Cinema e Memória: O Super-8 na Paraíba nos anos 1970 e 1980 I Fernando Trevas - Lara Santos de Amorim I 2013

September 27, 2017 | Autor: Pedro Nunes | Categoria: Digitalização, Super 8, Cinema e Memória, Cinema Paraibano
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Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Reitora MARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ Vice-Reitor EDUARDO RAMALHO RABENHORST Diretor do CCTA JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES Vice-Diretor do CCTA ELI-ERI MOURA

EDITORA DA UFPB Diretora IZABEL FRANÇA DE LIMA Vice-Diretor JOSÉ LUIZ DA SILVA Supervisão de Editoração ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JÚNIOR Supervisão de Produção JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO

CONSELHO EDITORIAL DA UNIVERSIDADE DA UFPB Maria de Fátima Agra (Ciências da Saúde) Jan Edson Rodrigues Leite (Linguística, Letras e Artes) Maria Regina V. Barbosa (Ciências Biológicas) Valdiney Veloso Gouveia (Ciências Humanas) José Humberto Vilar da Silva (Ciências Agrárias) Gustavo Henrique de Araújo Freire (Ciências Sociais e Aplicadas) João Marcos Bezerra do Ó (Ciências Exatas e da Terra) Celso Augusto G. Santos (Ciências Agrárias) Ricardo de Sousa Rosa (Interdisciplinar)

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Lara Santos de Amorim e Fernando Trevas Falcone organizadores

CINEMA E MEMÓRIA O SUPER-8 NA PARAÍBA NOS ANOS 1970 E 1980

Editora da UFPB João Pessoa 2013

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CE

EXPEDIENTE Coordenadores

Colaborador

Lara Santos de Amorim e Fernando Trevas Falcone

Águia Mendes

Gerente do Projeto

Projeto gráfico e diagramação

Paulo Henrique R. Sousa

João Faissal / Imaginária

Assistente Técnico

Revisão

Chico Salles

Danielle Vieira

Telecinagem

FOTOS

Roberto Buzzini (RB MovieHouse)

Imagens retiradas a partir do acervo fílmico

C574

Cinema e memória: o super-8 na Paraíba nos anos 1970 e 1980 / Lara Amorim e Fernando Trevas Falcone, organizadores. - João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. 164p. Il. ISBN: 1. Cinema - memória. 2. Imagem em super-8 - produção Paraíba. 3. Tecnologia e estética. 4. Temática social. I. Amorim, Lara. II. Falcone, Fernando Trevas. CDU: 791.43

Todos os direitos e responsabilidades dos autores.

EDITORA DA UFPB Caixa Postal 5081 Cidade Universitária - João Pessoa – Paraíba – Brasil - CEP: 58.051 – 970 www.editora.ufpb.br Impresso no Brasil Printed in Brazil

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ÍNDICE ÍNDI PÁGINA 6

PÁGINA 102

APRESENTAçÃO

A contribuição francesa do Cinema Direto

PÁGINA 10 Cinema e as condições de produção da imagem em Super-8 na Paraíba: aproximações possíveis entre acervo imagético e memória Lara Amorim

PÁGINA 34 A experimentação cinematográfica superoitista no Brasil: espontaneidade e ironia como resistência à modernização conservadora em tempos de ditadura Rubens Machado Jr.

PÁGINA 56 Terceiro ciclo de cinema na Paraíba: tradição e rupturas Pedro Nunes

João de Lima Gomes

PÁGINA 116 Cinema engajado: a temática social como marco da produção paraibana dos anos 1960, 70 e 80 Fernando Trevas Falcone

PÁGINA 134 Jomard Muniz de Britto – um livre pensador a serviço do cinema e da cultura Entrevista com Jomard Muniz

PÁGINA 150 Preservando o “cinema puro” Entrevista com Roberto Buzzini

PÁGINA 156 FILMOGRAFIA

PÁGINA 86 Tecnologia e estética: o Super-8 funda a estilística do direto no cinema paraibano nos anos 1980 Bertrand Lira 5

esentação POR Lara Amorim e Fernando Trevas Falcone

Em 2010, em parceria com a Balafon Produtora, o Laboratório de Antropologia Visual – Arandu e o Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC, ambos da UFPB, produziram em João Pessoa a Mostra Jean Rouch, uma retrospectiva da obra do antropólogo cineasta que passou por várias capitais brasileiras entre 2009 e 2010. A “volta de Rouch à Paraíba”, com 37 filmes, entre eles filmes inéditos e desconhecidos de muitos pesquisadores da área de cinema e antropologia, movimentou a relação de muitos de nós, professores da UFPB, com o cinema paraibano. Afinal, em 1979, uma cooperação entre Rouch e a Universidade Federal da Paraíba plantou no meio acadêmico e cultural da cidade uma maneira de registrar imagens em audiovisual que, ao mesmo tempo em que lançou frutos como os que veremos no acervo digitalizado, provocou também polêmicas entre realizadores quanto ao estilo do Cinema Direto e ao uso do Super-8. Em meio a esta percepção, alguns professores do curso de antropologia e de cinema da UFPB resolveram pesquisar e recuperar um pouco desta memória que envolveu aquele momento efervescente de produção audiovisual na Paraíba. A ideia foi “tornar público” (no sentido de dar ao público o direito de ter acesso) filmes e registros que foram feitos no final da década de 1970 e ao longo de 1980 e que estavam depositados no acervo do NUDOC, na UFPB, além de arquivos particulares. Assim nasceu este projeto que se propôs a catalogar e digitalizar em torno de 100 filmes e registros (filmes sem nenhum tipo de edição) – nem todos chegaram a ser digitalizados devido ao estado físico do filme – em película, que, a partir de agora, estarão disponíveis em um website para serem assistidos e visualizados por qualquer interessado, sejam especialistas ou leigos. 6

apresen Resultado do patrocínio do Programa Petrobras Cultural, Cinema Paraibano: Memória e Preservação traz para a discussão teórica e para a apreciação do público filmes realizados na Paraíba nas décadas de 1970 e 1980. A filmografia pesquisada, com 92 títulos, é em sua maioria constituída de produções na bitola Super-8, que estavam distantes dos circuitos exibidores, mesmo os mais alternativos. O mesmo acontecia com os poucos títulos produzidos em 16 mm. Em alguns desses filmes não identificamos ano, produção, direção ou título. Considerando que se trata de acervo, optamos por catalogar e mesmo exibir estes filmes sem que esta informação pudesse ser confirmada, pois a ideia é recuperar a memória do filme, de sua realização e a questão autoral, neste caso se tornaria uma informação que se perdeu no processo. Tais lacunas poderão ser preenchidas com a circulação dessa publicação ou com a visita ao nosso website, através de informações fornecidas por pessoas ligadas às produções com ficha técnica incompleta. Quase todos os filmes Super-8 aqui destacados não possuíam cópias, sendo, portanto, matrizes únicas. A sua projeção convencional, no caso de algum dano, poderia comprometer a integridade autoral dos filmes. Dessa forma, fazia-se necessário transpor os filmes para o formato digital, possibilitando a sua exibição e preservando as matrizes. A parceria com o fotógrafo Roberto Buzzini foi fundamental para a materialização de um dos objetivos do Cinema Paraibano: Memória e Preservação. Buzzini foi o responsável pela telecinagem dos filmes coletados ao longo da pesquisa empreendida entre os anos de 2012 e 2013 no acervo do NUDOC e em arquivos particulares. Aliando apuro técnico e sensibilidade artística, a telecinagem permitiu 7

resgatar uma parte significativa do cinema paraibano relegada ao esquecimento, uma vez que estava fora de circulação há pelo menos 25 anos. Em entrevista, ele deixa nesta publicação seu depoimento sobre a relação que estabeleceu com a película e com o nosso projeto. Indo além dos limites da filmografia aqui levantada e detalhada em sinopses e fichas técnicas no final do livro, os autores dos textos desta publicação trazem argutas reflexões sobre a produção cinematográfica paraibana e brasileira no formato alternativo do Super-8. Abrindo o debate, a antropóloga Lara Amorim apresenta o Projeto Cinema Paraibano: Memória e Preservação, refletindo sobre a pesquisa que embasa os diferentes momentos que vão da catalogação do acervo de filmes depositados no NUDOC, telecinagem, realização da mostra de filmes em João Pessoa e editoração deste livro à publicação final do conteúdo em um website. Neste sentido, relaciona os ciclos de produção do documentário paraibano com questões que envolvem a memória e a patrimonialização de acervos imagéticos. Enfatiza, sob uma perspectiva antropológica, a relação entre a produção audiovisual e questões de identidade e a possibilidade de se pensar o produto audiovisual como um “bem patrimonial” e um “dispositivo de memória coletiva”. O texto inédito de Rubens Machado revela, em tom intimista, o desenvolvimento de um circuito de filmes e festivais no Brasil, em plena ditadura militar. Machado ressalta o caráter provocativo e renovador da produção superoitista e seu diálogo com as artes visuais, com a indústria cultural veiculada pela televisão e sua relação com a revolução comportamental deflagrada na década de 1960. Integrante de uma geração de realizadores paraibanos surgida no final da década de 1970, Pedro Nunes ressalta o tema da sexualidade e da subversão da linguagem documental mais convencional em filmes do início da década de 1980. É dele também a entrevista inédita aqui publicada, com o cineasta e agitador cultural pernambucano Jomard Muniz de Britto, autor de uma vasta filmografia em Super-8, tendo atuado também na Paraíba como professor e realizador. Bertrand Lira aponta a estruturação, na Paraíba, de um núcleo de produção fílmica baseado nos conceitos do Cinema Direto. Fruto de convênio entre a Universidade Federal da Paraíba e a francesa Associação Varan, esse núcleo possibilitou o desenvolvimento de uma geração de realizadores, em sua maioria ainda em atividade, caso do próprio Bertrand, autor de documentários e mais recentemente, de filme ficcional. Em seu texto, João de Lima Gomes, também cineasta da geração surgida em fins da década de 1970, detalha os caminhos percorridos entre franceses e paraibanos para a implementação de Atelier de Cinema Direto na Paraíba, que resultou na criação do NUDOC. A dupla condição de realizador e pesquisador não o impediu o trio de exercer a observação crítica de quem conhece profundamente os filmes e o período em estudo. Fechando a reflexão que esta publicação propõe, Fernando Trevas Falcone des8

taca a importância da temática social na produção paraibana, desde a eclosão do ciclo de cinema documentário na Paraíba com o clássico Aruanda, passando pelos filmes realizados nas bitolas Super-8 e 16 mm nas décadas de 1970 e 1980, enfatizando questões ligadas à miséria urbana, lutas camponesas, trabalho, política cultural e meio ambiente. Foi, portanto, fundamental para o nossa empreitada a estreita colaboração dos autores desta antologia, outra proposta do Cinema Paraibano: Memória e Preservação. Todos eles, desde o início, mostraram-se receptivos ao projeto, colaborando não apenas com a cessão de seus textos, mas também com sugestões e incentivos. A todos, nosso agradecimento. Devemos fazer também menção à inestimável cooperação do professor João de Lima Gomes, coordenador do NUDOC. Além de facilitar nosso acesso aos arquivos da instituição, ajudou-nos ao longo de várias etapas da pesquisa, revelando-se parceiro desde a concepção inicial do projeto. Alex Santos, Ana Glória Madruga, Elisa Cabral, Henrique Magalhães, Jomard Muniz de Britto e Pedro Nunes generosamente emprestaram filmes de seus acervos para o projeto. A eles, nossa gratidão. O produtor executivo deste projeto, Paulo Henrique R. Sousa, atuando em sintonia com as diretrizes do mesmo, possibilitou-nos uma relação produtiva com a Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão da UFPB – FUNAPE, nosso braço burocrático e proponente do projeto junto ao Ministério da Cultura e à Petrobras, fundamental para a viabilidade da pesquisa. No trabalho de garimpagem dos filmes selecionados para a telecinagem e no processo de catalogação dos filmes contamos com o suporte eficiente e atento de Chico Sales. Cineasta e pesquisador, Sales revelou entusiasmo constante na tarefa nem sempre fácil de projetar, minutar e observar detalhes de mais de uma centena de fitas, muitas delas sem título ou qualquer outra referência. Além disso, foi o responsável pela inserção das cartelas de apresentação dos filmes em suas versões digitalizadas. O esforço em buscar detalhes desses títulos pode ser observado na filmografia que ora publicamos, restrita, como dissemos, às fitas digitalizadas pelo projeto, não sendo um levantamento definitivo, mas efetivamente parcial da produção paraibana dos anos 1970 e 1980. Nela estão ausentes nomes importantes do cinema da Paraíba, como Vladimir Carvalho, Machado Bittencourt, Manfredo Caldas, entre outros, que pelas mais diversas razões não foram objeto da pesquisa empreendida. Mais que uma tentativa de mapear a produção paraibana como um todo, nosso projeto é um recorte temático que, pelas condições práticas permitidas ao longo do projeto – de apenas 18 meses de trabalho efetivo –, permitiu-nos chegar a essa filmografia, que deixamos à disposição de pesquisadores dispostos a percorrer novos caminhos a partir dos filmes digitalizados. Além do material impresso, o projeto disponibiliza ao público, através do website www.cinepbmemoria.com.br, os textos aqui apresentados, e uma seleção de filmes que poderão ser vistos em sua integralidade. 9

Cinema e as condições de produção da imagem em Super-8 na Paraíba: aproximações possíveis entre acervo imagético e memória POR Lara Amorim

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Lara Amorim é Dra. em Antropologia pela UnB e professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/UFPB) e do Curso de Antropologia da UFPB/Litoral Norte.

Festa de Oxum Everaldo Vasconcelos, 1982.

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Introdução

1 Os dois autores do projeto são Lara Amorim e Fernando Trevas. Ambos são professores do curso de graduação em Antropologia da UFPB/Litoral Norte, o qual possui uma habilitação em Antropologia Visual. Lara Amorim é doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília e Fernando Trevas estudou jornalismo na UFPB na segunda metade dos anos 1980 e, em 1995, concluiu mestrado na ECA/USP com a dissertação “A Critica Paraibana e o Cinema Brasileiro - Anos 50 e 60”.

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Em 1960 Aruanda, de Linduarte Noronha, colocou a Paraíba no mapa do cinema brasileiro. Depois dele seguiram-se outros documentários, que formaram o chamado Ciclo do Cinema Paraibano. Nas duas décadas seguintes, iniciativas isoladas e o trabalho articulado de realizadores e da Universidade Federal da Paraíba resultaram na formação de acervo de filmes nas bitolas Super-8 e 16 mm, acervo reunido atualmente no Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC/UFPB. Em 2010, entendendo que este material encontrava-se isolado do seu público natural, isto é, dos paraibanos e de todos os interessados no cinema brasileiro, dois integrantes do Laboratório de Antropologia Visual – Arandu/UFPB/Litoral Norte elaboraram um projeto que se propôs a empreender pesquisa e catalogação do conteúdo deste acervo, para em seguida digitalizar, através de processo de telecinagem, os filmes selecionados1. O Projeto concorreu ao Programa Petrobrás Cultural em 2010 e recebeu um prêmio de R$ 309.282,65 na rubrica PRESERVAÇÃO E MEMÓRIA – Memória das Artes. Com o objetivo de divulgar o acervo referido para um público ampliado, o projeto denominado Cinema Paraibano: Memória e Preservação está sendo realizado em quatro etapas, produzindo a partir disso, quatro produtos. A primeira etapa consistiu na pesquisa e catalogação do acervo depositado no NUDOC e na telecinagem de, no mínimo, 20 horas de filmes em Super-8 e 16 mm. A segunda etapa propôs a elaboração de uma publicação cujo conteúdo reuniria textos analíticos de especialistas no tema e informações detalhadas sobre os filmes pesquisados durante a primeira etapa, com sinopses e fichas técnicas de cada um deles. A realização da mostra (a terceira etapa) prevê ainda a realização de uma mesa redonda com reflexões sobre o cinema brasileiro e sobre os filmes que compõem o acervo em Super-8 e 16 mm. Na quarta etapa, será publicado o website com o conteúdo resultante da pesquisa realizada pelo projeto: filmes digitalizados, textos analíticos, fotos do evento e outras ferramentas para a ampla difusão do acervo. Desde o início do projeto, um blog tem feito a divulgação do andamento das etapas da pesquisa. Uma vez concluída a pesquisa, todo o acervo de filmes digitalizados será publicado no site. Este material ficará no ar durante dois anos após a finalização do projeto. O projeto, que terá a duração de dois anos, se justifica por entender que com os filmes restaurados e disponíveis para difusão, e com o apoio do material de reflexão, parte significativa da produção audiovisual da Paraíba poderá ser ponto de partida para trabalhos de pesquisadores e realizadores do audiovisual e de outras áreas do conhecimento, tendo em vista a diversidade temática dos filmes. Outro resultado importante desta pesquisa será a difusão do acervo pesquisado para novas gerações e também para outras regiões do país e do exterior, graças à divulgação do material através de um website. É neste sentido que se pretende propor, no âmbito desta reflexão, que um acervo audiovisual também pode ser considerado um patrimônio cultural, uma vez que, ao ser pensado como um conjunto de imagens

produzidas por um determinado grupo social em um dado momento histórico, adquire a característica de um acervo dotado de memória e visibilidade, capaz de revitalizar valores e práticas culturais que correm o risco de serem esquecidas, ou mesmo permanecerem desconhecidas por determinados segmentos sociais. O acervo do NUDOC digitalizado refere-se a filmes em formato Super-8 e 16 mm que foram produzidos na Paraíba entre as décadas de 1970 e 1980 em um momento de efervescência cultural local, ligado, em sua maioria, à dinâmica da Universidade Federal da Paraíba e ao Convênio do Atelier Varan com a UFPB. Ao se propor uma reflexão sobre esta produção, propõe-se também oferecer visibilidade a um momento da produção audiovisual da Paraíba pouco conhecido da população local e das novas gerações, uma vez que a circulação deste material ficou restrita aos círculos do que se convencionou chamar de Cinema Direto e Cinema Marginal. A possibilidade de refletir e discutir sobre o que foi registrado em película naquela época, faz com que surja uma memória sobre a produção audiovisual na Paraíba e, neste sentido, acrescenta ao repertório brasileiro de produção audiovisual mais um conceito de cinema e de produção audiovisual regional, local, praticamente desconhecido no restante do país. O projeto conta com a parceria local de instituições que possuem grande potencial de difusão e divulgação de uma mostra e do material impresso produzido no âmbito da cidade de João Pessoa e do Litoral Norte da Paraíba. O NUDOC, o Laboratório de Antropologia Visual – Arandu, ambos da UFPB e a Fundação Espaço Cultural (Funesc) – compartilharão o material resultante da pesquisa e da digitalização dos filmes, ampliando o acesso dos estudantes e do público local à mostra e à publicação impressa. Com o intuito de discutir alguns dos objetivos da pesquisa que deram origem ao projeto Cinema Paraibano: Memória e Preservação, pretendo, ainda que de forma preliminar, sistematizar neste artigo algumas das questões teóricas – éticas, estéticas e antropológicas – que norteiam a pesquisa do acervo de audiovisual produzido na Paraíba entre os anos 1970 e 1980.

Produção audiovisual na Paraíba A produção de filmes em Super-8 e 16 mm na Paraíba, movimento posterior ao Ciclo Paraibano de Cinema, liderado pelos documentaristas Linduarte Noronha e Vladimir Carvalho, resultou em acervo depositado no Núcleo de Documentação Cinematográfica - NUDOC da UFPB. Afirmar que o filme Aruanda, do cineasta Linduarte Noronha, colocou a Paraíba no mapa do cinema brasileiro, é reconhecer a relevância de uma produção audiovisual realizada no nordeste no início da década de 1960, que foi precursora do Cinema Direto2, mas não é suficiente para se fazer justiça à importância do que aconteceu, em seguida, na Paraíba, depois que o filme de Linduarte foi exibido no circuito centro-sul, como um exemplo de que os paraibanos sabiam fazer cinema

2 O conceito de Cinema Direto denomina, a princípio, uma nova técnica de registro da realidade pré-fílmica. Este termo – que substitui o vocábulo ambíguo cinema verdade, no início dos anos 1960 – se aplica, além de uma simples técnica, a toda uma corrente que revolucionou os métodos de realização antes completamente estandardizada sobre o modelo industrial exclusivo. A esta técnica responde uma estética fundada numa volta à função primordial da palavra e no “contato direto e autêntico” com a realidade vivida. (LIRA, 1986, p. 8).

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3 Refiro-me à expressão utilizada por Fernão Ramos em “O horror, o horror! Representação do popular no documentário brasileiro contemporâneo” em Mas Afinal... o que é mesmo documentário? (2008).

4 Citado por MARINHO, José. Dos homens e das pedras: o ciclo do documentário paraibano [19591979]. Niterói: EdUFF, 1998, p.165-167.

sobre o “outro popular”3 de uma maneira inovadora. Quando o projeto descrito acima foi elaborado, a ideia era se debruçar sobre um acervo capaz de representar uma identidade audiovisual regional específica, considerando que a Paraíba tem uma história singular no que se refere à produção audiovisual brasileira. Além do notório sucesso de Aruanda, discutido em todas as publicações sobre Cinema Novo no Brasil e destacado inclusive por Glauber Rocha em artigo publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil em 19604, a Paraíba foi palco também de uma experiência bastante marcante (eu diria, inclusive, do ponto de vista antropológico): o convênio realizado entre a Associação Varan de Paris, do cineasta Jean Rouch, com a UFPB, que culminou na criação do Atelier de Cinema Direto do NUDOC. A partir de uma perspectiva antropológica, portanto, a pesquisa pretende reconstituir a memória da produção audiovisual no estado da Paraíba entre 1970 e 1980, reconhecendo em sua produção estética uma pluralidade de tendências e contradições, as quais podem vir a revelar possíveis representações de identidade de um cinema paraibano, ao mesmo tempo regional e brasileiro. Para isso foi necessário recorrer a publicações recentes sobre o tema, das quais destaco o livro de Fernão Pessoa Ramos (2008), Mas Afinal... o que é mesmo documentário?, Documentário Nordestino: mapeamento, história e análise, de Karla Holanda (2008) e o Relatório Final do documentário Renovatório, de Francisco Sales de Lima Segundo (2007), trabalho realizado para a obtenção do título de Bacharel no curso de Comunicação Social da UFPB. Outras referências, citadas também nas obras acima, foram fundamentais para a compreensão do cenário sobre o qual nos debruçamos: Dos Homens e das Pedras: o ciclo do documentário paraibano [1959-1979] de José Marinho (1998), Produção cinematográfica superoitista em João Pessoa e a influência do contexto social/econômico/político e cultural em sua temática, de Bertrand Lira (1986) e Cinema paraibano. Um núcleo em vias de renovação e retomada, Dissertação de Mestrado de João de Lima Gomes, UFPB (1991).

Os Ciclos do documentário paraibano O pioneiro Ao descrever as primeiras produções da história do cinema paraibano, Bertrand Lira lembra que foi por volta de 1918 que surgiram as primeiras realizações cinematográficas na Paraíba, com o fotógrafo oficial do governo, Pedro Tavares, registrando os acontecimentos mais importantes da cidade. Nessa mesma época, Walfredo Rodrigues – que também incursionara pelo teatro, fotografia, literatura, arquitetura e urbanismo – se dedicava ao cinema, montando um laboratório onde revelava e copiava seus inúmeros filmes sobre coisas típicas, especialmente trabalhos ligados à agricultura. Sua produção era essencialmente documental e jornalística (LIRA, 1986, p. 2). O cinegrafista realizou, entre 1917 e 1931, nove edições de um Cine-Jor14

nal que chamou de “Filme Jornal do Brasil”, e que eram apresentados na sua própria sala de exibição. Mas foi em 1928 que Walfredo Rodrigues inaugurou o primeiro ciclo do documentário na Paraíba com o primeiro longa-metragem realizado no estado: Sob o Céu Nordestino, com 80 minutos. O filme demorou quatro anos para ser finalizado e foi produzido pela Nordeste Filmes, empresa criada por ele em João Pessoa. O documentário foi constituído de oito partes sendo a primeira uma ficção sobre a presença indígena na Paraíba. Segundo Holanda (2008) o filme descrevia desde os primeiros habitantes indígenas da região, a fauna, a flora, até documentar o comércio e a indústria do estado. Registrou também a pesca da baleia no litoral e uma descrição da cidade de João Pessoa, com seus monumentos, praças e jardins. Seu último filme Reminiscência de 30, realizado em 1931, registrava os discursos, as viagens pelo interior e o enterro de João Pessoa. Segundo Marinho (1998, p. 42-43), a trajetória cinematográfica de Walfredo Rodrigues ficou obscura nas primeiras décadas do século, sendo recuperada somente após o lançamento de Aruanda, em 1960. Depois do pioneirismo de Walfredo, não houve mais quem produzisse filmes na Paraíba nas décadas seguintes, exceto esparsas produções feitas por equipes vindas do vizinho estado de Pernambuco.

Cineclubismo e o efeito Aruanda Em Renovatório, Francisco Sales relata que ainda na década de 1920, em alguns países da Europa e também no Brasil, nasce o cineclubismo, entendido como um novo conceito de se pensar e fazer cinema. A atividade questionava os modelos que se instauraram na estética, na economia, e na relação do espectador com a obra cinematográfica, transformada em mero produto comercial e em veículo de alienação e dominação. Segundo ele, com os cineclubes, inicia-se um processo em que criação, produção, distribuição e consumo não se configuram como coisas separadas, mas como um processo no qual se torna possível ver e entender de forma completa o cinema (LIMA SEGUNDO, 2007, p. 12). Segundo Sales o cineclubismo se constituiu em uma subversão do cinema comercial, que se limitava a produzir e exibir, sem, em nenhum momento, relacionar esses processos. E continua: “diante disso, com a encíclica papal Vigilanti Cura, a Igreja Católica passa a estimular a criação de cineclubes nas paróquias, nas associações católicas e nas respectivas dioceses, provocando uma expansão de um movimento cineclubista com esta orientação religiosa, no início da década de 50” (Ibid., p. 12). Desta forma, a encíclica promoveu um movimento cultural que formou cineclubes em diversas cidades brasileiras, com desdobramentos que refletem na história do cinema nacional. Em João Pessoa, um grupo de jovens sob a liderança de José Rafael de Menezes e dos padres Antônio Fragoso e Luís Fernandes, criaram o Cineclube de João Pessoa, em 1952, tornando-se o polo animador de discussões cinematográficas 15

na Paraíba. Segundo o relato de Holanda (2008), entre estes jovens na casa dos 20 anos estão Linduarte Noronha, Vladmir Carvalho, João Ramiro Melo, Wills Leal, Wilton Veloso e Geraldo Carvalho. Deste movimento, surgiu, em maio de 1955, a Associação dos Críticos Cinematográficos da Paraíba (ACCP), que, de certa forma, representou uma dissidência dentro do movimento cineclubista local, pois este era indiferente à orientação católica do Cineclube de João Pessoa. Segundo o relato de Francisco Sales, A ACCP acompanhava passo a passo os debates e comparecia, através de seus membros, nas colunas diárias e nos suplementos dominicais com comentários críticos e ensaios sobre os filmes vistos no cineclube e no circuito comercial. E, só em 1964, a ACCP se estende para o interior do Estado e cria a seção Campina Grande, tendo em seu quadro os irmãos Rômulo e Romero Azevedo, Luiz Custódio, José Umbelino e Bráulio Tavares, grupo esse que, em seguida, passa a liderar as atividades cinematográficas naquela cidade, juntamente com Machado Bittencourt, este último também realizador, desde os primeiros momentos (LIMA SEGUNDO, 2007, p. 13).

5 Ver filmes e cineastas que fizeram parte do grupo de Campina Grande em HOLANDA, Karla. Documentário Nordestino: Mapeamento, história e análise, 2008, p. 138.

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No início da década de 1950 foi criado o Serviço de Cinema Educativo, dirigido pelo fotógrafo e cinegrafista João Córdula, responsável pela formação de novos pontos de exibição, destacando-se aí o Cineclube do Liceu Paraibano. Córdula conviveu com Humberto Mauro e Roquete Pinto, no Rio de Janeiro, no início de 1950, quando estagiou no Instituto Nacional de Cinema Educativo – INCE. O trabalho de Córdula era manter um acervo em sua maioria proveniente do antigo Instituto Nacional de Cinema e promover a exibição em colégios e centros operários, enquanto também dava apoio ao movimento cineclubista, cedendo cópias de filmes, projetores e outros equipamentos (MARINHO, 1998, p. 30-47). A efervescente movimentação dos cineclubes em João Pessoa e Campina Grande5 foi fundamental na formação de quadros para a produção que viria na década seguinte. De tanto se discutir e falar sobre cinema, surgiu, naturalmente, a necessidade de também realizar filmes, e neste sentido, a Universidade Federal da Paraíba, fundada em 1955, pelo então governador José Américo de Almeida, foi importantíssima tanto aglutinando discussões sobre possíveis produções, como dando subsídios para que elas se realizassem. Segundo os pesquisadores, todo este contexto faz parte do embrião que desaguou no Cinema Novo. Linduarte Noronha, que também participou do movimento cineclubista, era estudante de Direito, repórter do Jornal A União e crítico de cinema no Jornal O Estado da Paraíba. O autor de Aruanda participou de várias discussões sobre o cinema de John Grierson, Robert Flaherty, entre outros, e acreditava que filmar na Paraíba não era um sonho impossível. Em depoimento a José Marinho, ele afirma:

Eu ficava revoltado quando começava a ler, começava a ter conhecimento do grupo inglês de documentário de Grierson, de Cavalcanti, o National Film Board, etc., os grandes trabalhos dos pioneiros do cinema e a gente perguntava: “E por que é que a gente não faz aquilo também?”. Era um pessoal que começou sem nada, começou sem equipamento, começou até “sem invenção”, incipiente num equipamento sem origem, nomes como Murnau, como Flaherty. Não tinham absolutamente nada (apud MARINHO, 1998, p. 63).

Com o roteiro em mãos, Linduarte segue para o Rio de Janeiro onde consegue angariar o apoio de Humberto Mauro, então diretor do Instituto Nacional de Cinema Educativo, para usar o equipamento da instituição. Com a câmera em mãos, Linduarte segue para o Instituto Joaquim Nabuco, em Recife, no intuito de conseguir o dinheiro necessário para a produção, e lá consegue a verba. Já o negativo foi fornecido pelo industrial paraibano Odilon Ribeiro Coutinho, que se compadeceu da situação, e também foi uma figura muito importante na finalização de Aruanda. E, com o Governo do Estado, ele conseguiu transporte, hospedagem e alimentação (LIMA SEGUNDO, 2007). Assim, Linduarte Noronha, o fotógrafo do filme Rucker Vieira6, os roteiristas João Ramiro Mello e Vladimir Carvalho partem para filmar o que se tornaria um dos marcos do movimento do Cinema Novo brasileiro, juntamente com Rio 40 graus (1955) e Rio Zona Norte (1957), ambos de Nelson Pereira dos Santos, e O grande momento (1959), de Roberto Santos. Mas “Aruanda”, é bom que se diga, deflagrou o movimento nacional [o Cinema Novo], por força de uma proposta eminentemente social e nordestina por excelência, fazendo com que chegasse ao Sul a nossa mais crucial questão existencial, a seca no Nordeste; suas consequências econômicas oriundas de feitos socialmente rudimentares, como os de Zé Bento do Talhado, enfim, toda a problemática que ainda hoje submete e massacra o nosso povo. Tudo é representado no filme de Linduarte – protótipo de uma geração ávida de denúncias. (SANTOS apud LIMA SEGUNDO, 2007, p. 15).

Aruanda conta a história de Zé Bento, que junto com mulher e filhos, sai em busca da terra onde viver, chegando finalmente a Serra do Talhado, onde fundaria um quilombo. A narrativa reconstitui a saga de Zé Bento deixando sua terra até o momento da constituição do sistema de produção criado por ele e sua família na Serra do Talhado, onde começaram a plantar algodão. Neste sistema cabe à mulher a produção da cerâmica e utensílios domésticos de barro, os quais serão vendidos na feira da cidade mais próxima, Santa Luzia. Mas a força das imagens do filme está no fato de que este registra a problemática do escravo negro, após a libertação dos engenhos e fazendas do Nordeste, onde a família de Zé Bento representa uma das tantas que foram abandonadas à própria sorte. Para Francisco Sales,

6 Rucker Vieira é pernambucano e trabalhou como fotógrafo no Instituto Tecnológico da Aeronáutica - ITA, em São José dos Campos, SP, em 1950. Realizou curso de fotografia para cinema nos estúdios da Kino Filmes, patrocinado por Assis Chateaubriand. Conheceu Linduarte Noronha quando trabalharam juntos na Rádio Tabajara, Paraíba (HOLANDA, 2008).

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7 Entre outros, destacam-se os seguintes documentários que compõem este Ciclo: O Cajueiro Nordestino, de Linduarte Noronha (1962); Romeiros da Guia, de Vladmir Carvalho e João Ramiro Mello (1962), A Cabra na região semi-árida, de Rucker Vieira (1968); Os homens do caranguejo (1969) e A poética popular (1970) de Ipojuca Pontes, A bolandeira (1967) e Sertão do Rio Peixe (1968), de Vladimir Carvalho.

O gênero, definitivamente, faz escola e, a partir daí, surgem vários documentários na mesma linha de Aruanda, com temáticas das mais diversas, como: Cajueiro nordestino (1962), do próprio Linduarte Noronha; Romeiros da Guia (1962), de Vladimir Carvalho e João Ramiro Mello; Os homens de caranguejo (1968), de Ipojuca Pontes; A bolandeira (1967), de Vladimir Carvalho, entre tantos outros (LIMA SEGUNDO, 2007, p. 15).

Outros filmes tiveram destaque neste ciclo cinematográfico. Foi o caso de O país de São Saruê (1971), de Vladimir Carvalho, que embarca na realidade do povo do sertão do extremo oeste da Paraíba, retratando-o de maneira simples, no seu trabalho diário e na luta pelo sustento. Carvalho retrata seus personagens como homens e mulheres corajosos que apesar das precárias condições de vida, enfrentam as dificuldades impostas com coragem. “É um filme-denúncia, um tratado, um registro histórico, que valoriza o esforço daqueles que eram (e ainda são) prejudicados pela miséria” (Ibid., p. 16). Vladimir Carvalho, considerado o maior expoente dos cineastas paraibanos, focou inicialmente o seu interesse no homem nordestino. Em 1969 mudou-se para Brasília, onde, até hoje, exerce a carreira acadêmica de professor da UnB. Mesmo tendo realizado os filmes Incelência para um trem de ferro (1972) e A pedra da riqueza (1975) em seu estado natal, quando já morava em Brasília – fazendo parte ainda do ciclo do documentário paraibano, depois de alguns anos na capital federal, acabou voltando-se para o Centro-Oeste em seus filmes, tratando os mesmos problemas da terra em regiões desconhecidas. Constam em seu currículo 22 filmes, dos quais seis são de longa-metragem e outros seis fazem parte do Ciclo do Documentário Paraibano (HOLANDA, 2008). Ainda segundo Karla Holanda, com Aruanda inicia-se o Ciclo do Documentário Paraibano que se encerra com o Homem de Areia (1979), de Vladimir Carvalho7.

Atelier Varan e Jean Rouch na Paraíba Em 1980 a Universidade Federal da Paraíba criou o NUDOC (Núcleo de Documentação Cinematográfica), que durante três anos realizou um trabalho que consistia em desenvolver uma política de produção de documentários e cursos de formação de mão de obra (MARINHO, 1998). De acordo com a Enciclopédia do Cinema Brasileiro, o NUDOC surgiu graças a um convênio estabelecido entre a UFPB e o Centro de Formação em Cinema Direto de Paris (Associação Varan). Karla Holanda reproduz o seguinte texto da Enciclopédia: O convênio previa a implantação de um ateliê de Cinema Direto em João Pessoa e o estágio dos alunos locais na capital francesa [...]. O projeto, que tinha à sua frente o diretor do Comitê de Filme Etnográfico da França, Jean Rouch, consistia na aquisição de um sistema completo de produção em bitola Super-8. A proposta acabou por divi18

dir os cineastas locais, que acreditavam que as metas estabelecidas por Rouch divergiam das propostas traçadas pela geração documentarista dos anos 60. Eles viam no NUDOC a possibilidade da retomada da produção em bitolas mais profissionais (SOUZA apud HOLANDA, 2008, p. 140).

No entanto, os pesquisadores observam que o acordo firmado entre a Universidade e a Associação Varan era que esta última iniciaria suas atividades em Super-8, já que, para os franceses, esta bitola seria ideal nos países onde não havia uma infraestrutura desenvolvida de audiovisual, mas que posteriormente passariam a oferecer uma estrutura de 16 mm à UFPB. Esta parte do convênio foi cumprida apenas parcialmente, provavelmente em função dos custos de se montar uma estrutura completa de 16 mm. Bertrand Lira descreve como foi realizado o primeiro treinamento oferecido pelo Atelier Varan aos alunos da UFPB, em 1982: Este primeiro treinamento teve aproximadamente quatro meses de duração e consistia em uma introdução teórica, quando se assistia e discutia filmes, na sua maioria documentários, e vários deles produzidos durante estágios semelhantes em Paris. No restante do curso, era dada ênfase à prática de realização: nos primeiros quinze dias de aulas o aluno era estimulado a realizar um pequeno exercício de câmera sobre uma ação qualquer (uma pessoa que entra numa cantina e bebe um café, por exemplo). Aproximadamente um mês depois, fazia-se o segundo exercício, esse com o tema escolhido pelo próprio aluno que deveria colocá-lo em discussão antes de filmá-lo. Para isto eram fornecidos dois cassetes (cartuchos) em Super-8 com 3 minutos de duração e o equipamento necessário. O terceiro exercício ou filme final não tinha, teoricamente, limite em relação aos cartuchos utilizados e cada estagiário poderia, portanto, utilizar quantos fossem indispensáveis. Mas a prática mostrou que quem não conseguia apresentar um filme acabado, utilizando cerca de 20 cartuchos, acabava desistindo de fazê-lo no decorrer do curso. (LIRA, 1986, p. 8).

Em artigo sobre a produção cinematográfica superoitista da Paraíba, Bertrand Lira faz uma análise crítica dos preceitos técnicos e estéticos do Cinema Direto. O produto desses estágios realizados entre 1981 e 1983 era de filmes voltados para uma abordagem sociológica do sujeito, cuja tônica era a relação do homem com a família, o trabalho e a questão da sobrevivência. Enquadram-se nesta linha documental filmes como Ciclo do Caranguejo, de Elisa Cabral (1982), que descreve o processo de comercialização do caranguejo desde a sua pesca na cidade de Livramento até a sua comercialização em bares e restaurantes de João Pessoa, e Emergência, de Torquato Joel. Emergência retrata a vida de camponeses que habitam na bacia do açude de Orós (interior do Ceará) na época da grande estiagem de 1981. Ele enfoca o problema da migração e das secas na região (LIRA, 1986). A influência do Atelier de Cinema Direto entre o movimento superoitista na Pa19

raíba teve uma faceta bastante polêmica. Não havia unanimidade quanto aos princípios do Cinema Direto no contexto da produção cinematográfica paraibana, o que gerou reações adversas dentro e fora do NUDOC. A mais clara delas foi a criação da marca NUCI (Núcleo de Cinema Indireto), por Jomard Muniz de Britto, que já produzia filmes experimentais em Recife, como O palhaço degolado (1977), ou ainda o Inventário do feudalismo cultural nordestino (1978). No NUCI, Jomard rompe totalmente com os conceitos estabelecidos frente à estética e à linguagem cinematográficas, até então vigentes na Paraíba: filmes que sugerem uma mutação entre o real e o imaginário, e entre a ficção e o documentário. Um cinema que se joga totalmente no espetáculo do espontâneo – o cinema do inusitado. (LIMA SEGUNDO, 2007, p. 23).

Entre os filmes realizados por Jomard, destaca-se Paraíba Masculina Feminina Neutra Visões do Mangue (1983), que toca de forma direta nos tabus da província, com personagens que desa-

Elisa Cabral, 1982.

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fiam padrões morais estabelecidos de forma irônica e irreverente. Em seu estudo realizado para filmar Renovatório, Francisco Sales afirma que o Atelier de Cinema Direto foi responsável por grande parte da produção superoitista da época, tendo É Romão pra qui é Romão pra colá (1981), de Vânia Perazzo, e

Festa de Oxum (1982), de Everaldo Vasconcelos, como exemplos de filmes que seguiram à risca os preceitos do Cinema Direto. Os movimentos sociais urbanos também são temas de vários filmes, como A greve (1983), de direção coletiva dos estagiários do NUDOC. Já Elisa Cabral produz num projeto que ela mesma denominou de “Cinema e Sociologia”, com Visões do mangue (1982) e Tele-visões (1986), entre outros. (LIMA SEGUNDO, 2007). Holanda, por sua vez, conclui que a Paraíba teve uma fase superoitista entre os anos 1970 e 1980, na qual o NUDOC foi o responsável pela formação de boa parte da nova geração de realizadores. Enumera, por fim, os nomes de alguns realizadores que surgiram e se fortaleceram através do NUDOC, sendo atuantes até hoje: Marcus Vilar (24 Horas, 1986), Torquato Joel (Itacoatiara – a Pedra no Caminho, 1987), Vânia Perazzo (Palácio do Riso, 1989), Eliza Maria Cabral (Com passos de moenda, 2001) e Bertrand Lira (Bom dia, Maria de Nazaré, 2003) (HOLANDA, 2008).

O movimento superoitista O Super-8 chega ao Brasil em um momento politicamente delicado e de grave crise econômica. Foi em plena ditadura e logo após a instauração do Ato Institucional Nº 5, decretado pelo então presidente Costa e Silva, em dezembro de 1968, que o Super-8 terminou por reorientar o fazer cinematográfico, com a simplificação do processo de produção, em que qualquer um teria condições de manusear uma câmera. De acordo com Francisco Sales, diretor do documentário Renovatório sobre o movimento superoitista na Paraíba, os produtores culturais enfrentaram, na época, uma situação de aderir ou desvencilhar-se da cultura oficial, manipulada pela censura. Ele observa que: Na contramão da história e engrossando o caldo da cultura marginal, a “imprensa nanica”, os poetas de mimeógrafo, os grupos teatrais mambembes, tratavam de subverter as relações de produção da cultura. E junto com o Super8, fizeram parte de um mesmo esforço de descoberta e ocupação de espaços alternativos para produção artística e intelectual, em tempos de “vazio cultural”, arrocho político, dispersão e crise de utopias. (LIMA SEGUNDO, 2007, p. 18-20).

Para o cineasta, a produção audiovisual independente da década de 1970, no Brasil, passa a se dividir em duas vertentes básicas: os documentaristas, muito ligados ainda à apreensão de temas relacionados à cultura popular e a questões sociais, quase num prolongamento das discussões pré-tropicalistas da década anterior, e onde o 16 mm ainda se apresentava como bitola ideal; e os superoitistas, que utilizaram o Super-8 na busca de novas formas de linguagem e estética cinematográficas, subvertendo, assim, as relações de produção e circulação de suas obras, devido ao barateamento e ao fácil acesso da bitola (Ibidem). 21

Na Paraíba, as primeiras produções em Super-8 surgem a partir de 1973, feitas por pessoas que já tinham experiência com 16 mm ou mesmo que trabalhavam em jornais, fazendo crítica cinematográfica. Para essas pessoas, o Super-8 era apenas uma contingência da época. Já que não havia condições de se produzir em 16 mm, e muito menos em 35 mm, a pequena bitola se tornou na única possibilidade para produção de filmes na Paraíba. Mas é só em 1979 que o cinema Super-8 surge em forma de movimento. (Ibid., p. 20). Com o início da abertura política, a partir de 1979, e a diminuição da censura prévia à Imprensa, um novo cenário se configura no Brasil. Foi neste contexto político que João de Lima e Pedro Nunes, então estudantes do curso de Comunicação Social da UFPB, realizam Gadanho (1979), iniciando o que será reconhecido como movimento superoitista paraibano. Documentando a atividade dos catadores do Lixão do Roger, o filme renderá comparações com Aruanda (1960), “não do ponto de vista estético ou da linguagem, mas como deflagrador de um novo ciclo cinematográfico” (LIRA, 1986, p. 5). Para Bertrand Lira, Gadanho deu um impulso nesta nova fase da produção de cinema da Paraíba: Esse filme foi para o cinema superoitista, no final da década de 70 e início de 80, o que Aruanda representou para o cinema paraibano na década de 60. Não se quer aqui comparar os dois filmes em termos de estética ou linguagem cinematográfica, mas o que cada um representou para o movimento cinematográfico da Paraíba quando foram realizados. Talvez a comparação pareça absurda pela importância e repercussão que Aruanda teve para o cinema documental brasileiro. O que se quer deixar bem patente aqui é a relevância que esse curta-metragem teve para o cinema superoitista. A partir dele, o cinema paraibano em super-8, já que a produção nas bitolas profissionais (16 e 35mm) se deu em pequeno número nesse período, ressurge em forma de movimento. (LIRA, 1986, p. 6).

