Cinema e exílio: uma análise do filme \"Actas de Marusia\", de Miguel Littín (1976), 2011

June 4, 2017 | Autor: Alexsandro Silva | Categoria: History, Latin American politics, Cinema Studies
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

RELATÓRIO FINAL DO ALUNO e PARECER DO ORIENTADOR BOLSA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA-2010/2011 CNPq. ( X ) SANTANDER ( ) PRP ( ) FFLCH ( )

1. IDENTIFICAÇÃO

Nome: Bolsista: Alexsandro de Sousa e Silva Orientador: Profª Drª Maria H. R. Capelato Departamento: História Nome do Projeto: Cinema e exílio: uma análise do filme Actas de Marusia, de Miguel Littín (1976)

O relatório parcial deve contemplar: 

Introdução;



Metodologia;



Resultado final;



Análises;



Conclusão final;



Referências e



Avaliação do Orientador

Índice

RESUMO DAS ATIVIDADES

p. 03

INTRODUÇÃO

p. 06

1 EXÍLIO, EXÍLIOS: DELIMITAÇÕES CONCEITUAIS

p. 11

1.1 Os lugares de exílio e o impacto nos cinemas nacioniais

p. 14

1.2 Exílios de cineastas na América Latina

p. 18

1.3 A diáspora intelectual chilena

p. 20

2 MIGUEL LITTÍN: VIDA E OBRA FÍLMICA

p. 24

2.1 Cinema e engajamento político no Chile: El chacal de Nahueltoro e La tierra prometida

p. 25

3 ENGAJAMENTO POLÍTICO NO EXÍLIO: ACTAS DE MARUSIA

p. 32

3.1 Análise fílmica

p. 35

3.1.1 Os trabalhadores e os militares

p. 36

3.1.2 O intelectual frente às formas de luta política

p. 39

3.1.3 O exílio

p. 43

4 O FILME E A CONSTRUÇÃO SOCIAL DE SIGNIFICADOS

p. 46

4.1 Europa

p. 47

4.2 América

p. 52

4.3 As memórias sobre o filme

p. 57

5 CONCLUSÕES - O BALANÇO DA EXPERIÊNCIA CHILENA A PARTIR DO EXÍLIO

p. 61

BIBLIOGRAFIA

p. 67

ANEXO

p. 74

PARECER DO ORIENTADOR

p. 77

2

RESUMO DAS ATIVIDADES

Durante o segundo semestre de 2010, foram realizadas atividades pertinentes ao tema da pesquisa e que, em alguma medida, contribuíram para a elaboração do texto. Antes, convém destacar as atividades feitas durante a formação acadêmica que auxiliaram a delimitar o tema e a “treinar o olhar” para melhor lidar com filmes. A omissão destas atividades antes do período da pesquisa seria, no nosso entendimento, fazer tábua rasa do passado, sendo que todas elas contribuíram (e contribuem ainda) para a formação acadêmica que privilegie as relações entre História e Cinema. Um curso realizado durante a ANPUH de 2008, ministrado pela professora e pesquisadora Mariana Villaça sobre o Nuevo Cine Latinoamericano, foi o primeiro contato mais direto com o tema, que antes se limitava a citações em textos e a filmes que ocasionalmente passavam em mostras. Neste breve curso realizado entre 08 e 12 de setembro de 2008 foram apresentadas algumas problemáticas discutidas por cineastas latino-americanos desde o final da década de 1950 até a década de 1980, passando por filmes, revistas especializadas em cinema, biografias e manifestos. Este curso ajudou na compreensão do cinema engajado de esquerda na América Latina e serviu de base para a escolha de textos e filmes que pudessem aprofundar as questões discutidas em relação ao cinema engajado na América Latina. Entre os meses de fevereiro a julho de 2010, a participação em um projeto do Programa Ensinar com Pesquisa, chamado “O uso do cinema no ensino de graduação: a representação do passado em filmes documentais e ficcionais” sob coordenação do professor Marcos Napolitano, contribuiu para analisarmos filmes utilizando termos cinematográficos. Dessa forma, lidamos com as estratégias técnicas adotadas por diferentes cineastas e, assim, compreendemos algumas estruturas fílmicas. Ao lado de Cynthia Yosimoto e Leonardo Gandia, bolsistas do projeto, as conversas com o professor no andamento das atividades foram de grande valia e serviram como referencial metodológico para a análise do filme Actas de Marusia. Ainda no primeiro semestre de 2010, cursamos a disciplina "História Social da Arte", ministrada pela orientadora Maria Helena Capelato, discutindo textos e documentos históricos apresentados que nos auxiliaram na delimitação da pesquisa devido à maior proximidade com as relações entre Arte e História na América Latina. A oficina “Crítica Cinematográfica” realizada com o crítico José Carlos Avellar, durante o 5º Festival de Cinema Latino-americano de São Paulo no Memorial da América Latina, entre os dias 13 e 16 de julho de 2010, demonstrou as relações entre imagem e som no cinema numa perspectiva ensaística, fora dos padrões acadêmicos. Tal abordagem amplia nosso repertório teórico-metodológico a fim de analisar filmes. Um outro evento, por sua vez, ajudou na proximidade com o tema do exílio: foi o Seminário Internacional “Exílio e migrações forçadas no século XX, América Latina e Europa”, 3

organizado pelo Laboratório de Estudos sobre a Memória Política Brasileira (PROIN) e Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER), realizado do Prédio de Jornalismo da ECA-USP entre 13 e 15.05.2010. Neste seminário, foi importante para a nossa pesquisa a apresentação do professor de Ciência Política da Universidade de Jerusalém, Mário Sznajder, sobre os exílios na América Latina. Durante os primeiros meses da pesquisa, de agosto a dezembro de 2010, cursamos uma disciplina na Escola de Comunicação e Artes da USP, "História do Audiovisual II", ministrada pelo professor Eduardo Morettin. Nesta oportunidade, estudamos a consolidação da indústria cinematográfica dos Estados Unidos nas décadas de 1930, 1940 e 1950. A disciplina nos ajudou a compreender o tipo de produção fílmica que fora tão criticado por diretores engajados na América Latina, contra a qual procuraram elaborar um cinema moderno que fizesse total oposição a Hollywood, sendo que acabaram seguindo estratégias narrativas consolidadas pelo cinema comercial. No segundo semestre de 2010, estudamos com acuidade a bibliografia do projeto de pesquisa e elaboramos a estrutura do texto deste relatório parcial. Não há como deixar de lado as conversas sobre História e Cinema com Fabián Núñez, da UFF, que escreveu artigos sobre cinema chileno; Mónica Vilarroel, da Cineteca Nacional, de Santiago do Chile; Mariana Villaça, que desde a princípio colaborou com o andamento do projeto; Marcos Napolitano, que foi um importante interlocutor da pesquisa; e com a orientadora Maria Helena Capelato. Todos colaboraram com ideias significativas para o andamento da pesquisa. Durante o primeiro semestre de 2011, foram realizados encontros periódicos com os orientandos da profª Maria Helena Capelato. Nestes encontros, os participantes realizam uma interação teórica entre os diferentes trabalhos que, em alguma medida, dialogam entre si, debatendo textos e fazendo analogias às respectivas pesquisas em andamento. Foram discutidos textos de Homi Bhabha, José Carlos Avellar, pesquisadores dos Estados Unidos sobre história transnacional, Raymond Williams, Maria Elisa Cevasco, Marcos Napolitano e Ulpiano T. Bezerra de Menezes. Ao lado da graduanda em História Cynthia Yoshimoto, promovemos exibições de filmes com temática política seguidas de debate com interessados nas obras fílmicas. Trata-se do projeto Tercer Cine, realizados nos meses de abril e maio. O projeto teve apoio da Secretaria do Departamento de História, que disponibilizou uma sala de aula; do Centro de Apoio à Pesquisa Histórica (CAPH), cedendo a aparelhagem necessária para a exibição dos filmes; e do professor do DH Maurício Cardoso, o qual incentivou e viabilizou as atividades, além do incentivo do professor Marcos Napolitano. Tivemos a oportunidade de ver e discutir com os presentes os filmes: La hora de los hornos (dirigido por Fernando Solanas e Octavio Getino, 1966-1967); A montanha sagrada (Alejandro Jodorowsky, 4

1973), Pão e Rosas (Ken Loach, 2000), A chinesa (Jean-Luc Godard, 1967), Os inconfidentes (Joaquim Pedro de Andrade, 1972) e A greve (Serguei Eisenstein, 1924). Os objetivos do projeto eram: sugerir e incentivar pesquisas na área Cinema e História; desenvolver análises fílmicas enfocando a linguagem cinematográfica; pensar a viabilidade de utilizar o cinema nas aulas de História no ensino regular; e contribuir para a formação de uma cultura cinematográfica no Departamento de História. O projeto Tercer Cine contribuiu para “exercitar o olhar” para análises fílmicas e foi criado um pequeno vínculos entre alunos de graduação da História, Geografia, Letras e Filosofia, os quais acompanharam os debates. No mesmo período, levantamos e estuamos a bibliografia pertinente à elaboração deste relatório final de Iniciação Científica que aborda a recepção da obra de Miguel Littín por parte dos críticos cinematográficos, a análise fílmica de Actas de Marusia (1976).

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INTRODUÇÃO

A realização desta pesquisa parte de uma questão sobre o cinema contemporâneo na América Latina: a relativa ausência de temas políticos nos filmes ficcionais, comerciais ou não. Houve um desgaste no meio cinematográfico em relação aos filmes que buscavam equilibrar engajamento e experimentação estética no movimento conhecido como Nuevo Cine Latinoamericano, onde se destacaram obras realizadas por Glauber Rocha, Tomás Gutierrez Alea, Fernando Solanas e outros cineastas. A partir de meados da década de 1970, a produção fílmica realizada na América Latina foi gradativamente sendo contestada e obscurecida pelas realizações norteamericanas, asiáticas e europeias, processo intensificado após o colapso do comunismo em 1989. Na tentativa de compreender como se deu o desgaste do cinema engajado de esquerda no final do século passado, propusemo-nos a conhecer filmes que fizeram do cinema um meio de denúncia social e debate político. Deparamo-nos com a produção fílmica de exilados políticos engajados, que tiveram relação com a Unidade Popular no Chile (1970-1973). Para desenvolver esta pesquisa, que procura compreender um aspecto da História da América Latina, optamos por este tema pelo fato do tema ser pouco abordado no meio acadêmico, e porque a produção fílmica deste fenômeno é pouco conhecida. São escassos os estudos voltados à relação entre cinema e exílio; prevalecem menções nas biografias de diferentes diretores que passaram por uma experiência exílica. Em análises fílmicas, geralmente são privilegiados os filmes realizados no próprio país. Actas de Marusia,1 do chileno Miguel Littín (1942 - ), foi produzido no ano de 1975 e lançado no ano seguinte no México, e mostra a repressão de mineiros no norte do Chile por militares aliados aos ingleses capitalistas e à Igreja Católica. A obra apresenta características de um cinema moderno: narrativa que abarca momentos de lacuna, questões não resolvidas e final aberto; personagens em crise pouco dados à ação; procedimentos visuais e sonoros que confundem as fronteiras da objetividade e subjetividade; presença do autor (diretor) em intervenções próprias da linguagem cinematográfica na narrativa (VANOYE, GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 35-36). O cineasta produz a obra dentro de uma realidade complexa que traduz a experiência de uma parte dos exilados políticos num país estrangeiro: trata-se de um exílio privilegiado, onde a experiência cinematográfica e o reconhecimento do trabalho do cineasta possibilitou a continuidade de seu trabalho no exterior. Para a elaboração desta pesquisa, 1

Actas de Marusia (1976), col., 110'. Direção e roteiro: Miguel Littín; Fotografia: Jorge Stahl Jr.; Edição: Ramón Aupart e Alberto Valenzuela; Música: Mikis Theodorakis; País: México. O filme encontra-se disponível para assistir pela Web neste endereço eletrônico: http://es.arcoiris.tv/cinema_arcoiris_flv.php?lid=1337&lang=esp&d_op=getit. Acesso em 17.11.2011. Vários escritos sobre Actas de Marusia atestam que a obra seja de 1975 porém, ao final dos créditos iniciais no próprio filme, o ano aparece como MCMLXXVI, algarismo romano que representa 1976.

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partimos da hipótese de que a obra se apresenta como um filme-denúncia, além de fazer referências indiretas à experiência chilena sob a Unidade Popular. Para dar suporte à comprovação destas afirmações, trabalharemos com uma perspectiva metodológica a qual considera o filme um documento histórico, que apresenta tensões próprias da época de sua elaboração que podemos verificar a partir da análise de seus elementos constitutivos. Pensando nas relações entre Cinema e História, o conjunto de artigos reunidos no livro de Marc Ferro Cinema e História (1992) coloca algumas questões a serem discutidas. O artigo O filme: uma contra-análise da sociedade? discute os “lapsos” que os filmes apresentam em que o historiador deve agir. Esses supostos espaços de atuação do pesquisador frente ao audiovisual seriam uma evidência da autonomia que a fonte oferece, pois a câmera revela o real funcionamento da sociedade, segundo o autor (p. 86). Além dessa suposta autonomia, M. Ferro constata em outros escritos que quanto menos a gravação audiovisual sofrer cortes e menos houver montagens, mais “autêntico” será o documento (MORETTIN, 2007, p. 61). Ou seja, há momentos em que Marc Ferro nega a linguagem cinematográfica em prol de uma razão de ser documento, cuja finalidade, para o autor, seria mostrar a realidade tal como é registrada pela câmera, pois não é repreendida pela censura dos regimes totalitários por ter uma certa “autonomia”. Apesar dessa ênfase na “verdade” que a fonte audiovisual pode oferecer, o francês procurou, em seus artigos, sistematizar alguns procedimentos que viabilizassem as análises de filmes ou documentários, conforme as que o autor realizou com obras da ex-União Soviética, Alemanha e Estados Unidos da primeira metade do século XX. A contra-análise contida no título citado acima seria uma forma de análise que se contrapõe à História Oficial, pois seria um contra-discurso legitimador realizado por sociedades que antes eram silenciadas e que, através do cinema, teriam a câmera como principal porta-voz desses povos (idem, p. 43). A importância da obra está em considerar a linguagem cinematográfica como imprescindível para fazer do cinema uma fonte de informações sobre determinado período, metodologia que ganhou espaço na comunidade acadêmica devido à sua pertinência: “los historiadores del mundo entero empiezan a tomar conciencia de la necesidad de incluir el cine entre sus fuentes” (JACKSON, 1983, p. 20). O historiador e professor Eduardo Morettin, no artigo O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro (2007), sistematiza as principais concepções do francês sobre cinema enquanto documento histórico. O autor aponta algumas limitações, principalmente as que se relacionam com a noção de “verdade” em relação às imagens e “autonomia” dos “lapsos” que os filmes apresentam, entendidos por Marc Ferro como espaços de atuação do historiador. Ao final do artigo, Morettin apresenta algumas reflexões pertinentes à utilização do filme enquanto documento histórico, 7

enfatizando a necessidade do historiador em colocar a fonte em primeiro plano porque “o filme possui um movimento que lhe é próprio, e cabe ao estudioso identificar o seu fluxo e refluxo” (p. 62). No artigo A História depois do papel, do historiador Marcos Napolitano (2005), há uma contribuição para o trabalho com as fontes de pesquisa cinema, música e televisão. Em relação ao primeiro, o autor traz uma breve discussão bibliográfica a respeito da superação do binômio objetividade e subjetividade em relação aos filmes e documentários, com destaques para os trabalhos de Pierre Sorlin, Cláudio A. Almeida, Alcides F. Ramos e Eduardo Morettin, pertencentes a uma linha de pesquisa que utiliza o cinema como fonte e objeto da História. Esta historiografia nega a exclusividade ao documentário de atualidades por causa do seu suposto “objetivismo”, e que considera o filme ficcional importante por conta de um novo olhar sobre o cinema (p. 240-247). Ao se trabalhar com fontes audiovisuais, segundo o autor, deve-se articular a linguagem específica da fonte em questão, no caso o cinema, e a representação da realidade história que aborda o documento (p. 277). Na obra de Alcides F. Ramos Canibalismo dos Fracos, Cinema e História do Brasil (2002) encontramos um repertório de teorias e ferramentas metodológicas de análise da escrita fílmica da História (conceito caro ao autor). O historiador analisa a questão da representação dos intelectuais brasileiros de 1964-1972 no filme de Joaquim Pedro de Andrade Os Inconfidentes (1972), sob a questão da autocrítica das esquerdas face ao movimento das guerrilhas armadas, através da reconstituição da Inconfidência Mineira (séc. XVIII). A princípio, Alcides Ramos mostrou a função dos textos dos críticos e estudiosos de cinema e o papel das declarações do diretor, que fazem parte do processo de produção social de significados sobre o filme (p. 49-54). Em seguida, analisou o processo de construção da obra, interrogando-se sobre as possíveis intenções de Joaquim Pedro, comparando os discursos inseridos no filme e as fontes utilizadas para dar suporte às falas, com base nos Autos da Devassa, na obra de Cecília Meirelles Romanceiro da Inconfidência e em obras de historiadores especialistas do período. Alcides trabalhou com a noção de que o filme ficcional oferece um campo vasto de opções para o diretor e de possibilidades de interpretações, fugindo da noção de “veracidade” do documento e de “objetividade” da leitura histórica (p. 42). De acordo com a análise, o cinema serviu ao diretor como instrumento de debate político contemporâneo à produção da obra utilizando uma leitura histórica que foi alvo de diferentes interpretações legitimadoras. A forma analítica que compreendeu a composição alegórica das personagens do filme para dialogar com a situação política do país é um aspecto importante e será levado em conta na pesquisa. Partimos do princípio de que o diretor de cinema, devido ao seu papel de articulador das diferentes esferas que viabilizam a produção do filme (montagem, trilha sonora, edição, cenografia, etc.), é um artista intelectual, na perspectiva em que coloca para o pesquisador uma representação da 8

realidade numa linguagem cinematográfica; ou seja, sua expressão artística resulta numa obra que procura catalizar algumas questões políticas e sociais contemporâneas à produção da obra. Nas relações entre Política e Cinema, podemos observar como o diretor traduziu temas políticos para os filmes, e como, pela leitura do documento audiovisual, a ideologia do cineasta conduziu diferentes esferas da obra: produção, conteúdo, forma e técnica (AUMONT, MARIE, 2003, p. 157-159, 236). Vamos na contramão do que Guy Henebelle afirma sobre a produção fílmica chilena: "Alguns [filmes] revelam que o diretor não soube escolher com firmeza entre o cinema de autor e o cinema político. Talvez a Unidade Popular, que buscava uma inexistente transição pacífica para o socialismo, seja responsável pela incoerência do cinema chileno da época". 2 Não condicionaremos o específico sobre o estrutural, mas procuraremos verificar como se dão as tensões a partir do próprio filme. Portanto, há neste trabalho um cruzamento de biografia e história cultural na América Latina. Estruturamos o texto deste relatório parcial partindo do geral, delimitando conceitualmente o exílio e algumas experiências exílicas de cineastas, para terminar no específico, no caso, o filme. No primeiro capítulo, abordaremos o tema do exílio e as produções cinematográficas realizadas por cineastas refugiados. Traçamos brevemente algumas experiências exílicas e as relações com produções cinematográficas nacionais dos países receptores. Visamos lidar com as seguintes questões: o que é o exílio? Como o tema é abordado no meio acadêmico? As experiências dos cineastas exilados causam impacto nas produções fílmicas dos países de origem e de recepção? Qual a relação entre o cineasta exilado e o país de acolha? Quais as implicações dessa relação? Como as migrações podem ofecer um quadro dinâmico da América Latina? O segundo capítulo traz uma breve biografia de Miguel Littín e buscaremos traçar as principais concepções ideológicas sobre engajamento político no meio artístico-cultural. Para isso, serão discutidos os temas que aparecem em filmes, entrevistas e textos do chileno até a produção de Actas de Marusia, além do mapeamento do itinerário político do cineasta no Chile, seguindo as propostas de Jean-François Sirinelli (2003), que afirma ser importante "a observação e o cotejo de itinerários políticos" porque permitem "desenhar mapas mais precisos dos grandes eixos de engajamento dos intelectuais" (p. 245). Tentaremos responder às seguintes questões: qual o arcabouço teórico que o diretor levou para o exílio? Como foram as experiências cinematográficas do cineasta antes de 1973? O que seria, para Miguel Littín, um cinema "verdadeiro"? Quais as implicações das imagens e sons produzidos em seus filmes em relação aos seus escritos? Qual o diálogo que estabelece com o meio cinematográfico e político? Qual a importância da relação entre História e Cinema para o cineasta? 2

HANEBELLE, Guy. Os cinemas nacionais contra Hollywood. Tradução de Paulo Vidal e Julieta Viriato de Medeiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978 (Coleção Cinema, v. 06), p. 139-140.

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Analisaremos a fonte privilegiada deste trabalho, o filme Actas de Marusia, no terceiro capítulo. Buscamos partir das questões levantadas pela obra para verificar qual a relação com o exílio e os temas abordados no segundo capítulo. Após uma introdução contendo algumas declarações do diretor sobre o filme, analisaremos trechos da obra para apontarmos algumas características e, em seguida, compreender suas representações dentro do contexto histórico ao qual a fonte está inserida. Algumas perguntas direcionam esta interpretação: como o diretor realizou a obra? Quais os recursos estratégicos dentro da linguagem cinematográfica que ele utiliza para dialogar com o contexto político? Como se dá a representação das personagens? Quais as rupturas e permanências que a obra mantém com as concepções ideológicas consolidadas antes de 1976? Esperamos que as respostas apresentadas não esgotem a interpretação do filme, mas levantem maiores questões posteriormente. Em seguida, apontaremos quais foram as leituras feitas por especialistas na área cinematográfica, além dos próprios registros de Miguel Littín sobre o filme. Nessa perspectiva, veremos como se deu a recepção pela revista Cahiers du Cinéma, no contexto do desgaste do cinema militante na França, causando alguns desencontros nas agendas políticas dos cineastas engajados e do periódico francês na segunda metade da década de 1970. Finalmente, visamos compreender quais foram os discursos que o cineasta elaborou em relação à obra fílmica.

