CINCO TENDÊNCIAS NA CHAMADA FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

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CINCO TENDÊNCIAS NA CHAMADA FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA Naquilo a que alguns convencionaram chamar fotografia contemporânea, e não iremos aqui mais uma vez realçar quanto esta designação contém de contraditório e de ambíguo[1], podemos identificar cinco tendências principais, que parecem agrupar, cada uma delas, um grande número de autores. Haverá porventura mais e agradeceremos a quem nos apontar outras que tenhamos esquecido por ignorância ou por desatenção. A visibilidade de cada uma delas tem variado ao longo do tempo, em função de uma evolução do gosto dominante ou das modas que regulam alguns certames e festivais, que são determinantes na forma como essa chamada fotografia contemporânea circula no mercado artístico. Tentaremos a seguir caracterizar de uma forma breve cada uma delas.

1. A primeira tendência é a de autores que se declaram como não-fotógrafos, que gostam de proclamar alto e bom som que não são fotógrafos mas que se limitam a usar a fotografia. A fotografia seria assim uma mera ferramenta[2] de que esses criadores se muniriam, recusando por isso o epíteto diminuidor de fotógrafos. Por isso, distinguem com vigor a fotografia dos fotógrafos da fotografia utilizada por “verdadeiros artistas". Esta ideia, que poderá parecer a muita gente bizarra, é no fundo a (des)evolução do conceito de “apropriação” que os conceptuais desenvolveram. Muitas vezes os conceptualistas usaram nos seus trabalhos imagens de jornais, de revistas, do cinema ou da televisão, tal como Duchamp tinha feito com o urinol de que se apropriou e “transformou” em fonte. Mas o conceito de "apropriação", que faz sentido se houver apropriação, tem sido usado para caracterizar muitas vezes o trabalho de muitos autores que fotografam, bem ou mal, sem de apropriarem de nada. O conceito, mesmo se dificilmente compreensível, serve afinal apenas para elevar a plano superior o trabalho desses artistas. 2. A segunda tendência poder-nos-á parecer contraditória da primeira[3]. É representada por fotógrafos a que noutros textos tenho chamado “novos pictorialistas”, porque parecem prosseguir alguns dos mesmos objectivos, adoptando idênticas estratégias, que os aproximam dessa corrente estética do final do século XIX. Realizam imagens de grande rigor técnico e de grande impacto visual, muitas vezes conseguido através de impressões de formato gigantesco, com uma qualidade irrepreensível. A produção associada à obtenção destas imagens assume importância fundamental e envolve muitas vezes grandes equipas e meios técnicos sofisticados. As imagens são construídas com o propósito de serem dependuradas em paredes de museus ou de galerias, ou eventualmente nas salas de quem tiver poder económico para as adquirir, merecendo por isso o epíteto de “tableau”, como propôs Jean François Chevrier. A aproximação destes fotógrafos a estratégias da pintura anterior ao modernismo justificaria o interesse crescente de muitos críticos de pintura que despertaram para a fotografia graças ao novo pictorialimo contemporâneo (ver por exemplo as declarações de Michael Fried a este respeito). 3. A terceira tendência poder-nos-á mais uma vez parecer em parte contraditória da anterior. É representada por fotógrafos que se afirmam representantes de um “novo documental”. Novo, porque se não pode confundir com aquilo que antes se chamava documental em fotografia. A fotografia documental era normalmente associada a uma fotografia técnica , comercial, “fácil”, feita sobretudo à custa de boas câmaras e de experiência do fotógrafo. Este “novo“ e surpreendente conceito de "documental" terá tido a sua origem no movimento New Topographics que juntou vários fotógrafos na década de 70, sobretudo fotógrafos americanos da costa oeste. Estamos perante um conceito que teria de garantir um “documental” diferente, para que fizesse sentido debaixo do epíteto de contemporâneo. E por isso neste “documental” não cabem nem o fotojornalismo nem a fotografia de reportagem, nem a maior parte da fotografia documental anterior, com algumas raras excepções. Este novo “documental “ caracterizar-se-ia por construir ficções a partir do real. Ou seja, de acordo com mentores desta tendência, seria um documental de ficção ou uma ficção documentada. Pode haver, como se percebe, uma área de sobreposição com a tendência anterior, mas aqui a ideia pictorialista de tableau parece não ter importância. Muitas vezes o rigor técnico na produção das imagens não existe, pelo contrário os autores fotografam muitas vezes de uma forma que parece

descuidada: as imagens parecem estar desequilibradas na luz e na cor; utilizamse frequentemente flashadas que resultam em sobre-exposições; as impressões são por vezes de qualidade duvidosa e não se utilizam tamanhos tão grandes. Há uma predilecção especial por aquilo que se convencionou chamar de periferias ou de subúrbios, de locais vazios e sujos, que são fotografados em França como na Rússia ou no EUA, de uma forma que torna os locais inidentificáveis. Muitas vezes estes autores colocam como destino preferencial das suas imagem o livro – a que chamam photobook – e não a parede, onde a tal ficção teria leitura. 4. A quarta tendência é representada por fotógrafos dedicados a registar séries de cenas do quotidiano banal, quase sempre encenadas, acrescentando muitas vezes à artificialidade da encenação iluminação artificial. Podem ser cenas da vida familiar em ambientes privados diversificados ou episódios que acontecem em espaços públicos. Encontramos desde imagens de grande rigor técnico a imagens que se apresentam, tal como acontecia em muitos casos na tendência anterior, como uma fotografia que nos parece descuidada, como que feita por pessoas sem formação em fotografia e porventura com equipamentos de baixa gama. Esta tendência é (ou foi?) sobretudo dominante em países do norte da Europa: Ilhas Britânicas, Holanda, Dinamarca, etc. 5. A quinta tendência que parece ganhar importância nos últimos anos é representada por fotógrafos que nos parecem estar próximos do movimento artístico que ficou conhecido por simbolismo. Utilizam imagens encenadas, normalmente de grande rigor e dificuldade técnica, utilizando cenários de grande fantasia, em que recorrem a múltiplos símbolos com leituras no plano onírico, muitas vezes de natureza sexual. Verificamos por um lado que as diversas tendências, que pareceriam inconciliáveis num mesmo movimento artístico, conseguem todas apresentar-se debaixo de um grande guarda-chuva indefinido a que se chama fotografia ou arte contemporânea, mesmo quando algumas delas pouco ou nada parecem ter a ver com o conceito de arte contemporânea, que se definiu como uma ruptura ontológica com a arte anterior. E curiosamente muitas são até fortemente influenciadas por correntes estéticas do século XIX. Podemos afirmar para concluir que, sem estranheza, verificamos também que os fotógrafos que apresentam em nossa opinião trabalhos mais interessantes se não integram em nenhumas destas tendências e não se apresentam necessariamente protegidos pela etiqueta de contemporâneos”. [1] Quem quiser aprofundar este assunto pode ler “Fotografia e Curadoria – Queijo Curado É Outra Coisa” [2] A palavra ferramenta é uma das palavras recorrentes em muito autores (ver por exemplo livro de Ricardo Nicolau, editado por Serralves, intitulado “A Fotografia na Arte”) [3] De facto parece ser difícil englobar as diversas tendências e não só as duas primeiras num mesmo “movimento artístico”

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