Em meio ao clima de subversão deflagrado pela produção de Super-8, a exibição não podia ficar de fora, considerando a marginalidade do material produzido, em relação à rede exibidora tradicional. Foram criados, portanto, diversos festivais de filmes Super-8, como o Festival Nacional de Primeiros Filmes, realizado em 1970, e o Super Festival Nacional do Filme Super-8, realizado pelo GRIFE (Grupo de Realizadores Independentes de Filmes Experimentais), entre 1973 e 1983, ambos em São Paulo, e que teve, neste último, a grande vitrine do Super-8 nacional. A produção superoitista foi caracterizada, entretanto, por uma pluralidade estética, como define Francisco Salles em seu Relatório Final sobre o documentário: A multiplicidade e diversidade de experimentos são marcas distintivas da produção audiovisual superoitista, impostas, em parte, pela segmentação fragmentária das experiências, forçada pelo regime político autoritário. Um ponto marcante desta produ22

ção é a riqueza e a variedade das mais diversas proposições estéticas: o cinema rudimentar, o cineviver, a antropofagia erótica, o terrir, o cinema ovo, o megalomaníaco neocinemanovíssimo, o cinema de salão, o anarco-superoitismo, etc. Estas propostas são idealizadas por realizadores das mais diversas partes do país, como Jomard Muniz de Britto, Torquato Neto, Hélio Oiticica, Ivan Cardoso, Amin Stepple, entre tantos outros. (LIMA SEGUNDO, 2007, p. 19).

Surgem neste contexto de abertura, grupos de militância sexual, racial e partidária, que devido à conjuntura política anterior, não tiveram a chance de se manifestar. Em João Pessoa, destaca-se o grupo Nós Também, integrado por militantes homossexuais com a proposta original de militar através da arte. “O grupo atuou por quase três anos, publicando boletins, envelopes de arte (envelopes que continham fotos, poesias, arte-xerox etc), pichando muros, fixando outdoors e com a produção e realização de um filme: Baltazar da Lomba” (LIRA, 1986, p. 6). Segundo Bertrand Lira, a discussão sobre a sexualidade no cinema paraibano começa com Esperando João (de Jomard Muniz) em 1981 e passa por Perequeté (Bertand Lira) no mesmo ano, mas vai atingir uma abordagem mais ampla com Closes de Pedro Nunes, o qual se tornou o filme, em Super-8, mais discutido na Paraíba. Para Lira “o misto de documentário e ficção desse cineasta não traz nada de novo em ter-

Baltazar da Lomba Direção coletiva, 1982.

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mos de linguagem cinematográfica, mas contribuiu, inquestionavelmente, para uma ampla discussão da homossexualidade”. Closes aborda o relacionamento amoroso de dois rapazes que, ao optarem pela homossexualidade, são severamente reprimidos. A inovação está na abordagem documental que apresenta depoimentos de habitantes da cidade e transeuntes. Renovatório, documentário de 20 minutos realizado por Francisco Sales de Lima

Festa de Segundo, faz uma reflexão criativa e reveladora sobre esta geração que foi protagoOxum nista do segundo ciclo de cinema paraibano, o chamado movimento superoitista, Everaldo Vasconcelos, 1982.

que foi também o mesmo grupo de jovens cinegrafistas que foram formados nos princípios do Cinema Direto disseminados pelo Atelier Varan no Brasil. Em seu filme, Francisco Sales traz 18 títulos que pertencem ao acervo do NUDOC e procura elucidar algumas tendências estéticas e éticas daquela produção.

Patrimônio e bem patrimonial Vale salientar ainda no que diz respeito à vocação do projeto aqui debatido, que se trata de um projeto de preservação de memória audiovisual, o que revela, portanto, o fortalecimento recente das políticas públicas de valorização, preservação e difusão dos acervos de audiovisual no Brasil. Neste sentido, a ideia de patrimônio se 24

insinua como um “dispositivo de memória coletiva”, isto é, Tanto o patrimônio cultural, quanto a memória coletiva e seus suportes materiais – bibliotecas, museus, arquivos – devem estar enraizados em práticas culturais concretas, e é essa imersão no cotidiano que imprime aura e significação social e política a ambos, e que também os conecta com a cidadania – enquanto prática e exercício do direito de acesso aos bens patrimoniais e aos dispositivos da memória coletiva (VELOSO, 2008, p. 137).

Entende-se o conceito de patrimônio a partir da definição que faz Fonseca (1997) em O Patrimônio em Processo, quando afirma que este deve ser compreendido a partir dos processos, das práticas e dos atores que contribuem para a formulação do que vem a ser a política de preservação do Patrimônio Cultural, uma vez que as políticas de patrimônio atuam, basicamente, no nível simbólico. Segundo Fonseca, A noção de patrimônio é, portanto, datada, produzida, assim como a ideia de nação, no final do século XVIII, durante a Revolução Francesa, e foi precedida, na civilização ocidental, pela autonomização das noções de arte e história. O histórico e o artístico assumem, nesse caso, uma dimensão instrumental, e passam a ser utilizados na construção de uma representação de nação (FONSECA, 1997, p. 37).

Assim, atualmente a ideia de patrimônio não está focada apenas no conjunto de objetos que o constituem e nos conjuntos de discursos que o legitimam, mas na percepção de que os bens patrimoniais estão permeados de um valor que envolve um sentimento de pertencimento a uma comunidade, a uma nação. Estes bens patrimoniais viriam, portanto, legitimar essa comunidade ou nação. Por meio da publicação do Decreto Nº 3.551, de agosto de 2000, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Esta iniciativa procurou instituir “um instrumento legal destinado ao reconhecimento e à valorização do patrimônio imaterial”. Trata-se de uma iniciativa oficial que abre novas frentes de pesquisa e de recursos para a documentação, registro e reconhecimento de manifestações culturais que têm características performáticas e itinerantes. Em decorrência disso, acredito que novas políticas públicas podem ser desenvolvidas a partir desta experiência. É, portanto, na tensão entre forças sociais contraditórias que se constitui a realidade contemporânea e que, ainda assim, podem florescer possibilidades mais criativas e dinâmicas de se testemunhar uma cultura. Reconhecer a diversidade cultural e legitimar a identidade e as formas de pertencimento associadas a narrativas de memória excluídas e subalternas significa reconhecer os sujeitos sociais representativos de um segmento social legítimo. 25

A possibilidade de se incluir acervos de imagens, de músicas, de fotografias e manifestações artísticas, em geral, entre as possíveis narrativas de uma memória cultural a qual corresponda bens patrimoniais é mais um desafio que se apresenta para a antropologia da imagem e do cinema.

Itacoatiara - a Pedra no Caminho Torquato Joel, 1987.

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Memória subterrânea e sentimento de pertencimento Não é novidade para a antropologia que o que sobrevive enquanto memória coletiva de tempos passados não é o conjunto dos monumentos e documentos que existiram, mas o efeito de uma escolha realizada pelos historiadores e pelas forças que atuaram em cada época histórica (LE GOFF, 1995). No artigo “História Oral, uma metodologia para o estudo da memória”, Menezes relaciona a contribuição dos estudos de Halbwachs e Pollak para o estudo da memória. Halbwachs entende que a memória individual está sempre relacionada à memória do grupo. No entanto, a afirmação da coercitividade da memória coletiva não é aceita por outros teóricos. Pollak compreende a memória como um campo de forças e sua história diversa e conflituosa. Enquanto Halbwachs fala de uma negociação entre memória coletiva e individual, Pollak identifica o caráter destruidor, uniformizador e opressor da memória coletiva e nacional.

A perspectiva teórico-metodológica de Pollak reabilita a periferia e o que é marginal na história oficial, assim, não adere à visão de dominação exclusiva de um sobre o outro, no campo da memória, mas à possibilidade de resistências constantes em um campo de forças materiais e simbólicas (MENEZES, 2005, p. 33).

E por fim, ambos os autores reconhecem a relação entre memória e identidade social, considerando o caráter seletivo da memória. Seria, portanto, neste sentimento de pertencimento a um grupo, comunidade ou nação, que se constituiria o conceito de identidade. Neste momento surge a ideia de uma memória subterrânea, de uma memória marginalizada que pode finalmente vencer a resistência da dominação da história oficial e revelar uma memória e uma identidade social que foi invisibilizada, silenciada ou mesmo excluída em meio a um processo seletivo de construção de uma “comunidade imaginada”, de uma Nação, ou de uma cultura nacional. Em 1933, o filósofo alemão Walter Benjamin já percebia, de maneira visionária, a revolução que iria percorrer os meios de comunicação da sociedade moderna. Podemos agora tomar distância para avaliar o conjunto. Ficamos pobres. Abandonamos, uma depois da outra, todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo de seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do “atual” (BENJAMIN, 1985, p. 119, grifo nosso).

As artes, o cinema, a publicidade e o jornalismo assimilaram aquilo que Benjamin chamou de nova forma de comunicação: a informação. Benjamin afirmava que enquanto a informação aspira a uma verificação imediata, outra forma de comunicação, como a narrativa, recorre ao miraculoso. Ao afirmar, de dentro da primeira metade do século XX, que o saber que vem de longe encontra hoje menos ouvintes que a informação sobre acontecimentos próximos, ele escreve: O saber que vinha de longe – do longe especial das terras estranhas, ou do longe temporal contido na tradição –, dispunha de uma autoridade que era válida mesmo que não fosse controlável pela experiência. Mas a informação aspira a uma verificação imediata. Antes de mais nada, ela precisa ser compreensível “em si e para si”. (BENJAMIN, 1985, p. 202- 203).

E termina o mesmo parágrafo com a seguinte afirmação: “Se a arte da narrativa é hoje rara, a difusão da informação é decisivamente responsável por esse declínio”. Benjamin entendia que as formas de comunicação de seu tempo estavam cada vez mais a serviço da informação, e quase nada do que acontecia estava a serviço da narrativa, a qual, por sua vez, era considerada por ele uma arte que evitava explicações, uma forma artesanal de comunicação. Em outro momento desse mesmo texto O Narrador, Benjamin refere-se ao ritmo do trabalho artesanal como sendo um tipo de trabalho que envolve o “dom de narrar”, pois enquanto se trabalhava, se contava histórias, se cantava ou se confraternizava. 27

8 A respeito da narrativa homogênea da nação, ver Anderson (1979). Sobre uma reflexão da formação da identidade pósmoderna, ver Hall (2000), Chatterjee (2004) e Canclini (1997). Ainda sobre algumas narrativas possíveis de identidade nacional brasileira, ver Veloso e Madeira (1999) e Vianna (1995).

Ele conclui então: “com isso, desaparece o dom de ouvir, e desaparece a comunidade de ouvintes. Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas.” (BENJAMIN, 1985, p. 205). Benjamin se mostra apreensivo com a mudança da sensibilidade do homem moderno e a esta sensibilidade opõe a oralidade e a Epopeia, uma narrativa que ainda não conhecia a previsibilidade e o individualismo que invadirá o Romance. Sua abordagem nos faz notar que a sensibilidade do homem moderno de fato o afasta de suas tradições. Mas em plena era da globalização, podemos dizer que algumas estratégias têm sido traçadas para diminuir o impacto desta mudança. Relações econômicas e sociais descontínuas estão em jogo no capitalismo tardio, e fluxos de informação cada vez mais acelerados interferem nas antigas narrativas homogêneas sobre a identidade, antes estáveis e portadoras de uma verdade absoluta que era disseminada e facilmente aceita por instituições e atores sociais acostumados à estabilidade. Portanto, as narrativas de identidade são hoje articuladas a partir de novos arranjos e estratégias simbólicas, decorrentes do cenário econômico e social que se instalou no fim do século XX, influenciado pela difusão em massa das novas tecnologias e pela transnacionalização dos capitais. Canclini (1997) e Harvey (2005) abordam esse fenômeno a partir do viés teórico da economia política, contribuindo para que não se perca de vista a fundamental influência dos meios de produção capitalista sobre a atual distribuição de signos culturais e étnicos ao redor do planeta. Sérgio Costa (2002) discute as novas configurações pós-nacionais que estão substituindo hoje um consenso de Estado-nação construído na Europa, no século XIX, e no Brasil, ao longo do século XX. Costa mostra como as novas configurações simbólicas de consciência nacional e comunidade política estão segmentadas e desterritorializadas, se constituindo de forma heterogênea em democracias maduras, como as europeias, e em países latino-americanos, como o Brasil. Neste sentido, não há dúvida que as “comunidades imaginadas” às quais se refere Anderson (1979) estão hoje em intenso processo de reformulação8. Seja a partir das novas identidades fragmentadas e descentradas que teriam surgido na modernidade tardia, às quais se refere Hall, ou a partir do conceito de tempo heterogêneo e irregular, sugerido por Chatterjee, fruto de sua abordagem sobre a experiência indiana de projeto de nação.

O Acervo De acordo com cineastas da cidade, a Paraíba possui outros acervos de filmes, que devido a questões legais encontram-se inacessíveis, é o caso dos filmes do Cinema Educativo, realizados na década de 1950, e o acervo do cineasta Machado Bittencourt. Este projeto se propôs a fazer um trabalho abrangente de preservação, pesquisa e difusão do acervo do NUDOC, devolvendo à circulação, filmes que marcaram a produção audiovisual de uma geração que se empenhou em fazer cinema 28

em película com os meios disponíveis. O acervo restaurado e telecinado está estimado em cerca de 80 títulos em formato Super-8 e 4 títulos em 16 mm. São narrativas fílmicas curtas em diferentes gêneros, reunindo registros sem nenhuma edição, documentários, vídeos institucionais e algumas poucas ficções. O número total de horas estimado para a telecinagem do acervo é de 25 horas, incluindo 2 horas de material em 16 mm. A pesquisa delimitou alguns critérios para a catalogação dos filmes: a) Condições materiais da película do filme: os filmes que apresentaram danos materiais irrecuperáveis causados pelo tempo foram excluídos do processo de telecinagem; b) A maioria dos títulos do acervo são registros de eventos e documentários. Foram criadas categorias capazes de contemplar a diversidade das temáticas apresentadas pelos filmes: trabalho, manifestações tradicionais e religiosas, eventos históricos e cívicos, eventos artísticos, registros institucionais, animação, sexualidade, registros urbanos e registros do meio ambiente; c) As categorias criadas para catalogar o acervo têm como objetivo representar uma produção em película que caracterizou a identidade e a especificidade da produção cinematográfica do estado da Paraíba entre 1970 e 1980.

Considerações Finais Entendendo que o cinema revela um imaginário cultural e é também produto da cultura, as ações de recuperação, restauração, telecinagem e difusão do acervo de filmes aqui descritos adquirem uma relevância histórica e cultural bastante ampla, visto que se constituem em um painel diversificado da cultura, sistema de valores e do cotidiano da Paraíba no período. Ao delimitar o cenário de produção do cinema paraibano em três ciclos, ao longo do século XX, algumas questões se insinuaram de forma significativa na pesquisa. Dentre estas, o debate sociológico na produção das imagens e a polêmica sobre o Cinema Direto, o uso da bitola Super-8 como uma alternativa de “desmistificação” do cinema (tanto no âmbito da produção, como da exibição) e a questão da sexualidade (ou da homossexualidade) como uma temática que, inexistente no primeiro ciclo, foi filmada a partir de uma linguagem que não se adequava aos princípios do Cinema Direto. A este respeito vale considerar a abordagem de Rubens Machado (2004) em Realismo e desprendimento, grotesquerie e sublimação, quando ao se referir ao “primarismo estético” e ao “realismo antológico” da produção audiovisual exibida no “Mix Brasil” em São Paulo, na década de 1970, nos dá algumas pistas dos elementos estéticos e escolhas narrativas que permeiam o material digitalizado dos realizadores paraibanos que aderiram ao cinema experimental ou marginal. A relação entre os meios de produção da imagem, a conjuntura política brasileira e a linguagem estética são alguns dos elementos que norteiam boa parte do debate travado sobre a produção audiovisual na Paraíba durante os três ciclos que se desenvolveram no século XX. Os diferentes ciclos deflagrados pela produção de Aruanda, 29

em 1960, e do movimento superoitista, em 1979, com Gadanho e a atuação do Centro de Formação em Cinema Direto de Paris (Associação Varan), em 1980, demonstram que a produção cinematográfica paraibana respondeu a determinado contexto político e econômico regional e nacional, onde os meios de produção da imagem, bem pouco acessíveis até a década de 1970, deixaram de ser escassos e passaram a estar disponíveis para a classe universitária, a partir da iniciativa do Estado, como foi o caso do Convênio que possibilitou a formação do Atelier Varan (através da atuação das universidades tanto brasileira quanto francesa). O fato de o Atelier Varan disponibilizar equipamentos mais acessíveis como o Super-8 foi também motivo de crítica e polêmica entre os realizadores, pois teria afastado a possibilidade destes terem acesso a equipamentos e películas mais profissionais, como o 16 mm, por exemplo. Segundo Rubem Machado (2004), haveria sim uma relação entre o realismo e o “primitivismo” que caracterizaram a estética do cinema marginal e o uso de equipamentos mais acessíveis economicamente como o Super-8. Em seu livro Mas afinal... o que é mesmo o documentário? Fernão Ramos discute o conceito de Cinema Direto, esclarecendo de forma bastante convincente a diferença entre as terminologias cinema verdade e Cinema Direto. Sem tempo, no âmbito deste artigo, para entrar no cerne do debate, gostaria de destacar a abordagem de Ramos sobre o Cinema Direto de Jean Rouch. Segundo o autor, “em seus filmes mais significativos, para além do etnólogo, Rouch trabalha o outro na forma do cinema, tornando-se também cineasta no sentido pleno da palavra: aquele que nos remete a uma tradição estilística e narrativa particular” (RAMOS, 2008, p. 310). Ramos argumenta que nos principais filmes de Rouch encontram-se opções estilísticas particulares, que tensionam de modo periférico os limites da representação da alteridade, nos campos conceituais delineados pela etnologia. Ele acredita que Rouch “carrega nas costas um peso que sua obra não suporta: o de definir os limites epistemológicos do que seria uma ciência, a etnologia” (Ibidem). Neste sentido, devemos problematizar a sensação que o Atelier Varan causou entre uma geração de realizadores paraibanos: a sensação de que o Cinema Direto, com seus princípios de contato direto e autêntico com a realidade vivida, não permitia a utilização da criatividade e dos recursos da linguagem da ficção. A obra completa de Rouch é o principal argumento contra essa percepção da influência de Rouch como cineasta. No que concerne ao acervo, uma vez digitalizado e disponibilizado em um site construído a partir de um design acessível e criativo, a pesquisa resultante desse projeto pretende alcançar um público jovem, talvez especializado, mas que costuma ser assediado por uma indústria cultural hegemônica e massificadora. O acesso a este acervo de documentários feitos em condições de produção alternativa e marginal há mais de três décadas atrás, com temáticas e tendências estéticas diversas e inovadores talvez só seja possível devido ao processo de tecinagem e de disponibilização do acervo para domínio público em um website, que contará com estratégias de divulgação. Temáticas como festas populares urbanas e rurais, manifestações culturais tradicionais, sexualidade, aspectos da cultura popular, registros urbanos e da vida 30

e do trabalho cotidiano no sertão e no interior da Paraíba e ficções que revelam os mais diferentes olhares sobre a vida na região nordeste estarão disponíveis como um acervo digital da memória da cultura regional. O projeto ambiciona ampliar o acesso do público de estudantes e pesquisadores do estado da Paraíba a um relevante acervo audiovisual e cinematográfico, o que poderia contribuir para a formação de uma massa crítica de pesquisadores e realizadores, capazes de articular uma reflexão sobre a efervescente produção audiovisual das décadas de 1970 e 1980 em meio à profusão de signos globalizados e fetichizados da produção audiovisual contemporânea. A produção do website, por sua vez, prevê uma maneira de disponibilizar o acervo em questão não só para o Brasil, mas também em um tempo e espaço global, uma vez que o conteúdo estará disponível para usuários de qualquer parte do mundo, a exemplo do que ocorre com o website portacurtas.com.br. Por fim, entendemos que dar visibilidade a um acervo de audiovisual desta natureza, permitiria o intercâmbio de arquivos de filmes em formato digital (como acontece com o MP3), possibilitando ao estado da Paraíba receber mostras de outras regiões e países, que por sua vez também terão acesso aos filmes realizados na região. É neste sentido, por fim, que o acervo de imagens aqui discutido deve ser percebido como um “bem patrimonial” e um “dispositivo de memória coletiva”, no sentido de legitimar uma produção estética local como patrimônio cultural do estado e do país. “Em seus edifícios, quadros, e narrativas, a humanidade se prepara, se necessário, para sobreviver à cultura. E o que é mais importante: ela o faz rindo. Talvez esse riso tenha aqui e ali um som bárbaro. Perfeito”. (BENJAMIN, 1985, p. 119, grifo nosso).

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REFERÊNCIAS ANDERSON, B. Nação e Consciência Nacional. São Paulo: Ática, 1979. BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”; “Experiência e Pobreza” e “O Narrador”. In: Obras escolhidas, vol. I. - magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985. CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1997. CHARTTERJEE, P. Colonialismo, Modernidade e Política I. Salvador: EDUFBA, CEAO, 2004. CINENORDESTE. Revista da Academia Paraibana de Cinema, ano 2, no 3, mar. 2011. COSTA, Sérgio. As cores de Ercília, esfera pública, democracia, configurações pós-nacionais. UFMG: Belo Horizonte, 2002. FONSECA, M. Cecília Londres. O Patrimônio em Processo. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Minc/IPHAN, 1997. FUNARI, Pedro P; PELEGRINI, Sandra C. A. PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2006. GOMES, João de Lima. Cinema paraibano. Um núcleo em vias de renovação e retomada. Dissertação de mestrado / Escola de Comunicação e Artes, São Paulo: USP, 1991. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1992. HOLANDA, Karla. Documentário Nordestino: mapeamento, história e análise. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008. LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

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A experimentação cinematográfica superoitista no Brasil: espontaneidade e ironia como resistência à modernização conservadora em tempos de ditadura POR Rubens Machado Jr.

Rubens Machado Jr. é pesquisador, curador e professor titular de Teoria e História do Cinema da ECA-USP.

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Agrippina é Roma-Manhattan Hélio Oiticica, 1972.

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Há uma geração (à qual pertenço) que já começou a crescer vendo TV, se a partir dos anos 1950 vivesse em cidades grandes ou metrópoles regionais brasileiras e, claro, sendo de classe média para cima na pirâmide social. Geração que em 1968, com o recrudescimento da ditadura após o AI-5, era ainda adolescente e só foi cursar faculdade já nos anos 1970. Viu então a modernização conservadora do país no progresso da TV colorida e de um cinema que lhe pareceu diversificado e interessante, principalmente o dos circuitos mais alternativos, que se desenvolviam nas maiores cidades regionais. Era um cinema que ecoava em efeitos de maturação e ironia os ventos utópicos recentes dos anos 1960, destilando sua acidez e fermentação em calmaria paradoxal. Eram tempos de inquietude, restritivo mundo afora, de repressão mais ou menos ostensiva e de refluxo social que se exprimiam com inteligência controversa, por vezes provocadora até mesmo no cinema estadunidense, mas, sobretudo no europeu e no minoritário nacional que podíamos ver. Com os anos 1970 chegam às lojas os projetores e câmeras Super-8, tornando mais acessível econômica e tecnicamente o registro doméstico ou a realização de experiências criativas como “cineasta”. Sua rápida apropriação por artistas plásticos, e inesperados jovens cineastas mais ou menos selvagens, vão aos poucos afigurar aventuras pessoais ou coletivas um tanto contraditórias e, contudo, promissoras. Este movimento era silencioso, subterrâneo de início, e sua inquietude só foi ganhar espaços de repercussão mínima na recepção de alguns festivais e sessões de certos cineclubes mais para a segunda metade dos anos 1970. Se não foi muito exibido, foi realizado com maior liberdade que os outros tipos de produção audiovisual, já pelo seu caráter independente e amadorístico, constituindo experiências marcantes para públicos específicos. Os festivais de Super-8 ao longo da década se proliferariam em mais de meia dúzia. Os do Grife, organizados em São Paulo por Abrão Berman, duraram de 1973 até os anos 1980, e foram o primeiro, maior e mais longevo evento superoitista, trazendo, por incrível que pareça, estrelas de Hollywood ao Brasil, coisa que mesmo os maiores festivais profissionais não lograram. Certas sessões foram para mim inesquecíveis; pude ali ver filmes como Cubo de Fumaça (1971), de Marcello Nitsche, e Grátia Plena (1980), de Carlos Porto de Andrade Jr. e Leonardo Crescenti Neto. Ou nas Jornadas de Salvador, em que pude ver O Rei do Cagaço (1977) e Exposed (1978), de Edgard Navarro, ou Céu sobre Água (1978), de José Agrippino de Paula. Mas o Agrippina é Roma-Manhattan (1972), que Hélio Oiticica realizou em Nova York, bastante conhecido nos últimos dez anos, só pude ver em 1992, numa de suas primeiras projeções públicas, na grande mostra de cinema marginal brasileiro realizada por Neville d’Almeida e Júlio Bressane, em Paris (Retrospectiva de Hélio no Jeu de Paume). A surpresa com a fita me convenceu em definitivo da importância do Super-8 para a compreensão do cinema experimental brasileiro em seu conjunto “naturalmente” disperso. Ainda hoje, entretanto, mesmo com as facilidades das redes virtuais, quem se interessar pela história do cinema experimental ou de vanguarda realizado no Brasil, encontrará dificuldades de acesso, além de uma filmografia desigualmente mapeada em seus vários lugares e épocas, aspectos e verten36

tes. Vai encontrar bibliografia e debates do maior interesse sobre certos momentos, autores e movimentos – o Limite, de Mário Peixoto, o Cinema Novo, o Marginal. E os anos 1970 configuram, em todo caso, uma espécie de apogeu dessa produção, pelo menos do ponto de vista quantitativo. A produção experimental realizada em Super-8 nessa década é enorme, se comparada ao vídeo ou ao 16 e 35 mm. E não tem sido vista desde então, quando foi por seu turno muito mal vista. Foi projetada só em sessões alternativas, alguns festivais de modo atomizado; e, depois disso, não mais. Nem o público cinéfilo ou de especialistas, nem mesmo os pesquisadores da área experimental ou vanguarda conhecem essa produção. Portanto, é difícil a tarefa de expor algo que ainda não está integrado ao debate, não possui abordagens comparativas, algo sequer recenseado sistematicamente, quanto mais historiado e criticado, reverberado por alguma fortuna crítica. Eu próprio; não faz tanto tempo que iniciei a pesquisa e, em meio a outras, com interrupções grandes, posso falar algo do que pude processar até aqui. Se falarmos de vanguarda no cinema brasileiro moderno, o Cinema Novo (e o Marginal, quase como um eco invertido dele) fornecem ao longo dos anos 1960 a régua e o compasso que vão repercutir até os dias que correm. Falo aqui de vanguarda e experimental sem nas suas teorias me aprofundar, o que implicaria em esforço considerável, já que existem aspectos e compreensões bastante diferentes, disseminados sem maior sistematização enquanto debate específico. Faço uso, então, dos termos num âmbito genérico em nossa tradição cultural. Vanguarda e experimental são por vezes dois termos sinônimos, outras vezes antagônicos, segundo o contexto. Pode-se abstrair que, em geral, a ambição do experimental (com inúmeras exceções) é menos explícita que os vanguardistas no campo político ou das instituições sociais, e por fim também no aspecto projetual, no sentido de articular o fazer artístico da criação a um horizonte histórico, de modo manifesto e conceituado, racionalizado. Se a postura experimental se dissemina pelo país a partir do final dos anos 1960, junto com o Tropicalismo e o recrudescimento da ditadura, assumindo contornos de vanguarda nos mais diferentes sentidos, isto tudo se pode discutir, mas não quer dizer que possamos verificar nas obras resultados à altura das pretensões. Avaliar esse problema é entrar no campo da crítica, da análise de filmes e da estética realizada nos filmes – não apenas na proposta ou convicção dos autores, adotando-as (como, aliás, de hábito se tem feito). Há muitas coisas diferentes debaixo desse conceito guarda-chuva do cinema experimental, em que cabe um pouco de tudo (filme de artista, agit-prop, cinema de poesia, amadorismo radical, etc.). Aqui é como se fala no futebol: é preciso pôr a bola no chão. E, partir dos filmes, sobretudo, o elementar objeto e terreno, para que consigamos estabelecer algum debate mais produtivo, para além do tiroteio surdo. Ou seja, tomar o objeto em sua própria medida. Trata-se evidentemente de uma discussão de longo prazo, que não poderá dispensar os estalos e sobressaltos intempestivos, embora hoje apenas comece a engatinhar, levantando os filmes, vendo e procurando estabelecer os seus parâmetros próprios – tanto em face 37

das expectativas autorais, como dos olhares de hoje confrontados aos da sua época, seja da parte do público ou da crítica. A produção audiovisual dos anos 1970 tem, contudo, essa marca de grande fenômeno, de estruturação espetacular da televisão como rede, e o avanço da Rede Globo dentro dessa transformação. O alcance e a importância industrial que a TV brasileira ganha nos anos 1970 fazem com que o cinema se perceba bastante sobrepujado em termos de indústria cultural no país. Digamos que este é o pano de fundo que temos em mente, difícil para se lidar, mas sobre o qual – aliás, atrás do qual, à margem do qual – se desenvolveria o ci-

Céu nema mais inquieto, livre, contestatário, radical. É preciso, enfim, compreender o sobre água que acontecia no país, para sabermos o que o afetava e o que faziam aqueles que José Agrippino de Paula, 1978

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se opunham de algum modo a esse status quo. No campo do cinema, a Embrafilme se estrutura a partir de 1969. Os filmes que ela produz têm muito a ver com uma opção dos cinemanovistas, de fortalecimento do mercado como resistência do cinema nacional. Artisticamente busca-se na literatura brasileira, por exemplo, ou em gêneros populares de narrativa cinematográfica, um diálogo com a identidade brasileira e, ao mesmo tempo, industrialmente tenta-se algo mais comercial e de diálogo com o grande público. Em paralelo ao cinema comercial propriamente dito, à pornochanchada e a um resto do cinema industrial que podia sobreviver, alcançou-se por fim, com a Embrafilme, um exercício industrial considerável nos termos da tradição brasileira. Consolidaram-se algumas modalidades de gênero, como a própria pornochanchada. Então, Globo, Embrafilme, pornochanchada e certo cinema de mercado que evoluiu nos

anos 1970 constroem de certo modo um fortalecimento da indústria cultural. Houve participação importante de intelectuais de esquerda em novos arranjos, com ou sem cooptação (esse debate iria longe). É a maneira pela qual o poder civil-militar dá certo espaço, utiliza essa força produtiva intelectual para os desígnios da construção de uma identidade nacional. Será importante considerarmos isso, pois tudo o que é feito, então, se relaciona à tradição criada nos anos 1960, àquela de um cinema de maior pretensão questionadora, que procura interrogar de maneira mais radical o sentido da vida brasileira, da atualidade – do próprio sentido do audiovisual brasileiro, ou mesmo de se estar criando um filme, como chega a fazer Fernando Coni Campos em Ladrões de Cinema (1977). O cinema independente, de então, era uma das formas de se opor à voga dominante num país que se integrava pela modernização conservadora. Em sua maior radicalidade, os independentes acabavam se contrapondo também às oposições e às esquerdas mais integradas à indústria cultural. Esse rótulo de cinema independente é um entre vários que se davam na época. Eu fui cineclubista e participei, na segunda metade dos anos 1970, da criação de uma oposição mais à esquerda, o grupo Deflagração, que quase ganhou as eleições do Conselho Nacional dos Cineclubes em 1978, congregando trotskistas, anarquistas e independentes contra a tradicional frente liderada pelo PCB e apoiada por cineclubes mais conservadores. Nossa proposta, para usar uma só palavra, seria assembleísta, buscando integrar o público à estrutura da atividade de programação e debate. Visávamos formar não só culturas cinematográficas alternativas, ligadas a cada específica comunidade frequentadora, mas também formar entre os expectadores esboços de um laboratório de análise crítica ou de práticas de discussão, práticas insipientes, mas necessárias para que se fizesse jus ao nome Cineclube. A escolha da programação seria assim em parte do público, incluindo a produção dominante nos cinemas e na TV. Pensávamos em nos desembaraçar de uma ideia viciosa de programação pré-fabricada. O cineclube seria não só o Sistema de veiculação (eventual circuito de fitas engajadas ou nacionais), mas a Formação de críticos, cineastas e públicos, aptos a debater em seus diferentes círculos de participação, dos pequenos núcleos de atividade ao público maior das sessões. Depois de 1978, com a derrota da chapa Deflagração na Jornada Nacional de Caxias do Sul, foi-se implantando um sistema de distribuição importante para a construção de uma difusão paralela do cinema brasileiro, que vai da Dinafilme, nos anos 1970, aos dias de hoje, com a Programadora Brasil. Desde então cineclube é, como hoje, circuito de exibição paralelo, e raramente um circuito de interação comunitária, circuito de debates e de formação de uma cultura audiovisual crítica. O modelo de Dziga Vertov, com O Homem da Câmara (1929), que inspirava a Deflagração, assim como a revista Cine-Olho (1976-1980), de que fui editor, nos parecia formidável. Sugeria algo como distribuir varas de pescar em vez de peixes. Em lugar de um filme de Pudovkin, ou algum realismo socialista, que já trariam “a visão correta”, teríamos a visão entusiástica de como se fabricam imagens. Havia experiências que 39

apontavam nesta direção no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás e no Nordeste, como as iniciadas na USP pelo Cineclubefau e o Luz Vermelha, da ECA, que formaram em 1977 um circuito de cineclubes universitários, o Cinusp. Salvo engano, tais esboços se pulverizaram demais como política cineclubista de lá para cá. O CAC, da PUC-RJ, onde nasceu a Cine-Olho, era um dos modelos mais interessantes, e um dos poucos a trazer farta programação superoitista. Na Cine-Olho participamos de uma busca difusa por um cinema mais livre, em que havia um jogo para se designar ou adivinhar um movimento não comprometido com os padrões do mercado, ainda não era bem o do Cinema Marginal, mas que deveria incluí-lo. Até se chegar a alguma aceitação do nome “cinema marginal”, por exemplo, foram cogitados diversos outros, “cinema do lixo”, “cinema cafajeste”, “cinema da boca”, “udigrudi” (que o Glauber adaptou de underground para caçoar da nova onda como velha colonização). Também era um cinema que não existia ainda, que seria uma espécie de nova opção, oscilava entre várias designações, desarticulado como movimento de fato (no sentido praticado pelo Cinema Novo nos tempos da “Estética da Fome”, bandeira agora substituída pela “Mercado é Cultura”). Então se pensava: “cinema alternativo”, “cinema não alinhado”, “cinema experimental”, “cinema marginalizado”, “cinema diferente”, ou mesmo “cinema independente”. São incontáveis: só numa linha mais irônica teríamos “cinema ovo”, “megalomaníaco neo-cinemanovíssimo”, “vanguarda acadêmica”, “antropofagia erótica”, “terrir”, etc. Sobre essa designação variada temos uma produção enorme, na qual se incluem os filmes em Super-8, mas também os feitos em outras bitolas. Às vezes em vídeo, um pouco mais no fim dos anos 1970, e mais nos anos 1980, quando se torna opção dominante. E o 16 mm, sem dúvida, também continua importante. Essa produção independente não está muito bem mapeada e, por vezes, nem sequer levantada. Sabemos generalidades do tipo: predominam nessa época fitas de curta duração e em preto e branco, à exceção do Super-8, que se populariza já em colorido. Não há muitos trabalhos de reflexão; eles são em geral manifestações pontuais: o cinema de Arthur Omar ou João Batista de Andrade, que agora está sendo estudado; enfim, temos pouca coisa discutida sobre o tema. A filmografia Super-8 ainda tem um problema: ela vai desaparecer por desafiar o próprio estatuto do que é cinema. É mais perecível, realizado artesanalmente, depois veiculado e guardado em casa. A projeção do filme não é a de uma cópia; você projeta o original. Isso concorria para que as sessões fossem raras já na época, e de lá para cá com a quebra dos projetores, que são eletrodomésticos frágeis, baratos, obsolescentes, para o pai de família mostrar a viagem, o churrasco que filmou. Eles se estragavam com facilidade já na projeção. Fica aquele típico arranhado, para sempre visível! Era mesmo um perigo, arranhar não é nada, se a engrenagem do projetor arrebenta a película, você perdeu parte da fita. Aqueles fotogramas, nunca mais, tchau! Se a polícia apreende? Houve alguns casos. O transporte extraviou? Esqueceu na cadeira do bar? Numa gaveta da chácara? Há filmes em Super-8 desaparecidos por falta de cópia, ou negativo – mandar fazer uma cópia em celuloide ou em vídeo 40

poucos praticavam, eram ainda caras, e bastante ruins. Aquela história que conhecemos da reprodutibilidade técnica, ensejando a perda da aura, pensada por Walter Benjamin diante do cinema, é uma questão interessante de se pensar no caso do Super-8. Ao circular, o autor já acaba preferindo ir junto com o filme, seja por receio de extravio, ou medo da polícia pegar, paúra de que o projecionista vá mutilar, mascar seu filme; acaba por levá-lo debaixo do braço, irá postar-se ao lado do projetor, ou vai querer ele mesmo projetar com suas próprias mãos. Alguns ficavam divididos entre ficar colado ao projetor ou posicionar-se para sentir a plateia, afinal sabia ser uma rara oportunidade para captar reações. Superoitista, então, não ficava emprestando o filme; temia estrago, perda; ele levava e projetava. Então, de certo modo, isso faz com que as sessões tivessem sido irrepetíveis com o hic et nunc, um aqui-e-agora raro – implicando algum tipo de aura. São sessões de que as pessoas se lembram como experiência ímpar: “eu vi esse filme aí!”, “mas você viu mesmo esse filme?”. Então se imporia uma discussão em torno do conceito de exposição da obra de arte, que estudamos no célebre texto de Benjamim, “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”. Há um valor de exposição numa projeção do Super-8 que é diferenciada, isso acaba repercutindo de alguma forma no modo como se concebe e se percebe um filme. Então, se dimensiona uma espécie de radicalidade já na opção de se fazer um Super-8, diante da precariedade e do risco que se assume; em diversos aspectos isso acaba afetando as estéticas que se desenvolvem entre os superoitistas e o seu público. É importante falar disso, porque é um fator que diferencia. Em princípio, muitos filmes em Super-8 poderiam ter sido feitos em 16 ou 35 mm, não seria tão decisivo assim no âmbito do seu resultado final. Em sessão de bitolas misturadas, como as que tínhamos na Jornada de Salvador, só um olhar meio perito distinguiria a textura de cada exata bitola projetada. Porém, o que se conseguiu a partir dessa precariedade técnica de câmeras amadoras, em que era só apertar o botão e sair filmando, multiplicava-se como certa experiência social numa cultura de massa, na qual todos pareciam circunscritos, ainda que se considere, como se deve, toda exclusão inerente. A sua novidade técnica dentre as câmeras amadoras está em descartar um saber técnico mínimo que ainda se exigia para operá-las. Isso faz com que uma série de desdobramentos estéticos destes amadorismos técnicos fosse se desenvolvendo ao longo dos anos 1970, e diferenciasse de fato essa produção das outras. Uma específica estética do precário vai se incorporando também nas outras bitolas, existe uma mimese entre os diferentes suportes, que faz com que, em diferentes práticas, possa se encontrar uma estética indelével do Super-8. Por exemplo, em filmes como A Rainha Diaba (1973), de Antônio Carlos de Fontoura, ou no curta de Glauber Rocha sobre o Di Cavalcanti, Di (1977), há procedimentos de soltura da câmera 35 mm que mostram a impregnação de novos repertórios gestuais do olhar cinematográfico, difíceis de verificar antes do Super-8. Isso se pode afirmar independente de sabermos que Glauber já tinha filmado em Super-8 no exílio; e de Fontoura ter declarado combinar então com o seu fotógrafo, José Medeiros, uma deliberada 41

imitação da câmera Super-8. Há, com efeito, uma questão que eu estou aqui delineando, compreender a técnica junto com toda uma época, seus humores e aqueles determinados fatores que se compõem: a contracultura, o sufoco ditatorial, a simpatia pelo espontâneo, a abertura lenta, gradual e relativa – mas que seria prudente e preciso discutir mais concretamente a partir dos filmes realizados. Pois bem, o que podemos chamar então de um efeito Super-8, se insinua e grassa como certa facilitação técnica, a redundar em faturas rústicas, mas desenvoltas, explorando e elaborando o que o estrito profissionalismo em voga chamaria de erro, mera barbeiragem ou incompetência técnica. Ver na espontaneidade expressiva do Efeito Super-8 a fatura incompetente – como se ouvia no métier – viria em duplo sentido corresponder ao ponto de vista “bitolado”. Apertar o botão e sair filmando, eis o gesto libertário! A frase de Oswald de Andrade sobre a “contribuição milionária de todos os erros” pode agora se converter em prática, melhor dizendo, fará parte da nova práxis do cinema. Diferente das câmeras amadoras – desde as 16 mm e as Pathé Baby nos anos 1920 até as Regular 8 – antigas 8 mm fabricadas ainda nos anos 1960, as Super-8 vêm facilitar sobremaneira o manuseio. Dado que a exposição automática da película dispensa medições e regulagens, o foco, já se está vendo diretamente pela objetiva e se corrige na hora, fica difícil tomar imagens difíceis de ver, depois dessas câmeras com autofotometragem e zoom por visor reflex. Na prática, qualquer criança pode sair filmando, apenas tendo uma intuição do que é filmar – o que é um pouco congênito para quem, desde os anos 1950, nasceu assistindo a TV, com os filmes e reportagens que ela veio incorporar. O que aconteceu a partir da invenção do Super-8, em 1965, foi uma comercialização com preço acessível, similar ao das câmeras digitais de hoje. A consciência dessa precariedade no contexto histórico brasileiro, cultural ou artístico, deu um significado especial a essa produção feita com pouco. Tal como, aliás, num patamar anterior, o fizera o chamado Cinema Marginal, ainda que ali respeitando mais certos padrões convencionais, como o 35 mm, o longa-metragem. Quando Rogério Sganzerla, no final dos anos 1960, propunha espirituosamente que no Brasil passássemos a fazer filmecos (palavra inequívoca e assumidamente depreciativa), glosava e traduzia em miúdos ideias de Glauber Rocha que marcaram o Cinema Novo. Mas a sua radicalização visionária não podia então prever que na década seguinte isso se concretizaria de fato; e, sobretudo, via Super-8. Escrito em 1965, o manifesto “Uma estética da fome”, de Glauber Rocha, propunha a seu modo fazermos frente à indústria cultural, não tendo que imitar modelos hollywoodianos, estandardizados, com filmes caros e localmente complicados, produção alambicada, como se tentou por aqui no pós-guerra e, aliás, desde sempre. Talvez a história tenha se restringido a salientar uma leitura política mais imediatista naquele texto de Glauber, dando relevo à efetiva tática anti-imperialista de grande impacto naquele contexto. Os pressupostos do manifesto que devem se salientar são os de que, no Brasil, como em geral no Terceiro Mundo, não teríamos uma indústria cinematográfica, nem cultura técnica e nem política cultural suficiente para resolver 42

a curto ou médio prazo as necessidades requisitadas por aqueles modelos dos países mais desenvolvidos. O resultado ao longo do século XX são filmes muito artificiosos, atavicamente engessados e soando falsos, descompassados entre intenção e fatura, proposta e performance, como os que já analisara em seu livro de 1963, Revisão crítica do cinema brasileiro. Não haveria condição estética, política nem cultural no Terceiro