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1 EXÍLIO, EXÍLIOS: DELIMITAÇÕES CONCEITUAIS

Para refletir sobre as experiências socio-culturais a partir do exílio é necessário, em primeiro lugar, tentar esclarecer o que significa esse termo que, aparentemente, seria simples de explicar. Entende-se por exílio uma condição na qual a pessoa é expulsa do lugar onde vive, ou se vê obrigado a sair quando sente sua vida ameaçada, por motivos geralmente ligados à política ou economia. Quando está vinculado a questões ideológicas e políticas, a intenção de exilar um intelectual é tirá-lo do jogo democrático, pois sua influência na sociedade traz incômodo aos governos autoritários e a setores conservadores da sociedade. Como o cinema tem um papel fundamental nas articulações ideológicas, políticas e culturais no campo democrático, os cineastas são incluídos na lista de perseguidos políticos, e as respostas cinematográficas à situação autoritária mobilizam os níveis de estrutura do exílio. Até o séc. XIX, os três níveis de estrutura exílica eram: o país de origem, com políticas de exclusão, as esferas públicas fechadas às dissidências ideológicas, os banimentos e a proibição do retorno dos exilados; o exílio político, com as comunidades exílicas, as diásporas e as atividades intelectuais; e o país de recepção, com sua política de asilo e organização de recepção dos refugiados. Há uma quarta esfera, surgida em meados do séc. XX com a massificação dos refúgios, que inclui as organizações internacionais, como a United Nations High Commissioner for Refugees, criada em 1949 pela ONU (SZNAJDER, RONIGER, 2009, p. 149). Edward Said (1996, 2005) traz contribuições para compreendermos o que significa o fenômeno exílico para a cultura mundial. O autor afirma que, durante o século XX, o exílio deixou de ser uma punição exclusiva a determinados indivíduos, "como o grande poeta latino Ovídio, que foi banido de Roma para uma remota cidade no Mar Negro", para ser aplicada a comunidades inteiras (1996, p. 47, tradução nossa). O exilado, nesse contexto, vive em um entre-lugares, sem se distanciar da antiga pátria mas não se adapta totalmente às novas realidades culturais (idem, ibidem, p. 48-49). A interação entre nacionalismo e exílio funciona como uma dialética que se constituem mutuamente, e permitem que o refugiado veja “el mundo entero como una tierra extraña” e, consequentemente, crie um olhar original sobre as coisas (idem, 2005, p. 183, 194). Por isso o exílio, “irremediablemente secular e insoportablemente histórico”, “ha transformado tan fácilmente en un motivo tan poderoso e incluso enriquecedor de la cultura moderna” (p. 179-180). A mitologia e a religião procuraram dar conta das origens exílicas. Na cultura grega, Ulisses, protagonista da obra de Homero A Odisseia, sai da Troia destruída e tenta retornar a seu reino, Ítaca, passando por diversos obstáculos impostos pelos deuses e pelos homens. Na tradição cristã-judaica, Adão e Eva são expulsos por Deus do Paraíso carregando o pecado original, na qual todos os homens 11

têm que se redimir. O discurso e a postura de Deus que expulsa seres humanos do território natal, segundo a bíblia, é adotado por vários governos autoritários ao longo do tempo, que impõem sua visão do que é certo e o errado em relação ao pensamento e ao comportamento. Porém, no séc. XX, a ficção jurídica faz ser possível alguém recorrer ao direito de asilo através das embaixadas, ou seja, foi possível para os chilenos irem à Suécia, França ou México adentrando uma porção de terra que, a priori, estaria dentro do território do Chile. Uma vez dentro da embaixada, cabe à administração pública chilena autorizar o trâmite legal para os refugiados saírem do país. Realizar um estudo envolvendo diferentes percursos de exilados é complexo e a exigência para a compreensão desses itinerários se consolida com os discursos atuais sobre a globalização, onde diferentes culturas passam a ter mais contato por diferentes meios de circulação, ao invés de ficarem restritos aos territórios regionais e nacionais. Os estudos sobre exílio estão concentrados na Literatura (denúncias, memórias, poéticas saudosistas), Psicologia (compreensão dos traumas, das dificuldades de adaptação social e suicídios) e Ciência Política (questões jurídicas, políticas e diplomáticas). O historiador, aos poucos, lida com o difícil tema, à qual não foi consolidada uma metodologia de pesquisa específica para as experiências exílicas. Alguns estudos levam em conta conceitos como pósmodernismo, diásporas, hibridismo, histórias cruzadas e comparadas; tentativas de desvincular a História restrita aos limites nacionais. Um trabalho a ser destacado no meio acadêmico é o Denise Rollemberg Cruz (1999) sobre os exilados brasileiros, se apoiando em entrevistas e periódicos produzidos no exterior pelos refugiados. Em relação ao Chile, seja sobre chilenos no exterior ou sobre recepção de refugiados no país, temos alguns trabalhos no Brasil, mas há um avanço nos últimos anos na historiografia principalmente quando a fonte privilegiada é algum periódico realizado pelos exilados. O cinema e as demais representações artísticas realizadas no exílio também são objetos de estudos ricos em informações e possibilidades interpretativas, a nosso ver.3 A definição jurídica de um exilado é uma tarefa complexa. Muitos dos que se exilaram no Chile não queriam obter status de "refugiado" para não serem fichados e, assim, comprometerem suas vidas e de famíliares, sendo que a alternativa para esses casos é criar uma falsa identidade. Esse fato dificulta os dados estatísticos (ORELLANA, 1981, p. 62), até hoje muito imprecisos, na cifra de um milhão de refugiados. Ainda no caso chileno, encontramos os seguintes tipos de saída do país: asilos em 3

CORTES, Verônica P.A. Chilenos em São Paulo: a trajetória de uma imigração. São Paulo: FFLCH-USP, tese de doutorado, 2000; LIMA, Êça Pereira de. Revista Araucaria de Chile: uma experiência de exílio chileno. São Paulo: FFLCH-USP, dissertação de mestrado, 2009; CRUZ, Fábio Lucas da. Frente Brasileño de Informaciones e Campanha: os jornais de brasileiros exilados no Chile e na França (1968-1979). São Paulo: FFLCH-USP, dissertação de mestrado, 2010. Relacionando cinema e exílio, temos: OLIVEIRA, Edson Luiz de. Novo cinema latino-americano: o discurso do exílio. São Paulo: ECA-USP, dissertação de mestrado, 1991; CARDOSO, Maurício. O cinema tricontinental de Glauber Rocha: política, estética e revolução (1969-1974). São Paulo (Brasil), Nanterre (França): FFLCH-USP/Université Paris X – Nanterre, tese de doutorado, 2007.

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embaixadas (basicamente em Santiago, onde elas se concentravam); saídas massivas a países limítrofas (principalmente Argentina e Peru), apresentando solicitação de asilo ou refúgio político; expulsões por parte da Junta Militar; saída do país de forma regular (por avião, por exemplo), 4 prevenindo situações que atentassem contra a vida pessoal; comutação de penas de prisão no Chile, por extrañamiento: conclusão do período de detenção no exterior (previsto no Decreto-Lei n. 504); e saídas por razões econômicas (p. 40-41). O Decreto-Lei n. 81, de 11.10.1973 proíbiu o retorno ao Chile dos que saíram por via do asilo político (p. 42); dessa forma, a Junta Militar alimentou uma campanha nacionalista contra os exilados e os estrangeiros ainda residentes no Chile que apoiaram o governo de Salvador Allende. De acordo com um trabalho pioneiro sobre as consequências psicológicas do exílio, 5 afirma-se que um refúgio de longa duração passa por três fases: na primeira, os refugiados estão submersos num sentimento de dor e remorso; na segunda, há a adaptação da cultura "original" dos exilados à nova, uma fase de transculturação6, diante da impossibilidade de retorno ao país de origem. O fim das ilusões políticas e o profundo questionamento das mesmas é o dilema que marca a possível terceira fase de grande parte dos exilados (SZNAJDER, RONIGER, 2009, p. 04). Apesar de apontar características da experiência coletiva, não procuramos juntar as diferentes experiências num mesmo conjunto e homogeneizar as especificidades, pois uma importante questão é identificar quem são os exilados. Compreender uma experiência exílica é buscar saber quem é que sofreu essa agressão, de que forma isso aconteceu e quais os mecanismos o refugiado alcançou para dar conta da nova realidade. Também não se trata de mitificar o exilado, como se todos os que passaram por esse caminho são "verdadeiramente" democráticos, pois vários que reconstruíram suas vidas no exílio eram autoritários, inclusive se valendo do título de "representantes do povo" (SZNAJDER, RONIGER, 2009, p. 07).

Na América Latina, o exílio tem uma longa tradição que remete aos tempos coloniais, quando monarquias ibéricas "baniam" opositores políticos e os enviavam a territórios longíquos. O atual Chile foi um dos principais lugares para onde eram enviados os condenados políticos. No séc. XIX, as 4

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Foi o caso de Alfredo Sirkis, exilado brasileiro que estava no Chile no momento do golpe trabalhando para um jornal francês. Ele só saiu do país depois de vários dias de toque de recolher impostos pela Junta Militar. Ver: SIRKIS, Alfredo. Roleta chilena. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1982. VÁSQUEZ, Ana; ARAUJO, Ana María. Exils Latino-americains. La malediction d'Ulysse. Paris: CIEMI et L'Harmattan, 1988. O conceito de transculturação fora elaborado pelo cubano Fernando Ortiz, em 1940, na obra Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar (Madrid: Catedra/Letras Hispánicas, 2002): “Entendiemos que el vocablo transculturación expresa mejor las diferentes fases del proceso transitivo de una cultura a outra, porque éste no consiste solamente en adquirir una distinta cultura, (...) sino que el proceso implica también necesariamente la pérdida o desarraigo de una cultura precedente, lo que pudiera decirse una parcial desculturación, y, además, significa la conseguiente de nuevos fenómenos culturales que pudieran denominarse de neoculturación” (p. 260).

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diferentes experiências exílicas de políticos e intelectuais teve peso na formação dos Estados nacionais, como, por exemplo, o papel das viagens de Simón Bolívar e de José Martí para os respectivos pensamentos políticos, a comunidade de exilados argentinos em Montevidéu, no Uruguai, que se colocava contra os caudillos, em especial, Juan Manuel de Rosas (que viria a falecer na Grã-Bretanha em 1877, no exílio), e a expulsão de D. Pedro II do Brasil quando se instaurou a República em 1889. No século posterior, os exílios prosseguiram quando os militares passaram a intervir na política com apoio de civis, forçando a expulsão de Juan Perón da Argentina e de João Goulart do Brasil, entre vários exemplos. Portanto, o exílio tem um papel essencial na formação política, social e cultural do subcontinente. Sobre este último tópico, vamos nos deter na cinematografia.

1.1 Os lugares de exílio e o impacto nos cinemas nacionais

A produção fílmica no exílio pode ser compreendida como uma categoria na qual encontramos uma série de experiências que são importantes para o cinema nacional do país de refúgio e para a liberdade criativa do cineasta, enquanto intelectual engajado, se valendo da linguagem cinematográfica para responder ao contexto histórico ao qual se insere. Porém, essa categoria tem o perigo de entender a produção fílmica como algo simples de delimitar, com temas que são comuns de se encontrar, homogeneizando contextos complexos. Cada filme deve ser compreendido dentro de sua situação específica, sendo necessário integrar a experiência pessoal do cineasta e o(s) contexto(s) histórico(s) ao(s) qual(is) está dialogando. Holywood recebeu diversos estrangeiros e refugiados políticos que contribuíram para o desenvolvimento das atividades artísticas. Dentre os exilados, há o caso dos perseguidos pelos nazistas na Alemanha na década de 1930, de onde vieram cineastas como Joe May, Billy Wilder, Max Ophüls e Fritz Lang. 7 A partir da década de 1960, cubanos dissidentes da Revolução Cubana se refugiaram nos Estados Unidos formando uma comunidade que teve três gerações de cineastas: a primeira produziu filmes de denúncia contra Fidel Castro, como The other Cuba (de Orlando Jiménez-Leal e Jorge Ulla, 1983), Improper condut (de Néstor Almendros e Orlando Jiménez-Leal, 1984) e Nobody listens (de Néstor Almendros e Jorge Ulla, 1987); a segunda geração, exilados nascidos em Cuba e formados nos EUA, realizou películas nas quais os ataques ao governo cubano não estava na agenda, como Short Vacation (de León Ichaso, 1982) e Crossover dreams (de León Ichaso, 1985); e a terceira, composta por jovens nascidos nos Estados Unidos em sua maioria, voltou-se aos filmes alternativos, mantendo 7

Sobre Fritz Lang, ver: MOULLET, Luc. Fritz Lang. Paris: Éditions Seghers, 1963 (Cinéma d'aujourd'hui 9). Sobre o exílio dos intelectuais alemães, consultar: PALMIER, Jean-Michel. Weimar en exil. Le destin de l'émigration intellectuelle allemande antinazie em Europe et aux États-Unis. Paris: Payol, 1988, 2 vols.

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diálogo com alunos do Instituto Superior de Arte de Havana e da Escola Internacional de Cinema e Televisão em San Antonio de los Baños, destacando-se obras como Mérida proscrita, We are hablando e No me olvides (de Raúl Ferrera, 1990, 1991 e 1992 respectivamente). 8 Enquanto uma comunidade cubana anticastrista se formou nos Estados Unidos, por outro lado a ilha recebeu vários estrangeiros entusiastas da Revolução Cubana como Chris Marker e Joris Ivens (VILLAÇA, 2006), além do Miguel Littín, que co-produziu na ilha o filme La tierra prometida (1973). Patrício Guzmán, diretor chileno exilado que realizou A Batalha do Chile (1975-1979), produziu as três partes da obra no Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC) graças aos contatos realizados na França. Este país europeu é um tradicional pólo de recepção de exilados na Europa; restringindo aos cineastas ao longo do séc. XX, citamos o grego Constantinus Costa-Gavras, o egípcio Youssef Chahine, o franco-polonês Roman Polanski, o romeno Lucian Pintilie, o cambojano Rithy Panh, 9 além do chileno Raul Ruiz, ou “Raol” Ruiz, como é conhecido pelos franceses. Várias comunidades culturais e artísticas de exilados foram formadas no país a partir dos refugiados, muitas vezes com apoio dos franceses, para que não perdessem os laços culturais com os respectivos países de origem. 10 Porém, por ser um centro de recepção de exilados, o fato não está isento de tensões e contradições: os franceses não facilitaram o refúgio dos brasileiros no Chile quando houve o golpe militar em 1973 por se tratar de um "segundo exílio", e selecionaram os que poderiam entrar no país (CRUZ, 1999, p. 112). O México tem uma tradição no séc. XX em receber refugiados políticos dado o pioneirismo jurídico na América Latina em inserir na Constituição de 1917 o art. 15: "No se autoriza la celebración de tratados para la extradición de reos políticos, ni para la de aquellos delicuentes del orden comun que hayan tenido en el país donde cometieron el delito, la condición de esclavos; ni de convenios o tratados en virtud de los que se alteren las garantías y derechos establecidos por esta Constitución para el hombre y el ciudadano".11 Com esta tradição, há um campo que se beneficiou com a recepção de refugiados políticos e com passagens de estrangeiros: a cultura cinematográfica. Na década de 1930, 8

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LÓPEZ, Ana M. “Cuban cinema in exile - The 'other' island” in Jump Cut, n. 38, june 1993, p. 51-59. Os exílios de cineastas e pessoas ligadas à cinematografia cubana são relatados na tese de doutorado de Mariana Villaça, O Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC) e a política cultural en Cuba (1959-1991). São Paulo: FFLCH/USP, 2006. “Dossier Cent créateurs qui ont choisi la France: Cinéma” in Label France, Paris, n. 55, jul-sept. 2004, p. 03-30. Sobre a comunidade brasileira na França, ver: CRUZ, Denise Rollemberg. “Pulando numa perna só: a cultura exilada”. In: Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999, p. 207-228. Sobre a comunidade chilena, ver: PROGNON, Nicolas. “La culture chilienne en exil em France: Une forme de résistance à la junte (1973-1994) in Pandora, revue d'études hispaniques, n. 08, 2008, p.205-220. Fonte: http://v6.yucatan.com.mx/especiales/constitucion/tit_primero1.asp. Acesso em 02/03/2011. O pioneirismo mexicano foi destacado em BALDI, Carlo. “Direito de asilo”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (ed.). Dicionário de Política, Vol. 1. Coord. de tradução: João Ferreira, revisão geral: João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. Brasília: Ed. UNB, 1998 (1º ed. Unione Tipográfico Editrice Torinese, 1983), p. 57-60.

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Fred Zinnemann (diretor de Redes, 1936) e Sergei Eisenstein (realizador de ¡Qué viva, México!, 19321979) passaram pelo país trazendo ideias e buscando imagens e sons em trabalhos cinematográficos. Republicanos espanhóis derrotados na Guerra Civil Espanhola (1936-1939) foram recepcionados pelos mexicanos na mesma década, e lá muitos cineastas exilados lograram continuar o trabalho na área cinematográfica, como José Diaz Morales, Miguel Morayta, Antonio Momplet, Jaime Salvador e Francisco Elías. 12 Luis Buñuel também filmou no México, após breve estadia nos Estados Unidos, realizando uma vintena de filmes entre 1946 e 1964. 13 Os refugiados políticos das ditaduras no Cone Sul também passaram pelo país. Vamos nos reter mais no caso mexicano porque foi o país que Miguel Littín se refugiou, além de haver algumas especificidades do exílio neste país em relação aos chilenos. O exílio chileno no México não foi massivo, e isso se deu por dois motivos: o primeiro é por ter limitado e selecionado os refugiados políticos: "el chileno fue un exilio fuertemente militante; el gobierno mexicano puso como condición para dar asilo diplomático, la activa participación política de quienes lo solicitaron en el periodo de Allende" (MAIRA, 1998, p. 128-129). Estrangeiros foram aceitos na embaixada mexicana, com a condição de, no México, procurarem outro país para se refugiar (CRUZ, 1999, p. 122-123). A comunidade chilena no México chegou a 10 mil pessoas durante o regime militar chileno, permanecendo, após a redemocratização no Chile, cerca de 2 mil. O segundo motivo foi que o México rompeu relações diplomáticas com a junta militar chilena em junho de 1974 (MAIRA, 1998, p. 129), enquanto que outras receberam refugiados por mais tempo, como a embaixada da Suécia, em que o embaixador Harald Edelstam (1913-1989) concedeu refúgio a vários chilenos e estrangeiros (incluindo brasileiros), ajudou a embaixada de Cuba que estava sendo atacada pelos militares. A comunidade chilena na Suécia atualmente é numerosa.14 O impacto causado pelos sul-americanos no México foi marcante. Como exemplo, o argentino Néstor García Canclini (1998) fala sobre o país: México fue para muchos argentinos, junto con la revelación del espesor de la historia, el lugar donde encontramos el rostro indígena de América Latina. Para quienes habíamos pensado y escrito desde las tierras blancas del Río de la Plata, sin viajar hasta el norte de la Argentina ni a los enclaves mapuches de la cordillera, la capital

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ESPAÑA, Rafael de. “El exilio cinematográfico español en México”. In: YANKELEVICH, Pablo (coord.). México, país refugio. La experiencia de los exilios en el siglo XX. México, D.F.: Instituto Nacional de Antropología e Historia (INAH)/ Plaza y Valdés, 2002, p. 229-244. FUENTES, Victor. Buñuel en México. Iluminaciones sobre una pantalla pobre. Zaragoza: Instituto de Estudios Turolenses/Gobierno de Aragón, 1993. Em 2007, foi lançado um filme que mostra a atuação do embaixador H. Edelstam durante os primeiros meses do regime militar chileno: The Black Pimpernel, de Asa Faringer e Ulf Hulberg, uma co-produção da Suécia, Dinamarca e Chile. Dados ao final do filme mostram que o embaixador salvou mais de 1.300 refugiados antes de ser expulso do Chile. Seu trabalho foi continuado por outros embaixadores e, atualmente, a comunidade chilena na Suécia tem mais de 48.000 pessoas.

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mexicana nos confrontó con el lugar central que tiene en muchas ciudades del continente la presencia étnica. (p. 60)

Oportunidades foram dadas aos exilados com atuações consolidadas no país de origem: Néstor Canclini prosseguiu seu trabalho com antropologia cultural e, devido ao contraste de realidades entre Argentina e México, trabalhou com o conceito de hibridez para entender as relações entre tradição e modernidade na América Latina. 15 Daqui, percebemos como os exilados são cooptados pelos países que concedem refúgio, numa relação que interessa às duas partes. Voltando ao caso dos Estados Unidos, dois estrangeiros tiveram papéis importantes na política do país na segunda metade do séc. XX: Zbigniew Brzezenski (exilado da Polônia comunista) foi Conselheiro de Segurança Nacional entre 1977 e 1981, e Henry Kissinger (judeu alemão exilado da Alemanha nazista), conselheiro para a política externa de vários presidentes norte-americanos (SAID, 1996, p. 91). No campo cinematográfico, o incentivo e a censura aos filmes partiam do mesmo Estado desde a década de 1920. Com a industrialização do cinema nacional, criou-se sindicatos de técnicos de cinematografia e de atores, que travavam entre si conflitos movidos a sabotagens e campanhas de degradação ao sindicato rival, durante as décadas de 1940 e 1950 (GUMUCIO-DAGRON, 1984, p. 135). Quando Luis Echeverría chegou ao poder em 1970, colocou seu irmão Rodolfo Echeverría como gerente do Banco Cinematográfico de México, financiando alguns filmes (concedendo inclusive uma relativa autonomia) que se tornaram grandes produções, como Actas de Marusia, de Miguel Littín, El apando (1975), Canoa e Las poquiachins (1976), os três de Felipe Cazals. A intervenção estatal desse chegou a controlar a produção, divulgação e distribuição de filmes no país e no exterior (SCHUMANN, 1987, p. 231-232). Por conta da política de recepção aos refugiados políticos do Chile (Luis Echeverría chegara ao Chile na época da Unidade Popular), Miguel Littín não teve grandes dificuldades em conseguir um financiamento pelo CONACINE, a produtora oficial fundada no governo de L. Echeverría (TURRENT, 1992, p. 122-127).

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Essa estratégia marginalizou vários cineastas no

México, 17 pois a política de financiamento de filmes privilegiou alguns cineastas, escolhidos por serem capazes, segundo os financiadores estatais, de seguirem coerentemente com a política cinematográfica de Luis Echeverría e realizarem películas que não contestem o governo abertamente (SCHUMANN, 1987, p. 232-233; KING, 1990, p. 137).

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Ver CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas. Estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1996 (Ensaios Latino-americanos 1). Actas de Marusia foi produzido pela Corporación Nacional Cinematográfiica (CONACINE) e pelo produtor mexicano Arturo Feliu. “El Estado podía permiterse el lujo con dos o tres films que lo prestigiarían mundialmente, y harían olvidar las decenas de mamotretas comerciales” (GUMUCIO-DAGRON, 1984, p. 140).

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Os cineastas mexicanos marginalizados pelo projeto de L. Echeverría chegaram a assinar manifesto contrário à essa política, acusando o governo de demagogia, pois o presidente queria fazer do cinema mexicano um instrumento de prestígio no exterior, se valendo de uma retórica terceiromundista (GUMUCIO-DAGRON, 1984, p. 137-141). As tensões no México na década de 1970 se dão por conta das manifestações contra o governo federal e das respostas das forças militares durante a década precedente, que haviam causado mortes como ocorreu no massacre dos estudantes em outubro de 1968 na Plaza de las Tres Culturas em Tlatelolco. Porém, Miguel Littín diz em suas entrevistas que o México sob a presidência de Luis Echeverría estava liderando uma "abertura democrática" na política e no cinema. Veremos como o cineasta interpretou sua passagem pelo país quando analisarmos suas “interpretações autojustificadoras” (RAMOS, 2002, p. 52) de Actas de Marusia, mais adiante.

As diferentes trajetórias dos cineastas exilados mostram que há uma via de mão dupla em relação aos países de refúgio e os intelectuais exilados: um governo tem a opção de integrar os intelectuais em seu meio artístico e, assim, contribuir para o desenvolvimento das artes no novo território; enquanto os refugiados, dependendo das condições, têm a opção de continuar seu trabalho dentro de uma liberdade de atuação muitas vezes negociadas. Veremos em outro capítulo como essa relação favoreceu a atuação cinematográfica de Miguel Littín no México.

1.2 Exílios de cineastas na América Latina

Nos países latino-americanos em geral foram diversos os casos de censura a filmes nacionais e internacionais realizadas de duas formas: pelo Estado, com legislação específica ou pela ação enérgica dos alcades, e pela crítica cinematográfica de periódicos conservadores, desqualificando determinadas obras. Os argumentos para as censuras têm caráter moral e religioso, e as restrições de trabalho dos cineastas variam de acordo com a época e o país, porém vêm prejudicando o campo cinematográfico desde o início do século XX. Os exílios e a repressão a artistas e técnicos militantes da área do cinema (atores, atrizes, roteiristas, técnicos, compositores, diretores) são correntes ao longo do século XX, sendo mais vigorosos a partir da década de 1960 por conta da influência cultural que a Revolução Cubana (1959) exerceu nas esquerdas latino-americanas. Na Argentina, os ciclos de exílio começam na década de 1950, quando vários cineastas sairam do país assim que Juan Domingo Perón deixou o poder em 1955, se refugiando na Europa: Ernesto Arancibia, León Klimovsky, Hugo Fregonese, Enrique Cahen Salaberry, Tulio Demichelli e Vignoly Barreto. A maioria destes cineastas partiu para os Estados Unidos (GUMUCIO-DAGRON, 1984, p. 18

18). Considerado o fundador do Nuevo Cine Latinoamericano, Fernando Birri exílou-se em 1963, logo após o golpe militar ocorrido no mesmo ano. Partiu para a Venezuela, onde lecionou na Universidade de Mérida e montou o Laboratório Ambulante de Poéticas Cinematográficas, e passou posteriormente por vários países. Após uma onda de censuras a exibições de filmes entre 1963 e 1972, a liberdade de expressão é garantida com o retorno de Perón à Argentina, iniciando um período em que cineastas e grupos de cinema intensificaram suas produções fílmicas (p. 26). Com o golpe militar de 1976, a onda repressiva retorna com maior violência, e os diretores Fernando Solanas, Gerardo Vellejo, Octavio Getino e Jorge Cedrón foram “convidados” a se retirarem do país (p. 29). 18 A maioria se exilou na Europa; Jorge Cedrón exilou-se na França, onde cometeu suicídio (p. 12). A repressão militar vitimizou os roteiristas Haroldo Conti e Rodolfo Walsh na Argentina (p. 08). Pessoas ligadas ao cinema cubano passaram por censuras, como Néstor Almendros, Fausto Canel, Roberto Fandiño, Alberto Roldán, Fernando Villaverde e Ramón F. Suarez (p. 179). Alfonso Gumucio-Dagron reconhece que há problemas no interior do Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC) causados por "factores burocráticos o personales", porém afirma que "no significa que se hubiesen convertido en resentidos contrarevolucionarios" (p. 180). Em seu estudo sobre a instituição cubana, a historiadora Mariana Villaça (2006) aponta os conflitos estéticosideológicos na política cultural e cinematográfica cubana que girou em torno do ICAIC; vários eventos desgastaram a relação entre os futuros exilados e a direção política do governo cubano, como o Caso P.M. (p. 28-37), o discurso de Fidel Castro Palabras a los intelectuales (p. 35), o Caso Padilla (p. 182186) e a depuración contra el sectarismo (p. 170). O golpe militar brasileiro de 1964 criou uma geração de exilados políticos que partiu em sua maioria para Montevidéu, no Uruguai (onde também houve exílio de cineastas, como Mario Handler, que partiu para a Venezuela em 1973 e voltou em 1998). Com a promulgação do Ato Institucional n. 05 no final de 1968, houve uma segunda geração de exilados formada por jovens envolvidos na luta armada (CRUZ, 1999, p. 50-51), envolvendo boa parte dos intelectuais ligados ao meio artístico. O exílio passou a ser opção de sobrevivência não somente de cineastas, mas de pessoas ligadas ao teatro (membros do Teatro Oficina e Teatro Arena de São Paulo), à música (Cateano Veloso e Gilberto Gil) e às ciências sociais (Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Josué de Castro e Celso Furtado) (GUMUCIODAGRON, 1984, p. 86). Glauber Rocha fez projetos no exterior em 1970 e, no ano seguinte, iniciou um exílio que foi até 1976; nesse período, realizou um documentário em co-produção com Marcos Medeiros, outro refugiado brasileiro (História do Brasil, co-produção de Cuba e Itália, de 197218

Na análise de Alfonso Gumucio-Dagron, a liberdade cinematográfica na Argentina esteve vinculada diretamente à permanência de Perón no país.

