador transmite para o objecto ou acção que realiza, o seu cunho pessoal e emotivo, não é valorizada nos salários. Essa parte é aquela que permite ao patrão exigir um preço maior no mercado (não sendo o trabalhador compensado por esse valor). Assim, o trabalhador é alienado da sua verdadeira função no sistema de produção, sendo reduzida a sua função àquilo que é visível pelo objecto ou serviço. Através da formação do conceito de trabalho humano, Marx estabeleceu um plano de comparação para todos os tipos de trabalho específico e portanto uma forma de uniformizar o valor do esforço do trabalhador. Segundo ele, o trabalho humano é impagável (por exemplo, é impossível medir em termos económicos o sacrifício do trabalhador, ou o seu empenho na elaboração dos objectos), o que se paga é apenas o trabalho específico que adquire o tal valor nominal, longe da verdade do real valor do trabalho. A mais-valia que o patrão vai buscar com a venda dos produtos é acumulada para seu proveito ou é investida ou tornada em capital, o que em nada ajuda o trabalhador. Pelo contrário, se a mais-valia for investida na forma de máquinas, o trabalhador acaba por ser, a médio prazo, prejudicado, pois que vai ver diminuir cada vez mais a importância da sua função. Paradoxalmente, o trabalhador permite ao patrão melhorar a vida à medida que piora a sua. Finalmente, a classe economicamente dominante é capaz de dominar outras esferas do sistema social, da política à religião, criando uma ideologia que esconde a verdadeira natureza das relações sociais da classe dominada. Esta só tem uma forma de se defender: revolucionando-se (através de uma crítica prática), após ter analisado os seus problemas e constatado as fontes dos mesmos (crítica teórica).

b) Neomarxismo Como vemos, o neomarxismo é uma teoria que advém do marxismo, diferenciando-se deste pelo seu carácter aplicativo. Poderemos partir do caso que temos em mãos – o turismo – para verificar as potencialidades desta abordagem da realidade social. Inicialmente, a teoria marxista pretendeu ver nos turistas a classe capitalista, dominante, que subjugava a classe trabalhadora do turismo. Assim o dizem Clarke e Critcher (1985) quando afirmam que desde o século XIX que o desenvolvimento do lazer, possibilitado pela existência de tempos livres do trabalho, acompanhado pelo desenvolvimento de toda uma série de actividades específicas ligadas ao lazer, é apanágio e significado de qualidade de vida, de um nível de vida desenvolvido, votado ao consumo de coisas que não são essenciais. 19

De acordo ainda com aqueles autores, os operadores de turismo (também) são os capitalistas, sendo os turistas (os consumidores, a massa) atraídos pela fuga ao sistema capitalista do quotidiano, indo para uma extensão do mesmo, sem se darem conta disso. Assim, a revolução no turismo deve-se dar pela recusa sistemática por parte das massas dos “pacotes turísticos” (tourism packages). Para ser puro, o turismo deveria basear-se apenas nas motivações individuais dos turistas e na sua atitude para procurar por eles mesmos os destinos e produtos que quisessem.

As grandes vantagens da teoria do conflito residem no alerta dado sobre o funcionamento do sistema turístico (estrutura que controla o turismo) que, funcionando à revelia das motivações do turista, domina todo o processo. Por outro lado, pela primeira vez, existe a sensibilização, por parte da teoria estruturalista, para os problemas da mudança social, por oposição à teoria do consenso que põe a tónica na continuidade. Todavia, como acontece com todas as teorias, as do conflito também devem ser sujeitas à crítica que, como temos mostrado, pode ser negativa ou positiva. Assim como os reparos feitos às teorias anteriores remetem para questões que excedem a informação aqui apresentada, fazendo-se referência a informações que devem ser procuradas pela leitura das obras que são apresentadas no final deste livro. As críticas que remetem para outras informações apenas servem o intuito de incitar o leitor à análise das obras de referência, especialmente aquele que quiser aprofundar os conhecimentos sobre as teorias sociológicas. O facto de apresentarmos algumas críticas que se situam além do que aqui apresentamos deve-se também à natureza sintética da apresentação das teorias sociológicas, que serve as necessidades principais exigidas pela disciplina da Sociologia do Turismo.

Vejamos, então, no que é que as teorias do consenso e do conflito nos podem ajudar no conhecimento da sociedade (e, por correspondência, do turismo, visto que este é uma manifestação social): 

ambas enfatizam o processo de socialização e ignoram a individualidade e a influência dos indivíduos no processo de mudança social. Enquanto a teoria do consenso vê o indivíduo como um mero robô que reduz a variedade dos seus comportamentos aos comportamentospadrão da sociedade, a teoria do conflito vê os indivíduos como elementos subordinados por regras e valores da classe dominante;

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reificam a sociedade: esta é apenas regulada pela consciência social. Os seus constituintes são produtos da racionalidade/ ideologia, menosprezando-se a emoção e as motivações individuais;



usam de uma perspectiva a-histórica, ignorando o desenvolvimento da sociedade e minimizando o envolvimento humano no desenvolvimento estrutural das sociedades;



tendem a situar os comportamentos desviantes como anómalos;



omitem a importância do contexto em que se insere a sociedade; embora as teorias do conflito, especialmente o marxismo inicial, se situe num espaço histórico concreto, a tendência do neomarxismo é prolongar esse contexto para além do seu surgimento;



não dão importância ao meio físico;



são utópicas nas suas tentativas de “curar” a sociedade.

2.2. A microssociologia Contrariamente à visão holista e reificante da sociedade, a visão microssociológica dá muita importância às trajectórias dos indivíduos na sociedade e às formas como estes se agregam e formam grupos, que, no seu conjunto formam a sociedade. Por oposição ao método dedutivo apregoado pelos teóricos da macrossociologia, os teóricos da microssociologia primam pelo emprego do método indutivo (partindo do indivíduo e progredindo para a sociedade ou, o mesmo é dizer, da parte para o todo). Assim, as teorias que se seguem procuram, antes de mais, valorizar a acção do sujeito e as implicações da sua arbitrariedade (fruto das suas paixões) na trajectória geral da sociedade. A constatação da importância da acção dos sujeitos deu-se à medida que se verificava que a força de certos grupos, unidos por determinadas causas, era preponderante na alteração da ordem social tradicional. As “revoluções” tendiam mais a ser de âmbito cultural (de informação) e conseguiam alterar princípios e valores residentes ou mesmo criar novos (o exemplo dos movimentos migratórios, de que o turismo é um exemplo, ou mesmo dos movimentos feministas no início do século XX no Estados Unidos da América, vieram trazer alterações à estrutura social que nenhuma instituição conseguia prever). O próprio conceito de instituição deixou de ser revestido pela ideia da legitimidade social ou estatal para surgir como qualquer movimento organizado internamente reconhecido pelos elementos que o constituíam. A tendência teórica que trouxe a preocupação do estudo destes casos 21

(desviantes, para as teorias macrossociológicas) cedo se deu conta da imensa força que tinha a vontade e a afectividade para unir os esforços de cada vez maiores camadas da população.

2.2.1. Teorias da interacção Embora tradicionalmente se considere existirem dois campos maiores de análise dentro da microssociologia – a que nós decidimos chamar níveis de abstracção –, a saber, o organizacional e o interactivo, apenas apresentaremos aqui o segundo. As razões desta selecção devem-se ao facto de o nível organizacional ter sido preterido no programa da disciplina. Em relação ao interactivo, que considerámos levantar algumas questões que assumem a maior importância na análise do turismo, como veremos. Dentro do nível de abstracção organizacional, poderíamos recolher, igualmente algumas informações importantes. Mas, a maior parte das considerações deste tipo de teorias decorre de uma elaboração mais exigente de alguns pressupostos apresentados nas teorias do conflito, tais como os que versam sobre a repartição e apropriação do poder, quer seja económico ou político, e os que encaram o problema das elites no conjunto da sociedade. A teoria, dentro do nível de abstracção organizacional, que poderia ter maior importância no discorrer dos assuntos ligados ao turismo, seria a denominada “organizacional”, que apresenta o tronco original a partir do qual derivaram a teoria do poder e a das elites. Além da razão referida para a sua não inclusão nesta análise, concordamos também que a base organizacional do turismo é leccionada noutras disciplinas do curso, como é o caso de Princípios Gerais do Turismo e de Legislação Turística.1 Ao optarmos pelas teorias das acção e do interaccionismo simbólico, procuramos valorizar sobretudo os modos como os actores sociais se relacionam e se deparam com os constrangimentos formalizados pelas teorias macrossociológicas. Este é, aliás, o objectivo comum às duas maiores teorias que intentaram valorizar o papel dos sujeitos no que concerne à persistência e à mudança sociais – a teoria da acção social e a teoria do interaccionismo simbólico. a) Teoria da acção social A teoria da acção social foi desenvolvida principalmente por George Simmel (1858-1918), com a sua sociologia formal e por Max Weber (1864-1920) com a sua teoria da compreensão do sujeito. Em todo o caso, para tentar conceder o mínimo de satisfação ao leitor mais exigente, no final do ponto 3 desta lição figurará um quadro que sistematizará as várias teorias que se incluem nos tais três níveis de abstracção tradicionais da sociologia. Decerto, o leitor encontrará, mesmo dentro da classe do nível de abstracção interactivo, outras teorias que não foram focadas com o devido pormenor, mas talvez compreenderá que todas elas se imbricam nas duas teorias microssociológicas que decidimos apresentar. Porém, como poderá o leitor verificar, mesmo as teorias, deste nível de abstracção, que não são analisadas, são levemente referidas, sobretudo naquilo em que elas complementam as que são apresentadas com maior pormenor. 1

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Sem entrar muito na teoria de Simmel, visto que não é propósito desta disciplina dissecar a mesma, importa sobretudo apresentar em traços gerais o seu contributo para a melhor compreensão da sociedade e dos grupos. Na sua monumental obra “Digressions sur l’étranger”, Simmel deu-nos conta que, noutras sociedades que não as ocidentais, os factos sociais pareciam misturar múltiplos factores e estruturas. Esta constatação levou-o a considerar que a origem da variabilidade dos factos sociais deveria residir na preocupação de compreender os processos pelos quais a realidade seria valorizada (um assunto que era verificado na acção dos sujeitos, que parecia resultar dum entendimento entre a estrutura e os sujeitos e na inter-relação que se formava entre essas duas entidades). Foi precisamente esta atitude que veio dar um cunho humanista à sua teoria e que o levou a defender que o principal objecto de estudo da sociologia deveria ser o indivíduo, ou melhor, os caminhos sociais tomados por ele. Neste sentido, a sociedade constitui-se numa intrincada amálgama de uma multiplicidade de interacções e relações entre os sujeitos – a sociedade será constituída por indivíduos que se conectam por acções. Mais, os diferentes tipos de acção determinam as diferentes instituições ou grupos. As instituições seriam formas de interacção. A relação social entre dois indivíduos adquire a forma de díade. E, por sua vez, o conteúdo dessa relação pode variar (de acordo com os indivíduos empenhados), mas a forma mantém-se. Ela depende da interacção contínua e da participação dos dois indivíduos em causa num sentido comum, aquilo a que chamou conteúdo de interacção. Num estado diferente de empenho interactivo, pode haver o acrescento de um terceiro elemento na relação, formando-se uma tríade, uma relação social que mudou de uma interdependência em duas vias para uma interacção baseada na mediação. No plano do turismo, o formalismo de Simmel é útil, pois valoriza o indivíduo em detrimento da massa turística, pondo-o em relação com o sujeito visitado (díade). Por sua vez, a tríade representa essa relação mediada pelo guia turístico, que articula o turista com a população local. Enquanto isso, Weber introduz a motivação dos sujeitos no processo social. À imagem de Simmel, ele entende a sociedade mais como sociação, apesar de ligar o significado da acção social com a causaefeito positivista. Weber defende que a sociedade não é distinta (classificada, o que o opõe a Marx, seu principal rival), mas formada por indivíduos que se compreendem, resultando a realidade social da acção que confronta os indivíduos.

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Através da aplicação do conceito “verstehen” (compreensão), Weber estipula como base da sua teoria a ideia de que a acção ou comportamento depende do que o sujeito compreende da acção do(s) outro(s) indivíduo(s), principalmente através da palavra falada. Em comum, os dois autores defendem que o indivíduo desempenha um papel criativo no desenvolvimento da sociedade. Para que esta e a cultura se desenvolvam é necessária a socialização, mas as regras e os valores que são internalizados não são nem estáticos nem determinados pela sociedade, eles estão sempre a ser mudados e adaptados pelas acções e decisões dos indivíduos que a compõem. De acordo com Simmel, os pensamentos sociológicos do século passado poderiam ser utilizados no estudo da anomia ou da alienação das formas de institucionalização e socialização, mas como poderiam ser utilizadas no estudo do desenvolvimento que advinha da valorização desigual do trabalho e do lazer? Como é que o turismo se desenvolveria, sendo ele o resultado de manifestações que contrariavam o que se defendia nas estruturas, onde o valor era dado ao trabalho e não ao lazer? Com efeito, o desenvolvimento do turismo só poderá ser estudado tendo-se em conta o papel tanto das instituições e dos indivíduos empenhados no processo, bem com da inter-relação entre os sujeitos, que reflectia o modo como as verdades institucionais eram tratadas pelos indivíduos (a parte visível e empírica de todo o processo de mudança social). Simmel defende que a sociedade é como o mar, assim como este forma as ondas, a sociedade forma as individualidades. A forma será então a aparência acabada da normalidade, onde residem todas os hábitos culturais e jurídicos; enquanto que o conteúdo é o campo da conflitualidade permanente entre as normas sociais e as exigências sociais. É, aliás, dentro do conteúdo, no centro das individualidades, que o conhecimento do outro e a institucionalização se elaboram em definitivo, a cada etapa da mudança das infra-estruturas materiais e temporais da sociedade. A comunhão desta teoria com os pensamentos de Nietszche reflecte-se no facto de que a produção da individualidade é feita pelo próprio indivíduo, em interacção como o outro. Por sua vez, o indivíduo encontra-se em contra-corrente com as forças dominantes da sociedade. No “Ecce Homo”, este filósofo apresenta a três condições necessárias ao indivíduo para atingir o sobre-humano, i. e., de se superar-se constantemente pela criatividade, contra os conformismos sociais, são elas: uma boa alimentação, um meio natural e um tempo de recreação. Esta última condição transmutar-se-ia no turismo. Assim sendo, a classificação apresentada por Pierce (mas que tem origem em Kant, e foi também apresentada e defendida por Dilthey e Rickert) entre ciências nomotéticas e ideográficas, apenas surge como base operativa da sociologia, pois que tanto umas como as outras são ciências. A diferença, segundo Weber (que é neo-kantiano) é que, enquanto as ideográficas devem basear-se na 24

compreensão, por dentro, do indivíduo e dos grupos, as nomotéticas devem basear-se na explicação (erklaren), na tentativa de encontrarem as causas dos fenómenos (por adequação causal). Influenciado por Mead e Goffman (interaccionistas simbólicos) e por Norbert Elias (configuracionista), Weber crê que as ciências sociais não são ciências mono-causais – os seus fenómenos têm várias causas e não apenas uma (pluricausalidade). Esta pluricausalidade permite partir das realidades sociais fragmentadas e das motivações, intenções e significados dos actores sociais, sem deixar de encadeá-los e articulá-los com diversos factores e constrangimentos, de modo a obter regularidades probabilísticas e explicações causais dos fenómenos sociais. Todavia, apesar de múltiplas, as causas dos factos sociais, (entenda-se, os comportamentos próprios, dos sujeitos), inscrevem-se em esquemas de comportamentos que constituem ideais-tipo de acção social. Estes ideais-tipo resultam da acentuação de um determinado fenómeno comparando-o com outros fenómenos doutros tempos e realidades de forma a procurar a lógica interna presente nas situações. Encontrando-se esse “fio condutor” pode-se partir das parte para o todo. Esta perspectiva provém de Simmel, que prefere, como vimos, ao termo sociedade, o de sociação – agregação social a partir do indivíduo, do conteúdo. É esta ideia que leva Weber a considerar a sociedade como um fenómeno não distinto, mas sim formada por indivíduos que se compreendem. Mais, a acção ou comportamento depende do que o sujeito compreende da acção dos outros indivíduos – uma das formas mais perceptíveis dessa compreensão é a palavra. O indivíduo, tal como diziam Nietszche e Simmel, desempenha um papel criativo no desenvolvimento da sociedade. Para que esta se desenvolva é necessária a socialização, mas as regras e os valores que são internalizados não são nem estáticos nem determinados pela sociedade. Os indivíduos podem mudar e adaptar o seu comportamento através da negociação dos papéis. Assim sendo, as regras e os valores estão sempre a ser mudados e adaptados pelas acções e decisões dos indivíduos que compõem a sociedade. De acordo com os ideais tipos de acção, todas as acções devem inscrever-se no seguinte esquema:

FINALISTA / TELEOLÓGICA ACÇÃO

VALORATIVA (AXIOMÁTICA) AFECTIVA (RACIONALIZAÇÃO AFECTIVA) TRADICIONAL (RACIONALIZAÇÃO TRADICIONAL)

Quadro 2 – Tipologia da acção de Simmel

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E as relações no seguinte: ABERTAS (INCLUSIVAS) RELAÇÕES FECHADAS (EXCLUSIVAS) Quadro 3 – Tipologia das relações de Simmel

As interacções sociais, que usam destas modalidades (tanto as de acção como as de relação), variam de acordo com as mensagens veiculadas entre os sujeitos empenhados na relação, originando-se tipos de interacção social que, por sua vez, determinam as instituições ou grupos (a forma resultante das interacções, e aquilo a que Pierre Bourdieu chamou de campos de acção). Embora sejam poucas, as críticas existem. As principais foram feitas pelos interaccionistas simbólicos e pelos configuracionistas: 

Tanto Nobert Elias como Anthony Giddens e Pierre Bourdieu (este último de inspiração neomarxista) defenderam que, da mesma forma que não existem sociedades sem indivíduos (crítica ao estrutural-funcionalismo), também é verdade que não existem indivíduos sem sociedade (crítica à teoria da acção);



a sociologia formal de Simmel foi criticada precisamente porque são valorizadas as formas abstractas e destituem-se as relações de sentido criativo – apesar de se reclamar esse ponto –, pois que as relações possíveis em sociedade não se podem reduzir à presença única e simples dos elementos que fazem parte das relações; existem outras condicionantes e outros indivíduos que, embora não intercedam na acção, não são exteriores a essas relações;



a teoria da acção não conseguiu libertar-se das dicotomias clássicas, a saber, entre indivíduo e sociedade, holismo e individualismo, estrutura e acção;



por seu lado, Weber mostrou-se demasiado sintético na abordagem da pluricausalidade, deveria pensar mais em termos de multicausalidade (sobreposição de causas que dão origem ao mesmo efeito); 26



ademais, a sua visão esquemática da sociedade é estanque e recai no velho problema da aplicação do modelo de análise das ciências naturais no estudo dos factos sociais. As acções podem ser determinadas por causas que pouco têm a ver com a racionalidade imposta pela relação causa-efeito.

b) Teoria do interaccionismo simbólico Embora diferente da teoria da acção social, a teoria do interaccionismo simbólico assenta as suas premissas nalgumas das principais questões levantadas pela teoria anterior. A compreensão e a interrelação entre o indivíduo e a estrutura são planos de discussão tradicionais que também vão ser aqui tratados. Por outro lado, a importância dos distúrbios nas relações sociais veio alertar para a possibilidade de existirem pólos de mudança no interior das próprias relações, i. e., na mente dos sujeitos. Assim, a identidade social começa a ser um objecto de procura para a sociologia que, através da formação da sociologia do conhecimento, tentou desbravar as mais profundas motivações e pulsões dos sujeitos implicados na acção. Começa-se então a procurar as razões dos próprios comportamentos, procura-se também o que atrai os sujeitos e o que é valorizado no todo da interacção. A identidade social deveria então residir na interpretação, pelos outros, de um comportamento individual. Mais do que internalizar as regras sociais, os indivíduos são capazes de analisar e adaptar o seu próprio comportamento ao das outras pessoas. Será isto que leva à integração social, à aparência de coesão? O campo do turismo pode servir bem de laboratório para descobrir as possibilidades desta nova teoria, como veremos adiante. Foram vários os autores que se debruçaram sobre as questões da compreensão do sentido social por parte dos indivíduos. A teoria surgiu por intermédio da denominada Escola de Chicago, concretamente por Park, Burgess e Wirth, como tentativa de oposição ao estrutural-funcionalismo; e partia do princípio que o actor social negociava o seu papel e posição sociais, localizando-se assim nos grupos e na sociedade. Os pressupostos filosóficos de base encontram-se em Pierce, James, Dewey (na questão do pragmatismo), George Herbert Mead (na questão do “mind” e na criação dos conceitos de “self” e “generalized other”) e Howard Becker e Erving Goffman, na aplicação prática do interaccionismo. 27

Esta teoria prima pelo estudo da linguagem e dos símbolos, como reflexos das formas de estar dos sujeitos nas relações e na sociedade. Pierce estudou as relações entre a ideia e a acção, analisando os conceitos e as ideias a partir das consequências práticas (pragmatismo). De acordo com esta visão material dos conceitos e símbolos, James refere que as ideias podem ser verdadeiras ou falsas, resultando a sua veracidade da sua utilidade, o mesmo é dizer que, se uma ideia for bem sucedida é porque é verdadeira, sendo falsas as mal sucedidas. Por sua vez, Dewey, criticando as teorias da acção, diz que conhecer é um facto activo e que pensar faz parte da acção. Assim, a actividade criativa é própria ao comportamento social, resultando daí que o pragmatismo do homem é anti-determinista e que a sua visão é optimista. Mas foi Mead quem realmente construiu uma epistemologia interaccionista simbólica. Segundo ele, é a posse de um “self” (autoconsciência) que distingue o homem dos restantes animais. Este “self” provém da existência do “mind” que é, ao mesmo tempo, resultado da sociedade e está na sua origem, que me define como um “eu”, (distinção operada socialmente, através da localização do indivíduo no processo social). O “self” tem a capacidade de tornar o próprio sujeito um objecto do seu conhecimento, ele resulta da interacção entre o “eu” e os “outros” e é definido por oposição (identidade individual). Ele constrói-se a partir de dois elementos: 

o “me” – elemento social (influência dos outros sobre mim, carácter passivo do sujeito);



o “I” – elemento específico do indivíduo, carácter activo do sujeito

Becker demonstrou, no seu estudo dos desvios, que o consumo de droga não difere, na essência, do comportamento dito normal. Resulta daí que o “comportamento desviante” é uma etiqueta atribuída pela reacção dos outros sobre a pressuposta transgressão das regras. Como Mead dizia, a existência de significados nas nossas palavras e nos nossos gestos é o que distingue o tipo de interacção social humana da interacção social animal. Becker pegou neste aspecto e defendeu que os significados nascem da própria interacção social e devem ser confirmados no dia-a-dia; eles são construídos, reconstruídos, reinterpretados e transformados no interaccionismo social. Por sua vez, Goffman procurou estabelecer a ponte entre a estrutura e acção. O seu estudo dos asilos e dos hospícios provou que os sujeitos, embora sendo todos “self’s” diferentes, eram moldados e determinados pelas regras rígidas das instituições desse tipo. Assim nasceu o conceito de “instituição total”. De acordo com esta ideia, o indivíduo é totalmente plasmado pelas regras da instituição, não 28

tendo lugar para manifestar a sua criatividade e para exprimir a sua individualidade. O indivíduo ficaria assim “despido” da sua personalidade e não teria espaço próprio. Em condições sociais normais, os indivíduos apresentam uma imagem que os distingue e os situa em termos de identidade. Esta figuração é tudo aquilo que a pessoa empreende para não “perder a face”. É uma tentativa de padronização da sua personalidade e de classificação de características que pretende tornar visíveis aos outros. Esta figuração é dinâmica e apresenta-se por um evitamento inicial e uma reposição do equilíbrio através da reparação da sua figura. Independentemente das inúmeras considerações que poderiam ser feitas sobre a teoria do interaccionismo simbólico, cremos ser já possível partir das ideias apresentadas para ousarmos reflectir sobre as vantagens desta teoria no tratamento do turismo. Sem querermos reduzir o campo de reflexão apenas ao interaccionismo (conceito bastante útil e aplicável especialmente no estudo das interacções do turista com o hospedeiro e do turista com as instituições de suporte à actividade turística), optamos por apresentar alguns aspectos importantes que as teorias microssociológicas destacam e que são importantes para estudar o turismo. Assim, elas permitem:



compreender a relação turista-hospedeiro;



estudar os impactos sócio-culturais do turismo;



estudar o desejo do turista de escapar às regras e à moral seguidas durante o resto do ano;



diagnosticar a autenticidade (ou não) das experiências vividas pelo turista;



estudar muitos aspectos lúdicos, tais como os excessos de álcool, os grandes jantares ou as experiências sexuais, que são associados à libertação da interacção social normal.

3. A dicotomia agency-structure As teorias do interaccionismo simbólico mostraram-se como as principais rivais do estruturalfuncionalismo. Reservamos este ponto para fazer um breve balanço das diferenças epistemológicas entre a macro e a microssociologia. Assim sendo, as principais críticas comparativas são:

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Enquanto o estrutural-funcionalismo tem uma representação mecânica e determinista da acção, o interaccionismo simbólico sustenta que as pessoas se colocam no ponto de vista dos outros e dispõem de representações sobre si mesmos e sobre os outros, i. e., tomam o papel dos outros (“role taking”) e realizam a sua própria auto-imagem (“role-making”);



enquanto o estrutural-funcionalismo presta atenção às prescrições do sistema, o interaccionismo simbólico atende ao comportamento do papel efectivo e ao modo como cada um o constrói em relação às expectativas próprias e dos outros. Existe sempre um processo de negociação;



enquanto o estrutural-funcionalismo se representa com base em grandes organizações dominadas por organismos impessoais ou necessidades sistémicas para a manutenção do equilíbrio, para o interaccionismo simbólico as organizações não são construídas para realizar as necessidades do sistema, mas para realizar intenções, motivações e objectivos das pessoas. Não há uma organização estática do sistema mas sim uma tomada de posição a favor dos indivíduos;



a polémica que tem aquecido o debate entre a macro e a microssociologia assenta na dicotomia sujeito-estrutura – ou agency-structure, como foi baptizada pelos teóricos ingleses. Uma tentativa de superação dessa dicotomia foi encetada por Anthony Giddens que, através do conceito de dupla estruturação, procurou provar a indissociabilidade entre o sujeito e a estrutura. Este conceito foi também utilizado na antropologia por Clifford Geertz, na sua teoria interpretativista e por Pierre Bourdieu que, entre outras asserções, defendia que os sujeitos estruturam a estrutura e esta estrutura os sujeitos, através de um processo contínuo de incorporação da realidade social que se manifesta nos hábitos e no hexis corporal (uma espécie de omniexpressividade da realidade social através das atitudes e dos comportamentos.

3.1. Nunca é demais advertir… Como tenho vindo a referir, as teorias sociológicas não foram, evidentemente, apresentadas aqui com todas as suas possibilidades. A natureza da disciplina exigiu-nos uma selecção que se relacionasse com o problema do turismo, “fenómeno” que, todavia, reivindica uma exploração sociológica mais abrangente. Apesar dessa reivindicação, tivemos que reduzir o campo das abstracções emitidas pela sociologia.

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Porém, e como nos sentimos na obrigação de fornecer um quadro mais geral de enquadramento da sociologia, resolvemos apresentar a tabela que se segue. Para o estudante que quiser saber mais sobre cada um dos três campos de abstracção aqui referidos, ser-lhe-ão fornecidas inúmeras pista de reflexão e até de investigação sociológicas na bibliografia. Fica, então, à guisa de esforço de sintetização do imenso campo epistemológico da sociologia, a seguinte classificação:

NÍVEIS DE ABSTRACÇÃO

TEORIAS

SÓCIO-ESTRUTURAL

ESTRUTURAL-FUNCIONALISTA MARXISTA / NEOMARXISTA

ORGANIZACIONAL2

PODER ORGANIZAÇÃO ÉLITES

INTERACTIVO

ACÇÃO HÁBITOS INTERACCIONISMO CONFIGURACIONISMO TRANSACCIONALISMO

Quadro 4 – Os níveis de abstracção sociológica e teorias correspondentes

4. Sociologia e Turismo Até aos anos 70 do século XX, o turismo era apenas estudado como um fenómeno com repercussões económicas e geográficas. Entendido como uma especialização económica, manifestava o seu sentido apenas como um movimento migratório cíclico (que acontecia sazonalmente) e que se distinguia das outras actividades pelo facto de abranger toda uma panóplia de bens e serviços. A partir dessa altura, o turismo tornou-se um objecto de estudo para várias disciplinas (interdisciplinar). Entre elas figuraram, a antropologia, a psicologia, o direito, o marketing, a geografia e, finalmente, a sociologia. De acordo com esta nova vaga, o turismo passava a ser alvo de estudo especialmente no que concernia aos tipos de motivações psicológicas que estavam na sua origem, às relações estabelecidas entre os visitantes e os visitados envolvidos no processo e aos interesses que se desenvolviam nos diferentes espaços que funcionavam como destino. Como resultado destas

Este nível de abstracção, como se pode adivinhar, articula pressupostos que se referem ao campo da estrutura com outros referentes ao indivíduo. O desenvolvimento das teorias seleccionadas seria também interessante para o estudo do turismo. Todavia, como já referimos, devido aos constrangimentos da disciplina, ficamo-nos por algumas referências aos autores das suas teorias, a saber, dentro da teoria do poder, especialmente Adorno; dentro da teoria da organização, são vários os autores, sem que se destaque um corpo de análise em relação aos outros; a teoria das elites foi defendida especialmente por Pareto. 2

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perspectivas, o turismo dividiu-se mediante critérios geopolíticos. Assim, os tipos de turismo principais à época envolviam a procura das zonas rurais (turismo rural) e das zonas de oferta específica (de acordo com os interesses específicos de determinada camada da população). A este tempo, a afirmação da sociologia no estudo do turismo assentava sobretudo na constatação e valorização do facto de este fenómeno ser causado por pessoas – carácter social do movimento. A síntese desta constatação resumia-se desta forma: “O turismo baseia-se nas pessoas, turistas, que, interagindo com outros locais e outras pessoas, transportam experiências que devem influenciar tanto as suas atitudes, expectativas, opiniões e estilos de vida como os da comunidade autóctone.” (Sharpley, 1994: 2, tradução nossa) As influências que caracterizam o movimento turístico, além de se verificarem ao nível social, também têm consequências ao nível físico, transformando o espaço de vivência das populações autóctones e, com isso, alterando a concepção social do próprio espaço. Essas influências podem ser positivas ou negativas. As negativas podem ver-se logo a partir do momento em que existe um choque cultural, pondo em causa a continuidade da tradição local, agora adaptada a outros propósitos (celebram-se rituais para o turista ver, destituídos, portanto de sentido, porque ocorrem fora do seu tempo e local, manufacturam-se objectos ou instrumentos com a perspectiva comercial, retirando-lhes a sua importância e utilidade reais, etc.). Estas influências multiplicam-se quando uma região é tornada uma área turística, i. e., um destino para turistas que se deslocam em massa para esses locais. Nesta forma de turismo, o impacto é enorme e a descaracterização cultural pressente-se. Do outro lado, temos a própria definição da Organização Mundial do Turismo (OMT), que passa a informação contrária, dando valor aos efeitos benéficos sobre o sistema económico dos países de acolhimento, resultado das divisas dos turistas que vêm, à partida, aumentar o nível de riqueza da população local e da região ou país em causa (obviamente, se os lucros forem aproveitados e administrados com o objectivo do bem comum). De acordo com esta definição, o turismo existe como um factor benéfico ao promover o conhecimento e compreensão mútuos e ao formar uma plataforma de respeito e confidencialidade entre todos os povos do mundo. De facto, o turismo é realmente um processo de aproximação cultural e uma “escola” de tolerância; mas, este objectivo raramente consegue passar à prática. Se existem áreas que beneficiam com este cosmopolitismo, decerto também existem impactos negativos em termos de organização interna e sintomas de incompreensão e de chauvinismo ou etnocentrismo. Todos estes aspectos e problemas levantados pela actividade turística exigiram novas perspectivas de análise. A sociologia tratou essa actividade como uma instituição (no sentido global, visto que os fenómenos que decorrem do turismo tocam um pouco em toda a organização social e, por isso, influenciam todas as instituições, directa ou indirectamente ligadas a esse movimento).

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Acerca da problemática do turismo, ou do seu valor social (da sua configuração institucional), os trabalhos mais importantes são os de Turner e Ash (1975), Young (1973) e Kadt (1979). Ao longo destas obras, os autores procuram responder às principais questões relacionadas com o turismo, tais como: será o turismo uma instituição social? que aspectos do turismo são passíveis de análise sociológica? que teorias aplicar aos aspectos relacionados com o turismo? Foi também com a preocupação de responder a estas questões que Valene Smith (1977, org.) aludiu para as vantagens de tratar o turismo enquanto fenómeno antropológico, isto é, inerente ao homem. Neste último trabalho surgiram os conceitos de autenticidade cultural e de mercadoria cultural.

4.1. Os primeiros contributos para o estudo sociológico do turismo A problematização do turismo à luz das teorias sociológicas acompanhou desde logo o estudo feito sobretudo pela economia e pela geografia. Como fenómeno global, que se distribui por toda a gente e por todos o lugares, o turismo logo se afirmou como um objecto científico para as restantes disciplinas e ciências sociais e humanas. Os principais campos de estudo que a sociologia aplicada ao turismo desenvolveu foram:

1 – o turismo e seus impactos na sociedade e na economia; 2 – os turistas, suas motivações, atitudes e percepções; 3 – as relações turista-hospedeiro; 4 – a estrutura do sistema turístico. Como resultado da exploração destes problemas, na década de 60 do século XX apareceram os primeiros estudos do turismo dignos de registo que oscilavam entre a sociologia e a antropologia. Em termos cronológicos, os principais estudos podem apresentar-se da seguinte forma: 

Knebel (1960) – constatação da existência do turismo de massa;



Nuñez (1963) – estudo empírico sobre o desenvolvimento dos destinos turísticos;

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Forster (1964) – estudo das mudanças na estrutura trabalhista nas sociedades do Pacífico insular;



Boorstin (1964) – análise do elitismo turístico e saliência da falta de sensibilidade para o autêntico, visto que os turistas estão “culturalmente dopados”;



Mishan (1966) – estudo das formas de controlar o turismo de massa. Segundo o autor, a forma de fazer este controlo é aumentando o preço das viagens. Este controlo exige-se a partir do momento em que se constata que o turismo não é aproveitado pelas culturas de acolhimento para beneficiar o sistema turístico, a provocar esse desenvolvimento deficiente, está o dinheiro, ignorando-se mesmo os impactos sociais, culturais e naturais do fenómeno;



Cohen (1972) – foi o primeiro a submeter a ideia geral de “turista” a um modelo de análise e a um trabalho de classificação (tipologias do turista). Procurou também desenvolver uma teoria fenomenológica do turismo. Preocupou-se igualmente com as motivações, atitudes e percepções do turista, com as relações entre ele e os hospedeiros e com o sistema turístico. De acordo com o seu ponto de vista, os turistas devem ser categorizados não apenas de acordo com a sua variedade, papéis e tipos sociais, mas também de acordo com a variedade de experiências que têm;



Young (1973) – analisou o verdadeiro valor do turismo para as sociedades;



McCannell (1973 e 1976) – rejeitou os argumentos de Boorstin. Propôs uma nova teoria do turismo, segundo a qual, os turistas consciencializam activamente a existência do autêntico, em espaços e tempos que não os habituais. Segundo ele, o turista constrói a sua autenticidade, de acordo com as referências culturais que interiorizou ao longo da sua vivência, construindo assim a realidade para seu benefício;



Cohen e Taylor (1976) – definição do turismo com um escape da condição alienada em que se encontra a sociedade ocidental. Com o turismo, as pessoas procuram a sua identidade, perdida no meio da vulgaridade quotidiana;



Kadt (1979) – estudou os impactos sócio-culturais do turismo, a procura e motivação turísticas, os tipos e categorias de turista, as definições de turismo e os ciclos de vida das pessoas; 34



Pearce e Moscardo (1986) – desenvolveram o conceito de autenticidade e abriram novas perspectivas ao turismo: o desenvolvimento do eco-turismo, a acomodação da cultura, a herança e a comercialização da história, o marketing de experiências autênticas, etc.;



Smith (1989a) – realizou trabalhos de campo onde desenvolveu a problemática das motivações do turista, da sua tipologia e, a par de do trabalho feito por Kadt, estudou também os ciclos de vida das pessoas;



Krippendorf (1986 e 1987) – tratou o turismo como uma reacção à sociedade moderna. Desenvolveu a ideia da necessidade do auto-conhecimento através do conhecimento do outro (de outras culturas);



Dann (1989) – estudou o turismo enquanto uma procura do significado da vida e do mundo. Via o turismo como um factor que despertava o indivíduo (turista) para as verdadeiras razões da existência, servindo para procurar a identidade pessoal e a autenticidade cultural. Fez um paralelismo entre o turismo e a experiência religiosa, ao mesmo tempo que entendia esta “viagem” como um retorno à infância, onde o turista encontraria o seu verdadeiro “eu”;



Michaud (1992, org.) – apresentou as dimensões e as mutações económicas do turismo do século XX, avaliando as boas e as más consequências da actividade turística;



Rojek (1993) – faz um trabalho teórico onde apresenta os estudos que valorizaram o turismo como um factor de escape ao quotidiano;



Sharpley (1994) – faz uma apresentação geral da problemática do turismo estudada à luz da sociologia.