Mundo que sustentasse de uma hora para outra a realização cinematográfica nos padrões tradicionais do mundo desenvolvido. Não se pode, por conseguinte, construir uma experiência histórica capaz de alimentar tais padrões técnicos teimosamente idealizados na periferia do Primeiro Mundo. Como, então, se resolveria o problema de não termos em horizontes próximos uma indústria e, no entanto, seguidamente tentarmos um padrão industrial (ou pseudo industrial), com suas estratégias de produção, ambições técnicas e programas estéticos? A resposta desenhada no manifesto passa pela convocação ao trabalho com a técnica concretamente existente, praticável (e já de algum modo praticada) em nosso contexto cultural e artístico. Técnica não é aqui só o aparato, a tecnologia, a aparelhagem velha e obsoleta. É também a cultura técnica sedimentada num sentido mais amplo, é gente capacitada artisticamente para interpretar certos papéis como ator; gente formada para manipular com destreza, criatividade, aquelas máquinas e aparelhos já disponíveis. Neste sentido, o que repercutiria do manifesto se traduz no plano prático de modo antagônico à nossa tradição mais colonizada, como se pudéssemos agora dizer: “precisamos parar de conceber a técnica como ideologia”,

Exposed Edgar Navarro, 1978

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“vamos baixar a bola, começar o trabalho a partir do que a gente já sabe e tem condições de fazer”, “chega de fetiche hollywoodiano”. O que urge, então, é romper de vez com idealizações inatingíveis, assumir a precariedade de recursos, mas fazendo algo elaborado, algo esteticamente rico com essa pobreza dos meios. E o Cinema Novo, de determinada maneira, já vinha construindo um capítulo importante nessa conquista desde seus primeiros filmes. Glauber, quando escreve, já reflete sobre o que ele próprio e a sua geração vinham fazendo até ali. Coisas como certa apropriação inusitada de temas locais, argumentos originais e contemporâneos, enredos otimizando atributos conhecidos e talentos inexplorados de atores e técnicos, além da invenção da famosa “luz estourada” no sertão. E, enfim, o próprio lema maior do movimento: “Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”. Depois, sabemos que o Cinema Marginal vai até radicalizar isso em vários aspectos porque vai filmar com ainda menos dinheiro, estrutura e condições. E o Super-8 é, então, nessa linhagem, aquilo que Glauber nem chegou a supor em seu manifesto, não a esse ponto. Malgrado datem do mesmo ano a escrita daquele revolucionário manifesto e o lançamento nas lojas ianques da simpática bitola caseira, ninguém imaginaria, em 1965, tal convergência. No entanto, aí descortinaríamos no plano da criação de formas cinematográficas talvez a mais funda repercussão da Estética da Fome em termos de realização poética. Uma particularidade que me parece singular desta produção superoitista foi a de entrelaçar artistas, poetas e irrequietos cineastas iniciantes. É provável que fique mais evidente na práxis superoitista que nas outras o interesse estético do defeito técnico ser visto como efeito técnico, sua prazerosa incorporação com o sinal invertido. É significativo o fato de que os artistas plásticos brasileiros se interessem demais, sobretudo entre 1970 e 1975, pela nova bitola, inscrevendo alguns de seus filmes nos primeiros festivais de Super-8, desde 1973, quando começaram. Ainda no início dos anos 1980 estão interessados em mostrar seus filmes nesses festivais artistas de proa, como o recifense Paulo Bruscky. Esse fato de artistas plásticos participarem dos festivais de cinema contribuiu para uma mistura bem mais heterogênea. Tal experiência de alteridade por parte do público e dos próprios cineastas propunha uma espécie de sessão-salada que, embora particularmente provocativa, não era bem uma novidade se pensamos no quadro cultural da segunda metade dos anos 1960, no Febeapá – Festival de Besteiras que Assola o País – descrito na imprensa da época pelo cronista Stanislaw Ponte Preta. Era o estado de rebaixamento à diversidade permitida, difundida nos meios de comunicação pós Golpe de 1964. Havia também os Festivais de MPB televisionados, os programas do Flávio Cavalcanti, do Chacrinha; o próprio Tropicalismo eclode na TV, mais do que no rádio. Entretanto os filmes dos artistas, vocacionalmente esquisitérrimos o mais das vezes, devem ter tido a sua importância nos festivais de Super-8. O público podia não entender nada daquilo, mas eles estavam lá concorrendo. Penso na interação de filmes de artista, via de regra mais exigentes e elaborados, com os demais, e com os jovens cineastas querendo iniciar sua carreira, seu próprio caminho. A espécie de amadurecimento estético que se processa implicando com o uso dessa arte da precariedade técnica. O 44

convívio das imagens tremidas, montadas de modo inusual, não raro ingênuo, cada vez mais riscadas pelo projetor, desde as primeiras projeções, não impede que possa dar resultados estéticos de interesse, de riqueza, questionadores e de uma interrogação forte. Cheguei a ouvir na época de um jovem poeta, não me lembro do nome, acho que era o Tavinho Paes, viera do Rio para um evento literário em São Paulo, algo que retive como uma boa definição do Super-8. Ele tinha acabado de improvisar um happening, mijando do alto das escadarias do Teatro Municipal com pose de anjinho barroco, e veio nos dizer com empolgação uma frase que repeti muitas vezes, dado que tínhamos na mão uma filmadora: “O que eu adoro no Super-8 é aquele acontecimento, aquela luz imprevisível estourando na tela, o ruído-crcrcrcrcr, as imagens cheias de riscos, tremidas, desfocadas, desbotadas”. A produção em Super-8 é numericamente grande, e até hoje não faz parte da história do cinema brasileiro. É ignorada em parte por boas razões, em parte por más. Comecei a fazer um levantamento completo e logo desisti; era muito mais filme do que supunha, fiquei só com o filme experimental. Vinham dos festivais, em geral desde o momento da inscrição, as quatro categorias: Ficção, Documentário, Animação e Experimental. Quando isso ainda era livre e o festival era quem classificava, não raro encontrava-se na categoria experimental tudo o que causava dúvida, não encaixava em nenhuma das alternativas anteriores, uma espécie de prateleira “outros” ou por mesclar os gêneros, ou por não respeitar seus cânones típicos. Logo se descobriu ser menos embaraçoso deixar que o autor escolhesse. Então, experimental passava a ser o que o realizador pretendia que fosse experimental. Torna-se imponderável a variedade de critérios no caso; dos mais singelos aos mais complicados. Todos sabemos que depois de O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, ficou mais fácil reencontrarmos aquela dúvida reversível que o filme reverbera, fórmula, aliás, emprestada às crônicas de Nelson Rodrigues: “Poucos saberão dizer se é um gênio, ou uma besta”. Em meados da década de 1970 fui aluno de Paulo Emílio Salles Gomes na USP, e me lembro de ouvir seu entusiasmo com um festival de Super-8, chegando para os alunos com uma inusitada conclusão: “Saí com uma impressão curiosa de que os cineastas sempre eram mais interessantes que os seus filmes”. Embora inesperada, pareceu-me justa a observação, uma ideia muito provocadora, cujo sentido ultrapassava a mera maledicência que o senso comum podia apreender. Mas depois, frequentando a diversos festivais pelo país, vi que aquela impressão estava longe de ser exclusiva do mundo superoitista. Em algum sentido diz respeito ao fazer cinema no Brasil. Essa exuberância talvez fosse notória e sintomática de questões importantes de se discutir historicamente, mas como? Há uma charge do Jaguar que marcou nossa geração, na Revista Civilização Brasileira, em 1965, e que desde então ficou muito comentada. Virou um clássico da charge brasileira e figurou no imaginário dos debates sobre a vocação problemática do cinema nacional. Víamos nela dois indivíduos na saída movimentada de um cinema. Um vira para o outro e diz: “O filme é uma droga, mas o diretor é genial”1. Jaguar me disse recentemente que a charge causou reações no meio cinematográfico e reprimendas pessoais de Glauber Rocha, que vinha de lançar Deus e o Diabo na Terra do Sol.

1 JAGUAR, Sérgio Jaguaribe. Festival do Cinema Brasileiro. Revista Civilização Brasileira. Ano I, n. 5/6, p. 204, nov. 1965. Há uma versão digital disponível em: www.socine.org.br/ rebeca/ fora.asp? C%F3digo=102

Acesso em: 22 set. 2013.

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O surto superoitista coincide com a Ditadura, do seu pior momento às “Diretas Já”. Na pesquisa que fiz, levantei cerca de 600 títulos de filmes supostamente experimentais em Super-8, realizados entre 1969 e 1985. Deles, cheguei a ver uns 400, para selecionar os 120 do panorama Marginália 70: o experimentalismo no Super-8 brasileiro, promovido pelo Itaú Cultural entre 2001 e 2003. Daquelas quatro categorias usuais, ou institucionais, talvez só o número de animações pudesse ser comparado aos experimentais; a quantidade de documentários e ficções seria provavelmente umas dez vezes maior. Na pesquisa decidi adotar, em princípio, um critério abrangente,

Zona Sul acolhendo generosamente todos os tipos de cinema experimental, ou pseudoexpeHenrique Faulhaber, 1972

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rimental, incluindo os que apenas desconfiava serem experimentais, mesmo que alguns realizadores reagissem contra, falando “não, eu nunca fiz cinema experimental; não tenho nada a ver com isso”. Claro que não os acatei. Parti daquele princípio segundo o qual o autor é o menos autorizado a falar sobre o seu próprio filme, tem menos isenção, distância. Eu acho que é preciso, nesse caso, assumir um ponto de vista crítico como historiador, e não ficar a reboque do que dizem jornalistas, realizadores e mesmo a própria crítica. Cada um deve assumir um olhar crítico próprio, como analista, curador, historiador, pedagogo, ensaísta: vejo entre todas essas figuras um substrato crítico igualmente necessário. Em nome justamente dessa experiência crítica pretendida como um trabalho público o mais transparente possível, republicano no melhor sentido que possamos compreender, é que eu vejo a necessidade de fornecer um quadro múltiplo de dife-

rentes propostas, para podermos observar suas amplas interações. Num país como o nosso, e mais ainda num terreno pouco conhecido e debatido como esse, parece-me fundamental a riqueza de podermos comparar, apreender um momento histórico em sua diversidade máxima. Temos, por um lado, uma História do Cinema Experimental, assim nomeada, que começa a ser escrita mundialmente só no início dos anos 1970. Antes disso, apenas livros e ensaios parciais, localizados, do underground estadunidense, das vanguardas dos anos 1920 contempladas de um pós-guerra europeu, a arte deste ou daquele realizador e sua geração, etc. De toda a história mundial do cinema experimental que pude cotejar, só um traço pude, em princípio, identificar com o panorama que eu estava investigando (mesmo assim só descobri depois, e por acaso): cerca de um terço da produção experimental é filme de artista plástico, em média, desde os anos 1920. No mais, toda diferença parece falar mais alto que as semelhanças. Fundamental também é integrar ao panorama experimental como no de vanguarda o filme político, o agit-prop, o filme militante – com frequência observadores daquele princípio básico atribuído a Maiakovski: “Não há conteúdo revolucionário sem forma revolucionária”. Com isto, mesmo os mais “conteudistas” intuem que é preciso mexer com a forma também; a forma convencional, suspeita-se, não vai mexer muito com os velhos conteúdos. Há aí uma vontade artística que se vincularia à vontade política, num encadeamento em que uma passa a exigir a outra, ainda que tardiamente, ainda que demore o tempo de uma maturação pessoal e coletiva do processo de trabalho criativo. Além disso, existirá uma série praticamente infinita de diferentes modalidades do cinema de vanguarda ou experimental a pensar, incluindo-se as já pensadas. Eu englobei tudo, em princípio, nesse grande conceito guarda-chuva de cinema experimental como estratégia crítica, até para poder comparar eles todos entre si, mas, sobretudo, sabendo que muita coisa que não se quer de vanguarda, pode sê-lo; e vice-versa. Em terra de cineastas tão cultuados quanto pouco analisados e debatidos – como os “primitivos” Ozualdo Candeias e José Mojica Marins, sem dúvida visionários e antecipadores –, é preciso, no mínimo, atenção maior. A diferença conhecida dos filmes experimentais para com o restante dos filmes de esquerda feitos no país é notável. Entretanto, a zona limítrofe entre um campo e outro não me parece muito fixa e estabelecida. Isto se deve, de algum modo, ao pouco interesse e mesmo pouco preparo da crítica para a discussão tanto do aspecto político quanto do formal e estético do nosso cinema mais experimental. A boa crítica, como disse Siegfried Kracauer, não é a que conhece só cinema, é a que conhece também o assunto dos filmes, exigindo uma formação dupla do analista, em arte e em sociedade. O cientista social ingênuo em estética e cinema não terá muito que dizer sobre um filme experimental, mesmo que se interesse. Um crítico de cinema pode, enquanto cinéfilo típico, avaliar bem uma obra estilisticamente, mas pouco terá a dizer de um filme além de clichês sobre o ponto de vista político, histórico, psicológico, etc. O filme experimental é aquele que tenta fazer aquilo que é potencialmente possível 47

com o cinema – mas que nenhuma prática está fazendo; aquilo que é potencial do cinema e ultrapassa ou surpreende os parâmetros com que a crítica está trabalhando. Um dos interesses centrais do cinema experimental tem sido o de fazer aquilo que interroga o que estamos fazendo; seja na sociedade, seja na própria atividade cinematográfica. Como definição provisória, estamos diante de algo que é difícil de ser definido, pois depende de circunstâncias singulares e do que está sendo praticado; é nesse caso uma questão viva a ser resolvida. A teoria do ensaio como formalização do pensamento é indispensável no auxílio a esse debate. A partir do momento em que você começa a praticar determinadas leis de construção formal do filme, dentro de um estilo convencionado, de uma modalidade, isso passa a não ser mais experimental, isso é trabalho acadêmico. Então, a questão da vanguarda se repõe, pois ela nega por programa o que se convencionou. Nem todo filme experimental pode se pretender de vanguarda, ou deveria de fato ter vínculos com alguma vanguarda, pois ao contrário do que nela se propõe, ele não constrói junto com a obra um programa manifesto de conceitos, implicando ruptura ou negação para com um legado prático ou teórico. Por isso, o conceito de experimental seria mais abrangente que o de vanguarda. Ele admite também gente que está tateando num fazer artístico extraordinário, às vezes de grande invenção, mas sem a ambição manifesta de dialogar necessariamente com esse ou aquele conceito, tradição ou proposta - isso viria a ser um gesto posterior da interpretação crítica, e porventura fora da experiência autoral de criação. O que eu quero dizer com isso tudo é que a produção mais questionadora do status quo no período que nessa hipótese seria, sobretudo, a experimental vai ter um perfil escapando muito dos parâmetros mais sólidos com que a esquerda ou a teoria social pensava no campo cinematográfico. Se formos aos termos mais gerais da vaga tropicalista (um termo que logo colou, e demais até, abrangendo com abuso coisas muito distintas entre si) mesmo alguns dos mais penetrantes artigos de recepção da onda experimental no fim dos anos 1960 se interessaram mais pelos seus limites que pelas suas virtudes. Um texto brilhante e incontornável como o de Roberto Schwarz, “Cultura e política, 1964-1969”, pode ser considerado ainda hoje o mais paradigmático ou representativo dessa resistência da esquerda contra o tropicalismo, fornecendo argumentos, intuições e instrumentos conceituais, embora ultrapasse essa questão e revelou-se sob certos aspectos atual (e mais ainda com Gilberto Gil chegando ao Ministério da Cultura). É enorme, todavia, a sua utilidade para se pensar a produção cultural e artística pós-68 no país incluindo-se a que estamos aqui abordando. Neste artigo, em vez de analisar obras a fundo, tal como o ensaísta costuma fazer de modo singular e singularizante, em crítica imanente, circunstanciada em perspectiva social apoiado em lapidar detalhamento formal, sensível e nuançado, o objeto aqui é algo como uma experiência direta da eclosão tropicalista. Constitui certa morfologia de um conjunto de obras reconhecíveis, porém relativamente anônimas. Isto é, não são ali nomeadas ou, em todo caso, não discutidas criticamente enquanto 48

obra experienciada em sua unidade forte ou inteireza. Os atributos formais presentes nesta análise de obra coletiva, amalgamada na descrição, correspondem ao conjunto

das obras instauradoras ou, em determinado sentido, às mais ruidosas do movimento todas do seu início, dado que o ensaísta escreveria entre 1969 e 1970, já no exílio. Toma o Tropicalismo como uma resposta à participação, um desdobramento ou contrapartida ao processo promissor que se instaurava ao longo de um aprendizado proposto pela década de 1960. Nem poderia se dar de outra maneira sua aproximação, uma vez que o seu percurso e o substrato essencial da tarefa crítica, então mobilizado, articularia exigente leitura crítica, de intervenção, num momento de particular culminância da história cultural e política de toda uma geração. Ademais, justifica-se tal reação intelectual pelo caráter promocional mercadológico assumido pelo fenômeno tropicalista, ainda que contraditoriamente. A unidade conjuntiva se incrementaria pela ação fetiche dos media. Isso ajuda a conferir inequívoca coerência ao que Schwarz descreve, enfim, àquele amálgama que se estabelece e se enuncia entre as obras no seu conjunto, em seu próprio modo de veiculação. O que se pode objetar é que muito embora a sua crítica se vincule à parte bastante considerável do que se produziu, certas obras, já num primeiro momento e, sobretudo, na sua sequência, questão de meses ou anos, se distinguem e fornecem experiência de significado inovador mesmo na direção crítica reclamada por parte da esquerda, ou pela perspectiva no ensaio delineada. E isto não se pode suspeitar muito a partir daquela descrição inicial proposta por Schwarz - a qual, no

Caravelas Carlos Porto de Andrade Jr. e Leonardo Crescenti Neto, 1978

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2 Vejam-se tais noções já nos primeiros trabalhos panorâmicos sobre o Cinema Marginal: FERREIRA, Jairo. Cinema de Invenção. São Paulo: Max Limonad, 1986. RAMOS, Fernão. Cinema Marginal (1968-1973): a representação no seu limite. São Paulo: Brasiliense, 1987. BERNARDET, JeanClaude. O vôo dos anjos: Bressane, Sganzerla. São Paulo: Brasiliense, 1990.

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entanto, permanece via de regra surpreendentemente válida, ainda que faltem ali as usuais análises formais de seu mais característico viés de crítica imanente. O que irrompe de contemporâneo em muitas das obras artísticas provocará entrementes centelhas de interrogação: seu espalhafato inventivo, por vezes visionário ou histérico2, deixa imaginar nexos de experiência histórica bastante curiosos. Qualquer que seja o nome que se dê no futuro para o conjunto e os subconjuntos de obras daquele período tropicalista (ou pós-tropicalista), devem ser incluídos por certo filmes como os de Rogério Sganzerla. Sganzerla mesmo talvez intuísse algo nessa direção, ao manifestar-se sempre avesso ao movimento tropicalista tal qual se alastrava. Bressane, por seu turno, se perfilará também um tanto indiferente, a certa distância um tanto blasé, na verdade escolhendo entre vagas de erudição mais ancestral, destilando uma visão própria. Glauber só se manifestaria a favor do Tropicalismo num segundo momento, ou senão já exilado, em plenos anos 1970. Porém, sua defesa do movimento em 1969 é discrepante do que se tornou comum escutar, filiando-o à tradição da vanguarda surrealista e, no Terceiro Mundo, fazendo remontar o que seria o cinema tropicalista ao marco do trabalho mexicano de Buñuel, a partir dos anos 1940. É bom lembrar, a propósito de distâncias e ângulos de observação, que se passaram duas décadas até que um crítico da importância de Jean-Claude Bernardet reconheça que a crítica, incluindo ele próprio, não tinha instrumentos para falar dos filmes do Cinema Marginal. Dizia ele que, a seu ver, isso ajudaria a explicar o silêncio não só da época como posterior sobre um cinema bem visto, senão pelo público em geral, por boa parte da crítica e do público universitário. Isso não quer dizer que não houvesse ao longo dos anos 1970 discussão e até bate-boca; entre realizadores, por exemplo, nos festivais, sobretudo naqueles que reuniam os diversos formatos e bitolas. É o caso da Jornada de Salvador, que costumava passar numa mesma sessão filmes de 35 mm, 16 mm e Super-8, sem diferenciação. E tínhamos debate diário com realizadores e críticos depois das sessões, com ampla participação. Havia altercações memoráveis, “quebra-paus”, e não só porque “baiano gosta de falar”. Fato memorável, uma das principais polarizações que se davam ali era entre o pessoal superoitista e os do 16 mm, os quais correspondiam grosso modo à tradição recente do documentário engajado, e/ou à tradição (não tão recente) da esquerda mais ortodoxa. Já os do 35 mm nem se exprimiam muito nesse foro; sabese que eram filmes mais caros, financiados em geral pelo Estado, sobre temáticas mais sedimentadas, incontestavelmente nacionais, como o patrimônio histórico, o perfil de luminares pátrios, etc. Dentre os superoitistas baianos mais iconoclastas estava sem dúvida a turma de Edgard Navarro, Fernando Bélens, José Araripe Junior e Pola Ribeiro, o qual ainda se diverte ao recordar o que na época eles repetiam, e continuam achando muito engraçado lembrar: “A gente dizia assim, que o pessoal do 35 mm está preocupado em construir monumentos, o pessoal do 16 mm está interessado em questionar monumentos, e nós superoitistas chegamos para jogar merda nos monumentos”. O que diverte nisso não seria só o lado escatológico ou

grotesco, se bem que inextricável do humor de seus filmes - mencione-se apenas esse chef d’œuvre que é O Rei do Cagaço (1977), de Edgard. Mas temos ainda uma espécie de coragem criativa, tentativa de encarar o mais inexplorado, o arriscado, até como viés programático, quase vanguardístico, postura em progressiva difusão. Parece ir junto com a inclinação mais visceral dessa postura um expor-se praticamente intrínseco ao fazer filmes naquelas condições assumidas, tão imediatistas e pessoais. Por exemplo, o mesmo Edgard que apresentou em 1978 um desabafo íntimo e estupendo, o sintomático Exposed e, inquirido pelo público no final dos debates acabou por tirar a roupa diante dos holofotes. Este intuicionismo artístico, necessária e intrinsecamente irresponsável (como, aliás, na arte radical de diferentes épocas)3, levará ali em direção ao selo de porra-louca. A nomeação vinha da esquerda mais convencional; entretanto, por boa parte dos radicais era, naquela altura do campeonato, assumida de bom grado. Em 1979 dois artistas plásticos pernambucanos, Daniel Santiago e Paulo Bruscky, filmam O Duelo, filme do primeiro, em Super-8. Protagonizam um duelo tal como a literatura de séculos anteriores representa. Dois homens escolhem as armas só que as armas eram aqui filmadoras típicas, uma 16 mm e a outra, uma Super-8. Eles tomam distância, dando-se as costas na clareira de uma floresta, há ao menos alguns discretos guinchos de macaco. Caminham passos calculados com uma concentração solene, pseudoaristocrática; pensando bem, não: a concentração soa mais para uma corriqueira obsessão, quase prosaica. Viravamse com frieza e apertavam o gatilho. Em vez de estampidos, o conhecido chilreio das filmadoras. Iam ambos então se aproximando, olhos no visor. Como se a proximidade fosse mais letal, no caso. Os planos frontais filmados mutuamente de cada um deles, surpreendiam-lhes por trás das objetivas, alternando-se com aquele plano de antes, perpendicular e equidistante como num olhar impostado de juiz. Tudo isso vai articular a construção equilibrada, de um tom neutro e contido do filme. Se bem que a simetria lembra algo improcedente como de um arbítrio arbitrário! E os dois se aproximando, acabam batendo de frente, com estrídulo, um barulho áspero de vidro quebrando, etc. Quem detectou a diferença das câmeras coisa minimamente assegurada no circuito a que se destinaria tal obra - poderia dar um segundo passo e também se perguntar em que formato se apresentava aquele filme: copiou-se o 16 mm em Super-8 ou vice-versa? E a parte do juiz, como se filmou? Dois artistas locais de expressão, sob influxos múltiplos do concretismo, do conceitual, do pop, do happening, do dada, etc. - e hoje bastante reconhecidos, mesmo nacionalmente  ali, colocando filme em festival de cinema? O que se atesta com isso? Theodor Adorno dirá que a arte radical guerreia. Essa estranha piada meio alienígena que o filme traz parece falar do ambiente dos próprios festivais. Reflete sobre o fazer filmes que ali se instaura. Até independente das bitolas, é o duelar-se que moveria a criação mais polêmica? Isso faz com que o pessoal mais sério, ou mais engajado, do Partido Comunista ou dos partidos mais tradicionais de esquerda, vissem o pessoal do Super-8

3 Própria da experimentação na arte radical, para Theodor Adorno a irresponsabilidade “faz lembrar o ingrediente do jogo, sem o qual a arte, tal como a teoria, não pode ser concebida. Enquanto jogo, a arte procura expiar a sua aparência. Além disso, a arte é irresponsável enquanto cegueira, enquanto spleen e, sem ele, de nenhum modo existe.” ADORNO, Theodor W. Teoria estética. Tradução de Artur Morão. 1982, p. 52.

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como ultraesquerdista ou anarquista. Na verdade, seria necessário trabalhar mais sobre este espectro radical. Trata-se, à primeira vista, de uma miríade de posturas diferenciadas e na prática irredutíveis ao espectro da vida política institucional. Além de um Paulo Bruscky ou um Edgar Navarro, vamos passar a alguma outra peça dessa constelação: no Rio, Sérgio Péo, antes dele Ivan Cardoso, Torquato Neto, Hélio Oiticica, este em Nova York, ou José Agrippino de Paula; pensando nas diferenças, Flávio Del Carlo, Jomard Muniz de Britto, Rui Vezzaro, Jorge Mourão, Henrique Faulhaber. Vendo-se hoje, de repente e desavisa-

Nosferatu damente, o filme de Sérgio Péo, Esplendor do Martírio (1974), podemos levar um no Brasil susto, enquadrá-lo numa visão de mundo foquista, terrorista ou ultraesquerdista, Ivan Cardoso, 1971

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algo do gênero. É um filme que tem uma pegada de agit-prop meio insólita, pois soa desarticulado, difícil e propositalmente obscuro. Tem também algo do desbunde, da curtição, cujos precursores no Rio foram jovens como Ivan Cardoso ou Giorgio Croce, Henrique Faulhaber. Nesta extremidade diametral da contracultura vamos encontrar estimulantes eclipses parciais ou totais da polis ou da política. Veja-se o caso de José Agrippino de Paula. Considerado um precursor do Tropicalismo com a narrativa pop de seus romances e a inovação de suas montagens teatrais, o paulista realiza em 35 mm o longa Hitler, Terceiro Mundo (1968), pouco após o lançamento da sua obra referência, o livro PanAmérica (1967). Depois de passar pela África, Europa, EUA e América Latina, dando um tempo, como tantos outros na diáspora artística

em tempos de exílio pós-68, roda em Super-8 no litoral da Bahia Céu Sobre Água (1978). Nas águas de Arembepe (localidade ainda hoje conhecida pela experiência comunitária hippie), vemos uma mulher ora grávida, ora não, uma criança em seu colo, e poucas aparições masculinas vão se alternando em temporalidade elíptica. A dançarina Maria Esther Stockler, então sua mulher e colaboradora desde os trabalhos cênicos do final dos anos 1960, movimenta-se na água de maneira a integrar-se com densidade rítmica ao espaço da natureza. É num certo sentido o filme mais hippie que eu conheço, talvez o único em certo sentido: Não sobre hippies, ou com hippies. É um filme hippie no sentido de que ele simbolizaria uma experiência concreta de vida hippie. A sua estrutura nos desafia a propor nexos simbólicos entre os elementos moventes, da presença dos corpos e da Natureza, que se relacionam em fluxos dialogantes. De Agrippino, além do Hitler, Terceiro Mundo, pude ver ainda outros filmes, todos Super-8 e posteriores àquele, mas anteriores ao de Arembepe. Alguns deles, sobre ritos tribais filmados na África, como Candomblé no Togo ou Timbuctu e Mopti, possuem um trabalho bem coerente da câmera, que parece preparar a contemplação dinâmica do filme baiano. Há uma suspensão do tempo comparável. Só que aqui o caso seria diferente dos africanos, embora pelo movimento dos corpos também se atinja uma empatia entre o olhar da câmera e o ritual filmado. A câmera de Agrippino reage, portátil como um pincel, e pode se submeter à presença física mais imediata dos corpos. Sua relação com as coisas que filma supõe uma entrega àquele momento; momentos em que o corpo vai proporcionar a visão que temos. É um tipo de impressionismo que se desprende dos cânones da representação para entrar numa empatia transcendental com os corpos. Um paralelo possível desta experiência pode ser buscado no Super-8 de Hélio Oiticica, Agrippina é Roma-Manhattan, de 1972, inspirado em Sousândrade, Haroldo de Campos e Agrippino (pensemos, sobretudo, em O Guesa, Galáxias e PanAmérica). Foi uma tentativa de Hélio de trabalhar com uma câmera algo tátil, que recuperou talvez dos primeiros filmes de Neville d’Almeida, mas em diálogo com o vanguardismo de Glauber Rocha e possivelmente o underground nova-iorquino de Jack Smith e Andy Warhol. Creio que estes dois filmes, Agrippina e Céu sobre Água são importantes na constelação que me esforço por montar. Não como “influências” (há no mundo estanque da Ditadura pouca interação artística), mas para balizar a compreensão do experimentalismo superoitista que vai se desenvolver no Brasil até o início dos anos 1980. Creio ser possível configurar um novo patamar de propostas estéticas diferenciadas tanto do Cinema Novo como do Marginal, ainda que ligado a eles umbilicalmente. Uma história do cinema experimental, assim como a do audiovisual brasileiro, precisa começar a se interessar pelas centenas de filmes inventivos rodados em Super-8 nos anos 1970, e ignorados pelo surto (no sentido patológico inclusive) industrialista que nos tem acometido. A história local do cinema e da crítica talvez não nos ofereça ainda os 53

tais instrumentos conceituais suficientes. Céu sobre Água é um home movie telúrico em que o lar é a Natureza em temporalidade transcendental, e uma lenta coreografia se integra em superenquadramentos diagramados com harmonia gestáltica muito particular. A expressividade desse trabalho da câmera merece análise, pois parece discursar sobre as relações estabelecidas de um olhar não só para com um espaço mítico da Natureza, mas também com proximidades corporais, que se entrelaçam aos elementos físicos locais. Nas relações que se estabelecem entre corpos e espaço, um parece proporcionar o acesso ao outro, numa interação em que eles se fornecem mutuamente critérios de apreensão. No desafio de descrevermos o que se passa neste filme de ritmo e gesto coreográfico repousa a possibilidade de discuti-lo como obra singular, situá-lo perante as tradições do cinema experimental e das estéticas em vigor no campo artístico (e comportamental), cultural (e contracultural). Toda a criação que se desvencilha das tradições convencionadas por intuição a elas rebelde, com ou sem projeto manifestado, merecem ou deveriam merecer a maior atenção de quem se interessa por arte, pelo fazer artístico, ou ainda pelo papel social da arte. Trata-se do estatuto e do estado atual do olhar crítico. Constate-se que a política andou meio abandonada pelo debate cultural e artístico desde os anos 1980 e este se desabilitou de abordar o que fuja do senso comum, o que não seja mais explicitamente tema, conteúdo político.

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Terceiro ciclo de cinema na Paraíba: tradição e rupturas POR Pedro Nunes

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“Fizemos cinema como resposta à realidade que a gente dispunha... Aprendemos a fazer cinema enquanto linguagem quando muitos cineastas paraibanos continuam a pensar que cinema é encenação de fazer filme. Fomos ladrões de cinema... Enfrentamos a ira dos cineastas locais. Fizemos um cinema muito leve. O cinema é uma escrita muito simples. Somos uma geração diferente. Cumulativamente somos um avanço a relação à geração passada. Não podemos encarar o mundo e a nossa produção sob a ótica do que eles teorizaram. Temos que teorizar a nossa geração... Optamos por uma maneira libertária de pensar cinema... Os filmes que queremos fazer são diferentes.” Everaldo Vasconcelos

Pedro Nunes é cineasta e prof. Dr. do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGC/UFPB) e do Departamento de Comunicação do CCTA/UFPB.

Tá na Rua Henrique Magalhães, 1981.

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No final dos anos 1970, ainda em plena vigência do regime militar brasileiro sob o comando do General Ernesto Geisel, a Paraíba vivenciou o surgimento de um terceiro ciclo de produção cinematográfica com características narrativas e modos de circulação distintos dos movimentos de cinema predecessores. Trata-se da retomada quantitativa e qualitativa em termos da produção de filmes que integram um surto audiovisual caracterizado como “Cinema independente” (NUNES,1988). Esse

Vladimir surto de filmes revela marcas de ruptura simbólica quanto aos modos de produção, Carvalho natureza da bitola, temática voltada para critica social e sexualidade e exibições dos em cena de Cinema Paraibano – Vinte Anos

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filmes através de circuitos paralelos ou itinerantes. A consolidação do então “novo” movimento de cinema na Paraíba brota no esteio referencial de uma forte tradição de cinema dos movimentos passados ancorados desde as experiências pioneiras de cinema na Paraíba, articulações cineclubistas, crítica cinematográfica e o ciclo de cinema documentário envolvendo a realização de filmes basilares para a cinematografia nacional, a exemplo de Aruanda (1960), de Linduarte Noronha, e O País de São Saruê (1971), de Vladimir Carvalho, dentre outras iniciativas no campo do audiovisual. Ou seja, o terceiro ciclo de cinema na Paraíba é motivado e precedido historicamente por um conjunto de ações, fatos, acontecimentos e iniciativas que auxiliam direta e indiretamente nesse processo de retomada da produção cinematográfica na Paraíba com marcas expressas de artesanalidade

da produção, originalidade, inventividade no campo das construções narrativas e transgressões temáticas. Também é importante destacarmos que outros fatores interferiram de forma direta no processo de retomada da produção audiovisual em forma de movimento. Neste sentido, a Universidade Federal da Paraíba tem um papel de destaque com a criação do Curso de Comunicação Social (1977) e a implantação do Núcleo de Documentação Cinematográfica, que encampou um convênio de cooperação com o Cinema Direto. Outro aspecto importante é que em Campina Grande a então Universidade Regional do Nordeste com seu Curso de Comunicação Social (1974) também se destacou com várias iniciativas no campo do cinema centralizadas, principalmente por Machado Bittencourt, através da produtora Cinética Filmes. A UFPB, amparada a essa forte tradição de cinema de base documental, incorporou ao seu quadro institucional integrantes da segunda geração de cinema, como o diretor Linduarde Noronha, o fotógrafo Manuel Clemente, o crítico Paulo Melo, Jomard Muniz de Britto, Lindinalva Rubim, Pedro Santos, o montador Manfredo Caldas, Jurandir Moura e José Umbelino. Esses profissionais com atuações diversificadas no campo do cinema e do audiovisual, presentes no Curso de Comunicação Social, Coordenação de Extensão e Núcleo de Documentação Cinematográfica da Universidade Federal da Paraíba contribuíram, de forma decisiva, para a formação de uma terceira geração de cineastas na Paraíba que compreende o período de 1979 a 1983. Podemos dizer que o terceiro ciclo de cinema na Paraíba apresentou uma feição extremamente heterogênea, integrando realizadores com destacada vivência profissional que interagiram com cineastas principiantes. O traço distintivo do terceiro ciclo de cinema na Paraíba é então essa pluralidade de vozes que se agrupam em torno da reflexão sobre a natureza do cinema paraibano, processo de produção e circulação de filmes, tendo com predominância a utilização da bitola Super-8. Nessa fase de retomada da produção audiovisual na Paraíba, o Brasil, através do poder político militar, ainda amargurava com as ações da censura imposta aos meios de comunicação, livros, filmes, peças teatrais, perseguições aos artistas e militantes, realização de torturas, repressão aos movimentos sociais e perseguição aos grupos sociais e indivíduos contrários ao regime militar e intensa repressão ao movimento estudantil. Concomitante aos atos de repressão e cerceamento da liberdade de expressão vigentes ao longo da década de 1970, Geisel sob crescente pressão política e protestos de segmentos da sociedade civil implementou o que denominou como um “processo de abertura política”, tendo como lema a “abertura lenta, gradual e segura”. É então neste contexto sociopolítico que brota o terceiro ciclo de cinema paraibano com dinâmicas próprias de funcionamento, traços de ruptura temática no processo de codificação, bitola, temática voltada para crítica social e veiculação da mensagem através de circuitos não convencionais. São produções acabadas intencionalmente para ocupar “outro” circuito paralelo, adquirindo em seu conjunto uma dinâmica própria de funcionamento. 59

Essas produções audiovisuais de caráter nitidamente regional situam-se num contexto do surgimento de outras narrativas experimentais com linguagens provocativas: edições marginais, grafites, atividades teatrais, quadrinhos, pintura, imprensa alternativa... que quase sempre questionavam a moral estabelecida. No âmbito internacional, eclodiram de maneira pluralista os movimentos denominados alternativos: ecológico, pacifista e antinuclear. É o aflorar explícito dos movimentos sociais e, consequentemente, o seu enfrentamento com o Estado. O ciclo em questão apresenta marcas artesanais bem expressas, cujos filmes nascem basicamente no seio da Universidade, que contribuiu com empréstimos de equipamentos e liberação de filmes virgens, muito embora uma parcela mínima dos realizadores efetivasse trabalhos às suas expensas com total liberdade de criação na elaboração de propostas audiovisuais.

Cenários dos novos ciclos de cinema Super-8 Torquato Neto, com seu espírito inventivo e dilacerador, conclamava o público leitor de sua coluna Geléia Geral para debater/realizar produções em Super-8. Símbolo de uma geração que começa a desconfiar das posturas estéticas linearmente engajadas, o poeta da alegoria “suicida” vislumbrava na minibitola Super-8 a possibilidade de exercitação criativa dizendo: “Qualquer filme é a projeção de um sonho reprimido. E eu quero que esse sonho seja liberado, seja livre sem nenhum limite. O cinema é feito por cineastas, filmakers e eu quero que ele seja feito por todo mundo. Super-8... oito crianças... Isso será cinema” (NETO, 1982, p. 26). O fervor cultural dos anos 1960 (atuações do Centro Popular de Cultura – CPC/ UNE, Movimento de Cultura Popular – MCP trabalhando as ideias de Paulo Freire, movimentos sindicais e estudantis) era interrompido, eclodia numa outra esfera e com uma performance anárquica, o tropicalismo; que nas entrelinhas de sua irreverência, combatia a militância ortodoxa populista, lançando preocupações com a transformação individual. São os fenômenos culturais acompanhando o processo de mutação da vida social. Com o recrudescimento político (Lei de Imprensa e Lei de Segurança Nacional) servindo de suporte auxiliar para o “milagre econômico brasileiro” e a construção de um “Brasil Grande”, o Estado arquiteta seu ideário político de mutilação artística e passa a subvencionar a produção cultural de seu interesse. Os produtores de cultura enfrentam uma situação paradoxal no sentido de aderir ou desvencilhar-se das exigências da “cultura oficial” com o selo forte e imperativo da censura. A dinâmica da cultura brasileira é então afetada a partir de 1968, com um novo golpe de Estado. Nos anos 1960, conforme argumenta Heloisa Buarque de Holanda: O cinema fora talvez a manifestação mais crítica e questionadora do papel do artista dentro das relações de produção. Na década de setenta é o cinema que adere mais sintomaticamente às novas exigências da política cultural do Estado. Alguns dos princípios representantes do cinema novo lançam-se à produção cinematográfica em 60

grande escala e, além da qualificação técnica justificam-se pela divulgação de conteúdos supostamente populares (HOLANDA, 1981, p. 92).

O Brasil regido pela doutrina de segurança nacional respira um clima tenso com a instauração dos Atos Institucionais, o cerco incisivo do Estado às manifestações políticas contrárias ao regime militar, atuações da censura sob a chancela oficial interferindo diretamente nas produções culturais. O impacto dessa nova ordem política gera situações de verdadeiro terror, mas ao mesmo tempo produz formas de resistência cujo delineamento se opera em contraponto à cultura oficial e ao próprio estado repressor da época. Jornais como Pasquim, Opinião, Flor do Mal transgridem os sacramentos da grande imprensa evidenciando a não neutralidade dos fatos, a parcialidade, a questão da subjetividade e, sobretudo, com uma linguagem voltada para o questionamento de situações da realidade brasileira. Heloisa Buarque de Holanda observa o seguinte: É exatamente num momento em que as alternativas fornecidas pela política cultural oficial são inúmeras que os setores jovens começarão a enfatizar a atuação em circuitos alternativos ou marginais. No teatro aparecem os grupos ‘não empresariais’,... na música popular os grupos mambembes de rock, chorinho etc; no cinema surgem as pequenas produções, preferencialmente em super-8 e, em literatura a produção de livrinhos mimeografados... É importante notar que esses grupos passam a atuar diretamente no modo de produção, ou melhor, na subversão das relações estabelecidas para a produção cultural (HOLANDA, 1981, p. 96).

É nesse movimentado cenário político-cultural de agudez política e crise econômica que surge a minibitola Super-8, favorecendo a eclosão de surtos regionais com a produção de filmes que provocam uma espécie de reorientação quanto ao fazer cinematográfico em diferentes regiões brasileiras. Assim o Super-8 passa a cumprir um papel relevante na dinâmica cultural dos anos 1970 até meados de 1980, visto que as obras audiovisuais são frutos de pequenas equipes de trabalho e se firmam enquanto produções de baixo orçamento. O Super-8 simplifica o processo de filmagem em relação às demais bitolas profissionais de cinema. Thomas Farkas assegura que: “A grande novidade consiste numa nova ideia de filmagem, colocando o cinema como atividade criativa nas mãos de qualquer pessoa... A filmagem passa a ser um simples ato de visão e observação sem passar por problemas técnicos” (FARKAS, 1972, p. 56-57). Sabemos que o surgimento e aperfeiçoamento do sistema Super-8 enquanto bem de consumo foi resultado de estratégias econômicas com vistas a um maior faturamento e não simplesmente contribuir para o desenvolvimento de um novo meio de expressão artística. O Super-8 se caracterizou enquanto um instrumento que possibilitou que jovens realizadores pudessem fazer cinema de maneira mais desamarrada e com possibilidades de exercitação criativa. 61

Enquanto um produto em oferta no mercado resultante do processo de miniaturização tecnológica, o Super-8 tornou-se acessível e menos dispendioso em relação à bitola semiprofissional 16 mm e à profissional 35 mm. Esse novo invento possibilitou uma reviravolta no modo de se produzir filmes apresentando-se enquanto um possível instrumento de ação social. Como toda tendência nova, o Super-8 provocou reações polarizadas entre os jovens cineastas iniciantes adeptos da bitola e os cineastas com filmes em bitolas profissionais. Vários movimentos foram deflagrados tendo por base o Super-8. É interessante observar que esses movimentos de produção audiovisual extrapolam o eixo Rio de Janeiro-São Paulo com o surgimento de produções descentralizadas em vários estados brasileiros, além da formação de associações, cooperativas e cineclubes que se empenharam de forma organizada no sentido de lutar pelo reconhecimento do cinema Super-8. As mostras de cinema e festivais nas várias regiões brasileiras adaptam-se às exigências próprias da nova bitola. O preconceito alimentado por alguns críticos de cinema mais conservadores e cineastas profissionais formulados sem qualquer ponderação quanto às reais potencialidades do Super-8 foram frequentemente rebatidos como se pode perceber no artigo na revista Close Up: Para desfastio de uns e desagrado de outros, lucro de alguns e até realização artística dos demais, prossegue o movimento de super-8 mm, em experiências arrojadas, pirotécnicas, algumas originais arregimentando novos adeptos com suas mostras, ocupando espaços em jornais e formação espontânea de uma crítica especializada. O super-8 começa a ser reconhecido como cinema... ninguém pode recusar-se a ver na bitola um novo meio de expressão (CLOSE UP, 1977, p. 15).