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1974).19 Sílvio Tendler, após ser proibido de voltar ao Brasil quando estava no Chile de Salvador Allende, partiu para a França onde se formou em História e fez pesquisas com Marc Ferro, além de participar numa obra do cinema documental francês, La spirale (1976), de Armand Mattelart, Jacqueline Meppiel y Valérie Mayoux. Outros nomes vinculados ao cinema também passaram pelo Chile até 1973, e quando se deu o golpe militar no país ocorreram novos exílios: Leon Hirszman, Lauro Escorel Filho, Luiz Albereto Sanz, Sérgio Sanz, Helvécio Ratton, Affonso Beato, Peter Overbeck, Carlos Diegues, Zózimo Bulbul, Norma Bengell, entre outros (NÚÑEZ, 2006, p. 200). Apesar da lista de refugiados ser grande, é preciso lembrar que esse fato não gerou uma cultura cinematográfica fora do Brasill, pois a maioria dos cineastas permaneceu no país apesar das limitações da liberdade de desenvolvimento artístico durante o regime militar.

1.3 A diáspora intelectual chilena

Enquanto em muitos países latino-americanos houve exílios de intelectuais que não chegaram a formar uma grande comunidade fora do país de origem, o mesmo não podemos afirmar sobre o Chile. A partir do golpe militar em 1973, seguiu-se uma repressão contra intelectuais que estavam ligados à esquerda chilena, radical ou não. A área audiovisual foi um dos maiores alvos dos militares. No mesmo 11 de setembro, dia do golpe militar, a Chile Films, empresa estatal de produção e difusão de filmes nacionais, foi invadida pelos militares. Rolos e rolos de película foram destruídos por soldados, eliminando parte da memória cinematográfica nacional (VILLEGAS, 1990, p. 151-153). Carlos Piaggo (cineasta), Hugo Jamarillo (diretor de desenhos animados), Máximo Gedda (diretor de TV), Igor Cantillana (ator), Sara Astica (atriz), Augusto Olivares (jornalista), Jorge Peña (músico), Adriana del Río Lagarrigue (assistente de direção), Luis Arenas (ator), Enrique Norambuena (ator), Sonia Cordero (atriz) e Hernán Ormeno (ator) estão entre as centenas de vítimas dos primeiros anos do regime militar. Victor Jara, compositor e um dos mais populares integrantes da Nueva Canción Chilena, foi uma das vítimas fatais que causaram grande comoção na imprensa internacional. Carmen Bueno, atriz que atuou em La tierra prometida de Miguel Littín, e Jorge Müller, cinegrafista que trabalhou com Patricio Guzmán nas gravações de La batalla de Chile (1975-1979), foram presos, torturados e "desaparecidos" pelas milícias militares (GUMUCIO-DAGRON, 1984, p. 96-98). Há também casos de estrangeiros que faleceram antes e depois do golpe militar. Um deles é Leonardo Henrichsen, que filmou a própria morte, cena mostrada na citada obra de P. Guzmán; argentino, 19

CARDOSO, Maurício. “Glauber Rocha: Exílio, Cinema e História do Brasil”. In: CAPELATO, M.H.; MORETTIN, E.V.; NAPOLITANO, M.; SALIBA, E.T. (orgs.). História e Cinema. São Paulo: Alameda, 2007, p. 149-170.

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cinegrafista correspondente de uma televisão sueca e do Canal 13 da Argentina, faleceu durante o "El Tanquetazo" em 29 de junho de 1973, uma tentativa de golpe militar (RUFFINELLI, 2001, p. 144-145; SILVA, 2009, p. 77). Outro estrangeiro falecido no país foi o norte-americano Charles Horman, que estava filmando com o peruano Jorge Reyes um documentário chamado Avenida de las Américas (GUMUCIO-DAGRON, 1984, p. 99). O caso de Horman foi posto nas telas de cinema pela direção de Costa-Gavras, no filme Missing, de 1982. Neste contexto, muitos dos perseguidos políticos não encontraram outro caminho senão a saída do país. Houve um verdadeiro “apagão cultural” no Chile, segundo pesquisadores. Muitos ficaram por acreditar em mudança efetiva ou por dificuldades financeiras, porém alguns foram presos, torturados e "desaparecidos". Cineastas que permaneceram no país mudaram de profissão para sobreviver, como o diretor Douglas Hibner, o qual trabalhou com publicidade e administrou um restaurante, dado o pouco incentivo da Junta Militar ao campo cinematográfico. 20 No exílio, muitos intelectuais lograram continuar com suas atividades. Várias são as obras de testemunho através de poesia, literatura, teatro, imprensa escrita, artes plásticas, escultura, porém a canção e o cinema foram os que tiveram maior difusão internacional (MOUESCA, 1988, p. 140-142). A canção engajada teve vantagem a princípio pois estava consolidada em 1973, contando com a continuidade do trabalho de conjuntos como Inti-Illimani e Quilapayún e músicos como os irmãos Ángel e Isabel Parra e Patricio Manns; já os cineastas encontraram maior dificuldade, porque na época do golpe militar o cinema chileno começava a se definir melhor (p. 143). Estes encontraram algumas resistências em poder continuar o trabalho, mas muitos, devido à solidariedade internacional diante dos crimes cometidos no Chile, tiveram condições materiais e financeiras jamais disponíveis no país de origem, o que possibilitou aos diretores uma oportunidade de desenvolvimento artístico em outras condições. Os destinos dos exilados foram muitos, mas certos países se destacaram na quantidade de refugiados: França, República Democrática Alemã, República Federal Alemã, Espanha, Estados Unidos, Canadá, Itália, Suécia, Venezuela e México. Alguns cineastas que se destacaram no exílio: Raul Ruiz, Patrício Guzmán, Helvio Soto, Pedro Chaskel, Sebastián Alarcón, Valéria Sarmiento, Antonio Skártema e Miguel Littín. Entre 1973 e 1978, as temáticas dos filmes dos exilados sempre giraram em torno da denúncia contra os crimes promovidos pela Junta Militar; entre 1978 e 1983, difundiu-se temas internacionais, como a revolução na Nicarágua, e sobre a impossibilidade do retorno ao país de origem, a evidência de ser um eterno desterrado de sua própria terra (MOUESCA, 1988, p. 144-146). Porém, em 1983 houve 20

Depoimento dado pelo cineasta no documentário No!, de Ronaldo Duque (1989), obra que exibe os conflitos entre a sociedade chilena e os militares, cujo ápice está na campanha do “Não” no referendo de 1988 sobre a continuidade dos militares no poder político.

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um desgaste do cine chileno del exílio, diante a impossibilidade do realizador exilado se comunicar com seu destinatário: o chileno, em seu país (p. 155-156). Quando o cinema no exílio parecia ter fracassado em seus intentos, uma novidade vem revitalizar as produções, pois no Chile iniciou-se um crescente processo de contestação ao regime militar, com o surgimento de diversas revistas, as guerras “callejeras”, os protestos, os conglomerados políticos de oposição, as filmagens realizadas por residentes, estrangeiros e clandestinos, como o próprio Miguel Littín (que não foi o pioneiro) em sua obra Acta General de Chile (1986) (p. 157); enfim, o regime de Pinochet teve que ceder e permitiu o diálogo favorável ao retorno da democracia, o que viria a acontecer apenas em 1990, encerrando 17 anos de violações dos direitos humanos. Esse movimento que envolve o cinema no exterior e os eventos no Chile constituem uma dinâmica própria desta fase da história chilena. O periódico Araucaria de Chile, publicado entre 1979 e 1990, foi um espaço que "tinha como objetivo ser uma revista cultural que servisse de elo entre a comunidade chilena dispersa pelos mais distantes rincões do planeta" se voltando para "debates relacionados às lutas políticas contra a ditadura chilena e o imperialismo estadunidense" (SILVA, 2009, p. 08). O cinema teve um espaço considerável nas páginas da revista, e serviu para divulgar e discutir a produção fílmica no Chile e no exílio, pois até então algumas tentativas de realizar um levantamento desses filmes foram realizadas sem maior rigor. Além das produções que envolveram chilenos, o cinema realizado na América Latina também teve destaque, principalmente os filmes mexicanos, cubanos, argentino e boliviano (p. 117-119). Na publicação, várias entrevistas foram realizadas, além de artigos diversos sobre filmes, festivais, publicações, etc., e assinados por nomes como Zuzana M. Pick e Jacqueline Mouesca, e foi possível verificar pelos textos algumas tensões e desencontros de agendas políticas e culturais entre os cineastas no exílio (p. 77-80). A produção fílmica durante o exílio foi maior do que a realizada em território chileno. Segundo um levantamento realizado pela cineasta Valeria Sarmiento (1984), entre 1973 e 1983 foram realizados 176 filmes dirigidos por chilenos. 21 Um trabalho organizado pela Cineteca Nacional de Chile entre 2006 e 2007 procurou ter acesso aos filmes realizados durante o exílio por cineastas que fizeram do Chile o tema principal de suas obras. Foram encontrados filmes nos mais variados estados de conservação nos seguintes países: Argentina, Uruguai, Venezuela, Cuba, México, Canadá, Espanha, Itália, França e Alemanha. Dois quadros mostram o resultado final das buscas: foram encontradas 501 obras realizados por 351 diretores ou coletivos chilenos e estrangeiros. 22 21

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Segundo o levantamento da cineasta, por ano: 1973: 1; 1974: 6; 1975: 15; 1976: 13; 1977: 14; 1978: 18; 1979: 23; 1980: 20; 1981: 19; 1982: 21 e 1983: 26, totalizando 176 filmes, sendo 56 longas, 34 médias e 86 curta-metragens (SARMIENTO, 1984, p. 15). Trata-se do projeto “Imágenes chilenas en el mundo”, que contou com a participação de vários cineastas e

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O panorama que traçamos até aqui mostra uma América Latina desterritorializada, que ultrapassa os limites traçados pelos países que a compõem. Tratamos da movimentação de cineastas por diferentes países, e essa circularidade contribuiu para a circulação de ideias, imagens e sons. Os exílios foram impostos aos intelectuais e estes construíram comunidades exílicas que mantiveram o engajamento político, muitas vezes caminhando para a desilusão ao final da década de 1980. Porém, as leituras de suas representações no exterior são fontes históricas importantes para pensar o engajamento do intelectual. Focaremos a biografia cinematográfica e política de Miguel Littín para verificarmos quais as concepções teóricas que o cineasta construiu no Chile, antes do exílio em 1973.

especialistas em cinema: Mónica Villarroel, María Eugenia Meza, Ignacio Aliaga, Pedro Chaskel, Pablo Andrada, Gastón Ancelovici, Carlos Ovando e Catalina Díaz. Entre os diretores dos filmes encontrados, 124 eram chilenos, 39 estrangeiros, 175 não-identificados, 2 desconhecidos, 9 coletivos chilenos e 2 coletivos estrangeiros. Versão digital do texto da pesquisa, projeto da Cineteca Nacional de Chile financiada pelo Fondo de Fomento Audiovisual, pertencente ao Consejo Nacional de la Cultura y las Artes, p. 118 (ISBN: 978-956-8529-04-8).

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2 MIGUEL LITTÍN: VIDA E OBRA FÍLMICA

Ao lado de Helvio Soto, Patrício Guzmán e Raul Ruiz, o diretor Miguel Littín (1942 - ) é mais um dos cineastas chilenos exilados que conseguiram reconhecimento no exterior em festivais e revistas de cinema. Ele é descendente de gregos e palestinos refugiados no Chile durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que casaram com chilenos e viveram na comuna de Palmilla, província de Conchagua. A infância do diretor foi marcada pelo ensino religioso e pelo cinema; quando jovem se envolveu com teatro, graduando-se na Escuela de Teatro de la Universidad de Chile. Trabalhou na televisão ao lado de Helvio Soto e foi neste espaço que M. Littín pôde adquirir experiência com o trabalho de câmera e iluminação. Após filmar um curta, Por la tierra ajena (1965), procurou recursos e filmou o primeiro longa, El chacal de Nahueltoro (1969), influenciado pelos debates e filmes apresentados nos Festivais de Viña del Mar em 1967 e 1969, quando, junto aos cineastas chilenos, verificou que fazer um cinema crítico e militante era possível com poucos recursos (LITTÍN, 1974-A, p. 17). Quando Salvador Allende chegou ao poder em 1970, nomeou o diretor da Chile Films, porém Littín ficou por pouco tempo na função por incompatibilidade com as funções administrativas. Nesse período, fez Compañero Presidente (1971), que mostra o diálogo de S. Allende com o intelecual exilado francês Regis Debray. 23 Após a saída da Chile Films, filma La tierra prometida (1973), uma co-produção chilena com o Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC) que não chegou a ser exibido no Chile. Com o golpe militar, Littín refugia-se no México e produz Actas de Marusia (1976), prosseguindo sua atividade no exterior. No primeiro ano de exílio, participou ativamente no IV Encontro de Cineastas Latino-americanos ocorrido em Caracas, Venezuela, realizado entre 5 e 11 de setembro de 1974,24 fazendo parte do Comitê de Cineastas Latino-americanos criado nesse evento (NÚÑEZ, 2009, p. 447). O evento foi um espaço onde os diretores se manifestaram contra os crimes cometidos contra a humanidade no Chile ditatorial, e foi uma das organizações que contribuíram para a articulação do Nuevo Cine Latinoamericano, vertente à qual Miguel Littín de identificava e defendia. Entre 1976 e 1986, Miguel Littín realizou Crónica de Tlacotalpan (México, 1977) El recurso del método (França, México e Cuba, 1978), La viuda de Montiel (México, Cuba, 1980), Alsino y el 23

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Entusiasta da revolução armada, escreveu livros como Le pouvoir intellectuel en France (Paris: Ramsey, 1979) e ¿Revolución en la revolución? (La Habana: Casa de las Américas, 1967). No documentário, Debray questiona Allende se a “via chilena” leva realmente a uma “autêntica” revolução. ”Encuentro de cineastas latinoamericanos en solidaridad com el pueblo y los cineastas de Chile” in Cinematografo, Lima, n. 03, 1975, p. 11-14.

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Cóndor (México, Nicarágua, Costa Rica e Cuba, 1981) e Allende: Il tempo della storia (Itália, 1985). Em 1986, lança Acta general de Chile, no qual filmou regiões chilenas na clandestinidade e com a ajuda de equipes europeias de cinema. Trata-se de um documentário em quatro partes, voltadas para a exibição na televisão espanhola com uma hora cada. Com a redemocratização chilena em 1990, o cineasta voltou ao país, tornou-se administrador da comuna onde nasceu, Palmilla, e continuou realizando filmes em co-produções nacionais. Para tentar compreender as concepções que o cineasta desenvolveu sobre política e cinema, procuraremos adentrar em duas de suas obras: El chacal de Nahueltoro (1969) e La tierra prometida (1973). Visamos elucidar, através desses filmes, escritos e entrevistas de M. Littín, quais eram as concepções de cinema que o diretor desenvolveu no Chile e carregou consigo para o exílio, formando um terreno teórico e prático que possibilitou a realização de Actas de Marusia.

2.1 Cinema e engajamento político no Chile: El chacal de Nahueltoro e La tierra prometida

El chacal de Nahueltoro (1969)25 teve grande repercussão na crítica cinematográfica e foi sucesso de público, fato que o diretor retoma com orgulho porque tratou-se de um marco no cinema chileno (Littín, 1970, p. 15). O filme é realizado com poucos recursos, tal como eram os primeiros filmes do Nuevo Cine Latinoamericano, e, apesar da linguagem cinematográfica moderna (narrativa não-linear; câmera em constante movimento; poucas músicas), conseguiu agradar um público não restrito. O enredo do filme mostra a vida e morte de um camponês, José del Carmen Valenzuela Torres, que foi abandonado quando criança, cresceu tendo sua mão-de-obra explorada pelos latifundiários e, embriagado, assassinou sua companheira e as seis filhas da mulher. Preso, consegue fazer amizades, aprende ofícios, é alfabetizado e, quando se mostra “recuperado” e arrependido do crime, é condenado à morte e executado sob protestos da imprensa. A história é baseada em fatos reais, e para montar o roteiro, o diretor conversou com pessoas que tiveram contato com o condenado, como repórteres, presos, campesinos, familiares. 26 O filme foi realizado com a ajuda da população de Chillán e Nahueltoro. O sucesso de público da obra se explica, segundo o diretor, pelo fato do povo chileno se reconhecer no filme, além de ser estimulado a discorrer sobre os problemas do Chile: “perguntábamos a la gente qué tipo de cine 25

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El chacal de Nahueltoro (1969), P&B, 94'. Direção e roteiro: Miguel Littín; Fotografia: Héctor Ríos; Edição: Pedro Chaskel; Música: Sergio Ortega; País: Chile. O subtítulo do filme é “en cuanto a la infancia, andar, regeneración y muerte de Jorge del Carmen Valenzuela Torres, quién se hace llamar también Jose del Carmen Valenzuela Torres, Jorge Sandoval Espinoza, Jose Jorge Castillo Torres, alias, el campano, el trucha, EL CANACA, EL CHACAL de Nahueltoro”. Vários nomes para um camponês que descobriu sua identidade na prisão, às vésperas da morte.

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pensaban que debían ser el cine chileno, crítico, nuevo, revolucionario” (LITTÍN, 1970, p. 15), diz o diretor. Essa seria uma fórmula encontrada pelo cineasta para se fazer cinema: “Hay que ir y ponerse en contacto directo con el pueblo, conversar con ellos, discutir con ellos y después ponerse al servicio de estas necesidades, tratando de esclarecerlas, presentando las contradicciones que presenta el sistema de forma más clara y concreta” (idem, p. 20). O êxito de El chacal de Nahueltoro deve-se “a la circunstancia de haber trabajado con un tema que interesaba al pueblo de Chile”, e Littín diz que usou o personagem Valenzuela como “un pretexto de comunicación con el pueblo” (idem, 1972-A, p. 38). Nessa interação, deve-se “devolverle su verdadera imagen y que el pueblo entonces se reconozca” (idem, 1971-A, p. 05). Reconhecendo-se, o povo assumiria sua “verdadeira” identidade em contraposição às imagens vendidas pelos cinemas norteamericano ou europeu (idem, p. 04). Para se fazer um cinema crítico, segundo o diretor, deve-se ir ao povo, conversar com ele, romper a barreira entre o intelectual e as camadas populares, conhecer os problemas do país: Porque si queríamos hacer un cine pensábamos que tenía que ser un cine que llegara a la mayor cantidad de gente y un cine que pretenda llegar a la mayor cantidad de gente no se puede hacer desde un escritorio, desde lejos y desconociendo la realidad del país, sino que primero que nada hay que aprender esa realidad (idem, 1971-A, p. 03).

Miguel Littín reconhece-se como um marxista-leninista (idem, 1972-A, p. 37) e acredita que o povo (mais o camponês e o mineiro do que o trabalhador urbano) é o agente revolucionário capaz de vencer na luta de classes e de levar o país para o socialismo: Porque nosotros[, los cineastas,] no tenemos la pretensión de ser más revolucionarios que el pueblo chileno; creemos que el más grande revolucionario es el pueblo y creemos que el pueblo no tiene nada que aprender con nosotros, al contrario nosotros tenemos que aprender de ellos, y ésta es una cosa muy importante (LITTÍN apud TORRES, 1972, p. 27).

Fazer cinema é estar a serviço do povo, segundo o diretor. No texto El cine: herramienta fundamental (2009), escrito em 1971, Miguel Littín diz que o cinema deve ser a ferramenta fundamental para a criação de uma cultura autenticamente nacional e descolonizada, “señalando al pueblo las grandes problemáticas y dándole así los elementos de información que le sean útiles para enfrentar el presente y projectar el futuro” (p. 320). No Manifiesto de los Cineastas de la Unidad Popular (apud MOUESCA, 1988, p. 70-72), encontramos as principais linhas de pensamento de Miguel Littín de se fazer cinema revolucionário, popular e nacionalista. O texto foi redigido pelo diretor durante a campanha presidencial de Salvador Allende de 1969-1970 e assinado por cineastas como um compromisso ideológico com a Unidade Popular no que se refere ao modo de fazer filmes 26

para apoiar o governo e incentivar o processo revolucionário, porém seu conteúdo não teve uma ampla aceitação por parte dos próprios diretores chilenos (MOUESCA, 1988, p. 53-55). 27 No documento observa-se a preocupação em colocar o povo em primeiro plano ao fazer cinema, pois “la larga lucha de nuestro pueblo por la emancipación, nos señala el camino” (idem, p. 71). Mas, apesar do compromisso com a UP, percebe-se uma certa tensão em relação ao Estado que governa sob leis, pois “el cine revolucionario no se impone por decretos” (idem, ibidem). Em El chacal de Nahueltoro percebe-se um questionamento da própria natureza do Estado, que pode oferecer condições ao cidadão para sobreviver, bem como tirar sua vida. É com um sentido pedagógico que Miguel Littín conceitua o cinema popular: deve-se conversar com o povo, aprender a melhor maneira de se comunicar com ele, mostrar os problemas do país para criar uma consciência revolucionária. O cinema, além de ser uma indústria, é “también un instrumento para educar a las masas” (LITTÍN, 1972-A, p. 41). Por isso, “hubo que cambiar el lenguaje, llegar a ser muy claros, y para explicar el imperialismo mostrar como incidia en la vida diaria de cada chileno” (idem, 1971-B, p. 44), porque o cineasta deve se integrar à luta de classes: “a una técnica sin sentido oponemos la voluntad de búsqueda de un lenguaje proprio que nace de la inmersión del cineasta en la lucha de clases, enfrentamiento que genera formas culturales proprias” (MANIFIESTO apud MOUESCA, 1988, p.71). O cineasta, enquanto intelectual, não estaria dentro da luta de classes por sua condição "pequeno-burguesa", e esse é um estigma que o realizador deve assumir para levar adiante as propostas revolucionárias de se fazer cinema ao serviço do povo, ao invés de procurar copiar os modelos cinematográficos norteamericano e europeu: Nosotros no queremos prejuzgar desde lejos ni adjudicarle nuestra ideología pequeño-burguesa, que queramos o no la tenemos, porque somos nacidos y formados en una sociedad burguesa, e ir al pueblo y transformarnos cada día en pueblo combatiente (LITTÍN apud TORRES, 1972, p. 27).