5. O turismo e as diferentes teorias sociológicas Todas as teorias sociológicas estudadas podem ser aplicadas no tratamento dos problemas do turismo. Todavia, existem umas que permitem avançar mais do que outras no tratamento desses mesmos problemas, o que equivale a dizer que, conforme se escolherem os temas a tratar, assim terá de se escolher a teoria que mais facilitam a sua exploração. Vejamos algumas das aplicações possíveis das teorias apresentadas no turismo.

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5.1. Teoria estruturalista do consenso: Como vimos, esta teoria obriga a uma perspectiva unicamente macrossociológica. Através dela podese estudar o turismo de massa enquanto fenómeno fechado, apenas analisado internamente. Os pressupostos desta teoria orientam a análise do problema do turismo enquanto instituição que regula os turistas e os demais indivíduos envolvidos nos contactos entre culturas. A perspectiva do estruturalismo puro serve então, e apenas, para analisar as modalidades de integração e de regulamentação das diferentes actividades verificadas no turismo. Na vertente estrutural-funcionalista, o turismo apenas pode ser estudado na área onde acontece. Com isto, podem-se articular as diferentes funções emitidas pelas diferentes instituições implicadas no turismo. Para ser possível analisar o turismo sob esta perspectiva, tem de se entender o mesmo como um reflexo fiel da sociedade, em todas as suas modalidades institucionais (Sharpley). Os teóricos estruturalistas baseiam-se no facto de que o turismo não pode ser desligado da mudança social global, proporcionada, sobretudo, pelo incremento do tempo livre, pela maior disposição à viagem de lazer e para o avanço tecnológico; todos estes factores trabalham a par com o desenvolvimento da indústria do lazer, que, por sua vez, também se encontra ligada à mudança social. Dann e Cohen (1991) demonstraram que uma perspectiva macrossociológica só poderia ser utilizada quando o objecto de estudo fosse o turismo como sistema social.

5.2. Teoria estruturalista do conflito: Constitui igualmente uma base válida para a análise do turismo enquanto sistema social. Através dela podem-se estudar as discrepâncias existentes entre as expectativas do turista e a realidade das suas experiências. Permite também estudar o fenómeno da dependência das áreas turísticas em relação aos países do centro (neocolonialismo); esta dependência é verificada pelo monopólio das actividades turísticas por parte das multinacionais, que racionalizam o turismo segundo modelos ocidentais de racionalidade. São vários os sociólogos que aplicam esta perspectiva na análise do turismo. Bull (1991) estudou o turismo mediante o pressuposto de que as multinacionais controlam a actividade turística dos países de destino para seu proveito, sem preocupação em contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações autóctones ou mesmo de investir na melhoria das infra-estruturas e equipamentos turísticos. Britton (1982) defendeu a existência de uma espécie de neo-colonialismo verificado no 36

Quénia, onde a indústria turística não pertence ao país. Da mesma forma, Nash (1989) defende que o turismo mascara uma mentalidade capitalista e imperialista com proveitos para os países ocidentais. Pierre George (1992) defende que o turismo nasce precisamente devido à dominação económica de umas classes sociais sobre outras. É com base na relação entre empregadores e empregados que o turismo é possível, denotando-se o conflito como gérmen das actividades de lazer. Dumazedier lembra que foram os conflitos sociais do passado que culminaram na reivindicação sindical de alargar os períodos de descanso pagos. Soulier estudou os efeitos negativos do turismo no ordenamento do espaço urbano. Smaoui estudou as implicações políticas do turismo na África do Norte. Barbaza lembra que os efeitos positivos do turismo são visíveis apenas nos países colonizadores, enquanto que os benefícios económicos provenientes dessa actividade não têm reflexo na melhoria dos equipamentos turísticos, sendo sim verificados noutros sectores, sem a importância pública daqueles equipamentos. Trigano estudou o impacto do chamado turismo planeado do Club Med nos países de destino. Lanfant diz que o lazer é um conceito artificial, ideológico, que não corresponde à realidade. Ele adquiriu o estatuto de bem económico, transformando-se o turismo numa indústria não distinta das de outros sectores. Engels defendia que o lazer era limitado, condicionado pelo peso do trabalho, o determinismo das classes sociais, as variedades regionais ou a diferença entre sexos, bem como determinado pelas disparidades entre os níveis culturais adquiridos na escola e na família. Veblen mostrou que o trabalho, o consumo, a família, a classe social, etc., limitam e condicionam o lazer. No fundo, esta teoria baseia-se, à boa maneira marxista, na dialéctica existente entre o trabalho e o lazer. Finalmente, Dann e Cohen, com base no pressuposto que as teorias macrossociológicas só podem ser aplicadas no estudo do turismo enquanto sistema social, sensibilizam-nos para os problemas advindos dessa actividade, que se transforma numa espécie de hospitalidade comercializada. Eles elaboram uma teoria que debate a relação entre o turista e o hospedeiro em relação ao sistema do turismo. Assim, o turista é explorado pelo hospedeiro, na medida em que é afectivamente controlado pelas vicissitudes próprias do consumo turístico; por sua vez, o hospedeiro é explorado pelo turismo (representado pelo turista) e, no fim, o turismo controla a relação existente entre turista e hospedeiro, na medida em que fornece as linhas de força que regulam a liberdade de um e a cultura de outro.

5.3. Teoria da acção social Para esta teoria, o turista encontra-se num plano oposto ao sistema turístico. No âmbito dela, podem explicar-se as diferentes expectativas, percepções e relações, bem como outros assuntos que revestem a relação turista – hospedeiro. Permite também estabelecer categorias baseadas na diferença por género, raça ou classe (ex: estudar a relação entre os elementos masculinos do sul da Europa e os 37

femininos do norte da Europa). Ajuda também no estudo das motivações do turista, procurando-se as razões pelas quais as pessoas viajam. De acordo com Dann e Cohen, as motivações incluem factores “pull” (atracções do destino) e factores “push” (aqueles que directamente influenciam a motivação e devem ser social, psicológica, económica ou fisicamente determinados.

5.4. Teoria do interaccionismo simbólico O interaccionismo simbólico permite estudar as representações sociais que os turistas transportam e estudá-las em referência às que existem nas áreas turísticas. Por outro lado, a diferenciação dos turistas passa não apenas pela sua condição social, mas também pelo significado das acções desenvolvidas em territórios estranhos. Ajuda também a procurar a verdadeira personalidade tanto do turista como do hospedeiro, através do reconhecimento das modalidades de adaptação do comportamento de acordo com a cultura a ser visitada. Esta possibilidade junta-se à antecipação dos impactos que podem acontecer com o movimento turístico. Além disso, aprofundam o estudo das relações entre o turista e o hospedeiro. Permite dar atenção ao desejo que escapa às regras e à moral das pessoas dos locais em relação ao não-tempo de férias. Permite distinguir a autenticidade nas experiências do turista. Os acontecimentos considerados anormais no âmbito de uma cultura dada podem ser entendidos como uma espécie de libertação da interacção social normal, o que abre novas perspectivas para a compreensão dos comportamentos ditos estranhos ou impróprios.

6. A humanização do turismo Para analisar o turismo existem muitos pontos de vista (Ryan, 1991). A primeira tentativa de definição do turismo surgiu depois de se tentar definir o turista. Este, segundo a definição de 1937 apontada pela Liga da Sociedade das Nações, é aquele que viaja durante mais de 24 horas para fora do local de residência habitual. O turismo tornou-se, por esta altura, uma actividade que envolvia de tal forma a sociedade que não era possível ignorar as suas consequências e o seu estudo. Assim, foi formada a IUOTO (International Union of Official Travel Organization), que tinha como propósitos precisamente o estudo e desenvolvimento da actividade. A aproximação do turismo ao conceito de lazer foi tomada como um ponto fundamental, dando origem à fundação da Tourism Society, segundo a qual, o turismo seria um movimento temporário de curto prazo das pessoas para destinos fora daqueles que normalmente usam para viver e trabalhar, e as actividades envolvidas durariam o tempo correspondente à duração nesses 38

locais; isso inclui movimentos para todos os propósitos, fossem eles visitas pontuais, fossem excursões. De acordo com Nash (1981), o turismo seria uma actividade própria de uma pessoa em estado de lazer que também viajaria. Este autor faz uma separação entre turismo e viagem (que provém do termo travail – trabalho, e que se referia àqueles que teriam de viajar para exercerem a sua profissão). Neste sentido, haveria que distinguir a viagem do turismo, visto que existem vários tipos de viagem, consoante as motivações que levariam à mesma. Crick, estudando a dicotomia trabalho/lazer, entendia que existem viagens que nem se enquadram em actividades de trabalho nem em actividades de lazer, seriam viagens simbólicas, enriquecidas pelo elemento ritual. Por outro lado, Smith (1989a) definia o turista como uma pessoa temporariamente em lazer que voluntariamente visita um lugar longe de casa, com o propósito de experimentar a mudança. Em termos mais gerais, Sharpley (1994) define o turismo como um fenómeno socialmente moderno que envolve o movimento de pessoas para vários destinos e a sua estadia aí. Este mesmo autor apresenta as seis características principais do turismo: 1 – é normalmente associado ao lazer e funciona como uma evasão do quotidiano num curto espaço de tempo. Liberta do trabalho (o mesmo se passa nalgumas viagens cujo objectivo não é o lazer); 2 – é socialmente determinado. Representa a democratização da viagem e, por não se desligar dos constrangimentos estruturais, todos os factores sociais influenciam a frequência, duração, destino e estilo das viagens dos turistas; 3 – a indústria do turismo internacional é diversa, fragmentada e multi-sectorial. O turismo está entregue a corporações multinacionais que geram os destinos turísticos; 4 – é dependente dos atributos físicos, sociais e culturais do destino. Baseia-se na promessa da excitação, autenticidade, exotismo e coisas extraordinárias; 5 – é uma actividade comercial baseada em indicadores visíveis entre os turistas e as comunidades locais. Os actos turísticos são catalisadores do desenvolvimento da hospitalidade comercializada e da potencial comercialização da cultura, além de serem agentes de mudança social; 6 – é um sector do mercado inter-fronteiriço do lazer e reflecte tendências e mudanças das sociedades geradoras de turismo. 39

Apesar das divergências, todos os estudiosos do turismo estão de acordo com o facto de que o turismo é um facto humano, que se refere à espécie (portanto, um fenómeno antropológico) cujas modalidades são socialmente determinadas. É precisamente isso que defende Lett (1989). Este, juntamente com Nuñez (o primeiro autor que estudou a antropologia do turismo), criou a necessidade de se analisar o turismo no âmbito da antropologia. Em 1977, Smith organizou a edição de uma obra (“Hosts and Guests – The Anthropology of Culture) cujos colaboradores reflectiam sobre a universalidade do turismo, entendido como uma forma de criar cortes na vivência humana. A aplicação do método comparativo – o que distingue a antropologia das outras ciências sociais – decorre do facto do campo do turismo ser bastante mais alargado do que o que inicialmente se supunha (acreditava-se que apenas as sociedades ocidentais faziam turismo). A perspectiva holista do método antropológico assentava precisamente na comparação do fenómeno entre as várias sociedades humanas, o que alertou para a transculturalidade do turismo. Estas razões epistemológicas fizeram desenvolver a perspectiva da aplicação de todas as teorias a todos os povos, em todos os lugares e em todos os tempos. Foi por estas razões que Selwin (1992) considerou os trabalhos de Cohen e de MacCannell como antropológicos, pois que estes autores procuraram fazer uma análise exaustiva do turismo em referência a um quadro alargado a todas as sociedades. Dentro desses trabalhos salientam-se os de Graburn (análise simbólica do turismo, como uma viagem sagrada), Nash (o turismo como uma forma de imperialismo), Smith (os impactos do turismo na sociedade esquimó), Crick (estudou a economia política do turismo), Swain (estudou os papéis distribuídos por géneros na actividade turística indígena), Urbanowicz (o turismo na tribo dos Tonga africanos), McKean (estudou aquilo a que chamou involução cultural provocada pelo turismo no Bali), Crystal (estudou o turismo nos Toraja, Indonésia), Greenwood (estudou o conceito de mercadoria cultural), Pi-Sunyer (estudou as percepções do turismo e do turista numa cidade catalã), Peck e Lepie (turismo e desenvolvimento em três cidades costeiras da Carolina do Norte), Deitch (os impactos do turismo nas artes e artesanato das sociedades índias da América do Norte), Loeb (a adaptação da cultura judaica iraniana ao turismo e a criação de artefactos para venda ao turista), Stanton (criou um modelo de análise do turismo na Polinésia, incluindo aí o estudo de sete culturas),... O estudo do turismo, numa perspectiva antropológica, baseia-se nos pressupostos que o turismo serve para estudar a vida humana e, o que é mais importante, a identidade cultural, permitindo aceder às fronteiras, um tanto ou quanto maleáveis que existem entre as culturas. Por outro lado, e não menos 40

importante, é o facto de o antropólogo ser um “culture broker” por excelência, pois ele faz a comutação entre as culturas possibilitando desse modo a compreensão do outro e a tolerância pela diferença cultural. Questão que se revela como o objectivo final do turismo, o confronto das culturas. Além das reflexões aqui apontadas, outras serão alvo de análise nesta obra, pelo que, remetemos para as três últimas lições outras considerações, mais pormenorizadas, sobre os trabalhos de natureza aplicada que formaram as referências tanto da sociologia como da antropologia do turismo. Após termos, nesta primeira lição, estudado a validade heurística de alguns pressupostos teóricos da sociologia no que concerne à sua contribuição para o estudo do turismo, bem como de termos analisado e criticado o conceito de turismo, seja pela perspectiva dos países geradores do turismo, seja pela dos países acolhedores, apresentaremos, na lição que se segue, os passos mais salientes da história social do turismo. A segunda lição, prolongando a actual, fornecer-nos-á o material necessário para podermos reflectir sobre as origens do turismo tal qual como ele é hoje considerado pela Organização Mundial do Turismo. Como veremos, o contexto sócio-histórico da origem e da evolução do turismo decorre de toda uma série de constrangimentos estruturais e ideológicos que nos impelem a analisar o conceito “turismo” num campo de referência abstracto, onde o mesmo é valorizado pelo seu carácter sistémico e essencialmente proveniente da preocupação pela obtenção de benefícios, sejam eles económicos ou psicológicos. A segunda lição apresentará, portanto, o turismo enquanto um sistema especializado na procura da evasão e de experiências de mudança. Assim sendo, e porque consideramos o turismo como uma necessidade humana, pedimos ao leitor que não se admire por termos optado por apresentar a história do turismo desde tempos em que ele ainda não tinha o revestimento institucional que hoje possui. Visto tratar-se de uma necessidade humana, o turismo pode ser entendido como um “fenómeno” antropológico, quer dizer, universal. Deste modo, ele também percorre a evolução do homem, acompanha-o e evolui com ele. Como apontámos na Introdução desta obra, foram as migrações originais que confrontaram o homem com a diferença: diferença de espaços físicos (e por conseguinte de exploração das suas possibilidades) e diferença de grupos humanos (fomentando a construção da identidade e das interacções de grupos). Após esta espécie de advertência, pensamos que o leitor compreenderá melhor porque remontamos às origens do homem para aí procurar também as origens filosóficas do turismo. A história social do 41

turismo prolongar-se-á pelo mundo antigo, pela Idade Média, pela era industrial, pelo actualidade e fará, através da consideração das tendências actuais do turismo, uma espécie de premonição do futuro do turismo. Como considerámos de extrema importância, acrescentámos a esta lição um pouco da história do turismo em Portugal, que tem já grande tradição neste tipo de migração. Pensamos mesmo que algumas das ideias dos mentores do turismo em Portugal, no início da sua institucionalização, devem ser revisitadas e ressuscitadas, devido à imensa riqueza conceptual que encerram e que em muito poderiam contribuir para uma maior sensibilização dos estudantes para as potencialidades reais que o turismo tem no nosso país e que, como quase tudo, são ignoradas, ou simplesmente negligenciadas.

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LIÇÃO 2

A HISTÓRIA SOCIAL DO TURISMO

1. Das origens do homem à antiguidade Existem dois critérios para definir o turismo e que remetem para diferentes origens históricas:

1.

o turismo, se reduzido à viagem, é um facto humano, que se refere à espécie, e, por isso, tão antigo como ela (Graburn, 1977);

2.

o turismo é um fenómeno das sociedades modernas.

A história social do turismo terá sempre que ter em conta estes dois princípios. Se entendermos o turismo como um movimento (viagem simbólica) em que os que nele se envolvem procuram satisfazer uma necessidade básica da humanidade – conhecer o outro, e conhecer-se a si mesmo, portanto, uma necessidade de procura de identidade cultural – teremos, obrigatoriamente, de procurar as origens do turismo nas próprias origens do homem. Desde o seu aparecimento, o homem, organizado em pequenos grupos, teve que procurar o seu alimento fora das áreas que entretanto habitava, pois que, por força da sua economia baseada na caça e na recolecção, rapidamente os recursos alimentares se tornavam insuficientes para a sua manutenção nesse mesmo lugar, havendo que procurar o alimento noutras paragens. A paleoantropologia provou-nos há já algum tempo que as migrações humanas obedeciam, desde a sua origem, não apenas à necessidade primária da alimentação, mas também à necessidade de segurança dos grupos, o que fazia com que os espaços habitados eram também escolhidos de acordo com a sua aprazibilidade. A estética cumpria já uma importante forma de orientação dos grupos e da sua apropriação do espaço. Foi, aliás, por isso que as primeiras sociedades humanas ocuparam as regiões cujo clima temperado permitia uma maior abundância de alimentos e uma melhor 43

racionalização (domesticação) do espaço. Desde há cerca de 6 milhões de anos que os grupos humanos se deslocam com esta procura bipartida: a de alimento e a de conforto. Mais tarde, após a descoberta da agricultura, a sedentarização veio exigir a troca de alimentos (visto que estes desenvolviam-se de acordo com capacidades ambientais específicas, o que fazia com que, por exemplo, os povos do interior trocassem bens com os do litoral – é com esta forma primária de comércio que o próprio sal, elemento fundamental à alimentação e à conservação dos alimentos, viria a tornar-se na primeira moeda conhecida). A curiosidade pelo território cedeu lugar à curiosidade por essa especificidade económica que, obrigatoriamente daria origem a manifestações culturais diferentes. O comércio tornou-se num factor de integração transcultural, numa procura de, através da diferença, se estabelecerem as primeiras formulações identitárias dos grupos.

2. A Antiguidade Segundo Young (1973) o turismo, enquanto indústria, pode estudar-se até ao Velho Testamento. De facto, a existência de desenhos de barcos de viagem, remontam a cerca de 3000 a. C. (Casson, 1974), embora se pense que este tipo de transporte provenha sensivelmente do VI milénio a. C.. Da mesma forma, projectos arcaicos de trens, bem como a sua construção, aparecem-nos em documentos datados de cerca de 1600 a. C. (id.). Por volta de 1300 a. C. já haveriam excursões às pirâmides de Gizé (ibid.). Todos estes indicadores provam que, na forma de instituição germinal, o turismo existe desde o aparecimento das primeiras sociedades organizadas, que já excediam os limites próprios das tribos anteriores. A diferença do turismo moderno é que este movimento se revestiu imediatamente de aspectos que o situam como um fenómeno de massa. É aliás, com base nesta massificação que se remonta a origem do turismo aos tempos da industrialização, que vieram dar uma nova dimensão industrial ao fenómeno, tornando-o vulgar. Na Antiguidade, o turismo não se revestia da dimensão maciça devido a alguns constrangimentos que impediam a sua vulgarização. Entre eles figuram como os mais importantes i) as dificuldades e o perigo de viajar e ii) a falta de poder económico generalizado. Nas épocas anteriores à civilização grega, as redes viárias eram praticamente inexistentes, excepção feita, bem entendido, às civilizações Minóica (2000 – 1500 a. C.) e Micénica (1600 – 1200 a. C.). Nestes tempos, as viagens de barco eram as mais utilizadas com vista ao lazer, se bem que em pequena proporção (essas viagens, que eram constantemente alvo de ataques piratas, na maior parte das vezes tinham simples objectivos comerciais). 44

2.1. Grécia e Roma Na Grécia antiga surgiram movimentos que envolviam porções consideráveis de população que se revestiam sobretudo de caracteres religiosos, desportivos ou mesmo divinatórios (como a consulta de oráculos). Assim, originalmente, os principais destinos turísticos eram o Oráculo de Delfos e os Jogos de Apólo (gérmen dos Jogos Olímpicos). Havia também uma parte da população que fazia turismo de saúde em Epidauro, conhecida, nesse tempo, pelas suas águas terapêuticas. A partir de 776 a. C., data do início dos Jogos Olímpicos, Olímpia tornou-se no principal destino turístico tanto do povo grego como de outros que cedo conheceram o evento. Neste tempo, o turismo não se cingia às viagens de aventura, ele era sobretudo uma modalidade de viagem que cumpria funções assentes na tradição, representada pelos rituais. Sigaux (1966) defende que se cumpria, com este tipo de viagens, uma função nova, a saber, a ampliação dos laços sociais e a libertação do background social habitual. A viagem de lazer era um acontecimento raro. Uma excepção bem conhecida é a do pai da História, Heródoto, que viajou, de barco, pelo Egipto, Síria, Pérsia, Ásia Menor, Sicília, oeste de Itália e este da Babilónia. Além do reconhecido papel para a História que tiveram os seus relatos, eles também podem ser entendidos como os primeiros registos turísticos, representando mesmo uma espécie de itinerário turístico para a época. Com Roma surgiu uma nova concepção do turismo e da viagem. Esta nova Idade é conhecida pela extensa rede viária que o Império construiu para facilitar a mobilidade de bens e pessoas para os vários pontos do imenso território imperial. Assiste-se assim à queda de um dos principais obstáculos à viagem. A Via Appia, ainda hoje visível, atravessava a Itália desde Roma até ao porto de Brindisi e a sua construção foi iniciada em 312 a. C.. No século I ainda era a principal via do Império Romano. Ela representava uma espécie de estrutura que permitia a execução de viagens em primeira classe (pois era totalmente pavimentada). A ladeá-la logo surgiram pequenas hospedarias, fazendo com que viagem e turismo se desenvolvessem lado a lado. O calendário romano marcava os ritmos temporais inscritos no ano civil (calendas) e era dividido em duas épocas maiores, ocupando cerca de metade do ano cada: a do trabalho e a dos acontecimentos festivos. Ainda assim, o turismo era uma actividade de elite, cujo destino principal era Atenas, o que denotava uma tendência para o aspecto histórico ou cultural do fenómeno. Da mesma forma, os principais beneficiários do turismo eram os jovens romanos, que iam para ali para se instruírem nas então mais afamadas escolas do mundo conhecido. A par destes tipos de turismo cultural, os romanos 45

mais endinheirados viajavam amiúde para o Egipto, com a intenção de gravarem o seu nome nos monumentos aí existentes. A par destes movimentos, surgiram novos equipamentos destinados às classes abastadas e que funcionavam como área de escape à vida quotidiana. Surgiram, no século I, casas de veraneio (nas montanhas a norte da Itália), uma zona balnear na costa a norte de Nápoles e, foi nesta altura que a própria baía de Nápoles se revelou como um dos destinos turísticos mais apetecidos devido, segundo Séneca (conselheiro de Nero e filósofo de renome), à liberdade triunfante que aí reinava, permitindo o desenvolvimento de vícios (álcool e sexo, constituindo-se aí a primeira instância de nudistas conhecida) que acompanhavam as várias festas que aí tinham lugar (bacanais, em honra de Baco). A par destas áreas, o povo romano deslocava-se para as áreas idílicas de Aix-les-Bains e Vichy, ambas na antiga Gália e que eram bem servidas de acessos, o que fez desenvolverem-se grandes áreas de entretenimento. Em termos sociológicos, o que distingue o turismo romano do grego é sobretudo a procura de lazer. Enquanto o turismo grego era motivado por negócios, saúde ou acontecimentos festivos ou religiosos, os romanos procuravam o entretenimento e o excesso proporcionado pela liberdade que reinava nos destinos turísticos. A queda do Império Romano levou ao declínio do turismo, especialmente como actividade de lazer. Outras motivações surgiram para a viagem. Na Alta Idade Média uma nova lógica social iria determinar tanto as motivações turísticas como os destinos procurados.

3. A Idade Média Após a queda do Império Romano uma série de acontecimentos fez com que, gradualmente, o turismo deixasse de ter o impacto que tinha tido até então. Como se viu, as migrações com objectivos turísticos, apesar de estarem apenas ao alcance de uma estreita franja populacional, prometiam não acabar, devido a toda uma estrutura que entretanto se desenvolveu com vista ao aproveitamento dos recursos naturais e histórico-culturais. A manutenção das áreas turísticas romanas prolongou-se ainda após a queda do Império. Testemunho deste facto é a, ainda, existência, nos nossos dias, de estruturas destinadas ao turismo que remontam ao tempo de Roma, essencialmente no que se refere ao aproveitamento das faculdades terapêuticas das águas (como exemplo temos ainda as áreas termais de Vichy e Aix-les-Bains em França, a de Baden-Baden, na Alemanha ou, entre nós, as de Chaves, de 46

Aregos, da Curia e de Monchique). A tendência da cultura romana para o lazer é ainda visível em vários vestígios arqueológicos daquele tempo e que denotam a importância que o culto do corpo teve então (podem-se ver inúmeras ruínas de casas e palacetes romanos com banhos privados e saunas, bem como de motivos representados em azulejos que remetem para a valorização das festividades (é bastante frequente a representação de Baco com as ninfas, que alude para a prática de actividades cujo objectivo era a inebriação). Estas estruturas foram até aproveitadas pelos povos que acederam à Europa Ocidental, vindos de Norte, principalmente aqueles que tinham já a sensibilidade para a manutenção de costumes que incidiam na manutenção da beleza corporal e mesmo dos laços de afectividade criados através do convívio animado. As tribos bárbaras que invadiram esta parte da Europa trouxeram, em termos gerais, a destruição. Salvo raras excepções, como no caso dos visigodos ou dos iberos, as tribos não estavam preocupadas com a manutenção da ordem até então constituída pela luminosa civilização romana. Rapidamente se assenhoraram do território e menosprezaram as estruturas existentes, destruindo mesmo muitas delas, especialmente aquelas que se prestavam a actividades mais avançadas (como era o exemplo do turismo). A seguir à civilização romana apenas a islâmica pretendeu continuar a dinâmica social e política característica daquela. Apesar disso, a imensa preocupação (baseada em preceitos religiosos) pela manutenção de uma cultura discreta em termos de comemorações sociais, impediu a continuidade da ascensão do turismo na Europa, especialmente no sul. Todavia, esta civilização trouxe também a preocupação pela instrução da população, concretamente através dos centros de irradiação cultural. O centro mais importante que se conheceu na Europa Muçulmana foi sem dúvida Córdoba, onde se cultivava o gosto pelo conhecimento e pela estética. Este centro atraiu muitos dos então eruditos ou potenciais eruditos de toda a Europa e logo se transformou numa espécie de Atenas da Grécia Antiga, onde os jovens iriam para se inteirarem das melhores e mais actuais coisas que existiam no mundo islâmico. Estes centros foram replicados um pouco por toda a Lusitânia e pela Bética. Aqui destacou-se, a par de Códoba, Valência (La Grande), enquanto que ali, a principal cidade irradiadora de cultura e, portanto, o principal centro de atracção para os jovens à procura de instrução, foram Mértola e Tomar.

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Não nos podemos esquecer que a emergente civilização islâmica, começada com a Hégira (fuga de Maomé para Meca), em 622, trazia também um novo tipo de migração, de cariz religioso, que era a peregrinação para Meca de todos os muçulmanos, pelo menos uma vez na vida. No século VIII, os povos cristãos que se tinham refugiado nas Astúrias reconquistaram a Península Ibérica, à medida que, no resto da Europa Ocidental, se desenvolvia um novo tipo de movimento religioso: as Cruzadas. O objectivo inicial das cruzadas, apadrinhadas pelo papado e representadas por Carlos Magno, em França e Itália, e por Ricardo em Inglaterra, era libertar Jerusalém do jugo muçulmano. À medida que os efeitos das cruzadas se foram tornando visíveis, nasceram outros motivos para esta migração, tais como, cristianizar a Europa, tornando-a religiosamente homogénea (e, por consequência, também politicamente) e recuperar as relíquias sagradas da cristandade e transportálas para Roma. Com isto nasceu o maior símbolo conhecido na Europa na Alta Idade: o Rei Artur e a demanda do Santo Graal. Estes símbolos depressa tomaram a forma de lenda e tornaram-se em tónicos para a partida à aventura, especialmente por parte dos cavaleiros cristãos. Todos queriam fazer como Artur, percorrer o mundo infiel e conhecer as suas expressões culturais, o seu exotismo, amealhando, entretanto, riqueza e prestígio junto do papado. De facto, este é um facto que os historiadores do turismo em geral se esquecem – a busca da epifania, da superação dos limites individuais. O próprio rei de Castela, Afonso VI, era uma espécie de Artur ibérico. Ele preconizou a cristianização da Península e, rapidamente, os cavaleiros cristãos se lançaram nessa demanda. Nasceu, desta forma, a Idade Média propriamente dita, caracterizada pelo domínio da Igreja na Europa e pela delegação dos seus poderes nos príncipes da Igreja (os reis nacionais), que por sua vez tornavam donatários alguns dos seus cavaleiros. Enquanto isso, a degradação das estruturas romanas acentuou-se. O turismo de lazer praticamente desapareceu. A degradação, especialmente das estradas, tornou as viagens praticamente impossíveis, que agora apenas podiam ser feitas em cavalos desaparelhados, que rompiam por entre os imensos matagais. A par desta degradação, a população estava, em geral, bastante empobrecida, o que limitava ainda mais a atitude para o turismo. Este reduzia-se apenas a viagens de negócios (encetadas por alguns, poucos, indivíduos) ou assuntos governamentais e ainda a deslocações com motivos religiosos ou festivos, mas tão-só a nível local. Era a época do “turismo religioso”. Surgiram as peregrinações e, no século X, apenas se poderia falar do turista cristão, aquele que viajava a pé ou a cavalo em direcção aos centros de culto cristão então mais importantes: Jerusalém, Roma e 48

Santiago de Compostela. Em Inglaterra, na chamada Europa Insular, faziam-se peregrinações a Canterbury e Winchester que, sendo sítios de importância cristã, envolviam, - especialmente aquele -, a manutenção de cultos pagãos (como foi o caso de Stonehenge). As próprias procissões (um misto de acontecimento cristão e pagão) representavam mesmo uma espécie de microcosmos social que tornava visível a cultura europeia e a forma de turismo mais em voga – a religiosa. Em termos de viagem de aventura, apenas se podem referir os comerciantes que viajavam para terras ao longo das costas mediterrânicas e atlânticas. Dentro deste, salientam-se sobretudo os genoveses, os venezianos, os corsos, os vikings, os espanhóis e os portugueses. O marinheiro mais famoso deste tempo (século XIII) foi sem dúvida Marco Polo. A sua viagem ao interior asiático (talvez no encalço do mítico reino cristão de Prestes João), passando pela Mongólia e pela China, representou, a partir daí (e dos seus relatos), a única forma de turismo de aventura, trazendo, novamente o gosto generalizado pelo exótico. Aliás, foi precisamente a partir das suas aventuras que se incrementou o comércio com o Oriente e se procurou institucionalizar as rotas das especiarias, mais tarde tornadas possíveis por caminho marítimo graças a Vasco da Gama. Os portugueses confrontaram também o europeu da época com o continente africano, (a partir do século XV - 1415, com a conquista de Ceuta). Embora a intenção desta conquista fosse inicialmente a de controlar a entrada do Mediterrâneo e do próprio continente africano, principalmente Marrocos, que representava também um importante ponto de escape de mercadorias (mercado), as repercussões desta abertura de horizontes sobre um mundo desconhecido foram importantíssimas para aguçar a curiosidade dos exploradores (de que se destaca o inglês Stanley, que desbravou o interior africano, no encalço da nascente do Rio Congo). Iniciava-se a Expansão Marítima portuguesa e, com ela, a verdadeira Idade Moderna, derivada de uma nova lógica de pensar o mundo e o Homem, verificada no movimento cultural renascentista.

4. A descoberta do Outro: o nascimento da identidade europeia Um período que tem passado despercebido no seio da história social do turismo é o das Descobertas. A partir do início do século XV, os portugueses foram protagonistas de um dos mais importantes passos dados pelo Homem na história. De tal forma a Expansão marítima portuguesa foi importante 49

que só teve paralelo já na Segunda metade do século XX, com a chegada do Homem à Lua. As grandes transformações operadas pelos descobrimentos tiveram repercussões não apenas sociais e geopolíticas, elas também trouxeram uma nova perspectiva do mundo e do próprio Homem. As grandes transformações na mentalidade medieval fizeram com que se criasse uma nova era na história. Alguns autores fazem remontar os inícios da Idade Moderna aos finais do século XVIII, iniciada pela reviravolta que a Revolução Francesa (uma réplica das revoluções dos operários portuários de Dover, Grã-Bretanha, nos meados desse século, note-se) despoletou na mentalidade da até então – no dizer desses teóricos - adormecida consciência de classe. A liberdade reivindicada pelo povo, o verdadeiro bastião do poder de qualquer nação daria origem à reviravolta das mentalidades. Mas, segundo outros autores (com os quais concordamos), as grandes transformações operadas no íntimo da mentalidade europeia deram-se com a descoberta do Outro não europeu e com o rompimento dos medos que até então povoavam a mesma. De tal modo as consequências da expansão para o Ultramar foram importantes que deram mesmo origem a uma revolução operada no espaço urbano europeu, que passou a organizar-se de forma racional, sendo orientado por largas avenidas (à imagem de galerias de museu, de mostruários), em contraste com os centros tradicionais, onde imperava a tortuosidade das ruas que reflectiam uma mente confusa.3 Esta revolução dos Descobrimentos veio trazer uma nova dimensão a explorar por via do turismo (ou do sentido turístico inerente às populações humanas). Além de o europeu, pela primeira vez, se consciencializar da sua especialização territorial e cultural, descobriu novas terras e novos povos e, com isso, surgiram novos potenciais destinos turísticos, bem como novas motivações para o mesmo. Nasce o próprio conceito de etnia e descobre-se a relatividade cultural (se bem que de forma arcaica). Os navegadores tornaram-se batedores de novas regiões e os escrivães que levavam consigo foram os primeiros antropólogos em potência. A par disso, o turismo de negócios começava - com a descoberta por Vasco da Gama do caminho marítimo para a Índia e pela disposição de inúmeras feitorias ao longo de toda a costa africana - a atingir uma forma global. Como se disse, além de se proporcionar, com esta evolução, uma maior identidade europeia, começava-se a tentar compreender os nativos de diferentes continentes. A “Carta de Pêro Vaz de Caminha” sobre o “achamento” do Brasil é uma espécie de tentativa de definição étnica, o caminho de partida para a valorização do conhecimento do Outro, proporcionado pela crescente curiosidade pela diferença cultural. Estes relatos (de que também é exemplo a obra “Os Lusíadas” e a “Relação do Reino do Congo”) quando se tornaram públicos, logo fizeram aumentar a necessidade de se encetarem viagens organizadas para melhor explorar não 3

Ettore Finazzi-Agró, “Sylvae” in História, entre a Memória e a Invenção, Actas do Colóquio de Sociologia, 1996.