Na Paraíba, em 1973 é que surgem as primeiras realizações em Super-8 por autores que de alguma forma já tinham passado pelo 16 mm ou mesmo pela crítica de cinema. Dentre os trabalhos da primeira fase Super-8 na Paraíba, destacam-se: A Última Chance (1973), de Paulo Mello, O Estranho Caso de Leila (1973), de Antonio Barreto Neto, Yoham e Lampiaço, de José Bezerra, A Greve e Absurdamente (1975/1976), de W.J. Solha, sendo o último em parceria com José Bezerra, e ainda A Guerra Secreta, de Antonio Barreto Neto e Sílvio Osias. São trabalhos pouco veiculados e encontram-se em precárias condições de conservação, consequentemente, totalmente desconhecidos pelos realizadores contemporâneos. Ainda, além de O Coqueiro (1977), de Alex Santos, os filmes mais conhecidos dessa fase inicial de utilização do Super-8 na Paraíba são a trilogia de Archidy Picado: Desencontro, O Garoto e Elegia para um Homem só, que foram exibidos na Jornada Paraibana de Super-8 (1980). Mas foi em Campina Grande onde se concentrou um permanente esforço para uma produção regular de cinema em 16 mm. A criação do curso de Comunicação Social em 1974 pela Universidade Regional do Nordeste possibilitou o aglutinamen62

to de cineclubistas e profissionais da área, o que resultou em iniciativas concretas no campo da produção cinematográfica. O conjunto dessas produções campinenses tem como líder o cineasta Machado Bitencourt, que chega a implantar uma empresa de produção, revelação e montagem - a Cinética Filmes Ltda. Machado é considerado um dos únicos profissionais sediados na Paraíba que conseguiu manter uma produção regular, pela preocupação que teve de instaurar uma infraestrutura pessoal, em que pode mediar o lado comercial de seu trabalho e, por outro lado, a feitura de projetos culturais não comerciais. De 1975 a 1978 são concretizados cinco filmes 16 mm por Machado Bitencourt com temática diversificada, seguindo quase sempre um estilo linear: O Último Coronel (1975), Campina Grande, da Prensa do Algodão, da Prensa de Gutemberg (1975), Crônica de

Campina Grande (1976), o longa-metragem Maria Coragem (1977) e finalmente o curta Fiação primitiva do Nordeste (1978). Já em João Pessoa com o apoio da UFPB, Fernando Pereira elabora A Compadecida (1977) em 35 mm sem qualquer avanço do documentário no plano da linguagem cinematográfica. No entanto, é só no ano de 1979 que de fato teremos a rearticulação do movimento de cinema seguido por um período de mais quatro anos com um fluxo contínuo de produções em Super-8 vinculadas aos movimentos de contestação. O filme Gadanho (1979) sobre os catadores de lixo do Baixo Roger, dirigido por Pedro Nunes e João de Lima, é considerado o precursor desse novo surto de cinema com marcas poéticas diferenciais e transgressão quanto a sua abordagem temática.

Gadanho João de Lima e Pedro Nunes, 1979.

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Coincidentemente nesse mesmo ano ocorre a VIII Jornada Brasileira de Curta Metragem, transferida de Salvador para João Pessoa. É também nesse mesmo ano de 1979 que a Kodak declara oficialmente a falência do Super-8 projetando uma sobrevida da bitola por em média cinco anos. Esse era o prenúncio para nova era do vídeo com um sistema de codificação distinto do cinema, assentado em base eletrônica. Nessa fase de retomada da produção de cinema na Paraíba com a bitola Super-8, as experiências em 16 mm declinaram de forma sintomática, restringindo-se ao grupo de Campina Grande e aos cineastas paraibanos residentes fora do estado. Essa força do Super-8 em forma de movimento também presente em outros estados brasileiros pode ser identificada com a realização do longa-metragem em Super-8 Deu Prá Ti Anos 70, de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti, que recebeu o prêmio de melhor filme no Festival de Gramado em 1981. A obra provocou um impacto junto ao público e crítica especializada pela criatividade dada no tratamento da linguagem e do tema, acerca de um grupo de adolescentes que desperta para curtir a vida num período de repressão militar. Deu Prá Ti Anos 70 concorreu com vários outros filmes em 35 mm. Na Paraíba, com a irrupção do terceiro ciclo de cinema quebra-se a visão de cinema grandiloquente com a aparição de táticas novas de intervenção cultural. A noção de cinema é radicalizada a partir do fazer cinematográfico associado ao processo simplificado de recursos técnicos. É a partir da “abertura” política que o movimento de cinema cresce com uma preocupação mais comprometida com os movimentos sociais que despontam da sua situação de clandestinidade. Nesse período um total de 55 filmes são produzidos por autores, com apoio da UFPB, Cinética Filmes e outros apoiadores. Esses filmes abarcam temas ligados ao cotidiano dos setores oprimidos e promovem o questionamento do próprio momento político de crise econômica que atravessava o país. Há visivelmente um aumento quantitativo e qualitativo da produção cinematográfica com temáticas regionais que reinterpretam e reencenam as dinâmicas de realidades locais conflitantes.

Retrato verbal dinâmico do terceiro ciclo de cinema na Paraíba O terceiro surto de cinema na Paraíba trouxe, de forma desordenada, o desejo de mudanças, a renovação no quadro cinematográfico, a necessidade de afirmação da produção e a preocupação latente em criar narrativas audiovisuais enfocando os diversos aspectos da vida social. Percebe-se por parte dos jovens envolvidos no terceiro ciclo de cinema um aprendizado gradativo quanto ao manejo da linguagem e à crescente inquietação com a ruptura temática e narrativa nos filmes. Há também, conforme o andamento dessas realizações, uma repulsa às produções polidamente engajadas. A tematização dos filmes volta-se inicialmente para abordagem dos 64

conflitos e contradições sociais aproximando nessa primeira fase do terceiro ciclo a uma tradição mais documental de cinema. Na sequência temos a existência de um conjunto de filmes com temáticas relacionadas à sexualidade que tendem à experimentação da ficção. A quase totalidade desta produção cinematográfica do terceiro ciclo foi concluída por jovens cineastas estreantes que optaram por efetuar leituras bem singulares da realidade paraibana. Isso demonstrou efetivamente a renovação no quadro cinematográfico com a entrada em cena de novos protagonistas no processo de produção cinematográfica. Conforme afirmamos, os grupos em atuação do terceiro ciclo do cinema não vivenciaram uma luta política formal de esquerda. São filhos bastardos do regime militar. Mas isto não quer dizer que não houve uma preocupação dos realizadores quanto ao resgate de problemas sociais e problemas quanto à censura de filmes e censura imposta às Mostras de Cinema. Há sem dúvida, nos documentários/registros da fase inicial desse ciclo, um traço forte de crítica ao regime militar. Identificamos um engajamento mais libertário. Os movimentos sociais, greves, passeatas, acampamentos de posseiros ou mesmo as disparidades urbanas, são elementos temáticos frequentemente abordados no conjunto dessa produção cinematográfica. A intenção expressa é registrar a dinâmica de aspectos da realidade paraibana, vinculando estas representações de práticas culturais à própria dinâmica da sociedade. Num segundo momento a orientação temática dos filmes volta-se para o tratamento da questão da sexualidade, homossexualidade, amor, solidão e o questionamento visceral das formas de poder que castram a liberdade do indivíduo na sociedade contemporânea. Essa característica de abordagem temática enfatiza as marcas de transgressão presentes nesse novo ciclo de cinema. Além do caráter artesanal desta produção, constatou-se uma permanente preocupação entre os próprios cineastas com o intento de ativar a produção local. Se houve por um lado a necessidade patente de afirmação da produção, por outro, o surto em si é uma resposta a uma crise de produções locais. Mesmo com a iniciativa dos integrantes do novo surto em imprimir impulso voltado para “o fazer” cinematográfico em si, o grosso dessa produção traz marcas profundas de precariedades financeiras. Apesar do relativo barateamento do material fílmico em Super-8, e da impossibilidade de se experimentar em 16 mm, há uma grande dificuldade de produção. Essa dificuldade gerava quase sempre impasses na finalização dos filmes da forma como foram originalmente concebidos, tendo como resultante verdadeiras improvisações. Reclamava-se constantemente o apoio da Universidade e dos órgãos estatais para que não houvesse um cessar no ritmo continuado da produção de filmes. As condições de produção dos filmes estão dispostas da seguinte forma: filmes de produção do autor; filmes produzidos com apoio Institucional da Universidade (UFPB) – Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC/UFPB, Programa Bolsa Arte MEC/UFPB, Núcleo de Pesquisa Popular – Nuppo/UFPB, Cursos de Comunicação Social e Educação Artística/UFPB e Campus II/UFPB/CG e URNe – Universidade Regional do Nordeste, CG (Curso de Comunicação Social URNe/ 65

CG), filmes com produção da Cinética Filmes CG e em menor grau filmes produzidos com apoio da Igreja através do SEDOP (Serviço de Documentação Popular).

Quadro Demonstrativo da Produção Cinematográfica PRODUÇÃO

UFPB AUTOR

ANO

NUDOC

AUTOR/BOLSA ARTE

CAMPUS II

CINÉTICA

OUTROS

1979

1



1

1

2

1

1980

1



3



2



1981

3

8





2

1

1982

3

8



1



1

1983

4

8





2

2

TOTAL

12

24

4

2

8

5

O quadro acima mostra as condições de produção encontradas ou criadas pelos realizadores de cinema integrantes do terceiro ciclo de cinema na Paraíba. Desse total, 12 filmes foram finalizados com recursos financeiros próprios ou com incentivo material de filmes e equipamentos, sem que houvesse uma interferência no processo de criação. Jomard Muniz de Britto descreve as suas condições de produção destacando a facilidade de se fazer Super-8 em termos econômicos:

1 Entrevista com Jomard Muniz de Britto concedida ao autor. Recife, 06/10/85.

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É claro que muita gente tinha vontade de fazer 16 mm, 35 mm ou 3ª dimensão, mas não se tinha condições econômicas. Eu pude fazer vários filmes com recursos próprios com meu salário de professor, sem ajuda de Instituição. Consegui tirar do meu salário para produzir filmes, quer dizer, entrava na produção atores que nunca ganharam dinheiro comigo (BRITTO, 1985)1.

Poucos realizadores autofinanciam sua produção: Jomard Muniz de Britto com Esperando João (1981), Cidade dos Homens (1982) e Paraíba Masculina Feminina Neutra (1982), Lauro Nascimento com Acalanto Bestiale (1981), Miserere Nobis (1982) e Terceira Estação de uma via Dolorosa (1983), Alberto Júnior com Contrastes da Vida (1980), Pedro Nunes com Closes (1982) e Henrique Magalhães com Era Vermelho o seu Batom, todos em Super-8; nesses filmes há claramente a preocupação de cada autor em trabalhar o cinema enquanto instrumento criativo. No caso de Jomard Muniz e Lauro Nascimento percebe-se uma preocupação no tratamento da imagem e uma maior fluência narrativa em termos de arranjos formais com a finalidade de se obter maior atenção do espectador.

Observando o quadro constatamos que o maior quantitativo desses filmes foi produzido com o apoio da Universidade Federal da Paraíba interessada em ampliar sua participação na comunidade, sobretudo no âmbito da extensão cultural, principalmente através do Programa Bolsa Arte, Campus II e do Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC com 24 filmes finalizados. Antes da implantação do NUDOC na UFPB em 1980, as primeiras realizações deste terceiro ciclo de cinema foram montadas de forma rudimentar, sem auxílio de editor/ moviola. Esses filmes são basicamente documentários: Gadanho (1979), de João de Lima e Pedro Nunes, Imagens de Declínio ou Beba Cola e Babe Cola (1980), de Torquato Lima e Bertrand Lira, Contrapontos (1980), de Pedro Nunes e Contrastes da Vida (1980), de Alberto Júnior. As propostas, através de seus realizadores, receberam o incentivo do programa Bolsa Arte da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da UFPB. Com o convênio assinado entre a Associação Varan-Paris e a UFPB, este panorama de dificuldades alteraria de forma significativa favorecendo o incremento da produção cinematográfica local. A implantação da infraestrutura completa em Super-8 (câmeras, tripés, iluminação, gravador, gerador, editores, telas e projetores) atenuou parte das dificuldades habitualmente encontradas pelos realizadores. A Universidade através do NUDOC limitou-se a financiar apenas os exercícios/ filmes dos integrantes matriculados no curso de Cinema Direto e apoiar projetos que dependiam do uso de equipamentos de gravação ou montagem. Em termos de produção do NUDOC, a maioria dessas realizações apresenta deficiências técnicas de filmagem, montagem e som. Em seu conjunto são exercícios fílmicos inacabados, embora haja experiências que conseguem transpor o mero registro de imagens e falas. O rigor dessa produção se concentra muito mais na escolha temática sempre angulando um personagem real.

O Núcleo de Documentação Cinematográfica e o Cinema Direto Tanto a criação de um núcleo de produção na Universidade (NUDOC), como a instalação do Atelier de Cinema no NUDOC, que direcionaria toda sua produção para o Super-8, ambas as iniciativas nascem nesse contexto de rearticulação de movimento de cinema na Paraíba ocorrido a partir da VIII Jornada de Cinema. Essas duas propostas receberam o aval dos integrantes da “geração sessenta” que projetavam criar as bases para uma estrutura profissional de cinema. Vale destacar que a presença da geração do terceiro ciclo do cinema nos debates e rumos do cinema paraibano só viria acontecer no início dos anos 1980. O Núcleo de Documentação Cinematográfica desde a sua criação na gestão do Reitor da UFPB Lynaldo Cavalcanti, direcionou a formação de recursos humanos a partir do curso de Cinema Direto com filmes produzidos em Super-8. Se por um lado a iniciativa abria as portas para iniciantes incursionarem no aprendizado de técnicas 67

introdutórias ao cinema, por outro entrava em choque com as diretrizes traçadas por Manfredo Caldas, Vladimir Carvalho, Jurandy Moura, Linduarte Noronha, Ipojuca Pontes, entre outros. Segundo parecer de Manfredo Caldas:

Miserere Nobis Lauro Nascimento, 1982.

Uma coisa que eu também achei que foi uma distorção nesse movimento foi a entrada do Atelier de Cinema Direto. Fui contra porque ele atravessou por oportunismo de pessoas daqui, que deram mais ênfase a esse convênio em nível de experimentação do Super-8, que tudo bem poder fazer isso, mas teria que ser uma coisa paralela. Isso foi muito mal conduzido, não podia em detrimento de uma estrutura profissional que estava se criando, você dar ênfase a uma coisa experimental de mistificação da linguagem que é toda a teoria do Cinema Direto. Reservo-me no direito de achar que foi uma grande bobagem (CALDAS, 1987).

O projeto inicial de cooperação entre o Centro de Formação e Pesquisa em Cinema Direto - Associação Varan-Paris e a Universidade Federal da Paraíba, além da implantação de um sistema completo para produção em Super-8, previa a doação pelo governo francês de um moviola em 16 mm, um gravador profissional e um laboratório de ampliação de Super-8 para o 16 mm, cláusula essa não cumprida. A 68

contrapartida dessa infraestrutura profissional foi uma condição apresentada para a efetivação do projeto, feita diretamente ao cineasta francês durante a VIII Jornada, por vários cineastas paraibanos: Nós fizemos pessoalmente uma série de exigências ao Jean Rouch quando ele veio com uma proposta que tinha sido recusada em diversos estados do país. Mas era desprestígio pra ele voltar sem ter feito um convênio com qualquer Universidade brasileira. Então a que estava pintando ser mais fácil era a daqui. [...] Teria que vir um equipamento em 16 mm, não seria só Super-8, pra somar com o que a gente tinha conseguido, e isso ele concordou e não cumpriu (CALDAS, 1987).

Dos vários estágios realizados na França por alunos e professores indicados pelo NUDOC, apenas foi ministrado um curso em 16 mm para três alunos. O NUDOC passa a atuar então com uma infraestrutura de espaço físico e material de consumo da UFPB e com material doado para implantação do Atelier de Cinema na Paraíba. Funciona como ponto central de discussão e encontro dessa nova geração que despontou a partir da realização dos estágios nesse Núcleo. No período funcionou concedendo empréstimo de equipamentos e de filmes para a comunidade, capacitando pessoal técnico além de produzir filmes na linha do Cinema Direto, registrando as atividades de pesquisa e extensão mais importantes da Universidade. Além de Pedro Santos como coordenador, atuou também ao seu lado o cineasta Manfredo Caldas, que no período de sua permanência em João Pessoa passou a incentivar os novos realizadores no sentido de lutar não só por uma atuação profissional no campo de cinema, mas despertando a necessidade de organização política em torno da ABD/PB (Associação Brasileira de Documentaristas) criada em 1982 durante a realização do Festival de Arte na cidade de Areia-PB.

Documentação de aspectos da realidade Como já afirmamos com o início da abertura política no país, novos ventos indicam um reaquecimento da produção cinematográfica na Paraíba. O ressurgimento desta produção toma corpo de forma espontânea a partir de 1979 ainda sob a influência da tradição documental predominante nos anos 1960 e 1970. Assim as primeiras realizações do novo ciclo são expressamente de linhagem documental trazendo à tona temáticas sociais que evidenciam as complexidades da realidade. Os problemas urbanos, o desemprego, os movimentos sociais e o homem frente aos diversos níveis de exploração são pontos preferidos para enfoque por vários cineastas. O momento político torna-se favorável para elaboração de produtos culturais abordando a problemática social, sobretudo pela mobilização efervescente dos setores populares da sociedade. A retomada ou mesmo o ressurgimento da produção de cinema na Paraíba com características de combate surge num contexto de crescen69

Ciclo do tes mobilizações, retorno do movimento estudantil, articulação dos movimentos de Caranguejo liberação e custo de vida. Vânia Perazzo, 1982.

2 MAGALHÃES, Henrique. Entrevista a Bertrand Lira – Cadernos do CCHLA , n. 8, p. 8.

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Neste primeiro momento da retomada da produção fílmica temos um bloco de filmes que captam os conflitos presentes na grande cidade. São filmes realizados totalmente em espaço aberto tendo o próprio ambiente natural como cenário. Em cada um dos filmes, o realizador assume o papel de repórter que não aparece, investigando os fatos eleitos para enfoque. Imagens do Declínio ou Beba Coca e Babe Cola (1981), de Bertrand Lira e Torquato Joel, é uma mistura de documentário e ficção que mostra a dura realidade das favelas e a presença das multinacionais no Brasil. É uma versão realista adicionada de alguns elementos de deboche... Já Gadanho (1979), de João de Lima e Pedro Nunes, é o primeiro filme deste novo ciclo, baixo orçamento e com ampla repercussão no estado. Segundo Henrique Magalhães: Um dado importante foi a realização de Gadanho, pois a partir dele se rompeu com estagnação do cinema na Paraíba. A gente só tinha conhecimento do que foi produzido durante o movimento do cinema novo. Havia uma produção em Super-8, mas não era sistemática e alcançava um número muito limitado de pessoas. A partir de Gadanho houve uma retomada do cinema na Paraíba porque se alcançou um público maior e muita gente se interessou em fazer Super-8 (MAGALHÃES, 1986, p. 8).2

O filme tem como cenário o lixão de João Pessoa localizando no Baixo Roger e presença dos catadores, seres humanos que disputam com os urubus a primazia do

lixo. O documentário consegue despertar um amplo interesse nas escolas públicas da rede estadual e nas escolas privadas pela força das imagens com pessoas que se perdem na fumaça do lixo. Procurando ainda desnudar a dinâmica da engrenagem urbana, Contra-pontos (1981) e Registro, de Pedro Nunes, enfatizam as disparidades do espaço urbano em João Pessoa e a primeira greve estudantil a partir de 1968 ocorrida na Paraíba, respectivamente. Mas é o Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC que desponta com um maior número de realizações acabadas após a finalização de três estágios do curso de Cinema Direto. As obras produzidas pelo NUDOC privilegiam também o universo cotidiano com a captação do som direto. Os filmes são verdadeiros registros brutos da realidade. O Mestre de Obras (1981), de Newton Araújo Jr., retrata a vida e as dificuldades de um trabalhador da construção civil com sua residência ainda inacabada. Um dado expressivo no trabalho é uma música composta por Chico César especialmente para o filme. Enfocando o homem e sua situação de miséria e criatividade, Vânia Perazzo filma É Romão pra qui é Romão pra colá em 1981. Romão é um músico artesão que confecciona seu próprio instrumento de trabalho (berimbau) exibindo suas criações musicais em feiras livres do interior paraibano. A reflexão em torno das condições de vida do ser humano é um traço muito marcante nos demais filmes produzidos pelo NUDOC. As Cegas (1982), de Maria Antonia, Bernadete (1983), de Maria Graça Lira e O Menor (1983), de João Galvíncio Jr., são filmes de crítica social explícita. Em todos os trabalhos as precariedades técnicas são bem visíveis. O primeiro destaca a convivência de três deficientes visuais pedintes na cidade de Campina Grande. Já Bernadete discorre acerca da vida de uma lavadeira, seus problemas e o sonho de um dia poder trabalhar em São Paulo. Em O Menor, o autor confronta depoimentos de representantes de órgãos oficiais com a fala de menores. Na linhagem de sempre orientar suas produções para registro da realidade regional, o NUDOC enfatiza o tema movimentos sociais urbanos nos seguintes filmes: A Greve (1982) direção coletiva, sobre o movimento paredista de professores, alunos e funcionários da UFPB, Quando um Bairro não se Cala (1983), de Marcus Vilar, sobre o trabalho do movimento de bairro desenvolvido pelo grupo Fala Jaguaribe que tem como meta trabalhar a educação através da arte junto à população. Ainda no âmbito do NUDOC, Elisa Cabral elaborou vários filmes num projeto que autodenominou “Cinema e Sociologia”. Ciclo do Caranguejo (1982) retrata a infraestrutura econômica da pesca do caranguejo, Visões do Mangue (1982) a tentativa é abordar a visão de mundo e os mitos dos pescadores e Sobre a evolução das Sociedades (1983). Mas dessa produção do NUDOC vale destacar do conjunto, duas películas realizadas em 1981 no primeiro estágio de Cinema Direto: Perequeté (1981), de Bertrand 71

Lira, e Sagrada Família (1981), de Everaldo Vasconcelos. Em Perequeté, o autor documenta a vida, as fantasias e as dificuldades do artista paraibano Francisco Marto. Enquanto discorre acerca de seu esforço no campo do teatro, cinema e dança e do preconceito enfrentado pelos artistas, é mostrado cenas de diversos momentos de seu trabalho. Em a Sagrada Família a câmera apresenta-se constantemente inquieta e

Tá na Rua aos poucos viola o espaço sagrado da família revelando seus conflitos neuróticos e o Henrique Magalhães, 1981.

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choque de gerações. Os dois filmes apresentam preocupações de linguagem quanto à fotografia, procedimentos de montagem, além de transgredirem a própria linha do Cinema Direto, notadamente em Sagrada Família. Dos filmes produzidos pelo NUDOC nos três estágios do Curso de Cinema Direto, pode-se considerar como propostas mais amadurecidas com traços diferenciais em relação aos demais trabalhos ou exercícios fílmicos. Outros filmes também conseguem transgredir a linha mestra do Cinema Direto pela abordagem temática se encaixando também dentro deste espírito de ruptura dos trabalhos anteriores. São eles: Música sem Preconceito (1983), de Alberto Júnior, que numa fusão de documentário e ficção com depoimentos de músicos e ensaios de grupos mostra a importância do rock para a juventude e a sua penetração na sociedade, Pedro Osmar em Carne e Osso (1982), de Otávio Cássio, enfoca a experiência de pesquisa musical criativa desenvolvida pelo músico Pedro Osmar juntamente com o grupo

que faz parte do “Jaguaribe Carne”. Caminhando também na contramão e fugindo do enfoque sociológico, Henrique Magalhães realiza Canto do povo de um Lugar (1981). O filme é um cartão postal de João Pessoa com a música de Caetano Veloso e Tá na Rua (1981) um documentário que registra a passagem do grupo teatral Tá na rua em João Pessoa, liderado por Amin Hadad. A interação atores e espectadores é pontilhada tornando clara a quebra com o teatro tradicional. Finalmente, Sonho Destrela (1983) foge à concepção de abordagem sócioantropológica adotada pelo Cinema Direto. Segundo Bertrand Lira (1986, p. 11): “Sonho Destrela é a vida de um artista de interior sem perspectiva de profissionalização e nem acesso aos produtores de discos. A frustração de não ser famosa a deixa profundamente descrente. É o filme final do autor de peças teatrais Eliézer Rolim”. Com esses trabalhos os respectivos autores mostraram que seria possível utilizar os recursos do Cinema Direito e driblar as suas convenções muito mais direcionadas para a captação crua e com pouca interferência de aspectos da realidade social. Há também um grupo de filmes feitos dentro e fora do NUDOC que se afastam da temática urbana e seguem para um levantamento de questões pertinentes à zona rural. Nos estágios do NUDOC, dois filmes seguem esta orientação: Emergência/Seca (1982), de Torquato Joel, relata a vida de um grupo de camponeses que vivem nas proximidades do açude de Orós-CE em pleno período de seca e Manipueira (1982), de Maria Aparecida, que mostra o processo artesanal de colheita da mandioca e a feitura da farinha de mandioca. O que eu conto do sertão é Isso (1979), 16 mm de José Umbelino e Romero Azevedo, realizado na cidade de Campina Grande, também se desloca da zona urbana para o campo e revela a miséria do sertão nordestino. Anos mais tarde, José Umbelino filmaria o documentário longa-metragem em 16 mm Lutas de Vida e Morte (1982) com a colaboração da Arquidiocese da Paraíba, onde discute questões referentes às Ligas Camponesas na Paraíba. Além desses trabalhos que dão preferência em sua abordagem à questão rural, duas outras películas produzidas fora do NUDOC, A luta do Povo de Capim de Cheiro (1982), direção coletiva com a participação de Pedro Nunes, Sedi Marques e do grupo de “Atuação no meio Rural do Centro de Educação – PRONASEC-UFPB” e Camucim Cinco Anos de Luta (1983), de José Barbosa, versam sobre os conflitos de terra na região de Capim de Cheiro e Camucin-PB. Neste novo ciclo verifica-se que as produções em 16 mm são numericamente bem reduzidas. Dois trabalhos nesta bitola vêm lançar elementos de discussão em torno do fazer cinematográfico na Paraíba, da necessidade de uma infraestrutura básica para incremento da produção local e lançam também um painel da própria História de luta do cinema feito na Paraíba: Cinema Paraibano – Vinte Anos (1983), de Manfredo Caldas e fotografia de Valter Carvalho, e Cinema Inacabado (1981), de Machado Bittencourt e Alex Santos. Cinema Paraibano – Vinte Anos resgata em suas imagens e depoimentos a discussão do ciclo paraibano de filmes dos anos 1960 iniciado por Aruanda. Segundo Alex Viany: 73

3 Depoimento de Alex Vianny a Manfredo Caldas no Rio de Janeiro. O filme recebeu o prêmio Glauber Rocha e prêmio de melhor documentário na XII Jornada Brasileira de Curta Metragem (1983 em Salvador-BA).

4 Texto distribuído pela Cinética Filmes de Campina Grande – s/d.

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Esse documentário “Cinema Paraibano – Vinte Anos”, eu não sei se há ou se já foi feito um filme semelhante porque é um documentário sobre um ciclo, como parte dele. Na verdade, é uma coisa que procura falar de um ciclo, não somente com depoimento, mas com reflexão de linguagem, de propostas e está tudo muito inteiro. [...] Esse filme é vivo, é reprodutivo, está em reprodução. [...] Não é uma coisa de jeito nenhum reflexiva sobre um passado acabado, é sobre uma coisa viva e que vai ajudar não só na discussão, mas no trabalho mesmo (VIANNY, 1983).3

O outro filme que se enquadra nesta mesma abordagem é Cinema Inacabado, que procura questionar o porquê de tantos projetos fílmicos inconclusos na Paraíba. Na medida em que os depoimentos ocorrem são exibidos trechos dos filmes inacabados como: Libertação, de Carlos Aranha, Uma Aventura Capitalista, de Antonio Barreto Neto, Arribação, de Alex Santos, O Adro, de Pedro Santos e fotos de Contraponto sem Música, de Paulo Mello e Virginius da Gama e Mello e fotografia de Machado Bittencourt. Ainda no filme, temos a presença marcante do cineasta e fotógrafo João Córdula que depõe sobre a trajetória do Cinema Educativo na Paraíba, além de depoimentos do crítico Wills Leal e cineasta Linduarte Noronha que falam do ciclo espiritual do cinema, ou seja, dos filmes e roteiros que jamais foram concretizados. Para Machado Bittencourt, um dos diretores do filme, a obra: Mostra o esforço dos inacabados enquanto explica porque esses filmes não foram concluídos na Paraíba. Além dessa abordagem, o filme abre espaço para depoimentos de Pedro Santos e Wills, esse último depondo sobre outro ciclo de cinema na Paraíba – o ciclo do cinema espiritual (CINÉTICA FILMES, s/d.).4

Machado Bittencourt junto a sua atividade comercial, a produtora Cinética Filmes em Campina Grande, elabora outros trabalhos de cunho cultural em 16 mm. Por sinal, é o único cineasta até então que consegue desenvolver uma produção regular nessa bitola. Em Teares de São Bento (1979), o autor destaca o fabrico de redes na pequena cidade de São Bento na Paraíba, sendo esta a principal atividade econômica local. Em 1980 finaliza dois curtas com alunos do curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste – URNe: Com a palavra, a Mulher, o documentário retrata o papel da mulher, da liberdade, do casamento, da existência do romantismo; e Festas Juninas, que é o trabalho que mostra os costumes nordestinos nas festas de S. João e S. Pedro em Campina Grande. A Seca no Cariri (1983) e Miguel Guilherme (1983) são trabalhos seguintes do autor. O primeiro mostra o flagelo da seca no Nordeste, particularmente na região do Cariri, este está enquadrado no bloco de filmes que fogem da temática urbana; o segundo relata a vida do artista plástico Guilherme dos Santos, reconhecido por suas esculturas e pinturas nos tetos das igrejas. Os filmes produzidos por Machado Bittencourt são pouco conhecidos pelo público. O projeto de divulgação maior foi dedicado a Cinema Inacabado e O Caso Carlota (1981), longa-metragem em ficção a partir de dados reais versando a questão da sexualidade.

Experimentação da Ficção: A explosão temática da sexualidade Após a etapa de filmes que se orientam para o estilo documental, pode-se destacar no elenco das realizações desse novo ciclo um bloco significativo de filmes que tratam a questão da sexualidade com inclinações para a ficção. A explicação para esta escolha está no fato de que sexualidade sempre foi um tema tabu, estando bem presente nas relações de dominação da sociedade patriarcal. A própria esquerda de um modo geral sempre considerou a sexualidade como um assunto de pauta não prioritário em suas discussões nos anos 1970. Os grupos homossexuais e, sobretudo os grupos feministas da época, procuram avançar na compreensão do tema, valorizando o prazer, lutando contra a discriminação, combatendo a visão de sexualidade unicamente para fins de reprodução. Em João Pessoa, a conjuntura política do país contribuiu de certa forma para o afloramento de produções que investigaram a sexualidade. Para Henrique Magalhães: A importância dessa fase é a contemporaneidade com o que o cinema respondeu à efervescência das mudanças políticas, sociais e existenciais do início dos anos 80. O cinema na mão de cineastas envolvidos diretamente com esta nova realidade, tornou-se um objeto de reflexão, militância e provocação, conseguindo com eficiência suas respostas, através do grande fluxo do público às exibições e gerando discussões em torno das ideias transmitidas (MAGALHÃES, 1987, p. 2).

Neste período, final dos anos 1960 e início dos anos 1980, surgem os grupos: Maria Mulher, cuja linha de atuação se orientou no sentido e refletir a opressão da mulher e grupo homossexual; Nós Também, que desde a sua criação em 1980 se emprenhou em direcionar sua força contra qualquer tipo de discriminação expressando-se principalmente pela livre opção da sexualidade através da arte. Isto é o que também confirma Bertrand Lira: É também nesse contexto de abertura que surgem grupos de militância sexual, racial e partidária, entre outros, que antes, devido a conjuntura política, permaneciam sem se manifestarem. Em João Pessoa, é criado o ‘Nós Também’ um grupo de militantes homossexuais, que tinha como proposta original, a de militar através da arte (envelopes que continham fotos, poesia, arte-xerox etc.), pichando muros, fixando outdoors e até com a produção e realização de um filme: ‘Baltazar da Lomba’ ... Fruto de longas discussões entre os componentes do grupo, responsável pela sua produção, direção e realização, resultando num filme bem acabado (LIRA, 1986, p. 8-9).

Do conjunto de 13 filmes que manejam acerca da questão da sexualidade, o enfoque escolhido em 10 deles é a abordagem da homossexualidade5. São filmes que apresentam informações reveladoras sobre o assunto, fazendo uma leitura crítica dos

5 Filmes sobre sexualidade: Esperando João, de Jomard Muniz de Britto, Acalanto Bestiale, Miserere Nobis e Terceira Estação de uma Via Dolorosa, de Lauro Nascimento, Closes, de Pedro Nunes, Cidade dos Homens e Paraíba Masculina Feminina Neutra, de J. M. de Britto, Baltazar da Lomba, do Grupo Nós Também, Era Vermelho seu Batom, de Henrique Magalhães, O caso Carlota, de Machado Bittencourt, Na Cama, de Romero Azevedo, Flagrante Delito, de Rômulo Azevedo, Perequeté, de Bertrand Lira.

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6 Henrique Magalhães em entrevista concedida ao autor observa que alguns filmes de produção do autor receberam apoio do NUDOC quanto à utilização de equipamentos: “Inclusive Baltazar da Lomba que foi proibido pela Polícia Federal, mas passou no NUPPO (Núcleo de Pesquisa Popular) sob a responsabilidade da UFPB”. Situando apenas um exemplo também como contrapartida, os filmes de Jomard Muniz de Britto não receberam o aval da UFPB, o realizador foi diretamente pressionado pelos agentes da Censura Federal tendo que submetê-los ao crivo dos censores locais para exibição pública. De igual modo, Pedro Nunes com o filme Closes foi obrigado a submeter o referido filme à censura com a presença de agentes policiais federais com armas em punho.

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padrões morais e sociedade e suas crescentes formas de punição e controle. Quando confrontados aos filmes de cunho documental da primeira fase desse mesmo ciclo, esses filmes são considerados ousados e até pioneiros pela coragem dos realizadores de trazer à tona o debate sobre a prática sexual entre indivíduos do mesmo sexo, sem as caricaturas ou deboches presentes em grande parte da produção cultural voltada para o mesmo tema. Além da inserção de elementos de experimentação; maior cuidado com a fotografia e montagem, a característica marcante nestas realizações é examinar os condicionamentos autoritários e as regras de comportamento ditadas pela escola, família, igreja, trabalho... refutando os valores retrógados que imperam na sociedade com relação à homossexualidade. Neste sentido esses filmes são extremamente ousados e transgressores principalmente pela forma como apresentam ou debatem os espectros da sexualidade humana. Um dado novo observado nessa retomada da produção cinematográfica na Paraíba é, também, a experimentação da ficção. São filmes produzidos em sua maioria com recursos financeiros do próprio autor obtendo maior repercussão em relação aos trabalhos anteriores direcionados de forma mais acadêmica para o registro social da realidade paraibana. Mesmo tendo em conta que parte dos realizadores tenha sofrido restrições de órgãos oficiais inviabilizando apoios de produção, negando espaços públicos para exibição de filmes ou isentando-se quanto ao apoio aos realizadores quanto às perseguições da Polícia Federal, esses filmes obtêm uma grande aceitação do público6. A partir deles, o Cinema Independente na Paraíba amadurece enquanto proposta, passa a discutir a possibilidade de implantação de uma infraestrutura profissional. Em decorrência desse amadurecimento há, como já dissemos, uma atenção explícita dos realizadores quanto à escolha temática, além da inserção de elementos novos de linguagem, sem cair no didatismo linear dos filmes da primeira fase. O enfoque temático da sexualidade inicia-se com dois filmes de ficção bem distintos: Esperando João (1981), de Jomard Muniz de Britto e O Caso Carlota (1981), de Machado Bittencourt. Os dois, em nada se afinam; o primeiro, em Super-8 ironiza agilmente valores conservadores incrustados na província antecipando o filme de Tizuka Yamasaki – Paraíba Mulher Macho (1983) com grande sucesso no circuito comercial. No filme, Jomard Muniz de Britto utiliza três atores e três atrizes que vivem o papel de Anayde Beiriz, amante de João Dantas e responsável pelo assassinato de João Pessoa, governador da Paraíba na época. Anayde, no filme aparece na eterna espera de João Dantas e se transforma a cada vez que um mágico retira de sua cartola revelações sobre a cidade. Para Lauro Nascimento: O mágico que habita a cidade é um VAMPIRO TRITURADOR que analisa e manipula dados escondidos entre-grades, entre-muralhas, entre-abertas verdades nas janelas mentirosas. [...] Trata-se muito mais de um acender de luzes da cidade em pleno dia para que se leia uma estória dentro da história que sequer igual e repetitiva (NASCIMENTO, 1981, p. 2).

O segundo filme, O Caso Carlota, possui uma narrativa extremamente convencional. Baseado em episódio ocorrido na cidade de Areia-PB em meados do século XIX. Carlota torna-se amante de Quincas Leal, político oposicionista do partido liberal, chocando a sociedade local por sua desenvoltura amorosa. Ofendida publicamente por um integrante do partido conservador, Carlota planeja seu assassinato como vingança. Levada para prisão em Fernando de Noronha após cometer o assassinato, consegue indulto pelo envolvimento amoroso com o diretor do presídio. Recheado de cenas eróticas, o filme não consegue avançar para o aprofundamento do tema que se propõe investigar em forma de ficção. Ainda em 1981, Perequeté, de Bertrand Lira, retrata o preconceito que sofre o artista na província paraibana. Embora sendo um documentário, incluso na primeira fase, o autor mescla sua obra com elementos de ficção demonstrando a discriminação de segmentos da sociedade em relação aos indivíduos que exercem livremente a sua preferência sexual. Já Henrique Magalhães, depois de concluir em parceria com Torquato Joel o filme Les Etoiles (1983) durante um estágio em Paris no Atelier de Cinema Direto da Universidade de Nanterre, elabora Era Vermelho seu Batom (1983). Em 15 minutos, o filme mostra o relacionamento de dois homens num acampamento de carnaval. No vale tudo da movimentação carnavalesca, um deles flagra o outro fantasiado de mulher. A relação se deteriora face a discriminação do parceiro. Segundo o próprio realizador, o filme Era Vermelho seu Batom traduz as inquietações de uma geração também preocupada com os conflitos existenciais como o amor e a solidão e com os grupos ligados a movimentos de libertação de minorias, no caso, homossexual” (MAGALHÃES, 1983)7. O grupo de militância homossexual Nós Também realiza o curta de 18 minutos Baltazar da Lomba (1982) sobre a inquisição de um homossexual na Paraíba no período do império. No entendimento de Gabriel Bechara: Baltazar da Lomba foi o primeiro produto de um grupo que abria mão de uma militância política no sentido tradicional e achava por bem que a linguagem artística era a mais adequada para tratar da questão homoerótica. [...] A preocupação nesse filme é resgatar a história da perseguição, da intolerância em relação à homossexualidade na primeira década da existência da inquisição na Paraíba em 1595. A rebeldia a nível pessoal de Baltazar é uma rebeldia em relação a todo um modus vivendis que as elites portuguesas tentam implantar na Colônia. Eu diria mesmo que Baltazar é o início da irreverência brasileira de tantos outros perseguidos pelos autos inquisitoriais (BECHARA, 1987).8

Retratando ainda a mesma temática da homossexualidade, Closes (1982), de Pedro Nunes, consegue obter um grande impacto junto ao público, imprimindo uma dimensão mais séria para o Super-8. O filme se impõe frente à crítica local, que sempre agiu com reservas e ironias em relação ao Super-8, tornando a discussão da homossexualidade ainda mais ampla. Misto de documentário e ficção, Closes reúne

7 MAGALHÃES, Henrique. Cinema e Província, João Pessoa, A União, 25/05/1983.

8 Entrevista com Gabriel Bechara concedida ao autor. João Pessoa, 14/01/1987.

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Era Vermelho em sua parte documental depoimentos diversificados sobre preferências pelo mesmo o seu Batom sexo. Os depoimentos chocam-se, complementam-se e se contradizem. Na parte de Henrique Magalhães, 1983.

ficção, exibe a relação sexual entre dois rapazes onde um deles é obrigado a abandonar a cidade devido às pressões de família, da imprensa e da sociedade. Segundo Jomard Muniz, O grande rebuliço na província de João Pessoa foi realizado pelo filme Closes. Era a temática nova, a problemática nova em termos de sexualidade, pela beleza formal do filme tinha um encantamento visual muito grande. Isso foi um grande motivo para acender a chama dessa sexualidade recalcada noutros filmes (BRITTO, 1985).