Como "pequeno-burgueses", os cineastas teriam o dever de aprender a serem revolucionários com o povo, aprender sua linguagem e apontar as problemáticas a serem discutidas, ao mesmo tempo em que o cinema é um instrumento para educar as massas. Pois o cinema sem elas transforma-se em um produto de consumo da burguesia, “que es incapaz de ser motor de la historia” (MANIFIESTO apud MOUESCA, 1988, p.71). É com essa relação entre pequena burguesia e povo que Miguel Littín 27

Assinaram o Manifiesto de los Cineastas de la Unidad Popular vários cineastas e dirigentes de organismos do Estado ligados ao cinema, porém não foi um documento que contava com um consenso sobre seu conteúdo. Diz Raul Ruiz: “Ese Manifiesto fue escrito por un par de personas entre gallos y media noche, y firmada por todos nosotros. Pero no es el resultado de una verdadera discusión” (entrevista a Luis Bocaz, “No hacer más una película como si fuera la última” in Araucaria de Chile, Ediciones Michay, Madrid, n. 11, p. 116).

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vê a importância do cinema quando obtém o sucesso de público com El chacal de Nahueltoro. Com essas concepções, o diretor dialoga com outras realizações nacionais, como o brasileiro e o cubano, que se preocupam com as questões nacionais em seus filmes em oposição à produção fílmica norteamericana. O filme La tierra prometida28 foi pensado a partir da preocupação com o nacional esboçado em El chacal de Nahueltoro, escritos e entrevistas. Influenciado por filmes como O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), de Glauber Rocha, Miguel Littín busca elementos da cultura e da narrativa populares do Chile em síntese com as bandeiras nacionais carregadas pelas massas. É o primeiro filme à cores do diretor, e ele faz um uso intenso delas para dar mais vigor à fotogenia da obra. O enredo é ambientado no início da década de 1930, quando instaurou-se no Chile uma República Socialista que durou apenas 12 dias. O enredo mostra a ascensão e a queda da comunidade de Palmilla (curiosamente, a comuna onde nasceu o diretor) que foi reprimida pelos militares, mas está em diálogo com diferentes momentos da história chilena, que vai desde a independência até a sugestivos momentos da produção do filme. Esta obra foi co-produzida pelo Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC); e a fotografia ficou a cargo de Alfonso Beato, que trabalhou com Glauber Rocha em O dragão da maldade contra o santo guerreiro, que deu um acabamento estético aproximando ambas películas. Além da presença cubana e brasileira na produção do filme, mostrando uma abertura para dialogar com o Nuevo Cine Latinoamericano, a trilha sonora conta com a participação de integrantes da Nueva Canción Chilena, como Ángel Parra e o grupo Inti Illimani. 29 O enredo do filme utiliza de forma alegórica diversos símbolos nacionais, como a dupla representação da Virgen del Carmen, protetora dos ricos e pobres, além de buscar uma proximidade com o “realismo mágico” da literatura latino-americana. Sobre o conceito de alegoria, a entendemos como uma forma estratégica de composição da narrativa e de personagens que permite ao espectador a possibilidade de aproximá-la de seu universo, abrindo o leque de interpretações para diversas leituras (FREIRE, 2002, p. 134-135). Isso ocorre porque na alegoria há uma desfragmentação organizativa, "e tal particularidade tende a colocar o receptor numa postura analítica" para que "se capte o sentido (oculto) do que nos é dado" (XAVIER, 1984, p. 06). Utilizamos essa noção para entender como a obra poderia dialogar com o contexto de sua produção, e, sendo assim, “o que a obra pode nos mostrar, de 28

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La tierra prometida (1973), col., 120'. Direção e roteiro: Miguel Littín; Fotografia: Alfonso Beato, Patricio Casillas e Carlos Garrido; Edição: Nélson Rodríguez; Música: Luis Advis; País: Chile, Cuba. Miguel Littín é um dos cineastas que mais dialogam com o movimento musical, que participaram nas trilhas sonoras de alguns filmes, em geral Ángel e Isabel Parra. Sobre o cantor, Littín vê proximidades entre a forma de Ángel cantar e a dele, de dirigir: os dois se arriscam muito em suas áreas; o cantor em lançar uma voz sem medida quando canta, o diretor em querer filmar de forma muito perigosa quando realiza uma obra fílmica (Littín, 1983, p. 91).

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imediato, é aquilo que resultou das prováveis intenções do autor” (FREIRE, 2002, p. 137, grifos do autor). Há várias passagens que remetem aos elementos nacionais: as festas populares, a dança, a música, a narrativa, as bandeiras. Esta última tem forte presença no filme, e as bandeiras são carregadas pelos camponeses em diversos momentos. “Que la bandera chilena es bandera de lucha y de liberación, patrimonio del pueblo, herencia suya”, diz o Manifiesto (apud MOUESCA, 1988, p. 71). Alinham-se as massas como o herói coletivo do filme, ressaltando nas imagens e nos sons o caráter nacional-popular do cinema, invocado pelo diretor em seus escritos. Em uma mesa-redonda, já no exílio, Miguel Littín expõe que lhe causa muita admiração as manifestações coletivas: “A mí me emocionan las multitudes y las banderas rojas. Entonces yo las filmo”.30 A mensagem do filme é um convite para que o espectador assuma uma posição revolucionária dentro do crescente conflito social no Chile no início da década de 1970; ele deve lutar contra a presença dos Estados Unidos no país, os quais se aliam à direita conservadora chilena para derrubar o governo de Salvador Allende. O filme foi produzido em 1972, terminado e exibido na Rússia ainda em 1973, antes do golpe militar, ou seja, no auge das tensões políticas e sociais chilenas. O nacionalismo no cinema, segundo o diretor, deve ser levado em conta pois trata-se de mobilizar um Chile neocolonizado e dependente, que deve se livrar da cultura norteamericana para se voltar às questões do povo chileno: Contra una cultura anémica y neocolonizada, pasto de consumo de una élite pequeño burguesa decadente y estéril, levantemos nuestra voluntad de construir junto a inmerso en el pueblo, una cultura auténticamente NACIONAL y por conseguinte, REVOLUCIONARIA (MANIFIESTO apud MOUESCA, 1988, p. 71).

O diretor não é contra somente o cinema hollywoodyano; o cinema europeu é “el cine habitualmente de consumo, que pervierte, deforma, no forma, y anula y tiende a anular completamente la identidad de un pueblo y a terminar con sus símbolos y a imponerle otros” (LITTÍN, 1971-A, p. 04). Porque um filme realizado por um chileno que testemunha sua realidade e é exibida para um público maior “vale más que 10.000 discursos dichos en los cafés y en los cine clubes, y más que 10.000 foros sobre una película de Antonioni o de Bergman o sobre la problemática de la incomunicabilidad ” (idem, 1970, p. 24). Filmes destes diretores consagrados como F. Fellini, M. Antonioni e I. Bergman são para o consumo da "pequena burguesia" (idem, 1971-A, p. 04), e não ajudam a entender a realidade chilena e latino-americana. Por isso, no momento da luta de classes durante o governo da Unidade 30

“Orientacion y perspectivas del cine chileno. Mesa redonda realizada en el Festival Internacional de Cine (Moscú, 1979) com Sebastian Alarcon, Jaime Marrios, Jose Donoso, Eduardo Labarca, Miguel Littín, Orlando Lubbert, Cristian Valdes e Jose Miguel Varas” in Araucaria de Chile, Ediciones Michay, Madrid, n. 11, 1980, p. 135.

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Popular, segundo o cineasta, faz-se necessário um “cine urgente”; é importante que se entregue película, câmera e gravador a quem se interessar em filmar para fazer um “cine llamado de información y de la contrainformación”; ou seja, “hay que olvidarse de los festivales” (idem, 1970, p. 22) e parar de se pensar em fazer filmes para expor na Europa. A base para a criação desse cinema nacional é a Chile Films, que o Estado se vale para ajudar na criação de um cinema revolucionário, que é um cinema autêntico buscando sua própria cultura (idem, 1971-C, p. 11). O cineasta enfrentou diversos problemas em relação à questão burocrática, por isso não ficou muito tempo na direção da Chile Films, a convite do então presidente Salvador Allende. Sobre a experiência, Littín diz que contribuiu para o desenvolvimento do cinema chileno, e que não estava se importando com a questão administrativa, pois o importante era que as novas gerações pudessem ter película para filmar a realidade e difundir essa produção pelo país, invocando o “cine urgente” que o momento histórico exigia (idem, 1983).31 O entusiasmo da vitória de Salvador Allende nas eleições e as primeiras nacionalizações, como a do cobre e dos bancos, faz com que se acredite que os trabalhadores mesmos passem a administrar os bens públicos, “porque el pueblo está sintiendo diréctamente que está tomando el control y el poder de su país” (idem, 1971-B, p. 49) e, com isso, seja o próprio povo que realize os filmes sem a necessidade de um intelectual intermediando essa produção (idem, 1974-A, p. 17). Essa teoria foi discutida no texto El cine: herramienta fundamental, de 1971: “Es necessario que los cineastas desaparezcan; la auténtica cultura nacional la creará solamente el pueblo” (idem, 2009, p. 322). As concepções estão dialogando com o crescimento do chamado Poder Popular, abordado por Patricio Guzmán em La Batalla de Chile (1975-1979). Para que o cinema seja nacional, é necessário que todos se engagem. Tal como a proposta de união das esquerdas em torno de um programa político comum na Unidade Popular, Miguel Littín repassa esse sentimento de congregação nacional para pensar na viabilização de um cinema revolucionário: E no interior desse cinema, bem como no seio da revolução, se encontram todas as possibilidades de tendências e de expressões, todas as posições representadas ou não 31

Durante as gravações de La tierra prometida, o diretor teve outro problema desta vez com o Sindicato Profesional Actores Teatro, Radio, Cine Y TV (SIDARTE), no que se refere às negociações com os figurantes do filme e ao apoio financeiro para a produção da obra. Littín havia escrito um texto ao modo como a narração do filme, “a la manera de los payadores” (Littín apud TORRES, 1972, p. 26), onde relata algumas dificuldades enfrentadas nas filmagens, entre elas, uma experiência na qual “nosotros tuvimos claro que al único que le interesaba el cine era a don Fermín del Reale, alcade de Chépica”, que ajudou oferecendo espaço e cavalos para a equipe de filmagem (Littín, 1972-B, p. 65). O SIDARTE retrucou afirmando que houve todo o apoio necessário, na mesma página onde Littín respondeu citando trechos do compromisso ideológico com o Manifiesto de los Cineastas de la Unidad Popular, onde lamenta ter que se valer de capital privado para realizar o filme, reafirma a convicção de que está ao lado da luta anti-imperialista e anticapitalista fazendo um cinema revolucionário com os elementos da cultura popular. “Polemica: SIDARTE versus Littín” in La Quinta Rueda, Santiago, n. 04, enero-febrero 1973, p. 23.

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no governo mas fazendo parte integrante do processo: comunistas, socialistas, pessoas do M.I.R., independentes... (LITTÍN, 1974-A, p. 17)

La tierra prometida conclui com a Virgen del Carmen coberta com a bandeira chilena velando o corpo do protagonista, Jose Durán, em meio às cruzes em chamas, um cavalo ao fundo, e uma frase de Che Guevara: “... de los que no entendieron bien, de los que murieron sin ver la aurora, de sacrificios ciegos y no retribuidos, de los que van quedando en el camino, también se hizo la revolución...”. É a homenagem do diretor ao guerrilheiro e aos que morreram acreditando na revolução social, os quais deram sentido ao processo revolucionário chileno constantemente referenciado pelo cineasta.

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3 ENGAJAMENTO POLÍTICO NO EXÍLIO: ACTAS DE MARUSIA

O exílio foi um fenômeno que levou uma massa de intelectuais a se refugiarem em diversos países. Para eles, a experiência era ao mesmo tempo uma experiência trágica e promissora: enquanto se viam obrigados a vagar pelo mundo buscando asilo e reconstruindo suas vidas, as possibilidades de desenvolver sua arte sob novas condições proporcionam uma gama de opções para atuação engajada no exterior. O governo mexicano de Luis Echeverría Álvarez, além de dar refúgio a quem estava mais próximo de Salvador Allende (MAIRA, 1998, p. 128-129), interveio no cinema e deu liberdade de trabalho para alguns cineastas a fim de amenizar a crise política e cultural herdada da década de 1960, quando houve ataques militares a manifestações públicas (GUMUCIO-DAGRON, 1984, p. 137-141). O interesse do governo mexicano convergiu com o do chileno exilado, que lidou com uma indústria cinematográfica consolidada e com sindicatos que regulamentam as relações laborais dos atores, diferentemente do que fazia no Chile, trabalhando de forma relativamente autônoma (Littín apud PICK, 1988, p. 375). O Banco Cinematográfico de México aprovou e financiou o projeto do cineasta de filmar o Actas de Marusia. O roteiro do filme é uma livre adaptação da obra ficcional homônima escrita por Patricio Manns (1937 - ).32 Músico, ensaísta e poeta, escreveu várias obras sobre o movimento obreiro e o autoritarismo no Chile desde a década de 1960, como De noche sobre el rastro (1967), Las grandes masacres (1972), Breve síntesis del movimiento obrero (1972), Actas del Alto Bío Bío (1985) e Actas de Muerteputa (1988). Com o golpe militar chileno de 1973, P. Manns partiu para o exílio passando por vários países, como Cuba e Espanha, prosseguindo em sua intensa atividade artística e retorno ao Chile ao final da década de 1980. Em 1974, no exílio em Cuba, concluiu sua obra Actas de Marusia que não chegou a ser publicada. Trata-se de uma pesquisa iniciada pelo intelectual no final do governo de Salvador Allende, em 1972-1973. Miguel Littín teve acesso a esses escritos no mesmo ano de conclusão por Manns e decidiu elaborar uma obra fílmica a partir deles. O livro só foi publicado no Chile em 1993 pela Editorial Pluma y Pincel. 33 O enredo mostra os conflitos sociais na oficina salitreira de Marusia em 1907, no mesmo ano em que aconteceu o massacre de mineiros na escola Santa María, em Iquique. No filme, um dos trabalhadores marusianos é acusado de assassinar o engenheiro da mina, sendo executado pela polícia a mando do proprietário inglês sem direito a julgamento. Segue-se uma onda de violência na qual os mineiros conseguem expulsar militares e buscam se organizar para resistir à contra-ofensiva militar. 32

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No filme, aparecem os seguintes letreiros fechando os créditos iniciais: “Libro cinematográfico MIGUEL LITTIN Baseado no relato de PATRICIO MANZ” (time: 00:06:07). O livro Actas de Marusia está disponível em http://www.memoriachilena.cl/index.asp, acesso em 17.07.2011.

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Três trabalhadores fogem do conflito graças à intervenção do protagonista Gregorio Chasqui, levando para outras regiões os escritos que relatam os crimes cometidos contra os trabalhadores. O filme segue uma certa linearidade em sua narrativa, e tem uma fotografia que deu possibilidades de Miguel Littín trabalhar melhor com as massas do que em La tierra prometida. A trilha sonora ficou a cargo de Mikis Theodorakis, que realizou trabalhos com o diretor Constantinus Costa-Gavras, e inclui Canción de la Pampa (domínio público) interpretada por Ángel Parra. Há um certo sensacionalismo na divulgação (“La represión más brutal jamás filmada”) e nas cenas de violência, com derramamento de sangue e execuções sumárias. Miguel Littín diz que, para se fazer um cinema chileno de cunho nacionalista no exílio, há de se abordar a temática chilena, já que os cineastas exilados não estão filmando dentro do Chile, mas em outros lugares, e não há como escapar da nacionalidade das produtoras dos filmes. A produção fílmica dos exilados chilenos, apesar de não estar centralizada, também está longe de se negar a condição de cinema nacional: No se puede hablar de dispersión cuando hay cine chileno que no sólo está tratando el problema del país sino que se está abriendo a la novela latinoamericana, abriendo, pues, la posibilidad de la universalización, sin dejar de ser profundamente nacional.34

Apesar de se falar em cinema chileno de exílio, Littín também considera que há um cinema de resistência dentro do país, criando “duas almas nacionais” complementares, a consciência nacional restrita a um país se expandiu para o mundo. Pois, apesar de exilado, o chileno que vive em outro país não está alheio à sua pátria: “Quisieron cortar nuestras raíces y éstas se extendieran por el mundo, y hay un ser nacional en Chile, otro que deambula por el mundo, que está presente y que lo recorre y creo que ninguno de nosotros deja de ser ese pedazo de tierra, entre mar y cordillera” (Littín, 1983, p. 87). O cineasta utiliza um argumento em que reconhece a necessidade de reafirmar uma identidade nacional no exílio, pois, no exterior, ele vive no entre-lugares no qual não se distancia da antiga pátria porém não se adequa totalmente em outras territorialidades (SAID, 1996, p. 48-49). Para Miguel Littín, realizar filmes no exterior se referindo ao Chile é uma forma de reafirmação nacional, pois mostra-se que, apesar de estar em um outro território, os dois "seres nacionais", um no país e outro "que deambula por el mundo", formam uma única nação. Em situações extremas de violência e instabilidade social, como é o momento em que se encontram os exilados impedidos de voltar ao Chile, é corrente se valer do discurso nacionalista para unir uma comunidade em vias de desagregação (REVEL, HARTOG, 2001, p. 16). 34

“Orientacion y perspectivas del cine chileno. Mesa redonda realizada en el Festival Internacional de Cine (Moscú, 1979) com Sebastian Alarcon, Jaime Marrios, Jose Donoso, Eduardo Labarca, Miguel Littín, Orlando Lubbert, Cristian Valdes e Jose Miguel Varas” in Araucaria de Chile, Ediciones Michay, Madrid, n. 11, 1980, p. 122.

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Um detalhe no filme faz parte da construção dos discursos do cineasta, o revisionismo histórico. La tierra prometida e Actas de Marusia são dois ensaios fílmicos que colocam passado e presente frente a frente o tempo todo para tentar compreender sua época; ou seja, o cineasta procurou plasmar os temas históricos nas telas de cinema para reinterpretar alguns eventos do passado, pois “la historia filmada siempre será una reflexión sobre el pasado más personal que la plantee un trabajo escrito” (ROSENSTONE, 1997, p. 56). Enquanto um historiador fica preso a normas científicas, “los realizadores carecen de esa formación y por tanto se relacionan con el pasado de forma más libre” (idem, ibidem). Para M. Littín, a História aprendida na escola era a história escrita e divulgada pela grande burguesia, que a torna protagonista do passado chileno. No Manifiesto de los Cineastas de la Unidad Popular, encontramos as seguintes afirmações: A retomar la huella perdida de las grandes luchas populares, aquella tergiversada por la historia oficial, y devolverla al pueblo como su herencia legítima y necesaria para enfrentar el presente y proyectar el futuro. (…) Reafirmemos que Recabarren es nuestro y del pueblo. Que Carrera, O'Higgins, Manuel Rodríguez, Bilbao y que el minero anónimo que cayó una mañana o el campesino que murió sin haber entendido el por qué de su vida ni de su muerte, son los cimientos fundamentales de donde emergimos (apud MOUESCA, 1988, p. 71).

Quando o chileno cita os falecidos em nome da revolução, remetemos ao final do filme La tierra prometida na frase de Che Guevara sobreposta à Virgen del Carmen com o corpo de Jose Durán, um camponês que se ergueu contra a injustiça e foi morto pelos militares que estavam ao lado do capital imperialista e da oligarquia nacional, na lógica do enredo da obra. O passado necessita ser revisto, pois há de se colocar à mostra os fatos ocultados pela elite que escreveu a história oficial: La guerra comienza con el hombre: el pueblo no há ganado sino una batalla, el 4 de septiembre.35 La guerra comienza con la entrada del colonizador español y con la resistencia indígena, la guerra continúa con la lucha de los criollos por la independencia política, la guerra continúa con Balmaceda cuando pretende nacionalizar las riquezas básicas del país en 1891, la guerra continúa cuando el pueblo levanta en las primeras huelgas del salitre en el Norte, la guerra continúa con los levantamientos campesinos, la guerra comienza con el hombre (Littín, 2009, p. 321).

No excerto, o cineasta faz referência à uma guerra levada a cabo pelo "homem", ou seja, o trabalhador chileno. M. Littín faz uma interpretação marxista, pela via da luta de classes, da história do país para fazer um uso político do passado, legitimando a chegada de uma força politica de esquerda no governo chileno em 1970 para a construção do socialismo. Na relação passado e presente invocada pelo intelectual, o processo histórico da luta por melhores condições de trabalho e sobrevivência, mostrado como algo claro e evidente, é uma justificativa oferecida pelo passado para construir uma imagem 35

A data 04 de setembro se refere à vitória de Salvador Allende nas eleições presidenciais em 1970.

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coerente da nação (REVEL, HARTOG, 2001, p. 7-15) com perspectiva de fundar um destino socialista para o Chile. O cinema que antes se pretendia ser revolucionário passa a ser também de resistência. Um cinema revolucionário é aquele capaz “de activar, de motivar y activar a su público, que sea capaz de hablarle a un pueblo en su lenguaje, que sea capaz de descubrir ese lenguaje, que sea capaz de rescatarlo, que sea capaz, en definitiva, de darle identidad al pueblo” (Littín, 1971-A, p. 05). E aqui está posta novamente a tensão entre a "pequena burguesia", detentora dos recursos para realizar filmes e exibi-los, e as massas, agentes revolucionários por natureza. Miguel Littín quer fazer desse cinema revolucionário o meio de ligação dos universos socioeconomicamente distintos. Porque "no existen filmes revolucionarios en sí. Que éstos adquieren categoría de tales en el contacto de la obra con su público y principalmente en su repercusión como agente activador de una acción revolucionaria ” (MANIFIESTO apud MOUESCA, 1988, p. 71-72). Neste ponto, verificamos um diálogo com o cineasta Glauber Rocha, que afirmou em 1972, já no exílio: "el cine no hace la revolución. El cine es uno de los instrumentos revolucionarios y para ello debe crear un linguage latinoamericano, libertario y revelador. Debe ser épico, didático, materialista y mágico" (apud AVELLAR, 1995, p. 13). Com a realidade do exílio, questiona-se por que a revolução foi interrompida com o golpe militar de 1973, e fala-se na nova agenda política da resistência a partir do estrangeiro: “De las distintas tendencias que conforman el arco de la izquiera chilena y de la Unidad Popular, pero con el objetivo muy concreto y muy específico de trabajar por la liberación de la Patria”.36 O primeiro passo dado pelo diretor, com Actas de Marusia, para realizar esse trabalho de libertação do Chile foi denunciar os crimes cometidos pelos militares não somente no momento do regime militar chileno, senão em sua perspectiva histórica. Veremos como isso se procede numa análise fílmica da obra.

3.1 Análise fílmica

Aqui cabe uma atenção sobre os elementos fílmicos da obra, levando em consideração a proposta de considerar o filme como um documento histórico, buscando em seu movimento interno qual a representação histórica que o diretor utilizou para dialogar com as questões de seu tempo (MORETTIN, 2007, p. 62; NAPOLITANO, 2005, p. 277). Concentraremos nossas análises e discussões em torno dos temas relacionados à oposição trabalhadores e militares, ao intelectual e sua reflexão sobre as formas de luta política, e ao exílio. Mesclando algumas análises pontuais com visões 36

“Orientacion y perspectivas del cine chileno. Mesa redonda realizada en el Festival Internacional de Cine (Moscú, 1979) com Sebastian Alarcon, Jaime Marrios, Jose Donoso, Eduardo Labarca, Miguel Littín, Orlando Lubbert, Cristian Valdes e Jose Miguel Varas” in Araucaria de Chile, Ediciones Michay, Madrid, n. 11, 1980, p. 131.

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de conjunto da obra, verificaremos as estratégias narrativas e a linguagem cinematográfica que Miguel Littín utilizou para contar a história. Para situar as passagens do filme a que faremos referência, descrevemos as sequências e suas respectivas quantidades de planos em anexo desta pesquisa.