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apenas os dados apresentados em primeira-mão pelos escrivães, mas também para se determinar o destino de alguns desses territórios, logo transformados em colónias das metrópoles europeias. Um bom exemplo disso, além das descobertas iniciadas pelos portugueses, é a criação do mito do El Dorado, uma espécie de terra onde os templos seriam cobertos de ouro e onde haveria riqueza suficiente para alimentar a ambição dos países europeus mais fortes em termos navais. Além desse mítico reino, outros surgiram nas mentes europeias que viriam a atrair a atenção dos aventureiros, como por exemplo o Reino da rainha de Sabá, também ele muito rico, de acordo com as lendas. Escusado será dizer que estes reinos não passaram de mitos, mas a verdade é que alimentaram a fome de aventura dos mais corajosos e levaram muitos descobridores a aventurar-se na sua procura. A par desta situação, um novo tipo de migração começava, e assumia duas dimensões principais: a colonial e a aristocrática. A primeira tinha nos colonos o seu principal motor. Eles rapidamente ocuparam as regiões costeiras dos continentes recém descobertos, evitando, no início, aventurar-se a ocupar o interior dos mesmos, pois aí habitava o estranho e não se sabia em concreto que é que se iria encontrar. A segunda, decorrente da primeira, adquiria expressão com os aristocratas que viajaram com os colonos. Eles pertenciam principalmente à classe nobre e tinham como função administrar os bens da coroa. Estes últimos representavam os verdadeiros turistas de elite. Cedo implantaram os seus palacetes em regiões privilegiadas e adquiriram estatuto na metrópole, ao mesmo tempo que, na colónia, a maior parte do seu tempo seria ocupada por actividades de lazer. Em jeito de balanço, as descobertas, acompanhadas do colonialismo, vieram alargar os horizontes racionais do europeu, até então bastante restringidos pela doutrina cristã, que proclamava o mundo conhecido como o único possível. Longe do olhar autoritário de Roma, novas classes surgiram e novas actividades foram preenchendo o quotidiano dos colonos, que experimentaram uma rápida mobilidade social, vendo o seu estatuto passar da classe baixa e popular para a classe alta e administrativa ou dominante (visto que o trabalho braçal era feito pelos escravos). Em termos turísticos, demonstrava-se, na prática, a incessante busca de identidade, por oposição aos nativos das colónias, que se apresentavam como um Outro desconhecido e diferente, que era necessário civilizar sobretudo através da palavra de Deus, transportada pelos missionários que acompanhavam as tripulações e que, desde logo, instituíram as suas missões, levando a outros povos a necessidade de participar no culto cristão. Sem terem consciência disso eles também estavam a transportar o típico turismo medieval: o religioso.

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Do lado de cá, da Europa, a ânsia de aventura adquiria uma dimensão até então nunca testemunhada. Novos colonos mostravam a sua vontade para ir para lá do mar. Não apenas porque viam a oportunidade de superarem a sua difícil condição social, mas também porque a sua mente passava a ver a aventura como uma libertação do corpo e do espírito. De tal maneira este acontecimento teve repercussões importantes que outros países tentaram seguir os passos aventureiros dos portugueses e dos espanhóis. A corrida pela conquista e colonização do mundo começara. As novas oportunidades e possibilidades, a todos os níveis, eram agora imensas. O turismo apresentava-se em novas formas, como a étnica e a cultural. A busca de identidade e de estatuto acompanhava este movimento; busca essa que, embora imperceptível, estava presente. Conjugando-se com esta alteração, a princípio invisível, as novas motivações para a viagem e para os benefícios económicos a retirar delas fizeram com que se revolucionassem os métodos de construção dos navios e as técnicas de navegação. As naus e as caravelas portuguesas eram tecnologicamente enriquecidas com a utilização da vela triangular, com as técnicas de marear e novos conhecimentos e instrumentos de navegação que então surgiram – como o sextante, o astrolábio, a bússola (que permitia uma orientação mais rigorosa), os novos cálculos sobre a dimensão do globo terrestre (cuja nova medida utilizada, o nónio, demonstrado por Pedro Nunes, permitia operar-se uma divisão geométrica do mundo em áreas específicas com valor internacionalmente reconhecido (as então futuras coordenadas geográficas), etc. Todas estas transformações tornaram as viagens longas cada vez mais possíveis e cada vez mais seguras, contribuindo para que se vencessem os medos, e para que se matassem os monstros marinhos que povoavam a mentalidade medieval. A viagem adquiriu novas dimensões e novos destinos se abriram ao Homem, levando, desta feita, a “necessidade turística” a todo o mundo.

5. O "Grand Tour" Paralelamente a esta grande transformação, uma nova realidade tomava forma na Europa. À imagem do que os romanos faziam em relação às escolas de Atenas, para onde a elite enviava os seus filhos para adquirirem formação; ou ainda à imagem do que se passava no mundo muçulmano que criava centro de irradiação cultural que eram frequentados pela elite esclarecida ou à procura de esclarecimento, nos inícios do século XVII surgiu uma nova modalidade de turismo, baseado na

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educação aliada ao lazer e ao gosto por aprender. Muitas universidades ou centros de dinamismo cultural atraíam as populações mais abastadas, que aí se dirigiam, e faziam dirigir os seus descendentes. Os aristocratas europeus achavam que os seus filhos deveriam frequentar os lugares mais “in” da Europa, com o objectivo de aí adquirirem a escola da vida e para voltarem preparados para enfrentar a realidade, cultivados por ideias de vanguarda e transformados em termos cognitivos e identitários (qual espécie de rito de iniciação). Foi mesmo durante os séculos XVI e XVII que o turismo viria a adquirir na sua forma germinal, uma configuração institucional. O turismo viria a padronizar-se durante este período, e o Grand Tour, ou a “grande volta” à Europa, desempenhou aí um papel preponderante. Este fenómeno veio mesmo a culminar numa tendência para a democratização do turismo, que via o seu significado tornar-se mais sólido, fruto de uma maior afirmação social, que viria, mais tarde, a culminar no turismo de massas. O Grand Tour, como dizia Towner (1985), foi um produto de um ambiente social e cultural específico. Ele derivava de um conceito de educação preconizado pela aristocracia europeia. Os jovens aristocratas, depois de terminarem os seus estudos universitários, faziam uma viagem de médio prazo (3 ou 4 anos) pelos centros culturais mais importantes da Europa, normalmente acompanhados de tutores que providenciariam todas as suas necessidades e que funcionavam como espécies de guias turísticos, que mostrariam ao jovem (praticamente sempre masculino, poucos casos femininos são conhecidos: o da imperatriz autro-húngara Sissi é um dos poucos) os lugares e os monumentos mais importantes para que o objectivo pedagógico da viagem fosse atingido. Os centros culturais da Europa eram como que escolas onde ele poderia adquirir os conhecimentos que a universidade não lhe tinha dado. Estes centros eram geralmente conotados com os lugares onde havia maior presença de centros de irradiação do saber (universidades, centros de investigação, riqueza arquitectónica e cultural, maior dinâmica comercial e social, posições privilegiadas de contacto com outros centros em todo o mundo – de maneira a que os conhecimentos aí existentes fossem o mais actuais possível,...). Estes centros, constituindo um itinerário, formavam etapas da tal “volta”. O “Tour” clássico distribuía-se por Turim, Verona, Veneza, o Vale do Ródano, Suíça, Áustria, Alemanha e Holanda. Mais tarde outras cidades e países foram fazendo parte do Tour, especialmente Paris, Roma, ou mesmo Londres, Madrid ou Lisboa. Exemplos da existência deste fenómeno ainda nos séculos XIX e XX, mas descaracterizado da sua forma clássica, eram as viagens que faziam os jovens portugueses mais abastados, também no fim dos seus estudos universitários. As viagens de Eça de Queirós, cristalizadas em toda a sua obra, cujo melhor exemplo é “A Relíquia”, talvez sejam as mais conhecidas no nosso país. Seria, aliás, devido às mesmas, que Eça desenvolveria o espírito crítico em relação a Portugal que demonstrou na sua obra geral.

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Mas, um acontecimento seria o principal responsável pela mudança de configuração social do Grand Tour: a Revolução Francesa (1789). Este acontecimento levou a burguesia a assumir-se como a nova classe social emergente, e aquela que viria a representar o verdadeiro poder financeiro na Europa oitocentista. O Grand Tour democratizou-se e passou a ser um fenómeno ao alcance dessa enorme camada populacional que agora reclamava o acesso aos bens que até então eram apenas apanágio das classes abastadas. O turismo de educação ou formação de vida daria lugar ao turismo de lazer e o Grand Tour revestiu-se desse novo atributo. Os principais turistas eram agora as pessoas mais idosas, reformadas, que se dirigiam em excursões para esses destinos tradicionais. Com isto, a duração e a amplitude geográfica do Grand Tour diminuíram consideravelmente. Com esta vulgarização, as classes abastadas destacaram-se destes destinos tradicionais e procuraram outras paragens para passarem as suas férias. Estas dirigiam-se agora aos centros culturais da Europa já não com o intuito de se formarem ou educarem, mas sobretudo para aprender novas línguas, para ler obras que não estavam acessíveis nas bibliotecas dos seus países, para conhecer outras paragens ou mesmo para alargarem as suas esferas de convívio (Adler, 1989). A observação objectiva requerida pela educação foi alterada para a observação subjectiva, dependente dos gostos pessoais de cada um. Este “sightseeing” foi “contaminado” pelo surgimento do belo. A natureza, as paisagens ou mesmo a observação e compreensão de outras pessoas (culturalmente diferentes) deram o mote para o movimento romântico. Estava-se na era do turismo motivado pelas coisas simples, pelo exotismo do tradicional ou, se quisermos, pelo retorno às origens. Como consequência, surgiram novos destinos turísticos e novas modalidades de fazer turismo. Os passeios a pé pela montanha tornaram os Alpes Suíços num dos destinos mais procurados pela aristocracia de oitocentos. Esta reviravolta adveio de uma mudança de mentalidade que acarretou a mudança de atitude do turista perante a paisagem. Foi precisamente neste século XVIII que voltaram a ser reconhecidas as faculdades terapêuticas existentes na natureza. As termas, abandonadas desde o período romano, voltaram a figurar como um dos principais destinos turísticos para a classe média, que via na saúde um dos principais motivos turísticos.

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Bath, Scarborough, Epson, Turnbridge Wells (Grã-Bretanha), Vichy e Aix-les-Bains (França), BadenBaden (Alemanha), algumas termas holandesas, espanholas e portuguesas, foram renovadas e voltaram ao activo, devido a este aumento de procura do turismo termal (medicinal ou de saúde). A beneficiação das termas incluía a previsão de secções dirigidas ao convívio social e, o esplendor romano voltou a animar estes locais. “Gradualmente, mais e mais equipamentos foram instalados de modo a providenciar entretenimento aos visitantes e as termas depressa se tornaram recintos para férias disfarçadas de centros de saúde.” (Sharpley, 1994, trad. nossa). Alguns centros termais foram desvirtuados e transformados em zonas de jogo (Baden-Baden), funcionando com mercados paralelos. A expansão das actividades comerciais fez com que os locais de existência de termas se transformassem em espécies de centros comerciais (a que não são alheias as construções de hotéis exteriores às termas que viviam de um novo aproveitamento das características naturais dos locais; ou mesmo verdadeiras cidades cujo motor económico se encontrava nas propriedades terapêuticas das águas). Com esta desvirtuação, as atenções dos turistas começaram a virar-se para outros destinos balneares. Estes passaram a ser as zonas costeiras. As praias começavam a ter uma importância crescente para os turistas e, atrás deles, toda uma panóplia de bens e serviços os seguiu. Sem se dar por isso, começava uma nova era no turismo, com toda a certeza a mais pujante até então. Devido a isso, o século XIX tornar-se-ia no período mais importante da história social do turismo. É o século da sua institucionalização.

6. A institucionalização do turismo No início do século XIX ainda era pequena a percentagem de pessoas que faziam turismo; este ainda era visto como um privilégio. Todavia alguns factores seriam decisivos para que o turismo fosse cada vez mais valorizado como uma actividade económica credível. Os principais foram o avanço tecnológico e a mudança da mentalidade. Dentro daquele salienta-se o incremento do caminho-deferro e outras estruturas destinas a acelerar e a melhorar as performances de comunicação entre os vários pontos da Europa, especialmente as cidades mais importantes. Ainda no século XVIII, em 1753, Richard Russel, representando a classe médica do seu tempo nas questões da abordagem do turismo de saúde, referiu o quão importantes eram as áreas balneares, sobretudo as costeiras, para se desenvolver uma vida saudável. As suas referências valorizavam sobretudo os efeitos benéficos da luz solar, fonte de vitamina D (que combate e previne o raquitismo) 55

e da própria ingerência da água do mar, rica em proteínas e iodo, que preveniria sobretudo infecções. Assim, as praias começavam a ter um papel cada vez mais importante na mentalidade das pessoas, que viam nela uma fonte de revitalização. Apesar disso, tradicionalmente as praias eram frequentadas sobretudo durante o Inverno e essa frequência envolvia sobretudo caracteres rituais de purificação (que ainda hoje são bem visíveis em grande parte das zonas costeiras da Europa, a que Portugal não é imune). Esta peculiaridade do turismo de mar revestia-o de aspectos que se ligavam sobretudo à saúde – física e espiritual -, e não ao lazer. Todavia, algo iria mudar a partir de 1815 (primeira travessia, por mar, entre Londres e Gravesend). O aparecimento do barco a vapor, uma consequência da própria revolução industrial, atraiu muitas pessoas à costa, não apenas para ver essa maravilha da engenharia naval, mas também para aproveitarem as condições que as zonas costeiras ofereciam a quem lá se dirigisse. Logo após, a construção do Titanic (1817) tinha como objectivo fundamental a propagação da viagem de barco, desta vez com dimensão transatlântica e, sobretudo, a sua utilização para uma espécie de turismo aristocrático por mar, uma indústria emergente que logo derrapou, devido ao trágico acidente que vitimou quase a totalidade dos passageiros que aí seguiam. As longas viagens de barco viriam a ser mal aceites pela população em geral, e os paquetes de luxo só muito mais tarde, já no século XX, começariam a ressurgir como transportes possíveis para o turismo (cruzeiros). Apesar de tudo, em 1830 eram vulgares as viagens em barcos a vapor, sobretudo com destino à costa de Kent. Estas viagens reflectiam a continuidade que as regiões costeiras mantiveram enquanto destinos turísticos de importância, especialmente para a classe aristocrata. A par do desenvolvimento dos transportes marítimos e fluviais, surgiu o comboio. Em 1829 a rede de caminhos-de-ferro na Grã-Bretanha crescia a olhos vistos. Foi mesmo nesse ano que se inaugurou a ligação ferroviária entre Liverpool e Manchester, duas cidades que tinham nascido precisamente devido à revolução industrial e que, por força disso, se apresentavam na charneira do desenvolvimento tecnológico. O “Rocket” – assim foi baptizado o primeiro comboio a fazer esta ligação – não era muito confortável e, a passagem da sua velocidade de ponta (48 Km/h) para a dos que o seguiram derivou duma grande transformação tecnológica. Apesar disso, documenta-se que os passageiros não receberam muito bem tal rapidez. Conta-se mesmo que eles entravam em pânico e que tinham medo de entrar nos túneis. Mas este aspecto não foi suficiente para que o comboio não prosperasse. De facto, a expansão da rede ferroviária foi tal que, em 1847, já se deslocavam, só naquele país, cerca de 51 milhões de passageiros por ano. O seu incremento obedeceu também ao facto de que cada vez mais se procuravam as zonas costeiras para o lazer. E eram normalmente estas áreas que representavam o “fim da linha”. 56

Todavia, foram as classes dominantes que se estabeleceram originalmente na costa, fazendo com que mais pessoas passassem a deslocar-se para aí com o intuito de fixarem residência (por via do tal desenvolvimento do transporte ferroviário). As cidades à beira mar tomavam forma. Mas outras condições foram determinantes para o incremento do turismo. As principais foram as mudanças sociais resultantes de uma primeira forma de vulgarização do trabalho assalariado, promulgado pelo desenvolvimento da indústria. Os salários permitiram às camadas da população menos abastadas sonharem com melhores condições de vida, reflectidas na sua procura de lazer, que a poupança lhes permitia. A par disso, a criação do tempo livre e o desejo de fazer turismo, como forma de o ocupar, foram outros factores preponderantes na vulgarização do turismo a toda a sociedade. Tradicionalmente, a população trabalhava na agricultura, cuja actividade se configurava de acordo com um calendário próprio (o trabalho prolongava-se por seis dias na semana e o 7º era para descansar ou para cumprir os rituais). Esta configuração altera-se com a actividade industrial. As classes trabalhadoras passaram a ter períodos de lazer, estruturados e organizados pelas classes dominantes, pelo patronato. As férias (ou os tempos livres à escala do ciclo anual) ainda não eram pagas. Todavia, havia já modalidades de ocupação desse tempo recentemente instituído. As residências eram organizadas por similaridade ocupacional. Surgiram bairros - e mesmo cidades - que eram formados por trabalhadores da mesma fábrica ou do mesmo patrão (bairros sociais ou cooperativas habitacionais). Este fenómeno fez com que verdadeiras comunidades tivessem precisamente o mesmo período de trabalho e o mesmo tempo de férias. Assim sendo, começaram a instituir-se as colónias de férias, onde os trabalhadores, residentes em determinado local e dependentes do mesmo ofício, passavam as suas férias, sempre de acordo com destinos estipulados segundo a vontade do patronato. Desta forma criava-se uma espécie de clivagem no turismo: por um lado, surgiam os campos de férias inclusivistas (onde a mão-de-obra passava as suas férias), por outro surgiam os exclusivistas (destinos apenas acessíveis aos patrões). Com esta estratégia canalizavam-se os turistas com o propósito de não acontecerem misturas das duas condições sociais opostas, evitando-se também a vulgarização de alguns destinos turísticos, ou mesmo de alguns tipos de turismo. Embora este quadro se prolongasse por algumas décadas, o turismo de massas, agora emergente, viria alterar esta lógica. O turismo de massas moderno pode-se referir como um fenómeno resultante da própria revolução industrial, devido essencialmente às três condições que surgiram com esse evento: a expansão do caminho-de-ferro, a mudança das condições de trabalho da população e a poupança 57

permitida pelo trabalho assalariado. O turismo passou a ser visto como “um meio formal e regular de escape do “stress” e tensão originados pela moderna vida industrial” (Sharpley, id. ibid.). Como estratégia de defesa da sua exclusividade, as classes mais abastadas começaram a procurar áreas turísticas em destinos cada vez mais longínquos. O Expresso do Oriente representou mesmo esta fuga às classes trabalhadoras em tempo de férias. Este “expresso” era uma viagem de comboio para turistas de luxo ao longo de pontos previamente seleccionados da Europa. Por outro lado, a aristocracia, especialmente a realeza, passava a gozar as suas férias na costa mediterrânica, principalmente na Riviera Francesa. Também seria neste tempo que a ilha da Madeira se tornaria um destino turístico de luxo, para onde viriam passar férias alguns elementos da realeza europeia. Ainda reflexo desta atitude por parte das classes aristocratas, surgiu a motivação para o turismo de inverno. A organização das viagens à Suíça foram lembradas por Sir Henry Lunn, que aí se deslocou e viu no esqui uma forma de se aproveitar as férias. Ao mesmo tempo, o campo era outro dos destinos turísticos mais procurados pelas outras classes sociais. A praia, o estrangeiro (próximo) e o campo eram os destinos turísticos mais “normais” das classes populares. Paralelamente a isto, a expansão dos transportes continuava. Em 1883 fizeram-se os primeiros estudos com vista à construção do Canal da Mancha, na tentativa clara de facilitar as viagens entre a Europa insular e a continental. Em 1890 acabaram de se romper os Pirenéus para a construção da linha-férrea, que além de trazer a quebra do isolamento da Península Ibérica, trouxe também turistas da Europa do lado de lá. Seria neste contexto que Thomas Cook teria organizado as primeiras excursões conhecidas. Por via disso, transformou o turismo numa indústria internacional, ao mesmo tempo que criou o “Package Tour”. Todavia, os serviços prestados pela sua indústria destinavam-se sobretudo às classes privilegiadas. Mas, o importante a reter é que, com esta iniciativa, estavam criadas as condições que viriam dar origem à institucionalização do turismo através da identificação de uma indústria turística dentro do quadro económico tradicional.

7. A individualização do turismo Como se viu, a institucionalização do turismo teve o seu começo no século XIX. Mas foi no século XX que se deram os principais passos no enquadramento concreto desta nova actividade sócioeconómica. O carácter social do turismo fez com que este se propagasse por outras estruturas: principalmente a mental, a económica e a política. 58

De acordo com Pierre George (1992) e Dumazedier (1992), foi a revolução operada no século XX que fez com que alguns movimentos populacionais específicos se concentrassem no conceito “turismo”. Este conceito, em sentido moderno, engloba, segundo o mesmo autor, três “famílias de actores”: os promotores e criadores de estâncias turísticas, os gestores e os recrutadores de clientela. No início do século XX, o turismo era entendido como uma estrutura de acolhimento adaptada à clientela que se deseja receber e imaginada em função da procura da melhor rentabilidade do investimento feito inicialmente. Nos anos anteriores à I Guerra Mundial, calcula-se que já viessem em viagem à Europa cerca de um milhão e meio de americanos. Neste período inicial do século, a aristocracia continuava a manter o gosto pelo recato proporcionado pelo exclusivismo que caracterizava os seus destinos turísticos. A sua tez pálida distinguia-os das restantes classes sociais. Ter a pele branca significava pertencer a um elevado estatuto social. A tez morena era conotada com o trabalho agrícola e que fazia com que se passassem muitas horas de exposição à luz do sol. Todavia, a partir da década de 20, e gradualmente, as classes abastadas foram experimentando novos conceitos de estética corporal. Na Riviera Francesa, a vida social centrava-se na praia e nos banhos de sol. A partir daqui o bronzeado passou a ser uma forma de destaque dos aristocratas que, assim, passaram a justificar o bronzeado com o privilégio de viajar até à Riviera, um dos principais destinos turísticos dessas classes. Este gosto pelo bronzeado logo foi aproveitado pelas indústrias de cosmética e de vestuário, que passaram a enviar para o mercado os fatos de banho e os protectores solares (ainda sob a forma de cosméticos). Um apontamento importante é o facto de o bronzeado ter passado a ser reconhecido como símbolo de saúde física e financeira. Entre a década de 20 e 30 aumentou o número de pessoas com acesso à viagem. Já em 1919 tinha-se feito o primeiro voo pago entre Londres e Paris (contudo, este meio de transporte foi abandonado para fins turísticos, visto que era desconfortável e muito caro). Mas a viagem continuou a atrair cada vez mais pessoas. Este facto foi facilitado pelo aparecimento do autocarro e do automóvel, à medida que a própria bicicleta viu aumentar o seu uso desde que foi fundado o primeiro clube de ciclismo em 1878 na Grã-Bretanha, surgindo a moda do exercício físico. A bicicleta, ademais, viria a tornar-se um importante meio de transporte para os turistas, que procuram fugir ao bulício da cidade e refugiavamse no campo, aproveitando o ar puro e encontrando, ao ar livre, uma nova forma de escape. Por outro

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lado, o automóvel veio revolucionar os meios de transporte e trazer um novo prazer à população: o de conduzir; além de proporcionar a multiplicação dos destinos turísticos possíveis. Mas foram as alterações nas condições de trabalho da população que viriam a dar o impulso decisivo ao turismo. Por volta dos finais da década de 30, a semana de trabalho tinha 48 horas e não existiam férias pagas (também não estava consagrado este facto na lei). Mas, a partir de 1938 as férias pagas passaram a ser obrigatórias, passando cerca de 17% da população trabalhadora inglesa a usufruir desta alteração. Nesta altura definiram-se as grandes aquisições sociais por via da alteração das condições de trabalho:

1 – a existência de férias anuais (que aproximava os trabalhadores do modelo de trabalho aristocrático); 2 – a diminuição da semana de trabalho (através da inclusão de “dois domingos” na semana); 3 – a diminuição da idade requerida para a reforma e financiamento desta (que trouxe dois fenómenos importantes: a aquisição de casa de férias ou de uma residência secundária e a aglomeração de reformados em pacotes turísticos específicos que incluíam visitas guiadas).

Por sua vez, os destinos turísticos adquiriam duas categorias principais, de acordo com a disponibilidade sazonal dos trabalhadores. Assim, o ano dividiu-se em dois tipos de turismo com destinos próprios: a turismo de Verão, cujos critérios de escolha eram o sol e o mar; e o turismo de Inverno, onde a neve e a montanha pontificavam. Na década de 40 nasceu o conceito de férias em família, que tinha como principal objectivo contribuir para o aproveitamento dos turistas que, não podendo viajar levando consigo os familiares devido à multiplicação dos custos, tinham agora a hipótese de, num único pacote turístico poderem levar consigo a sua família. Aparecem então os campos de férias (cujo pioneiro da ideia foi Billy Butlin, que já em 1897 tinha estabelecido este tipo de destino turístico na Isle of Man). Os campos de férias vulgarizaram-se até aos finais dos anos 50 e espalharam-se um pouco por toda a Europa, havendo mesmo campos de férias particulares. O que caracterizava estes destinos turísticos era o facto de estarem votados para as necessidades da classe média, concretamente para as famílias e para os trabalhadores, indo um pouco a reboque do conceito que então se formou de liberalização social.

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Apesar da importância até então, os campos de férias perderam popularidade a partir da década de 60 e foram substituídos pelos parques de campismo e mesmo pelas férias nas colónias ultramarinas. Entretanto, a II Guerra Mundial tinha feito com que a dinâmica turística refreasse. Só a partir da segunda metade do século XX é que o turismo voltou à sua antiga importância, mas, desta feita, revestido de uma característica de fundo: ele já não era um luxo ou um privilégio, era sim uma necessidade. Este novo conceito foi responsável pela globalização do turismo à espécie humana (finalmente reconhecido como um fenómeno fundamental para o seu equilíbrio físico e emocional). Em 1950 estimava-se que a Europa era um dos destinos turísticos mais procurados do mundo. Cerca de 25 milhões de pessoas tinham vindo aqui passar as suas férias, o que a somar ao turismo doméstico, aquele que é feito no plano nacional, permitiu concluir que este movimento populacional integrava todas as estruturas sociais. Além dos factores decorrentes da melhoria das condições de vida da população europeia e mesmo mundial (salvo as devidas excepções verificadas nalguns pontos do globo), um dos mais importantes foi sem dúvida o rápido avanço tecnológico, que trouxe com ele mais mobilidade e maiores hipóteses de rentabilização dos tempos livres. O avanço tecnológico permitiu também que emergisse uma indústria turística sofisticada que multiplicou as actividades e melhorou as condições de hospitalidade. Acrescido a este factor, e mesmo interligado, os progressos na medicina fizeram aumentar substancialmente a esperança média de vida da população, prolongando por mais tempo as potenciais procuras dos serviços oferecidos pelo turismo. Após a II Guerra Mundial, a indústria aeronáutica multiplicou o número de aviões que passaram a ser mais confortáveis e mais rápidos (com os motores a jacto). Em concorrência a esta multiplicação, surgiram companhias aéreas especializadas no transporte turístico, dando origem aos voos “charter”. A estratégia de se comprarem aviões usados das grandes companhias que passavam a adquirir aviões mais recentes fez com que os preços das viagens se tornassem mais acessíveis, ficando muito perto dos que os transportes rodoviários ou ferroviários praticavam. Vladimir Raitz foi o primeiro, em 1950, a operar um voo “charter” de férias, com destino à Córsega. O seu negócio foi registado com o nome Horizon Holiday (a actual Thomsons), atraindo outras companhias e operadores turísticos para investir no sector.

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Os pacotes oferecidos pelas companhias de turismo tornaram-se cada vez mais sofisticados e diversificados. Alguns operadores apropriaram-se de linhas aéreas, de cadeias de agências de viagens, de hotéis e de áreas turísticas. Além disso, os pacotes turísticos, na intenção de responder às procuras, tendem a complementar-se. Alguns itinerários englobam mais do que um destino, podendo dar-se o caso de, num único pacote, haver períodos de estadia mais ou menos curtos em vários locais (especialmente no turismo cultural, que pretende oferecer uma visão complementar de várias culturas). Os destinos turísticos rapidamente passaram dos tradicionais dentro da Europa (Espanha, Grécia e Baleares) para fora deste continente (México, Seychelles, América Latina, Tailândia e Bali).

8. O turismo em Portugal no século XX No início do século XX, Portugal ainda era um país cuja economia e sociedade se regulavam pelo profundo ruralismo, logo, não possuía o enquadramento necessário à implantação e desenvolvimento do turismo. Em contrapartida, as tentativas de modernização do país passariam obrigatoriamente pelo desenvolvimento da atitude turística, que reflectia, nos outros países europeus, a emergência de qualidade de vida e do culto pela curiosidade e pelo lazer. Contrastando com a falta de atitude turística, Portugal tinha imensos recursos que poderiam ser aproveitados para se sair do ostracismo a que estava votado. O clima ameno, a hospitalidade, a tradição viva, a posição geográfica estratégica (numa altura em que os transportes marítimos eram predominantes), eram os cartões de visita a explorar pelo turismo. Todavia, não existiam estruturas e equipamentos necessários para a atracção e fixação de quem nos visitasse. Na tentativa de combater o atraso estrutural do país surgiram várias figuras de proeminência. Entre eles, os mais importantes foram, sem dúvida: Anselmo de Andrade – um fervoroso adepto do turismo como força necessária para fazer emergir a economia nacional, que manifestava uma balança comercial bastante deficitária. Segundo ele, as prováveis divisas trazidas pelos turistas poderiam equilibrar a relação entre as importações e as exportações; Mariano de Carvalho – no seu “Plano Financeiro” (1893), defendeu que o turismo poderia ser a panaceia para curar os males de que a economia nacional padecia. A maior responsabilidade de promoção do país caberia à capital, que deveria desenvolver condições de recreação para os viajantes que, desta forma, poderiam deixar aqui quantias avultadas; 62

Ramalho Ortigão – bastante viajado, representou a primeira forma de turismo desportivo e, pelo seu pragmatismo, tornou-se num dos pioneiros do turismo português mais influentes; Sebastião de Magalhães Lima – tribuno da República e paladino da indústria. O próprio defende que “carecemos de valorizar o nosso território, a nossa natureza, as nossas paisagens, o nosso sol – se me é permitido dizer, atraindo o estrangeiro. É uma necessidade instante, reconhecida por todos os países que desejam progredir e que se impõe como a primeira solução económica: uma questão, para nós, de vida ou de morte. O turismo não é só alegria, o movimento, a beleza, a vida: é também a saúde e a riqueza. Do seu desenvolvimento depende o nosso futuro.”4 Leonildo de Mendonça e Costa – de inspiração política monárquica. Precursor da organização turística portuguesa. Jornalista e ferroviário conceituado, director da Gazeta dos Caminhos-de-Ferro, impulsionador e secretário perpétuo da Sociedade Propaganda de Portugal, autor do primeiro guia turístico elaborado em moldes internacionais (Manual do Viajante em Portugal, 1907). Defende que existe a necessidade de afastar a má fama que Portugal tinha no exterior; haveria que prestigiar Portugal; José de Ataíde – foi o primeiro executivo oficial do turismo português. Comenta ele que, em 1911, “quando foram criados oficialmente os serviços de turismo, o ambiente não era propício às iniciativas hoteleiras e ao desenvolvimento e progresso dessa indústria, que então andava absolutamente desorganizada (...). Os hotéis eram péssimos, e todos eles figuravam no índex do Bardecker como indesejáveis (...). O hoteleiro, quase sempre na profissão por um acaso da vida, dirigia o hotel com a mesma consciência com que, não sendo marinheiro, dirigia um navio. O resultado era que a indústria hoteleira andava aos vaivéns da sorte, impelida não se sabe para onde, sem rumo, sem uma finalidade.”5 8.1. A Sociedade Propaganda de Portugal Em 1906 criou-se a Sociedade Propaganda de Portugal (S.P.P.), sob a iniciativa de Leonildo Costa, e formada como uma “Associação Promotora do Bem do País”, constituída, de acordo com os seus anseios apresentados em carta dirigida ao director do Diário de Notícias, Alfredo da Cunha, “pela

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In Paulo Pina, “O turismo em Portugal no século XX”. Id., ibidem.

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cooperação em dinheiro, em trabalho, em influência, em ideias, em serviço, em simpatias mesmo, de todos os que se interessam pelo bem da Pátria.”6 Na sua formação, a Sociedade foi presidida honorificamente pelo Príncipe Real D. Luís Filipe (18871908). Vitimado pela luta entre regimes, sucedeu-lhe, o Conselheiro Fernando de Sousa (1855-1942) que aí esteve até 1910, passando a sucessão a Sebastião de Magalhães Lima (1851-1930), que, além de presidente da associação era também presidente do Conselho de Turismo (criado em 1911 – o que fez de Portugal um dos primeiros países a institucionalizar o turismo, a par com a Áustria e a França) e que substituiu também Leonildo Mendonça e Costa nas funções de secretário. Mas a formação da S.P.P., em 28/2/1906, só seria oficializada em 4/7 do mesmo ano, altura em que se aprovaram os quatro estatutos que a regulamentavam e que a seguir se resumem: 1 – criar receptividade junto da população (divulgação e sensibilização para a problemática turística); 2 – estabelecer uma organização elementar no terreno, interno e externo, que, em termos logísticos, fomentasse o turismo, cuidasse do património e procedesse à sua divulgação: ponto atingido sobretudo pela sua filiação internacional (1909) na Federação Franco-Hispânica dos Sindicatos de Iniciativa; 3 – formular um produto turístico português, congregando os recursos e as infra-estruturas disponíveis; 4 – promover o turismo através de projecções luminosas e de viagens educacionais (estas últimas trouxeram a Portugal, em 1913, um grupo de jornalistas britânicos, cujo objectivo último era divulgar o país). Embora Magalhães Lima tentasse manter a autonomia da Sociedade (privada) em relação ao Conselho de Turismo (público), a S.P.P. foi apropriada pela administração central. Este facto adquiriu o seu contexto nos conturbados períodos reformistas do início da República. Antes disto, realizou-se em Portugal, na Sociedade de Geografia de Lisboa, o IV Congresso do Turismo, onde se concluiu a necessidade da criação dum organismo oficial de turismo e que culminou na criação do Conselho de Turismo em 16/5/1911, integrado no Ministério do Fomento e coadjuvado pela Repartição do Turismo, com forte conotação maçónica. Como resultado, a S.P.P. foi-se desvanecendo e, já nos anos 6

Idem.