Percebe-se nesta fase a existência de um grupo compacto de realizadores intencionados em fazer filmes inovadores, não só em sua temática, mas também em exercitar o aprendizado da linguagem cinematográfica. Esta exercitação e ousadia temática estão bem mais presentes nesta fase de resgate da ficção. A maioria desses filmes com gestos explícitos de transgressão temática associada à ficção é de obras de produção de autor. Apenas Perequeté dribla a orientação do estágio de Cinema Direto realizado no NUDOC/UFPB em 1981, abordando o tema da sexualidade, lançando elementos de ficção em sua obra. Seguindo esta linha de se confeccionar trabalhos artísticos inventivos, dois auto78

res sobressaem-se do conjunto por atuarem exclusivamente no campo da ficção: Lauro Nascimento e Jomard Muniz de Britto. Lauro Nascimento trabalha a sexualidade sob o prisma da religiosidade. O sagrado e o perverso fundem-se através da ótica barroca sensitiva do irrequieto artista plástico. Em Acalanto Bestiale (1981) e Miserere Nobis (1982) o autor faz uma fusão mística do imaculado e do profano, da pureza e da transgressão envoltos numa ambiência religiosa. De um lado a imaginação de um garoto que materializa Jesus e o ama docemente. De outro, um Jesus contemporâneo adota a filosofia “qualquer maneira de amar vale a pena”. Completando a trilogia ficcional, Segunda Estação de uma Via Dolorosa (1983) é a investida seguinte de Lauro Nascimento com a finalidade de mostrar o lado cru da prostituição masculina entre um intelectual e um michê adolescente que mantém relação sexual unicamente por dinheiro. O lado plástico, a cor, a luz, os cenários e o depuramento da imagem são aspectos importantes enfatizados na trilogia de Lauro Nascimento. Já Jomard Muniz ocupa um lugar de destaque na história do cinema paraibano e do cinema pernambucano. Agitador cultural dos anos 1960 e grande guru e realizador da geração do terceiro ciclo de cinema dos anos 1980, imprimiu em toda sua obra de literatura e cinema uma visão crítica e anárquica da cultura brasileira. É autor de mais de 40 curtas em Super-8. Em sua trilogia paraibana de filmes sobre sexualidade Esperando João (1981), Cidade dos Homens (1982) e Paraíba Masculina Feminina Neutra (1982), Jomard Muniz questiona os preconceitos enraizados no cotidiano da província. Cidade dos Homens mostra a forte presença masculina na cidade, nos bares, nas ruas, no trabalho, nas praças... na construção do controvertido Espaço Cultural da cidade de João Pessoa. Mas o filme mais importante do conjunto de realizações de Jomard Muniz de Britto é Paraíba Masculina Feminina Neutra, o terceiro de sua trilogia e o único que consegue realmente radicalizar a linguagem cinematográfica. Esta afirmação é também endossada por Bertrand Lira: “Paraíba Masculina Feminina Neutra é sem dúvidas o mais criativo desse cineasta que vive em constante atividade experimental no cinema. É com ‘Paraíba M.F.N.’ que Jomard demonstra maior intimidade com a linguagem cinematográfica” (LIRA, 1986, p. 8). Nesta obra, o autor investe contra a moral cotidiana, recortando ironicamente a realidade e sempre colocando em xeque o discurso militante. O filme é construído a partir de um discurso fragmentário composto por elementos díspares e imaginários, tais como: um chicoteador que se rende aos pés de Maria Bonita, um professor conservador e uma professora marxicóloga, gerando impacto no espectador pela agressividade das imagens e do discurso verbal. O filme, em três tempos (presente, passado e futuro) agrupa 12 personagens em constante metamorfose que percorrem favelas, becos e vielas de João Pessoa. É o único que consegue realmente lançar elementos novos em termos de provocações da linguagem cinematográfica e da sexualidade. Três outros filmes de restrita divulgação podem ser citados no campo da ficção: Na Cama (1981), de Romero Azevedo, Faon (1983), de Gabriel Bechara e Flagrante 79

Delito, de Rômulo Azevedo. A importância desse ciclo marcado pela ampla receptividade do público se caracteriza pela busca de uma estética própria. Embora não tenha existido uma subversão no tocante ao avanço depurativo da linguagem, houve as iniciativas que se encaminharam neste sentido, e o que é muito importante, exercitou-se a ficção discorrendo sobre a homossexualidade. A ruptura fundamental presente nessa produção é o enfoque temático em torno da sexualidade e a passagem, sob forma de ensaios, para a elaboração da ficção. Isto representa um dado novo muito forte, pois a Paraíba sempre carregou desde décadas anteriores o traço notadamente documental em sua filmografia. É o que confirma Henrique Magalhães.

Baltazar da Lomba Direção coletiva, 1982.

A mudança proporcionada pelo uso do Super-8 como veículo dos novos experimentadores em cinema, deu-se pela preferência de se traduzir suas mensagens através da ficção, rompendo a tradição documental da Paraíba. [...] A opção pela ficção seria um sintoma desse novo tempo, na medida em que ela abre mais espaço para viagens e universos particulares e interiores do cineasta (MAGALHÃES, 1987, p. 2).

A escolha pela ficção é aqui entendida não unicamente enquanto produtos culturais com um roteiro criando imaginariamente novas situações, mas sim algo que se nutre e extrapola as próprias contradições da realidade cotidiana. Os documentários Perequeté, de Bertrand Lira, e Sagrada Família, de Everaldo Vasconcelos, foram elaborados no sentido de documentar o dia a dia de um ator e de 80

uma família respectivamente, findam por registrar e ficcionar criativamente recortes de realidades humanas específicas. Isto comprova a dificuldade de se conceituar o que é um filme documentário e o que é um filme de ficção. Há um embaralhamento de gêneros embutido em ambos os filmes. Essa mistura que funciona como recurso criativo. No caso específico de Sagrada Família, o filme não aborda aparentemente a questão da sexualidade visto que aparece oculta, de forma reprimida; o seu realizador explora as tensões psicológicas de sua família, conseguindo a partir da seleção de ângulos, tomadas e estruturação das imagens, uma situação limítrofe de ficção e documentário. Enquadram-se também nesta perspectiva de misturas entre gêneros os filmes de Jomard Muniz, cujas obras adquirem vida própria ao tomar como pano de fundo alguns pontos e locais estratégicos da cidade João Pessoa. Ficção e realidade também se entremesclam com a presença de atores que se inserem performaticamente na realidade e se confundem com os transeuntes. Ao reunir situações díspares como: cultura marginal e cultura oficial, travesti e policial machão, sempre reportadas ou extraídas de situações regionais, locais ou nacionais, Jomard Muniz dispara através de suas narrativas uma avalanche de informações que atuam como nocaute aos valores cristalizados da província. Percebe-se então na leitura de sua obra que documento e ficção se interpõem. Enfim é interessante observar que alguns desses filmes que versam sobre a sexualidade conseguem mobilizar o público, chamar a atenção da imprensa e formadores de opinião por trazer temas polêmicos para o debate. A mobilização em torno desses filmes extrapola o estado da Paraíba a exemplo de Closes, que percorreu vários estados brasileiros e circulou pela América Latina. Nesse período foram construídas alternativas de exibição em forma de animação cultural. Essa iniciativa de circulação dos filmes se distinguia pela busca de canais paralelos junto às escolas, sindicatos, associações de bairro, periferias da zona urbana, zona rural e interior do Estado. É um cinema itinerante onde cada realizador ou integrante da comunidade encontrava fórmulas improvisadas para divulgação e exibição dos filmes, ao ar livre ou mesmo em recintos fechados. Alguns desses filmes também integraram as quatro Mostras de Cinema independente realizadas no contexto do terceiro ciclo de cinema e que possibilitaram o contato com realizadores e filmes de outros estados brasileiros.

Considerações Finais O terceiro ciclo cinematográfico na Paraíba representou a oportunidade de articulação espontânea de grupos de jovens principalmente junto à Universidade Federal da Paraíba, que mobilizaram para produzir cinema enxergando o seu potencial como expressão libertadora. A marca deste novo surto ficou caracterizada pela utilização da minibitola Super-8, adotada por uma geração emergente que utilizou o cinema como ferramenta de traba81

lho ideal para expressão dos conflitos políticos-existenciais em um contexto histórico de renovação da cinematografia paraibana. O resgate do Super-8 enquanto bitola apropriada para experimentação da linguagem e reflexão da realidade regional consistiu numa forma alternativa de gerar conhecimentos, atingindo proporções amplas. A flexibilidade da minibitola ampliou o quantitativo de produções audiovisuais possibilitando a entrada e a capacitação de um maior número de pessoas no processo de criação de filmes. Apesar da relevância do terceiro ciclo de cinema, o uso regular da bitola provocou reações preconceituosas por parte de jornalistas e cineastas da segunda geração do cinema, que reclamava a montagem de uma infraestrutura profissional de cinema. Essa polêmica resultou em dois manifestos polêmicos de Pedro Nunes e Everaldo Vasconcelos, além dos frequentes posicionamentos publicados na imprensa por integrantes do terceiro ciclo de cinema. Diante dessas questões Jomard Muniz argumenta o seguinte: É ridículo essa coisa que tem na Paraíba de muita gente não considerar o Super-8 como cinema, isso é um preconceito absurdo. Os grandes cineastas do mundo usam Super-8, é a possibilidade de se fazer cinema experimental, tanto curta-metragem, como a bitola Super-8 ou vídeo, você tem um campo mais livre para experimentação (BRITTO, 1985).

Henrique Magalhães também reage às críticas formuladas contra o movimento: Alguns críticos e intelectuais insistem na concepção de que o Super-8 não é cinema, fechando os olhos para o que está surgindo de novo no cenário cinematográfico paraibano. Comparativamente, seria o caso de se dizer que o vídeo cassete não é televisão. Mas como, se em ambos os casos os recursos de linguagem são os mesmos? Apela-se então em invocar o argumento de que o Super-8 é um instrumento amador e que os que o manuseiam agem amadoristicamente diante das possibilidades do cinema de captação de imagens paradas e transmissão de ideias em movimentos. Ora, conheço muitos filmes dessa nova safra made in Pb que valem muito mais do que centenas de filmes profissionais em 35 mm que inundam nossas salas de projeção e a cabeça de muitos. Este raciocínio de que estas produções superoitistas não têm valor recai no preconceito que têm as gerações mais velhas e alguns jovens retardatários de que a produção antiga é sempre de melhor valor e que qualquer nova produção é desacreditada talvez pelo simples argumento de que é novo. E desacreditar também que através do Super-8 alguns possam desenvolver linguagem (ou várias) tão original que se torne revolucionária. É pôr água fria na fervura. Se os meninos estão se achando cineastas porque estão fazendo Super-8 é porque eles são cineastas (me incluo nos meninos). O cinema que os meninos estão fazendo é duma realidade interior tão grande que pode até ser chamado de mal acabado, mas nunca pode deixar de ser chamado cinema. 82

Querer que se faça cinema que se fez 23 anos atrás, é como querer que nossos músicos de hoje cantem como Vandré na época de “Caminhando”, e aí corre-se o grande risco de não ser contemporâneo e cair numa real banalidade, como o foi Simone cantando “Pra não dizer que não falei das flores”. (MAGALHÃES, 1983).

A Paraíba tem demonstrado ao longo da história uma vitalidade significativa voltada para o campo do cinema e do audiovisual. A ausência de uma sólida infraestrutura sedimentada por recursos técnicos e financeiros é uma constante que perpassa os distintos ciclos da produção audiovisual no âmbito da Paraíba. A cada novo surto, os protagonistas do processo iniciam pela estaca zero. Tanto as produções do ciclo pioneiro liderado por Walfredo Rodrigues como as do ciclo Aruanda apresentam precariedades de recursos técnicos e financeiros, equipe de trabalho sempre reduzida. O amadorismo e improvisação estiveram presentes nos três ciclos de cinema embora com traços bem distintos. As falhas detectadas nessa produção do início dos anos 1980, como registro linear dos fatos, filmes inconclusos, impossibilidade de exercitação em 16 mm, são condicionantes da ausência de uma infraestrutura básica no Estado e da falta de preparo profissional no campo audiovisual. Se por um lado houve um retrocesso em relação ao formato da bitola e a não criação de uma infraestrutura profissional, por outro lado cabe afirmar que não existiu um recuo em termos de construções narrativas e busca de uma estética própria como marca distinta de uma geração. A violentação desse surto se faz presente quanto à escolha temática que serviu como fator de provocação e debate, ensaio da ficção e, consequentemente, o rompimento com a tradição do filme documental na Paraíba, as condições precárias de produção e a inserção desses produtos culturais de cunho expressamente artesanal junto aos movimentos populares e diversos setores da comunidade. Com uma bitola marginalizada, os realizadores lançam mão da potencialidade audiovisual do cinema e passam a utilizá-lo enquanto instrumento de ação social criando situações de participação efetiva do público. Há nesse conjunto de filmes um valor histórico de construção de memórias mesmo em se tratando dos trabalhos que tiveram a preocupação de registro. Esses filmes são memórias compartilhadas e representam em sua extensão um grande documento visual polipartido de época. Revelam nuances subjetivas de um contexto de época em que atravessa o político, o econômico, o existencial e os gestos criativos de realizadores que trafegam de maneira conflitante entre tradição e os procedimentos de ruptura.

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REFERÊNCIAS BECHARA, Gabriel. Entrevista concedida ao autor. João Pessoa, 14 jan. 1987. BRITTO, Jomard Muniz de. Entrevista concedida ao autor. Recife, 06 out. 1985. CALDAS, Manfredo. Entrevista concedida ao autor. João Pessoa, mai. 1987. FARKAS, Thomaz. Cinema Documentário: um método de trabalho. Tese de Doutorado, São Paulo: ECA/USP, 1972. HOLLANDA, Heloísa B. Impressões de Viagem – CPC Vanguarda e Desbunde: 1960/70. São Paulo: Brasiliense, 1981. LIRA, Bertrand. A Produção Cinematográfica Superoitista em João Pessoa e a Influência do Contexto Social / Econômico / Político e Cultural em sua Temática. Caderno de Textos, nº. 8, João Pessoa: CCHLA/UFPB, 1986, p. 5-12. MAGALHÃES, Henrique. Cinema e Província. A União, João Pessoa, 25 mai. 1983. MAGALHÃES, Henrique. Entrevista concedida à Bertrand Lira. Cadernos do CCHLA, n. 8, 1986, p. 8. MAGALHÃES, Henrique. Entrevista concedida ao autor. João Pessoa, 1987. NASCIMENTO, Lauro. João-Mar de Água e Fogo. II Mostra de Cinema Independente. João Pessoa, 1981, mimeo. NETO, Torquato; SALOMÃO, Waly (Org.). Os Últimos dias de Paupéria. São Paulo: Max Limonad, 1982. NUNES, Pedro. Violentação do Ritual Cinematográfico: Aspectos do cinema independente na Paraíba – 1979-1983. Dissertação de Mestrado, S. Bernardo do Campo: UMSP, 1988.

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TECNOLOGIA E ESTéTICA: O Super-8 funda a estilística do direto no cinema paraibano nos anos 1980 POR BERTRAND LIRA

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A captação da imagem em sincronia com o som foi uma aspiração dos documentaristas no mundo a partir da década de 1930, o que veio a se concretizar plenamente nos anos 1960. As inovações tecnológicas da época fundaram a estética do Cinema Direto/verdade. Na Paraíba, apenas em 1979 é realizado o primeiro documentário com som sincrônico. Na década seguinte, o Super-8 proporciona uma significativa produção de documentários com procedimentos estilísticos do direto, sedimentando essa forma de fazer cinema até os dias atuais no estado.

Bertrand Lira é cineasta e prof. Dr. do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGC/UFPB) e do Departamento de Comunicação em Mídias Digitais do CCHLA/UFPB .

É Romão pra qui é Romão pra colá Elisa Cabral, 1982.

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INTRODUÇÃO As inovações tecnológicas no campo do registro da imagem e do som cinematográficos vão redundar em novos procedimentos estilísticos nos anos 1960 com a consolidação do Cinema Direto. É o período compreendido entre os anos de 1960 e 1963, com produções de Jean Rouch e Mario Ruspoli (França), do grupo capitaneado por Robert Drew (Estados Unidos) e das pesquisas do National Film Board (Canadá), que vão definir essa nova forma de abordagem do real que viria a configurar o estilo documental dos anos subsequentes. O novo estilo documental, levado a cabo nos países acima citados, é fruto dos avanços tecnológicos na captação da imagem e do som iniciados nos anos do pósguerra, que redundaram no aparecimento na França, Canadá e Estados Unidos do chamado “grupo sincrônico ligeiro”, ou “grupo sincrônico cinematográfico leve”, como prefere Gauthier (2011). O primeiro a ser criado na França foi em 1960, com o encontro de André Coutant (idealizador da câmera Éclair - cujo protótipo é de 1959) e o etnógrafo Jean Rouch, do Comitê Internacional do Filme Etnológico e Sociológico do Museu do Homem de Paris. Ramos (2008) enumera uma série de aperfeiçoamentos que levaram ao surgimento do grupo: câmera menor e mais leve, que a libertou do tripé e possibilitou a “câmera-na-mão”; rolos de filme virgens mais extensos permitindo tomadas mais longas; películas mais sensíveis que poderiam dispensar ou minimizar o uso de aparatos de iluminação; isolamento acústico da câmera para evitar a interferência do seu próprio ruído (blimpagem); e a substituição do som ótico pela banda magnética e sua sincronização na tomada estão entre as mais significativas conquistas dos realizadores do período. A portabilidade dos equipamentos de cinema permite aos realizadores o exercício de uma ética documental mais engajada no corpo a corpo com o real. Crônicas de um verão (Jean Rouch e Edgar Morin, 1960/1961) torna-se o filme-marco do que viria a ser chamado, num primeiro momento, de cinéma verité pelos franceses. Em breve, mais exatamente a partir de 1963, os franceses vão adotar a nomenclatura “Cinema Direto” (direct cinema) dos anglo-saxões, segundo Da-Rin (2004), por proposição de Mario Ruspoli, que a considera mais neutra: era o “o cinema em tomada direta sobre a realidade”. Os anglo-saxões, por sua vez, vão se deixar fascinar pela denominação cinéma verité. As duas escolas, no entanto, seguem modos de abordagem distintos na representação do real. A tendência observacional do Cinema Direto, predominante no Canadá e Estados Unidos, enfatiza a tomada em recuo, o distanciamento do cineasta do tema abordado. O Cinema Direto francês (participativo), ao contrário da escola anglo-saxã, usa procedimentos estilísticos que revelam a intervenção do cineasta e sua interação com os sujeitos e tema de sua representação. Como “cinema verdade”, a ideia enfatiza que essa é a verdade de um encontro em vez da verdade absoluta ou não manipulada. Vemos como o cineasta e as pessoas que 88

representam seu tema negociam um relacionamento, como interagem, que formas de poder e controle entram em jogo e que níveis de revelação e relação nascem dessa forma específica de encontro (NICHOLS, 2005, p. 155).

A rigor, o documentário participativo teria origem nas propostas estéticas de O homem da câmera (Dziga Vertov, 1929), onde vemos acontecer esse encontro entre cineasta e o tema representado na tela. A introdução do termo cinéma verité entre os franceses é atribuída ao crítico e historiador Georges Sadoul, a partir de um termo ambivalente de Vertov (o Kino Pravda, cinema verdade) com o qual o cineasta soviético nomeara seu suplemento cinematográfico do jornal La Pravda. O próprio Sadoul (apud GAUTHIER, 2011, p. 92) reconheceria o erro numa autocrítica: “Eu me deixei enganar por uma tradução literal e apressada numa época em que eu ignorava todos os textos de Vertov”. No contexto ideológico do momento, a denominação “cinema verdade” passa a ser incômoda para a escola documental francesa do direto. No Brasil, o percurso no emprego do som sincrônico foi mais árduo e marcado por improvisações da parte dos nossos documentaristas e técnicos por motivos óbvios: um país periférico, sem um contexto favorável de “experiência histórica/ progresso técnico/liberdade de criação” que, como observa Gauthier (2011, p. 85), proporcionou aos canadenses (com o Office national du film, em Montreal), aos franceses (com o Comitê do Filme Etnográfico, em Paris) e aos estadunidenses (com o grupo de Leacock e Drew) uma produção efervescente do Cinema Direto. É o sueco Arne Sucksdorf que vai introduzir no Brasil a tecnologia da “câmera maneira” e do gravador Nagra com a formação de técnicos locais. Ramos (2008) observa que, embora o “som sincrônico na tomada” fosse um fetiche tecnológico dos documentaristas da nova geração de realizadores, seu uso não se deu de forma generalizada devido às dificuldades técnicas do seu emprego. A voz over do documentário clássico, segundo o autor, ainda vai dominar a produção documentarista brasileira dos anos seguintes. Na Paraíba, como veremos, o uso do som sincrônico só vai acontecer no final da década de 1970. Portanto, não é de estranhar esse aparecimento tardio, já que a tecnologia iria se estabilizar nos países centrais a partir de meados dos anos 1960. Na Paraíba, O que conto do Sertão é isso (1979) de José Umbelino e Romero Azevedo inaugura a estilística do Cinema Direto entre nós com o uso, pela primeira vez, de falas sincrônicas. O título anuncia, de certa forma, a presença dos sujeitos da fala, isto é, os atores sociais. A tradição de duas décadas de voz over no cinema documental paraibano, no modo da abordagem do real denominado por Nichols (2005) de “expositivo” e por Ramos (2008) de “ética educativa” para o que conhecemos como “documentário clássico”, dá lugar a entrevistas e depoimentos de pessoas comuns no papel de atores sociais, abandonando a postura de um sujeito onisciente que faz asserções, supostamente imparciais, sobre um determinado tema e emergindo um sujeito que intervém, participa e interage. O documentário de José Umbelino e Romero Azevedo, iniciado em 1978 e fina89

lizado em 1979, é uma produção da Universidade Federal da Paraíba, onde ambos eram professores no campus de Campina Grande. Com 32 minutos de duração, o filme foi rodado em 16 mm e com um gravador modelo Stellavox SU8. É o próprio Umbelino que nos informa sobre essa incursão no sincrônico: Usamos o som direto no “O que eu conto do sertão é isso...”, logo no início do filme quando a personagem fala do sertão e dá o título ao filme. Fizemos outras cenas com som direto: o discurso do líder sindical, encerrando o filme. Enfim, o padre e etc. Porém, numa grande parte do filme o som entra em off, e por fim, optamos usar a fala da camponês como narrador (UMBELINO, 2013).

Outro documentarista, que se aventurou no som sincrônico para o registro de depoimentos de realizadores sobre o cinema paraibano dos anos 1960 desde Aruanda, foi Manfredo Caldas. Parte dos depoimentos foi filmada em 1979 para aproveitar a presença de realizadores paraibanos em João Pessoa durante a VIII Jornada de Cinema da Bahia sediada, pela primeira vez, fora do estado de origem. Cinema paraibano – vinte anos, segundo Caldas (2013), “tem 90% das filmagens em som direto, realizadas na capital paraibana. O filme foi uma produção da extinta Embrafilme em coprodução com a UFPB”. Na década de 1970, uma produção documentária, anterior às aventuras no som sincrônico de 1979 com O que conto do Sertão é isso e Cinema paraibano – vinte anos, é narrada pela voz de um dos seus personagens, “Barra Limpa”, apelido de José dos Santos em A pedra da riqueza (Vladimir Carvalho, 1975). Percebemos aí um desejo do direto no encontro do realizador com o seu tema. Sobre o filme, Marinho observa: Em A pedra da riqueza, de Vladimir de Carvalho, o tratamento direto e verticalizado do problema da relação do homem com o trabalho de exploração do minério não descuida de um tratamento poético da imagem, que dá à obra um valor estético não muito comum nos filmes que tratam de temas semelhantes (MARINHO, 1998, p. 102).

Não há som sincrônico nesse filme rodado em 35 mm, com 15 minutos de duração, mas o depoimento do personagem tem a espontaneidade de alguém que dialoga com um interlocutor, que não vemos e não escutamos como viria a ser uma constante no Cinema Direto. Além da fala de “Barra Limpa”, ouvimos as sonoridades assíncronas do ambiente da mina de xelita pontuadas com a música atonal e minimalista de Fernando Cerqueira. No Cinema Direto, o diretor adquire, às vezes, o status de personagem, sobretudo na sua vertente participativa/interativa. Acreditamos que Carvalho teria se tornado um personagem nesse filme se a tecnologia estivesse à sua disposição naquele momento.

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O SUPER-8 E A SEDIMENTAÇÃO DO CINEMA DIRETO NA PARAÍBA O ano de 1979 traz também dois acontecimentos importantes para o cinema paraibano cujos desdobramentos vão se dar na década seguinte: a realização da VIII Jornada Brasileira de Cinema da Bahia que, excepcionalmente, acontecia em João Pessoa em setembro daquele ano, e a criação do Núcleo de Documentação Cinematográfica da Universidade Federal da Paraíba (NUDOC) que dará um impulso à produção local no campo do documentário, sobretudo na estilística do direto da escola francesa. A vinda da Jornada da Bahia à cidade envolveu a Universidade Federal da Paraíba, através da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários, Ministério da Educação e Cultura, Funarte, Embrafilme, Itamarati e Governo do Estado da Paraíba. Pelo número de entidades envolvidas percebe-se a relevância da realização da Jornada para o cinema paraibano. Durante o evento, um grupo de cineastas paraibanos promoveu um encontro entre o reitor da UFPB, Lynaldo Cavalcanti, o governador do Estado, Tarcísio Burity e o diretor geral da Embrafilme, a fim de reivindicarem um apoio à produção cinematográfica da Paraíba. O resultado dessa mobilização foi a criação do NUDOC e a posterior aquisição de equipamentos de produção audiovisual (uma câmera 16 mm, câmeras, projetores, editores e gravadores para a bitola Super-8) pela UFPB. Parte desse material veio do Centro de Formação em Cinema Direto de Paris, depois do acordo feito durante a Jornada, entre a UFPB e o Comitê do Filme Etnográfico de Paris, representado por Jean-Rouch e o cineasta Jacques D’Arthuys, para a criação de um Atelier de Cinema Direto na universidade, no campus de João Pessoa. Após o regresso dos professores Pedro Santos e Jurandy Moura de Paris, onde frequentaram o Centre de Recherche et Formation au cinéma direct de Paris, que oferecia estágios regulares de formação em cinema documental no estilo direto, tem início a elaboração do projeto para o primeiro estágio de realização em documentários diretos em João Pessoa, o que só se concretiza em março de 1981 no recém-criado Núcleo de Documentação Cinematográfica. Este estágio pioneiro teve aproximadamente quatro meses de duração e consistiu em uma introdução teórica, com a exibição e análise de filmes, na sua maioria documentários, com vários deles produzidos durante estágios semelhantes em Paris. No restante do curso, era dada ênfase à prática de realização: nos primeiros 15 dias de aulas o aluno era estimulado a realizar um pequeno exercício com câmera Super-8 sobre uma ação qualquer (uma pessoa que entra numa cantina e bebe um café, por exemplo). Aproximadamente um mês depois, fazia-se o segundo exercício, este com o tema escolhido pelo próprio aluno que deveria colocá-lo em discussão antes de filmá-lo. Para isto eram fornecidos dois cassetes (cartuchos) em Super-8 com três minutos de duração e câmera que registrava sincronicamente som e imagem. O terceiro exercício (o filme final) não tinha, teoricamente, limite em relação aos cartuchos utilizados e cada estagiário poderia utilizar quantos fossem necessários. 91

Durante o estágio em Cinema Direto realizado em João Pessoa, em 1981, e em Paris, no verão de 1982, no Centro de Pesquisa e Formação em Cinema Direto na Association Varan, o conceito de Cinema Direto nos foi passado através de um texto de Marie e outros (1975) intitulado Lecture du Film. Aqui foi traduzido pelo professor Pedro Santos, fotocopiado e distribuído entre os estagiários. Os autores discutem estratégias a serem adotadas na realização de um documentário direto numa tentativa de sistematizar procedimentos e técnicas que envolveriam esse modo de abordagem do real na sua linha interativa (ou participativa) adotada pela escola francesa. Os procedimentos estilísticos do direto enfatizam o registro sincrônico da imagem e do som e a ideia de que é o próprio ato de filmagem que gera o evento fílmico. Gauthier (2011) observa que sem a existência dessa “técnica nova”, a do Cinema Direto (som sincrônico, câmera leve, etc.), os realizadores não poderiam ter logrado a intimidade, o corpo a corpo, com os sujeitos de suas obras. E cita o neorrealista italiano Cezare Zavattini que, em seu diário de 1952, expressava essa necessidade, só satisfeita, como vimos, a partir dos anos 1960 com o som sincrônico e câmeras mais leves e portáteis. Isso possibilitou, segundo Ramos, que o documentário passasse a “enunciar por asserções dialógicas”, ou seja, O mundo parece poder falar por si, e a fala do mundo, a fala das pessoas, é predominantemente dialógica. A tendência mais participativa do Cinema Direto/verdade introduz no documentário uma nova maneira de enunciar: a entrevista ou o depoimento.[...] A voz do saber, em sua nova forma, perde a exclusividade da modalidade over. Ainda tempos a voz over, mas os enunciados assertivos são assumidos por entrevistas, depoimentos de especialistas, diálogos, filmes de arquivo (flexionados para enunciar as asserções de que a narrativa necessita). O documentário, portanto, se caracteriza como narrativa que possui vozes diversas que falam do mundo, ou de si (RAMOS, 2008, p. 23-24).

Neste sentido, é o Super-8 que vai potencializar a abertura do documentário paraibano, nos anos 1980, para uma narrativa dialógica, onde as vozes dos sujeitos representados contribuem de forma decisiva para a representação do tema enunciado. A tecnologia do cinema superoitista leva ao extremo a portabilidade e leveza dos equipamentos de captação de som e imagem, já que incorpora à câmera o registro do som. Considerada uma tecnologia amadora pelos profissionais do cinema, o Super-8 possibilitou a formação de uma geração de realizadores em todo o mundo. Na Paraíba, a estética do Cinema Direto, iniciada com O que eu conto do Sertão é isso, na década anterior, passa a ser usada de forma sistemática na década de 1980, com a aquisição de câmeras, microfones e ilhas de edição para os estágios promovidos pelo NUDOC da UFPB, em convênio com o governo francês, que garantiu a vinda de realizadores como Jacques D’Arthuys, Philippe Constantini, Séverin Blanchet e Mirelle Abramovici para a formação de novos realizadores em João Pessoa. Dentro dos preceitos técnicos e estéticos do Cinema Direto, foi realizada toda a 92

produção em Super-8 do NUDOC durante os três estágios de treinamento, entre 1981 e 1983, com a formação de mão de obra para a realização cinematográfica. O produto desses estágios eram filmes voltados para uma abordagem sócio-antropológica dos temas enfocados, cuja tônica era a relação do homem com a família, com seu trabalho, a questão da sobrevivência e também suas crenças e imaginário religioso. Enquadra-se nesta linha documental o filme Visões do Mangue (Elisa Cabral, 1982) que trabalha as lendas e mitos dos pescadores de caranguejo em Livramento – vilarejo do litoral paraibano, mais precisamente a entidade Batatão, o “dono do mangue”. A Seca, de Torquato Joel, trata-se de um documentário sobre a vida de camponeses que habitam na bacia do açude de Orós (interior do Ceará) na época da grande estiagem de 1981. Ele enfoca, através de uma família, o problema da emigração causado pelas secas naquela região e as frentes de trabalho criadas pelo governo. Entre os personagens que relatam seus infortúnios com a falta de chuvas, destaca-se um personagem singular: um barbeiro que vive da troca de seu trabalho por objetos e alimentos que vão garantir sua sobrevivência. Ele nos dá informações sobre a vida simples e sobre os modos de trabalho de um Sertão arcaico à época da realização do documentário. Percebemos, nesses filmes, uma preocupação com a condição do homem na sociedade e em denunciar a sua situação de oprimido. Lira (1986) observa que na época em que foram realizados, o país se encontrava em processo de redemocratização de suas instituições políticas e sociais. Toda essa geração havia tomado consciência, há pouco tempo, dos anos de obscurantismo político por qual passara o Brasil nos últimos 20 anos. Esses temas eram constantemente discutidos pela imprensa e também nas salas de aula dos cursos da área de Humanas. Daí a preocupação em analisar e refletir esses problemas que afetavam a sociedade brasileira. A vida de um trabalhador da construção civil é o núcleo do filme Mestre de obras (Newton Araújo Júnior, 1981). Logo na primeira cena, ouve-se a voz do cineasta perguntando o que Seu José, o mestre de obras do título, gostaria que as pessoas soubessem dele. Daí o filme segue essa orientação do personagem, mostrando a sua família – morando numa casa inacabada – e seu relacionamento com os amigos da construção civil. Newton encomendou a música ao cantor e compositor Chico César, na época estudante do Departamento de Comunicação e Artes da UFPB, como era também parcela significativa dos estagiários do NUDOC. Essa intervenção direta do cineasta, oferecendo ao personagem a possibilidade de conduzir a narrativa de sua própria história, é uma das marcas do estilo direto. Seguindo ainda uma temática sociológica temos É Romão pra qui é Romão pra colá (Vânia Perazzo, 1981). Romão é um trabalhador do campo que tem apreço pela música e tenta fazer dessa arte um meio de vida. Perazzo, em seu filme, registra momentos interessantes da vida deste “músico”, que constrói seu próprio instrumento musical – uma espécie de berimbau de lata, madeira e arame, com o qual realiza seus “recitais” nas feiras das pequenas cidades do Brejo paraibano. A ingenuidade do personagem confere ao filme certo lirismo, evidenciado na cena em que Romão 93

Visões do passeia numa roda gigante de um parque de diversões na cidade de Areia. Mangue Durante o segundo estágio, em 1982, mais quatro filmes, além do Visões do Mangue

Elisa Cabral, 1982.

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(Elisa Cabral), optaram pela abordagem de problemas sociais: O menor, Manipueira, Bernadete e Do oprimido ao encarcerado. O filme de João Galvíncio Júnior, O menor, põe em conflito o discurso de crianças e adolescentes marginalizados e o discurso das autoridades governamentais sobre a polêmica questão do menor abandonado em João Pessoa. Manipueira, de Maria Aparecida, também aluna do Curso de Comunicação Social, descreve o processo de colheita da mandioca até a fabricação da farinha – de modo artesanal e com instrumentos rudimentares – que abastecerá o mercado das pequenas comunidades. Com Bernadete, Maria das Graças Sousa dá voz a uma lavadeira de roupas que relata sua luta para sustentar sua mãe e seus três filhos, frutos de dois casamentos desfeitos, e que fala de seus sonhos de viver em São Paulo “onde pagam melhor e assinam documentos”. A partir da leitura do livro da professora Maria Salete - dissertação de mestrado sobre uma experiência realizada num presídio de João Pessoa, baseada na metodologia do educador Paulo Freire, Marcus Vilar realizou Do oprimido ao encarcerado - um filme que os próprios presidiários ajudaram a fazer, participando como iluminador ou técnico de som. Outros documentários enfatizaram mais os conflitos pessoais e familiares de seus personagens ou focalizaram o trabalho artístico dessas pessoas: Perequeté (Bertrand Lira, 1982) radiografa a vida do ator e dançarino Francisco Marto que, demonstrando muita garra, tenta superar o preconceito contra o artista na província. Através de depoimentos de Francisco Marto, cujo apelido vem de uma peça infantil

em que interpretou o coelho Perequeté, constata-se que o preconceito não é contra o artista em si, mas contra a livre orientação sexual de cada indivíduo. “As pessoas acham que todo homem que faz dança é homossexual e que toda mulher é uma prostituta ou lésbica”, diz Perequeté em voz over numa das cenas em que aparece dançando. Sagrada Família (Everaldo Vasconcelos, 1981) é a câmera violando o próprio lar do realizador, descobrindo conflitos e revelando as neuroses de uma família de classe média baixa em João Pessoa. É um filme tenso e dramático que demonstra a grande intimidade do cineasta com a sua câmera e o objeto filmado. Tá na rua (Henrique Magalhães, 1981) mostra, em 15 minutos, o trabalho de experimentação de um grupo de teatro em novos campos da dramatização. O autor teve sérios problemas em realizá-lo porque o grupo vindo do sudeste do país estava participando de um encontro de teatro e Magalhães teve de fazer todas as filmagens em apenas uma semana sem poder ver o resultado do que havia filmado para estruturar melhor sua narrativa. As falhas técnicas não puderam ser contornadas e o diretor usou o material que tinha em mãos. Sonho Destrela (Eliezer Rolim, 1983) é a vida de uma cantora de interior sem perspectiva de profissionalização e nem acesso aos produtores de discos. A frustração de não poder ser famosa a deixa profundamente descrente. Pedro Osmar em carne e osso (Otávio Cássio, 1982) e Música sem preconceito (Alberto Júnior, 1983) são mais dois filmes que fogem à abordagem sociológica dos anteriores. O primeiro fala dos experimentos musicais e da vida do compositor Pedro Osmar e a sua atuação no grupo Jaguaribe Carne. O segundo trata do rock como forma de interação entre um grupo de jovens de classe média alta de Tambaú, praia de João Pessoa. O Super-8 permitiu esse corpo a corpo com o real, a imersão do realizador na realidade documentada com uma menor interferência na cena em relação aos equipamentos maiores, inclusive por dispensar, na maioria das vezes, o aparato de iluminação. Ramos (2008, p. 289), observa que “o núcleo comum da estilística do direto é ancorado nas novas tecnologias que permitem a aderência do sujeito-da-câmera ao transcorrer da ação e seu som na tomada”. A vida poderia ser captada, a partir de então, em seu curso natural. No entanto, é bom assinalar que a estilística do diretor não prescinde da encenação. Estamos nos referindo a uma das encenações possíveis num documentário, denominada por Ramos de “encenação-locação”, quando é solicitado ao sujeito que refaça (encene), para a câmera atividades que fazem parte do seu cotidiano e que o diretor ou o personagem deseja ver representadas no filme. Ações que os personagens não estariam efetuando naquele momento. No entanto, mesmo que estivessem, vão ser refeitas (encenadas) mais de uma vez para que se adéquem ao registro desejado pelo sujeito-da-câmera. No filme Perequeté, há sete momentos onde as situações foram criadas para o filme, embora três delas façam parte do cotidiano do personagem que foi solicitado por mim a encená-las na “circunstância do mundo” onde o personagem (ator social) 95

vive sua vida. O encontro de Francisco Marto com Antonia e Galvíncio Jr., que lhe fazem perguntas sugeridas pelo diretor como pretexto para que o personagem falasse de sua vida, seus descontentamentos com o que as pessoas pensam da profissão de ator e dançarino, seus anseios e sonhos. Marto também encena para a câmera um exercício de direção de atores do seu grupo e um encontro descontraído com duas amigas da universidade numa sala de aula. Depois da cena onde dá aula de dança, Marto dança para a câmera. E num intervalo da filmagem de Paraíba masculina feminina neutra (Jomard Muniz de Britto, 1983) ele dança mais uma vez, caracterizado da personagem Anayde para a câmera e ouvimos sua voz over falando da paixão pela dança e do preconceito social. Outro documentário produzido no estágio em Cinema Direto, desta vez em Paris, traz diversos momentos de autoencenação e de momentos criados para o filme.

Celso Pós Celso Pós Milagre (Vânia Perazzo, 1982) tem como personagem o economista e profesMilagre sor Celso Furtado, vivendo em Paris onde se exilou depois do Golpe Militar de 1964.

Vânia Perazzo, 1982.

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Nos seus 20 minutos de duração, vemos Furtado (auto)encenando seu cotidiano, às vezes timidamente: caminhando pelas ruas de Paris, no mercado, conversando com um parente da diretora, recebendo estudantes em sua casa, passeando por um jardim da cidade. Discutindo sobre a autenticidade de uma autoencenação, Gauthier afirma:

Diante da câmera, não se é totalmente si mesmo – ou então se está no limite de si mesmo – nem totalmente outro – se não for um personagem de imaginação. Cabe ao cineasta saber se ele quer que o personagem seja ele mesmo – vertente documental – ou um personagem oriundo de sua própria imaginação – vertente romanesca (GAUTHIER, 2011, p. 151).

Antes dos estágios em Cinema Direto do NUDOC, o Super-8 chega à Paraíba com o documentário Gadanho (João de Lima Gomes e Pedro Nunes, 1979), sem a utilização do som sincrônico, mas, como em A pedra da riqueza, sobrepondo sobre as imagens depoimentos e ruídos ambientes mixados de forma precária, às vezes com cortes bruscos. Percebemos aí o desejo de dar voz aos personagens. Isso não acontece, por exemplo, em Festa do Rosário de Pombal (Jurandir Moura, 1976), realizado um ano depois de A pedra da riqueza, de Vladimir Carvalho. Jurandir optou por um narrador profissional do rádio (Gilson Souto) em voz over, no típico documentário expositivo clássico, alternando a narração em voz de Deus com as sonoridades da festa. Gadanho reintroduz no cinema paraibano a bitola de 8 mm, agora Super-8, em 1979, pois no início e meados da década de 1970 algumas experiências foram ensaiadas em curtas de ficção e documentais por cineastas que já haviam trabalhado com 16 mm (José Bezerra e Jurandir Moura) e realizadores estreantes. As primeiras películas em 8 mm, na época ainda chamada de “minibitola”, são produzidas em 1973. A bitola de oito milímetros ainda não dispunha da banda magnética para registro do som em sincronia com a imagem, o que só se concretizou com o advento do Super-8 no final da década. Lira (1986) divide a produção paraibana na “minibitola” em duas fases: a primeira fase corresponde aos filmes produzidos a partir do seu surgimento em 1973 e vai até 1976, e a segunda fase (1979 a 1983), com a produção de Gadanho e na década seguinte com os estágios do NUDOC. Influenciados por Gadanho, Bertrand Lira e Torquato Joel, realizam, em 1981, Imagens do declínio ou Beba coca, babe cola, produzidos pelo Programa Bolsa-Arte da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da UFPB. No Brasil dos anos 1970, o Super-8 se apresenta como uma enorme produção experimental em relação às outras bitolas e formatos (vídeo, 16 ou 35 mm), mas pouco vista, segundo Machado (2011). Na Paraíba desse período, poucos filmes foram realizados nesta bitola. A produção chega com força, como vimos, a partir de 1981, com os documentários oriundos do NUDOC e as ficções de Jomard Muniz de Brito e Lauro Nascimento, entre outros realizadores não alinhados com as propostas estéticas do Cinema Direto. No contexto nacional, Machado observa que: A multiplicidade de proposições estéticas é uma das marcas distintivas da produção audiovisual na década de 1970, imposição, em parte, de uma segmentação fragmentária de experiências, forçadas pela ditadura civil e militar que se implantou no país em 1964 e que recrudesceu a partir de 1968. Ao lado da vigorosa expansão da TV e do 97

relativo sucesso da Embrafilme, houve também uma proliferação de experimentalismos jamais vista, o mais das vezes localizados e circunscritos, implicando microesferas comunitárias, como no caso dos festivais intermitentes, certos cineclubes, mostras artísticas, e de uma miríade de pequenos eventos (MACHADO, 2011, p. 29).

No universo local, a produção superoitista chegou ao público através das avantpremières e das três edições da Mostra de Cinema Independente, promovidas pelo núcleo de realizadores da Oficina de Comunicação do antigo Departamento de Comunicação e Artes (DAC) da UFPB, coordenada por Pedro Nunes. Foi Nunes quem realizou pela primeira vez um documentário em Super-8 com procedimentos de abordagem do direto fora dos estágios do NUDOC. Closes (Pedro Nunes Filho, 1982) faz uso do som sincrônico para ouvir seus personagens. Entre depoimentos para a câmera, seus atores sociais falam de suas impressões sobre a experiência de viver a homossexualidade numa sociedade preconceituosa. Com o Super-8 e o som sincrônico, a relação dialógica entre o sujeito-da-câmera (sujeito enunciador) e os demais sujeitos, objetos de sua enunciação, se torna possível. A partir daí, uma grande parcela do cinema paraibano adota o modo de abordagem que Nichols (2005) denomina de “participativo” e Ramos (2008) de “ética interativa”. Nichols faz uma diferenciação sutil entre duas tendências do modo participativo: Os cineastas que buscam representar seu próprio encontro direto com o mundo que os cerca e os cineastas que buscam representar questões sociais abrangentes e perspectivas históricas com entrevistas e imagens de arquivo constituem dois componentes importantes do modo participativo. Como espectadores, temos a sensação que testemunhamos uma forma de diálogo entre cineasta e participante que enfatiza o engajamento localizado, a interação negociada e o encontro carregado de emoção (NICHOLS, 2005, p. 162).