3.1.1 Os obreiros e os militares

Há um conflito no filme que dá dinâmica aos eventos em diegese: a luta entre os trabalhadores e mulheres de Marusia de um lado, e as forças armadas (carabineros e militares) de outro, sendo que estes têm o apoio de ingleses donos das minas chilenas e da Igreja Católica. Analisaremos alguns momentos do filme em que a mise-en-scène de ambos os lados beligerantes são mais representativas, assim como abordaremos os conflitos no conjunto do filme. No início da sequência 2 do filme, a câmera faz um travelling do alto para baixo, mostrando o movimento de pessoas em Marusia num plano aéreo e, em segundo plano, aparece um grupo de mulheres olhando algo no chão. Quando Rosa diz "ya está borracho el mister otra vez", a câmera prossegue o movimento mostrando um corpo empoeirado em primeiro plano; e a trilha sonora reaparece em cena (uma melodia da primeira sequência estava terminando quando inicia a segunda). No segundo plano da mesma sequência, as mulheres sussurram "¿Está muerto?" uma para a outra, acompanhadas pelo movimento da cãmera para a direita em close-up, até que repetem a confirmação de Rosa: "Esta muerto". Há uma dispersão das mulheres e, num travelling da câmera do baixo para o alto com abertura da paisagem, esta fica deserta ao mesmo tempo que a música para de tocar. Aparece o título do filme por cima do cadáver como se estivesse misturado ao pó do salitre, e a câmera retorna ao plano geral mostrando casas próximas a uma colina como no início da sequência. Continuando, na sequência 3, carabineros de Marusia recolhem o corpo do engenheiro; respondendo à pergunta do cabo sobre as pistas do suposto assassinato, o sargento diz: "¡No sea huevón, mi cabo! Lo único que hay en las calles de Marusia son huellas". Em resposta, volta a mesma melodia musical do momento em que as mulheres encontraram o cadáver e, concomitantemente, reaparece o plano geral mostrando a paisagem desértica de Marusia. Seguem imagens rápidas com retratos de trabalhadores e mulheres pobres em espaços fechados, alguns deles em zoom, a maioria olhando para a câmera de frente. Quando se volta para os carabineros recolhendo o corpo, a música termina mais uma vez. Prosseguindo na mesma sequência, o sargento afirma como se faz a justiça em Marusia: "(...) a este asesino lo nombra la administración. Nosotros lo fusilamos, nomás". Logo após a fala, volta a trilha sonora (desta vez uma outra melodia), enquanto as imagens mostram as ruas de 36

Marusia vazias, ao mesmo tempo em que prosseguem os créditos iniciais do filme. A montagem exibindo as imagens de espaços vazios e pessoas confinadas em espaços fechados sob melodias musicais seriam as huellas citadas pelo sargento, porém se trata de uma intervenção do diretor na narrativa através da linguagem cinematográfica, sugerindo uma relação com o Chile contemporâneo em relação aos estados de sítio (ruas vazias, militares recolhendo corpos) e ao cerceamento da liberdade (confinamento de pessoas), além de privar os carabineros de trilha sonora neste começo do filme e acusar a presença imperialista dos ingleses ("la administración", sendo os carabineros seu braço armado), podendo simbolizar a presença norte-americana nos eventos contemporâneos à produção do filme. Os espaços abertos têm características semelhantes ao norte do Chile, onde se localizaria a mina de Marusia. Os ventos sopram constantemente, levantando a poeira de forma a passar a sensação de realidade. A escolha da região para as filmagens, Chihuahua, foi cuidadosamente feita pois a região mexicana tem aspectos geográficos semelhantes à região do Pampa. Capitão Troncoso traz os dados necessários para entendermos o palco dos conflitos: Tarapacá y Antofagasta. Provincias ganadas por nuestro país en la guerra contra el Perú y Bolivia. Centro de riquezas naturales incalculables. Zona de concentración de mano de obra. Obreros venidos de todas partes del mundo. Obreros bolivianos, peruanos, chilenos, franceses e italianos. Campamentos diseminados a lo largo y ancho de la Pampa. Cantidad de obreros, cien mil, contando sus familias.

Os trabalhadores são organizados de forma democrática, com votações e debates. Domingos Soto aparece no filme como uma influente liderança política em Marusia. Quando se sucedem as mortes de trabalhadores, o personagem organiza uma greve de advertência como resposta dos trabalhadores à situação repressiva: "Este paro es una advertencia, compañeritos. Nadie debe ir al trabajo hoy ni mañana. La compañía ha lanzado una escalada de represión para frenar el movimiento general. No hay que dejarse arrastrar por las provocaciones". Cauteloso, não acredita em outra forma de organização de trabalhadores a não ser com a greve, pois "esa es el arma legal del trabajador". D. Soto não concorda com as propostas de ação política que saim dos marcos da legalidade, como o uso de armas e dinamites para defesa dos mineiros. As mulheres têm uma organização peculiar. Aparecem em diversos momentos como na abertura do filme, durante a segunda sequência acima descrita, cochichando uma à outra sobre problemas relativos aos sangrentos eventos em Marusia. A personagem Rosa é a líder de posição definida, e não se deixa ser contrariada quando se está em questão o bem da população marusiana. No momento em que chegam os primeiros militares, a líder diz às mulheres para juntar água, comida e fósforos, influenciada por uma breve conversa com Gregorio Chasqui, que tem planos de juntar dinamites. Numa 37

sequência onde os conflitos entre trabalhadores e militares estava no auge, mostram-se diversas explosões na qual ecoam as vozes das mulheres: "¿ Por qué fósforos? Para encender la dinamita.". É Rosa quem dá a ordem para esvaziar os cestos de comida dos vendedores ambulantes diante a resistência deles em doar o alimento aos mineiros. Da mesma forma, organiza um grupo de jovens mulheres que vão se sacrificar na linha do trem em que o capitão Troncoso levava seu contigente militar. As esposas dos mineiros mortos, a partir da sequência 31, passaram cacarejar em voz alta e bater palmas irônicas após os tiros dos militares, uma forma de resistir à opressão militar que dialoga com a narrativa da literatura fantástica latino-americana. Em resposta à greve dos mineiros realizada após a morte de dois trabalhadores, o administrador da mina Mr. Jones pede ajuda militar a Iquique, e as tensões sociais aumentam. Chegam os tenentes Weber, Gaínza e Argandoña com vários soldados. Gaínza aparece como um bêbado atrapalhado, causando a morte de carabineros por equívoco. O tenente Weber lidera uma série de fuzilamentos de trabalhadores, e se indigna com a resistência das vítimas. Argandoña é o mais radical, com vários discursos sobre a imposição da disciplina. Sua primeira fala no filme, quando explica o que fazer quando os trabalhadores se rebelam, é bem significativo sobre o pensamento autoritário militar: "Hay ocasiones, como ésta, en que se confirma que el orden y la disciplina se imponen, no se mendigan. Hacer patria es deshacer a sus enemigos". O militar expõe sua tese diante dos ingleses e do padre que, na narrativa, mostra que a Igreja Católica não está do lado dos mineiros pobres. A organização dos militares aparece como extretamente autoritária, com ordens superiores sendo cumpridas pelos soldados. Se desobedecem, são mortos. Várias cenas exibem fuzilamentos de trabalhadores, numa escalada repressiva que é freada após o ataque suicida de Críspulo "Medio Juan", que coloca dinamite no próprio corpo e, atingido pelo tiro do tenente Weber, mata oito militares incluindo o autor do disparo. Este momento se apresenta como uma opção radical de eliminação do inimigo. Quando ocorre a explosão, 13 planos com fração de segundos cada um também explodem na tela, como um clímax representado na montagem, alternando Críspulo e os militares. O choque de imagens se remete à teoria de Eisenstein sobre o conflito entre fragmentos independentes na montagem fílmica, derivada do conceito de contradição tal como é utilizada na filosofia marxista, o materialismo dialético (AUMONT, BERGALA, MARIE, VERNET, 1983, p. 56-57). Com a morte de Weber, os trabalhadores utilizam dinamites seguradas por panos na cintura e, com uma triha sonora de tom festivo, zombam dos militares, que se recusam a atirar nos mineiros armados. A mesma melodia volta após a morte de Argandoña, quando os soldados fogem da fúria dos homens de Marusia. A trilha sonora, composta por Mikis Theodorakis, estabelece um diálogo com as ações do protagonista coletivo, e uma tensão com os militares. 38

Após a fuga dos militares após a morte de Argandoña, é organizada uma grande campanha militar para eliminar os mineiros de Marusia, chegando a lembrar as campanhas contra Canudos no Brasil em 1897. A onda repressiva volta com o capitão Troncoso, cujo semblante lembra o ditador chileno Augusto Pinochet, e impõe a derrota aos trabalhadores de Marusia, da mesma forma que aconteceu no golpe militar de 1973. As últimas sequências do filme mostram a derrota de Gregorio e os fuzilamentos em massa dos trabalhadores. As bandeiras, que em La tierra prometida aparecem nas mãos dos camponeses, em Actas de Marusia estão sempre ao lado dos militares. Somente num enterro os trabalhadores carregam a bandeira, feita de trapos. Mesmo assim, as crianças aprendem sobre a pátria: "Chile, fértil provincia localizada en la región antártica famosa, de remotas naciones respetada por fuerte, principal y poderosa". O nacionalismo chileno não é mais representado pelas bandeiras, mas pela educação das crianças, pela ação dos trabalhadores preocupada em limitar a repressão militar e pelos ecos de Gregorio ao final do filme exigindo que a razão conduza os trabalhadores a uma união efetiva.

3.1.2 O intelectual frente às formas de luta política

Gregorio Chasqui é um trabalhador de Marusia e um intelectual que passa boa parte da narrativa fílmica se questionando sobre a melhor forma de luta política para conter a repressão militar. É representado pelo ator italiano Gian Maria Volonté (1933-1994), ligado ao Partido Comunista Italiano e veterano em filmes engajados em seu país. 37 A primeira sequência do filme mostra o incômodo do protagonsta que o acompanhará durante a narrativa. Aparece de bruços quando é despertado por Margarita, que lhe pergunta o que aconteceu, provavelmente porque está à beira da cama, quase caindo, como se tivesse num pesadelo. Sua resposta aparece em voz over enquanto beija a amada, ao mesmo tempo em que os planos vão se sobrepondo por elipses e a trilha sonora dá o tom sereno da sequência: Margarita: ¿Qué tienes, Gregorio? ¿Quién eres, Gregorio? Gregorio Chasqui: No sé. Hay una mano oscura que me tira del pecho, de la conciencia, de la sangre, como si fueran cuerdas, ligaduras. Siento que tengo que hacer algo. Pero no sé claramente qué, ni cómo. Entonces, veo mi vida como un nudo confuso; y cierro los ojos para adivinar cuál es el camino por donde avanzaré.

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Atuou em vários filmes, como Per un pugno di dollari (1964), de Sergio Leone; Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto (1970) e La classe operaria va in paradiso (1972), de Elio Petri. Em Actas de Marusia, a voz do ator é dublada no filme, e não foi possível conferir o crédito da voz do personagem; por falta de evidências, pode-se supor que tenha sido o próprio Gian M. Volonté.

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A busca por esse "caminho" referenciado no argumento é o que move Gregorio na narrativa. Sua voz over está presente em outros momentos, e mostra a inquietude do protagonista frente às opções de luta social e política que vão se desenvolvendo no conflito contra os militares. Como seu pensamento está bem delimitado nas palavras (comprovada pela preponderância de vozes over e off na obra), e descreveremos algumas de suas falas para compreendermos sua representação no filme. Quando Domingos Soto propõe a greve aos trabalhadores após a morte de dois deles, Gregorio, cabisbaixo, se mostra negativo frente a essa alternativa: "Uno sabe que no es solamente la huelga. Que la huelga es solo uno de los pasos. Que por una que se gana se se pierden diez. Entonces uno piensa que ya es tiempo de plantearse formas más complejas de lucha”. Gregorio

se contrapõe à organização dos trabalhadores limitada aos marcos da

institucionalidade tal como Domigos Soto defendia. Da mesma forma, quando Críspulo "Medio Juan" se suicidou matando militares, o protagonista tem um mal-estar e diz:"Todo eso es inútil. Tenemos que buscar otro camino". A atitude do amigo falecido é condenado pelo Gregorio por ir além dos limites da luta política, e a cena da morte pela dinamite, descrito no sub-capítulo anterior, é mostrado de forma violenta e grotesca. O filme mostra as dificuldades de se chegar às formas mais complexas de luta política desejadas pelo protagonista. Porém, há um caminho: a unidade, segundo Chasqui: "Tenemos que ponernos de acuerdo. Tenemos que ser unidad". Enquanto não há unidade entre os trabalhadores, os militares mantém uma autoritária coerência ideológica (os dissidentes são mortos) e agem com mais eficácia. O protagonista se mostra favorável à ação armada, desde que consiga abranger diferentes atores políticos, incluindo militares, como podemos verificar no conflito de retóricas da sequência 46: Gregorio Chasqui: Compañeros. Compañeritos. Todos sabemos que estamos atravesando por una situación difícil pero debemos mantenernos unidos con orden y disciplina. Toda instrucción vendrá de esta directiva... Calameño (interrompendo Gregorio, trazendo notícias de fora da reunião): Que dejemos salir a los empleados y a los ingleses; también que entreguemos la dinamita. Sólo así, dice el capitán, podremos empezar el diálogo. Gregorio Chasqui: No, yo no estoy de acuerdo. Trabajador: ¿Qué es lo que usted propone? Gregorio Chasqui: Si dejamos salir a los empleados y a los ingleses seremos ametrallados de inmediato. Si entregamos la dinamita, no pasará mucho, antes de que desate la masacre. Siempre ha sido así. Domingo Soto: ¿ Y qué otra cosa podemos hacer?

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Gregorio Chasqui: Organizarse. Preparar un plan de defensa. Hasta ahora todo se há desatado espontáneamente sin ningún control real. Este es el momento de establecer una forma de lucha organizada. No debemos olvidar que dos de nuestros compañeros, a esta hora habrán informado a otros cantones. Si somos capaces de resistir y de alzar todo el norte los militares no podrán controlar toda la Pampa. Y los soldados viendo que somos una fuerza organizada comenzarán a unirse a nosotros. ¡De aquí, de Marusia podremos comenzar un movimiento de tal fuerza. que revolucionará todo el país! Será un movimiento de obreros, soldados, estudiantes y campesinos. Domingo Soto: No, no, es imposible. Para eso necesitamos mucho tiempo y no tenemos tiempo. No estamos preparados. Tenemos que dialogar, esse es nuestro único camino. Gregorio Chasqui: Ese es el camino más rápido a la muerte, compañero.

Gregorio propõe um movimento que vai além das greves; busca uma forma de organização racional; quer unir diferentes classes sociais; acredita na força dos mineiros de expandir o movimento para outras regiões, e incentiva os trabalhadores a reunirem dinamite, o que causa surpresa em Domingos Soto: "Sabía que usted estaba loco, desde que lo ví lo sabía", diz o personagem ao protagonista. O choque entre os dois personagens enfraquece a estratégia de defesa contra o ataque militar que será coordenado pelo capitão Troncoso. Quando Gregorio é eleito um dos representantes dos trabalhadores no teatro de Marusia, acompanhamos seus pensamentos pelos flashbacks. O protagonista conhece Críspulo "Medio Juan" no mar em viagem ao litoral no norte do Chile; num dia, o protagonista aprendia passos de valsa com um professor afrancesado e foi coagido pelo amigo a ver uma palestra de Luis Emilio Recabarren. Lá chegando, trabalhadores estão num momento de aprendizado sobre o socialismo, e Recabarren, sereno, explica a eles sobre a abolição da propriedade privada. O momento é valorizado na narrativa, e uma leve melodia (parecida com a da primeira sequência que mostra as primeiras perturbações de Gregorio) como fundo musical do plano-sequência dá o tom sereno na palestra, realizado simbolicamente entre máquinas de imprensa. Recabarren, tranquilo e confiante, instrui os trabalhadores a como lutarem pela propriedade comum; Gregorio, inquieto e inseguro, abandona a cultura europeizada burguesa (a valsa) para busca um caminho para se chegar a essa sociedade utopicamente igualitária. Uma melodia semelhante ligam os aparecimentos de cada personagem no filme. No momento em que os ingleses saem de Marusia por ordem dos militares, a professora Luisa decide permanecer. À noite, ela conversa com Gregorio sobre sua experiência em Iquique. Este momento também é valorizado no filme: no fundo musical, escutamos a voz de Ángel Parra tocando o violão e cantando La canción del Pampa que, segundo o letreiro final da obra, é de domínio popular. Enquanto a professora fala, imagens em flashbaks mostram a perseguição dos militares aos mineiros 41

em Iquique, que não são muito diferentes das imagens que acompanhamos no massacre em Marusia. Importante lembrar que a matança na escola Santa María de Iquique em 21 de dezembro de 1907 deu forças à mobilização de trabalhadores do norte do Chile com grande participação do próprio Emilio Recabarren, que aparece como personagem em Actas de Marusia, entre outros intelectuais que se organizaram em diferentes campos de atuação, como o teatro, a imprensa e as organizações sindicais obreiras. Ou seja: a luta organizada dos trabalhadores nasce a partir de sua repressão, e o contexto autoritário no Chile pós-1973 pode dar margem à criação de outras formas de organização. Mais adiante, na mesma sequência, adentramos nas memórias de Gregorio pelas imagens e pela voz over, quando o espectador descobre um dos motivos pelos quais o protagonista se questionava sobre as lutas políticas: a morte de Margarita. Neste cruzamento de temporalidades, não fica nítido na narrativa quando ocorre a conversa entre Gregorio e Margarita no início do filme. Como a obra se propõe a mostrar o drama de um personagem coletivo, não há espaço para expor claramente os detalhes sobre a vida amorosa de Gregorio. O que permanece sobre ele é sua inquietude, sua perturbação interior: "Sin embargo, también yo soy Gregorio hecho pedazos. Ya veces me separo, me pierdo a mí mismo, y me digo: 'Ya vendrá, Gregorio ya te mirás a tí mismo, miembro a miembro, y surgirá la voluntad, la decisión'". Um momento de unidade entre os trabalhadores é concebido no auge da artilharia militar, com os mineiros atirando contra os militares numa luta sangrenta, até que chega o momento em que a derrota era eminente. O protagonista decide separar os trabalhadores reunidos em torno dele, mandando Domingos Soto e dois homens saírem de Marusia para reorganizarem o movimento dos trabalhadores, enquanto que ele e Calameño iriam ao teatro buscar dinamites. O argumento é chave para a compreensão do filme: No. Debemos separarnos. Yo y Calameño iremos al teatro. Ustedes traten de escapar. Soto, toma esta redacción. En él está escrito todo lo que ha ocurrido aquí. Muéstrala a los compañeros. - (Domingos Soto quer se lamentar) ¡Soto, Soto! Tú y yo hemos cometido errores, pero hemos fallado en nombre de la razón. Nos hemos dividido cuando debimos haber estado unidos. Hemos caído ciegamente en todo el juego preparado por el cerebro del asesino. No, no, no hemos sabido buscar otras alianzas. Hemos actuado con premura. ¡No hemos trabajado lo bastante para organizar! ¡No hemos sido capaces de discutir nuestros problemas de buscar la unidad! ¡Váyanse, váyanse! ¡Vayan, vayan, cuenten lo que ha pasado! ¡Vayan a trabajar con método, a organizar! ¡Váyanse, váyanse, a trabajar! ¡A organizar! ¡Para que mañana, la fuerza de todos los trabajadores se una con la conciencia, Soto, con la razón! Calameño, vámonos.

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Gregorio é capturado pelos militares no teatro de Marusia. A professora Luisa foi quem fez com que se rendesse, porque as crianças estavam em poder dos militares. O protagonista é submetido a uma tortura física e psicológica e, em seguida, assassinado.

3.1.3 O exílio

Gregorio Chasqui e Críspulo “Medio Juan” se conhecem em um navio rumo ao norte do Chile, onde iriam buscar trabalho. Não sabemos certamente a origem do protagonista, porém aparece como um intelectual (diz “Medio Juan”: “Uta, que sos callado usted, compañerito. Más de diez días de viaje, y usted, ni una palabra. Sólo lee y lee”) e seu amigo, um portador da cultura popular chilena, expressa pelo vinho e pelo canto. Mais adiante, vemos que Gregorio estava em Iquique quando ocorreu o massacre de trabalhadores em 1907. Sua trajetória pelo Chile (diz que vem de Santiago, depois conhece Luis E. Recabarren no litoral norte chileno) dá ao personagem uma experiência que busca colocar em prática diante do contexto repressivo em Marusia. Esta referência, aparentemente deslocada da narrativa, tem a sua importância que será analisada mais adiante. No momento da tortura do protagonista, uma série de imagens aparece na tela ligadas a uma triste melodia musical. Descreveremos os planos que aparecem ao final da sequência 58: - plano médio, ambiente interno escuro, câmera fixa; dentro da cela onde Gregório é torturado; tenente Gaínza aperta gatilho de revólver sem munição na cabeça do protagonista; os tenentes Gaínza e Espinoza começam a rir alto se afastando do preso, e o torturado também começa a rir, quando começa a triste melodia no fundo musical (23''); - plano médio, ambiente externo, câmera dinâmica; Margarita grita por Gregorio enquanto corre no meio da multidão de mineiros que fogem dos tiros dos militares em Iquique; ela cai sem vida após levar um tiro na nuca (6''); - plano geral, ambiente externo, câmera fixa; numa encosta de salitre, seis fileiras de militares (e uma sétima formada por mulheres de negro) fuzilam mineiros de Marusia; alguns planos seguintes darão continuidade a esse evento (2''); - plano geral, travelling para a direita, ambiente externo; dezenas de soldados seguem e batem em Gregorio, quando este sai preso do teatro (11''); - close-up, ambiente interno escuro, câmera fixa; de frente para o espectador, o tenente Espinoza prossegue em sua risada (2''); - plano médio, ambiente externo, travelling do alto para baixo; mulheres gritam enquanto os soldados saem de fuzilamento de mineiros feitos numa encostra de salitre (8''); 43

- plano médio, ambiente interno escuro, câmera fixa; Gaínza e Espinoza seguram Gregorio enlouquecido no chão (2''); - plano geral, ambiente externo, câmera fixa; capitão Troncoso, em primeiro plano e de costas, vira de frente para o espectador e assoa nariz enquanto as mulheres continuam gritando e os militares deixam os mortos na encosta de salitre no segundo plano (9''); - plano geral, ambiente externo, câmera fixa; mineiros presos correm acompanhados de suas mulheres com militares armados atrás (3''); - plano médio, ambiente externo, travelling de baixo para o alto; mineiros mortos na encosta do salitre e suas esposas gritando (7''); - close-up, ambiente externo, travelling da esquerda para a direita; mineiro, de perfil, corre fugindo de Marusia (2''); - close-up, ambiente externo, travelling da esquerda para a direita; de perfil, o segundo mineiro também corre (2''); - close-up, ambiente externo, travelling da esquerda para a direita; Domingos Soto, igualmente em perfil, corre junto aos companheiros; termina a melodia musical que acompanhou estas imagens descritas (4'').

As três últimas imagens que vemos na sequência exibem a fuga de Domingos Soto e dois companheiros do massacre de trabalhadores, levando as memórias de Gregorio Chasqui. As imagens descritas acima, tiradas de diferentes contextos cronológicos, retoma a noção do conflito eisensteniano, e passa uma tensão por conta da consciência da derrota do protagonista, intensificada pela trilha sonora. Porém, a própria melodia muda de tom quando aparecem as três imagens dos mineiros que saem de Marusia, ou seja, um sinal de algo que destôa das imagens de repressão aparece com estes que carregam as memórias de Gregorio. Gregorio é morto pelos militares após um discurso do capitão Troncoso na sequência 60: Ya ves que todo há sido inútil. ¿ Por qué te callas? Conversemos. Yo no te he golpeado, son otros los responsables. Tienes un pequeño rasguñón en la mejilla. Cuando vuelvas a tu casa deberían curarte. ¿Quieres que te diga algo, que he estado pensando todos estos días? De pronto me ha entrado una duda. ¿ Cuál? Bueno. Sobre el resultado final. Debo irme. Algunos de tus compañeros han huido hacia Ponteverde y La Coruña. Y a estas horas estarán tratando de alzar otros cantones. Mientras más matamos, más aparecen. ¿ Cómo no se dan cuenta de que son más débiles aunque sean tantos? (soldados atiram em Gregorio)

Com a morte de Gregorio, segue o travelling da direita para a esquerda num plano-sequência em que a câmera sai do assassinato, passa pela professora Luisa e as crianças atrás dela, para dar o 44

panorama do terror em que Marusia se transformou: assassinatos em massa, tiros, corpos pelo chão, mulheres desesperadas gritando, ordens militares, marchas de soldados, em um clima obscuro. Reaparece brevemente a trilha sonora que havia sido a mesma quando chegaram soldados em Marusia, então liderados pelos tenentes Weber, Gaínza e Argandoña, fechando assim o ciclo de barbárie militar no filme. Quando se mostram os fuzilamentos, a música sai de cena. O cenário tem um potencial representativo que o espectador pode associar ao Chile de Augusto Pinochet em meados da década de 1970; as imagens sugerem que o clima de caos impera no país. Após uma elipse que sai do caos em Marusia, entramos na sequência 61, em que um travelling da esquerda para a direita da tela em plano geral acompanha a fuga de Domingos Soto e os dois mineiros. O som extra-diegético é composto por uma trilha sonora que aumenta gradativamente de volume à medida que aumenta a luz na tela. No início da sequência, acompanhamos a leitura dos escritos de Gregorio pela própria voz do protagonsita em off: "Siendo el 17 de agosto, del año 1907, comienzo a escribir estas actas de Marusia, con el fin de dejar un testimonio que sirva a la lucha de nuestros hermanos de clase. Hoy es lunes, y como todos los días...". Repentinamente, sobre essa voz, os últimos gritos do protagonista para Domingos Soto sobrepõem a leitura das actas: "¡Vayan a trabajar con método, a organizar! ¡A trabajar, a organizar! ¡Para que mañana, la fuerza de todos los trabajadores se una, con la conciencia, Soto, con la razón!". A intensidade da luz cobre o espaço da fuga e os personagens, e, em seguida, a claridade dá lugar ao negro em que os créditos finais aparecem, dando continuidade à trilha sonora.