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20, a sua acção tornou-se imperceptível. Todavia, a sua função ainda se prolongou a partir da institucionalização do Conselho de Turismo. Assim, em 1917, abre em Paris um “bureau de renseigments”, que encontra na S.P.P. um parceiro ideal. Paralelamente, o governo português cooperou com este “bureau” através de comparticipação financeira (em articulação com os proventos fornecidos pela Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro) e demais acções, actuando em conjunto também com o Touring Club de França. O papel da S.P.P. fazia-se sentir, também, através das suas delegações em Londres e Bordéus. A partir dos anos da guerra, o “bureau” perdeu importância e foi substituído, em 1931, em Paris, pela Casa de Portugal, erigida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. A S.P.P. fecharia a sua importante actividade não sem antes ter recebido o honroso título de “instituição de utilidade pública” (1920); em 23/4/1921, os seus associados seriam distribuídos pelo país a fim de que, com a sua experiência, pudessem ajudar na instalação das Comissões de Iniciativa, criadas nesse mesmo dia. O Conselho de Turismo seria o responsável pelo fim da S.P.P., devido, essencialmente, à presença do mesmo presidente nos dois organismos. Sebastião de Magalhães Lima, apesar disso, mantinha a tónica no papel civilizacional do turismo e, através desta ideia de fundo, formalizou a necessidade de se criar a Repartição do Turismo, o tal órgão coadjuvante do Conselho de Turismo. A Repartição do Turismo logo demonstrou ser essencial para o tal percurso civilizacional que era necessário calcorrear. José de Ataíde foi o seu primeiro presidente (de 1911 a 1942) e lançou as bases institucionais da indústria turística portuguesa. A Repartição do Turismo tornou-se no primeiro organismo oficial do turismo português, mas não sem ter passado por vários problemas. Logo de início, havia necessidade de encontrar um edifício (que foi arrendado e, depois, mobilado com mobílias em 2ª mão, compradas na Feira da Ladra e no Mercado de S. Bento). Mas este era apenas um problemas mínimo, comparado com o que havia a fazer. Antes de mais, era necessário criar um projecto de turismo. Depois, também era preciso criar condições de acolhimento ao turista. Portugal tinha apenas a matéria-prima do turismo, havia que trabalhá-la e, a instabilidade política que se verificava, em nada abonava a imagem do país no exterior, o que ameaçava a sua aceitação como destino turístico credível para os estrangeiros. Contrariamente à inoperância do Estado, alguns trabalhos foram sendo levados a cabo, sobretudo pelas companhias energéticas (Vacuum Oil Company, que passou a denominar-se, em 1905 Colonial Oil Company, e mais tarde Mobil Portuguesa) e pelas associações de transportes (Automóvel Clube de Portugal) que, em colaboração começaram a sinalizar as estradas existentes e as localidades por onde elas passavam. Aliás, como dizia Carlos Santos, dirigente do A.C.P., para fomentar o turismo isto não chegava, eram necessárias três coisas em conjunto: boas estradas, boas comunicações e bons hotéis. 65

Em termos institucionais, algumas agruras de ordem política impediram o bom encaminhamento do Conselho do Turismo e da importante função da Repartição do Turismo. Já no início do Estado Novo (1926), a Repartição do Turismo passa para a tutela do Ministério do Interior e, em 1929, cria-se no mesmo ministério o Conselho Nacional de Turismo. Nesta data, a Repartição do Turismo passou a designar-se Repartição de Jogos e Turismo. A excessiva burocracia levou a que outros organismos se intrometessem nas funções do turismo, como por exemplo, o Secretariado da Propaganda Nacional (1933), o Ministério dos Negócios Estrangeiros, através da Comissão de Propaganda do Turismo no Estrangeiro (1930), o Conselho de Turismo (1935), além das acções da Casa de Portugal em Paris, Londres, Antuérpia e Nova Iorque, ou mesmo da Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.). Além dos organismos internos, também o A.C.P. se intrometeu e representou mesmo o país na Alliance Internationale de Tourisme, através do seu Centro de Turismo Português. 8.2. Estoril e Fátima: dois destinos turísticos de excelência Como se pôde ver, até à década de 40 muitos foram os impedimentos ao desenvolvimento turístico em Portugal. A acrescentar aos apresentados, a I Guerra Mundial e a crise de superprodução de 1929, levaram a que os povos que mais viajavam começassem a travar o turismo. Este atravessava um período difícil por toda a Europa. Mas, em Portugal, dois destinos passavam a atrair cada vez mais turistas do estrangeiro: Fátima e Estoril. Raul Proença (1884-1941), jornalista e erudito dedica-lhes especial atenção nos dois primeiros volumes do Guia de Portugal (1924 -1927) que dirigiu.7 O Estoril resultou de um projecto encomendado em 1914 por Fausto de Figueiredo a Henry Martinet e tornou-se na primeira estância turística portuguesa com projecção internacional (fama extensível à Costa do Sol, de Lisboa até Cascais). Nesta altura apenas existiam hotéis em Lisboa e, os únicos com qualidade eram apenas três: o Avenida Palace, o Metrópole e o Europa. Mas vejamos a cronologia dos acontecimentos que vivificaram esta região para o turismo: 1913 – Fausto de Figueiredo, mais o seu cunhado, Augusto Carreira de Sousa, adquire a Quinta do Viana, tornando-se concessionários das termas aí existentes; 1914 – a lei 1121 lançou os primeiros incentivos à indústria hoteleira – as obras arrancaram; 7

Além deste trabalho monumental, foi ainda autor do “Guide Bleu” sobre Portugal (1931) e dos primeiros fascículos

das “Estradas de Portugal” (1932).

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1916 – foi colocada a primeira pedra do Casino, cujo projecto é da autoria de Silva Júnior; 1918 – inauguração do novo estabelecimento termal; 1921 – surge a Comissão de Iniciativa de Cascais; 1927 – regulamentação do jogo – o Estoril é elevado a zona permanente, concessionada pelo EstorilPlage; 1930 – inauguração do Hotel Palácio; 1931 – abre o primitivo Casino do Estoril. Electrificação da linha de comboio de Cascais a Lisboa.

A 13 de Maio de 1917, a notícia da aparição de nossa Senhora aos pastorinhos de Fátima começa a propagar-se além fronteiras. Os anos que se seguiram foram de afirmação das peregrinações à Cova da Iria. Vejamos, de forma sucinta, os principais passos por que passou este destino de turismo religioso:

1920 - constrói-se uma Capelinha no local das aparições; 1922 – um atentado bombista destroi a Capela, mas, possivelmente por influência disso, as peregrinações redobram; 1928 – a 13 de Maio é colocada a primeira pedra da Basílica (de traça renascentista, projectada por Gerard Van Krieken); 30’s – instalação de um parque privativo para os autocarros que transportavam os peregrinos (construído em conjunto pelo A.C.P. e pela Royal Exchange Assurance); 1940 – o Ministério das Obras Públicas aprova o primeiro Plano de Urbanização. 8.3. As Comissões de Iniciativa

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Entretanto, em 1921, uma reforma institucional viria dar origem às Comissões de Iniciativa, que pretendiam ser delegações locais do Conselho de Turismo. Com elas inicia-se a rede de turismo local que se reflecte nos seguintes objectivos: 

proteger e defender os monumentos;



realizar inventários dos monumentos nacionais de toda a ordem e da lista de relíquias históricas, artísticas, ou simples curiosidades dignas de interesse para os viajantes;



propagandear as localidades;



fiscalizar os hotéis locais.

As Comissões de Iniciativa foram instaladas em todas as estâncias hidrológicas, praias, estâncias climatéricas, de altitude, repouso e turismo. Todavia, no seguimento da sua instalação, opiniões divergiam entre aquelas que se apelidaram de “teses tecnocráticas” e as que receberam o título de “teses bairristas” ou “amadoristas”. As primeiras eram representadas por Armando Narciso e consistiam na defesa da profissionalização do pessoal que estava à frente das comissões, de forma a ter uma devida formação; as segundas tinham Fernando Falcão Machado como principal defensor e assentavam no pressuposto que o amadorismo emprestava um maior cuidado aos trabalhadores das comissões e permitiam-lhes enaltecer a verdadeira autenticidade. Em 1934, Marcelo Caetano reorganizou o turismo local lançando o novo Código Administrativo que integrava as Comissões de Iniciativa no órgão administrativo municipal. Com isto, a autonomia das comissões deixava de existir e, por consequência, a sua própria forma institucional, que passou a ser apresentada como Pelouro Turístico (que punha em articulação as câmaras municipais e as juntas de turismo). 8.4. As praias Mas uma nova tendência nos comportamentos turísticos começava a verificar-se. Enquanto que a população em geral procurava conhecer o país percorrendo-o pelo interior, as camadas jovens passavam a preferir as praias. No sul pontificavam o Estoril, Paço de Arcos e Cascais, no centro emergia a Figueira da Foz e no norte a Póvoa de Varzim e Espinho. Estas últimas eram frequentadas sobretudo por gentes do interior, especialmente da classe média, enquanto que as outras eram 68

procuradas sobretudo pela elite (embora em menor grau aí se dirigissem outras pessoas). A fama destas praias foi também impulsionada pela construção dos casinos, que emprestava a essas áreas um ritmo de vida frenético, atraindo muitas pessoas. Esta dicotomia casino-praia toma mais importância a partir de 1927, com a legalização do jogo de azar (que se tornou num dos maiores impulsos para o turismo. Nesse ano, apenas o Estoril e a Madeira tinham casino (que adquiriram o estatuto de permanentes, enquanto que os outros, construídos mais tarde, tinham actividade temporária). Dentro destes, a referir ainda o casino da Praia da Rocha, Curia, Sintra e Viana do Castelo. Os três últimos não vingaram devido à falta de clientela. No ano seguinte à criação da lei do jogo, criou-se o Conselho de Administração de Jogos, afecto ao Ministério do Interior e apoiado pela Repartição do Turismo. 8.5. Alguns entraves ao desenvolvimento do turismo português Embora estes anos demonstrem uma evolução segura do turismo em Portugal, ainda se verificavam muitos problemas que impediam a sua valorização e expansão, essencialmente ao nível logístico. Esta falta manifestava-se sobretudo na falta de transportes, de vias de comunicação e de equipamentos de acolhimento. Os transportes dedicados ao turismo começaram por ser o comboio, cuja rede ainda não tinha adquirido o impulso que conheceu nos outros países europeus. Em 1932, organizou-se o Comboio Mistério que transportava os passageiros, ao fim de semana, por trajectos que eles desconheciam. No ano seguinte as excursões populares vieram fazer com que o passeio se tornasse extensível à família, que apenas conhecia (já desde 1928) as excursões com destino a piqueniques. As estradas acompanhavam a deficiência dos transportes de passageiros e o alojamento era quase inexistente. Em 1927 cria-se a Junta Autónoma das Estradas (J.A.E.) que reconstruiu as principais estradas, trabalho combinado com a referida sinalização levada a cabo pelo A.C.P. (fundado em 1903, no seguimento da primeira prova automobilística do país, em 1902, que ligou Figueira da Foz e Lisboa). Em 1937 construiu-se o primeiro automóvel de marca portuguesa (Edfor) na fábrica Eduardo Ferreirinha e Irmão, no Porto. Os transportes aéreos conheceram alguma evolução com a I Guerra Mundial. Os primeiros voos regulares, feitos entre Lisboa, Madrid e Sevilha, surgiram com a implantação da primeira companhia aérea portuguesa (S.A.P. – Serviços Aéreos Portugueses, centrada no Campo Internacional de Aterragem em Alverca). Em 1934 surge a Aero-Portuguesa (subsidiária da Air France) que fazia linhas regulares entre Lisboa, Tânger e Casablanca, transportando 10 passageiros de cada vez. Em 1939, Lisboa tornou-se no cais aéreo da Europa, fazendo a ligação com Nova Iorque, percorrendo o 69

caminho dos ventos (Lisboa-Açores-Cabo Verde-Guiné e Américas). Em 1946, a TWA fazia a linha NY-Lisboa-Cairo cujos aviões aterravam em terra (até então aterravam na água, o que levou a pensarse em construir-se um hidroporto no Tejo. O comboio, para ligações internacionais foi perdendo em relação ao avião, mas ainda se via o SudExpress (fundado em 1887) a fazer a ligação entre Lisboa, Madrid e Paris. Por esta altura, o turismo em Portugal estava confinado ao triângulo Lisboa-Estoril-Sintra (esta última promovida pelos romances escritos por Lord Byron, fazendo com que os estrangeiros passassem a procurá-la). Em relação ao acolhimento, Portugal, nos anos 30 tinha apenas 12 a 15 bons hotéis. Alguns deles eram mesmo excepcionais. O Palácio do Buçaco (1908) reflectia os tempos heróicos do turismo anterior à I Guerra Mundial. Os hotéis que ofereciam as melhores condições de acolhimento eram o Palace, de Vidago (1910), o Hotel de Santa Luzia, em Viana do Castelo (1921), além dos três que existiam em Lisboa, e do Grande Hotel do Porto. Para colmatar esta falha, em 1914 saiu a lei de incentivo à construção / reconstrução hoteleira e em 1917 a lei que retirou o estatuto aos hotéis sem condições dignas. 8.6. A Propaganda No Estado Novo, a Propaganda tornou-se numa importante ferramenta que, entre outras funções, promoveu o turismo e emprestou-lhe outras qualidades que não apenas o lazer. Utilizando os meios de persuasão da psicologia aplicada, próprios do marketing, aliada à possibilidade fornecida pelos meios de comunicação de massa, a propaganda foi aplicada a todo o universo do comércio e da indústria, tornando o turismo numa indústria como todas as outras. A máquina propagandista foi esboçada nos anos 30, quando se criou a Comissão de Propaganda de Portugal e a Sociedade de Propaganda de Portugal, que foi dirigida, logo em 1933, por António Ferro, o principal mentor do projecto. Agentes excelentes de propaganda do país e das suas potencialidades começaram por ser a Exposição Colonial Portuguesa (Porto, 1934) e a Exposição do Mundo Português (Lisboa, 1940). António Ferro tornar-se-ia num dos homens mais influentes do Estado Novo, ao regular os métodos de propaganda e ao representar a imagem de Portugal e do próprio salazarismo. Com a promoção da Sociedade de Propaganda Nacional a Serviço Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, António Ferro levou a cabo o seu conceito propagandístico servindo-se de três armas: a cultura, a comunicação social e o turismo.

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A sua filosofia consistia em enfatizar os recursos de cariz popular – contraposição à monumentalidade dos grandes centros artísticos internacionais. Promoveu a tipicidade das nossas aldeias e vilas e regulou-se pela noção de diferenciação (a diferença cultural, segundo ele era o verdadeiro motivo de atracção do turismo). Para António Ferro, o turismo era uma força tanto espiritual como económica. Pela sua mão, alguns acontecimentos e medidas de monta para o turismo nacional foram tomadas, como por exemplo: 

a elaboração do “Estatuto do Turismo”;



o lançamento das Pousadas Regionais (cujo modelo foram os “paraderos” espanhóis, apresentados aquando da exposição de Sevilha de 1929);



a instalação dos primeiros postos de atendimento turístico;



a edição da revista “Panorama”;



a fundação do “Verde Gaio” (ballet inspirado nas danças populares);



o apadrinhamento dos primeiros ranchos;



a defesa do património etnológico (cujo melhor testemunho foi a fundação do Museu de Arte Popular, em 1948).

A sua influência no turismo foi enorme, ele mentalizou o país para o turismo e lançou as bases modernas e indeléveis da imagem diferenciada, humana, popular e festiva do turismo português. Todavia, fruto da conjuntura mundial que apregoava a igualdade em detrimento da diferença (de que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, redigida em 1948, é o melhor exemplo), resolveu fazer uma retirada estratégica e exonerou do cargo de Secretário Nacional da Informação, Cultura, Popular e Turismo em 1950; talvez também assustado pelo surgimento das mentalidades na Europa contra os nacionalismos, cuja morte de Mussolini, a quem fez uma entrevista, representou para ele um sério aviso. 8.7. A corrupção dos costumes

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Enquanto isso, Portugal, como país neutro, durante a II Guerra Mundial, passava a constituir um refúgio seguro para aqueles que fugiam às perseguições nazis e ao clima de instabilidade social e política que grassava na Europa. O país estava polvilhado com campos de refugiados, situados em antigas zonas de veraneio. A chegada de estrangeiros era constante e, com eles, chegava também uma mentalidade diferente, que demonstrava as novas atitudes perante o lazer que se tinham além Pirenéus. Esta chegada de novos costumes, assentes em novos valores sociais, punha em risco a moralidade portuguesa e o integralismo proferido por Salazar. Para evitar a corrupção dos costumes, várias leis foram lavradas; algumas delas bastante curiosas. A preocupação do governo tinha sobretudo a ver com as novas modas trazidas sobretudo pelas mulheres, principalmente jovens. Elas trouxeram a moda do cabelo à refugiada (rabo de cavalo) e do vestido à refugiada (tipo túnica, sem feitio e que deixava os braços descobertos). Como modo de evitar choques com a moralidade lusa, o governo impôs multas para as mulheres que, na praia, usassem fatos de banho com menos de metro e meio de tecido a cobrir as costas. Estas multas obrigavam os cabos de mar a estar atentos, passando multas logo que descobriam transgressões. Paulo Pina refere que as raparigas diziam aos cabos que não tinham roupa que vestir e, com a sua tristeza, conseguiam convencê-los... As mesmas questões foram alargadas aos homens, que, como as mulheres, tinham que usar fatos de banho de uma só peça, quase até ao pescoço, com alças e com pelo menos 25 centímetros de perna, sobre as quais teria que haver uma espécie de saia com o mesmo comprimento. As queixas dos homens não se fizeram esperar, sobretudo por causa das “saias” e das alças, (estas últimas, alegavam, prendiam os movimentos quando nadavam). 8.8. As Pousadas Como vimos, António Ferro já tinha promulgado as pousadas regionais, mas foi Duarte Pacheco que, em 1942, iniciou a sua proliferação. A filosofia destes equipamentos manteve-se, todavia, inalterada, i. e., fornecer aos turistas o contacto com o rústico e o culturalmente diferente, cultivando-se, assim, uma espécie de pedagogia oficial do turismo. Esta pedagogia passava também pela dotação das regiões com equipamentos hoteleiros de qualidade pelo que, nesse mesmo ano, a Sociedade de Propaganda Nacional criou Brigadas de Hotéis que tinham como objectivo inspeccionar as condições dos hotéis existentes e ajudar à sua reconstrução, dando orientações de forma que os aspectos principais (serviço, conforto e decoração) fossem salvaguardados. 8.9. O Campismo 72

Em 1908 fez-se o primeiro acampamento português na Serra do Gerês. Este acontecimento seria mais tarde acompanhado pelo movimento “boy-scout” de Baden-Powell. Logo em 1911, esse movimento foi instaurado em Macau, acontecendo o mesmo, na metrópole, em 1912. Contudo, a falta de hábitos gimnodesportivos na generalidade da população, tornou difícil a sua divulgação. Como forma de contorno deste problema, havia que educar a população para a vida saudável ao ar livre, que Mendes de Moura defende, num artigo publicado na Colecção Cosmos, em 1946. Mas... vejamos algumas datas importantes sobre os primeiros anos da história deste movimento, que passou pela operação inicial de separar o escutismo do campismo. 1923 – contraposição do Corpo Nacional de Escutas ao escutismo original de Baden-Powell, apadrinhada pela Igreja; 1936 – o Estado Novo forma o movimento Mocidade Portuguesa e estipula o 1º de Dezembro como o dia da festa anual do movimento. A escolha desta data desde logo empresta à Mocidade um carácter político e denuncia a presença de facções políticas nas suas fileiras (um pouco à imagem da Résistence francesa, que se camuflou através do escutismo); 1938 – nasce o Clube Português de Campismo, fundado Caetano Beirão da Veiga; 1940 – I Congresso Português de Campismo (em Belas), onde se procura fazer a destrinça entre o campismo e a acção da Mocidade Portuguesa; 1941 – Nasce o Clube Nacional de Campismo. Esta nova organização continua agregada ao Ministério de Educação Nacional através da Direcção Geral de Educação Física, Desporto e Saúde Escolar (onde se mantém até 1966, quando transita para o Comissariado do Turismo, dependente do Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo); 1942 – nasce a revista “Campismo” como órgão oficial de divulgação do Clube. Faz-se a primeira Exposição Portuguesa de Campismo, no Ateneu Comercial de Lisboa; 1943 – publica-se a primeira edição do Guia Campista de Portugal; 1944 – é aprovado o Regulamento para Acampamento nas Matas e Propriedades do Estado, não estando o governo de total acordo, bem como a Direcção Geral de Florestas. Os impedimentos foram 73

ao ponto de se exigir uma Carta de Campista e de se determinar um período máximo de acampamento de quinze dias; 1945 – cria-se a Federação Portuguesa de Campismo formada pelas Associações Distritais – com carácter mais político que organizativo – gerida por uma Comissão Administrativa pública. Desmantelamento do Clube Nacional de Campismo; 1946 – é lançada uma cadeia de acampamentos populares. O alargamento do campismo torna-se dependente de dois factores: o fim-de-semana e as férias pagos e a elevação do poder de compra; 1948 – gera-se a fobia pelo campismo devido à carga política da Federação Nacional de Campismo; 1949 – inaugura-se o primeiro Parque de Campismo (Parque de S. Gonçalo, em Carcavelos). Acaba-se com o uniforme de campista.

9. Os transportes8 Os transportes desempenham um papel fundamental no turismo. Pensar este sem aqueles é praticamente impossível, sobretudo tendo-se em conta o contexto histórico em que se incrementam as migrações humanas, devido a todo um conjunto de factores que derivam da evolução industrial que pautou especialmente as primeiras cinco décadas do século XX, tempo em que, em Portugal, se assiste a um rápido desenvolvimento das ideias e dos comportamentos relacionados com o turismo. 9.1. Os transportes rodoviários Os transportes rodoviários desempenharam, no nosso país, um papel preponderante no que concerne à sua capacidade de atracção da população para a viagem. A confirmar pelos documentos, desde 1903 que se conhecem os corsos carnavalescos em Portugal. O primeiro teve lugar precisamente nessa data, no Porto, e foi organizado pelo Clube Fenianos. Além Este ponto tem como objectivo apresentar apenas a situação das redes de transportes nacionais nos anos iniciais do surto turístico no nosso país. Não pretendo explorar pormenorizadamente este assunto, não só porque ele se enquadra mais no âmbito da geografia, mas também porque os alunos de turismo têm uma disciplina cuja finalidade é estudar precisamente a evolução dos transportes. 8

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dessa aplicação iminentemente turística, os transportes rodoviários foram utilizados nas excursões durante a década de 20, quando esse tipo de turismo se afirmava no nosso país; mas foi em 1935, com o lançamento das Colónias de Férias (feito pela organização sindical controlada pela Federação Nacional para a Alegria no Trabalho) que os mesmos se desenvolveram especialmente no plano particular do turismo. Com o nascimento da Colónia de Férias da Costa da Caparica, em 1938, as excursões, antes esporádicas, tornaram-se sazonais. Este arranque serviria de impulso ao crescente movimento em direcção às colónias que foram proliferando a partir daí. Mas, a crise dos combustíveis, provocada pela guerra (que eclodiu um ano após), impediu o incremento dos transportes rodoviários, que tinham que usar gasogénio, tornando-se pesados e desconfortáveis. Apesar dessa contrariedade (e talvez por causa disso), o movimento campista de vocação pedestre intensificou-se e, as pessoas foram-se avolumando e adoptando este novo tipo de turismo, ao ponto de se ter elaborado o “Hino do Campista” (1946), como forma de consolidação desta forma turística. Todavia, novos eventos viriam estimular o desenvolvimento dos transportes em Portugal, que começaram a ser solicitados cada vez mais por cada vez maior número de pessoas que já não se contentavam em passar os seus tempos livres em casa. 9.2. Os transportes ferroviários O comboio conheceu, nesta altura, o seu maior desenvolvimento até então. Com a Exposição do Mundo Português (1940) inaugurou-se o “Flecha de Prata”, comboio que ligava Lisboa ao Porto. Como forma de atrair mais passageiros, as estações embelezaram-se e foi criado o Concurso Nacional de Estações Floridas (1941). Em 1943 nasceu o Lusitânia-Expresso que ligava Lisboa e Madrid e que veio suprir a irregularidade que o Sud-Express manifestava nestes anos de guerra. Em 1945, os Caminhos-de-Ferro Portugueses (CP) adquiriram o monopólio da rede ferroviária portuguesa, até então distribuída por várias companhias. E, no ano seguinte, finalmente, a Companhia livrava-se dos tradicionais credores, conseguindo acumular lucros e manter-se a laborar a bom ritmo. Facto decisivo para tal sucesso foi a regulamentação das agências de viagens, em 1947, criando assim pontos de angariação de clientela e de aproximação dos transportes - e de outros serviços ligados ao turismo – às pessoas. Como consequência daquela acção decisiva, em 1948, os circuitos turísticos 75

foram entregues às agências de viagens com o objectivo de os explorarem e melhorarem. Neste mesmo ano, aproveitando-se o dinheiro proveniente do Plano Marshall, dotou-se a CP com locomotivas diesel. Os anos áureos do comboio tenderiam, contudo, a desaparecer, embora o aumento da clientela continuasse a afirmar-se. Todavia, devido aos constrangimentos de ordem política, as ajudas económicas fornecidas por aquele plano foram diminuindo, devido sobretudo ao facto de uma das exigências fundamentais da continuidade da ajuda, por parte dos Estados Unidos, ser a democratização do regime político português, condição que Salazar não tinha muita vontade de cumprir. Tendo-se fechado a torneira do dinheiro, a rede ferroviária portuguesa foi perdendo gradualmente a sua importância (uma outra causa que não podemos negligenciar foi a rápida evolução do automóvel, que substituiu grandemente o comboio, devido sobretudo à sua maior mobilidade). A partir desta altura, a rede ferroviária portuguesa degradou-se, sobretudo à falta de investimento que se fez neste tipo de transporte, contrariamente ao que se tem passado noutros países europeus, onde o comboio representa uma alternativa bastante válida ao transporte rodoviário e mesmo aéreo. 9.3. Os transportes marítimos Em 1916 formou-se a companhia Transportes Marítimos do Estado, através do aproveitamento da apropriação de 72 navios alemães que estavam nos portos portugueses. Todavia, esta companhia abriu falência em 1926. Em 1945 elaborou-se o Plano de Renovação da Marinha Mercante, passando pela construção de 69 navios. Nos anos que se seguiram construíram-se quatro paquetes que trouxeram a paixão pelos cruzeiros. Assim, em 1952 surgiu o Vera Cruz, em 1953, o Santa Maria e, em 1961, o Infante D. Henrique e o Funchal. 9.4. Os transportes aéreos Já se apresentou sucintamente a evolução deste meio de transporte, mas os anos finais da II Guerra Mundial foram importantes para o desenvolvimento das companhias aéreas portuguesas. Em 1944 surgiu o Secretariado de Aeronáutica Civil com o objectivo de criar linhas regulares e explorar as carreiras com interesse nacional, tarefa concretizada por intermédio de um serviço especial: os Transportes Aéreos Portugueses (TAP). No ano seguinte formou-se a Companhia de Transportes Aéreos (CAP), uma empresa animada por Carlos Bleck e que tinha o objectivo de fazer a ligação diária entre Lisboa e Porto. Apesar de tudo, abriu falência dois anos depois.

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Como se alertou no início deste ponto, os transportes constituíram um factor importante de desenvolvimento do turismo. Todavia, não é fácil descobrir quais as formas sociais que decorrem da evolução dos transportes paralelamente à evolução do turismo. A dificuldade reside em saber qual das dimensões foi responsável pelo incremento da outra. Por um lado, parece-nos lógico que os transportes se tenham desenvolvido mais rapidamente devido à necessidade que a sociedade tinha deles, considerando que a “camada” populacional turística exerceu nesse aspecto um importante papel; por outro lado, o desenvolvimento dos transportes também pode servir de estímulo ao turismo. Independentemente das dúvidas que surgem sobre a posição de cada um dos pólos no todo transporte-turismo, é um facto que a revolução dos transportes não pode dissociar-se da revolução industrial que, como vimos, desempenhou uma função central na massificação do turismo. A conclusão mais pacífica a retirar deste dilema passa pela concordância de que os transportes e o turismo evoluíram lado a lado. Esta conclusão torna-se relevante quando adquirimos uma panorâmica geral do desenvolvimento do binómio transporte-turismo no contexto social e histórico português. De facto, um aspecto e outro caminharam entrelaçados no nosso país. Como referiu Ribeiro da Cunha, o turismo e os transportes estavam intimamente ligados e, só um apuramento do conceito de turista permitiria separar os dois aspectos. 10. Raízes e folclore Paralelamente a estes anos de desenvolvimento dos transportes, o turismo continuou o seu caminho, agora tonificado por essa realidade. Novos conceitos viriam a torná-lo mais apetecível, na procura incessante de fornecer novos produtos aos turistas. O “reportuguesamento de Portugal”, animado pelo integralismo lusitano do Estado Novo, viria a enriquecer mais a oferta turística. Os grupos folclóricos, já alvo da atenção de António Ferro, proliferaram a olhos vistos e passaram a ser apoiados pelas Casas do Povo, formadas em 1933. A par disto, surgiu o concurso da Aldeia mais Portuguesa. Já em 1936, Lisboa foi palco de um grandioso Cortejo Folclórico, que se apresentou como um motivo de atracção e curiosidade para todos os estrangeiros que lá estavam. O folclore continuou a ser uma aposta do Estado Novo que, em 1947, apadrinhou o I Concurso Nacional de Ranchos Folclóricos, valorizado por um cortejo histórico e por um Desfile da Gente do Mar. Estes vários eventos trouxeram uma preocupação a António Ferro: o risco da profissionalização daquilo de deveria mostrar-se na sua forma mais pura, espontânea e simples. De acordo com as suas ideias, o turista era um esfomeado de pitoresco, um caçador de coisas diferentes, de novas sensações e visões, por isso deveria dar-se-lhes uma imagem autêntica da relatividade cultural que compunha o 77

povo português. A sua preocupação viria a fornecer o mote do desenvolvimento do turismo português. Urgia valorizar o património cultural do povo e apresentá-lo como cartão de visita aos estrangeiros, atraindo-os através da oferta de condições que apareciam já noutros países europeus, embora, neste campo, a filosofia de base do turismo em Portugal fosse bastante sofisticada e aplaudida pelos países que comungavam das mesmas necessidades de atrair divisas estrangeiras. 11. A explosão do turismo A década de 50 revelou-se particularmente profícua para o turismo português. A crise no sector, que se anunciara em 1949, devia-se à falta das estruturas necessárias para desenvolver a oferta turística. Mesmo ainda em 1950, o turismo denotava a falta de um plano eficaz, a falta de organização dos serviços de turismo, deficiências estruturais e de equipamentos, um inadequado parque hoteleiro e elevadas taxas de entrada em Portugal.9 Mas, a partir dos meados desta década, surge o estatuto do turismo e criam-se as Regiões de Turismo (acrescentadas às comissões municipais e juntas de turismo), como forma de tornar mais efectiva a auscultação das necessidades turísticas locais e de preservar o património natural e cultural. Nestes anos cria-se também o primeiro curso de formação em hotelaria. O auge desta nova atitude foi atingida em 23/12/1954, com a criação da lei hoteleira, que formalizou a utilidade do turismo e criou medidas práticas para a comprovar. Como resultado, em 1957, instalaramse as Escolas Profissionais de Indústria Hoteleira. Comprovando a ideia de Dumazedier, segundo a qual, a sociedade do labor foi, a este tempo, substituída pela sociedade do lazer, Marcelo Caetano resolveu reformar o turismo. Este, anteriormente cultural e repousante, torna-se agora desportivo e movimentado, por via do rebaixamento etário e classista da população que procurava as várias formas de lazer reconhecidas pelo Estado. Sem restrições na época e na duração, o turismo torna-se sazonal e breve. Antes era caracterizado pelos destinos tradicionais, agora atomiza-se. Antes era pouco diversificado, agora é caleidoscópico, que só tem como limites a capacidade inventiva da oferta. Com isto, a indústria hoteleira destacou-se do governo. A publicidade das coisas existentes transformou-se em criação, trabalhada pelo marketing. Surgiu o operador turístico, produtor e

Nessa altura, Portugal era conhecido na Europa como o país que mais massacrava as pessoas com taxas desnecessárias, como por exemplo, a necessidade de se possuir uma licença para o uso de isqueiro. 9

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fomentador de férias organizadas. Este marketing estagnou após o 25 de Abril, e só ressuscitou já à beira dos anos 80. Em 1979 fez-se a I Feira Profissional do Turismo (Mediatour). Mas, foi o início da nova década que se afirmou como o ponto de viragem da estagnação anterior. Desenvolveu-se uma nova estratégia, promulgada pelo Instituto de Promoção Turística, baseada na qualidade. Em 1986 foram aprovadas as Bases Essenciais do Plano Nacional de Turismo, onde pontificavam as prioridades da formação profissional e da qualidade. Estas medidas constituiriam os alicerces do turismo português tal qual hoje existe. A importância desta estratégia revelou-se simplesmente primordial, de tal forma que Portugal não perdeu tempo a valorizar uma das áreas turísticas mais procuradas do mundo: o Algarve. 11.1. O Algarve Historicamente, a região do Algarve, estava separada do resto do país. Isto verifica-se não apenas na introdução dos documentos reais (“Reino de Portugal e dos Algarves”), mas também no seu quase total isolamento geográfico. Encontrava-se longe da área mais dinâmica do país e, para aqui chegar, era necessário atravessar a extensa planície do Alentejo, que parecia representar uma espécie de corte com o resto do país, quase como um deserto situado entre Lisboa (o centro) e o Algarve (a periferia). Da mesma forma, a sua separação do Alentejo feita pelas serras de Espinhaço de Cão, de Monchique e do Caldeirão, permanecia como uma espécie de obstáculo intransponível nos primeiros anos do desenvolvimento dos transportes. Dizia-se que era “uma ilha rodeada por mar de dois lados”. Além disso, faltavam monumentos de monta que atraíssem a população do resto do país. Apesar disso, tinha as Caldas de Monchique, a praia de Monte Gordo e a praia da Rocha (que vira, entretanto, ser encerrado o casino) que eram destinos turísticos tradicionais. Mas a sua história turística iria mudar, a tal ponto que se iria tornar num filão precioso para o desenvolvimento turístico, sobretudo devido ao seu clima temperado. Em termos cronológicos, as principais transformações com repercussão no turismo resumem-se da seguinte forma: 1889 – ligação, por caminho-de-ferro, de Lisboa até Vila Real de Santo António; 1906 – primeira comemoração do corso carnavalesco de Loulé; 1918 – primeiro hotel (Grande Hotel de Faro);

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1923 – Hotel Guadiana de Vila Real de Santo António; 1925 – primeiras carreiras regulares de camionetas; 1927 – primeiro campo de golfe (Praia da Rocha); 1933 – ligação por rodovia ao resto do país e pelas principais localidades da região. Fundação da EVA (Empresa de Viação do Algarve); 1934 – primeira excursão às amendoeiras em flor (1º cartaz turístico do Algarve); 1936 – abertura do Hotel Bela Vista (Praia da Rocha), considerado o paraíso dos pobres; 1944 – inauguração da Pousada de S. Brás de Alportel; 1947 – primeiro roteiro turístico do Algarve; Anos 50 – afluência de muitos estrangeiros atraídos pelas estâncias balneares; _ a febre da década de 50 provoca a desorganização urbanística e faz empolar o preço dos terrenos António Aleixo descreve o processo de urbanização do Algarve da seguinte forma:

Vinho que vai p’ra vinagre Não retrocede o caminho Só por obra de milagre Pode de novo ser vinho.