No nosso entender, Closes se encaixa nessa linha que se propõe a representar questões sociais, no caso, o histórico preconceito social em relação aos que assumem uma orientação sexual desviante da conduta heteronormativa. Nunes coletou diversas falas para construir sua “voz” sobre o tema. Voz aqui no sentido de que Nichols (2005) dá a um conjunto de procedimentos éticos e estéticos no discurso cinematográfico documental ou ficcional que revela a perspectiva (o ponto de vista) do realizador sobre o tema abordado. São escolhas que vão do enquadramento, passando pela composição da cena, ângulo de tomada, seleção dos sujeitos das falas (entrevistas/ depoimentos), uso do som direto ou da voz over, cronologia da narrativa, estilo de abordagem, etc., aos diversos recursos possibilitados pela montagem. Realizado antes dos estágios em Cinema Direto do NUDOC, Imagens do declínio ou Beba Coca, Babe Cola trabalha uma abordagem documental e ficcional para denunciar as condições miseráveis de vida de comunidades pobres de João Pessoa, ao mesmo tempo que esboça uma crítica debochada à presença de multinacionais no 98

país, através de um dos seus símbolos mais conhecidos, a Coca-Cola. Na parte documental, vemos imagens de vielas de uma favela da cidade ao som de Invocação em defesa da Pátria, de Heitor Villa Lobos, cujos versos impregnados de ufanismo exaltam o país, contrastando ironicamente com a miséria mostrada. Nos momentos ficcionais, a música atonal, com poema concretista de Décio Pignatari (Beba Coca, Babe Cola), anima arrotos, masturbação com uma garrafa de Coca-Cola simulando um pênis em ejaculação e uma flatulência para a câmera. A partir do slogan do refrigerante, o poema de Pignatari desmonta palavras, muda fonemas, forma novas palavras e, ao se somar a essas imagens, compõe uma crítica ácida ao então símbolo máximo do imperialismo. Depois desse filme de estreia, Bertrand Lira e Torquato Joel passam a integrar os estágios de Cinema Direto do NUDOC, em João Pessoa, e do Atelier Varan, em Paris, contribuindo para a produção de documentários no estilo direto produzidos na Paraíba.

CONCLUSÃO A partir de 1960, com Crônicas de um verão, de Rouch e Morin, o Cinema Direto inaugura uma nova forma de abordagem do real que marcará definitivamente o fazer documental. Na Paraíba, no final dos anos 1970, O que eu conto do Sertão é isso inaugura o som sincrônico, e o Cinema Direto é adotado como estilo em um documentário paraibano. A bitola Super-8 vai proporcionar, no início da década seguinte, uma produção razoável de documentários que vão adotar a estilística do direto. A maior parte dessa produção superoitista veio do NUDOC, que realizou três estágios voltados para a formação de cineastas nessa estética. A proposta do Cinema Direto era de uma não-sofisticação da linguagem, colocando o cinema como instrumento e veículo de expressão para as pessoas que quisessem fazer uso dele. Durante os três estágios, 25 filmes foram realizados pelos alunos, além de outros, cuja produção se deu com o apoio do NUDOC, com empréstimos de equipamentos de captação de imagem e som e ilhas de edição. Na impossibilidade de acesso a tecnologias mais sofisticadas, o Super-8 proporcionou aos novos realizadores cinematográficos a possibilidade de se expressar com equipamentos de produção mais portáteis e de fácil manuseio. De início, visto com maus olhos pelos realizadores veteranos por considerarem uma tecnologia amadora, o Super-8 terminou sendo, em determinado momento, usado por eles mesmos pela dificuldade de se produzir com equipamentos em 16 ou 35 mm. O Super-8 foi, gradativamente, substituído pelo vídeo analógico ainda na década de 1980 e toda a década seguinte, quando chega a tecnologia (digital), que vai revolucionar a produção cinematográfica em toda as esferas de sua cadeia produtiva (produção, distribuição e exibição).

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REFERÊNCIAS CALDAS,

Manfredo.

Contato

e

informações.

[mensagem pessoal]. Mensagem recebida por em: 06 jun. 2013. DA-RIN, Sílvio. Espelho Partido: tradição e transformação do documentário. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004. GAUTHIER, Guy. O documentário: um outro cinema. Campinas, SP: Papirus, 2011. LIRA, Bertrand. A produção cinematográfica superoitista em João Pessoa de 1979 a 1984 e a influência do contexto social/econômico/político e cultural em sua temática. João Pessoa: Caderno de Textos n. 8, CCHLA/ UFPB, set. 1986. p. 5-12. MACHADO JR., Rubens. O inchaço do presente: experimentalismo Super-8 nos anos 1970. Rio de Janeiro: CTAv. Filme Cultura, n. 54, mai. 2011. p. 28-32. MARIE, Michel et al. Lectures du film. Paris: Albatros, 1975. MARINHO, José. Dos homens e das pedras: o ciclo do cinema documentário paraibano (1959-1979). Niterói, RJ: Eduff, 1998. NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, SP: Papirus, 2005. RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal...o que é mesmo documentário? São Paulo: Senac São Paulo, 2008. UMBELINO, José. Contato e informações. [mensagem

pessoal].

Mensagem

recebida

por

em: 05 jun. 2013.

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A contribuição francesa do Cinema Direto POR João de Lima Gomes

Pedro Santos 102

em Cinema Paraibano – Vinte Anos

João de Lima Gomes é cineasta e prof. Dr. do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV/UFPB/ UFPE), do Departamento de Comunicação do CCTA/ UFPB e coordenador do NUDOC.

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O cinema no âmbito universitário da Paraíba remonta ao ano de 1955. Havia no programa pedagógico do curso de graduação em Filosofia uma disciplina de Filmologia na Faculdade de Filosofia de João Pessoa, ministrada pelo crítico de cinema José Rafael de Menezes. A faculdade era mantenedora do Curso de Filosofia pela congregação das irmãs Lourdinas, e tinha caráter privado. Em seguida, a Faculdade foi estadualizada e depois federalizada. Além disso, eram oferecidos ainda cursos de extensão com o título de “Introdução ao Cinema” nas cidades de João Pessoa e Campina Grande para uma grande quantidade de estudantes. As faculdades isoladas foram o embrião do que futuramente seria a Universidade Federal da Paraíba. A Faculdade era também espaço de politização. O debate orientado para o assunto “Cinema - Universo - Povo”, promovido pelo diretório acadêmico da Faculdade de Filosofia, foi embasado nas opiniões de Álvaro Vieira Pinto e Nelson Werneck Sodré. Em termos genéricos, a leitura do texto-base, publicada em 1963 sob a forma de plaquete, para orientação do debate, explicava que a Universidade brasileira, além de uma questão política, era também uma questão de política. Senão vejamos os termos do texto, provavelmente redigido por Pedro Santos, no qual se elencavam os debatedores Wills Leal, Juarez Batista, José Rafael de Meneses e Paulo Pires: A reforma da universidade num país subdesenvolvido, que necessita sacudir o jugo das pressões imperialistas que o entravam, e criar com plena liberdade a sua cultura própria, não tem primordialmente finalidade pedagógica, mas visa antes de tudo a finalidade política. A Universidade da Nação oprimida em esforço de libertação vê-se constrangida a passar por esta fase de atuação preferencialmente política, para atingir, quando o país houver se consolidado numa realidade social justa e independente, a fase em que poderá, como e de sua natureza, consagrar-se por inteiro aos seus fins culturais, identificados, em tal momento, à política geral da sociedade. [...] A forma da futura Universidade brasileira está sendo decidida muito mais num comício de camponeses do Nordeste do que nas salas de reuniões dos Conselhos de Educação (SANTOS, 1963, p. 4).

Essa politização não deixaria de fora o cinema. No texto do debate, uma citação exemplar (indicada pelas letras J.A., provavelmente retirada de Jorge Amado): “Os inimigos do cinema brasileiro são os mesmos inimigos do povo brasileiro” (SANTOS, 1963, p. 3). Na UFPB, com o golpe militar de 1964, foi extinto o Serviço de Cinema, do Departamento Cultural da Universidade, criado dois anos antes e que tinha à sua frente Linduarte Noronha. O setor adquiriu inclusive uma filmadora 35 mm russa, além de película virgem. Os projetos do Serviço foram abortados com o golpe. O episódio da câmera russa foi rememorado no perfil cinematográfico sobre Linduarte Noronha, dirigido por Manfredo Caldas, intitulado Cineasta da terra, produção da 104

Folkino, que foi realizada para a grade de programação do Canal Brasil em 2009, na série Retratos Brasileiros. Somente no mês de janeiro de 1977 é que o cinema seria debatido novamente num espaço próprio na Universidade, após a extinção do Serviço de Cinema. Em promoção do Museu da Imagem e do Som da UFPB, naquele ano realizou-se o simpósio Universidade – Cinema, pretendendo-se o estabelecimento de uma política de cinema na Universidade, espaço no qual quase nada estaria sendo feito. “O potencial de linguagem cinematográfica é desconhecido e, portanto, relegado como forma auxiliar às atividades de ensino, e sobretudo de pesquisa” (MOURA, 1977, p. 4). O texto originado do evento é repetitivo nesse aspecto: “Praticamente nada vem sendo desenvolvido neste setor, tanto em termos de realização como de cursos e de exibições”. Após o diagnóstico, detalham-se os itens de uma política de ação - de um projeto de infraestrutura de equipamentos à execução de ações no âmbito do cinema. As linhas que seriam implementadas estariam voltadas para: a) filmes de registro; b) filmes de pesquisa e c) filmes culturais ou documentários. “E em conformidade com o interesse [...] os filmes poderão ser realizados nas bitolas 8, 16 e 35 mm, a cores ou preto e branco, de curta, média ou longa-metragem” (MOURA, 1977, p. 5). Uma leitura atenta do documento demonstra existir nele a semente do que seria posteriormente o NUDOC. Comparando-se com outro documento, na Carta de João Pessoa (1979), vê-se que ambos partem de um mesmo diagnóstico: a estagnação da produção local. Há diferença em relação ao contexto. No texto de 1979 há referência ao debate em torno da regionalização e descentralização cultural na Embrafilme, e a congregação de representação política durante o evento da Jornada de Cinema, evento no qual veio à lume a Carta. Foi no NUDOC que introduziu-se a proposta de introdução do Cinema Direto, nos moldes preconizados por Jean Rouch uma vez que, embora oficialmente só existisse meses depois, o Núcleo passou a ser a referência em formação cinematográfica da Universidade. A abertura do texto da Carta firma-se uma necessidade de “criar condições locais para participar do programa oficial de regionalização da produção cinematográfica que vem sendo levado a efeito pela Embrafilme e na qual todas as regiões participantes deverão atuar em nível decisório”. Embora não citado explicitamente, é com lastro no filme de Linduarte Noronha, Aruanda, que se segue a reivindicação de que é preciso “a retomada do ciclo de documentários paraibanos que ofereceram uma grande contribuição à história do cinema brasileiro através do esforço espontâneo de jovens e da eventual colaboração de instituições várias”. A Universidade é citada várias vezes no teor da Carta. Em relação à infraestrutura, reivindica-se “a aquisição de equipamentos completos de cinema pela UFPB e Governo do Estado, da mesma forma como vem acontecendo em outros Estados”. No tocante à formação, propõe-se na Carta a “realização de convênios, estágios, cursos de extensão e concessão de bolsas de estudo que permitam a conformação de quadros técnicos que servirão de base à infraestrutura necessária à revitalização do cinema parai105

bano à qual se encontra praticamente inativo” (O NORTE, 1979, p. 3). Quando criado o NUDOC, que seria um dos pontos de apoio para efetivação do Polo de Cinema da Paraíba, a UFPB já era multicampi e tinha uma feição inter-regional, possuía mais de 20 mil alunos, 70 cursos de graduação e 39 cursos de pós-graduação, além de 31 núcleos de pesquisa e extensão em diversas áreas do conhecimento. Aliado à importância regional, o reitorado da época continuava expandindo as cooperações internacionais e celebrando convênios com diversas universidades do país e exterior. Um indicador de seu destaque no cenário das outras instituições universitárias federais era seu orçamento, o maior da região Nordeste e um dos maiores do país. A expansão das cooperações encontrou na oferta do realizador francês Jean Rouch, durante a Jornada de Cinema, mais uma oportunidade de aumentar o número de convênios que naquele momento somava mais de uma dezena de países do mundo envolvendo diversas áreas do conhecimento. Entre tais países, destaque para os EUA, França, Canadá, Japão, Alemanha e Holanda. Na discussão da proposta francesa de introdução do Cinema Direto, inicialmente o principal ponto de divergência era sobre a bitola Super-8, proposta em função de Ateliers mantidos pelos franceses em Paris e Maputo. Conforme Manfredo Caldas, estiveram presentes à discussão ocorrida durante a Jornada ele próprio, Vladimir Carvalho, Cosme Alves Neto, Jurandy Moura, Pedro Santos e Paulo Melo. Os três últimos tiveram participação direta no intercâmbio, sendo que Paulo Melo, primeiro coordenador do convênio com o NUDOC e redator do projeto do Atelier local, desligou-se da UFPB para acompanhar o reitor Lynaldo Cavalcante, após este sair da Universidade ao fim do mandato. Jurandy Moura e Pedro Santos fizeram estágio em Paris por conta da cooperação.

O NUDOC, espaço privilegiado de formação fílmica Um dado curioso é que foi suprimida a bitola Super-8 na competição das obras na VII Jornada de Cinema de Salvador. O questionamento sobre o Super-8 resultou na inclusão do 16 mm, na parte referente à infraestrutura básica e de formação (com câmeras, uma mesa de montagem e gravador Nagra). Mesmo em Paris, o fato de se trabalhar com o Super-8 motivou questionamentos por parte da revista Films et documents, questão à qual o próprio Jean Rouch respondia dizendo: “le probléme du format n’a rien à voir avec le probléme du moyen d’expression...” (MARCORELES, 1981, p. 27). Para explicitar a ideia do Atelier, Jean Rouch falou da experiência no Departamento de Estudos de Comunicação da Universidade de Maputo. Quatro realizadores-formadores, que trabalharam com ele em Nanterre, estiveram em Moçambique entre junho e setembro de 1978 em missão cultural do ministério do exterior francês (Ministere des Affaires Etrangeres, conhecido aqui pela sigla MAE) e lá realizaram vários filmes. Philippe Costantini, que veio ao Brasil duas vezes ministrar cursos, assim falou a Louis Marcorelles: 106

L’intérêt de l’àventure: des gens partent de zéro, sur un terrain neuf. Ce n’est pas tellemente une question de format. Nous amenons aussi avec nous des films en 16 millimétres que nous montrerons dans les villages. Ce qui compte, c’est 1’état d’espirit: vivre avec des gens partage quelque chose avec eux, et finalraent apprendre autant et plus qu’eux. Je leur mettrai des cameras dans 1es mains (MARCORELLES, 1981, p. 23).

Louis Marcorelles viu aí uma forma de realizar “le vieux rêve de Jean Rouch, qui ne voulait plus que le cinéaste monopolise 1’observation des choses. Il sera a son tour observé”. O entusiasmo de Jean Rouch pelo Super-8 já fora anteriormente exposto numa entrevista que concedeu à Miriam Alencar quando veio ao Brasil participar da I Mostra do Filme Etnográfico do Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro: A imagem é que vai falar e nesse caso, o Super-8 tem todas as condições para esse tipo de trabalho, na medida em que há maiores facilidades de filmagens. O movimento da câmera deve caminhar em função do que vê. E o filme etnográfico deve ser feito também em função do sentimento do autor diante de um homem e sua civi1ização. Através de sua subjetividade se chega à objetividade científica. Essa objetividade vai ser observada no momento em que se projetar o filme para os que foram filmados. Eles vão dizer se sua realidade foi ou não captada (ALENCAR, 1975, p. 2).

Nesse ponto, Jean Rouch penetra na divisão por demais discutida entre dois campos de conhecimento: o cinema e a ciência. Com base em seus estudos e na sua experiência na África, defendeu o ponto de vista de que a filmadora substitui o bloco de notas dos antropólogos que fazem observação de campo. Sabemos que em decorrência disso, pode acontecer uma série de problemas: desde uma inevitável associação da antropologia clássica com o colonialismo numa perspectiva política, e também a luta de autonomia por ambos os campos - o cinema e a ciência, com abordagens de ambos os lados em vista dos seus fundamentos. Em 1981, os formadores da Associação Varan, responsáveis pela cooperação com a UFPB, falavam em “antropologia recíproca” em seu texto-manuscrito, traduzido por Pedro Santos, do original francês1. O Super-8 seria ideal, para os franceses, nos países onde não havia infraestrutura de meios audiovisuais desenvolvida no plano das tecnologias de acesso ao cinema. No aspecto das derivações do termo documentário, uma abordagem vinculando essa possibilidade fílmica ao que conceitualmente seria mais apropriado - o Cinema Direto. A primeira publicação da UNESCO sobre o tema do Super-8, datada de 1976, foi editada tendo em conta o viés da tecnologia de acesso ao audiovisual e inaugura esse casamento entre uma tecnologia “modesta” e sua relação com o Terceiro Mundo. Além das possibilidades expressivas do que o autor Jonatah Gunter nomeadamente intitula de “cinema verité”. A publicacão francesa Films et Documents questiona bastante o Super-8. Em certa

1 Antropologie partagée, no original.

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altura da entrevista concedida ao periódico, Jean Rouch declara: Nous n’avions aucune autre pretention, et quand tu parlais tout à l’heure des Africains, non, il est très mauvais, je pense, de proposer a des pays qui n’ont pas encore de cinéma, de passer par le cinéma super 8, ce serait vraiment proposer le cinema au rabais, le cinéma, il est trés difficile de le diffuser.

Segundo o professor João Carneiro, convidado da UFPB para falar de literatura e artes no contexto africano, em 1979 as realidades moçambicana e brasileira eram diferenciadas: Quando chega a independência, por exemplo, Angola já tem um parque gráfico de grande sofisticação. Já com uma indústria de cinema, televisão, com rádio muito desenvolvido. Em Moçambique a situação é ligeiramente diferente, pois o desenvolvimento dos meios de comunicação é bem menor. Nas outras colônias é insignificante (GOMES & NUNES FILHO, 1980).

De acordo com Carneiro, não havia acesso, com raríssimas exceções - e estas exceções são só Angola e um pouco em Moçambique - aos órgãos de informação de nativos das colônias. “E, mais ainda, não havia acesso de nativos negros. Isso não por condições de estrutura social, mas também por condições especificamente de instrução, porque os índices de alfabetizados eram mínimos, insignificantes”. No mesmo ano da VIII Jornada, presente também ao Festival de Brasília, Jean Rouch fez declarações publicadas no Jornal do Brasil, considerando as diferenças e as possibilidades do Atelier da Paraíba na matéria intitulada “Jean Rouch e Nanterre em ligação direta”, datada do dia 20 de outubro: Nessa experiência serão levadas em conta as condições econômicas, políticas e sociais do lugar. Pretendemos ouvir nossos companheiros, corresponsáveis do projeto que determinarão as modalidades da experiência. Existe no país, e particularmente na Paraíba, uma tradição cinematográfica que modifica muito o nosso trabalho.

A afirmação do realizador francês apenas em parte foi considerada ao longo dos anos, vez que do lado francês a implementação do 16 mm foi efetivada apenas em nível de formação, no último estágio oferecido em Paris, em 1986. Isso, contudo, não se constituiu um problema, pois as produções em 16 mm começaram a ser feitas no NUDOC, após a cooperação terminada, numa demonstração de que o movimento inicial de Jean Rouch foi decisivo para concretização de um salto tecnológico no interior da própria UFPB. A nosso ver, o problema maior seria compatibilizar duas cinematografias fortes no âmbito do cinema em ambiente cultural-universitário, com a profusão de filmes no estilo do Cinema Direto em grande quantidade. Tal circunstância, propiciou um debate quase constante sobre os rumos da tradição paraibana e das estéticas possíveis do 108

cinema documentário - e também da ficção - nas terras de Aruanda. Entre os anos de 1981 e 1985, as principais definições do projeto passaram a ser feitas por Jean Rouch e Jacques D’Arthuys, na França, e Pedro Santos, no Brasil. Montar ateliers em vários países no mundo (em 1981 registravam-se Maputo, Niamey, Tenerife, Manágua, Cidade do México e João Pessoa) pode ser indicador de uma natural expansão do cinema francês e recupera a tradição expansionista dos franceses, fortíssima e de escala mundial na primeira década do século XX. Em países como Moçambique, a empreitada incluía laboratórios de revelação e copiagem, o que permitiu nos seus cursos uma quase instantaneidade do processo lá implementado. Considere-se ainda o incentivo de grandes agências de financiamento e de difusão cultural como a UNESCO. No caso brasileiro, o financiamento teve aporte para instalação do Banco do Nordeste do Brasil e do governo estadual. A publicação Super-8: the modest medium é a primeira a tratar de tecnologia comunicacional numa série daquele órgão. Embora o autor ressalte que seu trabalho não reflete necessariamente as opiniões da Instituição, o fato de ter sido a primeira de uma série que trata de forma simples as questões operativas da tecnologia acessível aos países do Terceiro Mundo, indica que naquela agência de fomento antevia-se no Super-8 possibilidades inúmeras no processo de comunicação desses países. Funcionaria como uma espécie de manual a ser seguido. E o seu autor, Jonathan Gunter, foi consultor de projetos de comunicação no Equador e na Colômbia. Em Super-8: the modest médium, Gunter discute as qualidades do Super-8: economia, versatilidade, flexibilidade e fácil operação. Define a tecnologia, basicamente, como um “production médium, not a distribution médium”. Se consideramos que o autor equivocou-se em relação ao que previu em 1976, especialmente ao não considerar a velocidade com que a plataforma tecnológica mudaria em escala global, ao tratar da difusão, no plano ideológico, sustentava ainda a divisão do mundo em blocos hegemônicos ao considerar a denominação de Terceiro Mundo, por exemplo, para países diferentes em continentes também diversos. Contudo, as orientações contidas no livro sobre problemas técnicos foram explicitadas de modo bastante didático. Tipos de películas, câmeras, iluminação, processamento de laboratórios e edição - além de comparativo com outros meios. Nas conclusões que ele apresentava vejamos o que escreveu: In the developing countries the possible uses of 8 mm are numerous, most of them not fully explited. An 8 mm Project can provide film training economically for universities or training centres concentrating on film or film to television production for educationar culture. 8 mm can provide quick, lowcost programme inputs for existing television stations. 8 mm can be taken to the bush or the isolated farms for on-thespot reportage or cinema verité (grifo do autor) essays. 8 mm can reflect the depth and variety of culture to its own people even using separated sound tracks on cassete for the many dialects spoken. As a mother of fact, the more 8 mm cinematographes keep away from the ‘established practices of filming in the industrializated countries, 109

the more they can created new possibilities and applications of the medium... In the Third World especially, the possible innovations with 8 mm are considerable and very likelly it is in the Third World that the 8 mm revolution will have its greatest impact (GUNTER, 1976, p. 85).

2 Ver MATTELART, Armand; DELCOURT, Xavier; MATTELART, Michèle. A cultura contra a democracia? O audiovisual na época transnacional. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987.

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Voltando ao tema da expansão da cinematografia francesa, podemos aferir que o aspecto da introdução do projeto na África também não foi sem polêmica, notadamente em sua feição antropológica. Rui Duarte de Carvalho comenta em O Camarada e a Câmara que Jean Rouch personificou uma reação de esmagadora maioria opondo-se ao cinema etnográfico. Os nomes de Ohnsein e Sambene são citados como destaques dessa reação que remete, segundo Rui Duarte, à Carta de Argel, de 1959 e ao I e II Congresso de Escritores e Artistas Negros - vetores importantes, segundo Duarte, para edificar uma cinematografia nacional. Enunciados os argumentos de cada parte, Rui Duarte afirmou que em fins dos anos 1980 do século passado os ânimos serenaram, mas no caso angolano a produção de uma cinematografia especializada não atenderia à enorme necessidade do país no campo audiovisual por essa época. Em depoimento ao Seminário “Para entender melhor Angola” (1988), Rui Duarte afirmou que em relação à sua própria obra foi preciso escrever o livro O Camarada e a Câmera para demonstrar que não se tratava de cinema antropológico. Do ponto de vista francês, é raro encontrar por essa época documentos oficiais do Ministério do Exterior em que o expansionismo no campo do audiovisual seja evidenciado. Apenas um, que trata da cooperação nesse ramo e da radiodifusão foi publicizado pelos autores do livro Cultura contra democracia? - O audiovisual na época transnacional2. Do capítulo dedicado ao fluxo cultural entre os países do Primeiro e do Terceiro Mundo, transcrevemos abaixo: As operações de cooperação assumidas essencialmente pelo Ministério da Cooperação e o Ministério das Relações Exteriores para responder as necessidades extremamente diversificadas exprimidas pelos países demandantes, assumem formas diferentes conforme se trate de formação profissional ou de assistência técnica. Mas todas servem de apoio a uma política de promoção dos Programas franceses de televisão e de ajuda para sua difusão, quer seja em bases culturais ou comerciais. Elas favorecem também uma penetração de nossas técnicas e de nossos materiais nas redes estrangeiras de rádio e de televisão ficando entendido que se elas podem às vezes contribuir de maneira direta para a realização de uma operação de vendas de equipamentos visam antes de mais nada, preparar o terreno para nossos industriais e sensibilizar nossos interlocutores para as qualidades das técnicas audiovisuais e do material francês. A partir de uma época recente, a formação se tornou, além disso, um produto que pode ser vendido da mesma maneira que qualquer um de nossos bens culturais, porque possuímos um savoir-faire que interessa nossos interlocutores estrangeiros (exemplo: países árabes, México) (MATTELART; DELCOURT; MATTELART, 1987, p. 87).

Em relação a Moçambique, diante de como se apresentava a cooperação, seria necessário um suporte diplomático e Jacques D’Arthuys era o adido cultural da França naquele país. A sua experiência na área garantia o suporte político necessário, inclusive em Paris, para implementação dos Ateliers de Cinema Direto. No caso brasileiro, é preciso entender que era bastante anterior o interesse pelo Brasil manifestado por Jean Rouch. “É preciso contextualizar que esse movimento representava um gesto de aproximação efetiva à imagem que guardava da cinematografia brasileira na França”. No início dos anos 1970, Rouch já falava em rodar filmes no país, nas cidades de Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, contando com o provável apoio de Thomas Farkas, produtor de série Brasil Verdade. Ao que parece, a perspectiva comercial de venda de equipamentos em Super-8 apresentava um descompasso na época com a estratégia comercial da Kodak, que detinha praticamente o monopólio de películas virgens na bitola no Brasil. Se no caso moçambicano fora decisiva, no Brasil, em 1980 a Kodak interrompeu a comercialização de filmadoras e projetores sonoros, equipamentos importantes para a cooperação nos moldes do Cinema Direto. A deduzir pela Carta de Intenções (1979), assinada quando houve a VIII Jornada, a proposta de Jean Rouch não mencionava aquisição de tecnologias como condição da cooperação, o que o exime da crítica sobre obrigatoriedade de compra de equipamentos de Super-8 feita na época. Um segundo ponto a considerar seria que se tomarmos por base o manifesto traduzido por Pedro Santos, texto este que representava em parte o pensamento dos formadores da Associação Varan, de 1981, a polêmica se instaurou pelo viés da institucionalização de saberes no âmbito artístico e acadêmico. E o cinema não estaria imune a esse poder de institucionalização que o conhecimento gera em ambientes universitários e artísticos. A deduzir pelos exemplos dos filmes exibidos nos estágios na França, ao comparar com os termos do documento de 1981, nota-se que não havia um consenso total pairando sobre o que se discutia em termos do Cinema Direto, sequer no interior da própria Associação Varan, onde os formadores imprimiam seu ponto de vista naquilo que essencialmente Jean Rouch definia como “antropologia recíproca”, segundo a tradução livre do maestro Pedro Santos. Isso repercutiu em áreas onde a expansão ia se fazendo. O próprio perfil dos formadores imprimia uma inclinação pessoal a uma orientação genérica sobre o Cinema Direto. Uma vez que pudemos participar diretamente de duas fases, em Paris, do intercâmbio, podemos constatar que houve um salto evolutivo em relação aos primeiros movimentos do grupo de Varan, que, no entanto, já em 1984 demonstrava ter fissuras internas que influenciariam o desdobramento dos eventos relacionados ao atelier de João Pessoa, por exemplo. No aspecto pedagógico, a partir do Plano del curso3, distribuído aos participantes de uma avaliação mundial feita em 1984, vê-se uma ampliação em relação ao leque de práticas do documentário, tendo em vista “as necessidades específicas de cada centro” e “a prática de outros gêneros cinematográficos mais aptos à demanda destes (Filmes tecnológicos, pedagógicos, documentários, reportagens...)”.

3 DIVERSOS - Plano del curso. Apostila mimeografada distribuída no estágio de aperfeiçoamento em Paris, França. Ateliers Varan, 1984. Autoria do grupo Varan no estágio de primavera de 1981.

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No caso brasileiro, este perfil ia se delineando em João Pessoa com Severin Blanchet, Mirreil Abramovici, e Philippe Costantinni, sendo que este último atuou na fundação do atelier de João Pessoa e Fortaleza. De forma sucinta, poderíamos convidar o espectador a refletir sobre como, no Atelier de João Pessoa, filmes tipo Música sem preconceito e É Romão pra qui é Romão pra colá, de Alberto Jr. e Vânia Perazzo, respectivamente, têm propostas estéticas

Música sem distintas. Eles foram produzidos em cursos nos quais as orientações dos formadores preconceito franceses eram diferentes, não se mostrando assim tendências monolíticas na forma Alberto Jr., 1984.

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de uma pedagogia do Cinema Direto. No Atelier de Fortaleza, para onde foi estendida a cooperação com o aporte de 50.000 francos oferecidos pelo governo francês, em equipamentos, a análise dos filmes se tornaria mais complexa uma vez que a coordenação local de Euzélio Oliveira sugeriu ao reitor da Universidade Federal do Ceará interromper o acompanhamento da finalização das obras dos alunos, levando à suspensão dos trabalhos de orientação da montagem dos filmes na última etapa dos trabalhos. De forma genérica, pode-se considerar para reflexão, no entanto, duas características comuns nos filmes advindos dos estágios brasileiros: a) a grande parte dos filmes era de perfis abordando artistas que mobilizavam algum tipo de linguagem. Em consequência, a própria prática dessa linguagem supria as “deficiências” expres-

sivas desse tipo de trabalho fílmico; b) ao realizar um filme onde o próprio sujeito é o personagem da narração, cria-se um vínculo ético que limita a ação, estimulando o plano-sequência que evitaria ou amenizaria a manipulação dos conteúdos. Algumas produções dos brasileiros na França, realizadas na Associação Varan, podem ser acessadas pelo site do Instituto Nacional do Audiovisual, especialmente os filmes com um apelo mais universalista. La crise est mondiale (Pedro Santos, 1980, realizado em Super-8) foi o primeiro título de brasileiro na França, realizado na forma de uma carta-postal cinematográfica, narrado em primeira pessoa pelo autor, contando suas impressões da Paris da época. Superando a perspectiva da técnica, o próprio NUDOC tratou de avançar a partir dessa base propiciada pela cooperação na medida em que passou a produzir curtas e médias-metragens na bitola 16 mm e 35 mm, com financiamentos de diversas naturezas, ou mesmo, mais recentemente, no formato digital; filmes que têm ainda assim marcas do período em que o intercâmbio com os franceses foi efetivo. Pensando o projeto sob a perspectiva do próprio Núcleo, é curioso como o maestro Pedro Santos enfatizava que os franceses esperavam uma contribuição nossa, embora que sobre o Cinema Direto já existisse no centro-sul do país um debate que remontava aos anos 1960. Contudo, ao retornar de um estágio em Paris, o maestro Pedro Santos assinalou que discutiu com os seus colegas franceses um viés bastante curioso para a época: o de que com o Super-8 quebra-se a hierarquia da obra fílmica de padrões industriais. O filme realizado permite que o autor seja o dono da própria obra e, portanto, não alienado em relação a ela. Ademais, o filme Super-8 continha uma forma de subversão do uso da tecnologia complexa do cinema; este uso deveria ter uma perspectiva de reversão, de encarar a tecnologia como lixo da sociedade industrial, fazer tal como o artesão nordestino que se apropria de produtos industriais (um pneu) e transforma-o artesanalmente em objeto utilitário. Embora refletisse uma política de expansão do governo francês, foi sintomático que com o falecimento dos principais entusiastas do projeto, Pedro Santos (1987) e Jacques d`Arthuys (1989), praticamente desapareceram as forças pessoais e institucionais que mantinham efetiva a cooperação. Contudo, há que ser considerado ainda que o ano de 1983 foi difícil para as universidades brasileiras (em 1982 ocorreu uma greve que interrompeu parcialmente as atividades do Atelier de João Pessoa) e para o governo francês. É o que consta no relatório da Assessoria Internacional da UFPB, assinado em 27 de dezembro de 19834. Antes de falecer, D`Arthuys ainda fez o esforço de, através de uma instituição (Garsilaso de La Vega, com sede em Paris), articular brasileiros, mexicanos, bolivianos e equatorianos em produções fílmicas internacionais. Vânia Perazzo, cineasta paraibana que participou desde cedo da cooperação e tornou-se orientanda de Jean Rouch na Universidade de Nanterre, também tentou

4 Correspondência administrativa assinada por Jacques Ramondot. Acervo do maestro Pedro Santos, catalogado no Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da UFPB. Pasta APS-CD6.

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5 Em entrevista curta que nos concedeu em setembro de 2003, disse que esse tipo de cooperação seria uma “porta aberta”. Arquivo pessoal, registro em áudio. Colaboraram também Bertrand Lira e Marcos de Souza Mendes. Salvador-BA, set. 2003. Acervo pessoal.

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rearticular institucionalmente o convênio, porém tal iniciativa não logrou êxito. Fazendo hoje uma reflexão ante a facilidade com que as pessoas terão acesso aos filmes, entrando no universo do projeto que ora disponibiliza na web grande parte dos filmes paraibanos, realizados durante a cooperação, podemos aquilatar possibilidades infinitas na revisão das ideias em curso naquela época. Instaura-se uma nova leitura de imagens e propostas trazidas pelos franceses que aqui aportaram, gerando agora interfaces daquela época com os acontecimentos recentes. O “viver com as pessoas”, que nos falava Philippe Constantinni, realiza-se mais uma vez, agora com o apoio da tecnologia de acesso digital, numa triangulação sensível da memória afetiva dos personagens reais que aparecem nos filmes, no discurso fílmico dos diretores que realizaram as obras e, principalmente, no distanciamento crítico necessário que permitirá ver nos trabalhos dos alunos o empenho dos formadores franceses que conosco conviveram. Em abril de 2010, em João Pessoa, numa realização do NUDOC e Balafon, a Mostra Jean Rouch foi a maior retrospectiva já programada de um cineasta da contemporaneidade na nossa região. O cineasta francês, no entanto, já era falecido. O programa de filmes foi encerrado com a projeção e debate do filme Jean Rouch et Germaine Dieterlen, l`avenir du souvenir, dirigido por Philippe Costantinni, que a nosso ver explicita bem essa continuidade de um cinema voltado para a compreensão dos povos e suas memórias, mesmo que elas estejam distantes da nossa memória. Em 2003, quando da realização em Salvador de mais uma Jornada de Cinema da Bahia, na qual Rouch seria homenageado por diversos cineastas brasileiros participantes do evento, entrevistei Jean Rouch. Indagado sobre a cooperação com o cinema paraibano, de pronto nos respondeu que o intercâmbio era uma “porta aberta”5.

REFERÊNCIAS ALENCAR, Miriam. “Para fixar o primitivo o cinema não precisa de palavras, só imagens”. Jornal do Brasil, Caderno B, Rio de Janeiro, 20 ago. 1975. Entrevista com Jean Rouch. GOMES, João de Lima; NUNES FILHO, Pedro. Cadernos de comunicação e realidade brasileira. João Pessoa, PB: EdUFPB, 1980. GOMES, João de Lima. Cinema paraibano. Um núcleo em vias de renovação e retomada. 1991. Dissertação de mestrado - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 1991. GUNTER, Jonathan F. Super-8: the modest medium. Paris: UNESCO, 1976. “JEAN Rouch e Nanterre em ligação direta”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 out. 1979. MARCORELLES, Louis. Des ateliers super-8 em France et au Mozambique. Films et documents, n. 333, Paris, França, 1981. MATTELART, Armand; DELCOURT, Xavier; MATTELART, Michèle. A cultura contra a democracia? O audiovisual na época transnacional. São Paulo: Brasiliense, 1987. MOURA, Jurandy. Universidade - Cinema: proposta para uma política de cinema da UFPB. Documento mimeografado. Acervo NDIHR-UFPB, João Pessoa, PB, 1977. SANTOS, Pedro Pereira et al. Cinema - Universidade - Povo. Plaquete mimeografada, Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia. Serviço de Cinema da Universidade da Paraíba. João Pessoa, PB, 1963.

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CINEMA ENGAJADO: A temática social como marco da produção paraibana dos anos 1960, 70 e 80 POR FERNANDO TREVAS FALCONE

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As produções em 35 mm voltadas para a zona rural, marco das décadas de 1960 e 1970, são sucedidas pelos filmes em Super-8 com temática diversificada, mas a questão social persiste no cinema paraibano do final dos anos 1970 e da década de 1980.

Fernando Trevas Falcone é jornalista, professor do Curso de Cinema da UFPB e mestre em Cinema pela ECA-USP.

Abril Marcus Vilar, 1984.

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O cinema paraibano chega ao final da década de 1970 com uma filmografia expressiva para um estado pobre e periférico. O Ciclo do Cinema Documentário, iniciado com grande repercussão com Aruanda (Linduarte Noronha, 1960) aponta para um cinema voltado às questões sociais da zona rural. Uma comunidade quilombola, vivendo da fabricação de utensílios de barro, isolada de tudo e de todos é apresentada ao Brasil do início da década de 1960, que se moderniza com a construção de Brasília, a implantação da indústria automobilística

João Córdula em ação no Cinema Educativo

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e outras bossas. Na era JK, Aruanda introduz o ritmo marcante dos pífanos e acentua a vida dura dos habitantes da Serra do Talhado, no sertão paraibano. As imagens fortes e cruas de Aruanda, a trilha musical gravada na região e as paisagens áridas e inóspitas são contrastadas pelo texto acadêmico, falado no tom solene de um narrador profissional – o próprio Linduarte Noronha, que além de escrever diariamente uma coluna de cinema nas páginas do jornal oficial A União, era locutor da Rádio Tabajara, emissora governamental. Assim como quase todos os filmes realizados na Paraíba nas décadas de 1960 e 1970, Aruanda não foi realizado com som sincronizado, mecanismo técnico que só chegaria ao Brasil alguns anos depois da realização do filme. A despeito da tentativa do diretor domesticar as imagens e a música, que formavam um conjunto de inédita força no cinema brasileiro de 1960, Aruanda está inscrito

na nossa cinematografia como um dos primeiros documentários a abordar temas sociais a partir de uma perspectiva crítica. Salvo uma frustrada tentativa do mesmo Linduarte, de documentar em 1956, em parceria com o crítico e pesquisador Wills Leal, a geografia exuberante da Ponta do Cabo Branco, ponto extremo oriental das Américas situado em praia de João Pessoa, o cinema paraibano, até a realização de Aruanda, permanecera adormecido desde a aventura de Walfredo Rodriguez na década de 1920. Fotógrafo de grande habilidade técnica, Rodriguez realizou em 1928 o longa-metragem Sob o Céu Nordestino. O filme foi exibido com sucesso na Paraíba e chegou ao Rio de Janeiro e Bahia, e mostrava diversas faces da Paraíba. Dele restaram algumas sequências que somam aproximadamente 15 minutos. Os fragmentos de Sob o Céu Nordestino trazem registros de momentos da pesca da baleia em Cabedelo, de uma vaquejada nos arredores da cidade de Cabaceiras e imagens da feira de algodão de Campina Grande. Dos trechos desaparecidos há relatos de cenas que reproduzem o modo de vida dos primitivos habitantes da Paraíba. Os indígenas são “interpretados” por atores brancos, conforme indica uma fotografia da produção publicada por Leal (2007), que traz ainda um precioso registro das sete partes que comporiam o roteiro do filme. Deve-se registrar, na história do cinema feito na Paraíba, a figura de João Córdula. Na primeira metade dos anos 1950, no governo de José Américo de Almeida, Córdula documentou ações governamentais em diversas regiões do estado. Responsável pelo Cinema Educativo da Paraíba desde a sua criação em 1955, não pode finalizar a maior parte dos seus filmes por falta de equipamentos básicos – não dispunha sequer de moviola para montar seus trabalhos. Foi portanto a partir de Aruanda que o cinema paraibano passou a documentar com regularidade alguns aspectos do estado, enfatizando comunidades rurais e populações desfavorecidas das periferias de sua capital. Em Romeiros da Guia (1962), João Ramiro Mello e Vladimir Carvalho, assistentes de direção de Noronha em Aruanda, registram em imagens poéticas a procissão marítima que parte do forte de Santa Catarina, ao lado do porto de Cabedelo, num ritual que se estende até a noite, e tem como cenário a bela igreja de Nossa Senhora da Guia e a festa que se segue às celebrações religiosas. O tom poético também marca Cajueiro Nordestino (1962), em que Noronha, a partir de texto de Mauro Mota, mostra como o caju transforma-se em doces e bebidas, e como a sua castanha é usada como brinquedo pelas crianças de bairros populares de João Pessoa. A poesia dá lugar à dureza da atividade dos catadores de caranguejo dos arredores da capital paraibana, cujos corpos se confundem com a lama em uma luta inglória pela sobrevivência. Os Homens do Caranguejo (Ipojuca Pontes, 1967) expõe a vida miserável de trabalhadores que nos impressionam com seu esforço em uma prática degradante, cujas imagens remetem a um balé quase surrealista. Dos mangues o cinema paraibano nos transportou à aridez sertaneja no longa119

metragem O País de São Saruê (Vladimir Carvalho, 1971). A miséria estampada nos rostos e nos corpos dos camponeses abatidos pela seca e pela fome teve tamanho impacto que o filme permaneceu censurado durante oito anos. Se Aruanda chocara a democrática era JK, Saruê escancarou a falta de esperança e a fome dos sertanejos, tornando-se um documentário mais que incômodo, firmando-se como uma contundente denúncia da farsa do milagre econômico protagonizada pela ditadura civil-militar no início da década de 1970. A miséria persiste em cena. Pelas ruas de João Pessoa, em uma cadeira de rodas empurrada por dois meninos, um religioso munido de uma varetinha pede esmolas para a sua grande obra: uma casa e um hospital destinados aos mais pobres. Padre Zé Estende a Mão (Jurandy Moura, 1974) acompanha o trabalho incansável, quase obsessivo, do religioso Zé Coutinho, que supera as suas limitações físicas para ajudar as centenas de pessoas que buscam abrigo, alimentação e cuidados médicos. Recebe de volta um carinho expresso em cuidados redobrados daqueles a quem protege. O filme ressalta essa relação ao registrar o momento em que os “moradores” do instituto Padre Zé o ajudam a se preparar para dormir. Ao lançar seu olhar sobre a figura do padre e de sua quixotesca ação social em uma cidade repleta de indigentes, Moura produz um documento de raro valor, certamente a incomodar os adeptos do Brasil Grande - estávamos no final da ditadura Médici - e reitera a vocação do cinema paraibano em produzir filmes apontando as mazelas de um estado pobre da região mais subdesenvolvida do país. A temática social, desenvolvida nos anos de 1960 e 1970 em documentários preto e branco, com captação de som não sincronizada, feita em 35 mm - com exceção de Padre Zé Estende a Mão, filmado em 16 mm - será ainda o grande assunto da década de 1980. Mas com novos protagonistas, diferentes cenários e com um aparato de filmagem mais simples e barato.