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4 O FILME E A CONSTRUÇÃO SOCIAL DE SIGNIFICADOS

A obra de Miguel Littín ganhou visibilidade no exterior por ter sido indicado ao Oscar realizado em março de 1976,38 e também no Festival de Cannes, ocorrido entre 13 e 28 de maio do mesmo ano.39 A distribuição da película nas salas cinematográficas ficou a cargo da estatal Películas Mexicanas – PELMEX no México,40 e da empresa Cimex-France na França 41. Em 1985, o filme passou nos cinemas dos Estados Unidos, e foi elogiado por Walter Goodman do The New York Times, cujos escritos comentaremos adiante. A exibição do filme nos cinemas e festivais internacionais, incluindo a conquista de diversos prêmios, 42 atraiu a curiosidade e suscitou reflexões por parte dos críticos de cinema, dos membros da comunidade acadêmica, do autor da obra escrita, Patricio Manns, e do próprio Miguel Littín. Este capítulo busca analisar uma massa documental escrita que constriu uma produção social de significados em torno de Actas de Marusia. Pensando no "discurso social" sobre o cinema (LAGNY, 1997, p. 225), a crítica cinematográfica cumpre um papel essencial na formação da opinião do espectador, influenciar em determinadas formas artísticas bem como transformar o gosto do público (FREIRE, 2002, p. 49-50). A função social e artística dos críticos podem pesar no sucesso de uma obra ou em seu fracasso de público quando as análises realizadas buscar afirmar o que "o filme é", fechando o campo das possíveis interpretações (idem, p. 64). Porém, ver um filme é produzir significados sobre ele e, dessa forma, cabe ao espectador validar ou não o que uma determinada crítica afirma sobre a obra audiovisual em questão. Alcides Ramos Freire sugere que entre os vários escritos sobre cinematografia exitem duas linhas de atuação dos discursos. A primeira é a que o autor chama de "interpretação autojustificadora" 38

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Actas de Marusia concorreu como Melhor Filme Estrangeiro realizado em 1975, ao lado dos filmes Sandakan Hachibanshokan Bohkyo (Sandakan nº 8) de Kei Kumai (Japão), Terra Prometida (Ziemia Obiecana) de Andrzej Wajda (Polônia ), Perfume de Mulher (Profumo di Donna) de Dino Risi (Itália ), e Dersu Uzala (Dersu Uzala), de Akira Kurosawa (Japão, URSS), que ganhou a estatueta. O filme de Miguel Littín disputou a Palma de Ouro ao lado de vários filmes, entre eles: Brutti, Sporchi, Cattivi (Feios, sujos e malvados) de Ettore Scola (Itália), Babatou (Les trois conseils) de Jean Rouch (Nigéria), Cría Cuervos de Carlos Saura (Espanha) e Taxi driver de Martin Scorsese (EUA), o qual venceu a premiação. A estreia do filme ocorreu em 08 de abril de 1976, nos cinemas Roble, Futurama, Manacar, Galaxia, Olimpia, Apolo, Satélite, Tlalnepantla, Cinemundo, Coyoacán, Tlalpan, Soledad, Libra e Villa Coapa. Dados referentes à “Ficha de filmes nacionales”, que consta no “expediente Actas de Marusia A-00938” do Centro de Documentación e Información da Cineteca Nacional de México, cuja versão digitalizada foi cedida gentilmente pelo subdiretor da instituição, Abel Muñoz Hénonin. O filme estreou em Paris em 18 de agosto de 1976 (SALOM, 1977, p. 5). Além do Oscar e do Festival de Cannes de 1976, o filme foi selecionado para concorrer a alguma premiação no Festival de Tashkent (1975), no Festival de Pesaro (1976) e no Festival de Benalmádena (1976). Ganhou nove prêmios Ariel de Oro no México, incluindo melhor filme e melhor diretor e foi premiado no Festival de Huelva (1976) (CHASKEL, 1978, p. 63) e o IX Festival Internacional Cinematográfico de Santarém, Portugal (1979) (“’Actas de Marusia’ ganó el premio principal de Festival de Portugal” in Excelsior, México D.F., 13.11.1979, p. 04).

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sobre a obra, formado pelas estratégias discursivas às quais roteiristas, diretores, atores, técnicos e produtores se valem para viabilizar comercialmente (ou ideologicamente) a difusão da película (p. 52). Na mesma linha, há escritos que se enquadram no que o historiador chama de "linha auxiliar do autor" do filme, na qual os críticos posicionam-se ao lado do autor da obra para divulgá-lo, antecipando resistências, procurando desarmá-las entre outros procedimentos, reproduzindo as "interpretações autojustificadoras" (p. 85). A segunda vertente é aquela em que os escritores se posicionam de forma mais autônoma frente à película e apontam seus limites (p. 86), com o perigo de desqualificá-la por antipatia ao diretor do filme ou às suas concepções ideológicas e artísticas. Na fortuna crítica levantada sobre Actas de Marusia, encontramos as mais diversas reações à película, desde elogios pela estética da obra até desqualificações visando menosprezá-la. Os escritos evidenciam que o filme foi realizado e difundido num contexto histórico em que a produção cultural das esquerdas passaram a ser questionadas, se não rejeitadas, pela intelectualidade francesa ao longo da década de 1970, além da dificuldade de produção e exibição de filmes militantes nos cinemas da América Latina por conta dos regimes autoritários que se espalharam pelo Cone Sul.

4.1 Europa

No mesmo ano de lançamento do filme, foram publicados diversos artigos nas revistas francesas especializadas em cinema. Dentre elas, encontramos sinopses ao lado de contextualizações históricas para que o leitor/espectador possa compreender o significado da narrativa, ressaltando a exploração econômica pelos ingleses e o início da organização dos mineiros no norte do Chile no início do século XX. Em geral, são críticas que elogiam a produção fílmica, como é o caso de uma das primeiras resenhas realizadas na França, o texto de Nicolette Moore (1976) na La Révue du Cinéma Image et Son: Littín faz surgir do passado as vozes que contam a história de seu país. [Gian Maria] Volonté diz que [Actas de] Marusia é um film choral, e a voz do povo, através desse coro, resiste à todos os massacres. Actas de Marusia é um filme essencial sobre o Chile (p. 67).

Na mesma resenha, começam a aparecer algumas comparações com outros filmes. N. Moore diz que Actas de Marusia não possui o simbolismo que estava presente em La tierra prometida (1973), predominando um realismo para abordar a repressão aos obreiros de Marusia; ou seja, uma ruptura com o trabalho anterior. A autora conclui o texto destacando a atuação de Gian Maria Volonté, algo recorrente nos escritos sobre a obra, e a fotografia de Jorge Stahl. Seguindo a mesma “linha auxiliar do 47

autor”, segundo a expressão utilizada por Alcides R. Freire, a revista Ecran mostra uma visão muito positiva em relação ao audiovisual. Na publicação, ao contrário do que afirma N. Moore, Guy Bracourt (1976) diz que há uma “ligação perfeita” entre La tierra prometida e Actas de Marusia: o que as une é que, por um lado, temos os camponeses lutando contra um governo que protege os interesses capitalistas estrangeiros e, por outro, é o mundo obreiro que lida com o conflito. O autor compara Actas com o filme de Bernardo Bertolucci Novecento (1976) pelo fato de que ambos lidam tanto com o espetáculo típico da produção fílmica de Hollywood e o realismo socialista, de forma a não parecerem contraditórios pois trata-se de um “cinema-espetáculo político destinado à uma larga audiência”, o que é positivo para o crítico. Outras obras também são lembradas como modo de comparação: Alexandre Nevsky (1938) e Que viva México! (1932-1979) de Serguei Eisenstein e Salvatore Giuliano (1961) de Francesco Rosi. O texto enfatiza a “lição histórica” que a mensagem do filme de M. Littín quis expressar. Em 1977, a La Révue du Cinéma Image et Son volta a falar da realização mexicana, um “filme admiravel”, que “não é do passado, mas do porvenir” (SALOM, 1977). Nesta oportunidade, os trabalhos de G. M. Volonté e de Mikis Theodorakis são destacados, e o diretor chileno é comparado aos realizadores do cinema mudo soviético (talvez se referisse diretamente a S. Eisenstein), ao italiano Ettore Scola e ao húngaro Miklós Jancso. Na Inglaterra, a revista Sight & Sound, publicação oficial da British Film Institute, lançou uma pequena nota sobre Actas assinada por David Wilson (1976). Nela explica-se ao leitor os contextos históricos de produção do filme e da trama fílmica. O autor destaca a atuação de Gian Maria Volonté no papel principal, integrado às massas obreiras. Várias passagens do filme são elogiadas, como a das mulheres que se organizam de modo sui generis, lavando roupa e passando uma mensagem de forma horizontal. Para Wilson, a obra lembra visualmente a produção fílmica por ele chamada de Italian Western do Sergio Leone, e a temática das lutas obreiras também é abordada em Cantata de Chile (1975) do cubano Humberto Solás. Este filme tematiza o massacre de mineiros em Iquique, e teve no papel principal o ator Nelson Villagra, que trabalhou em várias películas de Miguel Littín. Vale ressaltar que em nenhuma entrevista do chileno se faz menção à realização cubana, que é anterior a Actas e conta com o artista que protagonizou em El chacal de Nahueltoro e La tierra prometida, além de El recurso del método (1978) e La viuda de Montiel (1980). Ao lado dos elogios, as críticas ao trabalho de M. Littín tiveram espaço na crítica europeia, mais precisamente a francesa. A revista Positif, definida como “de esquerda” (VILLAÇA, 2010, p. 05) além de ser “hollywoodófilo” (NÚÑEZ, 2009, p. 156), lança um pequeno texto sobre Actas ao lado dos outras produções selecionadas para a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1976. O escrito, de autoria de N. Niogret (1976), sintetiza o enredo sem grandes elogios e, ao final, lamenta o excesso de 48

violência e as explosões em efeitos especiais da “última parte” da obra, quando chega a companhia militar liderada pelo capitão Troncoso. Assim, “o filme perde dessa forma a credibilidade históricopolítica que estava em seu projeto, expressado pela posta em cena dos mecanismos motores de uma situação”. No texto, encontramos uma primeira limitação do filme: a violência excessiva e o caráter de espetáculo da obra, mas apenas ao final da trama, segundo Niogret. O artigo de Mireille Amiel (1976), na revista Cinéma, é mais contundente em sua crítica Curiosamente, esse escrito encontra-se ao lado de um comentário elogioso sobre o filme, realizado por Albert Cervoni (1976). Este autor diz que Actas é uma obra “aberta”, “pouco maniqueísta”, e nela encontramos “a veia lírica, o senso trágico e épico”, uma espécie de Novecento (uma refência à obra acima citada de Bernardo Bertolucci) chileno (p. 261) e “muito clássico, deliberadamente clássico, a realização lembra igualmente muito bem o cinema épico soviético e os grandes anos do neorrealismo italiano” (p. 262). Já Amiel, com uma certa prudência, comenta sobre a situação dos cineastas exilados que foram vítimas do regime militar no Chile. Ele afirma que Aldo Francia preferiu ficar no país, e que M. Littín, ao lado de Helvio Soto e tantos outros, preferiram sair e continuar sua atividade artística no exterior. Porém, tanto o filme Chove sobre Santiago (1975), de H. Soto, e Actas de Marusia, de M. Littín, apesar de todo o mérito de denunciar as atrocidades dos militares chilenos, representam a triste, mas nada nova, ilustração de insuficiência das intenções dentro de um filme político. A ilustração voluntarista, aplicada, demonstrativamente, não é outra coisa que uma declaração de fé, à qual o espectador concorda facilmente sem enriquecer de nenhuma forma qualquer aspecto que seja. (...) sobre o plano cinematográfico a ausência quase total de mise en scène, e a direção de ator (Gian Maria Volonté é muito simpático mas sua presença no filme é apenas simbólica) prejudica consideravelmente o filme, que nos aborreceria certamente se um certo senso moral não nos impedisse de nos distrair disso que foi dito aqui, mesmo que mal (p. 263).

Enquanto várias críticas elogiavam a obra, colocando-a ao lado de produção cinematográficas consagradas como o cinema épico soviético, M. Amiel sai da “linha auxiliar do autor” para expressar sua posição frente não somente a Actas, mas a superficialidade do chamado cinema político. Esse é um aspecto que é levantado pela crítica cinematográfica francesa ao longo dos anos 1970, acompanhando uma tendência não só da intelectualidade da França em relação ao chamado Terceiro Mundo, como também da considerada principal influência da crítica de cinema mundial: a revista Cahiers du Cinéma. Nesta publicação, foi publicado em 1976 um longo artigo, praticamente uma crônica, sobre Actas de Marusia e o filme L’Affiche rouge (1976), de Frank Cassenti, chamado “Histórias da U: sobre a ficção de esquerda”, escrito por Jean-Paul Fargier. O “U” do título se refere à união, único, unidade, e termos derivados. Sinteticamente, o crítico contesta a noção de união presente em filmes de esquerda, que geralmente está atrelado ao Estado, ou seja, há um posicionamento liberal por parte de Fargier que 49

vê como um problema os discursos fílmicos que pregam um culto ao Estado. Seria o caso de Actas, conforme o apelo final de Gregorio Chasqui na trama, quando lança as palavras de ordem: "¡Vayan a trabajar con método, a organizar! ¡A trabajar, a organizar! ¡Para que mañana, la fuerza de todos los trabajadores se una, con la conciencia, Soto, con la razón!". O autor diz que se incomodou ao ver o filme, porque, vi, estupefato, se desenrolar mais uma vez a escalada exploração-revolta-repressãoresistência-repressão segundo uma lógica impiedosa se renova pelo recorde dentro do espetáculo que visivelmente [o filme] ambiciona e que pode ser batido (há algo mais desprezível que esse slogan [“a repressão mais brutal jamais filmada”]?) (...) A mensagem é fraca, lacônica, elementar: nós não estávamos unidos; na próxima vez, é necessário sermos unidos. U-nidos. Tal é o testamento político dos heróis à beira da morte, a conclusão que termina seu testemunho justifica a redação de suas cartas para o ensinamento das gerações presentes e futuras. Sejamos U. U quê? (FARGIER, 1976, p. 06, grifos do autor).

No mesmo dia, prossegue o crítico, leu no Le Monde de 26.08.1976 uma notícia da China, onde Che Tchenming, membro do Partido Comunista Chinês de sua comunidade, deixou os próprios filhos morrerem num terremoto para salvar o secretário do comitê do PC, Chiou Kuang-yu, e sua família que também estavam em apuros. Diz Fargier que tal notícia, lida após ver o filme de Miguel Littín, o incomodou mais, porque antes de assistir a película o escritor havia visto um debate de Jean-Paul Sartre com Claude Lefort num texto de 1953, no livro Situações VII,43 sobre “a utilidade ou não de um partido pelas massas”. Sartre cita Trotsky quando afirma que o partido é a única força política capaz de reunir a dispersão das massas; já Lefort, ao contrário, fala que era necessário as massas se organizarem enquanto entidade coletiva, e não depender de um partido para que isso acontecesse. De acordo com o crítico, Sartre tinha uma visão “realista” das massas e “idealista” do partido, e Lefort era “realista” com o partido e “idealista” com as massas. O filme de M. Littín seguia o mesmo postulado que Sartre: a “propedêutica à ideia de partido único”. A partir desse momento, seguem as evidências da trama fílmica que apontam esse postulado no pensamento e nas ações de Gregorio Chasqui: Mais unidade, isso quer dizer menos o quê? O que há de menos? Há uma cena que responde a essa questão (...) É a visita de Gregorio a [Luis Emilio] Recabarren, o fundador do partido comunista chileno, que ensina o marxismo ao fundo de uma livraria-tipografia. “Não formamos a U”, na boca daquele que guarda uma lembrança deslumbrada desse encontro e dessa lição, significa que: o que nos faltou não foi a coragem, mas o saber, esse saber científico que faz de seus detentores homens capazes de transformar as massas em classe, em uma classe una, essa ciência que detém o Partido (...) (p. 08-09, grifos do autor)

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SATRE, Jean-Paul. Situations, 7, situation VII: problèmes du marxisme. Paris: Gallimard, 1965.

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Sem querer esgotar o texto, o problema essencial que Jean-Paul Fargier faz em relação a Actas gira em torno da noção maniqueísta do culto ao Estado que o filme se adere, e os limites da película de Frank Cassenti, no artigo, também segue a mesma linha, sendo que este cineasta é filiado ao PC Francês, o que intensifica a crítica à sua obra, que faz referência à Resistência durante a ocupação alemã no país. Uma questão a ser pensada é como o autor não faz a diferenciação entre o pensamento político que M. Littín construiu no Chile, mais próximo das chamadas “novas esquerdas” que surgiram nos anos 1960, adeptos da revolução armada e do nacional-popular, e a posição político-ideológica dos Partidos Comunistas do pós-1960, ligada às lutas institucionais permitindo alianças com as pequenas burguesias locais. A Cahiers du Cinéma, que desde sua fundação em 1951 era tida como “cinéfila”, “formalista” e “hollywoodófila”, caracterizando-se pela “política dos autores”, 44 com o advento dos “cinemas novos”,45 entendeu que a linha de atuação de análises fílmica tinha que ser repensada pois não dava conta dos filmes que surgiram principalmente no “Terceiro Mundo”, de forte cunho sociopolítico (NÚÑEZ, 2009, p. 163-164). Essa tendência também se verificou na revista Positif. O Cinema Novo brasileiro foi bem recebido pelas revistas francesas ao longo da década de 1960, bem como a produção do Nuevo Cine Latinoamericano que obteve destaque nos festivais cinematográficos europeus, apesar do descaso com a cinematografia cubana (VILLAÇA, 2010, p. 07, AMIOT-GUILLOUET, 2004, p. 51). Porém, o espaço dedicado pela Cahiers ao cinema latino-americano constitui-se como “um parênteses na história da revista” (AMIOT-GUILLOUET, 2004, p. 56). O texto do crítico Jean-Paul Fargier ilustra um posicionamento do Cahiers em que o interesse pelos “cinemas novos” surgidos a partir da década de 1960 e a solidariedade aos exilados latino-americanos declinou consideravelmente em meados dos anos 1970. Comentando um artigo do Cahiers de 1974 que elogia o filme La tierra prometida, a pesquisadora Jacqueline Mouesca (1988) afirma: Por estas fechas se vivía en el mundo una etapa de febril solidaridad com la causa del pueblo chileno. En Francia el fenómeno era muy intenso, y la revista Cahiers du Cinéma fue um vehículo singularmente receptivo de la producción cinematográfica chilena del exilio. Com posteridad, como se sabe, sobrevino el grande viraje ideológico de la intelectualidad francesa, y las cosas en este caso particular – el de 44

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A “política dos autores” é um método crítico elaborado por François Truffaut , utilizado em 1954, e “se define por uma análise sincrônica da obra de um cineasta que, para além das diferenças de gênero, de nacionalidade de produção e de meios técnicos (silencioso, sonoro, colorido, etc.), possui um ‘estilo’ próprio manifesto sob aspectos formais (a miseen-scène)” (NÚÑEZ, 2009, p. 32). Este método pressupõe que os filmes analisados sejam de cineastas que tenham uma obra acumulada e una cinematografia consolidada, daí a incidência de análises dos trabalhos realizados em Hollywood. Entende-se por “novos cinemas” as realizações surgidas a partir do final da década de 1960 em que as produções fílmicas, querendo se opor às respectivas cinematografias nacionais, buscam realizar obras que discutam os problemas sociais, políticos e econômicos com uma linguagem cinematográfica mais experimental, parcialmente livre do modelo “clássico” industrial. Seriam exemplos o Cinema Novo brasileiro, o Nuevo Cine Latinoamericano e o Nuevo Cine Chileno, dentre vários outros movimentos cinematográficos espalhados pelo mundo.

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Chile – cambiaran sonsiderablemente. Littín, muy elogiado hasta entonces, pasó a tener una consideración sensiblemente distinta (p. 95, nota 08).

Ao longo dos anos 1970, a produção cultural das esquerdas latino-americanas passa gradativamente a ser contestada pela intelectualidade francesa, numa revisão crítica do “terceiro mundismo” exemplificadas nas obras de Gérard Chaliand e Pascal Bruckner. 46 Este último “acusa as Teorias de Libertação Nacional, que seduziram a intelligentzia francesa, por terem idealizadas a ação política dos povos do Terceiro Mundo, o que evidencia uma visão exotizante e paternalista da esquerda francesa” (NÚÑEZ, 2009, p. 51). O contexto histórico em questão ajuda a entender a dividida recepção que a obra de Miguel Littín de 1976 teve na Europa: enquanto algumas revistas se posicionaram a favor de Actas de Marusia, com vários elogios e se mantendo numa “linha auxiliar do autor”, outras publicações fugiram dessa posição e apontaram limites da obra num momento em que o cinema militante passa a ser contestado.

4.2 América

Desde o início das filmagens nas cidades de Santa Eulalia e Santo Domingo em Chihuahua, no México, ao longo do ano de 1975, o filme Actas de Marusia chamou a atenção da mídia mexicana devido à grande expectativa gerada em torno de Miguel Littín. Quando o cineasta chegou ao país, ele já era um reconhecido artista intelectual militante no Chile, tendo realizado três obras que tiveram boa recepção pela crítica cinematográfica latino-americana. O Banco Cinematográfico de México aceitou a proposta de filmagem do chileno e a CONACINE, produtora da obra de 1976, passou a emitir notas para serem divulgadas pela grande mídia. Entre os boletins de imprensa da companhia, 47 podemos acompanhar notícias sobre o processo de seleção de atores, a chegada de Gian Maria Volonté (24 de fevereiro de 1975) e Mikis Theodorakis (16 de julho de 1975) ao país e as palavras do diretor sobre o que ele esperava do filme. Os relatos do ator italiano e do diretor, exilado no México, analisaremos adiante. Um desses boletins chama a atenção por destoar do caráter informativo dos documentos, cujo título já demonstra o tom provocador do texto que, como todos os boletins, não está assinado: “‘ Actas de Marusia’ bajo el polvo. PATETICAS Y DEPRIMENTES ESCENAS FILMADAS POR MIGUEL 46

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CHIALAND, G. Mitos revolucionários do Terceiro Mundo. Tradução de Antonio Monteiro Guimarães Fº. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1977; BRUCKNER, P. Le sanglot de l’homme blanc: Tiers-Monde, culpabilité, haïne de soi. Paris: Seuil, 2002 (1ª ed. 1983). Os documentos se encontram no “expediente Actas de Marusia A-00938” do Centro de Documentación e Información da Cineteca Nacional de México.