1960 – fundação do Hotel Vasco da Gama (Monte Gordo); 1965 – inauguração do Aeroporto Turístico do Algarve (Faro); – entra em curso o Plano de Ordenamento do Algarve (solicitado pela Direcção Geral dos Serviços de Urbanização e concebido por Luigi Dodi);

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1969 – retoma da autorização do jogo no Algarve; 1970 – nascem alguns dos casinos do Algarve: Alvor, Vilamoura e Montechoro; 1970 – fundação da Região de Turismo do Algarve (RTA). A partir daqui, o turismo na região integrou-se nas políticas dedicadas ao turismo nacional, que apresentámos nos pontos anteriores. O facto de termos aqui valorizado o turismo na região do Algarve deve-se a duas razões principais: uma é o facto de, como temos vindo a advertir, o principal público são os estudantes da Universidade do Algarve e/ou outras instituições da região que ministrem o curso de Turismo; outra deve-se à importância referencial que a região do Algarve detém no âmbito do turismo em Portugal. Poderíamos, é certo, apresentar outras potencialidades turísticas do nosso país, algumas delas agora emergentes e outras já consagradas. Todavia, tal assunto, a ser levado com seriedade, implicaria um imenso trabalho de compilação e de investigação de campo que, repita-se, em pouco contribuiria para que este livro atingisse os objectivos a que se propôs. Reconhecemos, obviamente, a importância turística do nosso país, cada vez mais sedimentada. Reconhecemos também que praticamente, em sociologia, é impossível não considerar seja que região for como uma potencial área turística. A especialização de Portugal nas actividades turísticas é legitimada pelo quadro institucional da União Europeia, que concede a este país a especialização económica na área do turismo. Este aspecto é uma prova concreta da importância turística que temos vindo a adquirir e que conquistámos custosamente. Não é de descurar o facto de os sectores económicos mais florescentes e que mais competitividade possuem no quadro europeu estarem relacionados com o turismo. Não é, portanto, estranho, neste contexto, que a região do Algarve seja o motor do sistema turístico em Portugal. Razão mais válida do que esta para justificarmos a selecção desta região nesta obra, parece-nos, por isso, difícil de encontrar.

12. Turismo e futuro: como prever? Nos últimos tempos, a tendência tem sido para que o turismo se torne uma actividade social autónoma das outras estruturas sociais. Os destinos exclusivos foram apanhados pelo turismo de massas. Os pacotes turísticos, emergentes nos anos 60 e 70, estão a ser substituídos por uma perspectiva mais individual do turismo, com férias baseadas em interesses especiais e com base no auto-suprimento.

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Pensa-se mesmo que o turismo tende a modificar-se substancialmente no futuro. Além dos novos destinos possíveis (quando o homem se familiarizar com todos os destinos possíveis no mundo procurará outros, mesmo fora do planeta), surgem novas modalidades de aproveitamento do tempo livre (os malefícios comprovados pela exposição à luz solar podem fazer regredir a importância das praias no turismo do futuro), ou mesmo formas virtuais de percorrer outros locais muito diferentes dos que estamos habituados a visitar (exemplo disso, temos o avanço tecnológico, que constrói realidades alternativas ou virtuais através dum profundo conhecimento e entendimento das verdadeiras necessidades do homem no que se refere ao escape). Apesar de todas as alterações, um aspecto do turismo tradicional tende a manter-se: o de ver o turismo não como um privilégio, mas sim como um direito a que todos devem ter acesso, independentemente das suas riquezas, raças ou formações ideológicas.

RESUMINDO... Em suma, e de acordo com Michaud (1992), a evolução social do turismo moderno distingue-se em três épocas maiores: 

a elitista (do “Grand Tour” até à II Guerra Mundial) – em que o turismo é fundado numa

exploração directa dos locais pelo viajante (cujo destino seria o campo), que é acompanhada pelo grande desenvolvimento das empresas de transportes e que se caracteriza pela lenta adaptação entre a procura e a oferta turísticas, num contexto parecido ao da economia de colheita: abundância e disponibilidade dos recursos naturais, pouco organizados, espontâneos, e quantitativamente compatíveis com a manutenção do equilíbrio ecológico. Os custos ambientais não eram tidos em conta; 

a grupista e transformista: em que se assiste ao desenvolvimento das formas integradas de

turismo, consequência de uma concorrência interna no sector (companhias aéreas, hotelaria,...). Nascimento de grupos multinacionais ou transnacionais, esforços de diversificação ou concentração operadas pelas empresas já presentes no mercado e construção de filiais especializadas em actividades do sector; 

a exigente e narcísica: em que se aposta na diferenciação que resulta não só duma reacção da

clientela mais familiarizada com o turismo, face à uniformização das práticas e dos locais de férias, mas também da tendência mais geral, nas sociedades industriais, à individualização das escolhas. 82

Finalmente, o mesmo autor apresenta as razões pelas quais o turismo será uma das principais actividades no futuro: 

é particularmente permeável à inovação cultural e social;



é, simultaneamente, submetido às variações das relações políticas e sociais internacionais;



é também um domínio privilegiado para aplicar as tecnologias de ponta;



sinal das actividades em forte desenvolvimento, os produtos turísticos são cada vez mais rapidamente obsoletos;



o mercado turístico internacionaliza-se rapidamente e a geografia da sua produção, que se sobrepõe à do consumo, é particularmente móvel;



a produção turística comporta uma forte mais-valia;



ela implica qualificações cada vez mais elevadas num contexto de concorrência internacional crescente;



o seu consumo requer um ambiente protegido e de qualidade;



o turismo é dotado de um potencial de expansão considerável que autoriza perspectivas de crescimento superiores às do conjunto da economia e do sector dos serviços;



os valores do turismo aparecem como uma garantia para o investimento arquitectural e urbanístico que oferece um quadro favorável à inovação cultural, social e tecnológica;



fomenta a inter e a transculturalidade;



é um dos princípios gerais da acção humana, na descoberta do Outro e na de si mesmo;



promove a tolerância pela diferença.

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LIÇÃO 3

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TURISMOS E TURISTAS

1. Turismo e Viagem – uma comparação indispensável Vários foram os sociólogos que se debruçaram sobre o turismo e seus tipos. Esta preocupação obrigava, desde o início, a definir o próprio conceito de turismo num plano moderno de modo a que os elementos nele envolvidos fossem passíveis de estudos objectivos, evitando-se, dessa forma, uma análise ambígua. Mais, uma definição de turismo capaz teria que partir duma definição inequívoca do próprio turista, o principal elemento responsável pela visibilidade do fenómeno e sobre o qual reflectem todos os elementos que constituem a actividade turística. Desde logo, a principal dificuldade em atingir estas definições foi adquirir-se uma divisão séria e objectiva entre, turismo e viagem, por um lado, e turista e viajante, por outro. O primeiro estudioso a operar uma definição nestes trâmites foi Samuel Pegge, já em 1800. Para ele, turismo e viagem eram a mesma coisa; partia do princípio que qualquer destaque entre o turista e viajante não corresponderia à realidade. Assim, o turista seria uma pessoa que viajaria. Todavia, à medida que o debate avançava, começaram-se a verificar diferenças entre estes dois “personagens”. “Turista” e “viajante” revelaram ser definições diferentes. Este foi um dos pressupostos de que partiu Buzard (1993) para estabelecer a sua dicotomia. De acordo com esse trabalho, o “viajante” seria alguém que se encontraria em viagem por um período de tempo prolongado, viajando, provavelmente de mochila às costas e com um orçamento limitado. A sua acção conotaria um espírito de liberdade, aventura e individualismo. Em contrapartida, o “turista” seria um conceito frequentemente utilizado num sentido pejorativo para descrever aqueles que tomam parte no turismo de massas e que beneficiam de toda uma gama de actividades e benefícios (“packages”). Como bem observou Sharpley, esta dicotomia partia do critério de que o turista era produzido de acordo com a sociedade de onde ele seria originário, destituindo de significado a sua interpretação por parte da sociedade ou cultura que o recebe. Sharpley verifica também que o conceito “turista” normalmente é aplicado a um tão vasto número de indivíduos, que pertencem a uma tão larga variedade de condições sociais, e com motivações tão diversas, que corre o risco de se tornar num conceito colectivo, aplicado a uma acção visível apenas na sua forma. Uma das deficiências desta noção é o desprezo por variantes tão importantes como a duração e o tipo de férias, as características demográficas, sociais, psicológicas, sexuais, os objectivos da viagem, etc. No entender deste autor, um primeiro trabalho a fazer seria distinguir os turistas, 85

classificá-los, principalmente a partir dos seus comportamentos e/ou papéis. Este trabalho deveria ser feito de acordo com os tipos e funções turísticas determinados pela sociedade. Em virtude desta determinação, a sociedade parece operar uma primeira classificação – a de “bons turistas” (defendida por Wood e House, 1991) e a de “pós-turistas” (apresentada por Feifer, 1985; e Urry, 1988 e 1990 a). Contudo, não se pode passar para uma classificação do turista sem se saber o que ele é. Partindo da dicotomia apresentada inicialmente por Buzard, e explorando-a, descobre-se que, inicialmente, “turista” era todo aquele que fazia turismo, normalmente com o propósito do prazer ou do ócio. Esta definição “neutra” do turista corria o risco de confundir a própria viagem com o turismo. Assim, desde o início do século XIX que se pretendeu clarificar a noção de turista (em relação a viajante) e de turismo (em relação a viagem). Desde logo apareceram definições que valorizavam diferentemente cada uma das actividades desenvolvidas pelas pessoas em causa (estando elas em viagem ou em turismo). O turista seria mais aquele que se associava a formas maciças de viagem e que tinha uma mentalidade particular acerca da mesma. A tal valorização desigual feita do turista e do viajante opôlos principalmente de acordo com o sentido do seu aproveitamento da realidade vivida através da viagem. Assim, Rojek (1993) distinguiu o viajante como aquele que agia sozinho e que era dirigido pela sua coragem com vista à aventura e sem medo do risco que corria, denotando uma atitude cultural superior, enquanto que o turista procurava sobretudo a facilidade proporcionada pelo conforto oferecido pelos operadores turísticos, organizando-se de forma colectiva, demonstrando com isso uma atitude cultural inferior – ou “vulgar”, como diria Henry James (1869). Numa coisa estavam estes autores de acordo, o turista pertencia à baixa cultura enquanto o viajante pertencia à alta. John Ruskin (séc. XVIII), partilhando da nostalgia da desvirtuação da viagem, apontava como principal culpado disso o avanço tecnológico, principalmente o desenvolvimento do comboio, que trouxe a perda do verdadeiro sentido da viagem. Na sua perspectiva, o comboio mudou o homem de viajante para encomenda viva. Mas, como o demonstrou Sharpley, o avanço tecnológico é relativo e não pode ser responsável por essa presumível perda de valor da viagem, visto que, nos finais do séc. XX, por oposição, por exemplo, ao avião supersónico, o comboio é visto como uma espécie de retorno à verdadeira viagem. Por sua vez, Boorstin defendia que a “arte de viajar” tinha entrado em declínio devido à ascensão do turismo de massas. Este fenómeno fez com que o viajante, que se empenhava na viagem como de um trabalho se tratasse,

era activo, buscava pessoas, aventura e experiência,

enquanto que o turista procurava prazer, era passivo, esperava que coisas interessantes lhe acontecessem e que tudo lhe fosse feito. Jost Krippendorf (1989), apologista de um “turismo humano” não distingue viagem de turismo, mas diz que o turismo deve obedecer às expectativas concentradas pelo turista na viagem, a saber, descansar, refazer-se, compensar faltas e facilitar a sua integração social, fugir (escapar), comunicar, alargar o próprio horizonte, ser livre e autónomo, partir à descoberta de si mesmo e, por último, ser feliz. Uma visão complementar do turismo foi dada pela 86

antropologia que, segundo Lett (1989), apresentou duas visões complementares do turismo. Uma é representada por Graburn, que diz que o turismo é um ritual secular que, nas sociedades modernas, cumpre funções relativas ao campo sagrado; outra é representada por Nash, que vê o turismo sobretudo como um fenómeno que se reflecte nos efeitos económicos e políticos representados pelo desenvolvimento que o movimento da população implicada nele tem. Já Valene Smith (1989 [1977]) define o turista como uma pessoa em actividade temporária de lazer que voluntariamente visita um lugar diferente da área onde reside com o propósito de experimentar uma mudança. Ainda para ela, o turismo implica, obrigatoriamente, três factores: um tempo de lazer, entradas discricionárias (dinheiro que não é necessário para aquisição de bens essenciais) e sanções sociais positivas (compensações procuradas).

Em termos gerais, a viagem caracteriza-se por estar associada à aventura e à experiência autêntica, proporcionando ao indivíduo o sabor da auto-descoberta, fazendo, os viajantes, as suas próprias escolhas. Em termos gerais também, o turismo funciona por antecipação e regula-se pela aquisição de um serviço, através de um pré-pagamento e que se reveste da procura do conforto e pretende evitar surpresas (previsibilidade) sendo, os turistas, objectos das decisões de outrém. Posto isto, a actividade dos viajantes é considerada mais pura que a dos turistas porque não envolve preocupações de classe, saúde, educação, idade, nacionalidade e outras distinções sociais. Em contrapartida, dentro do turismo operam-se distinções: de destino (quanto mais caro melhor qualidade e aproveitamento), de nacionalidade, de tipo de transporte, criam-se classes de viagem e a distinção entre o mais turista e o menos turista (arrogância social). Em relação à dicotomia operada entre turismo/turista e viagem/viajante, Sharpley diz que: _ a arte de viajar ainda não se perdeu, tem apenas sido ultrapassada pela tecnologia moderna (especialmente a forma tradicional de viagem). A informação e os seus meios de propagação revestem a viagem de aspectos similares ao turismo; _ ao invés de significar uma harmonia e compreensão, o turismo serve para destacar as diferenças sociais e os conflitos. Diferentes modos de viajar, diferentes classes de acomodações, destinos diferentes e até as diferenças entre os que são ou não capazes de participar em viagens ou em turismo não são mais do que o reflexo de uma grande diferenciação e estratificação social;

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_ não se pode separar a viagem do turismo: nem todos os viajantes são turistas, mas todos os turistas são, por definição, viajantes; _ ao procurarmos uma diferenciação entre o viajante e o turista, as caracterizações de cada um emergem. O termo “turista”, em particular, tem sido associado ao sentido pejorativo de “turismo de massas” (termo exageradamente usado e mal entendido) e aqueles que usam este conceito não olham à enorme variedade de motivações, experiências e comportamentos dos diferentes turistas. Similarmente, também não existe um único tipo de viajante. Um viajante é, simplesmente, um tipo de turista. Todavia, uma tipologia capaz dentro da sociologia do turismo (a ser possível) terá que prever o mesmo tipo de análise tanto no que se refere ao turismo como no que se refere ao turista. O ponto seguinte apresenta algumas teorias do turismo que têm sido debatidas e adquiriram alguma consagração tanto no discurso sociológico como no antropológico.

2. Tipologias do turismo A primeira tipologia do turismo foi apresentada por Gray (1970). A sua categorização foi elaborada com base nos objectivos da viagem enquadrada no turismo. Consequentemente, ele definiu dois tipos de turismo: o “sunlust”, definido pelos três “esses” (sun, sea e sand), tipo de turismo motivado pelo lazer e pelo relaxe; e o “wanderlust” motivado pelo desejo de viagem e de conhecer diferentes povos e culturas. Apesar de pioneiro, este estudo peca pela sua perspectiva redutivista.

2.1. Tipologia de Valene Smith Por sua vez, Valene Smith apresenta-nos uma tipologia do turismo que muito completa a de Gray, procurando estudar os vários tipos de turismo de acordo tanto com os destinos possíveis como com as motivações ou expectativas de base que movem os turistas. Ele distingue cinco tipos de turismo: a) étnico: entendido como a oferta de costumes indígenas e povos exóticos. As visitas incluem a familiarização com as casa e aldeias nativas, a observação de danças e cerimónias e compra de artigos indígenas. Normalmente, as visitas fazem-se em pequenos grupos que são motivados essencialmente

88

pela curiosidade e pela atitude elitista. Como os grupos são pequenos e esporádicos, o impacto anfitrião-hóspede é mínimo; b) cultural: caracterizado pelo pitoresco ou “cor local” [cf. local color], tomado, na memória humana, como os “estilos antigos” das casas, as produções domésticas, as ferramentas arcaicas e a presença de animais, bem como os passeios com estes. As actividades incluem refeições em zonas rústicas, comemorações folclóricas, festivais de costumes, ou rodeos (oeste americano). É a valorização da cultura camponesa. O impacto anfitrião-hóspede é máximo, visto que há intromissão na vida normal das comunidades, que se tornam objectos de estudo intensivo por parte dos turistas; c) histórico: caracteriza-se pela presença de circuitos tipo museus-catedrais que pretendem tomar como objecto de motivação as glórias do passado. Tende a atrair visitantes orientados pela procura de educação. Os alvos são normalmente as cidades. Os contactos anfitrião-hóspede são impessoais e destacados, e primariamente económicos, e não sociais; d) ambiental: semelhante ao turismo étnico. O turista é atraído pelas áreas remotas para aí experimentar coisas diferentes. O turista é elitista. Inscreve a sua atitude sob a importância dado ao plano geográfico. Os turistas são orientados educacionalmente para a observação das relações entre o homem e o meio. Procuram-se, portanto, as formas de adaptação da cultura material ao meio físico. Os contactos entre o anfitrião e o hóspede variam; e) recreativo: Estilo praia e sexo. O turista é atraído pela vontade de relaxamento e pela comunicação com a natureza. As actividades dirigem-se para a participação no desporto, banhos de sol, actividades curativas, boa comida e entretenimento. As relações anfitrião-hóspede variam e tendem a ser sazonais. Altera a mobilização da mão-de-obra e o valor dos terrenos. Podemos ver que esta tipologia, como é apanágio de todas, reduz demasiado a realidade. Os impactos variam internamente, em todos os tipos de turismo. Por outro lado, faltam outras modalidades de turismo (religioso, de aventura, de negócios, científico, etc.). Da mesma forma ainda, como a própria Valene Smith admite, um movimento pode incluir vários tipos de turismo, como por exemplo uma viagem à Índia, onde se podem observar questões étnicas, históricas, culturais, recreativas, etc.

2.2. Tipologia de Nelson Graburn 89

Graburn, na sua tipologia simbólica apresenta uma alternativa. Segundo ele existem dois tipos de turismo maiores (à boa maneira estruturalista): o turismo natural e o turismo cultural. Simbolicamente, o turismo cultural apresenta-se em inter-relação com o natural. Por sua vez, este manifesta-se em duas formas:

a)

turismo ambiental, onde primam o gosto pela pureza natural (paisagem e património natural em

geral) e tem tendência a inserir-se num âmbito ecológico (como forma de evitar o impacto); b)

turismo étnico, onde a importância é dada ao homem no seu estado natural.

Apesar de cada tipo de turismo ter a sua escala de valores própria, a sua hierarquia ou locais de prestígio (classificados de acordo com a maior ou menor presença de “magia”) Este noção de “magia” deve ser entendida em termos simbólicos. De acordo com o autor, o turista procura sobretudo desapegar-se da vida ordinária do dia a dia, procurando eventos extraordinários. Conforme for a ânsia de eventos extraordinários, assim o turista tenderá a escolher o tipo de turismo disponível. A magia pode ser encontrada consoante a proporcionalidade de estranheza verificada tanto nos locais como nas relações que tiverem lugar nesses locais, podendo estas ser meramente sociais, ou revestirem-se de atributos metafóricos, como os rituais. Seguindo esta lógica de ideias, para Graburn, o tipo de turismo que possui maior proporcionalidade de magia é o histórico pois que, além de transportar o turista no espaço percorrido pelos seus ancestrais, permite ao mesmo reviver e reconstruir eventos e locais do passado, como se se tratasse de uma viagem ao passado. Mas, a grande originalidade da análise simbólica do turismo, proposta por Graburn, reside na interpenetração dos vários tipos de turismo, um aspecto que, como vimos, Smith negligenciou. Vejamos como Graburn representa a inter-relação dos vários tipos de turismo:10

TURISMO CULTURAL

HISTÓRICO

TURISMO NATURAL

ÉTNICO

AMBIENTAL

Este esquema foi adaptado do original apresentado por Graburn (1989), “Tourism: The Sacred Journey”, in Smith (org.), Hosts & Guests – The Anthropology of Tourism, op. cit.: 32. Todavia, ele é aqui apresentado com algumas diferenças em relação ao do autor, embora mantendo como base as suas ideias. 10

90

ECOLÓGICO

RECREATIVO

CAÇA E COLHEITA

Figura 1 – Inter-relação dos tipos de turismo (segundo Nelson Graburn)

A abordagem simbólica e estrutural que Graburn apresenta tem um cunho holista (como aliás é típico dessa corrente). Apesar de bastante inclusiva, a sua perspectiva corre o risco de não delimitar fronteiras entre as várias modalidades de fazer turismo (se é que elas existem). Contudo, a sua tipologia tem o mérito de prever a inter-relação entre tipos de turismo – como no caso do turismo étnico, que agrupa características tanto do turismo natural como do turismo cultural -, o que é válido, visto que o fenómeno é multidimensional , sobrepondo-se as várias formas de ele se manifestar. Apesar disso, a validade de tais distinções só poderá ser comprovada pela própria tipologia do turista, o responsável pelas várias formas de manifestação do próprio turismo. Embora não tenha apresentado a sua tipologia do turismo, Swain fala dum turismo indígena, baseado no território e na identidade cultural e controlado a partir do interior do grupo. Uma crítica comum a todas as tipologias do turismo apresentadas é o facto de, como já referimos, qualquer tipologia ser o resultado de um trabalho de redução da realidade, omitindo-se, assim, variâncias que podem ser fundamentais para a compreensão do fenómeno que é sujeito a esse trabalho. Ademais, é muito difícil definir uma rede de critérios de definição e classificação do turismo, o que leva a que cada investigador veja aspectos diferentes no turismo e desenvolva as suas tipologias de acordo com essa diferença. Estas críticas podem ser igualmente aplicáveis às tipologias do turista.

3. Tipologias do turista Assim como há várias propostas para tipificar o turismo, também as há para tipificar o turista. Como plano de fundo, estas tipologias obedecem a dois conjuntos de critérios principais (como verificou Sharpley). Umas centram-se nos turistas (seus comportamentos e suas motivações), outras nos próprios serviços prestados pelo sistema turístico (tipologia estrutural). 91

Abordaremos primeiro as que se baseiam em critérios de comportamento, onde se inserem as tipologias de Cohen (a primeira) e a de Smith; e em critérios de motivação, onde figuram a experiencial (a segunda de Cohen) e a psicológica (Plog). Todavia, a título introdutório, vejamos a tipologia apresentada num estudo apadrinhado pela American Express, que procurou melhorar os seus serviços turísticos através do conhecimento dos destinatários dos seus serviços:

Aventureiro Guerreiro Sonhador Economizador Indulgente

Educado, este turista gosta de experimentar coisas novas e conhecer novas pessoas. A viagem desempenha um papel fundamental na sua vida. Baseia-se na auto-confiança e nas suas capacidades para viajar com sucesso, fica nervoso com as viagens aéreas e tende a optar por férias domésticas. Vê a viagem como uma actividade stressante. Aspira grandemente à viagem e a destinos exóticos que não se incluem normalmente nos destinos convencionais. Dá grande valor aos mapas e aos guias de viagens literários. Para ele, a viagem não é vista como algo que acrescenta um valor particular à sua vida, ele participa nela porque é uma forma “normal” de obter um relaxamento rotineiro. Não paga mais para adquirir serviços extra. Normalmente é um viajante que paga por conforto extra e por bons serviços. Tende a ficar em hotéis de primeira qualidade, gosta de ser apaparicado.

Quadro 5 - Classificação do viajante turista (segundo a American Express, 1989)11

3.1. As tipologias centradas no turista 3.1.1. Tipologia de Cohen Cohen (1972) foi o primeiro sociólogo a propor uma teoria sobre os diferentes tipos de turistas. Ao invés da sua análise se debruçar especificamente nos turistas enquanto indivíduos, põe o cunho no relacionamento deles com os negócios turísticos estabelecidos e com os países receptores. Como forma de uniformização dos turistas, Cohen partiu do pressuposto que todos os turistas não escapam totalmente à influência do seu ambiente social de origem, transportando consigo os seus valores e comportamentos habituais. Assim, eles orientam-se de acordo com factores de familiaridade, de forma a sentirem-se “em casa”, levando, ou procurando no destino, afinidades de acordo com a sua cultura, quer seja informação (jornais ou canais televisivos), quer seja comida, ou ainda amigos. Consoante as respostas a estas necessidades, o turista reagirá mais ou menos ao país/cultura de destino, como forma De notar que a American Express utiliza o conceito “viajante turista”, o que faz supor que o turista é uma espécie especial de viajante. Outra peculiaridade desta tipologia é a preocupação pela elaboração de perfis (personalidades) de turistas. 11

92

de o aproximar do que o transporta (o seu invólucro ambiental). Aquela reacção dependerá do grau de capacidade de adaptação às diferenças verificadas nesse destino. Assim, de acordo com esta capacidade, o turista inserir-se-á dentro de quatro grandes classes ou tipos:

a) turista de massas organizado – o tipo de turista que mais se aproxima do estereótipo do “turista”. Viaja incluído em pacotes turísticos e submete-se ao que esse pacote prevê, mantendo uma relação simbiótica com a agência de viagens que lhe forneceu o serviço. Devido a esta submissão, todos os seus comportamentos turísticos são previsíveis, percorrendo itinerários rígidos e remetendo-se às estruturas de transporte e acolhimento previamente acordadas. Os transportes e os hotéis onde fica têm o objectivo principal de recriar a sua cultura de origem. Por outro lado, essa rigidez impede que ele tenha relações com as culturas autóctones. As suas aventuras no destino turístico pressupõem excursões ou passeios organizados. Mesmo no turismo doméstico, o turista que tenha adquirido um pacote resume as suas actividades às que esse pacote prevê, colocando-se na mesma plataforma tipológica; b) turista de massas individual – é um tipo de turista semelhante ao turista de massas organizado no que se refere à escolha do destino e à sua organização por parte de uma agência turística. No entanto, e contrariamente àquele, pode ter um certo grau de decisão e controlo pessoais. Ele pode escolher os seus destinos preferidos, mas serve-se das estruturas de viagem e acolhimento facultadas pelo operador. Embora possa alterar o seu itinerário, voltará ao ponto de fixação dessas estruturas. O seu comportamento é um híbrido entre a aventura (novidade) e o familiar. Combina, portanto, a oferta do sistema turístico estabelecido com fugas ou escapes esporádicos; c) o explorador – parecido com o viajante independente. Faz os seus próprios preparativos de viagem e tenta evitar os circuitos tradicionais e habituais. Procura uma relação estreita com a cultura local e procura compreender a língua nativa. Como forma de se aproximar do autêntico, tolera e adopta os costumes locais reflectidos nos rituais, na gastronomia, nas artes locais, etc. Todavia, é incapaz de renunciar a um certo grau de conforto preconizado pela sua própria cultura. A aventura não é destituída de um certo controlo e previsibilidade, percorrendo principalmente os percursos dos pioneiros na descoberta dos locais e precavendo-se quanto ao seu regresso à cultura de origem, tomando como característica essencial a consciência do tempo e do espaço em que se move, bem como do transporte que o fará regressar; d) o “sem destino” – encontra-se no extremo oposto do turista de massas organizado. O seu comportamento procura, de antemão, uma integração o mais completa possível na cultura local. O 93

fascínio que demonstra sobre a potencial autenticidade leva-o a identificar-se com os povos autóctones, procurando adquirir a maior parte das características possível dessa cultura. Ele mistura-se através de actividades como o trabalho e renuncia a um percurso pré-estabelecido e a um prazo de tempo fixo. Vê o turista como um elemento que falseia a verdadeira função da viagem e estadia turísticas e, como tal, desvia-se o mais que pode de todas as estruturas votadas ao turismo, renunciando, conscientemente, aos serviços promulgados pelos operadores turísticos e pelos estabelecimentos hoteleiros. Com isto, ele procura sobretudo aumentar o grau de exotismo, novidade, autenticidade e aventura que a viagem lhe pode fornecer.

A tipologia de Cohen alinha o turista em dois domínios principais: o turista institucionalizado e o não institucionalizado. Àquele domínio pertencem os turistas de massas (organizados ou individuais), a este pertencem os que se destacam pela sua renúncia aos serviços proporcionados pelo sistema turístico: o explorador e o sem destino. Estes dois últimos tipos de turistas são aqueles que, refutando o artificialismo que o sistema turístico representa, acabam por funcionar como os introdutores desse mesmo sistema em destinos que ainda existiam livres dele. Assim, como argumenta Cohen, acabam por funcionar como batedores turísticos. Quando regressam, eles contam as suas aventuras às pessoas mais chegadas, quer na família, quer no emprego, criando com isso expectativas e motivações a um novo público, que passa a procurar formas mais confortáveis de aí aceder, “obrigando” os próprios operadores a desenvolverem pacotes turísticos que prevejam esses novos destinos. Segundo Sharpley, a distinção dos dois domínios de turistas não é real, visto que ambos se interrelacionam. Ele dá o exemplo de os exploradores ou os sem destino recorrerem a guias escritos sobre os destinos que têm em mente, que incluem propostas de itinerários, sugestões de estadia e conselhos sobre a melhor forma de lá chegar. Ele parte desta ideia para defender que o viajante independente se torna tão institucionalizado como o turista de massas. Na sua ideia, o sem-destino é um tipo um tanto ou quanto deslocado da realidade. O destacamento da sua cultura não é possível nos nossos dias, visto que cada vez mais, o mundo é conhecido em todo o lado, devido sobretudo à comunicação de escala global. À medida que surge a “aldeia global”, surge a “redoma ambiental global”, toda a cultura mundial é passível de ser conhecida e, por isso, tendente a uniformizar-se. Outra crítica que Sharpley aponta é que o comportamento observável do turista pode contrariar as suas verdadeiras expectativas, pois ele adopta o tipo de turismo que lhe é possível, após um cálculo de benefícios de vária ordem (económicos, familiares, políticos, de saúde); assim, um indivíduo pode querer ser explorador, mas optar pelo turismo de massas, pois que não pode vencer aqueles

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constrangimentos. Da mesma forma, o comportamento do turista pode mudar e ele pode adoptar várias formas de fazer turismo de acordo com as épocas do ano ou mesmo da sua vida.

3.1.2. Tipologia de Valene Smith Vimos já a tipologia centrada no turismo desta autora, veremos agora a que ela elaborou centrada no turista. A tipologia apresentada por Smith baseia-se em três critérios principais: o número, os objectivos do turista e as suas modalidades de adaptação às normas das culturas de destino (impacto). Assim, temos sete tipos de turistas: a) o explorador: por definição, é um turista, mas comporta-se como um antropólogo, vivendo como observador participante activo. Facilmente se acomoda às normas locais, domésticas, gastronómicas e aos estilos de vida. Este explorador encontra-se cada vez mais em números mais restritos, em consequência da diminuição das áreas que existem por explorar; b) o turista de elite: é um indivíduo que viaja em grupos de poucos elementos e que já esteve quase em todo o lado. Gasta grandes quantias para experimentar aventuras autênticas. Distingue-se do explorador porque planeia com pormenor as suas viagens e zela pelo seu conforto. Participa em actividades invulgares e adapta-se plenamente à cultura local; c) o turista off-beat (destacado, pela nossa tradução): dirige-se a eventos específicos. Procura desviar-se dos itinerários turísticos típicos e foge ao padrão das normas dirigidas à população turística. Equivalente ao “explorador” de Cohen, não é um turista muito vulgar, mas é visível, dirigindo-se, por exemplo, a concertos, a locais rituais, a exposições,... Aceita bem as normas locais; d) o turista esporádico: desloca-se de forma organizada, em pequenos grupos, que optaram por adquirir um pacote de férias especial a determinado local previamente escolhido pela sua procura de áreas não comerciais ou sem presença de indústrias votadas ao turismo. Procura culturas nativas mas transporta consigo a comida e demais objectos a que está habituado. Cria o seu habitat, mas procura, ocasionalmente, a autenticidade. Adapta-se a algumas normas locais; e) o turista de massa incipiente: normalmente viaja em pequenos grupos organizados que perpassam várias condições sociais. Representa um fluxo constante, mas flutuante e imprevisível. Procura 95

destinos que tenham uma indústria turística estabelecida mas não dominante e pretende viver em férias ao estilo “ocidental”, ou com comodidade. As suas perspectivas vão de encontro à adopção de normas com parecenças ocidentais; f) o turista de massa: entra no fluxo contínuo de visitantes que se manifesta sazonalmente (turismo de Verão/ turismo de Inverno). Os grupos são de grandes dimensões e normalmente restringem-se a excursionistas da classe média. “Aquele que tem direito porque pagou” (ex.: Eurorail – passes com locais e duração limitada). À imagem dos anteriores, espera encontrar normas e outras condições sociais parecidas com as ocidentais. g) o turista de charter: Chega inserido em grandes grupos, em aviões de grande porte e é transportado desde o aeroporto ao hotel por uma certa quantidade de autocarros. O indivíduo é uniformizado com o grupo (usa nomes de grupo, tem autocarros numerados e é guiado sob uma placa numerada). Inserese em formas estandardizadas de serviços promulgados pelo ocidente. Exige parecenças de condições e normas à imagem das ocidentais. O que importa é sobretudo a viagem e o convívio entre os elementos do grupo, não tanto o destino. Smith insere esta tipologia num quadro, onde se podem verificar a sua tendência para basear a tipologia do turista de acordo com o comportamento visível que ele manifesta:

Tipo de turista

Número de turistas

Adaptação às normas locais

Explorador

Muito limitado

Aceitam tudo

Elite

Raramente vistos

Aceitam tudo

Destacado

Não comum, mas visto

Aceitam bem

Esporádico

Ocasional

Adaptam-se a algumas

Massa incipiente

Flutuante

Procuram parecenças

Massa

Fluxo contínuo

Esperam parecenças

Charter

Chegadas maciças

Exigem parecenças

Quadro 6: Frequência de tipos de turistas e suas adaptações às normas locais (segundo Valene Smith) 12

De acordo com Lowick e outros (1992), uma tipologia cujos critérios assentem na função dos turistas serve sobretudo para verificar a diversidade das actividades que o fenómeno “turismo” comporta, não

Com base na tabela apresentada em “Hosts & Guests – The anthropology of tourism”, op. cit.: 12 (alterações e tradução nossas). 12

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definindo em concreto o que distingue os turistas dentro de cada categoria. Adianta ele que este tipo de classificação reflecte também a própria concepção de turismo que o investigador tem (mas qual é que não reflecte?). Da mesma forma, um trabalho criterioso com base nas funções tende a tomar as categorias como campos limitados e estáticos. Neste sentido, algumas características importantes não seriam consagradas, destituindo a acção dos turistas do seu contexto social. Devido a este problema surge a tentativa de interligar categorias de turistas com as experiências específicas que eles têm em termos individuais e inserido num “plafond” social próprio: chamou-se a esta classificação, com base nas expectativas do turista de “tipologia experiencial”.