CIDADE E CAMPO, CORES E SONS: SUPER-8 EM AÇÃO Ao se referir ao cinema realizado em Super-8, o cineasta pernambucano Jomard Muniz de Britto ressaltava que este era “mais íntimo e econômico”. A essa intimidade e economia somou-se, na Paraíba, a criação do NUDOC, núcleo da Universidade Federal da Paraíba voltado ao ensino e fomento da produção, possibilitando o surgimento de uma nova geração de realizadores, e uma maior abrangência temática. As câmeras com películas de 8 mm, usadas para filmar eventos domésticos, diminuíram consideravelmente o custo de produção de um filme. De filmadoras fadadas a registrar casamentos, batizados e outros eventos familiares e sociais, as câmeras passaram a utilizar películas com bandas sonoras, abrindo uma nova perspectiva de realizações. Surge em 1965 o Super-8, tornando possível realizar filmes 120

que iam além das efemérides. No Brasil o Super-8 possibilitou a experimentação e democratizou a realização cinematográfica, limitada pelos custos altos dos equipamentos para filmagem em películas de 35 mm, predominante no circuito comercial, e bem menores que os fil-

mes de 16 mm, usados no telejornalismo e em algumas produções cinematográficas a partir da década de 1960. Filmou-se em Super-8 em vários estados do Brasil, e a experimentação destes filmes baratos e muitas vezes ousados é destacada por Rubens Machado Jr. (2011). A tecnologia de Super-8, pelo seu baixo custo e facilidade de manipulação, teve efeito semelhante às câmeras digitais nos anos recentes, possibilitando a proliferação de filmes em todo o Brasil. Na Paraíba, dois estudantes universitários, com parcos recursos nos bolsos e uma câmera Super-8 nas mãos filmam o cotidiano dos catadores de lixo do bairro do Roger, próximo ao centro de João Pessoa. Gadanho (João de Lima e Pedro Nunes, 1979) inaugura uma nova fase do cinema paraibano. No momento em que o regime autoritário em crise inicia a sua “abertura”, com o fim do famigerado AI-5, ato que institucionalizou a ditadura, implantando a lei da mordaça por uma década, a dupla de realizadores volta-se para a face mais cruel do modelo concentrador de renda, que tornou ainda mais dura a vida dos mais pobres

Gadanho João de Lima e Pedro Nunes, 1979.

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no Brasil, sobretudo os do Nordeste. Gadanho mantém a contundência temática do cinema paraibano, mas agora o cenário é urbano e os realizadores, sem se fixar em um personagem, esboçam o quadro geral de uma situação social catastrófica. A cartela de texto avisa que o filme é oferecido às “vítimas da MISÉRIA, SUBNUTRIÇÃO, DESEMPREGO, reflexo da atual Estrutura Social Brasileira, montada num sistema de opressão e repressão, renegando a condição mínima de um ser humano: a subsistência”. Esse texto, que precede as cenas de adultos e crianças brigando com os urubus pelas sobras de alimentos e outros produtos com o gadanho, instrumento usado pelos catadores, e uma melancólica trilha musical indicam a necessidade de não apenas mostrar com imagens, mas enfatizar o absurdo da “estrutura social brasileira”. Em lugar do preto e branco dos anos 1960 e 1970, que parecia suavizar a miséria, o

Abril colorido de Gadanho grita na tela, a partir das imagens menos definidas, porém mais Marcus Vilar, 1984.

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enfáticas do Super-8. No mesmo ano de 1979, conforme detalham Bertrand Lira e Pedro Nunes neste livro, João Pessoa sedia a VIII Jornada de Cinema da Bahia, que não pode ser realizada em Salvador, e a UFPB cria o NUDOC – Núcleo de Documentação Cinematográfica. A nova instituição adquire equipamentos de filmagem e assina acordo com o Comitê do Filme Etnográfico de Paris, ligado ao cineasta Jean Rouch.

O NUDOC realiza cursos de formação em cinema documentário. Alguns dos estagiários prosseguem sua formação em estágio no Centro de Pesquisa e Formação em Cinema Direto na Association Varan, em Paris. Na primeira metade da década de 1980 o NUDOC torna-se o mais importante produtor de filmes Super-8 na Paraíba. A partir de seus estágios são realizados documentários abordando temáticas relacionadas à religiosidade, trabalho, sexualidade e questões urbanas, entre outras. Tem-se então, na Paraíba, um cenário rico de possibilidades para o cinema documentário. A geração que sucede a Linduarte Noronha e Vladimir Carvalho tem a possibilidade de uma formação feita a partir das técnicas do Cinema Direto. Nota-se, no conjunto dos filmes realizados pelos estagiários do NUDOC, a adoção de outro procedimento caro aos preceitos do Cinema Direto, além do sincronismo do som: a ausência do narrador, classificado por Nichols (2005) como sendo um substituto do cineasta, “o narrador com voz de Deus”. Este recurso é utilizado em Aruanda, assim como em Os Homens do Caranguejo e O País de São Saruê. Já Gadanho, realizado sem som sincrônico, antes do início dos estágios desenvolvidos com técnicas do Cinema Direto na Paraíba, sinaliza uma nova forma de narrativa, ao abolir “a voz de Deus”. Ao defender a adoção da expressão “Cinema Direto” ao invés do ambicioso “cinema-verdade”, Gauthier (2011) ressalta sua especificidade, o registro simultâneo de som e imagem: A expressão Cinema Direto, em virtude, provavelmente, da modéstia das suas pretensões, durou mais, porém ela deixava de lado todos os documentos de arquivo que são um material importante dos filmes ditos “documentários”. Além disso, ao lado da televisão, grande consumidora de tomadas de cenas feitas ao vivo, ela introduz uma confusão, já que “direto”, nesse sistema, não implica nada além da transmissão simultânea com a tomada de cenas, inclusive para uma peça de teatro. (GAUTHIER, 2011, p. 15)

A relação feita por Gauthier entre o Cinema Direto e a televisão pode ser observada em Abril (Marcus Vilar, 1984). Feito no calor da hora, mostra detalhes da manifestação realizada no centro de João Pessoa em favor da aprovação pelo Congresso Nacional da emenda que restabelecia eleições diretas para Presidente da República. O evento acontece no dia que os parlamentares votam a proposta. Antes da manifestação algumas pessoas que estão no local falam sobre a expectativa em relação aos acontecimentos de Brasília. Discursos são registrados de longe, e o som é uma profusão de falas e ruídos da multidão. Jornalistas, políticos, ativistas culturais são entrevistados sobre o tema. Como em 1984 João Pessoa não tinha emissora de TV local, apenas repetidoras das redes nacionais, Abril tornou-se, a saber, o mais completo registro audiovisual da repercussão de momento importante da história recente brasileira na capital paraibana. 123

Ao registrar cenas da multidão, o realizador não se apega aos inúmeros detalhes que o ato público pode gerar, como expressões faciais, aplausos, vaias, optando por valorizar as entrevistas que possam nos fazer entender o que de fato está acontecendo. O que faz o filme ir além do registro é a atitude do realizador em dar conta da complexidade da situação: uma vigília cívica que precisa ser explicada. Mas não se vai buscar explicações de especialistas em ciências políticas. Iguala-se, na montagem, a voz do aposentado humilde, a do jornalista, do político e do artista. Em um registro que vai além da superficialidade quase inerente ao telejornalismo praticado pelas emissoras de televisão privadas no Brasil, Abril torna-se um documento histórico na acepção que Ferro (2010) apontara em texto de 1976: Hoje se vê uma nova etapa com a multiplicação das câmeras super-8: o cinema pode tornar-se ainda mais ativo como agente de uma nova tomada de consciência social, com a condição de que a sociedade não seja somente um objeto de análise a mais, objeto que pode ser filmado brincando de bom selvagem para de um novo colonizador, o militante-cameraman. Outrora “objeto” para uma “vanguarda”, a sociedade pode de agora em diante encarregar-se de si mesma. Esse poderia ser o sentido de uma passagem dos filmes de militantes para os filmes militantes. (FERRO, 2010, p. 17)

Mesmo não sendo filme militante, a opção de Vilar em filmar aqueles que apoiam em praça pública a volta das eleições diretas revela-se um gesto político, um ato de militante de um cinema voltado a temas de amplo interesse social.

REGISTROS DO MOVIMENTO ESTUDANTIL Em 1979 estudantes da Universidade Federal da Paraíba entram em greve contra o aumento dos preços do restaurante universitário. O movimento, o primeiro a acontecer no Estado desde 1968, é acompanhado pelo cineasta Pedro Nunes e resulta em Registro, produzido pelo Diretório Central dos Estudantes DCE. Já em seu título o filme deixa claro sua intenção de transformar aquele momento importante da Universidade e do país em um documentário a serviço da memória do próprio movimento. Na abertura, o filme explicita em uma cartela de texto seu objetivo, antes mesmo do desfile das imagens e dos depoimentos colhidos ao longo das filmagens: “Este trabalho é dedicado aos companheiros ‘fura-greves’ e aos que se omitiram da luta, entendendo que o conjunto de reivindicações contra o ensino pago, por melhores condições de ensino, por uma universidade democrática e contra o projeto de autarquias especiais imposto pelo MEC, é uma luta ampla que compromete todos os estudantes na construção de uma nova sociedade”. O filme não nos informa dos resultados da greve, das suas perdas ou conquistas – em entrevista, líder estudantil fala do décimo terceiro dia do movimento, nos indicando que a paralisação continuou depois das filmagens concluídas. Registro assinala 124

um novo momento na história do Brasil, quando depois de uma década de feroz repressão aos movimentos de trabalhadores e dos estudantes, o país vê nascer uma nova geração de lideranças nesses segmentos. Há uma sequência que sintetiza a força do movimento estudantil: em marcha, estudantes vão ao prédio da Reitoria – ainda em construção – e se reúnem com o reitor e outras autoridades universitárias. Enquanto o prédio da nova sede do poder universitário se constrói, percebe-se também a construção de uma nova forma de atuação política conquistada pelos estudantes, que obrigam a cúpula da universidade a recebê-los em uma reitoria aberta, sem paredes, com o reboco à mostra. Cena emblemática da gestação de um novo processo de interação política, em que o cenário das decisões não é mais o gabinete restrito e fechado, mas o salão aberto, ocupado pela massa estudantil. Registro sai do campus universitário e acompanha a manifestação dos estudantes em frente à fundação responsável pela manutenção do restaurante. Os manifestantes marcham pelas ruas centrais de João Pessoa. Em frente ao cinema Municipal, o cartaz anuncia a exibição de Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (Hector Babenco, 1977) e Nos Embalos de Ipanema (Antonio Calmon, 1979). A sala, como inúmeras outras em diversas cidades brasileiras, foi desativada, e essa breve imagem é hoje uma relíquia para a história do circuito exibidor de cinema comercial em João Pessoa. No mesmo ano de 1979, cineastas com suas câmeras leves de 16 mm registravam as greves deflagradas no ABC paulista. Os metalúrgicos de São Bernardo do Campo, liderados por Luís Inácio Lula da Silva, lutavam contra o arrocho salarial e testavam os limites da abertura política anunciada pelo general João Figueiredo, último presidente da ditadura iniciada em 1964. Braços cruzados, máquinas paradas (Sérgio Toledo Segall e Roberto Gervitz, 1979), Dia nublado/Greve de março (Renato Tapajós e outros, 1979) e Greve (João Batista de Andrade, 1979), analisados por Bernardet (2003), são diferentes visões de um movimento de ampla repercussão, sobretudo por projetar a liderança sindical e política de Lula. Distantes na geografia e no universo social, Registro e as produções paulistas apontam para a importância de um cinema feito no calor da hora, que acompanha, sem deixar de lado seu engajamento, movimentos sociais que podem ser analisados hoje a partir dessas produções audiovisuais, entre outros documentos. Além de Registro, dois outros filmes documentaram movimentos grevistas na Universidade. Em Greve na UFPB (Direção coletiva, 1982), um narrador informa que os estagiários do Atelier de Cinema Direto do NUDOC interromperam suas atividades para filmar a paralisação de professores e funcionários da instituição. Chama a atenção o uso da narração em off, pouco usual nas produções dos estagiários, o que pode ser entendido como uma necessidade de supressão de uma norma do Cinema Direto em favor da produção de filme de tom didático, a ser usado como instrumento de mobilização da greve. Curiosamente Pedro Nunes, que não participou dos estágios de Cinema Direto do NUDOC, não usa o narrador no estilo “voz de Deus” em Registro. 125

Greve de Fome (João de Lima e Marcus Vilar, 1984), filme mudo, de apenas três minutos, mostra a persistência dos problemas dos estudantes com o restaurante universitário. Alguns alunos, entre eles o cantor e compositor Chico César, recorrem ao jejum como forma de protesto e são acompanhados por um grupo de colegas. No lugar da mobilização, a imobilidade. Não há passeatas, está em cena a solidariedade contida dos outros estudantes e passantes.

Construção do Espaço Cultural

UMA CIDADE QUE MUDA

Elpídio Navarro, 1980-1.

Nas produções do NUDOC e de produtores independentes há uma série de registros que, passadas três décadas da sua produção, transformaram-se em importante referência para o estudo de aspectos variados da vida cotidiana de João Pessoa. Em Cidade Verde (direção não identificada, 1982), um narrador afirma ser João Pessoa “a cidade verde” e somos conduzidos a um passeio por vários bairros da cidade. O espectador, conhecendo ou morando em João Pessoa, vai perceber como a expansão urbana, marcada pela verticalização, mudou consideravelmente a paisagem da capital paraibana, com uma expressiva diminuição da cobertura vegetal. A começar pelo seu título, o filme guarda as imagens e a memória de uma cidade que não mais existe.

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Em Construção do Espaço Cultural (Elpídio Navarro, 1980-1) o realizador narra, em tom epistolar, o abandono do Teatro Santa Roza, prédio do final do século XIX, e critica a construção do monumental Espaço Cultural. Ao mostrar o contraste entre os dois equipamentos culturais, Navarro faz um registro da memória do velho teatro, e o seu discurso verbal relaciona o novo prédio ao autoritarismo do gestor que o constrói. Por ironia, no segundo semestre de 2013, ambos os prédios estão fechados para reforma, deixando João Pessoa sem seus dois principais locais destinados ao teatro, música e exposições.

O CAMPO EM TRANSE Como vimos, a vida no campo é o tema principal do cinema paraibano dos anos de 1960. Se nos filmes do período os conflitos pela posse da terra não foram retratados, coube a uma produção carioca, do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC-UNE), filmar a vida e a morte de João Pedro Teixeira, líder sindical assassinado em Sapé, em 04 de abril de 1962. Dirigido por Eduardo Coutinho, Cabra Marcado para Morrer foi interrompido pelo Golpe de 01 de abril de 1964. A ficção inacabada tornou-se o documentário finalizado em 1984, um dos mais significativos filmes do cinema brasileiro. Nas décadas que se seguiram ao assassinato de João Pedro a tensão na zona da mata paraibana não diminuiu. Com a abertura política do início da década de 1980, trabalhadores se organizam na luta pela posse da terra, em uma batalha árdua contra grandes proprietários, estes apoiados pelo Estado. Uma dessas lutas tem como cenário a fazenda Camuçim, no munícipio de Pitimbu, no litoral sul da Paraíba. Através do Centro de Comunicação, Educação e Documentação Populares (CEDOP) criado em dezembro de 1978, a Igreja Católica da Paraíba passa a usar o cinema como instrumento de incentivo à luta dos trabalhadores urbanos e rurais. Produzido pelo CEDOP, Nós, os Agricultores de Camuçim (Diretor não creditado, 1982) torna-se instrumento dos trabalhadores estigmatizados pela imprensa, ameaçados fisicamente pela polícia e pelos capangas da Destilaria Tabu, e acusados de agitação política pelo então governador da Paraíba, Tarcísio Burity. Crianças, mulheres e homens relatam a difícil situação que vivem, e o filme registra o acampamento montado pelos agricultores na Praça João Pessoa, em frente ao Palácio da Redenção - sede do governo estadual -, entre dezembro de 1981 e janeiro de 1982. Vemos os trabalhadores em tarefas domésticas em plena praça, observados por curiosos e por policiais militares que guardam o palácio. Uma narradora relata a luta dos agricultores pela posse da área. Na fazenda Camuçim, os atos de violência da polícia e dos proprietários são contados em detalhes pelas suas vítimas. A estrutura do filme é centrada em uma marcha, composta em sua maioria por crianças, que ao som marcante de tambores, percorrem Camuçim. 127

Nós, os Agricultores de Camuçim é um marco de cinema engajado na Paraíba, e ao mesmo tempo, um documento da importância da atuação da ala progressista da Igreja Católica no estado, que àquela altura, com a guinada à direita promovida por João Paulo II, estava ameaçada. No ano seguinte aos acontecimentos de Camuçim, na cidade de Alagoa Grande, a sindicalista Margarida Maria Alves é assassinada em frente a sua casa. O crime choca a opinião pública e tem repercussão nacional. Duas décadas depois da morte de João Pedro Teixeira, a zona canavieira da Paraíba continua a eliminar lideranças que lutam pela posse de terra e melhoria de vida dos trabalhadores rurais. Margarida Sempre Viva (Cláudio Barroso, 1983) acompanha os dias tensos que se seguiram ao assassinato da presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Alagoa Grande, a começar pelo enterro do seu corpo, em que vemos e quase não ouvimos o discurso comovido do viúvo Casimiro Alves. Em João Pessoa Casimiro encontra-se com o deputado Assis Camelo e com Fernando Milanez, Secretário de Segurança Pública. Este elenca as providências que estão sendo tomadas pela polícia local. Em 16 de agosto de 1983, quatro dias depois do assassinato, uma grande manifestação acontece em Alagoa Grande, reunindo trabalhadores rurais, sindicalistas e políticos, entre eles o deputado paulista Airton Soares (PT). Uma multidão acompanha os discursos. Ainda no mês de agosto, debaixo de chuva, centenas de trabalhadores rurais de Alagoa Grande reúnem-se para dar início à campanha de reajuste salarial. Em imagens de arquivo, Margarida afirma: “só paro de falar quando estiver morta”. Trinta anos depois de seu assassinato, o crime permanece impune. Margarida continua em cena no longa-metragem Uma Questão de Terra (Manfredo Caldas, 1988). Ela é uma das protagonistas do filme, produção filmada em 16 mm pelo mesmo realizador de Cinema Paraibano – Vinte Anos (1983), que faz um balanço do cinema documentário realizado no estado nas décadas de 1960 e 1970. Coproduzido pela Fundação do Cinema Brasileiro com o apoio do CENTRU – Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural – produtora de Margarida Sempre Viva – da Cinemateca do MAM e do NUDOC, Uma Questão de Terra mapeia os diversos conflitos agrários em curso na Paraíba na segunda metade da década de 1980. Acompanhamos o acampamento de agricultores na sede do INCRA em João Pessoa, e viajamos pelas zonas rurais dos municípios de Belém, Caaporã, Bananeiras, Alagoa Grande e Campina Grande. Na exuberante paisagem verde, vemos desfilar rostos tristes e sofridos. Homens e mulheres relatam as agruras de uma vida dura, marcada pela luta pela terra e pela fome e opressão. Rostos e relatos que lembram em muito os depoimentos dos trabalhadores rurais de Maioria Absoluta (Leon Hirszman, 1964-66), em que o analfabetismo é o ponto de partida para mostrar a vida miserável da maioria dos camponeses brasileiros. Com o uso pioneiro do som direto, conforme aponta Ramos (2008), o filme de Hirszman dá 128

voz ao homem do campo, ao analfabeto, aqueles que constituem a maioria absoluta da população brasileira. Há imagens da ainda nova Brasília, centro do poder que com o Golpe Militar e o enorme retrocesso das conquistas sociais conseguidas no país, parece bem distante da realidade do campo. Passadas mais de duas décadas, Uma Questão de Terra nos revela um retrato do campo não muito distante daquele de Maioria Absoluta. Brasília também está presente em Uma Questão de Terra. O filme nos leva ao Congresso Nacional, detalhando os momentos cruciais da votação sobre a questão agrária na Assembleia Nacional Constituinte. Depois de percorrermos uma Para-

íba conflagrada por disputas de terra, somos apresentados ao poder político dos representantes dos grandes proprietários rurais, reunidos pela União Democrática Ruralista, a UDR, liderada por Ronaldo Caiado. Os ruralistas vencem no voto e a reforma agrária não virá. Aos depoimentos dos trabalhadores em luta por um pedaço de terra na Paraíba, somam-se os discursos de lideranças políticas e sindicais decepcionadas com a derrota. O detalhe da lustrosa bota de um dos ruralistas presentes na votação, os rostos marcados por sorrisos triunfantes, em contraponto com tudo o que assistimos em Uma Questão de Terra sintetiza a aguda crise social e política que o Brasil vive no final da década de 1980.

Margarida Sempre Viva Cláudio Barroso, 1983.

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Pela sua abrangência e engajamento, Uma Questão de Terra reafirma, agora em um tom explicitamente mais político, o compromisso social do cinema paraibano.

A BALEIA E A CANÇÃO Entre os filmes recuperados pela pesquisa Cinema Paraibano: Memória e Preservação um dos mais instigantes do ponto de vista histórico e estético é Caça a Baleia (Moacyr Madruga, 1978-79). Professor de Geografia da UFPB, Madruga realizou uma bem cuidadosa produção em Super-8, documentando as atividades do barco pesqueiro em ação no litoral paraibano. O filme não tem som direto, e logo em seu início um narrador nos informa que o navio Katsumaru, com 26 pessoas a bordo, entre japoneses e brasileiros, vai à busca de baleias no litoral norte paraibano. As imagens em Super-8 captam o exato instante em que uma baleia é atingida pelo arpão. A trilha musical acentua a dramaticidade do momento. O mar fica tingido de vermelho, causando grande impacto no espectador. Com as limitações técnicas da câmera Super-8, as imagens da baleia em agonia, - captadas pelo realizador e pelo cineasta paulista Augusto Sevá, que à época realizava na Paraíba o curta-metragem Oro - vistas de longe, ganham contornos dramáticos acentuados pelo rock progressivo da trilha. Já em terra firme, enquanto a baleia é retalhada, o narrador detalha o histórico da companhia japonesa que controla a pesca da baleia na Paraíba. Nessa sequência, onde vemos os trabalhadores rapidamente transformar uma enorme baleia em pedaços pequenos que desaparecem no pátio da empresa, o narrador é substituído pela canção de Paulo Ró, redimensionando, em sua melancólica poesia, o triste espetáculo que acabamos de assistir. No reino de seu Netuno Tá havendo uma invasão Por causa de uns mamíferos Que por lá ainda estão A invasão está tirando Por quem só podia ser? Pelos tais capitalistas Não querem deixar viver Nem homens, nem animais Até parecem canibais Na calma vida dos pobres O narrador alerta sobre a possibilidade da extinção das espécies capturadas no litoral paraibano, e fala da dependência dos habitantes do município de Lucena da atividade. A pesca da baleia foi proibida no Brasil em 1985, e hoje Lucena vive da 130

pesca artesanal, da fruticultura e do turismo. Ao optar por um documentário conduzido por uma trilha musical e sonora distante do realismo, Caça a Baleia foi além do registro histórico e geográfico, cativando o espectador com um tratamento dramatizado de um tema ecológico e social de grande repercussão para a Paraíba. Visto hoje, mostra-se bem mais impactante e crítico

que o padrão dos documentários sobre vida natural exibidos nos canais pagos como Discovery ou National Geographic. Marcada pela diversidade temática e pelos formatos – indo do 35 mm ao Super-8 – percebe-se o traço comum do engajamento social no cinema paraibano das décadas de 1960, 70 e 80. Dos trabalhadores explorados por multinacional japonesa no litoral, aos excluídos da capital e do campo, passando por lutas estudantis, há um movimento constante dos realizadores no sentido de captar momentos importantes da luta por uma sociedade diferente daquela limitada pela pobreza e pelo autoritarismo.

Caça a Baleia Moacyr Madruga, 1979.

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REFERÊNCIAS BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010. GAUTHIER, Guy. O documentário: Um outro cinema. Campinas, SP: Papirus, 2011. LEAL, Wills. Cinema na Paraíba, Cinema da Paraíba. João Pessoa: Edição do Autor, 2007. LIMA, Maria José Cordeiro de. Documentação Popular: a Trajetória dos Que Redefiniram o Seu Próprio Caminho – uma visão crítica a partir da experiência do CEDOP. Dissertação de mestrado – Pós-Graduação em Biblioteconomia, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa: UFPB, 1996. MACHADO JR., Rubens. O inchaço do presente: Experimentalismo Super-8 nos anos 1970. Rio de Janeiro: CTAv. Filme Cultura, nº 54, mai. 2011. p. 28-32. MARINHO, José. Dos Homens e das Pedras: o ciclo do cinema documentário paraibano (19591979). Niterói, RJ: EdUFF, 1998. NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, SP: Papirus, 2005. RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal... o que é mesmo documentário? São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008. SILVA, Maria das Graças Amaro da. Imagens em Movimento: CEDOP e o Vídeo Popular. Dissertação de mestrado – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa: UFPB, 2002.

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Jomard Muniz de Britto um livre pensador a serviço do cinema e da cultura POR pedro nunes Foto por Fred Jordão

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“Sobrevivemos pelo desencantamento do mundo e reencantamento das linguagens.” JMB

Jomard Muniz de Britto pode ser descrito como um livre pensador que incorpora a dimensão de um poeta irreverente. Habitualmente esse filósofopoeta caminha na contramão dos acontecimentos. Esse guru acadêmico que vislumbra possibilidades estranhas e radicais no campo da arte, consegue reinventar o seu próprio cotidiano através da inscrição de marcas libertárias e de resistência cultural muito bem expressas em seus manifestos, filmes, declamações, performances e discursos que começam pelo avesso, livros, experimentos e manifestos. Esse seu perfil singular é impregnado por essas diferenças que se proliferam na contracorrente. A sua singularidade criativa e intelectual resulta de um eu plural com múltiplas faces.

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1 Texto apresentado no Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, realizado no período de 23 a 25 de maio de 2007, na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, Salvador/BahiaBrasil.

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Paulo Cunha, em A pesquisa cultural nas margens: universidade, vanguarda, periferia1, faz a seguinte observação sobre a produção conceitual de Jomard Muniz de Britto: Parece claro que o traço unificador mais genérico da produção de Jomard Muniz de Britto é a ruptura com as esferas tradicionais da cultura e a instituição do sentido do novo como produtor do novo sentido. Há um permanente elogio da experimentação, das vanguardas - embora esse elogio seja problematizado pelas próprias contradições que ele expõe. Trata-se, muitas vezes, de uma espécie de antissaudosismo militante em que o novo se localiza como desafio.

Jomard Muniz de Britto é um militante despojado que maneja com ideias inovadoras no campo da produção de conhecimentos e de sua produção cultural. Age e pensa em ritmo de ruptura, confrontos e diálogos. Pode-se dizer que a sua condição de ser revela uma pessoa avessa às convenções, aos rituais e aos protocolos. Integra esses protocolos, mas prefere as dobras, as margens, os paradoxos, a periferia e os percursos errantes. A sua produção intelectual reflete essas contradições e conflitos de um Brasil utópico em busca de novas identidades: “O Brasil não é meu país, é o meu ABISMO”, afirma. Essas posturas pensamentais e performances Jomardianas geram atritos, colisões e promovem a curiosidade. Desaguam e se espraiam em toda sua produção conceitual e fazem do humano pensador Jomard Muniz de Britto uma pessoa amada e odiada por proclamar o respeito às diferenças, por adotar posturas contra as farsas políticas, os valores morais, a hipocrisia social e as imposturas acadêmicas. Jomard Muniz de Britto é por natureza própria um protagonista da cena cultural, polêmico, que se estrutura sob o paradigma da ousadia. Encampa outros adjetivos qualificativos. Essa irreverência enquanto postura existencial de vida contra o que sempre denominou de BURROcracia não impediu que ocupasse cargos públicos de destaque, a exemplo de diretor da Fundação de Cultura da Cidade do Recife ou, ainda, a sua atuação como diretor do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco. Seus textos, produções culturais e legados poéticos ressignificam a vida ao valorizar o contraditório, as posturas libertárias e os novos arranjos estéticos que violentam as construções narrativas mais tradicionais. Em um AUTORRETRATO verbal, Jomard Muniz de Britto relata o seguinte: “Eu sou sobrevivente da Bossa Nova, pra mim, a modernidade surgiu na Bossa Nova e corresponde ao Cinema Novo...”. Em 1964, ano de instauração do Golpe Militar Brasileiro, Jomard Muniz de Britto lança Contradições do Homem Brasileiro, sendo logo em seguida o livro proibido, tempos depois, o autor preso. Na condição de professor da Universidade Federal da Paraíba respondeu a um inquérito policial em decorrência de uma palestra que teve como tema o AMOR. Autor de uma vasta obra literária destacando-se: Do Modernismo à Bossa Nova

(1966), Inventário de um Feudalismo Cultural (1979), Terceira Aquarela do Brasil (1982), Bordel Brasilírico Bordel (1992), Arrecife de Desejo (1994) e Atentados poéticos (2002), entre outros. Glauber Rocha, ao prefaciar Do Modernismo à Bossa Nova (1966), reeditado pela Civilização Brasileira em 2009, nos traça um perfil afetuoso que revela o amplo espectro criativo de Jomard Muniz de Britto. Glauber Rocha assinala o seguinte: O que me fez amigo de JMB foi nossa comum paixão pelo cinema, isso já faz dez anos (em 1956, portanto), na decente Recife. Depois, nosso desencontro de temperamentos criou compensações: JMB veio escrever crítica de poesia numa revista literária que eu dirigia em Salvador, depois veio mesmo para a Bahia, onde agiu com brilhantismo e polêmica nas rodas jovens das artes e letras locais. E assim foi, se revelando palmo a palmo: o crítico de cinema era professor de filosofia, o teórico de poesia era entendido de teatro, o esteta rigoroso era jornalista, o jornalista era professor e o professor sambista, outra vez no teatro! Fascinante timidez evoluindo por meandros táticos, aqui e ali exercendo sua função precisa, consequente. Outra coisa que me fascina em JMB é a sua desaristocratização [...]. Sua erudição é diluída no seu grande interesse pela vida, sobretudo pela vida que o cerca, a que vive nos inesperados caminhos de hoje.

No campo da produção audiovisual, a obra de Jomard Muniz de Britto é igualmente perturbadora e mordaz. Em pleno auge de repressão do regime militar, começa a produzir a partir do ano de 1974, filmes na bitola Super-8. A sua produção audiovisual em Pernambuco é constituída por 28 filmes irreverentes ou por assim dizer, desestabilizadores. Destacamos alguns desses títulos: Ensaio de androginia (1974), Esses moços, Pobres moços (1975), Alto nível baixo (1977), O palhaço degolado (1977), Inventário de um feudalismo cultural nordestino (1978), Jogos frugais frutais (1979) e Jogos Labiais Libidinais (1979). Em 1980, a ação que tramitava na Justiça garantiu a Jomard Muniz de Britto o direito de reintegração à UFPB. A partir daí passa a compor o quadro de docentes do então Departamento de Artes e Comunicação, ministrando aulas no Curso de Comunicação Social. O Brasil desde 1978, em plena vigência do regime militar, se articulava a partir de grupos organizados em favor da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. A presente entrevista com Jomard Muniz de Britto, realizada no dia 06 de junho de 1985, retrata esse período de vivência intensa do autor em termos da efervescência cultural que forneceu suporte para a construção do terceiro ciclo de cinema na Paraíba. Jomard Muniz de Britto foi uma das figuras de destaque desse movimento por conta de sua sólida formação intelectual, produção de filmes Super-8, participações em seminários, debates e posicionamentos na imprensa. Ele integrou a segunda geração de cinema paraibano, sobretudo com sua produção literária, fazendo uma ponte entre João Pessoa e Recife e atuou de forma ativa junto aos protagonistas do surto de produção audiovisual ocorrido na Paraíba de 1979 a 1983. Como contrar137

resposta ao Cinema Direto, Jomard Muniz de Britto ajudou a criar o Núcleo de Cinema Indireto, estimulou a escritura de manifestos e produziu três filmes na bitola Super-8 que são considerados basilares no contexto de uma produção audiovisual na Paraíba, visto que apresentam marcas de experimentação e transgressão temática envolvendo a sexualidade: Esperando João (1981), Cidade dos Homens (1982) e Paraíba, Masculina, Feminina Neutra (1983). No ano de 2007, a Universidade Federal da Paraíba outorgou o título de Professor Emérito a Jomard Muniz de Britto como forma de reconhecer a sua relevante produção acadêmica prestada à ciência, à cultura e à instituição. Na presente entrevista Jomard Muniz de Britto levanta questões conceituais sobre o cinema, destaca as iniciativas regionais de produção audiovisual, põe em relevo o papel da Universidade Federal da Paraíba, evidencia o contexto de época que circunscreve o Terceiro Ciclo de Produção Audiovisual na Paraíba, levanta os conflitos em torno do Cinema Direto e do Cinema Indireto, fala dos filmes onde a sexualidade é posta em debate, critica as ações da censura no contexto da ditadura militar e sinaliza apontando os principais desafios quanto à ausência de uma infraestrutura necessária para a produção audiovisual na Paraíba. A entrevista inédita integra o corpo da dissertação de mestrado, intitulada Violentação do ritual cinematográfico: Aspectos do cinema independente na Paraíba - 1979 -1983, defendida no ano de 1988 na Universidade Metodista de São Paulo. O que você considera como Cinema Independente e Cinema Alternativo? Você faz alguma distinção entre esses dois conceitos? Associo muito esse problema de Cinema Independente ou Cinema Alternativo ao problema da cultura de um modo geral. Fala-se muito de Poesia Marginal, a Geração de Mimeógrafo, que foi em 70, chamada geração 70, quer dizer, um bocado de poetas, escritores num sentido mais amplo, mas preponderantemente poetas, que com dificuldades de acesso às grandes editoras, começaram a furar o circuito de divulgação dos seus trabalhos, através de uma produção independente. Eles próprios, através de recursos artesanais - mimeógrafo - iam divulgando seus trabalhos. Havia uma produção. Tem a tese interessante chamada Retrato 138

de Época, que afirma de início: era uma produção que estava ligada a grupos, como Nuvem Cigana, Frenesi, quer dizer, poetas, cada um com sua característica própria, mas que se agrupavam. A produção independente surgiu por uma necessidade de expressão do pessoal, e de furar o bloqueio das editoras. Todo o circuito, tanto a produção como a difusão em si, iam aos bares vender seus livros, para as portas de teatro, aos lugares onde tinha um público, que eles achavam que tinha identificação com essa proposta de trabalho. O cinema que foi feito na década de 70, no nosso caso, sobretudo nos meados de 70, que se pode chamar de Produção Independente ou Alternativa (esses rótulos são muito questionáveis) que se coloca dentro dessa produção mais ampla da cultura brasileira alternativa, marginal ou marginalizada dos

grandes circuitos, das grandes editoras, das grandes produtoras, uma forma de furar esse bloqueio. Poesia Marginal é uma poesia que se fez à margem, ela foi editada à margem das grandes editoras, marginal neste sentido, ou alternativa, com circuito de distribuição ou de consumo, todo o elo da comunicação desde a produção até o consumo, se é que se deve ter um público diferente, uma alternativa diferente para aquela “produção industrial”, eu diria que uma coisa mais de um certo resíduo de coisa artesanal. Na época da censura muito forte, essa “geração mimeógrafo” na literatura... significava, também, um confronto, uma “guerrilha cultural” diante das tremendas frações da censura. Quer dizer que você situa o Cinema Independente dentro desse contexto mais amplo, com outros movimentos, da poesia, teatro. Então, qual a relação de seu trabalho com esses conceitos que você teorizou de uma forma mais ampla, como é que você associa seu trabalho com... As peculiaridades de meu trabalho ou particularidades eu já procuro um pouco justificar, no caso de carecer justificativa, pelo fato de eu ser professor de Comunicação, eu acho que há um certo estímulo para os próprios alunos com os quais eu trabalho, de que o professor não apenas teorize ou discuta problemas de comunicação, mas que ele também se exercite através dos meios de comunicação. Eu gostaria muito de fazer programas de televisão, mas não tenho acesso à televisão; eu participei um pouco de entrevistas de televisão, até como entrevistador convidado da Globo durante algum tempo em

que entrevistei muita gente. Para mim surge como necessidade desse comprometimento didático, de que o professor deve também mexer com os meios de comunicação, e o professor, à medida que faz coisas fracas, também, coisas criticáveis, e isso tudo mostra que ele está se desmistificando também e que os alunos achem que se o professor faz um filme ele também pode fazer. Acho que é dentro desse espírito muito pedagógico. Agora, a coisa ao mesmo tempo extrapola a didática, a pedagogia. Eu sempre fui muito voltado para o problema dos audiovisuais, eu me lembro, teve uma época em que eu dava todos os meus cursos baseados em episcópio e pegava músicas, colagens... e eu me lembro de uma aluna que participava de um curso meu na Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco e disse: “Isso parece Godard, essas montagens que você faz”. Eu cheguei ao cinema através de um trabalho audiovisual, música e colagens, uma montagem que eu fazia com episcópio, eu treinava muito em casa para que houvesse a coincidência do ritmo e da música com aquelas imagens que eu mesmo projetava. Eu achei esse encaminhamento de chegar ao cinema da década de 70, já que estava desligado desde fins de 50... época dos debates dos filmes, cineclubismo, etc. É uma motivação didática ligada a essa paixão que eu tenho pelo audiovisual. De 1978 a 1983 nós temos 55 filmes realizados na Paraíba, em sua maioria na bitola Super-8 e alguns no formato 16 mm. A que você atribui esse surto de realizações? São tantos fatores. Primeiro a necessi139

dade de retomar uma própria produção que acabaria sendo pioneira na época do Cinema Novo. Isso sempre ficou, apesar de muitos cineastas paraibanos terem ido radicar-se no centro-sul do país, mas ficou dentro da ambiência cultural o desejo de retomar essa linha criativa, dessa produção criativa do cinema. Esse seria um dos elementos, outro, as Jornadas de

Cinema Direto, o convênio com a França gerou uma certa polêmica altamente produtiva. Ao pessoal que era ligado ao Cinema Direto eu colocava numa linha paródica o Cinema Indireto, que é um cinema oblíquo. Questionar um pouco o perigo de um certo dogmatismo do Cinema Direto. Mas, a Paraíba teve um mérito, um mérito, inclusive, que acho

II Mostra Cinema em Salvador tinham um efei- importante, de ter recriado o Cinema de Cinema to de demonstração... assim você via as Direto, de ter deturpado o purismo do Independente produções que estavam se realizando nos Cinema Direto, a proposta do Cinema em 1982

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outros estados. Isso era uma fonte de estímulo para quem queria. Aqui em Recife, a influência do crítico Fernando Spencer, também cineasta, divulgava muito, como também Celso Marconi divulgava a Jornada de Cinema de Salvador. As pessoas queriam participar, iam, e para participar tinham que fazer filmes. Eu coloco muito isso e também na Paraíba o problema da universidade que houve com o

Direto. Recriação incluindo tudo, aspectos de deturpação, de formação da proposta inicial do Cinema Direto, de uma certa pureza do Cinema Direto. Então, a Paraíba é um negócio... as impurezas paraibanas, as impurezas do “masculino neutro”, como tem as impurezas do branco do poeta Carlos Drummond de Andrade, as impurezas do audiovisual que são as manchas paraibanas, as tintas

paraibanas dentro de uma certa “ortodoxia diretivista” por parte dos franceses. E depois, a facilidade de se fazer Super-8, em termos econômicos, é claro que muita gente tinha vontade de fazer 16 mm, 35 mm, terceira dimensão, mas não se tinha grana, não se tinha condições econômicas. Na década de 70 era uma coisa viável, eu pude fazer vários filmes com recursos próprios, com o meu salário de professor, sem ajuda de nenhuma instituição; conseguia tirar do meu salário para produzir esses filmes, quer dizer, entrava na produção atores que nunca ganharam dinheiro comigo, mas alguns técnicos de montagens e cinegrafistas tinham um cachê simbólico que eles pediam, a parte de montagem... não era só o filme virgem não, mas alguns técnicos recebiam, e isso, com meu salário de professor, e hoje em dia a coisa seria muito mais difícil. Estou colocando a Paraíba, mas o intercâmbio entre Recife e João Pessoa é muito grande, sobretudo, por eu transitar semanalmente entre as duas cidades... eu tenho que colocar a coisa do ponto de vista da Paraíba e de Pernambuco também, inclusive retomando aquele casamento tão ideal e tão perfeito que foi o do fotógrafo Rucker Vieira com o Linduarte Noronha, nas origens do Cinema Novo paraibano. Observamos nos filmes paraibanos pioneiros e na segunda geração de cinema uma tradição de cinema com uma perspectiva documental. Neste novo ciclo de cinema produzido na Paraíba você consegue ver um corte nítido entre o documentário e a ficção, ou não? Mais do que um corte, é uma ruptura

mesmo, e isso para os defensores de um cinema, de uma linha da pureza documental. Essas pessoas, evidentemente, se sentiam muito incomodadas, eu diria talvez, agredidas. Havia uma tradição sólida, muito forte, uma tradição cristalizada de um cinema feito por cineasta antropólogo ou etnólogo, da linha muito mais Aruanda, da matriz Aruanda do Linduarte... Pois quando surgiu essa coisa ficcional, a abertura para uma fantasia criadora, mistura de documento com ficção, gerando ficções mais audaciosas. Isso naturalmente bulia muito com as tradições do documentário, não só paraibano, mas nordestino, brasileiro. As produções independentes em Super-8 tendem para experimentação com inovações da narrativa. É isso que observamos no conjunto de produções emergentes em vários estados brasileiros. No entanto, percebo no conjunto das realizações paraibanas a utilização de códigos convencionais que tomam como modelo o cinema de concepção dominante. Identifico uma ausência de criatividade, falta ousadia para a grande maioria dos jovens da terceira geração. Eu consigo enxergar essa ousadia nos filmes de ficção ou propostas híbridas docuficcionais. A linhagem documental, documentarista, tem as amarras históricas muito nítidas. O documentário faz uma opção, ou certo comprometimento, uma certa amarração histórico-social, ou históricosociológica, ao passo que a ficção joga com as asas da liberdade. Embora, toda a ficção reflita um momento histórico. O 141

projeto ficcional é justamente o projeto de jogar com o imaginário. Logo, a palavra que você usou antes, um comportamento mais audacioso, um desafio maior para a parte inventiva, estaria na ficção, embora sem tirar o mérito da criatividade que existe nos documentários. Mas, eu acho que há um apelo mais veemente de identidade criativa na ficção. O problema mais sério é a partir de quando, por exemplo, Jean-Claude escreveu muito bem, por uma crítica ficcional, que esses territórios de documentário e da ficção já começam a estar muito minados, uma vivência, uma reflexão, não só a vivência, mas uma reflexão metalinguística, coloca muito, sobretudo a contribuição de semiologia e da semiótica. As análises, assim, freudianas, lacanianas, já mostravam que esses territórios são territórios minados, e que não existem fronteiras rígidas, separando a ficção do documentário. E esse documentário, de qualquer forma, documenta o real, e também o que existe de ficcional na própria intenção ou na própria linhagem do documentarista. Eu acho que é a colocação mais forte a ser feita, justamente isso é uma coisa da década de 70 pra cá, é mostrar que não existe esse purismo documentarista, e que o documentário... ele aparentemente é um documentário, é um reflexo... reflexão sobre a realidade, mas tem muita coisa do delírio do autor, do apriori ideológico do autor... ele vai ser a realidade através de uma angulação sociológica (psicologia social) antropológica e isso condiciona a visão dele da própria realidade. As fronteiras se tornaram muito fluidas, o campo de ambiguidade tende a crescer cada vez mais nessas relações de documentário com a ficção. 142

Embora eu conheça muito bem o seu trabalho, eu queria que você falasse sobre os seus filmes e temáticas perturbadoras. Considerando num todo, num conjunto, ou num bloco, diria que é a problemática da crítica da cultura. É uma coisa meio pernóstica, mas é uma coisa que a gente tenta exercitar na universidade, que é a coisa da crítica cultural, muito ligada à cultura brasileira, especialmente. Eu procurei mobilizar o audiovisual, especialmente o Super-8, dentro dessa perspectiva de crítica cultural, que em alguns filmes a coisa é bem evidenciada, ela tem um destaque muito... talvez mais do que óbvio, como Palhaço Degolado e Inventário do Feudalismo Cultural, esses dois filmes eu acho que definem bem. Outras Cenas da Vida Brasileira, também. A minha produção paraibana é uma produção muito limitada, são três filmes de mais ou menos 30 minutos, Esperando João, A Cidade dos Homens e Paraíba Masculina... O primeiro é uma tentativa de me antecipar ao filme da Tizuka Yamasaki sobre Anayde Beiriz, mais uma vez mostra a facilidade do Super-8. Na verdade eu assisti a uma palestra de José Joffily no Departamento de Artes e Comunicação; durante a palestra uma professora e ex-aluna nossa, Maria das Graças, fez uma pergunta ao Joffily sobre o problema das ligações daquele assassinato de João Pessoa àquela trama entre João Dantas, João Pessoa e Anayde, se havia um comprometimento ideológico, ou era mais um caso sentimental, um caso de amor, de uma paixão desvairada. Aquela pergunta, e até a própria notícia de que a Tizuka estava interessada em fazer um filme sobre a

Anayde Beiriz, me levou a ler o livro de Joffily, e de fazer um autodesafio a mim mesmo. Vamos fazer um filme antes do filme da Tizuka. É... essa coisa que eu diria assim: o espírito parodístico, a coisa da sátira, da paródia, que a gente gosta de usar muito como instrumental da crítica da cultura. E o que a gente pensou foi o seguinte: dar uma versão pirandeliana da Anayde. Seriam seis pessoas ou sete incluindo a narradora, seriam sete imaginários da Anayde Beiriz, como eu via, e como os autores tinham uma importância muito grande, cada um concebeu a sua Anayde, como o ator Francisco Marto, que pesquisou muito. O Esperando João é essa colocação. São três atores e três atrizes, cada um encarnando, corporificando a Anayde Beiriz. É muito como se fosse a ótica da cidade de João Pessoa, através da mulher, da condição feminina. Por isso eu fiquei interessado em fazer dentro deste espírito parodístico inspirado em Fellini de A Cidade das Mulheres, fazer A Cidade dos Homens, que foi o segundo filme, mostrando a presença predominantemente masculina na vida da cidade, desde o amanhecer, os pescadores indo trabalhar, os operários que estavam construindo, o tão controvertido Espaço Cultural, a manhã na vida da cidade, os pontos que têm um aglomerado masculino maior, bares, Ponto de Cem Réis. E o terceiro é a pretensão de fazer uma síntese do primeiro com o segundo, uma síntese que avançasse um pouco mais. E a partir da música Paraíba Masculina... misturando essa música com uma leitura que faço barthesiana de um livro chamado... Masculino Feminino Neutro. Eu fiz Paraíba Masculina... E que eu acho que depois o que eu escrevi... (você

pega aquela página que saiu na edição de IV centenário da Paraíba, em A União) procurei teorizar mais a minha interpretação da cultura paraibana, dos modos vivenciais paraibanos. Eu queria que você fizesse uma leitura geral desse bloco de filmes. Que elementos você considerou importante nesse conjunto de realizações? O grande corte, ou a grande ruptura em relação à tradição anterior do filme paraibano mais contaminado pelo ideal de uma certa pureza documental, foi justamente essa coisa da fantasia e sobretudo a fantasia erótica, esses filmes no conjunto dinamizavam esse dado da fantasia erótica, o fantasma da fantasia e do imaginário erótico, muito recalcado na província, assim, as pessoas numa leitura mais superficial, mais rápida diriam: é o toque do homossexualismo, inclusive gostei de ter criado a expressão “Cineguei”, mas no sentido do Nego da Paraíba, do verbo neguei, passado do... Cineguei, quer dizer, várias leituras dessa expressão. Mas não fica só nesse toque homossexual, homoerótico, é o problema do erotismo num sentido mais amplo, dentro daquela visão mesmo, muito questionada pelos pósfreudianos, que colocam essa dimensão da sexualidade como sendo perversa e polimórfica. Gostaria de citar, já que falei em Freud, uma entrevista recente de Wally Salomão que está dentro deste pensamento, dentro da tropicália, até essa produção independente, o Wally Salomão disse: “eu quero ser, eu me assumo”. E cita a expressão de Freud: “O perverso e Polimórfico”. A perversão 143

é o dado polimórfico da sexualidade. Essa é, pra mim, a contribuição mais abrangente da fantasia erótica. Havia também o sociólogo muito contestador, ele quer ser, sobretudo, antissociólogo, contra os modelos uspianos, ele tem uma formação uspiana, mas tenta passar um pouco de cuspe nessa formação dele, que é o Gilberto Vasconcelos. Ele viu o filme

misturando no caldeirão dos mitos de Braúlio Tavares, pra ver isso, essa coisa, esse dado novo, que está muito ligado a toda essa produção cultural independente, esse aflorar, deflorar, transpirar a sexualidade no sentido mais aberto, mais ambíguo, do que eu chamaria da perversão, no sentido positivo e da transgressão e da polimorfia.