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LITTIN EN DESOLADO Y ARIDO ESCENARIO”, datado em 07 de abril de 1975. O texto faz referência à simulação dos fortes ventos causados por uma “avioneta traída ex-profeso” que aparecem constantemente nas tomadas externas do filme, e o autor não-identificado do texto é sarcástico em seu relato: “La dramática escena se hace más patética y demoledora a causa de fuertes ventos (...) El viento levanta el polvo de los áridos parajes y cubre cuanto encuentra. Los rostros de actores, extras, técnicos y curiosos aparecen polvorientos y cenizos”. Seguindo o texto, aparecem depoimentos da atriz Patricia Reyes Spíndola (Rosa) elogiando o trabalho de Miguel Littín, amenizando o tom polêmico do relato anterior. A simulação procurou reproduzir o ambiente geográfico do norte do Chile, caracterizado pelos fortes ventos que assopram do Atlântico Sul mas que, no filme, parece ter fugido da medida, como apontará em uma crítica o venezuelano Fernando Rodríguez. Por outro lado, um artigo proveniente de revista de cinema do México fala sobre a "madurez estilística e ideológica" do cineasta num filme que "es de una limpieza narrativa de un buen artesano del Cine", numa posição favorável à obra, apesar dos contrastes que podemos vislumbrar na tela: En respuesta al seco rigor hollywoodense y la prudencia cartesiana de las metrópolis europeas, el lirismo fílmico latinoamericano orientado revolucionariamente, es desde sus comienzos un torrente visual que no admite ninguna represa. En él conviven las imágenes más insólitas e los cllichés más gastados, lo popular y lo pintoresco, el carnaval y la pastorela, lo audaz y lo cursi, lo inquietante y lo reconfortante. Crisol dialectico, en suma, del que surge la escoria y la poesia.48

O jornal Excelsior foi um dos principais espaços onde o público seguia a repercussão do filme nos festivais acompanhada pelas entrevistas de M. Littín, os quais serão abordados adiante. Em 1985, um artigo publicado pelo jornal The New York Times elogiando a obra mexicana surpreendeu a imprensa. 49 Assinado por Walter Goldman, o texto faz diversas referências a cenas que impressionaram o crítico. "O senhor Littín é um magistral criador de imagens", setencia Goldman (p. C22). Ao contrários dos críticos franceses que elogiaram o filme, o norte-americano não faz paralelos com outras cinematografias. Vale lembrar que os filmes críticos às ditaduras latino-americanas, na década de 1980, eram relativamente bem acolhidos nos Estados Unidos. Foi o caso dos filmes Missing (1982), de CostaGavras e A história oficial (1985), de Luis Puenzo, ambos premiados com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Enquanto que na chamada América do Norte (Canadá, Estados Unidos e México) encontramos alguns artigos sobre Actas e entrevistas do Miguel Littín, no restante do continente americano não há muitas referências. Essa situação ocorre por conta de um momento específico na América Latina: as 48 49

DIAZ, Daniel Ramos. “Actas de Marusia” in Otro Cine, México D.F., n. 04, s/d, p. 29-43. “Elogía The New York Times a la cinta ‘Cartas de Marusia’, del cineasta chileno Miguel Littin” in Excelsior, México D.F., 29.07.1985, p. B 4.

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publicações que lidam com o cinema militante passaram por reformulações ou se encontravam encerradas na década de 1970, o que não favoreceu a divulgação e a reflexão sobre Actas de Marusia no subcontinente. A Cine Cubano, editada pelo ICAIC, teve a periodicidade interrompida entre 1975 e 1977, devido a numa crise política na instituição decorrente do Quinquenio gris50 (NÚÑEZ, 2009, p. 63; VILLAÇA, 2009, p. 251-258). A revista uruguaia Cine del Tercer Mundo, publicada pela Cinemateca del Tercer Mundo, só teve duas edições, uma em 1969 e 1970 (NÚÑEZ, 2009, p. 74). A publicação Hablemos de Cine, do Peru, entre 1972 e 1986, passou a dar mais destaque ao cinema peruano, diminuindo o espaço para as produções latino-americanas (idem, ibidem, p. 67-68). A única exceção dentre as publicações relativamente alinhadas com o Nuevo Cine Latinoamericano foi uma breve nota na revista venezuelana Cine al Día, assinada por F. Rodríguez (1977). No texto, o crítico inicia fazendo comentários positivos a Actas de Marusia, destacando a fotografia da obra, a direção de atores, a cenografia, os movimentos de massas, em síntese, um trabalho cinematográfico "rara vez alcanzado por el cine latinoamericano" (p. 24). Porém, seguem-se os limites. O autor lamenta os excesso da obra: de vento e areia, "el no haber dosificado la utilización de este innegable acierto"; da predominância do drama de Gregorio em relação aos obreiros marusianos ("no había necesidad, por ejemplo, de hacerlo morir de último, de individualizar excesivamente su caída y su muerte o de llevar hasta los límites a que se lleva su caráter protagónico en el diseño de las futuras luchas"); de mortes e assassinatos, "el buscar la trgicidad por la mera adición cuantitativa de escenas terribles"; de realismo: (...) desgraciadamente este planteamiento realista, que le debe por lo demás enormidades a La Patagonia rebelde [1974, del argentino Hector Oliveira], adolece de un excesivo esquematismo, del recurso reiterado a arquetipos, del deseo demasiado visible de imponer tesis. Demasiado redondo y simple lo que se quiere decir conceptualmente, con todo y epílogo final optimista (p. 24).

A crítica de F. Rodríguez em relação ao filme se refere ao exagero da obra de Miguel Littín em relação à violência que se mostra muito maniqueísta, o que não contribui para uma mensagem política coerente. O crítico contrapõe o realismo do relato em Actas em relação ao antecessor, La tierra prometida, no qual há "la muy fina sensibilidad conque Littin se acerca en el film al alma popular y el tono justo que encuentra para narrar con objetividad y pasión sus gestas" (idem). Num determinado momento, há uma cobrança por uma autenticidade da reconstituição histórica, pois, para o autor, é um problema inserir numa época passada um discurso que se remete à contemporaneidade: "esto le hace 50

O Quinquenio gris (quinquênio cinza), período que vai de 1971 a 1975 para alguns autores, ou as décadas de 1970 e 1980 para outros, é conhecido na história político-cultural de Cuba por ser uma época de grandes tensões políticas com maior cerceamento da liberdade aos intelectuais. 1971 foi o ano do desfecho do Caso Padilla, que iniciou-se em 1968 (VILLAÇA, 2009, p. 235).

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perder verosimilitud y autenticidad a la narración a la vez que ese segundo mensaje, falto de asideros reales, flota como una cartilla política sin ninguna densidad". O discurso de Rodríguez converge com o do próprio mentor do relato ficcional sobre Marusia, Patricio Manns (1993): “En el libro no figuran 1os errores históricos que se me han imputado, en particular, el discurso de Recabarren en la pisadera de un tren calichero – alta secuencia de la versión cinematográfica de esta novela” (p. 10). Ambos autores não levam em consideração a liberdade criativa com que os cineastas reconstroem o passado, em geral mais livre do que a historiografia acadêmica (ROSENSTONE, 1997, p. 56). A relativa ausência de textos críticos na América Latina evidencia que o filme não conseguiu uma distribuição nas salas de cinema latino-americanas, 51 com exceção do próprio México, com a mesma eficácia com que a obra fora difundida nos Estados Unidos, Canadá e França. Por outro lado, a comunidade acadêmica procurou pensar Actas sob dois contextos mais recorrentes dada a especificidade do filme. A primeira é entender o conjunto da obra de M. Littín em sua trajetória exílica relacionando-a com os eventos políticos do Chile. 52 A segunda, é pensar a realização como um filme propriamente mexicano, integrado às questões políticas e culturais do país. 53 Nossa pesquisa procura integrar os dois universos, contextualizando-os no movimento do exílio dos chilenos ocorridos a partir de 1973.54 Jacqueline Mouesca (1988) afirma que a obra de M. Littín se insere numa problemática maior própria do exílio chilenos em seus primeiros anos: o debate sobre as causas da derrota da Unidade Popular (p. 99). Nos escritos de P. Manns que serviram de base para a criação do roteiro, a autora destacou o contraste ideológico entre "la 'izquierda tradicional', que se apoya supuestamente en una 51

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Na pesquisa, não foram localizadas informações sobre a exibição de Actas de Marusia na América do Sul, Caribe e América Central. Porém, sabe-se que na Bolívia o filme não foi exibido em meados da década de 1970 por conta da ação enérgica do embaixador chieno no país, bem como a obra Patagonia rebelde (1974), de Hector Oliveira, que foi impedida de exibir dos cinemas bolivianos por conta da intervenção do embaixador argentino (GUMUCIO-DAGRON, 1984, p. 15). MOUESCA, Jacqueline. “Miguel Littín: La apertura latinoamericana”. Plano Secuencia de la Memoria de Chile. Veintecinco años de cine chileno (1960-1985). Madrid: Ediciones del litoral, 1988, p. 89-107. KING, J. Magical reels: a history of cinema in Latin America. London: Verso, 1990; GARCÍA RIERA, Emilio. “Actas de Marusia”. In: Historia Documental del Cine Mexicano, vol. 17. México, D.F.: Universidad de Guadalajara, Consejo Nacional para la Cultura y las Artes (CONACULTA), Secretaría de Cultura del Gobierno del Estado de Jalisco y el Instituto Mexicano de Cinematografía (IMCINE), 1992-1997, p. 132-136; TURRENT, Tomás Pérez. "Crise et tentatives de renouvellement". Traduit de l'espagnol par Claude Bleton. In: PARANAGUÁ, P.A. (dir.). Le cinéma mexicain. Paris: Centre Georges Pampidon, 1992, p. 117-137. Os seguintes trabalhos incluem o filme Actas de Marusia no contexto dos exilados chilenos porém não o relacionam nas questões da indústria cinematográfica mexicana durante o governo de Luis Echeverría: HENNEBELLE, Guy. GUMUCIO-DAGRON, Alfonso (org.). Les cinémas de l’Amérique Latine. Paris : Lherminier, 1981, p. 217; MOUESCA, Jacqueline. “El cine chileno en el exilio (1973-1983)” in Cine Cubano, Havana, n. 109, 1984, p. 34-43; SCHUMANN, Peter B. Historia del cine latinoamericano. Traducción del alemán: Oscar Zambrano. Buenos Aires: Editorial Legasa, 1987, p. 185-208; MAHIEU, José Augustín. “Cine chileno en el exilio” in Cuadernos Hispanoamericanos, Madrid, n. 482-483, 1990, p. 241-256; PICK, Zuzana. The new latin cinema: a continental project. Austin: University of Texas Press, 1993; RUFFINELLI, Jorge. Patricio Guzmán. Madrid: Ediciones Cátedra /Filmoteca Española, 2001, p. 193-210.

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visión reformista y conciliadora" e "la 'izquierda revolucionaria', que privilegia la confrontación armada", mas não entra em maiores detalhes (p. 97). A adaptação que o cineasta fez do relato escrito incluiu uma "licencia histórica" que é a presença de L. E. Recabarren na trama, aperfeiçoando dessa forma as intenções de P. Manns e mantendo a coerência sem fissuras com que o escritor propunha (idem, ibidem). Cobrando indiretamente uma fidelidade histórica em relação à trama ambientada no início do século XX, J. Mouesca afirma que não é provável que o conflito de Marusia seja da envergadura que a película exibe, por conta do exagero de cenas violentas: Hay un equilibrio que se rompe, algo que no se logra sostener porque el realizador forzó el recurso alegórico hasta convertirlo en porfía retorica. No bastó - para citar un detalle - con mostrar que la represion era sangrienta; se juzgó necesario juntar todos los efectos que concurrieran a probar que la historia de las luchas obreras es en Chile una ininterrumpida cadena de violencia, un inagotable y caudaloso rio de sangre; y la intención se vuelve a la larga contra quien la ideó: el drama no llega hasta la tragedia. bordea peligrosamente en cambio, los limites de lo grotesto. En lugar de una épica poética a lo Jankso el resultado se aproxima al sensacionalismo, a la espectacularidad efectista de Sergio Leone (p. 98).

A autora faz a mesma observação que F. Rodríguez sobre o excesso da violência no filme, destacando, ainda, a incoerência do discurso político presente na trama. A alegoria, recurso narrativo que a crítica cinematográfica não se preocupou muito em compreender, é utilizada de forma a desqualificar o enredo porque sua insistência e a intenção simbólica termina por criar esteriótipos, segundo assevera a autora (p. 96). Uma questão que J. Mouesca coloca sobre a produção audiovisual de M. Littín é que os filmes realizados com altos orçamentos, apesar de premiados e bem difundidos em salas de cinema, apresentam esteriótipos que comprometem a composição estética e a mensagem política das obras; por outro lado, as películas realizadas em condições menos favoráveis economicamente são mais elogiadas, como El chacal de Nahueltoro e Alsino y el condor, este último produzido na Nicarágua liderada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional após a Revolução Sandinista (p. 103). Em Historia documental del cine mexicano, de Emilio García Riera (1992-1997), há algumas páginas ilustradas que se dedicam à "superproducción exiliada". Nelas, depois dos dados técnicos e da sinopse de Actas, seguem-se breves comentários em relação à recepção da obra pelo grande público e sobre o próprio filme. Rieva lembra que Santa Eulalia, lugar onde foram realizadas as gravações, também foi o espaço para outra obra de um emigrado: trata-se de En el balcón vacío (1961), do tunísio Jomí García Ascot, que havia chegado ao México em 1939 na companhia dos pais, todos exilados da Espanha após o fim da guerra civil. Porém, a obra de Ascot não teve apoio, nem público nem privado, 56

para sua realização. Já a do chileno teve uma ampla repecussão, o que não impediu que fosse alvo de "ataques virulentos" (p. 136). García Riera destaca algumas passagens do filme, como a aparição dos sulfatos e a "dança" dos obreiros com dinamites na cintura, provocando os militares acuados; por outro lado, aponta também alguns momentos problemáticos, como a do padre tocando sino feliz com a morte de trabalhadores e a morte de Margarita, com sangue excessivo (p. 135-136). A intenção de Miguel Littín, segundo o autor, era dar um "'grande fresco' espetacular de la epopeya minera" ao tratar de um fenômeno comum na Europa e raro na América Latina, com a exceção do Chile: a coexistência na classe obreira entre os revolucionários e os reformistas e sua oposição. Os primeiros, na trama fílmica, estavam representados na figura do "anarquista" Gregorio Chasqui, enquanto que os segundos, na figura de um socialista, Domingos Soto (p. 135). Interessante notar como o autor entendeu as correntes políticas no enredo de Actas, mesmo não justificando o porquê dessa interpretação. Vale lembrar que o Partido Socialista Chileno foi fundado apenas em 1933, após a experiência socialista de 12 dias em 1932, distante dos eventos ficcionais de Marusia relatados no filme. De acordo com a interpretação proposta nesta pesquisa, Gregorio seria um personagem composto de forma alegórica para representar o pensamento político do Movimiento de Izquierda Revolucionario (MIR) e da ala radical do Partido Socialista, enquanto que Domingos Soto, a linha de atuação política do Partido Comunista do Chile.

4.3 As memórias sobre o filme

Os discursos sociais sobre Actas de Marusia visando sua legitimação foram tão recorrentes quanto as críticas ao filme. Há um evidente esforço por parte do diretor M. Littín em realizar "interpretações autojustificadoras" do filme (RAMOS, 2002, p. 52), desde a época das filmagens, em 1975. Uma constante em relação a essas memórias é a defesa do Estado mexicano, que garantiu uma relativa liberdade criativa ao cineasta para que pudesse realizar seu projeto fílmico. A documentação da CONACINE voltada à publicação na grande imprensa, com a exceção da crítica ao filme citada anteriormente, foi um dos espaços que deu visibilidade à produção e criou uma expectativa em relação à sua finalização, além de ser um veículo de difusão das interpretações do cineasta. Em um boletim de imprensa, de 24.02.1975, Gian Maria Volonté diz numa ocasião que afirma estar contra a censura no cinema: Siempre estoy por la libertad de expresión y en contra lo que es represión y censura. Sin embargo, el problema de la libertad de expresión no es un problema exclusivo del cine. Hay países donde la censura es más evidente que en outros. En Italia hay dos

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tipos de censura: la administrativa y la preventiva, pero en cualquier forma no es justificable.

Difícil avaliar se Volonté não estaria se referindo ao México, cuja indústria cinematográfica era conhecida no exterior por estar presa ao corporativismo sindical e por ter uma das censuras mais intolerantes da América Latina (NÚÑEZ, 2009, p. 57). Quando o ator diz que é a favor da liberdade de expressão, e essa afirmação aparece nos documentos oficiais, fica evidente que a CONACINE visava desarmar qualquer crítica ou acusão de censura por parte dos cineastas mexicanos, legitimando-se no discurso de uma importante figura do Partido Comunista Italiano e do cinema político do país. Por sua vez, Miguel Littín, perguntado se houve alguma censura ao filme em território mexicano, o cineasta afirma: Eu vim ao México como exilado político; propus o filme e tive o apoio do Banco Cinematográfico. Não esqueça que o México rompeu há dois anos com o regime chileno. México e Cuba foram os únicos países da América a fazer isso. A posição do México é muito clara: esse país integrou o Tribunal Russell 55 [representado pelo expresidente Lázaro Cárdenas no final da década de 1960], a imprensa denuncia regularmente as torturas no Chile; há um apoio muito forte em todo o país no que se refere à causa chilena. Fiz o filme como eu queria, e assumo a inteira responsabilidade por ele (PIERQUET, MORISSETTE, 1976, p. 14).

Sobre o cinema mexicano na época da produção de Actas, o diretor diz: Me encontré con que la cinematografía mexicana pasaba por un momento excepcional de su historia. Había toda una abertura hacia América Latina, estaba el movimiento de solidaridad con Chile, y los cineastas se pusieron en contacto con nosotros inmediatamente. A los pocos días estábamos ya discutiendo sobre proyectos y posibilidades (LITTÍN, 1983, p. 86).

A estratégia do governo mexicano em dar visibilidade à sua "abertura democrática" encontrava em Miguel Littín e Gian Maria Volonté seus "legítimos" porta-vozes, ao lado de outros protagonistas privilegiados, como o representante do Banco Cinematográfico de México Salvador R. Quintero, que afirma no documento de 07.03.1975: "Tengo confianza y esperanzas fundamentales en este proyecto fílmico porque el buen cine requiere de libertad y talento, 'Actas de Marusia' cuenta con ello". Outra constante nas memórias de Miguel Littín sobre Actas é atribuir significações à obra. No boletim de imprensa da CONACINE, datado em 05.02.1975, que anunciava a chegada de Gian Maria Volonté ao México, M. Littín dá um significado da então futura obra:

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Tribunal Russel, também chamado de Tribunal Internacional sobre Crimes de Guerra ou Tribunal Russel-Sartre, foi uma entidade civil fundada em 1966 pelo filósofo britânico Bertrand Russel e pelo francês Jean-Paul Sartre visando investigar e denunciar os crimes de guerra cometidos pela política exterior dos Estados Unidos (décadas 1960 e 1970), pelas ditaduras brasileira e chilena (1975 e 1976), pelo Iraque (2004) e por Israel (2009), dentre outros casos.

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“Actas de Marusia” trata de un tema concretamente relacionado con la lucha del llamado “tercer mundo” por conservar la primacía sobre la explotación de sus riquezas naturales, en contra de los intereses creados por el “Imperialismo”, mediante la formación e instalación de empresas transnacionales en este “Tercer Mundo” que ha sido invadido material y económicamente.

A afirmação do realizador expõe o sentido antiimperialista do filme. A ênfase na exploração neocolonial da Inglaterra e dos Estados Unidos, os quais extraíam as riquezas naturais chilenas e interferiam na política nacional, nos discursos do diretor é uma mostra de que há na história, segundo o cineasta, “constantes históricas” (LITTÍN, 1977, p. 11). Essas constantes fazem parte da própria estratégia alégórica da composição narrtiva ficcional: “fala-se de uma situação particular para significar algo mais geral” (RAMOS, 2002, p. 74). Nesse caso, a história “caracteriza-se mais pelos aspectos que não mudaram (ou permanecem imóveis) do que pelos que se transformaram” (idem, ibidem). Essa imobilidade histórica seria o grande problema estrutural que, para o cineasta, o Chile ainda não conseguiu resolver; daí a facilidade com que os militares chilenos em 1973 impuseram uma ditadura no país. Para chegar a essa conclusão, M. Littín optou por fazer um recuo histórico em sua narrativa fílmica, ao invés de fazer uma obra retratando o próprio golpe militar: Creo, en forma personal, que es necesario tomar distancias para analisar mejor. Pensaba que una película sobre el golpe militar podía caer fácilmente en lo anecdótico; en cambio si tomaba un episodio de la lucha de clases de Chile y del Continente, me era posible llegar más a lo conceptual, que era lo que me interesaba, y por otra parte creo que, desde cierto punto de vista, hacer una polícula sobre el golpe militar, sobre el cual la prensa mundial ha informado en forma abundante, era un poco oportunista y por ello consideraba mucho más honesto y más coherente seguir este camino de reconstitución de la memoria rota (LITTÍN apud GUREZPE, 1976).

Quando o autor critica uma reconstituição do golpe militar, provavelmente, estaria se referindo indiretamente ao diretor Helvio Soto que realizou em 1975, na França e Bulgária, Chove sobre Santiago, que relatava justamente o dia 11 de setembro de 1973 no Chile. Soto não compartilhava nenhum prestígio entre os cineastas latino-americanos por ter dirigido filmes considerados confusos e alienantes, como Metamorfosis del jefe de la policia politica, de1973, realizado no Chile antes do golpe militar.56 Segundo M. Littín, a atitude do autor de Soto “reflete uma atitude oportunista que corresponde (...) a um ‘intelectual de esquerda’” (1974, p. 18). Sobre Actas de Marusia, M. Littín expõe uma visão histórica sobre a intervenção dos militares na política chilena para trazer à tona, segundo ele mesmo, a memória fragmentada das lutas populares, que sempre foi ignorada pela elite econômica e política do Chile (PIERQUET, MORISSETTE, 1976, p. 13). 56

Uma declaração de repúdio ao filme foi publicado na revista francesa Ecran, n. 22, em 1974, e assinado pelos cineastas Humberto Ríos e Jorge Cedron da Argentina, Marta Rodríguez e Jorge Silva da Colômbia, os cubanos Santiago Alvarez e Manuel Perez, Walter Achugar (produtor) do Uruguai, o brasileiro Alfonso Beato e o chileno Sergio Castilla (p. 20).

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Pensar sobre o exílio ao falar sobre Actas é outro tema que sempre aparece nos discursos do diretor. Foi a partir do refúgio político que ele planejou a obra fílmica, e sua situação de desterrado o fez refletir sobre o que é ser um latino-americano sem deixar de ser chileno (LITTÍN, 1977, p. 10-11); ou seja, a partir do exílio, o cineasta busca um lugar junto ao Nuevo Cine Latinoamericano, falando em questões continentais. Durante o governo da Unidad Popular, M. Littín chegou a negar uma estética que seja padrão para refletir sobre a América Latina: Si tú estás pensando en Latinoamérica, cuando haces una película en Chile, si estás pensando reflejar toda América Latina a lo mejor el resultado es una visión pintoresca y superficial, porque en realidad en Chile, ¿qué sabemos del resto de América Latina que no sea por los cables? (LITTÍN, 1971-A, p. 06)

Mas, após o golpe militar, Littín termina por aceitar a retórica da latino-americanidade, conforme citado em um texto de 1983, “Lo desmesurado, el espacio real del sueño americano”, em que o todo o universo seria a visão desmesurada do latino-americano (idem, 1988-A, p. 371). Já em 1976, essa “abertura latino-americana” por parte do realizador de Actas, conforme expressão usada por Jascqueline Mouesca (1988), estava evidente: “Esse olhar para o passado permite se referir não somente às fontes dos eventos atuais, mas tocar o conjunto da América Latina que tem a mesma memória coletiva” (LITTÍN, 1976, p. 56-57).

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5 CONCLUSÕES: O BALANÇO DA EXPERIÊNCIA CHILENA A PARTIR DO EXÍLIO

A partir dos elementos fílmicos apontados e de algumas relações com o contexto histórico da produção da obra, seguem-se algumas interpretações realizadas a partir da análise cinematográfica. Há um destaque ao protagonista Gregorio Chasqui, porém o personagem principal do filme é o conjunto de trabalhadores e as mulheres de Marusia. Actas de Marusia se propõe a ser um épico em que a tragédia humana é posta em cena de forma heróica a derrota de uma personagem coletiva. Sobre o conceito de épico, podemos conferir seu significado no filme: (...) a epopeia exalta, por uma narrativa simbólica, um grande sentimento coletivo (religioso ou político). Ela escolhe, portanto, no mais das vezes, um herói mais ou menos lendário, que encarna um ideal ou realiza uma ação notável. (...) No cinema, a epopeia pura é rara e coincide, no mais das vezes, com projetos patrióticos (AUMONT, MARIE, 2003, p. 100).