3.1.3. Tipologia Experiencial de Cohen Como vimos no início desta unidade, dentro das tipologias centradas no turista, existem dois critérios principais: o do comportamento (manifestação exterior) e o da motivação (razões interiores). A tipologia experiencial é a primeira da última perspectiva. Cohen (1976 b) retomou a tipologia dos turistas. Na sua primeira abordagem tinha definido estes de acordo com uma distinção unilinear, onde se estabelecia uma estrutura contínua em que cada tipo do turista oscilava entre os dois pólos possíveis – o turista de massas organizado, totalmente plasmado no pacote turístico (noção defendida por Boorstin, 1964) e o “sem destino”, tomado como o indivíduo que se comportava como uma espécie de peregrino moderno e se destacava da estrutura preconizada pelo sistema turístico na tentativa de encontrar a aventura e a si mesmo (noção defendida por McCannell, 1989). Desde logo admitiu que a sua tipologia era demasiado simples. A perspectiva que a percorria reflectia-se no pressuposto que os turistas se situavam de acordo com a relação que estabeleciam com o sistema turístico, e pela adopção ou recusa desse modelo, socialmente imposto. A sua fuga ao estruturalismo é apresentada pela nova concepção do turista num plano microssociológico, onde o que era valorizado era a sua experiência ou acção. No fundo, a problemática que apresentou então, manteve-se nesta nova abordagem. Também agora importava saber que coisas da sua cultura o turista transportava consigo só que, desta feita, entendendo-se a presença dessa “redoma ambiental” como uma manifestação das razões que nasciam no interior do sujeito – o seu “centro espiritual”. A diferença entre os indivíduos deveria implicar uma maior ou menor extensão do transporte da sua cultura, do seu ambiente familiar. Assim, ainda de acordo com a tentativa de esclarecer a estrutura que regula as motivações turísticas, Cohen opõe dois extremos de indivíduos, de acordo com a manutenção ou não da sua cultura de origem enquanto faz turismo. Num pólo da oposição, o “centro” é localizado inteiramente dentro da 97

sociedade em que o indivíduo se encontra e ele não encontra qualquer interesse ou significado noutras sociedades e culturas. No outro, o interior do indivíduo moderno (regido pelo individualismo que pauta a sociedade moderna) encontra-se alienado do significado e valores da sociedade em que se encontra inserido e, por isso, procura experiências autênticas noutras sociedades e culturas, onde coloca o seu “centro” espiritual. Assim, temos cinco tipos de experiências turísticas:

a)

recreativa: o turista cujo centro está localizado nos valores da sociedade da sua origem procura experiências recreativa e não está preocupado em aprender ou experimentar dentro da sociedade ou cultura que visita;

b)

de diversão: é uma categoria intermediária. Apesar de alienado, até certo ponto, da sua sociedade, o indivíduo não procura experiências autênticas noutros locais. O propósito das suas férias ou da sua viagem é esquecer-se temporariamente da sua vida quotidiana (escape);

c)

experiencial: o indivíduo, pautado pelas atitudes modernas, encontra-se alienado da sua sociedade e procura experiências noutros locais. Apesar de procurar experiências em sociedades e culturas alternativas, o turista nem se identifica com a sua sociedade nem a rejeita. A viagem tem o objectivo de compensar a falta de autenticidade na vida quotidiana, à qual, inevitavelmente, regressa;

d)

experimental: o indivíduo procura o seu centro, mas tenta encontrar um meio-termo entre o centro no seu meio e o centro noutro lugar. A autenticidade da experiência é essencial, mas não se torna totalmente imerso em nenhuma cultura;

e)

existencial: é o extremo oposto do turista recreativo. Alienado da sociedade em que se encontra, o seu “centro” encontra-se localizado noutro local. O turista torna-se totalmente imerso no local, cultura e sociedade estrangeira, encontrando sentido e nutrindo um sentimento de pertença ao local escolhido como “centro”.

Embora esta tipologia enriqueça a anterior visão sobre o comportamento do turista, não procura determinar em concreto quais os desejos ou necessidades do turista enquanto indivíduo. Todavia, uma vantagem desta tipologia é o de conseguir, objectivamente, criar fronteiras entre as várias experiências do turista. Por outro lado, as experiências que ele levar a cabo têm, na sua manifestação, aspectos omissos que podem fazer com que a atitude do indivíduo, perante a maior ou menos identificação 98

com seu “background” social, seja volátil. Assim, a atitude do turista pode depender das condições ou constrangimentos a que se encontra sujeito em determinado período da sua vida, fazendo com que, aparentemente, a sua identidade não corresponda àquilo que manifesta enquanto turista. Este aspecto foi apontado por Sharpley, referindo que seria necessário fazer uma investigação empírica sobre os estados de espírito dos indivíduos, não os classificando apenas em termos teóricos, visto que a mente humana reflecte adaptações electivas de acordo com as recompensas que encontra na variabilidade das experiências a que está sujeita. Outro aspecto negativo desta tipologia é a extrema valorização dada ao sujeito, esquecendo-se que, de acordo com a teoria da estruturação de Giddens, os indivíduos estruturam a sociedade e a sociedade estrutura os indivíduos. Esta dupla estruturação não pode ser omitida quando se trata de analisar as relações entre os indivíduos e as estruturas e vice-versa. Num quadro social amplo, esta tipologia poderia ser refutada.

3.1.4. Tipologia psicológica de Plog Plog (1977) desenvolveu a teoria mais conhecida sobre a relação entre os traços de personalidade e os tipos de turista. A sua teoria pretendeu responder às questões que ele formulou essencialmente sobre as razões de existirem pessoas que, embora tenham possibilidades económicas para viajar e para fazer turismo, o não fazem. Criou uma escala que, à imagem da de Cohen, inscrevia os tipos de turistas num plano dialéctico cujas extremidades representavam pólos que limitavam todas as variantes possíveis. Num dos pólos colocou os turistas psicocêntricos, no outro, os alocêntricos. Os turistas psicocêntricos são aqueles que se analisam interiormente e que se concentram em problemas próprios, representando aqueles que tendem a ser menos aventureiros. Dentro do turismo, são representados por aqueles que evitam o confronto com a novidade, procurando sobretudo os fenómenos familiares e organizando-se na forma de massas e procurando destinos que sejam frequentados pelas massas, como forma de se sentirem mais seguros. Os turistas alocêntricos são aventureiros e estão dispostos a correr riscos, procurando o que não é normal encontrar na sua sociedade de origem. Como consequência, os seus destinos preferidos são os que se revestem de exotismo. As suas viagens são, normalmente, empreendidas isoladamente, como forma de atingirem o grau de liberdade que lhes permite libertar-se a si próprios e descobrir / explorar sem preocupação pelos meios a percorrer para atingir os fins que almeja.

99

Entre estas duas categorias situam-se os quase-psicocêntricos, os médio-cêntricos e os quasealocêntricos. Os médio-cêntricos são os turistas que se situam precisamente no meio-termo entre os dois pólos da oposição; os quase psicocêntricos situam-se no meio-termo entre os médio-cêntricos e os psicocêntricos e os quase-alocêntricos situam-se no meio-termo entre os médio-cêntricos e os alocêntricos.

quase psicocêntricos

psicocêntricos

médio cêntricos

quase alocêntricos

alocêntricos

Figura 2: A tipologia psicológica de Plog

De acordo com a sua tipologia, Plog tenta, através do tipo de personalidade, inserir os turistas num modo próprio de fazer turismo e, por consequência, os próprios destinos escolhidos para férias. Assim, ele refere que os psicocêntricos tendem a escolher destinos mais próximos de casa ou destinos que não difiram grandemente dos padrões a que estão habituados, evitando deslocar-se para áreas onde não tenham a sensação de se sentir em segurança, i. e., onde não encontrem modalidades culturais semelhantes àquelas que configuram a sua cultura. Dentro deste pressuposto, o turismo doméstico seria protagonizado por turistas psicocêntricos. Por sua vez, os quase-psicocêntricos atrever-se-iam a visitar um país vizinho ou uma área não muito diferente daquela em que vive; já o médio-cêntrico percorreria locais que abrangeriam um quadro ou itinerário maior, já na transposição para uma espécie de atrevimento a experimentar coisas novas mas similares (não muito estranhas). A todos estes destinos possíveis corresponderia um número de turistas necessário (gradualmente) para que se sentisse em segurança. Por sua vez, os turistas que se colocassem no pólo oposto (alocêntricos), escolheriam para passar férias os destinos mais longínquos tanto em termos geográficos como culturais (por exemplo, um português procuraria a África, a América Latina, a Ásia ou a Oceânia). O seu gosto pelo risco e pela aventura levá-los-ia mesmo a tentar viagens extremamente arriscadas ou radicais, como, por exemplo, escalar o Evereste, viajar até aos pólos ou a outros destinos que exigissem forçosamente resistência e adaptação cultural. Por sua vez, os quase-alocêntricos procurariam contrabalançar o extremismo da aventura com presenças de elementos familiares, embora diferentes daqueles a que estariam habituados (mas não muito).

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Como bem viu Sharpley, este modelo peca pela sua estaticidade, pois baseia-se na imutabilidade dos destinos turísticos. Argumenta ele que os destinos evoluem e, aqueles que hoje são desconhecidos podem-se tornar conhecidos, fazendo com que deixem de ser destinos potencialmente procurados por alocêntricos para passarem a ser também procurados por psicocêntricos. Por outro lado, o avanço da comodidade dos transportes e a ligação por voos charter a quase todos os destinos possíveis tornam os destinos exóticos mais familiares (através da publicitação promulgada pelos pacotes turísticos), o que faz com que, também esses destinos, que à partida atrairiam alocêntricos, sejam tomados como potenciais destinos para os psicocêntricos.

3.2. As tipologias centradas na sociedade (estruturais) Várias outras tipologias dos turistas foram feitas. No fundo, elas podem ser categorizadas em dois grupos distintos (já apresentados no início desta unidade). As que dão primazia ao turista tendem a ser redutíveis e estáticas, não passando além da descrição das suas funções. Dentro desta perspectiva, além das que foram apresentadas, há ainda outras (trabalho compilado por Lowick et. al., 1992). A tipologia de Dalen (1989) não foge a este espartilho, se bem que tivesse alterado um pouco a visão tradicional, ao partir do critério do estilo de vida do turista para poder estipular tipos de turistas. Todavia, todas estas tipologias pecam pelo facto de se centrarem exclusivamente no turista, ignorando que ele apenas é uma das peças envolvidas no sistema turístico. Do ponto de vista sociológico, a tipologia dos turistas deveria prever tanto uma micro-análise dos próprios turistas como uma macro-análise estrutural, que situa os comportamentos e experiências do turista num plano social mais amplo – uma perspectiva estrutural torna-se, assim, necessária. A aplicação de uma análise estrutural na tentativa de tipificar os turistas, mostra que os tipos têm mais a ver com os valores sociais hierarquizados pela sociedade como um todo do que com os comportamentos ou estilos de vida do turista tomados em termos individuais. Por exemplo, a noção de “turismo de massas” não obedece à análise empírica dos elementos que constituem as massas, mas a uma uniformidade verificada num plano particular da sociedade. Como defende Graburn (1983), o turismo de massas não é um fenómeno estático, dependente das fronteiras que caracterizam o comportamento individual, mas sim uma actividade constituída por uma enorme variedade de produtos, exigências, destinos, expectativas sociais, etc. Como tal, é necessário clarificar os próprios conceitos para que se entendam os verdadeiros mecanismos que regulam os comportamentos. A partir dos anos 60 do século XX, a preocupação pelos impactos causados pelo turismo de massas exprimiu um sintoma de que este fenómeno não implicava apenas a organização dos turistas a partir de si

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próprios – seria necessário organizar sobretudo o sistema social que permitia que este fenómeno existisse. 3.2.1. Turismo de massas e Turistas de massas As primeiras análises estruturais do turismo assentam precisamente no estudo dos impactos provocados pelo turismo nas sociedades e, em particular, na atitude de crítica perante aquilo que assumiu a forma de “turismo de massas”. Vários foram os trabalhos feitos sob esta perspectiva e enumerá-los a todos obrigaria a um empreendimento demasiado grande que em nada ajudaria à clarificação dos pontos de vista aí retratados. Contudo, nos anos 70 do século XX, surgiram aqueles que, ainda hoje demonstram de forma mais concludente esta perspectiva de análise do turismo (por exemplo: Young, 1973; Turner e Ash, 1975; Kadt, 1979; Rosenow e Pulsipher, 1979). Todos eles debateram a questão das implicações negativas do turismo de massas sobre o ambiente e sobre as culturas. O “turismo de massas” toma o significado de um fenómeno que degenerou em relação ao verdadeiro caminho que o turismo deveria percorrer. De tal forma, o turismo de massas carrega o turismo em geral de um sentido negativo que muitos autores não se coíbem de o referir como uma “força destrutiva internacional”. Como diz Poon, a...

“(...) indústria do turismo está em crise... em crise de turismo de massas. Porque foi o turismo de massas que criou brechas sociais, culturais, económicas e ambientais no despertar do próprio turismo e (...) a prática do turismo de massas tem de ser radicalmente mudada para a renovar” (1993: 3, tradução nossa)

Esta insurreição contra o turismo de massas reverte do facto de se considerar a sua posição no sistema turístico como a mais baixa, de acordo com a própria posição do turista de massas. Apesar de tudo, estas análises carecem de análises objectivas do próprio turismo de massas, reflectindo, sobretudo, as posições pessoais dos autores em relação ao fenómeno. Assim, a análise estrutural do turismo parte de três formas maiores da determinação social do turista. De acordo com Sharpley, o turismo de massas é...

“(...) um fenómeno social, económico, político e geográfico, geralmente descrevendo o movimento de grande número de pessoas envolvidas em propostas estandardizadas, em “circuitos turísticos fechados”, para passar as suas férias.” (1994: 40, tradução nossa).

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Este comportamento é aquele que melhor define o próprio turismo de massas enquanto lógica de oferta de produtos massificados. Além deste comportamento, o pacote turístico dirigido às massas envolve indicadores tecnológicos, valores económicos e serviços, tornando-se ao mesmo tempo um produto tangível e intangível. Tangível porque envolve toda uma série de bens materiais (transportes, alojamento e instituições localizadas); intangível, porque joga com as expectativas das pessoas que recorrem a esses produtos, calculando as suas necessidades e gostos. Assim, o turista de massas será aquele que apenas adquire o produto do turismo de massas, que, por sua vez, lhe é oferecido pela indústria do turismo de massas. Desta forma, classificar o turismo de massas, ou tipificá-lo de acordo com modalidades de ser turista de massas, decorre de uma análise infrutífera, pois que, no fundo, todos os turistas de massas partilham na aquisição do mesmo produto, a diferença existente entre eles só pode ser considerada de acordo com a sua maior ou menor procura dos serviços oferecidos pela indústria do turismo de massas.

3.2.2. Turismo para as massas e turistas com as massas Uma outra forma tradicional de encarar o turista de massas é considerá-lo como o oposto a um menor número de turistas que usufruem de outros serviços turísticos, de carácter mais exclusivo (elite). Esta dicotomia parece irreal, visto que o turista de massas é aquele que beneficiou das mudanças operadas na sociedade e na tecnologia principalmente a partir do século XIX, acompanhando o processo de democratização que decorreu dessas mudanças. Assim sendo, a oposição mais correcta será entre turistas e não-turistas, visto que a democratização resulta das mudanças que a todos influenciou, desde as camadas privilegiadas até às mais necessitadas. A preocupação da análise deste problema deve residir, sobretudo na procura das razões individuais que orientam a recusa ao turismo. Finalmente, um outro ponto em que assenta a análise do turismo de massas remete para a consideração que os turistas que optam por se integrar no sistema do turismo de massas são, vulgarmente, os turistas enganados, aqueles que vivem falsos acontecimentos e que não desfrutam da autenticidade cultural, pois que transportam consigo o seu invólucro ambiental. Esta visão decorre de um pressuposto depreciativo que conota o turista de massas com o “pé descalço”, caracterizando o turismo de massas como o tipo de turismo feito pelas pessoas que ignoram o verdadeiro sentido do turismo. De acordo com Butler (1992), o turista de massas não é o “coitadinho”, ele apenas representa uma forma de fazer turismo em que se consideraram vários aspectos (segurança, convívio, economia, comodidade) que estavam previstos no pacote turístico – razão pela qual este produto se tornou tão popular. Por outro lado, esta análise tende a classificar o turista de massas como o ignorante, incapaz 103

de se destituir da sua visão habitual, destituindo o turista de uma das principais características individuais – a sua capacidade de escolha e o seu autodomínio. O turista de massas não se pode reduzir à uniformização dos comportamentos verificados; tender-se-ia, dessa forma, a retirar a identidade ao indivíduo e a colocá-lo fora da sociedade (visto que o turismo de massas, nesta perspectiva, é o oposto do verdadeiro turismo, que seria representado pela verdadeira sociedade). 3.3. O Bom turista O turista de massas representa o “mau turista”, visto que personifica os impactos negativos da forma de turismo em que se enquadra. Para evitar este choque, o turista teria de se tornar bom ou, de outra maneira, o turista bom não implica impactos negativos do turismo. O bom turista seria, então, o contrário do turista de massas, i. e., seria aquele que praticaria o turismo alternativo (Smith e Eadington, 1992), denotando responsabilidade pelos seus actos enquanto turista, o que significa que teria o cuidado de não provocar choques com as culturas que visita. Ele é socialmente activo, responde às reacções dos outros e envereda por novas formas de fazer turismo. Procura qualidade e não quantidade, adapta-se à realidade que visita e procura o autêntico. O bom turista também se distingue por renunciar ao conceito tradicional de “turismo”, como sendo uma actividade associada às férias, que por sua vez envolvem o descanso, o gozo, a fuga à rotina e ao trabalho, etc. A sua conotação com o “explorador” é notória. 3.4. O Pós-turista As classificações dos turistas oscilam todas entre os papéis desempenhados pelos turistas e a variedade que a performance desses papéis implica. Todavia, não está prevista a existência de um turista que envolva todos os papéis verificados em todos os turistas. Normalmente, ele situa-se entre aquele que é totalmente constrangido pelo turismo (pelo pacote turístico) e aquele que é totalmente livre, entre o que é irresponsável e o que é responsável. Mas, como tinha já adiantado Rojek (1993), o turista que adopta um pacote turístico não está totalmente impedido de se desviar dos trâmites estipulados nele, ele pode, de quando em vez, “esquecer” o guião turístico. Em contrapartida, dizemos nós, o explorador, se tem a responsabilidade, também terá em conta os indicadores necessários para que a sua viagem tenha êxito. Há ainda a hipótese, não prevista pelas classificações, de o turista evoluir no tempo e perpassar de um tipo a outro, dependendo isso, da sua própria realização pessoal e visão e comportamento adaptativos. 104

Para comprovar isto, o turismo surge contextualizado na história e na sociedade. O seu aparecimento é o acontecimento que vem valorizar a viagem, apenas esta existente antes da sua institucionalização. O pós-turista (Feifer, 1985 e Urry, 1988 e 1990a) representa um terceiro passo na evolução que começou com o viajante e passou pelo turista. Este pós-turista é aquele que tem acesso a todas as paisagens e culturas, através da televisão ou do computador e que, na maior parte das vezes, não estão acessíveis ao turista quando faz a viagem. Esta atitude é normalmente valorizada por uma apresentação, acompanhada com som, na forma de música ambiente ou de documentário, que impede a distorção (pela própria atitude que o rege) ou redução (apresentada pelo guia, que se refere, muitas das vezes a aspectos ínfimos ou específicos da enorme complexidade de apresentação que os locais suscitam) da realidade. Perante esta absorção de informação, o pós-turista explora e, virtualmente, viaja, descobrindo os mais recônditos pontos do planeta, perdendo com isso o encantamento do autêntico, visto que, para ele, já não existe nada de novo. Como lembra Urry, o turismo tornou-se “uma série de jogos com múltiplos textos e sem uma única, autêntica experiência turística” e, como remata Sharpley, o pós-turista compreende o papel que lhe cabe nesse jogo. Ele escolhe o turista que quer ser ou mesmo, o turista que não quer ser. Em suma, o pós-turista considera as tipologias turísticas sem sentido. 4. Algumas críticas às tipologias turísticas Como vimos, as tipologias turísticas percorrem duas tendências: uma baseada nos comportamentos, outra nos contextos; uma na acção, outra na estrutura. Um enquadramento geral situaria as classificações dos comportamentos na dicotomia turista de massas/bom turista oposta a outra, mais recente que oscila entre o não-turista e o pós-turista, apresentada, por sua vez, pela tendência estruturalista. Todavia, várias análises destas tipologias têm levantado questões que apontam limitações a uma e a outra atitude. Essas críticas foram apontadas por Sharpley de forma sistemática:

a) a maior parte das tipologias são estáticas e não têm em conta as variações de comportamentos turísticos e das experiências turísticas fora do tempo. "É perfeitamente possível a um indivíduo saber escolher os diferentes tipos de férias ou viagens em diferentes alturas, submetendo-se aos vastos constrangimentos ou necessidades. Por outro lado, à medida que vão acumulando experiências, os turistas podem caminhar para o “pós-turismo”" (Sharpley, op. cit.: 89, trad. n.);

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b) a maior parte das tipologias está isolada do amplo contexto social do turista. Este comporta-se de acordo com os constrangimentos próprios do contexto que atravessa na sua vida. A adopção do turismo de massas pode resultar não de uma incapacidade de libertação do ambiente cultural, mas de uma maior possibilidade de aceder a diferentes pacotes com diferentes destinos, promulgados apenas pelos operadores turísticos; c) as tipologias apresentadas, especialmente as que se referem aos papéis dos turistas utilizam uma multiplicidade de termos para definir o seu comportamento, havendo ambiguidade nessa designação e no número de categorias que cada tipologia comporta, o que traz falta de objectividade devido à ausência de conceitos classificatórios consagrados por todos. Como resultado, os conceitos empregues, bem como a sua multiplicidade, parecem decorrer sobretudo do interesse de cada investigador, que desdobra conceitos e contrapõe-nos aos de outros autores, sabendo que, no fundo, a diferença decorre da sua atitude de investigação, havendo diferentes nomes para o mesmo significado; (e) d) as tipologias tendem a ser éticas (centram-se no ponto de vista do investigador), ao invés de se realizarem e verificarem objectivamente – émicas. Por outras palavras, as tipologias dependem – mais do que os investigadores pensam – dos turistas do que da base de verificação empírica;

Em suma, geralmente, as tipologias turísticas tendem a ser descritivas e, embora permitam abordar o turista de acordo com o manancial operativo que elas veiculam, elas falham por relevância directa, necessária para melhor compreender o fenómeno da procura do turismo. Concentrando-se no turista, ao invés de no contexto social que o produz, correm o risco de destituir de sentido a sua própria acção, este sim, o único critério válido para investigar a relação entre os turistas e os turismos possibilitados em dado período sócio-histórico. Posto isto, uma tipologia do turista não se deve basear numa espécie de evolucionismo linear do seu comportamento, mas sim prever a existência de muitas direcções de comportamentos que ocorrem no mesmo turista, sendo mais certo estabelecer uma matriz que preveja as possibilidades desse mesmo comportamento de acordo com os constrangimentos sociais e culturais que limitam as escolhas individuais. De facto, existem muitos factores que podem influenciar a escolha do turista e que excedem o próprio comportamento observável, englobando-se em dois grandes temas: os factores demográficos e sócio-económicos e os factores sócio-estruturais. 4.1. Factores demográficos e sócio-económicos

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O turismo não é um produto simples, ele divide-se em sub-produtos que são empacotados num serviço amplo que demonstra as competências da indústria do turismo e que se desdobra em direcção a diferentes segmentos do mercado (Middleton, 1988). Como diz Sharpley, “a indústria do turismo reconhece que diferentes tipos de turismo se adaptam a diferentes pessoas de acordo com uma variedade de factores demográficos e sócio-económicos.” Segundo ele, existem quatro variáveis principais de factores deste tipo a ter em conta para se formular uma tipologia do turista: a) Idade – a idade determina, em grande parte o tipo de turismo em que o indivíduo participa. É mais normal que uma pessoa jovem se incline mais a uma viagem independente, onde predomina a busca de aventura, do que uma idosa, que procurará, fruto da sua provável maior experiência turística, procurar formas de turismo mais especializadas; b) Ciclo de vida – por exemplo, uma pessoa jovem e solteira, tem menos impedimentos (por exemplo, financeiros, de tempo livre ou psicológicos) do que, por exemplo, um casal com filhos. Outro exemplo são os reformados, em que o tempo livre, ou mesmo as finanças, tendem a perder importância como impedimentos à viagem; c) Género – os impedimentos são de vária ordem: por exemplo, as mulheres podem evitar, por questões de segurança, visitar certos países ou lugares; podem ainda renunciar, predominantemente, o turismo sexual. Da mesma forma, devido à distribuição de funções, a mulher pode evitar fazer certos tipos de turismo que implicam que tenha as mesmas funções que em casa (ex.: cozinhar); d) Rendimento/emprego – este é um dos factores que mais influencia a escolha do tipo de turismo. Os preços dos pacotes turísticos podem fazer com que o turista escolha aquele que mais se adequar à sua carteira. O tipo de emprego é também importante na escolha do tipo de turismo. Um emprego “A” pode proporcionar mais tempo livre que um emprego “B”. Mais, as férias passadas no estrangeiro são normalmente as que se referem às classes com maiores rendimentos e tempo livre. Por seu lado, um desempregado não goza do estatuto de turista, pois, apesar do tempo livre, não tem rendimentos (nem férias, se estas forem consideradas como um complemento ou oposição ao trabalho). 1.2. Factores sócio-estruturais A maioria das tipologias adopta uma perspectiva microssociológica, dando primazia ao sujeito e à sua vontade sobre a estrutura e o contexto que o envolve. A arbitrariedade dos indivíduos, defendida por essas tipologias, faz com que ele seja como que auto-determinado, exceptuando deste quadro o turista de massas, que a maior parte das tipologias defende que é mais determinado do que possuindo livre 107

arbítrio. Todavia, há que prever, sobre essa aparente liberdade total, as sanções impostas pelas convenções sociais, que se reflectem na condição em que se encontram os sujeitos. Sharpley apresenta duas variantes principais a ter em conta como factores principais neste tipo de constrangimentos: a) renúncia ao turismo – existem pessoas que não fazem turismo, embora não estejam inseridas em nenhuma categoria de turistas, apesar disso, deve prever-se a sua existência. Algumas dessa pessoas não fazem turismo conscientemente, enquanto que outras são impedidas por várias razões, como a doença ou outros constrangimentos familiares, por exemplo. Para muitas pessoas, o facto de não fazerem turismo foi determinado pela sociedade. O exemplo dos desempregados mostra que ser ou não ser turista não depende do seu controlo individual, ele manifesta a própria manifestação do conflito social; b) o turismo como actividade capitalista – de acordo com a teoria do conflito, a indústria turística é uma espécie de mundo capitalista. Ela é dominada por algumas das poderosas empresas multinacionais. Devido a esse controle, os pacotes turísticos podem influenciar os tipos de turistas que são verdadeiramente interessantes para a sua procura de lucro. Isto reflecte-se no facto de a indústria turística ter de acompanhar as vicissitudes do próprio mercado. No fundo, o poder do negócio persuade os consumidores a fazer as escolhas certas, carácter facilitado pelo marketing e pela publicidade. Embora os consumidores procurem, eles têm que se cingir à oferta disponível no mercado. Este mercado, por sua vez, define os pacotes turísticos de acordo com a manutenção das divisões sociais. Produtos novos são introduzidos não para satisfazer o cliente, mas para aumentar a diversidade do mercado, circunstância que remete para o lucro. Um exemplo é a noção do “bomturista”, aquele que exige a satisfação das suas escolhas pessoais e que não aceita os pacotes dirigidos às massas, mas, em última análise, ele preconiza uma nova forma de oferta, a tal ponto que acaba por se introduzir numa classe de turistas que beneficia de um pacote de férias especial, integrando-se, tal como o turista de massas, no turismo de massas, o verdadeiro produto oferecido pela indústria turística.

5. CONCLUSÃO Após esta singela apresentação das diferentes tipologias sobre o turismo, impõe-se que se teçam algumas considerações: 

Por um lado, pela perspectiva microssociológica, o indivíduo define o turista; por outro, pela

perspectiva macrossociológica, a sociedade define o turista. No nosso entender, nem uma coisa nem 108

outra resume o fenómeno da criação do turismo e do turista. Tanto um como o outro são definidos pelo mercado, segundo os economistas, um universo exterior à própria sociedade, que se regula por leis próprias que pouco têm a ver com a ética social em si. A busca do lucro leva à busca de produtos que satisfaçam a verdadeira necessidade humana de se identificar. O turismo, à la limite, é o resultado de uma apropriação do mercado dessa necessidade, transmutando-a numa necessidade económica, emprestando-lhe a noção de qualidade de vida (como se sabe, um conceito decorrente do de crescimento económico); 

A acrescentar a isto, deve-se referir que todas as tipologias, classificações e taxonomias são

operações que reduzem a extensa variedade dos fenómenos, destituindo-os daquilo que têm de especial. O seu papel, quando muito, permite-nos aceder a um modo operacional de descobrir as diferentes formas que aquela necessidade toma e como essas formas são institucionalizadas enquanto produtos de uma determinada lógica de aproveitamento racional e orientação das ânsias dos sujeitos; 

As críticas que se poderão fazer às tipologias do turismo não podem deixar passar a

multiplicidade de motivações que influenciam as acções dos sujeitos; da mesma forma que não podem omitir os constrangimentos que essas motivações escondem ou exprimem. Todos nós somos, de uma forma ou outra, num período ou outro, viajantes, veraneantes, turistas, mas nenhum de nós se insere num único tipo de aproveitamento turístico. Nenhum de nós consegue, por exemplo, conceber que, numa viagem a qualquer lado só nos interessemos por um aspecto particular aí presente. A nossa mente procura as várias dimensões que a nossa vontade espera. Se formos à Índia, que tipo de turista somos? Mais, que tipo de turismo fazemos? – cultural?, ambiental?, étnico?, recreativo? E porque não... simplesmente turismo?... e, porque não, simplesmente turistas?

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LIÇÃO 4

AS MOTIVAÇÕES PARA O TURISMO

1. Turismo e motivação – enquadramento teórico Os estudos que têm sido desenvolvidos acerca das motivações turísticas prendem-se com a resposta à seguinte questão essencial: porque é que as pessoas viajam? Na tentativa de encontrar a resposta, os estudiosos têm-se baseado em várias razões, mas, no fundo, elas oscilam à volta de caracteres do foro íntimo das personagens que praticam turismo, quer dizer, nos impulsos (pulsões) que têm origem na psique. Com efeito, o estudo das motivações pode-nos ajudar a responder não apenas ao porquê da viagem turística, mas também ao como, ao quando ou ao onde, escolhas implicadas em todas as manifestações turísticas; de resto, implicadas em todos os comportamentos, que nada mais são do que resultados finais da avaliação racional das motivações. Ora, o turismo é um comportamento (ou conjunto de comportamentos que pretendem satisfazer as necessidades reflectidas na forma de motivações), como tal, o estudo das motivações neste campo é perfeitamente legítimo, preenchendo mesmo um capítulo essencial no trabalho de compreensão e análise do turismo.

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Contrastando com a antiga viagem, primeira forma de turismo, que tinha como motivação principal a manutenção da vida, o turismo reveste-se de imensas motivações, pois que se inscreve sempre num amplo quadro social. Visto que o turismo assumiu a forma de um produto, o turista, como consumidor que é, adquire toda uma série de informações acerca desse produto, avalia-as em relação às necessidades que pretende satisfazer e, finalmente, escolhe – precisamente o mesmo processo que desenvolve quando deparado com a racionalização económica que a aquisição de qualquer produto exige, reparo, aliás, feito por Moutinho (1987). Normalmente, aquele processo tem em conta as informações disponíveis acerca dos produtos turísticos e dos destinos em causa (imagens), da melhor forma de lá chegar (espaço e tempo) e da melhor modalidade de aquisição (cálculo económico). Este tipo de motivações inclui-se no campo da força de atracção do destino, que está intimamente ligada com a procura que o turista faz de algo que lhe falta ou o impulso da origem. É precisamente a falta que leva à procura de processos cujo objectivo é colmatá-la. Assim, tem que se operar uma primeira oposição entre as motivações internas (push) e as externas (pull).13 Enquanto aquelas impulsionam, estas atraem. Os desejos são assim a forma que as motivações adquirem no intuito de saciar as necessidades e que, no fim, conduzem a decisões. Como Mill e Morrison (1985) defendem, a chave para a compreensão da motivação do turista é observar a viagem de férias como algo que satisfará as suas necessidades e os desejos. Em suma, a motivação é a base autêntica da procura turística. O papel do conhecimento dos processos de decisão com base na abordagem das motivações torna-se cada vez mais importante e, o melhor conhecimento destes fenómenos pode determinar o maior sucesso de determinada empresa turística. Segundo Sharpley, a motivação para a satisfação das necessidades, combinada com as preferências pessoais, impulsiona o turista a considerar os produtos alternativos. A escolha final depende das alternativas da atracção dos destinos ou férias. O papel da motivação no processo de decisão verificase, de acordo com Gilbert (1991) em quatro etapas:

1. procura de renovação de energias: forças que levam à decisão de comprar férias;

13

Distinção operada por Goodall (1991), como bem aponta Sharpley.

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2. procura de filtragens: a procura é contraída pela variedade de factores demográficos e sócioeconómicos; 3. procura de afeições: a informação acerca do destino, bem como a sua imagem, afectaria a decisão; 4. papéis: o papel do turista como consumidor.

Todavia, há um reparo importante a fazer: não é o turismo que satisfaz as necessidades, mas as experiências com sucesso que se viveram durante a viagem. O turismo apenas funciona como estrutura que suporta os factores de satisfação das necessidades. Se as experiências vividas não tiverem sucesso, o turismo não consegue colmatar essa falta. Por outro lado, existem formas de turismo cuja satisfação das motivações apenas se encontra no objectivo da viagem (ex..: negócios), não na viagem em si. Por via de todas estas variantes, Dann (1981) propõe a adopção de sete perspectivas a tomar no estudo das motivações turísticas: 1 – a viagem não como resposta a uma necessidade, mas a um desejo: a motivação para a viagem reside na vivência da diferença que ela proporciona. As pessoas tornam-se turistas por causa do seu ambiente físico e cultural; a satisfação das necessidades pode não ser imperativa (pode ser um capricho, um luxo); 2 – o impulso internalizado quanto ao destino como resposta a uma motivação provinda do exterior: realce para as motivações intrínsecas, que apresentaremos nesta lição. Tais factores podem ser determinados pelo ambiente do país dos turistas ou pelas necessidades psicológicas do indivíduo; 3 – a motivação como fantasia: os turistas podem ser motivados por certas fantasias interiores que podem não ter sido suscitadas pela realidade em que vive; 4 – a motivação como um propósito determinado: em contraste com os factores intrínsecos, esta abordagem comporta um cenário próprio da viagem ou das férias como um factor primário de motivação; 5 – tipologias motivacionais: as tipologias do turista são usadas muitas vezes como modelos de motivação, que se organizam de acordo com a hierarquia proposta por Maslow (1943);

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6 – motivação e experiências turísticas: esta abordagem sugere que a motivação do turista é determinada pela expectativa da experiência em relação ao seu meio ambiente, em particular, pela promessa de autenticidade; 7 – motivação como auto-definição e significado: as formas pelas quais os turistas definem e respondem às situações são vistas como a melhor maneira de explicar a motivação do turista, em detrimento de um simples exame do seu comportamento (perspectiva defendida pela teoria do interaccionismo simbólico).

2. As motivações extrínsecas As sete perspectivas apresentadas podem agrupar-se em dois grandes campos que demonstram duas origens distintas das motivações (mas complementares): o campo das motivações extrínsecas e o das motivações intrínsecas. Tanto umas como outras reflectem níveis de necessidades, ora suscitadas pelo meio, ora pela psicologia individual. As motivações são, amiúde, vistas como tendo raízes psicológicas profundas (Isso-Ahola, 1982), mas elas podem resultar da interiorização de necessidades que têm base na sociedade. Esta influencia as posições dos indivíduos em relação à sua própria trajectória e comportamentos, logo não surgem espontaneamente na psique do sujeito. As necessidades podem decorrer de um mal-estar patente na situação social em que o indivíduo está; da mesma forma, muitas das vezes, é a influência do grupo de amigos e a adopção de estratégias comuns que leva os elementos desse grupo a optarem pelo turismo como forma de remediar o tal mal-estar. Veblen refere que o trabalho, o consumo, a família, a classe social, etc., limitam e condicionam o lazer. De facto, a motivação mais significativa que incita ao turismo é a fuga (ou o escape) à vida social ordinária. A célebre expressão de Simmel, segundo a qual, a sociedade é a substância que forma as individualidades como o mar produz as ondas, significa mesmo que as motivações nascem no meio social, mesmo que elas sejam emitidas pelo sujeito. Ele refere a importância dos ritmos dos ciclos de vida, à imagem do que já tinha feito Gurvitch (1950) na sua teoria da “heterogeneidade dos tempos sociais”. Como refere MacCannell (1983), quando se debruça sobre a autenticidade, os turistas procuram noutras sociedades aquilo que não encontram na sua. Esta procura da autenticidade cultural, que configura as sociedades, não é mais do que o que já Graburn designava como “verdadeira vida”, i. e., a vida plena de sentido social, onde as deficiências provocadas pelo ritmo desenfreado das sociedades ocidentais são curadas. É esta alienação noutro tipo de vida que serve de mote às próprias teorias 113

estruturais do conflito. Nesta perspectiva (estrutural-funcionalista) o turismo restituiria o equilíbrio e a harmonia da sociedade, seria uma terapia social, uma válvula de segurança que manteria o mundo do trabalho em ordem, como aliás defende Krippendorf (1989). Este autor diz que o viajante (ele não distingue viajante de turista) concentra toda uma série de expectativas que se reflectem nas suas actividades preferidas, que manifestam uma ruptura com o mundo do trabalho. As expectativas principais seriam: descansar, refazer-se; compensar o tempo perdido e reintegrar-se socialmente; fugir; comunicar; alargar o próprio horizonte; ser livre e autónomo; partir à descoberta de si mesmo e, finalmente, ser feliz. Estas expectativas reflectem-se nas actividades (por ordem hierárquica) de: passear, nadar / mergulhar no mar; fazer excursões pelos arredores, bronzear-se, conversar com outras pessoas, dormir / descansar, tirar fotografias / filmar, fazer compras / ver montras, ir ao restaurante / ao bar, fazer longas caminhadas, visitar monumentos e museus e comer especialidades locais.

2.1. A dialéctica turismo – trabalho Num plano introdutório, o turismo representaria a liberdade e o trabalho a sua perda. Mas, bem vistas as coisas, o turismo não poderia existir se não fosse o trabalho – que permite a poupança – nem as alterações de que foi alvo durante o século XIX na sua estrutura. O trabalho funciona talvez como a motivação mais importante para o turismo. Lazer e trabalho são, por isso (e não só), indissociáveis. O lazer acompanha o trabalho não apenas como uma ruptura, ele pode avançar conjuntamente com este; juntando-se o “útil ao agradável”. Pode-se, da mesma forma, verificar a dicotomia entre trabalho e lazer. Seja este uma resposta – uma ruptura – seja uma satisfação por se gostar do trabalho que se faz, a verdade é que, mesmo considerando os vários tipos de trabalho, o lazer está sempre presente. Assim, diferentes tipos de trabalho implicam diferentes níveis de satisfação e, por conseguinte, diferentes níveis de motivação. Como referem Clarke e Critcher (1985) a experiência do trabalho nas sociedades individualistas constrói o contexto para a experiência do lazer. Dentro dos teóricos do conflito, uma teoria do lazer é irracional. Quando muito, o lazer submete-se ao carácter universal do trabalho; este sim, o fundamento do lazer. Friedman (1960) refere que o lazer não é mais do que um complemento ou compensação do trabalho. Dentro da mesma lógica, Naville e Lanfant (1966) adiantam que é o trabalho que cria o tempo livre, através da riqueza. Braudillard (1962) defende que o lazer é um aspecto do consumo e como tal é o espelho da produção. Lanfant chega mais longe ao ponto de afirmar que o lazer não tem autonomia. Para ele, as viagens turísticas são um produto de uma tecno-estrutura das empresas multinacionais. Estas teorias foram rotuladas de teorias do trabalho. 114

Por oposição, surgiram as teorias da libertação. Criticando as teorias do trabalho, Dumazedier (1992) defende que a realização do lazer, sobretudo nas viagens de férias, não se resume ao repouso do trabalho. Ele chega ao ponto de renunciar o trabalho como a primeira necessidade humana, a não ser, para os desempregados. Como já referimos, ele criou a máxima aplicada por Marcelo Caetano, segundo a qual a sociedade do labor tinha cedido lugar à sociedade do lazer. Esta filosofia assenta na ideia do “fim do trabalho” apresentada por Marcuse (1964) e Maffesoli (1984) e que defendia, em termos simbólicos, a substituição do mito produtivo de Prometeu pelo mito festivo de Narciso ou Dionísio. Referindo-se ao trabalho escolar, Mendel (1984) diz que o trabalho não seria suportável se não houvesse cortes periódicos. Esta ideia é vista por Yonnet (1983) como a revolução da revolução, configurada na festa espontânea ou na chamada “despolitização”. Todavia, nem uma teoria nem outra satisfazem a explicação da necessidade turística. Não é apenas o ambiente de trabalho que determina as necessidades de lazer e de turismo. Da mesma forma, o lazer, ou a liberdade, não constitui, por si só, uma estrutura social, visto que esta, para existir, necessita de um grau mínimo de organização, que pressupõe trabalho. Também a relação trabalho-turismo não se aplica a todos os grupos sociais. Por isso, Parker (1983) apresenta três tipos de relações entre o trabalho e o turismo, ao mesmo tempo que Zuzanek e Mannell (1983) apresentam quatro. Cingimo-nos aqui à teoria desenvolvida por Parker, segundo o qual, existem três formas maiores de articulação entre o trabalho e o turismo: i) trabalho e turismo em oposição; ii) o turismo como uma extensão do trabalho; iii) neutralidade entre o trabalho e o turismo: a) Trabalho e turismo em oposição (compensação) Nesta perspectiva, o indivíduo é motivado a procurar formas de turismo que lhe ofereçam uma mudança radical de experiências, ou mesmo um tipo de vida diferente do que tem em tempo de trabalho. Com uma visão deste tipo poder-se-ia prever, por exemplo, se as pessoas que têm um trabalho monótono procuram férias estimulantes e excitantes; inversamente, as pessoas que tivessem um trabalho muito competitivo, que originasse stress, procurariam férias calmas e repousantes. Sharpley refere que, comprovadamente, este tipo de atitude se encontra sobretudo nas classes trabalhadoras mais baixas, visto que as que têm trabalhos de estatuto mais elevado, normalmente têm mais tempo livre durante o tempo de trabalho (horários reduzidos, fins-de-semana prolongados,...). Gottlieb (1982) diz que um turista de uma classe social mais baixa procuraria “ser rei por um dia”, enquanto que um turista de uma classe social mais elevada procuraria “ser camponês por um dia”.

115

Esta alteração é vista por Lett (1983) como uma inversão dos próprios valores sociais. Este seria o papel compensatório do turismo, que prepararia o turista para o ingresso na vida quotidiana. b) Turismo como uma extensão do trabalho (complemento) O modelo de extensão propõe a existência de uma pequena diferença entre padrões de trabalho e padrões de lazer. Por um lado, o turismo complementa-se com o lazer, por outro, contrasta com o trabalho. As pessoas com empregos de muita responsabilidade preferem um tipo de turismo independente e estimulante, enquanto que aqueles que têm um trabalho rotineiro e monótono adoptarão uma posição mais passiva em tempo de férias, escolhendo, portanto, o turismo de massas. Existem ainda casos em que as férias e o trabalho tenderiam a complementar-se, como por exemplo as férias dos investigadores, que procurariam coisas novas e motivos interessantes para estudar, levando consigo livros ou o computador portátil. c) Neutralidade entre o trabalho e o turismo Este modelo ocupa um meio-termo entre oposição e complemento (extensão). Sugere que o trabalho não tem qualquer influência no período de férias e vice-versa. Assim, a experiência do trabalho e a do lazer mantêm-se independentes.

2.2. Influências sociais Para além das influências que o trabalho tem na escolha e obtenção do tipo de férias, existem outros factores, relacionados com o facto do indivíduo estar integrado numa sociedade, que fazem com que as suas decisões sejam ponderadas de acordo com a vontade dos outros e não apenas com a sua. As influências sociais reflectem-se a quatro níveis: 1)

influências familiares

O indivíduo começou a socializar-se na família e, esta socialização prolonga-se por toda a vida, na medida em que as informações interiorizadas não desaparecem. Assim, as pessoas tenderão a escolher as férias mediante os trâmites tradicionais em que foram educadas. Por outro lado, a sua inserção, no momento, numa família, faz com que os destinos e mesmo o pacote de turismo a adquirir tenha de ter em conta esse constrangimento. Por exemplo, o pacote VFR (visits to friends and relatives, cf. visita a amigos e parentes) é fortemente determinado pelas ânsias dos elementos que compõem a família; 116

2)

grupos de referência

Qualquer indivíduo encontra-se afecto a um grupo de referência, ou seja, um conjunto de pessoas que partilha com ele o facto de participar nas mesmas crenças e rituais ou mesmo atitudes e comportamentos. Os grupos de referência podem obter várias formas (étnica, religiosa, ocupacional ou de vizinhança) e são ou normativos (influenciam valores gerais) ou comparativos (influenciam tendências específicas); 3)

classe social

Segundo Moutinho (1987), uma classe social é “uma divisão de categorias numa sociedade, relativamente permanente, que ocasiona algumas restrições de comportamento entre indivíduos de diferentes posições sociais.” Por isso, os elementos de uma mesma classe tendem a partilhar modos de vida e valores semelhantes e é provável que assumam um modelo de comportamento que tenda à uniformização. Como influência nas escolhas turísticas, a classe social adquire uma tendência própria de aproveitamento das condições proporcionadas pelas férias; 4)

cultura

A cultura de uma sociedade é uma combinação dos seus valores, moralidade, normas de comportamento, costumes, artefactos e linguagem, é um modo de vida que se transmite de geração em geração. Como influência na escolha turística, a cultura passa por particularizar aqueles que, tradicionalmente, fazem turismo, daqueles que não o fazem. Por outro lado, diferentes culturas motivam diferentes tipos de turismo e, por consequência, diferentes destinos (principalmente no que toca às peregrinações religiosas).

2.3. A sociedade moderna e a motivação turística Vários são os autores que consideram as férias e a viagem como aquisições sociais. De facto, conforme vimos na história social do turismo, ao longo dos tempos, as aquisições com o objectivo de melhorar a vivência das sociedades foram-se paulatinamente enraizando, até chegarmos a considerar as férias como formas necessárias dessa vivência. A liberdade e a mobilidade social foram acompanhadas de um rápido processo de evolução tecnológica e, em termos modernos, as férias grandes adquiriram

117

um estatuto semelhante ao próprio ritual, que determina o ponto de viragem no ciclo anual e mesmo no ciclo de vida. Em conformidade, a sociedade moderna também cria as motivações para o turismo. O escape à vida social moderna é representado sobretudo por essa vontade de fugir ao quotidiano, de reencontrar a verdadeira vida. No fundo, é a sociedade que motiva o turismo, enquanto que, paradoxalmente, o turismo surge como factor de atracção para a sociedade. Como Sharpley refere:

“(…) a divisão do trabalho, a produção em massa e a automatização têm alienado os indivíduos do seu trabalho; uma maior mobilidade e comunicação têm separado as pessoas dos seus amigos e famílias, as cidades têm alienado as pessoas da natureza, tornaram-se até alienadas de si próprias. Imersas num mundo dominado e guiado pela economia e pelo crescimento económico, as pessoas perderam o seu sentido de lugar e pertença, a sua identidade; independência e liberdade substituíram a comunidade, possuir substitui o ser, o materialismo substituiu o contentamento.” (op. cit.: 111, id.)

O avanço tecnológico, reduzindo os esforços, reduz também o contacto humano e a interacção social. Em resumo, a vida social é dominada por um sentimento de anomia. De acordo com Dann (1977), a anomia é um dos principais motivadores extrínsecos do turismo. Parece que, contrariamente ao que deu origem à viagem, o turismo moderno é motivado pela necessidade de escape e não pelo desejo de descoberta, daí que a única forma de minimizar os impactos do turismo seja remover a necessidade do turismo. Alterando, no bom sentido, o modo de vida das sociedades modernas, as pessoas não irão sentir mais a necessidade de escape e, consequentemente, de participação maciça no turismo.

3. As motivações intrínsecas O estudo da motivação tem incidido tradicionalmente nas necessidades e desejos dos indivíduos. Este pressuposto parte do princípio que as motivações são sempre fruto de necessidades enraizadas individualmente e que se reflectem nos seus comportamentos específicos, visto que cada indivíduo tem necessidades pessoais e únicas que podem ser irreconhecíveis, mas que lhes são intrínsecas.

118

Segundo Graburn ([1977] 1989), as razões do turismo são tantas como os turistas. Apesar dessa grande variedade, a grande motivação do turismo é a necessidade humana para a recreação. Defende ele que a partilha de actividades (experiências) turísticas se baseia em três razões principais:

1 – o evento ser realmente não-ordinário; 2 – os participantes, inicialmente, partilharem sistemas de valores similares; 3 – os participantes já se conhecerem, na mesma profissão ou instituição.

Embora esta perspectiva estruturalista dê a entender que a motivação geral do homem se sobrepõe às dos indivíduos, não retira importância às apreensões individuais dessa motivação para a recreação. Esta hipótese é, aliás provada por vários trabalhos empíricos, onde se destaca o de Dumazedier (1992). Através de um estudo feito na sociedade francesa, ele concluiu que o que os turistas procuram nas férias é, primeiramente, “romper com o que se faz no resto do ano”, conjugado com “a procura de sol”, o “relaxamento”, a “diversão / distracção”, ou “visitar a família” e “fazer novos conhecimentos”. Ele concluiu o seu trabalho dizendo que as férias são uma brecha privilegiada para a libertação das rotinas ordinárias, para a descoberta de novas riquezas naturais ou artísticas, para o enriquecimento pelos encontros imprevistos e para a expressão mais livre do corpo e da imaginação. Em suporte de todas estas procuras encontra-se uma principal: alargar o tempo livre. Em consequência desta procura e destes aproveitamentos, a sociedade francesa era assomada pela emergência de novos valores resultantes do confronto cultural provocado pelo turismo. Esses valores reflectiam as próprias procuras ou motivos que os turistas engendravam e resultavam na realização da individualidade, na procura de novos modelos de convívio e nas preocupações ambientais.

3.1 A hierarquia das necessidades Maslow (1943) formou a teoria da hierarquia das necessidades, que tem sido sobejamente utilizada no estudo das motivações turísticas, e construiu o corpo de uma teoria geral da motivação. Esta teoria revela-se ainda hoje fundamental, especialmente para a psicologia, embora tenha sido apelidada de

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redutível. Segundo a mesma, os indivíduos têm um conjunto de necessidades a satisfazer que se pode apresentar a cinco níveis:14

NECESSIDADES

COMPORTAMENTOS

Físicas

Fome, sede, descanso, sexo, etc.

(de) Segurança

Libertação de ameaças, medo, ansiedade, etc.

Sociais (afectivas)

Amizade, afecto, receber amor, etc.

(de) Estima

Auto-estima, reputação, auto-confiança, prestígio, etc.

(de) Auto-realização

Auto-preenchimento, auto-satisfação.

Quadro 7 – Hierarquia das necessidades (segundo Maslow)

Maslow diz que estas necessidades formam uma hierarquia, em que o indivíduo só atingirá a satisfação em cada categoria seguinte quando a anterior estiver satisfeita. Se nenhuma das necessidades foi satisfeita, então as necessidades físicas precedem e dominam o comportamento. Uma vez satisfeita essa necessidade, o comportamento só será passível de motivação no nível hierárquico imediatamente a seguir. Este processo só se ultimará no último nível, e as pessoas deverão ter sempre como última meta o nível da auto-realização. Esta classificação das necessidades foi assumida pelo próprio Maslow como demasiado simplista. Ele reconheceu que a hierarquia poderia não ser linear e o indivíduo saltar de uma motivação para outra sem passar necessariamente pela ordem defendida. Por outro lado, as necessidades poderiam não ser plenamente satisfeitas, podendo-se passar para um nível seguinte sem que o anterior se encontrasse acabado. Todavia, esta hierarquia das necessidades é a que, devido à sus simplicidade, tem sido mais aplicada no que se refere às motivações dos turistas. Trabalhos como os de Pearce (1988) e Pearce e Caltabiano (1983) percorreram este modelo para estudar as motivações turísticas. De acordo com esse modelo, também eles apontam cinco diferentes níveis de motivação, relacionados com as necessidades biológicas, segurança e necessidade de segurança, necessidades de relacionamento, necessidades de interesses particulares e necessidades de auto-actualização. Esses trabalhos aludem para aspectos importantes, tais como, a presença de motivos biológicos duplos (descanso e recuperação, por exemplo) e o reconhecimento da mudança da prioridade dada às necessidades de acordo com o

A seguinte tabela baseia-se na original proposta por Maslow (1943), mas é aqui apresentada com algumas alterações, concretamente na nomeação das duas ordens de categorias, bem como nos exemplos de comportamentos referidos. 14

120

tempo, além do facto de que os turistas podem ter mais do que uma motivação. A motivação turística é vista, deste modo, como um processo dinâmico. Segundo Pearce (1992) as pessoas “têm uma carreira turística e ascendem a ela passando por diferentes níveis conforme o seu ciclo de vida. A qualquer altura eles podem-se retirar-se da sua carreira turística, isto é, podem abdicar das suas férias.”

3.2. As motivações psicológicas para o turismo Segundo Dann (1977), o turismo é socialmente motivado pela condição anómica da sociedade e psicologicamente pela necessidade de afirmação do ego. Esta afirmação vai de encontro à expressão rei por um dia de Gottlieb (1982). Em complemento, está de acordo com as necessidades de estima de Maslow. Dann, com base no seu trabalho de campo realizado em Barbados, concluiu que os turistas anómicos eram casados e que pertenciam tendencialmente aos grupos sócio-económicos altos, considerando que a satisfação do ego dos turistas é proveniente de um grupo sócio-económico baixo, com maior tendência a verificar-se nas mulheres. O reforço do ego surgiria assim como reflexo da oportunidade de viajar. Cromptom (1979) refere que os turistas têm dificuldade em dizer quais os verdadeiros motivos que os levam a fazer férias como turistas. Apesar disso, apontou sete motivos psicológicos principais: escapar de um ambiente mundano perceptível, exploração e avaliação da própria pessoa, relaxar, buscar prestígio, regredir para si próprio, estabelecer relações de amizade e facilitar a interacção social. Segundo o autor, estes motivos psicológicos representam uma espécie de agenda oculta das motivações do turista. Dentro da dificuldade de apreender as verdadeiras motivações psicológicas dos turistas, também Mill e Morrison (1985) referem que “os próprios turistas podem ter dúvidas acerca das verdadeiras razões do seu comportamento para a viagem. Às vezes os indivíduos não estão cientes das verdadeiras razões que os levam a agir em determinadas situações.” Um aspecto importante neste tipo de análise é apresentado por Krippendorf (1987). Ele refere que “a expressão da motivação dos indivíduos para viajar, acabará por repetir de forma mimética todas as razões invocadas pela publicidade e que são repetidas mais que uma vez em todas as brochuras e catálogos de turistas, enquanto que as verdadeiras razões se ocultam no subconsciente.” No entanto, este autor apresenta oito motivações que levam o turista a viajar e que aparecem identificadas na literatura turística: recuperação e regeneração, compensação e integração social, fuga, comunicação, expansão da mente, liberdade e auto-determinação, auto-realização e felicidade. 121

4. A motivação proposta Fruto da dificuldade em descobrir as verdadeiras motivações pessoais para o turismo, Macintosh e Goeldner (1990) propuseram quatro motivos principais para a viagem:

a) motivos de foro físico: relacionados com a necessidade de participação no desporto, passatempos relaxantes e outros motivos relacionados com a saúde. O motivo de toda esta variedade é a redução das tensões do corpo e o refrescar da mente; b) motivos de foro cultural: desejo de ver e aprender coisas sobre os outros países, a sua música, a sua gastronomia, história, religião, arte, etc.; c) motivos de foro interpessoal: visitas a amigos, parentes, desejo de conhecer outras pessoas, fazer amizades e fugir ao quotidiano; d) motivos relacionados com o estatuto social e com o prestígio: reforço do ego e desejo de reconhecimento, apreço, atenção e aperfeiçoamento pessoal. As viagens podem relacionar-se com a educação ou o estudo, com hobbies ou o turismo de negócios e conferências.

5. O turismo como viagem sagrada A análise simbólica pode considerar-se a perspectiva mais evoluída das considerações sobre o homem. A sua importância deve-se a um factor principal: a ruptura com o positivismo afirmado e reafirmado nos meios académicos ao longo dos tempos. Esta ruptura tinha já sido encetada pelo conhecido Círculo de Viena, especialmente por parte dos avanços preconizados por Freud, que descobriu um mundo não-racional no indivíduo que relega para segundo plano o papel da razão. À oposição entre racional e irracional promulgada pelos teóricos pró-iluministas, contrapôs-se a oposição racional – não-racional, reconhecendo-se que o plano da interpretação simbólica não opera com indicadores irracionais, mas sim com eventos que regulam as suas manifestações por princípios diferentes do da causalidade positivista, i.e., pela analogia e pela associação metafórica entre elementos de naturezas diferentes. Se, na realidade, quisermos estudar as razões que estão por detrás, por exemplo, dos movimentos turísticos, será muito difícil fazê-lo recorrendo a explicações objectivas pois que, os 122

próprios turistas, como se viu, “não têm palavras” para explicar as razões dos seus próprios comportamentos. Há muito tempo que a antropologia reconheceu a importância da perspectiva de análise simbólica, admitindo que, se nos cingirmos apenas aos princípios da racionalidade científica, muitos fenómenos, comportamentos, eventos, ou comemorações, ficariam por explicar; isto porque, na maior parte das vezes, o plano da realidade visível, apenas exprime um trabalho mental muito complexo que escapa aos modelos de análise tradicionais. Dentro do estudo do turismo, o autor que mais se distinguiu pela abordagem simbólica foi o antropólogo Nelson Graburn. Ele preocupou-se em estudar, especialmente, a segunda das duas grandes áreas que foram privilegiadas na análise antropológica do turismo, a saber, a do significado do turismo para o turista (a primeira assenta na avaliação dos impactos do desenvolvimento turístico nas culturas e sociedades hospedeiras). Enquanto a primeira área se debruça sobre os impactos sociais do turismo (perspectiva materialista dialéctica, representada por Nash), a segunda preocupa-se com o nível antropológico das motivações (perspectiva simbólica, representada por Graburn). Graburn (1989) refere que o turismo “é funcional e simbolicamente equivalente a outras instituições que os humanos utilizam para embelezar e dar significado às suas vidas.” Neste sentido, verifica-se um paralelismo entre o papel do turismo como um ritual secular na vida moderna e as formas de viajar mais tradicionais, tais como as peregrinações. A forma como milhares de pessoas se sentem empurradas para o turismo, como que por uma força invisível, é análoga à da peregrinação. De facto, o que é importante não é o lugar em si nem a motivação geral, mas sim o significado do turismo para o turista. A diferença entre o turismo e a peregrinação radica não tanto em qualquer diferença fenomenológica radical entre eles... mas antes uma sublimação da linguagem cultural dos símbolos nos quais os viajantes são obrigados a exprimir a sua condição de peregrinos. (Pfaffenberger, 1983). Turner (1973) desenvolve a ideia segundo a qual, as pessoas, ao fazerem parte de rituais religiosos ou ao participarem numa peregrinação, se divorciam do dia-a-dia social, da estrutura económica e dos constrangimentos. Segundo ele, isto envolve um processo típico, composto por três fases: no início, as pessoas experimentam a separação, depois passam pela liminaridade e entram na anti-estrutura e depois, após o período de férias, experimenta a reintegração na “vida normal”.

123

Em suma, os turistas, uma vez em férias, libertam-se temporariamente das exigências dos seus empregos, tarefas domésticas, compromissos sociais e, geralmente, de normas, valores e comportamentos da sua sociedade. Sem os constrangimentos habituais, podem estabelecer relações de amizade com pessoas que, num tempo normal, manteriam à distância. Esta afectividade baseia-se na liberdade comum e na fuga permitida pelas férias. Turner diz que este sentido de união, de partilha, demonstra, simbolicamente, uma atitude religiosa, como que um estado de comunhão comunitária. Na terceira fase experimenta-se o retorno ao ambiente e estrutura social doméstica. Em sociedades tradicionais, é como o regresso de um ritual sagrado ou de uma peregrinação. A experiência da liminaridade é renovadora para o turista. Ele volta refrescado e pronto a reassumir as responsabilidades e limites do quotidiano. Assim, o turista experimenta uma mudança social e adquire uma posição que lhe permite ver a sua cultura e sociedade pelo lado de fora, aquilo que Turner chamou de “centro lá fora”.

6. Motivação e contemplação turísticas De acordo com Urry (1990a, 1990b e 1992), a actividade turística é contemplativa. Ele criou o conceito de contemplação turística. Esta ideia baseia-se no facto que “a característica mínima da actividade turística é o facto de observarmos, de contemplarmos, determinados objectos.” A contemplação seria o gérmen do turismo, enquanto que as estruturas e equipamentos que surgiram na forma da indústria turística apenas têm a função de proporcionar esta contemplação (que afasta o turista das experiências quotidianas). Assim sendo, a motivação turística resulta da necessidade de contemplação dos centros de interesse turístico, lugares e pessoas incomuns, que se encontrem afastadas da experiência e rotina normais, da vida quotidiana. Em termos sucintos, a actividade turística (contemplação) é motivada pela necessidade de colher contemplações. Dependendo das necessidades dos turistas, as contemplações podem-se dividir em dois tipos:

1.

contemplação romântica - motivada pelo desejo de divertimento e de experiências solitários. É o

equivalente da busca de autenticidade e da jornada sagrada “para fora do centro”. O turista romântico procura conhecer a realidade das outras culturas e sociedades e, de um modo geral, tenta recriar a “arte perdida da viagem”;

124

2.

contemplação colectiva – forma comunitária do turismo. É motivada pela necessidade de

contemplar a família e partilhar o incomum com outras pessoas. A experiência partilhada é de importância fundamental para este tipo de contemplação.

Muitas outras considerações poderiam ser aqui feitas sobre as motivações turísticas, mas seria despropositado prolongar um estudo que se refere, além do que foi dito, a outras análises que pouco contribuem para se entenderem as razões das pessoas para fazerem turismo. Visto que tal análise pormenorizada implicaria entrar em campos que excedem as competências epistemológicas da sociologia, decidimos, portanto, deixar por aqui a apresentação das motivações do turismo. Em todo o caso, os leitores que tiverem maior curiosidade sobre o assunto, podem encontrar valiosas pistas na bibliografia que tivemos o cuidado de elaborar com base na preocupação de reunir os principais estudos sobre o assunto.

125

LIÇÃO 5

OS IMPACTOS SÓCIO-CULTURAIS DO TURISMO

1. Impactos sociais e culturais do turismo O turismo, devido a vários factores que fizeram sentir a sua importância ao longo do século XX, tornou-se num fenómeno que movimenta milhões de pessoas e milhares de milhões de euros. As suas características (reveja-se a lição II) reflectem-se sobretudo na extrema maleabilidade que tem e que faz com que seja hoje uma indústria que encontra ramificações em todos os países e que aumenta as expectativas de todas as economias. Fenómeno universal por excelência, ele tende a fazer parte integrante dos modelos de desenvolvimento económico aplicados em todos os países. As mudanças económicas arrastam consigo mudanças sociais e culturais. A tal ponto este aspecto é relevante que caminha lado a lado com a evolução tecnológica e com a consequente universalização da informação e do espaço. O desenvolvimento turístico a que se tem assistido mostra-se como um veículo privilegiado de modernização das economias e, por isso, altera as estruturas sociais e políticas que lhe estão intimamente ligadas. Isto faz com que o turismo seja hoje um dos principais factores de 126

mudança sócio-cultural – visto que sociedade e cultura são indissociáveis. Na tentativa de separar os dois tipos de impactos, Murphy propõe que os impactos sociais sejam tratados como possuidores de um efeito mais imediato sobre os turistas e as comunidades hospedeiras e a sua qualidade de vida. Por outro lado, os impactos culturais são os que conduzem, a longo prazo, a mudanças graduais nos valores, crenças e práticas culturais das sociedades. Sharpley acrescenta que:

“(...) os impactos sociais são aqueles que respeitam as questões como a saúde, o comportamento moral, a estrutura da família, papéis sociais, crime e religião, enquanto que os impactos culturais podem determinar mudanças comportamentais e de atitudes, ao nível do vestuário, da comida e das relações sociais, bem como mudanças na produção de práticas e artefactos culturais.” (Id.)

Porém, enquanto existem mudanças positivas, como as melhorias introduzidas na qualidade de vida das pessoas, na educação, na melhoria do emprego e nas infra-estruturas e equipamentos sociais; existem também mudanças negativas, como por exemplo, a alteração das estruturas tradicionais de vivência social, dos valores sociais e familiares, o emergir de novos grupos economicamente poderosos ou mesmo, a perda da autenticidade, passando a cultura a figurar como um bem que está à venda, como uma mercadoria. Estas mudanças, tanto as positivas como as negativas, manifestam-se mais nas sociedades e culturas de destino. A literatura acerca do problema dos impactos sócio-culturais do turismo reporta-se sobretudo à noção de ocidentalização da cultura humana. Isto é, a transposição dos modelos políticos e sociais dos países ocidentais para os não-ocidentais, havendo como que uma epidemia dos gostos capitalistas, acentuados pela globalização do mercado. Smith (1989) refere a prostituição, o abuso de drogas, alcoolismo, homossexualidade juvenil, a falta de respeito pelos rituais autóctones ou mesmo o choque ao pudor como principais impactos negativos; e, como factores positivos refere sobretudo os económicos e o facto de o turismo funcionar como uma ponte para a apreciação da relatividade cultural e compreensão internacional. Nash refere que, quando a actividade turística é controlada por indústrias ou entidades exteriores ao processo, o turismo torna-se uma forma de imperialismo e pode desenvolver-se numa forma de neocolonialismo. Deitch, por seu lado, considera que o turismo é importante para fazer renascer a cultura tradicional, como é o caso das artes índias ou das religiosas (Loeb).

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Quando se apresentou a tipologia do turista de Smith, demonstrou-se como os tipos de turistas tinham diferentes formas de aceitação das normas locais. O impacto resultaria não apenas do tipo de turista mas também do seu número.

2. Turismo, sociedade e cultura Como refere Murphy (1985), o turismo é um evento sócio-cultural tanto para o viajante como para o anfitrião. A interacção social resultante do contacto entre os protagonistas assenta precisamente na diferenciação cultural. Esta ideia alude para o facto de que a diferença entre impactos sociais e impactos culturais é muito difusa. A diferenciação existe tanto num plano como no outro. Assim sendo, é natural que a interacção resulte numa alteração tanto cultural como social, e tanto no turista como no anfitrião. Nash (1989) adianta que a transacção turística tem dois sentidos, envolvendo a interacção entre os centros metropolitanos e as áreas turísticas. Para ele, as consequências do turismo terão de ser analisadas tanto num campo como no outro. Assim, nas áreas turísticas, assiste-se à introdução, pelo exterior, de uma nova realidade sócio-cultural, que se reflecte sobretudo na divisão da sociedade em classes, devido à assunção de novas funções, que espelham o próprio turismo. Já nas áreas metropolitanas, as mudanças são visíveis sobretudo através da criação e existência de uma classe de lazer móvel e de uma infra-estrutura que a suporta. Paralelamente, aumenta o descontentamento em relação ao estilo de vida quotidiano (devido à constatação da existência de outros modos de vida); o factor psicológico é aqui muito importante. Ao mesmo tempo, as ruas com inspiração comercial vão sendo pejadas com agências de viagens, que trazem novos serviços à sociedade.

3. Os factores de influência das mudanças sócio-culturais

3.1. Tipologias / número de turistas O volume e o tipo de turistas são ambos factores significativos na determinação dos potenciais impactos sócio-culturais do turismo. Na sua tipologia do turista, Valene Smith demonstra como o tipo de turista (a que corresponde o número de turistas) causa impactos na cultura autóctone. Além disso, os critérios apresentados na sua tipologia demonstram, de forma simples, como é que os turistas são vistos (impacto nas percepções).15 Um diagrama que representa bem esta articulação entre turista e autóctone, e os impactos verificados em ambos, pode ser encontrado na Introdução de “Hosts & Guests – The Anthropology of Tourism”, pág. 15, da autoria de Valene Smith. 15

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Assim, as classes “exploradores” e “elite”, devido ao seu pequeno número, causam pouco impacto na cultura autóctone; a “destacados” e “esporádicos” causam um impacto relativo (o seu dinheiro é notado e a sua presença causa rupturas de pouca envergadura). As classes “massa incipiente”, “massa” e “charter” causam muito impacto tanto na cultura local como na sua economia. Perante estas invasões, a cultura local pode i) controlar conscientemente ou mesmo restringir o turismo para proteger a integridade económica e cultural, ou ii) encorajar o turismo e reestruturar a sua cultura para o absorver. No ponto de intercepção dos impactos com as percepções, situado na passagem da classe “esporádicos” para a “massa incipiente”, os países de destino podem adoptar medidas para impedir a entrada de turistas de modo a controlar o seu impacto anual. Da mesma forma, este é o ponto que corresponde à construção (ou não) de estruturas cujo objectivo é o aproveitamento económico do turismo.

3.2. Importância da indústria turística O primeiro objectivo do desenvolvimento turístico é o crescimento económico e a diversificação. Num país onde a actividade turística apenas preenche uma pequena fatia no total da economia, os impactos sócio-culturais do turismo têm pouca expressão. Em contraste, num país onde o turismo é um dos principais meio de aquisição de rendimentos, as comunidades locais tornam-se perfeitamente dependentes do turismo e os seus impactos tendem a absorver a sociedade e a cultura.

3.3. Envergadura e desenvolvimento da indústria turística Nas pequenas comunidades, um grande número de turistas causa impactos enormes, enquanto que, por exemplo, numa grande cidade, os equipamentos turísticos existentes podem absorver grandes números de turistas sem que os impactos provocados por eles sejam de importância maior. De mesma forma, num destino turístico onde se verifica um grande desenvolvimento das estruturas do turismo, a mudança não se manifesta em termos de rupturas entre épocas, ela é contínua e, por isso, melhor absorvida pela estrutura social, só sendo visíveis os impactos maiores quando se submeterem à comparação de espaços de tempo bastante díspares.

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3.4. O compasso do desenvolvimento turístico A deficiente sensibilidade por parte das sociedades locais para o turismo acarreta choques grandes nos seus estilos de vida. Isto provém da falta de preparação para o fenómeno, devido à falta de estratégias de desenvolvimento turístico concertadas. Como defende Ryan (1991), o nível de impacto nos destinos turísticos resultará da interacção entre a natureza do agente de mudança e a inerente resistência e capacidade da cultura hospedeira em compreender e absorver os geradores de mudança, embora conservando e mantendo a sua integridade.

4. O turismo como agente de mudança sócio-cultural Em sociedades que adoptam uma política de desenvolvimento turístico, o turismo é, no que respeita ao estudo da mudança social, contraposto a outros factores e adquire quase sempre o protagonismo nessa mudança. Já em relação a países em vias de desenvolvimento ou subdesenvolvidos, as mudanças provocadas pelo turismo são geralmente consideradas negativas. O turismo, quando constatado nestes últimos tipos de países é quase sempre visto como o impulsionador de mudanças negativas devido, principalmente, à estandardização de um modelo económico e social baptizado como “ocidental”. Todavia, todas as sociedades estão em constante mudança. Também é verdade que essas mudanças tendem a aproximar os países dos modelos ditos “ocidentais”. Mas, o turismo não é, seguramente, o principal factor que leva a essa aproximação. Como Smith lembra, os Tana Toraja, não dão muita importância ao turismo nem o vêem como um canal de transmissão da cultura ocidental à sua; como refere o seu guia, os Tana Toraja vêem todos os dias o mundo ocidental (e exterior em geral) na televisão. De facto, a globalização dos modos de vida não é da exclusiva responsabilidade do turismo. Os meios de comunicação social, os transportes, o comércio, são outros factores importantes. Smith adianta que a cultura muda pela forma como a modernização tem feito impressionantes usurpações em áreas economicamente atrasadas, e o processo está em constante aceleração. No seu estudo da sociedade esquimó ele concluiu que os próprios governos, pela introdução de melhorias sociais, que se mostram nos melhoramentos dos equipamentos públicos e mesmo na construção de novos, são os primeiros a globalizarem os modos de vida, de acordo com modelos que encontram no ocidente o seu ponto de chegada. Aqui, o turismo apenas pode ser responsabilizado por uma pequena parte do processo de mudança social. Como se disse acima, o estudo dos impactos provocados pelo turismo incide sobretudo na questão da perda de autenticidade das culturas locais. Ora, como Wood (1980) adianta, esta tendência de análise nada mais é do que uma forma de etnocentrismo ocidental e de romantismo reflectida na questão da 130

abordagem do problema - um preconceito ocidental. Este particularismo cultural exacerbado assenta no pressuposto de que é melhor a “conservação do tradicional” do que o “desenvolvimento no encalço da novidade”. Deste modo, do ponto de vista ocidental, o turismo representa uma ameaça à integridade social e cultural. Na verdade, as sociedades e as suas culturas não são assim tão frágeis. Este problema do preconceito ético deve ser abandonado e deve-se procurar avaliar as mudanças sociais e culturais do ponto de vista inter-estrutural, no sentido de prever a coexistência de vários factores de mudança, dentro dos quais, o turismo preenche apenas uma função específica.