Sem buscar saber se o filme é uma "epopeia pura", o importante é a implicação do conceito para o entendimento da obra: o herói de feitos notáveis seria Gregório Chasqui, porém o sentimento coletivo de indignação e busca por melhores condições de vida por parte dos trabalhadores de Marusia é uma primeira noção que remete a obra para um projeto político-ideológico. O conflito entre os trabalhadores e os militares são as referências mais diretas que vemos na tela, ou seja, em diegese. O espectador pode encarar a película como uma história que ocorreu no passado sem qualquer relação com o contexto de produção, por conta da composição alegórica. Da mesma forma, quem assiste à obra se questionando os motivos pelos quais o documento foi realizado, adentramos no terreno onde questões podem ser levantadas por uma análise detalhada de como se apresenta ao espectador, desconstruindo o filme para recompô-lo realizando outras leituras da obra. Na análise de Actas de Marusia, abordamos como os lados beligerantes estavam organizados, e descrevemos como os militares conseguiram vencer a resistência obreira: foi um resultado do desentendimento entre Domingos Soto e Gregorio Chasqui, de acordo com o rápido diagnóstico do protagonista realizado antes de se separarem: ¡Soto, Soto! Tú y yo hemos cometido errores, pero hemos fallado en nombre de la razón. Nos hemos dividido cuando debimos haber estado unidos. Hemos caído ciegamente en todo el juego preparado por el cerebro del asesino. No, no, no hemos sabido buscar otras alianzas. Hemos actuado con premura. ¡No hemos trabajado lo bastante para organizar! ¡No hemos sido capaces de discutir nuestros problemas de buscar la unidad!

Nas observações de Gregorio, fala-se de desunião, incapacidade de discutir os problemas e de consruir novas alianças, termos referidos no diagnóstico de uma derrota. Para entendermos os 61

significados dessas observações, propomos duas chaves de interpretação de Actas de Marusia que estão em diálogo com o contexto histórico da produção do filme: o balanço da união das esquerdas durante a Unidade Popular chilena e a reorganização do movimento político no exílio. Pela forma como o apareceu no filme, entendemos o personagem Domingos Soto composto alegoricamente de forma a representar o pensamento político do Partido Comunista de Chile, que tinha como principal bandeira a luta institucional pelo poder, alinhado com a via pacífica para chegar ao socialismo estabelecido na URSS na década de 1950. As greves, passeatas e demais manifestações políticas dos trabalhadores seriam permitidas dentro dos marcos da legalidade (DALMÁS, 2006, p. 1819). Domingos Soto é mostrado como um fraco, inseguro em relação à noção de via armada para a revolução (em nenhum momento empunha arma de fogo no filme), mesmo após ser torturado pelos militares. Suas ações e argumentos mostram sua indisposição em relação à luta política em outra esfera que não a pacífica: No, no, es imposible. Para eso necesitamos mucho tiempo y no tenemos tiempo .No estamos preparados. Tenemos que dialogar, esse es nuestro único camino. (...) Ellos (os militares) no pueden bombardear Marusia si destruyen las instalaciones lo perderían todo. La compañía no se los permitirá.

Em resposta a essa constatação do personagem de que os militares não atacariam Marusia, surge logo em sequência o plano do capitão Troncoso em destruir a mina para que o movimento dos trabalhadores não se espalhasse para outras minas de salitre. O desentendimento entre Domingos Soto e Gregorio Chasqui se dá no plano de ação política: o primeiro prefere ter um diálogo com os militares, alinhando-se à via pacífica ao socialismo e ao Partido Comunista de Chile; enquanto Gregorio propõe outra linha estratégica. O filme Actas de Marusia foi baseado no livro homônimo de Patricio Manns, que por sua vez escreveu a obra inspirado nas memórias de um sobrevivente do conflito de Marusia em 1925, ano em que teria se passado o evento. Miguel Littín plasma a história para a tela e a contextualiza em 1907, quando Luis Emílio Recabarren, o fundador do Partido Obreiro Socialista em 1912 (a base para a fundação do Partido Comunista de Chile em 1922), fazia seus discursos sobre o socialismo, inserindo, dessa forma, o personagem histórico no filme. Porém, no livro de Patrício Manns, E. Recabarren não aparece como um personagem dos eventos de Marusia, visto que estes se passam em 1925, e o líder havia se suicidado em 1924. Historicamente, entre 1906 e 1908 E. Recabarren difundia o socialismo pela imprensa e discursos em Antofagasta, onde provavelmente Miguel Littín localiza o encontro entre o líder obreiro e Gregorio. O cineasta toma a memória de um anônimo (o sobrevivente de Marusia) e integra a presença de um líder do movimento obreiro (Recabarren), realizando uma síntese das lutas 62

dos trabalhadores do salitre do início do século XX chileno, para se referir indiretamente outro período revolucionário, a de Salvador Allende. É simbólica a presença de Emilio Recabarren no filme, pois ela busca mostrar o papel que tem o socialismo na organização dos trabalhadores no início do séc. XX e nas nacionalizações do período da Unidade Popular. No filme, Gregorio ouve com atenção as palavras do líder obreiro e, após passar pela traumatizante experiência em Iquique, tenta organizar os mineiros de Marusia rumo a uma revolução social: (Recabarren falando para os trabalhadores:) El socialismo es una doctrina de estructura precisa y definida. La base esencial del socialismo consiste en la abolición de lo que ahora se llama propiedad privada, planteándonos en su reemplazo la constitución de la propiedad colectiva o común. Se entiende por propiedad privada la posesión y usufructo individual sobre la tierra y sus productos, sobre las herramientas, máquinas y medios de producción. El socialismo busca la liberación del hombre y la constitución de una sociedad de trabajadores.

Por querer constuituir uma sociedade de trabalhadores, o protagonista não admite limitar a ação política aos marcos da institucionalidade tal como Domingos Soto defendia. Gregorio incentivou o uso das dinamites e das armas para que os trabalhadores pudessem se defender dos militares, e pregava a expansão do levante social para outras regiões do Pampa. A linha estratégica de ação o aproxima do pensamento político da ala radical do Partido Socialista e do Movimiento de Izquierda Revolucionario (MIR). Essa crise política entre Domingos Soto e Gregorio Chasqui seria uma representação alegórica da situação chilena entre 1970 e 1973, no impasse causado pela adoção da via pacífica pela Unidade Popular e na dificuldade de lidar com o crescente Poder Popular e adotar medidas mais enérgicas contra os militares antes do golpe militar. Aqui ocorre a separação do visível (na diegese) e do sentido, própria da estratégia alegórica, porém no sentido que Walter Benjamin dá ao sentido da alegoria: mergulhando a experiência humana no tempo, ela é organizada "como reminiscências na descontinuidade, coleção de fragmentos, associações, definições de lugares; temos um painel que desqualifica qualquer cronologia ou a ideia da formação da identidade como totalidade orgânica em evolução" (apud XAVIER, 1984, p. 18). Por isso, o filme não tem como ser entendido como simples "encaixe" da cronologia política entre 1970 e 1973 no contexto social do início do séc. XX, mas como uma livre associação entre a experiência chilena e os eventos narrados na obra (1907). A divergência entre Domingos Soto e Gregorio Chasqui no filme seria uma alegoria dos impasses causados pela adoção da via pacífica pela Unidade Popular que, segundo a interpretação que podemos realizar da obra a partir dos elementos fílmicos analisados, causou um recuo no cenário político chileno quando se mostrou necessário a unidade. O protagonista diz: "¡No hemos sido capaces de discutir nuestros problemas de buscar la unidad!". Domingos Soto, secundarizado a princípio por 63

defender o diálogo e as lutas dentro dos marcos da institucionalidade, passa a ser a esperança de Marusia carregando as memórias dos crimes cometidos contra os trabalhadores; assim como fez Gregorio que procurou mostrar aos marusianos que a estratégia pacífica foi o que delimitou a derrota dos mineiros em Iquique. Os diálogos da obra com a conjuntura histórica da época de produção de Actas de Marusia são sugestivos ao longo da trama. A narrativa segue uma linha contrária a La tierra prometida e mais próxima de El chacal de Nahueltoro, se aproximando de uma sensação de realidade, o que não significa que se trata de uma objetividade narrativa, dados os momentos de intervenção do autor em algumas montagens (a explosão no suicídio de “Medio Juan”, a consciência da derrota de Gregorio), na trilha sonora (que estabelece uma tensão com os militares e uma relação mais serena com os mineiros) e nas associações indiretas à conjuntura histórica. Em relação ao espaço cênico, o teatro de Marusia tem uma fachada que lembra o Palacio de La Moneda, no Chile, onde Salvador Allende procurou resistir ao ataque dos militares e acabou perdendo a vida em 1973. Após a morte de Gregorio, a paisagem de terror com os fuzilamentos em série à frente do teatro é simbólico, bem como a própria posse do lugar pelos militares, porque a derrota dos mineiros na batalha se confirmou com a rendição do protagonista no teatro; de forma análoga aconteceu com o presidente chileno. Outro momento em que passado representado e presente são confundidos vemos na sequência 29, no auge dos conflitos entre mineiros e militares. Trata-se de um momento sensacionalista do filme, justificando a frase de divulgação da obra: “La represión más brutal jamás filmada”. O planosequência traz imagens de torturas, e o travelling da esquerda para a direita (movimento constante da câmera em diegese, sempre neste sentido) exibe várias formas de violação dos direitos humanos em plano geral: humilhações, afogamento, espancamento, pessoas acorrentadas, penduradas, sangrando, agonizando. A cena faz uma alusão aos crimes cometidos pela Junta Militar chilena, como se a temporalidade que separa os eventos na tela (1907) e o contexto da produção da obra (pós-1973) fosse eliminada, incluindo os diálogos, no momento em que Domingos Soto está sendo interrogado: Teniente Argandoña (para os soldados que estão torturando presos): ¡Éstos son lo que querían matarlos a ustedes! ¡No hay que tenerles compasión, carajo! ¡Son ellos o nosotros! Teniente Gaínza (para Domingos Soto): ¡Habla, mierda, habla! ¡Habla, mierda, habla! ¡Habla, mierda! Habla, si no quieres que te mate aquí mismo. Teniente Argandoña (para Domingos Soto): ¿Quiénes son? Habla. ¿Dónde se esconden? Habla por tu bien, Domingo Soto, habla. Nosotros sabemos que tu no eres partidario de esos métodos. Habla, Domingo Soto. ¡Habla! ¡Mierda!

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Por conta desses detalhes, o filme apresenta diretamente uma denúncia dos crimes contra a humanidade no Chile pós-golpe, característica das obras realizadas no exílio até o fim da década de 1970 (MOUESCA, 1988, p. 144-146). Os eventos históricos narrados na obra revelam confrontos violentos entre o movimento obreiro no Chile e as forças armadas. A repressão aos trabalhadores, às vezes mostrada de forma exagerada, podem sugerir ao espectador uma imagem inversa à que é atribuída ao país sobre a estabilidade democrática em relação às outras repúblicas latino-americanas. Apesar de não ter um longo histórico de quartelazos e golpes militares, o movimento dos trabalhadores sempre foi alvo de repressões cruéis, que a "história oficial" se negou a mostrar. Neste momento, entra em cena as concepções políticas e culturais que o cineasta desenvolveu enquanto esteve no Chile, não somente pelas ideias sobre um cinema nacional, popular e revolucionário, mas também sobre a necessidade de reinterpretação histórica, pois até então predomina História oficial, ignorando a dinâmica da luta de classes que dinamizou o passado chileno: Esse episódio, que ocorre em 1907, é importante porque marca o momento do nascimento da classe obreira ao mesmo tempo que começa sua repressão. Ele polariza duas grandes correntes sociais cujo enfrentamento vai encontrar seu ponto culminante entre a chegada do presidente Allende ao poder e sua queda pelo golpe de Estado militar (LITTÍN, 1976, p. 56).

As palavras de ordem, as últimas de Gregorio para os que saíram do clima de guerra em Marusia, lembram em alguma medida o último discurso de Salvador Allende realizada por rádio no mesmo dia do golpe militar de 1973, quando afirma ser positivo em relação ao futuro do Chile apesar do momento negativo. Porém, o protagonista pede que a união seja concretizada, para que a força dos trabalhadores seja capaz de conduzir o país ao caminho "correto": "¡Vayan a trabajar con método, a organizar! ¡A trabajar, a organizar! ¡Para que mañana, la fuerza de todos los trabajadores se una, con la conciencia, Soto, con la razón!". Entendemos que a mensagem, tal como ela foi posta em cena na sequência 61, com toda a carga emotiva da trilha sonora e da luz do otimismo, estava endereçada de forma privilegiada para os chilenos exilados, que fizessem da esfera política e cultural fora do Chile um campo de rearticulação das forças a qual não foi possível realizar durante o governo da Unidade Popular. O filme, portanto, tem uma relação simbólica com as memórias escritas por Gregorio: apresenta uma história na qual trabalhadores sofrem a opressão militar e quer que os fugitivos, ou seja, os exilados, se organizem, trabalhem, com método, com a razão, para que a força unida seja capaz de intervir no Chile militarizado. O sentido político de Actas de Marusia está em propor uma intervenção na realidade através de uma reflexão histórica na qual constatasse as causas dos problemas contemporâneos e uma possível solução. Porém, a crítica cinematográfica passava por um momento de 65

questionamento dos cinemas militantes, e boa parte dela repudiu a obra, mesmo com as premiações e a visibilidade que teve pela boa distribuição e exibição nos festivais.

Nesta pesquisa, procuramos apresentar elementos constitutivos do filme Actas de Marusia, produzido por Miguel Littín no exílio. Nesse contexto, os cineastas, enquanto intelectuais, foram alvo da ideologia do anticomunismo durante a segunda metade do séc. XX. Constatamos que a compreensão da mobilidade do diretor do filme passa pela convergência de interesses entre o exilado e o país de refúgio: o cineasta buscou dar continuidade ao seu trabalho no exílio tendo acesso a uma estrutura consolidada de produção cinematográfica, enquanto que a presidência mexicana buscava passar uma imagem positiva intervindo no cinema para amenizar a crise política e cultural da década de 1960. Censuras e exílios marcaram a produção cinematográfica no subcontinente nas décadas de 1960, 1970 e 1980, e tal produção permitiu que a América Latina assumisse um lugar de maior visibilidade, permitindo que novos olhares fossem dirigidos para os problemas políticos e culturais latinoamericanos. Adentramos no universo político e cinematográfico que Miguel Littín construiu sobre o Chile, através dos textos do cineasta, das entrevistas e de dois filmes realizados no país: El chacal de Nahueltoro (1969) e La tierra prometida (1973), esse último em co-produção com o Instituto Cubano del Arte e Indústria Cinematográficos (ICAIC). Verificamos como o diretor consolidou seu pensamento político e cinematográfico na teoria do nacional-popular e na estratégia revolucionária contrária à via pacífica para o socialismo, mais próximo de setores do Partido Socialista e do Movimiento de Izquierda Revolucionário (MIR), com citações a Che Guevara e ao papel revolucionário do campesino em La tierra prometida. A análise fílmica de Actas de Marusia evidenciou a preocupação do diretor com as questões contemporâneas, ao realizar uma interpretação histórica do movimento obreiro chileno. O filme mostra crimes cometidos contra os trabalhadores e, associando passado e presente, apresenta-se como uma denúncia contra os crimes cometidos pela Junta Militar chilena. A obra mostrou a reflexão que o cineasta fez da via pacífica ao socialismo, mostrado de forma alegórica através do conflito de agendas políticas entre Gregório Chasqui, adepto de uma estratégia revolucionária armada, e Domingos Soto, representando a política pacífica do Partido Comunista Chileno, além de mostrar a importância do exílio para a rearticulação das forças políticas para combater as forças armadas no poder político no Chile. Finalmente, verificamos como se deu a recepção da obra fílmica por parte da crítica cinematográfica, com as tensões próprias num momento em que o cinema engajado passava por uma sistemática contestação, além de conferir os significados que Miguel Littín atribuiu à produção. 66

Bibliografia

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Anexo - Sequências e planos de Actas de Marusia

01. Na intimidade do lar, Gregorio fala para Margarita sobre mal presságio mas não o consegue identificar (4 planos). 02. Início dos créditos iniciais; corpo de engenheiro inglês é encontrado morto na praça de Marusia por mulheres de trabalhadores da mina (2 planos). 03. Cabo e sargento recolhem corpo do engenheiro; imagens delineiam o palco onde ocorrerão os conflitos ao longo do filme (15 planos). 04. Administrador Mr. Jones dá ordem a sargento para buscar suposto assassino do engenheiro (1 plano). 05. Rufino Peralta é levado pelos carabineros para prestar contas sobre seu suposto envolvimento na morte do engenheiro sob olhares dos trabalhadores; final dos créditos iniciais (11 planos). 06. Administrador da mina acusa e condena Rufino Peralta que se diz inocente do assassinato (12 planos). 07. Rufino Peralta é assassinato sob acusação de fuga, causando indignação na população carente de Marusia (13 planos). 08. Crianças ditam frase sobre Chile em sala de aula da Luisa (4 planos). 09. Cabo é assassinado à noite na saída do bar (8 planos). 10. Sebastián pede ajuda a Gregorio Chasqui para escapar dos carabineros por ter assassinado cabo, mas o intelectual não o socorre (20 planos). 11. Sebastián é preso em casa pelos carabineros; Gregorio pede a Domingo Soto para que os trabalhadores juntem dinamites (3 planos). 12. Execução de Sebastián que provocou o sargento, antes de morrer (4 planos). 13. Enterros de Sebastián, Rufino Peralta e do cabo; Gregorio fala com Rosa (8 planos). 14. Domingo Soto começa a organizar uma greve na mina; Gregorio discorda (5 planos). 15. Domingo Soto e Gregorio se desentendem sobre a organização da greve, porém esta acontece (16 planos). 16. Administrador dá instruções a subordinado (1 plano). 17. Mulheres dos mineradores organizam resistência contra chegada de militares (9 planos). 18. Chegada dos tenentes Argandoña, Gaínza e Weber a Marusia, recebidos pelo administrador da mina (12 planos). 19. Gregorio é eleito como um dos representantes dos trabalhadores e, andando pelo teatro, lembra-se de seu passado (18 planos). 74

20. Militares liderados pelo tenente Gaínza matam carabineros por engano numa noite (29 planos). 21. Tenente Gaínza convence sargento a não entregá-lo em relatório (7 planos). 22. Tenente Argandoña decreta toque de recolher e ameaça trabalhadores de Marusia (7 planos). 23. Imagens de repressão liderada pelo tenente Weber pelas ruas de Marusia (2 planos). 24. Execução de trabalhadores para alegria do padre, que toca o sino da igreja enlouquecido (4 planos). 25. Novas imagens de repressão a trabalhadores em Marusia (1 plano). 26. Nova execução de trabalhadores (11 planos). 27. Sargento morre esfaqueado por trabalhador (10 planos). 28. Nova repressão, realizada desta vez com mais violência (7 planos). 29. Torturas de trabalhadores pelos militares; Domingo Soto é espancado (1 plano). 30. Explosões de dinamite sob sons das vozes das mulheres do final da sequência 17: “Para encender la dinamita” (5 planos). 31. Nova execução de trabalhadores, sob cacarejos e palmas irônicas das mulheres (18 planos). 32. Críspulo “Medio Juan” comete suicídio matando sete soldados e o tenente Weber com dinamites presos ao corpo (26 planos). 33. Trabalhadores, com dinamites nas cinturas, zombam dos militares (14 planos). 34. Militares se recolhem para lugar à parte de onde estão os trabalhadores (1 plano). 35. Subordinado do administrador diz aos mineradores que o patrão quer entrar num acordo, e é zombados por eles (11 planos). 36. Tenente Argandoña manda fuzilar cinco soldados como meio de intimar a fidelidade dos militares (4 planos). 37. Tenente Argandoña é morto por trabalhador revoltado e os militares fogem de maiores represálias (28 planos). 38. Domingo Soto e torturados na sequência 29 são libertos (1 plano). 39. Vendedores chegam a Marusia para comercializar alimentos e são cercados pelos mineradores (3 planos) 40. Gregorio tenta convencer vendedores a deixarem os alimentos na cidade mas, diante da recusa destes, Rosa toma a frente e lidera a posse da comida (4 planos). 41. Cap. Troncoso e companhia militar vão a Marusia de trem, e passam pelos “sulfatos”, trabalhadores enlouquecidos com as péssimas condições de vida e de trabalho (15 planos). 42. Mineradores começam a organizar resistência, e, sob a relutância de Domingo Soto, Rosa pede a palavra (1 plano).

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43. Rosa e as mulheres pobres de Marusia convencem soldado a passarem por ele sob justificativa de buscar água (15 planos). 44. As mulheres pobres impedem viagem de trem dos militares que seguem viagem a pé após eliminarem maquinista que recusou ordem de Troncoso e, em seguida, assassiná-las (28 planos). 45. Luisa reúne crianças para a escola (5 planos). 46. Em nova assembleia, Domingos Soto e Gregorio Chasqui se desentendem sobre os rumos da resistência aos militares (9 planos). 47. Troncoso mostra plano de ataque a Marusia para empresário inglês, convencendo-o de que seria melhor perder uma mina do que perder todo o norte do Chile que poderia ser tomado pelos trabalhadores (7 planos). 48. Ingleses partem de Marusia, mas professora Luisa opta por permanecer na mina (24 planos). 49. Luisa e Gregorio se recordam do massacre em Iquique (28 planos). 50. Cap. Troncoso lidera o ataque bélico aos trabalhadores de Marusia, que se defendem com armas e dinamites; os militares começam a vencer a batalha (62 planos). 51. Gregorio planeja fuga de Soto e dois mineradores, enquanto ele e Calameño vão ao teatro atrás do estoque de dinamites (9 planos). 52. Enquanto Domingo Soto e dois trabalhadores fogem para fora de Marusia, Gregorio e Calameño são atingidos no caminho ao teatro (14 planos). 53. Cap. Troncoso cerca o teatro com Gregorio e Calameño dentro, e manda tenente Espinoza buscar as crianças da cidade (1 plano). 54. Luisa tenta impedir que as crianças seja levadas pelos militares, mas não logra (3 planos). 55. Luisa discute com Troncoso e ela mesma decide ir ao teatro no lugar das crianças, para buscar Gregorio (3 planos). 56. Luisa tenta convencer Gregorio a se entregar (6 planos). 57. Gregorio sai do teatro e é cercado pelos militares (5 planos). 58. Gregorio é torturado e humilhado pelas altas patentes militares; imagens mostram a repressão aos trabalhadores, a morte de Margarita e a fuga de Soto com os dois mineradores (18 planos). 59. Continuação da humilhação a Gregorio (2 planos). 60. Morte de Gregorio e o caos em Marusia (1 plano). 61. Fuga de Domingo Soto e os companheiros, sob as vozes de Gregorio de apelo à razão (1 plano). 62. Créditos finais sob fundo negro (1 plano).

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Avalição do Orientador: Relatório Iniciação Científica de Alexsandro de Sousa e Silva Título: Cinema e exílio: uma análise de Actas de Marusia de Miguel Littin (1976) Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Rolim Capelato Período: 2010-2011 O bolsista desempenhou, de maneira exemplar, a pesquisa e análise do filme Actas de Marusia, do cineasta chileno Miguel Littin exilado no México durante o período da ditadura militar chilena. O filme se realizou nesse país com apoio estatal. Através da análise dos elementos internos e da forma de narrativa utilizada pelo diretor e da análise externa (exílio, repressão do regime militar, autocrítica das esquerdas) apresentou conclusões que demonstram a seriedade da pesquisa e o amadurecimento do aluno através dessa experiência de trabalho. Além do texto que será apresentado no SICUSP, cabe esclarecer que Alexsandro participou de seminários do projeto temático sobre “Política e cultura nas Américas: circulação de idéias e conformação de identidades (sécs. XIX e XX)” coordenado pela Profa. Maria Ligia Prado; assistiu a seminários, mesas redondas e conferências no de Congresso da ANPHU e participou do grupo de estudos criado pelos professores Eduardo Morettin (ECA) e Marcos Napolitano (História-FFLCH) que se reúne periodicamente; neste mês de agosto, assistiu a um curso de uma semana ministrado pela Profa. Anais Fléchet, da École des Hautes Etudes de l´Amérique Latine, na ECA. Todas essas atividades demonstram o interesse e dedicação do aluno à pesquisa histórica, à leitura de textos sobre o assunto e mostram seu interesse pelas discussões de natureza teórico-metodológica relacionadas ao tema escolhido para a análise que envolve a relação complexa entre cinema e história. Manifesto minha grande satisfação com os resultados aqui apresentado. Cabe finalmente informar que o trabalho terá continuidade no Mestrado e o aluno já realizou e foi aprovado nas duas primeiras provas da seleção para Mestrado na área de História Social sob minha orientação.

São Paulo, 19 de agosto de 2011.

Assinatura do Bolsista: _____________________________________

Assinatura do Orientador:___________________________________

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