5. Os impactos sociais do turismo Os impactos sociais e culturais do turismo, como a própria sociedade e cultura, são aspectos intrincados uns nos outros, pelo que, só em termos operatórios é que é possível separá-los. Dentro da amálgama de factores de mudança, podem-se agrupar os impactos em dois campos maiores: aqueles que são resultantes do desenvolvimento da indústria turística e os que resultam da interacção entre turistas e hospedeiros.

5.1. O desenvolvimento da indústria turística Sharpley refere que “o turismo é normalmente planeado e desenvolvido como uma fonte de rendimento e trocas exteriores, provendo, assim, os recursos e progressos económicos nas comunidades destinatárias.” Custos e benefícios estão implicados nesta base económica do turismo, que extravasam esta mesma base. Enquanto fenómeno materialista, o turismo cria novas oportunidades nos sectores formal e informal da economia, novos critérios de estatuto social e contribui para a mudança de instituições sociais tão básicas como a família (Harrison, 1992).



A melhoria da qualidade de vida

Todas as mudanças têm duas faces, uma positiva, outra negativa. Por exemplo, na questão da qualidade de vida, as populações das áreas turísticas podem beneficiar de melhores infra-estruturas básicas requeridas pelo turismo, tais como vias de comunicação, transportes, meios de comunicação, aumento do poder local, água potável, melhoramentos do sistema de esgotos e outros equipamentos requeridos como bases de acolhimento para os turistas. Por outro lado, também aumentam os postos de trabalho (abertura de lojas, centros culturais de entretenimento), melhoram as condições 131

ambientais, recupera-se o património monumental e habitacional e melhora-se a eficácia dos serviços públicos de apoio (saúde, segurança social, educação). No reverso, o crescimento do turismo pode trazer problemas de ordenamento urbanístico, os empregos podem ser precários (sazonais), altera-se a lógica económica (por exemplo, a passagem de uma sociedade industrial para uma baseada nos serviços, com todas as implicações que isso traz na questão da formação dos recursos humanos), suscita a especulação imobiliária e dos terrenos, ou a descaracterização do tecido comercial, que passa a especializar-se na venda de produtos turísticos.



As mudanças no papel da mulher ou na divisão social do trabalho

Nalgumas sociedades, as funções da mulher são sancionadas social, religiosa ou economicamente, e o turismo vem alterar essa configuração. As mulheres reduzem o seu grau de dependência económica familiar, facto que, não obstante os benefícios de ordem sociológica que traz, não deixa de interferir na ordem social tradicional (Swain, 1989, no caso dos Kuna do Panamá). Como a autora demonstra, estas mudanças são minimizadas e até bem aceites pela sociedade em geral se o desenvolvimento turístico for tomado como um empreendimento onde se articulem os aspectos financeiros, os políticos, os económicos e os institucionais. De facto, quando isto acontece, a própria ordem social dá um salto qualitativo, passando mesmo a ser integrada como forma normal de participação social, a ascensão, por parte das mulheres, a funções públicas (como no caso do Chipre; Andronicou, 1979). Paralelamente à criação destas novas funções que passaram a ser consagradas na estrutura social, existem outras que são informais (como a prostituição na Tailândia e nas Filipinas). Como referência importante, existem casos em que o trabalho turístico é maioritariamente provido pelas mulheres (Bali; McKean, 1989), assim como outros em que é provido por homens (Tana Toraja; Crystal, 1989) e ainda outros em que se empenham os dois géneros (Navajo; Deitch, 1989).



As mudanças na estrutura da comunidade

Nos países onde se verifica uma maior dependência do turismo são mais visíveis as alterações na estrutura e coesão sociais locais. A criação de oportunidades de negócio ou de emprego em regiões mais favorecidas (litoral ou cidades) faz como que se assista a um incremento do êxodo rural, o que vai desequilibrar a estrutura etária da população e fazer com que as regiões menos atractivas sejam povoadas por camadas etárias mais idosas. Enquanto isso, as áreas mais atractivas vão ter uma 132

estrutura etária mais jovem. Estes jovens vão experimentar uma mais rápida mobilidade social e vão-se destacando cada vez mais da cultura tradicional, acentuando as rupturas com as gerações mais velhas. 5.2. A interacção turista-hospedeiro A presença física dos turistas e o seu comportamento constituem impactos para a população autóctone. Como refere Sharpley, alguns desses impactos serão imediatos, como comportamentos desapropriados, excessos consumistas ou, simplesmente, a maçada causada pela densificação dos indivíduos que fazem férias, o que, de alguma forma contribui para que os turistas não se preocupem em interagir com os residentes locais. Outros efeitos poderão ser graduais, reflectindo-se na forma como as comunidades locais adoptam comportamentos, atitudes ou códigos morais dos visitantes, através de um processo de aculturação. Embora tradicionalmente se analise a aculturação de forma unilateral, também é verdade que os turistas experimentam alterações nas suas “visões do mundo”. Eles podem mesmo ser enculturados, isto é, alterarem a sua curiosidade e ponto de vista crítico em relação à sua própria cultura, partindo da comparação entre esta e a que visitou. Em termos imediatos, o turista também sofre o impacto do turismo – ele é alvo de assaltos, é enganado, etc. –, embora estes aspectos sejam considerados sob o ponto de vista de que ele sofreu essas agruras devido ao desenvolvimento do turismo no país destinatário, i.e., os assaltantes e outros meliantes estão ali por causa do turismo (um impacto negativo do turismo no país de acolhimento). Os turistas podem ainda ser alvo de fraude por parte de pretensos operadores turísticos da sua própria sociedade. Da mesma forma podem contrair doenças. Contudo, também estes casos são vistos apenas como riscos provenientes da participação no turismo. Em suma, os impactos verificados na interacção turista-hospedeiro têm de ser analisados a partir de duas direcções: a do turista e a do hospedeiro. Todavia, é um dado assente que este sofre mais os impactos dessa interacção. Vejamos algumas formas que esses impactos assumem:



O efeito mimético

A introdução de valores e modos de vida alheios às sociedades tradicionais ou isoladas é um dos efeitos do turismo mais visível especialmente nas sociedades mais desfavorecidas. As comunidades locais começam a adaptar-se aos novos estilos de vida apresentados pelos turistas e a mudar os seus próprios valores e comportamentos, muitas das vezes na tentativa de competir com os turistas – a isto chama-se o efeito de demonstração (ou imitação). 133

A ostentação e a demonstração de níveis de riqueza por parte dos turistas são, na maior parte das vezes, inacessíveis aos autóctones. No geral, as sociedades locais encaram esses níveis de riqueza com algum de ressentimento. Este ressentimento pode ser incrementado pelos símbolos de desenvolvimento turístico, tais como os hotéis de qualidade, as zonas turísticas caras ou os clubes exclusivos e mesmo pela falta de respeito pela sua cultura. As implicações deste sentimento são variadas. Por exemplo, os jovens podem destacar-se dos padrões culturais tradicionais na tentativa de atingirem um nível de ostentação semelhante ao dos turistas; os autóctones em geral podem adoptar estilos de vestir ocidentais. Por outro lado, as actividades tradicionais podem ser abandonadas em favor das que estão ligadas ao turismo ou, em termos radicais, a mão-de-obra pode emigrar para os países geradores de turismo, procurando aí encontrar os elementos necessários à ascensão social representada pela riqueza. Um caminho possível para que isto aconteça é demonstrado pelos convites, por parte dos turistas, para uma visita ao seu país, ou a oferta do suporte financeiro ou ainda, a manutenção de relações permanentes. Nestes casos podem referir-se os “casamentos de conveniência”, que abrem as portas para a tal ascensão social. 

O crime

O crime, o turismo e a viagem sempre estiveram ligados. A hipótese do turista ser roubado é bastante provável. Existem mesmo formas terroristas que actuam essencialmente nas áreas turísticas, com o efeito de causar instabilidade social com repercussões internacionais. Num trabalho realizado na Flórida (Mathieson e Wall, 1982), mostrou-se que o crime aumentava na época alta. O turista é alvo das organizações criminosas que actuam roubando os seus haveres. Além de serem estranhos (facilmente identificáveis) eles transportam consigo uma certa variedade de haveres, desde os “traveler’s cheques”, às quantias em dinheiro ou às câmaras e máquinas fotográficas (objectos que facilmente se venderão no mercado negro). Outras actividades ilegais são por exemplo a agiotagem praticada por cambistas não certificados e a venda de produtos falsificados (o exemplo dos judeus do Irão, que têm uma rede organizada de falsificação de objectos arqueológicos; Loeb, 1989). Deve-se, contudo, notar, que não são apenas os turistas a serem alvos de crimes, eles também os podem praticar. Por exemplo, o consumo excessivo de álcool pode fazer com que cometam desacatos ou se tornem violentos. Da mesma forma, podem funcionar como correios de droga. 

A língua

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A língua é o meio de comunicação mais vulgarmente utilizado na interacção turista-hospedeiro. Além de estabelecer os elos de comunicação, a língua é também uma das principais marcas de cada cultura específica. Por sua vez, a comunicação necessária entre um e outro elemento exige a apreensão da língua, que corresponde à da maioria dos turistas, por parte dos autóctones. Esta aprendizagem reflecte-se em impactos que tanto podem ser imediatos (sociais) como prolongar-se gradualmente (culturais). As necessidades comerciais estão na base da aprendizagem da língua estrangeira mas, como lembra Sharpley, este facto também pode advir do tal efeito mimético. Por outro lado, também os turistas podem adoptar expressões ou pronúncias locais. Os efeitos desta aprendizagem enfraquecem as línguas minoritárias e fazem-nas desaparecer a longo prazo. Incidem ainda no mercado de trabalho, trazendo uma mais-valia àqueles que aprenderam a língua estrangeira e abrindo-lhes mais oportunidades. Em contrapartida, podem resultar numa perda dessas oportunidades para as camadas da população que tenham mais dificuldade em aprendê-la. Normalmente, as classes etárias mais altas sofrem discriminação em relação às mais baixas. 

A religião

Na Idade Média, a religião era o principal motivo turístico. Hoje em dia ainda existem peregrinações importantes que movem milhões de pessoas em todo o mundo e apresentam-se mesmo como um dos principais motivos do turismo doméstico. Todavia, o advento do turismo de massas moderno veio fazer com que os destinos tradicionalmente procurados por motivos religiosos sejam agora, muitas vezes, visitados por motivos culturais, históricos ou mesmo por simples curiosidade. Alguns dos principais centros de peregrinação são visitados por turistas que não procuram as mesmas coisas que os peregrinos. A religião tornou-se num produto comercializável. O choque visível pela chegada de grandes quantidades de turistas a locais de culto é bastante grande. No Butão, por exemplo, as autoridades locais proibiram os turistas de visitarem alguns mosteiros, a fim de evitar que os rituais ou retiros normais fossem transtornados. Outro impacto é a falta de respeito pela cultura local por parte dos turistas, que querem chegar a todo o lado a tirar fotografias de acontecimentos puramente rituais. Casos carismáticos são as cremações no Ganges, Índia; ou os rituais funerários dos Toraja, Indonésia. Neste último caso, os rituais são comercializados como espectáculos, perdendo a sua verdadeira função simbólica. Mesmo o caso do ritual da dádiva de carne aos pobres mudou; hoje já não é a carne de bovino que é dada, esta é guardada para os turistas, visto que os bovinos são um bem escasso. Ainda aqui, as relíquias ou mesmo as artes tradicionais mais importantes são vendidas, ficando a cultura destituída dos seus valores simbólicos principais, tendo que fabricar novos (que não têm a genuinidade que os outros tinham). Há casos em que a comercialização da religião, especialmente dirigida aos turistas, é uma fonte essencial de receitas. No caso dos Toraja, se se excluírem os turistas,

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a população é vitimada pela inflação que, em virtude dessa necessidade de abertura ao exterior, vão-se tornando cada vez mais culturalmente vulneráveis. 

A prostituição

Um dos casos mais chocantes de quebra de moralidade social é a prostituição generalizada, visível sobretudo nos países em vias de desenvolvimentos, especialmente na Tailândia e nas Filipinas. Estes dois países adquiriram mesmo o estatuto de “capitais do sexo” mundiais e são destinos especializados para os “tours” do sexo, organizados por alguns países. Contudo, estas áreas não são exclusivas do turismo sexual, ele é visível em quase todas as grandes cidades (zonas vermelhas). Também é verdade que o turismo não é um dos principais factores deste incremento. Todavia, o sexo torna-se num motivo de atracção turística, sobretudo porque durante o período de férias, existem a liberdade e o anonimato que incitam os indivíduos para essa prática. Também não é estranho vermos nos prospectos turísticos a aclamação de lugares especializados em sexo, ou conotados, entre outros motivos, com ele. O sexo tornou-se numa indústria cujo objectivo também passa por atrair os turistas, acrescentando aos três S’s um quarto (sun, sea, sand e sex). O turismo não é a causa da prostituição, mas contribui para ela. Apesar disso, existem formas de prostituição (especialmente dos jovens masculinos) que, nalguns locais, parecem ser causadas directamente pelo turismo.

6. Os impactos culturais do turismo A maior parte dos impactos turísticos são imediatamente visíveis, mas a sua repetição, ao longo dos anos, leva a que alterações estruturais vão tomando lugar. As artes e artefactos, as expressões de animação cultural, (como os carnavais, as comemorações, etc.), vão sendo utilizadas como atracções turísticas. No caso das artes, elas podem adquirir uma forma de produção alargada que desvirtua o seu carácter de genuinidade. No caso das comemorações, o turismo incita a que se programem acontecimentos que estão destituídos de sentido cultural e que, por isso, não vão ser compreendidos pelos estranhos. Por outro lado, Redfield (1955) demonstra que os turistas esperam a perpetuação das tradições, especialmente nas artes, nas danças e no teatro. Isto leva, segundo ele, a que a população mantenha as tradições, no sentido de continuarem a usufruir da riqueza turística. Inversamente, Greenwood (1989) mostra como o turismo desvirtuou o Alarde de Fuenterrabia, um acontecimento festivo que aclamava a identidade local numa cidade basca. 136

Segundo Geertz, a cultura é um sistema integrado de sentidos através dos quais a natureza da realidade é estabelecida e mantida e, por conseguinte, qualquer coisa que falsifica, desorganiza ou rivaliza com as crenças dos participantes na autenticidade, leva ao colapso cultural. Os rituais públicos serão, antes de mais, desempenhos ou comentários dramáticos de somatórios de significados básicos para uma cultura particular. Servem para reafirmar, desenvolver e elaborar os aspectos da realidade que abarcam um grupo particular como uma união de pessoas de uma cultura comum; i. e., reflectem a estrutura identitária de um grupo ou comunidade. Refere Greenwood, que no caso do Alarde, a cultura foi tornada um bem comercial, tangível, mensurável e passível de ser regateado. Assim sendo, não é possível falar de uma cultura tradicional, pois todas as culturas mudam continuamente. Todavia, esta mudança é claramente acelerada pelo turismo, especialmente pelo de massas. Cada vez é mais visível a “coca-colonização” do mundo. A cultura ocidental está a esbater as fronteiras culturais e a apropriar-se dos significados particulares do tal sistema integrado dos sentidos.

6.1. Turismo e aculturação Segundo Nuñez (1989), a aculturação é a influência recíproca estabelecida entre culturas. Com o passar dos tempos, ambas as culturas tenderão a aproximar-se e a tornar-se mais parecidas, através de um processo de troca de significados. Cada sociedade, em maior ou menor medida, vai adoptar os valores e atitudes da outra. Quando se verificam diferenças de poder marcantes entre as culturas, é natural que se verifique uma aculturação sobretudo num único sentido. Além do turismo, existem outras modalidades de aculturação, ainda mais fortes (como são os casos da televisão e da internet). A acrescentar, a aculturação preconizada pelo turismo é difícil de distinguir da aculturação com fonte noutros meio de interacção. Existem situações em que o turismo não é o principal factor de aculturação, especialmente nos casos em que não existem diferenças radicais entre culturas (por exemplo entre portuguesa e brasileira), mas é visível uma maior aculturação se as diferenças culturais forem maiores (por exemplo, portuguesa e chinesa). Em resumo, a aculturação depende da interacção entre o turista e o hospedeiro. Existe ainda a figura do “culture broker”, aquele que incita à aproximação entre a cultura local e a turística. Ele é, na maior parte das vezes, jovem, representando a nova atitude perante o estranho e vendo no turismo uma oportunidade de riqueza e de promoção da sua cultura. Muitas vezes ele é o responsável pela introdução de elementos culturais estranhos na sua própria cultura, funcionando como canal de aculturação. 137

6.2. Turismo e dependência cultural De acordo com Erisman (1983), muitas das vezes os impactos culturais do turismo podem resultar numa situação através da qual as sociedades que recebem os turistas se tornam culturalmente dependentes dos países produtores de turismo. A diferença entre este impacto e a aculturação baseiase no grau de controlo exercido pela comunidade local. Enquanto que a aculturação, sendo consciente ou inconsciente, é voluntária, a dependência cultural é involuntária. Assiste-se a uma espécie de relação de dominação / subordinação entre a cultura central e a periférica. Sharpley acrescenta que “num certo sentido, a dependência cultural significa o estádio final de um processo turístico designado de neo-colonialismo”, ou abdicação total do controle da economia pelo país receptor, do seu futuro social e cultural às mãos de um país estrangeiro (como já tivemos ocasião de verificar, no caso do tratamento do turismo como uma forma de imperialismo: Nash, 1989).

7. Os impactos sócio-culturais do turismo: como medir? A preocupação pela análise dos impactos do turismo tem vindo a ganhar importância ao longo do tempo. Várias são as entidades que se preocupam com esse fenómeno. Os governos são as que mais se empenham em minimizar os seus efeitos. A partir dos anos 90, surgiu a preocupação pelos efeitos nefastos do turismo no ambiente, encetando-se trabalhos de reconversão do ambiente e de protecção. A noção de turismo sustentado tomou importância. O desenvolvimento do turismo é o principal responsável por uma série de efeitos negativos por todo o mundo, chegando mesmo a prejudicar ecossistemas inteiros. Mas, enquanto é possível avaliar a capacidade de carga dos ecossistemas, e assim desenvolver medidas de protecção; no caso dos impactos sócio-culturais, isso é muito difícil, pois torna-se abstracto tentar descobrir a capacidade de carga de uma cultura. A maior dificuldade começa em se respeitar a relatividade cultural, baseada precisamente no facto de os conceitos a utilizar terem de ser, necessariamente, aplicados de acordo com o sentido que eles têm nas culturas de destino. Ora, isto não é o que se passa. Na tentativa de se procurar saber os verdadeiros efeitos do turismo nessas culturas, utilizam-se os conceitos ocidentais, sem se ter em conta que a significação é díspar (e é mesmo o que define o próprio sentido social e, por consequência, a relatividade cultural). Por outro lado, as sociedades ocidentais, numa atitude arrogante, advogam o direito de estabelecer o que está certo e o que está errado.

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Um modelo de avaliação dos impactos sócio-culturais foi apresentado pela antropologia (Peck e Lepie, 1989), estudando, no caso, as mudanças operadas pelo turismo em três cidades costeiras da Carolina do Norte. O trabalho incidia sobre a necessidade de se estabelecer uma tipologia do desenvolvimento turístico, ao mesmo tempo que, de forma aplicada, tentava apresentar sugestões para que o turismo se tornasse económica e culturalmente sustentável. A conclusão geral obtida por esse modelo é que cada tipo de crescimento aplica-se a uma comunidade específica, onde as políticas de desenvolvimento turístico são aplicadas de forma diferente. Os autores, após analisarem os dados, chegaram às seguintes conclusões específicas: a)

a natureza do turismo, em qualquer sociedade, é o produto de complexos factores de ordem

económica e política, bem como de questões que atraem os estrangeiros, especialmente de ordem geográfica e recreativa; b)

a mudança cultural induzida pelo turismo afecta a integração da comunidade, assim como a

magnitude da mudança; c) a natureza da mudança é correlativa também à fonte ou regulação do poder, mudando consoante a presença ou não de propriedades não locais; d) o poder económico e político emerge como o factor central de diferenciação do impacto do turismo; e) o turismo deve ser visto como um processo de aculturação com tendências cíclicas.

No caso da comunidade que experimentou um crescimento económico rápido, ela foi a mais negativamente influenciada pelo turismo, devido ao poder não ter origem na comunidade local. Por sua vez, a que experimentou um crescimento lento, foi positivamente influenciada, devido ao poder ser efectuado pelo governo local em parceria com os poderes económicos locais, o que lhes permitiu, efectivamente, acompanhar os impactos causados pelo turismo orientado com a dotação das infraestruturas necessárias. Finalmente, a última comunidade, devido à manutenção de um governo local forte, planeou o uso efectivo da terra e desenvolveu políticas de conservação, o que resultou num impacto cultural positivo.

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EPÍLOGO

TRARÁ O TURISMO DESENVOLVIMENTO ?

Uma das preocupações mais actuais relacionadas com o turismo tem a ver com a sua continuidade no quadro do desenvolvimento sustentável. Apesar de esta preocupação não poder ter sido incluída no programa da disciplina de Sociologia do Turismo, julgamos ser importante acrescentar-lhe um capítulo dedicado exclusivamente às questões do desenvolvimento do turismo e a este como factor de desenvolvimento para as populações, num contexto em que a evolução da indústria turística se faz cada vez mais em detrimento das fronteiras políticas regionais e locais. Assim sendo, uma articulação entre o local e o global deverá ser feita de acordo com as preocupações que regulam todos os aspectos relacionados com o desenvolvimento. É por isso que resolvemos inserir nesta obra uma reflexão sobre a relação entre turismo e desenvolvimento, sob a forma de uma interrogação. Num sentido, esta secção é sobre a política económica do turismo. Numa análise científica social do turismo, e com base na noção levi-straussiana de "dualismos simbólicos", um padrão recorrente de bipolaridades é evidente. Este facto avisa-nos para a necessidade de ter uma visão geral das tensões e contradições que são vistas nas discussões acerca do turismo e que não são encontradas ao longo da narrativa deste livro. Algumas destas oposições simbólicas e económicas foram vistas anteriormente, e argumentam acerca do turismo como sistema e as inter-conexões entre turismo e cultura que foram apresentadas na Lição V. 140

Contudo, é precisamente devido ao facto de que o turismo, enquanto "indústria", trazer impactos à vida dos povos, que os antropólogos podem desempenhar um papel fundamental na elaboração de algumas separações binárias, como as que são enumeradas a seguir.

Foco global

Foco local

Alargamento económico

Desenvolvimento humano sustentável

Turismo como indústria

Turismo como sistema

Turismo como consumismo

Turismo na cultura/cultura no turismo

Globalização

Localização

Totalidade

Periferia

Modernização

Sub-desenvolvimento

Procura maximizar o conhecimento do mercado até que o Procura a autonomia, diferenciação dos destinos produto se torne familiar; homogeneizado, indiferenciado, Levando à redução da dependência do todo; o produto depende da totalidade; focalização nos

Focalização nos objectivos do desenvolvimento

objectivos do turismo como definidos pelos planificadores

Definidos pela comunidade; funções das instituições

do exterior do sistema turístico e pela indústria Turística. Sociais locais Individualista

Holista

Quadro 8 - Bi-polaridades nas relações turísticas global-local (segundo Peter Burns, 1999).

Pode-se ver que certas formas de turismo, como as que são vendidas em pacotes que envolvem altos níveis de recursos, são uma parte integrante da política económica global. É esta característica que contribui para a natureza estrutural do problema do "turismo como desenvolvimento" e torna-o interessante para os antropólogos enquanto observadores de como as relações global-local trabalham. É o sistema turístico situado em dado destino, incluindo as estruturas sociais e económicas que se não vêem, que marginaliza os potenciais participantes na indústria (como os das áreas rurais ou os que não fazem parte de uma élite) e que é capaz de trazer crescimento (no sentido económico) sem desenvolvimento (no sentido social). Este é o tipo de turismo visto na coluna da esquerda do Quadro, focado no global. Este não precisa de ser o único sistema do turismo. Para alguns sítios e destinos turísticos, é necessária uma abordagem alternativa que percorra as seguintes linhas:

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O desenvolvimento de um sistema turístico enriquecido pelo trabalho de campo antropológico e pela observação das relações;



O reconhecimento da necessidade de desenvolver as estruturas sociais e as instituições (incluindo as ONG's); (e)



A contextualização firme destes dois aspectos no processo de desenvolvimento.

Estas abordagens alternativas devem ajudar a situar o controlo local do processo de desenvolvimento em linhas mais equitativas. As relações global-local que apenas podem ser lideradas pela procura de um desenvolvimento turístico (oposto ao turismo como fenómeno cultural, ou turismo como tendo um potencial para o crescimento social) leva ao progresso (mas não ao alargamento económico) porque elas dão maior importância aos interesses dos fornecedores de produtos e dos intermediários de viagens do que ao espectro alargado das instituições sociais que agrupam os interesses mais importantes para o desenvolvimento. O paradoxo que advém das relações global-local enquadradas apenas pelo motivo do aproveitamento é que elas não reconhecem que, num longo prazo, esta perspectiva unilateral, que vê o desenvolvimento de um conjunto de instituições sociais (incluindo as ONG's e as organizações a nível comunitário) como sendo de importância secundária, levam a que a sociedade civil imploda, como se verificou na Argélia e no Alto Egipto (Aziz, 1995). Pode ver-se, então, que o problema principal é o de se confundirem vários debates que contornam os caminhos do turismo. Enquanto eles estão claramente interligados (por exemplo, discutir os impactos ambientais globais sem referir os impactos locais na cultura é irreal) é confuso prolongar o debate acerca do turismo enquanto regra do desenvolvimento sem a discussão do turismo enquanto satisfação de necessidades (para empregar a linguagem do marketing). Estes argumentos são separados. É ainda este tipo de mensagens confusas que levam muitos dos detractores elitistas a defender que: "verdadeiramente as pessoas não vão de férias. Se tivermos mais tempo e recursos para fazer com que o aqui se torne mais parecido com o ali, estar aqui será mais atractivo!" (Nicholson-Lord, 1995:5; e Sewell (1996:12), que descreve os turistas como sendo "mais felizes bronzeando-se e queimando ao sol, e para quem as catedrais antigas... são mistérios para além da compreensão"). Podemos ver aqui um conjunto de argumentos contra a noção de turismo como apresentado anteriomente. Porém, esta não é uma mensagem anti-turista, mas um reflexo dos sintomas que os 142

turistas manifestam quando se tornam – e parecem – menos contentes com o que lhes é oferecido (Poon,1993), ao mesmo tempo que indaga sobre o incremento das expectativas, por parte das populações hospedeiras, em relação ao modelo de turismo existente (liderado pela distribuição e dominado pelos intermediários). Esta tensão entre as expectativas dos turistas e dos autóctones culmina numa doença social que necessita de uma cirurgia radical; sem isso, o modelo de turismo em voga é simplesmente insustentável. A Organização Mundial de Turismo prognostica a duplicação do turismo por volta do ano 2020, mas não oferece alguma explicação sobre como controlar os impactos nas relações global-local. A necessidade dessa resolução deve ser encarada para bem da própria "indústria" turística, do mesmo modo que o deve ser para o bem das culturas de destino e daqueles que recebem os turistas. O tipo de solução oferecida pelo World Travel and Tourism Council (WTTC) de uma empresa desregulada e autocrática não é útil. Nem sequer o é o estado corrente das relações entre os académicos do turismo e a "indústria" que eles analisam. Mais, os académicos são acusados de serem elitistas. Alguém que tem a intenção de enxovalhar a indústria, pois que eles põem o dedo na ferida dos executivos do turismo que parecem querer submeter todas as partes "virgens" do planeta às suas linhas de força corporativas. Plog (1994) apresenta uma abordagem idealista para formar novas parcerias global-local que, pelo menos, reconhecessem que o problema existe, como podemos ver através do seguinte Quadro:

Proteger Reduzir Manter Incrementar Enfatizar Restaurar Valorizar Institucionalizar Negociar Ganhar

O que é natural e belo para benefício dos "nativos" e dos turistas. A densidade – não sobrelotar uma área com muitos hotéis, lojas para turistas, ou visitantes. O sentimento de privacidade para preservar o sentimento da área e a psicologia que os viajantes possuem, i.e., a ânsia da recuperação e de um escape do mundo do dia-a-dia. A qualidade no sentido de incitar os visitantes a permanecer por mais tempo, atraindo-os ao longo dos tempos e assegurar uma vida mais longa para a área. A diversidade: estimular o aparecimento de mais actividades no sentido de ir de encontro à procura e interesse dos visitantes. O natural e o histórico e manter o sentido de herança comum, a continuidade e a comunidade. A cultura local e as tradições para proteger as populações locais, a sua herança social e a sua cultura. Limites de altura dos edifícios para proteger as vistas e outros cenários. Por áreas abertas para providenciar o "ar livre" que deve acompanhar qualquer projecto. A aceitação da comunidade no sentido de tornar os locais mais beneficiados com o turismo (trata-se da sua casa), em parceria com as empresas comerciais.

Quadro 9 – “Conselhos” propostos por Plog para melhorar as estratégias do turismo.

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Uma outra questão que deve preocupar os estudiosos sobre o turismo é a valorização da perspectiva das populações sobre o que realmente é bom para o desenvolvimento da sua vida. Esta questão tem sido esquecida pela indústria turística, ou quando é considerada, a população é apenas representada pelos turistas. Urge passar da reflexão sobre estas questões para a dimensão prática. O turismo, se quiser contribuir no sentido do desenvolvimento sustentável, deve centrar-se sobretudo nas pessoas, não decidindo [a indústria turística] sobre o seu futuro à revelia do bem comum da humanidade, visto que toda ela é directa ou indirectamente influenciada pela gestão feita pela indústria do turismo, como vimos especialmente na última lição. No Quadro 10 podemos encontrar algumas tensões que devem ser minimizadas se se quiser que o turismo entre na senda do desenvolvimento sustentável, como promulgado pela Carta do Turismo Durável (ou Sustentável, posto que os seus objectivos procuram enquadrar o turismo numa filosofia de manutenção da qualidade ambiental, sem se marchar ao arrepio da qualidade de vida das populações), redigida em Lanzarote em 1995. Se este caminho não for seguido, veremos avolumar-se o problema do passivo social, à medida que melhora o activo capital das empresas multinacionais, que confeccionam e repartem entre elas o enorme

Em relação ao desenvolvimento Crescimento económico, focalização nas necessidades de produção

Em relação ao desenvolvimento Dualismo, dependência, subdesenvolvimento, exclusão social

Características-chave Turismo como indústria (desenvolvimento do produto : retorno do desenvolvimento)

Características-chave Turismo como sistema (redistribuição, holista, democracia económica)

DESENVOLVIMENTO CENTRADO NAS PESSOAS

DESENVOLVIMENTO FOCADO NA INDÚSTRIA

bolo do turismo.16

Inferências-chave Turismo como consumismo, mercadoria.

Filosofia de base A globalização lidera a aldeia global para onde o GATT e os mercados livres dirigem a sua produção; pessoas como «unidades de trabalho »

Filosofia de base O turismo como parte de um pacote para incrementar alternativas económicas que levem à distribuição igualitária

Estas noções, embora não sendo as mesmas, remetem para as ideias apresentadas por Adriano Moreira quando, há uns tempos atrás, foi convidado pela RTP para analisar os problemas que surgem em virtude das manifestações antiglobalização. Segundo o cientista político, o capital activo, é regulado por poucos indivíduos, que o obtêm à custa do aumento do capital passivo, responsável pela degradação da qualidade de vida da maior parte das populações no mundo. 16

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Figura 3 - Tensões e contradições no turismo e no desenvolvimento (Fonte: Peter Burns, 1999).

BIBLIOGRAFIA: Com a lista que a seguir se apresenta procuramos fornecer ao leitor um leque variado de opções sobre a sociologia do turismo. Além da bibliografia sobre a disciplina, em concreto, também existem referências a obras gerais sobre a sociologia e algumas outras sobre a antropologia do turismo. No impedimento de apresentarmos aqui uma lista exaustiva sobre o tema, sugerimos ao leitor mais exigente que consulte a bibliografia constante das obras que mais interesse lhe suscitarem. Aisner, Pierre; Pluss, Christine, s/d, « La Ruée vers le soleil – Le tourisme à destination du tiersmonde », Paris, Editions L’Harmattan. Andronicou, Antonios, (1979), “Tourism in Cyprus”, in Tourism: Passport to Development?, De Kadt (ed.), NY, Oxford University Press. Archer, E. (1980), « Effects of the tourist industry in Barbados », Austin, University of Texas. Ash, J. (1974), “To hell with Paradise”, New Internationalist (February). Boorstin, Daniel (1964), “The Image: A Guide to Pseudo-Events in America”, NY, Harper & Row. Burns, Peter (1999), “An Introduction to Tourism & Anthropology”, London, Routledge. Butler, R. (1974), “The social implications of tourist development”, Annals of Tourism Research 2 (2), pp. 100-114. Casson, Lionel (1971), “After 2000 years tours have changed but not tourists”, Smithsonian 2 (6), pp. 52-60. Casson, Lionel (1974), “Travels in The Ancient World”, London, Allen and Unwin. Cohen, Eric (1974), “Who is a Tourist? A Conceptual Clarification”, Sociological Review, 22 (4), pp. 527-555. Cohen, Eric (1984), “The Sociology of Tourism: Approaches, Issues and Findings”, Annual Review of Sociology, 10, pp. 373-392. Crystal Eric (1989[1977]), “Tourism in Toraja (Sulawesi, Indonesia)”, in Hosts & Guests – The Anthropology of Tourism, Valene Smith (ed.), pp. 139-168, Philadelphia, University Pennsylvania Press. Dann, G; Cohen, E. (1991), “Sociology of Tourism”, Annals of Tourism Research, 18 (1), pp.155169.

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BIBLIOGRAFIA PARA INVESTIGAÇÃO SOBRE O TURISMO Para quem pretender fazer investigação no imenso campo do turismo, escolhemos algumas obras que podem servir de inspiração para a elaboração de modelos de análise dentro do mesmo. Estamos certos de que, juntamente com os exemplos de trabalhos práticos que figuram na bibliografia geral, o estudante de turismo poderá encontrar pistas preciosas sobre as metodologias aplicadas ao turismo. Albarello, Luc; Digneffe, Françoise; Hiernaux, Jean-Pierre; Maroy, Christian; Ruquoy, Danielle; SaintGeorges, Pierre (1997), “Práticas e Métodos de Investigação em Ciências Sociais”, Lisboa, Gradiva. Bell, Judith (1993), “Como realizar um projecto de investigação”, Lisboa, Gradiva. Dann, Grahan; Nash, Dennison; Pearce, Philip (1988), “Methodology in Tourism Research”, Annals of Tourism Research, 15, n.º 1, pp. 1-28. Dencker, Ada (1998), “Métodos e Técnicas de Pesquisa em Turismo”, SP, Editora Futura. Giudicelli, Pierre (1993), “Analyse Méthodologique d’un Projet Touristique”, Voiron, Éditions de “La lettre du Cadre Territorial”. Hitrec, Tomislav (1996), “Scientific Tourism Journals”, Zagreb, Centre des Hautes Études Touristiques. Pearce, Douglas; Butler, Richard (1993), “Tourism Research – critiques and challenges”, Londres e NY Routledge. Riley, Roger W.; Love, Lisa (2000), “The State of Qualitative Tourism Research”, Annals of Tourism Research, 27, N.º 1, pp. 164-187. Ryan, Chris (1995), “Researching Tourist Satisfaction – issues, concepts, problems”, Londres e NY, Routledge. Veal, A. J. (1997), “Research Methods for Leisure and Tourism – a practical guide”, Londres, Financial Times Management – ILAM.

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