Pedro Nunes do nosso caro amigo Manfredo Caldas, Por que a preocupação por parte dos refala ao público no lançamento de Closes, 1982.

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Cinema Paraibano - Vinte Anos, que é uma antropologia muito bem realizada, que tem um dado muito importante, inovador, joga homenagem a Dziga Vertov... o Gilberto Vasconcelos assistindo ao filme e depois a um debate que eu fiz na sala de aula, fez o seguinte comentário: “mas o cinema paraibano não tem um beijo!”. Quer dizer que a sexualidade anda muito reprimida, opinião do Vasconcelos, um sociólogo antissociologal, um ensaísta da cultura. Eu jogo isso, os dados do Freud, do Wally Salomão, do Vasconcelos,

alizadores em abordar a questão da sexualidade? Existe um dado importante, pois são esses filmes, que já conseguem atingir um grande público, seu filme Esperando João... e um exemplo disso visto que foi apresentado em quatro sessões. É uma coisa interessante, muito importante, porque até então, havia uma letargia, e mesmo os outros filmes num estilo mais documental, no sentido de registrar a realidade, conseguiam certo público, mas isso em nível de trabalhos mais ligados à comunidade, aos mo-

vimentos de bairro... Mas os filmes que abordam a sexualidade extrapolam isso aí, criou-se em nível de público também. Esses filmes que estão mais ligados às comunidades são um cinema que pretende ser militante, mas é um cinema de assistencialismo social, é o problema do cinema como serviço social. Agora, o que acho dentro dessa temática nova dos curtas paraibanos, não tenha a menor dúvida, que não é apenas por motivação psicológica-sociais, mas em termos de um marco objetivo, é o filme Closes, que por coincidência foi realizado pela pessoa que está me entrevistando agora. O grande rebuliço na província de João Pessoa foi realizado pelo filme Closes. Era a temática nova, a problemática nova, em termo de sexualidade, pela beleza formal do filme. O filme tinha um charme, um encantamento visual muito grande. Isso foi um grande motivo para acender a chama dessa sexualidade recalcada nos filmes. Coloco isso objetivamente, foi Closes. Todos os meus filmes são devedores do filme Closes. Acho que os filmes de Henrique Magalhães, do Lauro Nascimento, estão dentro dessa linhagem, a partir do que Pedro Nunes fez. Não era somente o filme exibido, era todo um movimento antes de divulgação, de mobilização da comunidade, o interesse, os debates em rádio, na universidade, no DAC, esse circuito de divulgação, essa animação cultural, que o filme Closes promoveu, propiciou, e que nós pegamos, somos os afluentes dentro desse movimento da animação cultural closística.

Quanto à veiculação de filmes, qual o papel da animação cultural, enquanto fator decisivo para o debate dessas realizações? O fato de estarmos ligados à universidade, as pessoas todas que participaram desse movimento de curta-metragem, são pessoas ligadas, direta ou indiretamente, na condição de aluno-professor, de professor-aluno, ao Departamento de Artes e Comunicação da UFPB. Nós vivemos o DAC na época das produções, um clima de animação cultural muito grande. Essa animação cultural pré-existia aos filmes. O próprio DAC era sinônimo de alguma coisa bendita (por que não maldita?) dentro da universidade, um corpo estranho dentro da universidade. Toda essa dinâmica, essa mobilização, filhos bastardos do DAC. Então vejo essa animação cultural como um projeto muito intencional e não apenas como uma missão pedagógica, mas como um trabalho maior uma dinâmica dentro da comunidade. O importante é fazer a justiça histórica. O trabalho nosso é de resgatar, não o passado glorioso ou esses momentos culturais, mas resgatar a nossa contemporaneidade, a memória do presente, a memória viva do presente. O teu trabalho é importante enquanto isso. Não esperava fazer uma revisão histórica desses filmes daqui a dez ou vinte anos não. É na linha da tese, da dissertação de Carlos Messeder, Retratos de Época, que reflete o presente, é a contemporaneidade em Closes, o Closes da contemporaneidade.

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Nós tivemos alguns cineclubes, não de forma tão organizada como nos anos 1960, mas tivemos alguns cineclubes como: Cartaz de Cinema, Filipéia, SESC, DCG. Esses cineclubes e as Mostras de Cinema tiveram um papel importante nesse terceiro movimento de cinema.

abre para propostas novas. É a universidade como um polo mais catalisador de tudo isso, porque essas pessoas estão ligadas diretas ou indiretamente a uma convivência na universidade. A crítica cultural passa pela própria universidade, ela é, sobretudo, uma autocrítica cultural.

Não tenho a menor dúvida. Mas depois de ficar tanto tempo sem uma prática de debate, as pessoas, os jovens, a geração famosa do AI-5... esse pessoal ainda está carecendo muito de prática de debate, do que se fazia na década de 1960, os chamados cine-fóruns, havia uma regularidade, um hábito de se debater. Hoje em dia, na sala de aula para fazer um debate, o pessoal está desacostumado. Esse movimento de cineclubismo que surgiu, mesmo espaçadamente, de uma maneira mais informal do que aquele cineclubismo institucionalizado das décadas de 1950 e 60, foi um fator muito bom para as pessoas começarem a falar, a perder o medo, perderem o acanhamento. Hoje em dia tem alunos que dizem: “Que bom, professor, que a gente teve a oportunidade de falar, quando eu comecei a falar estava todo empulhado”. Inibido não, empulhado mesmo. E com a prática, os debates que aconteceram, a imprensa... O papel da imprensa, especialmente na Paraíba, foi muito forte, a imprensa dava uma força muito grande, havia um espaço muito aberto para o que a gente chama de animação cultural. Pessoas como Carlos Aranha, Walter Galvão, participaram muito dessa polêmica cultural, desse debate cultural. Animação Cultural é tudo isso; é você ter espaço no rádio, na imprensa, na imprensa governamental do jornal A União, que

A Censura Federal atuou com bastante veemência em algumas ocasiões com agentes federais armados com metralhadoras em punho, a exemplo da dispersão da II Mostra de Cinema Independente que coordenei em João Pessoa no ano de 1981, ou mesmo atuação da censura por ocasião do lançamento do filme Closes, ou mesmo do seu próprio filme Paraíba, Masculina Feminina Neutra. Eram ações intimidatórias com demonstração de força. Como você analisa essas intervenções da censura? Realmente. A censura estava sendo competente, estava realizando seu papel. Se existia uma censura ela tinha que se exercitar como censura. Você tinha que mostrar o filme antes. A censura era arbitrária e tinha que ser arbitrária, porque a época era disso, de arbítrio. Essa pressão da censura, mais do que a pressão, a repressão da censura, era o papel que ela estava representando, era uma performance censória típica do regime militar. Ela tinha que ser competente, mostrar que era competente, que era exigente e criava casos. O papel da censura era reprimir. Diferente de como se coloca agora, desse movimento de anistia e tudo mais. Um personagem... eu acho que o Dr. Pedro, que comandava essas ações, merecia até um filme, um vídeo sobre ele. E não somente essa censura institu-

cionalizada, a censura formal, mas também alguns jornalistas, não vamos dizer que vivíamos num mar de rosas não, alguns jornalistas conservadores, retrógrados, xenófobos, fizeram movimentos mais impetuosos, mais virulentos, mais sanguinolentos do que a própria censura, o Wellington Aguiar não me deixa mentir, que fez um trabalho de uma crueldade censória absurda e absoluta... notável! O Cinema Direto enquanto uma das atividades do Núcleo de Documentação Cinematográfica da UFPB... Como você analisa o Cinema Direto tendo se distanciado, já um pouco mais... Por mais que os franceses e alguns paraibanos afrancesados desejassem manter uma fidelidade rigorosa ao projeto do Cinema Novo Jean Roucheano, a província paraibana era tão “torta”, troncha e distorcida que ela distorceu esse projeto logo no começo. Quando as pessoas defendiam, elas já defendiam sabendo que era uma constatação, uma impossibilidade de se fazer Cinema Direto na Paraíba. Era um projeto impossível, ele tinha que ser renegado, é esse comportamento antropofágico. Era uma compensação da falha do projeto, porque era um projeto manco, e à medida que, manco como o Jango era manco, ele pendia para um lado, e à medida que ele tinha que ser realizado na Paraíba, ele já começava a ser abortado, a ser visto... A proposta do Cinema Direto é uma proposta que vai sendo antropofagizada, quer dizer, os paraibanos comendo os franceses, devorando os franceses. O Cinema Direto começou a ser minado: contaminado pelo vírus paraibano, pelas negações, pelas

negatividades paraibanas. Dá para escrever uma tese: “Como o Cinema Direto se torna Indireto na Paraíba”. Como o Cinema Direto entrou nesse sistema antropofágico de deglutição, de devoração de seus próprios deuses e mitos. Como ele foi repensado, questionado na Paraíba, como ele possibilitou um movimento paralelo a ele, de pessoas que estavam ligadas a ele, mas que faziam a sua antítese. Foi bom. Foi um movimento vivo, as picaretagens são muito comuns no campo da cultura, os jogos de interesses, as facilidades, as barganhas. Se não existisse essas picaretagens não existiria cultura, a cultura ficaria numa redoma, sacrificada, faz parte da vida cultural esses jogos de interesses, essas ligações perigosas entre o artista e o poder... O artista querendo fazer uma coisa independente, mas ele está atrelado ao esquema, à universidade, ao poder. E o negócio para a província é um negócio fascinante. A Europa, o mito da Europa. Esse convênio do NUDOC com o Cinema Direto francês possibilitou esse frenesi cultural de pessoas que ficavam: Vamos ver como é a Europa, Paris cidade luz, vamos ter transas europeias, vamos conhecer os homens e as mulheres francesas. Quer dizer que você postula que houve uma deformação da proposta, da matriz do que seja Cinema Direto e ao mesmo tempo isso despertou um desejo, uma fascinação da questão de ir a Paris? É difícil pra eu comentar mais porque não fui a Paris, o problema mais sério é esse, mas é bom ouvir as pessoas que foram, até mesmo mais de uma vez. As pessoas que participaram do projeto 147

mais diretamente é que têm um melhor depoimento a dar. Eu, numa visão vulgarmente chamada de despeitada ou uma visão dos marginalizados, dos não beneficiados, diria que esse pessoal que teve oportunidade de ir à França, uma

mas o nível era bem elementar, parece que o curso não funcionava bem, havia muita pobreza técnica, e não uma pobreza intencional, uma pobreza por falta de habilidade, por carência, eu sentia muito isso; o som direto não funcionava; em

Sessão de oportunidade muito boa, inegavelmen- princípio qualquer coisa com som direestreia de te de intercâmbio cultural, de conhecer, to era Cinema Direto, usou som direto Closes de atualização, esse pessoal na volta não é Cinema Direto, não é. Os professores em 1982

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colocava muito, a não ser para grupos pequenos de amigos, o que eles tinham aproveitado lá, acho que deveria participar do convênio, de qualquer convênio, as pessoas na volta dar uma geral do que viu, isso é importante, as pessoas só falavam quando eram solicitadas, já devia fazer parte do esquema de trabalho. Agora, sobre a produção do Cinema Direto, era uma coisa tão variada, é difícil a gente colocar, inclusive, o problema mais sério era a deficiência técnica dos filmes, não que eu esteja defendendo um tecnicismo,

que iam ou vinham não satisfaziam não, o problema de língua, de linguística, um negócio muito fraquinho em termos de criatividade no plano da técnica, de um modo geral. E esse sistema, esse exercício de colocar logo as pessoas com a câmera é bom, isso quando você tem filme, é o de aprender fazendo, mas eles desmistificavam o problema técnico, é aquela coisa muito francesa, de uma certa linha francesa, de um certo enciclopedismo de uma camada de cineasta faz tudo, e eu acho que era muito papo furado, e o que

sempre caracterizou o cinema é ser uma arte coletiva, toda angústia de criação é uma angústia compartilhada, uma angústia coletiva, esmo o cinema que não seja industrial, o cinema Udigrudi, o cinema é sempre uma proposta de criação coletiva, então por que esse negócio de uma só pessoa fazer tudo? Isso é uma das bobagens do Cinema Direto, o camarada ser o autor da ideia, o diretor, o fotógrafo, o cinegrafista, o montador, o editor do filme, eu acho isso uma bobagem, porque pode ser o mito do Chaplin, o gênio da criação, mas isso pode funcionar ou não, pode ser o Cinema Direto, Indireto, Oblíquo, mas o cinema é basicamente uma arte coletiva. E essa coisa da pessoa fazer tudo como aprendizado é interessante, faz parte de certa inclinação, pessoas que gostam de fazer montagens outras não, pessoas que gostam de trabalhar na trilha musical, embora que no Cinema Direto não tenha esse negócio de trilha musical. Em síntese, existia uma certa bitola, não no sentido da bitola Super-8, mas a bitola ação, ou um certo padrão, o que era Cinema Direto, por mais que houvesse essa deturpação, no bom sentido que estou falando, essa antropofagização do Cinema Direto Francês, mas as pessoas tinham na cabeça um fantasma, o Cinema Direto é isso, um certo modelo prejudica, castra a criatividade. Um pessoal jovem querendo ousar mais, mas no modelo do Cinema Direto havia aquela pressão em cima do que era direto, o que não era direto, e tem alguns que fizeram o Anticinema Direto, o não Cinema Direto. Mesmo assim, foi tanta coisa feita que eu não sei se conheço todos os filmes.

Considerando que essas realizações em sua maioria foram feitas em Super-8, que perspectiva se apresenta ante o surgimento de uma nova tecnologia que é o vídeo? O que muita gente está fazendo é transcrever esses filmes em vídeo, em que se começa a surgir um circuito de vídeo, e eu confesso, não tenho me motivado, não só pela falta de grana, mas por preferir fazer filmes novos, do que copiar. O vídeo agora está desempenhando o papel do Super-8, o fator econômico mais uma vez, a facilidade de se fazer Super-8 é relativa porque o equipamento do vídeo é muito caro, e você tem que depender de um amigo, de um grupo, mas no vídeo a fita é muitíssimo mais barata, a dinâmica é outra. Tudo pra mim é cinema, como dizia Glauber Rocha: tudo é produto audiovisual, cinema, TV, vídeo, Super-8, é ridículo essa coisa que teve de muita gente não considerar o Super-8 como cinema, isso é um preconceito absurdo. Os grandes cineastas do mundo usam Super-8. É a possibilidade de se fazer cinema mais experimental, tanto curta-metragem como bitola Super-8 ou vídeo, você tem um campo mais livre para experimentação.

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PRESERVANDO O “CINEMA PURO” Entrevista com Roberto Buzzini Por Lara Amorim e Fernando Trevas Falcone

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O processo de telecinagem dos filmes catalogados pelo projeto Cinema Paraibano: Memória e Preservação foi conduzido por Roberto Buzzini. Diretor de fotografia dos longas-metragens Snuff, Vítimas do Prazer (Carlos Cunha, 1977) ao lado de Carlos Reichenbach e Profissão Mulher (Carlos Cunha, 1984), ele atuou como fotógrafo, produtor e diretor de documentários institucionais e filmes publicitários nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Nesse período, Buzzini trabalhou em produções de Jean Mazon, famoso por seus filmes para grandes empresas públicas e privadas, e Jacques Deheinzelin, veterano fotógrafo vindo dos estúdios de Vera Cruz e um dos pioneiros na realização de filmes publicitários na televisão brasileira, antes

de se tornar produtor independente. Incentivado por Reichenbach, a partir de 1993 dedicou-se a trabalhos de revelação de filmes realizados em Super-8 por profissionais e estudantes de cinema. Em sua empresa, a RB Movie House - misto de laboratório e produtora -, Buzzini realiza telecinagem de filmes Super-8 e 16 mm, além de locar câmeras dessas bitolas para produtoras de publicidade, realizadores de documentários e filmes de ficção. Aliando sua grande experiência e habilidade técnica com a paixão pelo “cinema puro”, termo que ele explica na entrevista, Buzzini foi fundamental para o sucesso do processo de telecinagem dos filmes do projeto Cinema Paraibano: Memória e Preservação.

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Você faz parte de uma geração de realizadores formada em uma época em que se trabalhava exclusivamente com a película. Como foi para você a chegada do formato digital? A introdução lenta do formato digital no mercado audiovisual levou um tempo razoável para ser percebida pelos profissionais da área. Durante esse período houve uma grande resistência, principalmente para aqueles que, como eu, preferem continuar a utilizar câmeras com o uso de películas. Esses caríssimos equipamentos já haviam sido pagos há muito tempo, e não havia ainda uma boa razão para deixarem de continuar a serem utilizados durante esse período de amadurecimento do digital. As películas cinematográficas estão lentamente deixando de ser fabricadas, restando apenas poucos tipos de filme, mas tem-se a expectativa de que, pelo menos com a continuidade desses produtos disponíveis ainda no mercado, continuem a suprir a necessidade daqueles profissionais para que, como eu, amante do cinema puro, possam usufruir dos maravilhosos encantos da imagem gravada em superfície de nitrato de prata, transparente e com alma! Quando você começou a trabalhar com a manipulação e revelação do Super-8? Houve algum evento que se destacou em sua trajetória pessoal que te levou a este caminho? Em 1992, durante uma mostra retrospectiva de filmes Super-8 no Museu da Imagem e Som de São Paulo, após a exibição de inúmeros filmes da 152

década de 1970, presenciei, junto com Carlos Reichenbach, conhecido cineasta paulista, e outros realizadores, grupos de estudantes de cinema que estavam maravilhados com os curtas assistidos. E nós comentávamos, com muita decepção, a decisão da Kodak brasileira de deixar de revelar filmes Super-8 aqui no Brasil, assim como o fechamento do único laboratório que também processava esse tipo de filme, obrigando os realizadores e alunos de Cinema, a maioria da ECAUSP, a enviar seus rolinhos para os Estados Unidos para serem revelados. Nesse momento, o Carlão (Reichenbach) que ministrava na época aulas de roteiro na ECA, me perguntou se seria possível pesquisar a possibilidade de processar em meu laboratório fotográfico filmes Super-8. Após inúmeros e desgastantes testes com esse tipo de filme, minha empresa (Casa de Cinema, na época), instalada em Itu, interior de São Paulo, por volta de 1994 ou 1995 e por amor ao cinema em película, iniciou a revelação de cartuchos Super-8, para a alegria de centenas de amantes dessa bitola, que na época ainda era uma forma economicamente viável de produzir curtas. E ainda trabalhamos durante alguns anos juntos ao Festival de Gramado, incentivando a galera amante do Super-8. Foi assim que criamos na mesma época, na “Casa de Cinema”, agora RB Movie House, a Divisão Super-8 e16 mm.

Ao conhecer seu laboratório, notamos que você é um colecionador de câmeras, projetores e material para revelação e copiagem. Fale desse seu acervo pessoal. As câmeras Super-8 e 16 mm são utilizadas por alunos de cinema e produtoras clientes da minha “Casa de Cinema”, que locam esses equipamentos, utilizando principalmente as imagens produzidas em seus trabalhos escolares ou produções profissionais em todo o Brasil. E há também realizadores independentes, que querem inserir em seus documentários para a TV imagens captadas em película. Algumas câmeras e projetores muito antigos foram utilizados por mim durante o início da minha carreira, na década de 1950. Tenho verdadeiro fascínio pelos complicados mecanismos internos desses antigos equipamentos. Eles são verdadeiras obras da arte, mecânica pura, sem comando eletrônico. Você refere-se habitualmente ao “cinema puro”? O que significa esta expressão para você? Na verdade, para mim, “cinema puro” é aquela produção que tem suas imagens captadas em película fotográfica, sensível à luz. É o cinema de Lumiére, de Chaplin. São centenas de profissionais como eu, em todo o mundo, apaixonados pelas imagens captadas dessa forma. Gosto de usar a frase de um cineasta americano: “tenho o celuloide no meu sangue”. São essas pessoas que ajudam a mover economicamente o meu laboratório, assim como outros em todo o mundo. Afinal, a película ainda está sendo utilizada e demorará algum tempo para desaparecer.

Como foi o processo de restauração e telecinagem dos filmes do projeto Cinema Paraibano: Memória e Preservação? Devido ao complexo estado de alguns filmes, tive que fazer adaptações em nosso telecine. Alguns trechos de filmes tiveram cuidados especiais. O importante é que o resultado final, a imagem e, principalmente, o som, me agradou muito! Que outros tipos de trabalhos você tem feito para outros projetos, nesta mesma linha de preservação e recuperação de acervo de filmes realizados fora do circuito comercial? Este é o primeiro grande acervo de produções em Super-8 e alguns em 16 mm que digitalizamos, e que deu um imenso prazer. Os filmes catalogados pelo projeto foram realizados, em sua maioria, no início da década de 1980 e não têm cópias. As fitas foram exibidas em diversas ocasiões, nem sempre em condições ideais. Como você avalia o estado das películas? O som e a imagem mantiveram uma boa qualidade? Embora as cores da maioria desses filmes se encontrem desbotadas, conseguimos restaurar boa parte. Devido ao som ter sido gravado em uma estreita fita de gravador de poliéster, semelhante a uma fita de “mini cassete”, colada na beirada do filme, o áudio permanece implacável durante dezenas de anos! Por esta razão, percebemos uma excelente qualidade de som.

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A maior parte do acervo reunido pelo projeto é de filmes Super-8. Quais as características desta bitola, comparada aos filmes 16 mm e 35 mm?

Quais as grandes diferenças, em sua opinião, entre os filmes realizados em película e os feitos através do processo digital?

Tanto a Kodak como a extinta FUJI sempre fabricaram tiras de filme com a largura de aproximadamente 70 mm, que são cortadas duas vezes (35 mm) ou quatro vezes (16 mm) ou ainda oito vezes (8 mm). Quanto menor o fotograma, menor a definição da imagem. Cineastas em todo o mundo, quando esses filmes eram disponíveis com custos razoáveis, e em função da linguagem fotográfica que queriam imprimir em suas realizações, escolhiam uma dessas diferentes texturas. No caso específico do Super-8, na época da realização dos diferentes curtas do projeto Cinema Paraibano: Memória e Preservação existiam dois tipos de filme color positivo fabricados pela Kodak nas década de 1970 e 1980. Um tipo, com maior definição da imagem e das cores, indicado para a luz do dia, escolhido pela maioria dos realizadores, e resultando em uma qualidade muito boa! Outro tipo com razoável definição, indicado para ambientes com pouca iluminação. A escolha dessa bitola na época se deu pelo fato dos custos serem bastante reduzidos em comparação aos 16 mm e 35 mm. Filmar com som direto seria ter o filme praticamente pronto sem despesas de pós-produção!

A praticidade do digital, associada ao baixo custo de captação, com certeza traz inúmeros benefícios, principalmente para aqueles realizadores que se preocupam apenas em contar uma história. Afinal, o público não está muito interessado na forma de captação, principalmente em uma época em que a maioria dos diretores não resiste em fazer algum tipo de efeito especial em seus filmes. Esta é a principal diferença. A Kodak é hoje a única empresa que continua na fabricação de toda uma linha de filmes para câmeras 35 mm, 16 mm e alguns tipos de câmeras Super-8. Nos Estados Unidos, a aquisição desse material virgem é bastante acessível para qualquer realizador que prefira trabalhar com película. O consumo desses filmes pelas grandes produções americanas e mesmo da Europa são mais do que suficientes para que a Kodak continue a fabricação dessas películas. Aqui no Brasil os custos são muito elevados, principalmente com a alta do dólar. Como não existe praticamente diferença entre o custo de produção em Super-8 para o filme de 16 mm, estamos fazendo o possível para viabilizar o 16 mm a baixo custo, para aqueles como eu, que preferem o cinema puro. Muitos jovens interessados por cinema têm me procurado, ansiosos por experimentar a película. Segundo eles, o digital não tem graça; eles sentem mais prazer em captar imagens com filme.

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GRAFIA Abreviações Dir = Direção P = Produção AP = Ano de Produção D= Duração

CEDOP - Centro de Comunicação, Educação e Documentação Populares CTI - Centro de Trabalho Indigenista DAC - Departamento de Artes e Comunicações da UFPB NUDOC - Núcleo de Documentação Cinematográfica da UFPB NUPPO - Núcleo de Pesquisa e Documentação de Cultura Popular PRAC – Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários UFPB – Universidade Federal da Paraíba VARAN - Centre de Formacion Atelier Varan

As fichas técnicas foram elaboradas a partir de informações contidas nas caixas dos filmes ou nos créditos apresentados nos filmes. Os poucos títulos que trazem créditos detalhados têm estas informações reproduzidas nas fichas. Os filmes que não são documentários estão assinalados como ficção ou experimental.

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Abril A mobilização popular em torno da votação da Emenda Dante de Oliveira, em abril de 1984, no centro de João Pessoa. Depoimentos de populares e aposentados na praça João Pessoa. Dida Fialho e Joana Belarmino cantam para o público. Depoimentos do jornalista Carlos Aranha (cita João Goulart) e do artista Nandy Lisboa. Representante do PDS (do governo militar) fala sobre a posição do partido, que tende a apoiar a emenda. Depoimentos de Pedro Gondim (ex-governador da Paraíba), Nandy Lisboa (artista plástico), Paulo Coelho (professor universitário), Vandinho Carvalho – participante do movimento de bairro Fala Jaguabirbe – e do jornalista Carlos Aranha. Dir: Macus Antonio (Vilar); P: NUDOC; AP: 1984; D: 19’; Super-8; Cor; Sonoro. Créditos detalhados no filme: Câmera e Montagem: João de Lima; Texto: João de Lima “O porquê, ainda”; Som direto: Ari Kubistcheck, Francisco Magalhães; Iluminação: Dinarte Varela, Carlos Machado, Mourão; Créditos: Henrique Magalhães; Fotografia adicional: João de Lima; Músicas: “Menestrel das Alagoas” - Milton Nascimento e Fernando Brant e “Caminhando” - Geraldo Vandré; Apoio: DAC; ADUF-PB, FUNAPE, FUNARTE, ANARTEA, API; Agradecimentos: Jornais “O Norte” e “A União” e Rádio Universitária FM.

FILMOGRAF Abrindo Brecha

Africanos

Em Guarabira (PB), a adolescente Bia escreve peça teatral sobre família, questões de gênero e machismo. O grupo faz entrevistas na rua, perguntando sobre a visão do que seja a família. Cenas dos ensaios da peça “Filhos de Papel”. O bispo de Guarabira, D. Marcelo Carvalheira, fala sobre o papel da família na sociedade brasileira. Bia desiste da peça por causa da repressão paterna. No teatro, a diretora anuncia que a peça não será concluída por conta da proibição do pai de uma das atrizes.

João Pessoa, Carnaval de 1981. João Batista do Nascimento fala sobre o Bloco Africanos. A preparação do bloco. Desfile na Avenida Beira Rio.

Dir: José Barbosa da Silva; P: Não identificada; AP: 198?, D: 24’; Super-8; Cor; Sonoro. Docudrama. Créditos detalhados no filme: Elenco: Fátima Melo, Silvana Rodrigues, Aldemir Leal, Orlandil Lima e populares; Desenhos: José Barbosa e Paulo Matias.

Dir: Alex Santos; P: UFPB/NUPPO/FUNARTE/ FUNAPE; AP: 1981; D: 22’; Super-8; Cor; Sonoro.

Amor e Morte Depoimentos de Selma Tuareg, Kubistcheck Pinheiro, Tadeu Franca, Edilson Dias e Henrique Magalhães sobre amor e morte. Diálogos bizarros entre Tuareg e Kubistcheck. Dir: Torquato Joel; P: NUDOC; AP: 1985; D: 17’; Super-8; Cor; Sonoro.

Acalanto Bestiale

Ancião versus Sociedade

Mulher lê testamentos para filhas. Imagens da sua casa.

No Lar da Providência, em João Pessoa, velhinhos, funcionários, médica e freira falam sobre a condição do idoso em um abrigo. Surgem temas como abandono familiar, solidão, doença. O filme teve a colaboração da socióloga Joselita Rodrigues Vieira.

Dir: Lauro Nascimento; P: Lauro Nascimento; AP: 1981; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.

Dir: Rejane Maria Martins; P: NUDOC; AP: 198?; D: 17’; Super-8; Cor; Sonoro (problemas de áudio em quase todo o filme).

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Anistia

Baltazar da Lomba

Prisioneiro político, Emilson foi solto após a anistia em 1979. Ele torna-se produtor avícola, mas o negócio não prospera. Depois administra depósito de material de construção. O filme o documenta nestas atividades. Em reunião com anistiados e em depoimentos gravados em som direto, fala de suas lutas políticas. Enquanto relata como foi preso e torturado em 1973, mostra filhote de jacaré em seu quintal. Cenas de uma reunião do PT. Manifestação de rua e evento na Assembleia Legislativa da Paraíba.

Reconstituição do primeiro caso de repressão à homossexualidade na Paraíba, durante o Brasil colonial (1595), conduzido pela Igreja Católica. O filme é ousado ao explicitar a proposta de atualizar o debate sobre a repressão à homossexualidade, especialmente na longa cena de sexo e ao revelar os bastidores das filmagens realizadas pelo coletivo Nós Também.

Dir: Edilson Dias; P: NUDOC; AP: 1981; D: 18’; Super-8; Cor; Sonoro.

Dir: Nós Também; P: Nós Também; AP: 1982; D: 18’; Super-8; Cor; Sonoro. Atores: João Valença, Gabriel, Augusto, Carlos, Lauro, Arimatéia, Marcelo Fidelis, Tutu, Fernando Peixe e Marcelo.

Baía da Traição Índios potiguara dançam o toré ao som de música sem fonte sonora visível. O grupo caminha pela mata com bandeira branca. Potiguara lê telegrama sobre demarcação. Outro fala de Odilon Costa: “morreu, já se livramos desse” e da Companhia de Tecidos Rio Tinto. Dir: Tiuré Índio Potiguara; P: CTI; AP: 198?; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro. Edição: Edson e Vincent (Carelli?)

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No final, cenas de carnaval em Pernambuco celebram simbolicamente a liberdade do personagem.

Banhistas de Tambaú (registro)

Bonecos de Florismar (registro)

Imagens da praia de Tambaú, em João Pessoa. Banhistas e vendedores ambulantes. Dois destes são entrevistados.

Exposição didática da produção e manipulação de bonecos de luva feitos de papel machê, pelo professor Florismar do Departamento de Artes e Comunicação da UFPB.

Dir: Não identificada; P: Não identificada; AP: 198?; D: 06’; Super-8; Cor; Sonoro.

Dir: Cristina Moraes (orientação Prof. João de Lima); P: DAC/UFPB; AP: 1984; D: 05’; Super-8; Cor; Sonoro.

O Batom Uma bela mulher, um homem misterioso, um batom. Um experimento com duas soluções. Dir: Fernando Trevas e Gliberto Martins; P: DAC/ NUDOC; AP: 1987; D: 05’; Super-8; Cor; Mudo. Experimental.

Bernadete Mulheres de bairro periférico de João Pessoa falam das suas duras condições de vida: abandonadas pelos maridos, com filhos e até mães para cuidar. Um retrato singelo da condição feminina de trabalhadoras domésticas de uma capital nordestina. Dir: Graça Lira; P: NUDOC; AP: 1983; D: 10 ’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Caça a Baleia

Caiana dos Crioulos

No alto mar o navio japonês Katsumaru “caça” baleias. Imagens mostram detalhe da captura, com muito sangue na água. O narrador informa o número de tripulantes, 26, entre japoneses e brasileiros, e ressalta que o comando é dos japoneses. A trilha musical acentua a dramaticidade da captura da baleia. Na praia de Costinha funciona a Copesbra, companhia que explora a caça da baleia. O narrador dá os detalhes do empreendimento comandado pelos japoneses, e que é a base da economia de Lucena, um município pobre do litoral da Paraíba. A música tema enfatiza o lucro obtido pelos japoneses com a baleia, e a situação de pobreza dos trabalhadores, além de alertar para a possibilidade de extinção do mamífero. O narrador aponta alternativas ao fim da caça à baleia, como outras formas de pesca, reativação do porto de Cabedelo e exploração do coco, fruto abundante na região.

Na comunidade quilombola de Caiana dos Crioulos, em Alagoa Grande (PB), mulheres falam de suas vidas. Na escola, crianças brincam. Comunidade realiza apresentação musical (coco de roda).

Dir: Moacyr Madruga; P: Gamela Filmes; AP: 1978-9; D: 19’; Super-8; Cor; Sonoro. Créditos detalhados no filme: Fotografia: Moacyr Madruga e Augusto Sevá; Direção musical: Ana Glória Madruga; Música tema: Paulo Ró.

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Dir: Ana Lúcia Arcela; P:NUDOC; AP: 1981; D: 15’; Super-8; Cor; Sonoro.

Caldo de Cana (balé) Bastidores da preparação do espetáculo da dança “Caldo de Cana” no teatro Paulo Pontes do Espaço Cultural em João Pessoa. Imagens dos ensaios e entrevistas com a coreógrafa Rosa Cagliani, o diretor Fernando Teixeira, W. J. Solha, autor do espetáculo, e os músicos Carlos Anísio e Odair Salgueiro. Dir: Não identificada; P: Não identificada; AP: 1985; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.

Campanha política de Carnaval em Camalaú Antônio Mariz (registro) Carnaval de rua no bairro de Camalaú, em CabeEm João Pessoa, uma grande passeata em apoio à candidatura de Antônio Mariz (PMDB) a governador do estado inicia-se pelas ruas do bairro popular de Cruz das Armas durante a noite, passa pela Assembleia Legislativa, Lagoa e percorre a Epitácio Pessoa, principal avenida da cidade. O evento termina com o raiar do dia, na praia de Tambaú. Dir: Não identificada; P: Não identificada; AP: 1982; D: 13’; Super-8; Cor; Sonoro.

Cara x Coroa Registro irregular (sem edição e com problemas de captação de som) da campanha eleitoral de 1982 (Antônio Mariz x Wilson Braga). Imagens de bairros pobres e depoimentos de moradores sobre a política local. Comício de Mariz à noite e, na praia, Mariz discursa em cima de caminhão de som. Homem da cobra no centro vendendo ervas. O dia da eleição, local de votação. Apuração no clube Astrea.

delo (PB). Apresentação de blocos e “tribos indígenas” e cerimônia de premiação. Entrevista com moradores do bairro. Dir: Não identificada; P: Não identificada; AP: 1983; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.

Castelo Branco Registro dos problemas do bairro do Castelo Branco, ao lado do campus da UFPB, em João Pessoa: ruas sem pavimentação, coleta de lixo irregular, ausência de áreas de lazer. Depoimentos de moradores, entre eles o jornalista Walter Santos. Dir: Joás Antônio; P: NUDOC; AP: 1982; D: 16’; Super-8; Cor; Sonoro.

Dir: Abelardo G. Oliveira, Roberto E. Oliveira e Rosilde P. Oliveira; P: Não identificada; AP: 1982; D: 15’; Super-8; Cor; Sonoro (algumas partes sem som).

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Cavalo marinho do Mestre Gasosa (registro) Apresentação do cavalo marinho, manifestação tradicional da Paraíba. Incentivador das manifestações tradicionais da região, Tenente Lucena apresenta o Mestre, mas o depoimento deste é inaudível. Dir: Não identificada; P: Não identificada; AP: 198?; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.

Celso pós milagre Em Paris, o economista paraibano Celso Furtado fala da sua atuação na Sudene, instituição idealizada por ele, e de seus planos para participar da vida política do Brasil. Vai a “sebo” de livros, ao Instituto onde dá aulas, compra produtos em feira de rua e caminha pelos parques da cidade. Comenta sobre o futebol e numa longa sequência, brasileiros assistem ao jogo Brasil x Rússia na Copa de 1982. Ao embarcar para o Brasil, revela esperança com os novos rumos do país após a eleição a ser realizada em novembro. Dir: Vânia Perazzo; P: Association Varan; AP: 1982; D: 18’; Super-8; Cor; Sonoro.

As Cegas Em bairro pobre de Campina Grande, três irmãs cegas cantam e contam as dificuldades de sobrevivência. Relatam que pedem esmola desde a infância e que com a morte do pai a vida tornou-se ainda mais difícil. Graças à ajuda de pessoas que documentam a vida destas irmãs, elas compraram uma casa modesta. Levadas pela mãe, elas vão a uma rua movimentada cantar e pedir esmolas. Dir: Maria Antonia; P: NUDOC; AP: 1982; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Ciclo do Caranguejo

Cidade dos Homens

O ciclo do caranguejo e seus personagens e cenários: duro trabalho dos catadores das comunidades ribeirinhas de Várzea Nova, Porto do Moinho, Forte Velho e Livramento. O filme ressalta o contraste entre os catadores e os consumidores e mostra a atuação dos intermediários e de trabalhadores que atuam no processo de extração da carne de caranguejo, base do ensopado, qualificado como um “prato internacional”.

Com depoimento do ator e diretor Ednaldo do Egito, o filme reflete sobre a presença masculina na cidade de João Pessoa.

Dir: Elisa Cabral; P: NUDOC; AP: 1982; D: 14’; Super-8; Cor; Sonoro.

Dir: Jomard Muniz de Britto; P: Jomard Muniz de Britto; AP: 1982; D: 25’; Super-8; Cor; Sonoro. Ficção. Créditos detalhados no filme: de uma ideia roubada de Luís Falcão; dedicado a Manoel José de Lima (Caixa D’Água) e demais participantes amadores; Entrevistas com Ednaldo do Egito e Sérgio Castro Pinto filmadas por Pedro Nunes Filho; Montagem e sonorização: Lima; Assistente de direção: Francisco Chagas Magalhães; Letreiros: Anacleto Eloi.

Cidade Verde Em tom institucional, narrador exalta as virtudes de João Pessoa, a cidade verde. Imagens do centro, Praça João Pessoa, Lagoa, Cidade Universitária. A narração alerta para o crescimento da cidade, ameaçando as áreas verdes. Os dois depoimentos são prejudicados pela edição. As imagens, possivelmente do início da década de 1980, formam um importante registro da diminuição das áreas verdes da cidade. Dir: Não identificada; P: Não identificada; AP: 1982; D: 15’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Closes Casal homossexual protagoniza cenas de amor. Depoimentos de Lauro Nascimentos, Eleonora Menicucci, Henrique Magalhães e de populares sobre homossexualidade. As entrevistas foram feitas no centro de João Pessoa e no campus da UFPB. Dir: Pedro Nunes; P: Pedro Nunes; AP: 1982; D: 32’; Super-8; Cor; Sonoro.

Comunicação e Comunidade Jornalistas, professores e alunos falam sobre o curso de Comunicação Social da UFPB. Depoimentos dos jornalistas Carlos Aranha e Walter Galvão, dos professores Albino Rubin, Pedro Santos e Regina Saraiva e dos alunos Glória Rabay e Newton Jr. Trabalho da disciplina Técnicas de Cinema, do professor Manoel Clemente. Dir: Coletiva; P: DAC/UFPB; AP: 1981; D: 19’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Construção do Espaço Cultural Contraponto entre a construção do grandioso Espaço Cultural, no bairro de Tambauzinho, e o abandono do Teatro Santa Roza, situado no centro de João Pessoa. A trilha sonora é um relato crítico da situação, feito pelo próprio realizador, em um tom quase epistolar. O filme aborda questões relativas à política cultural e de ocupação dos espaços públicos na Paraíba. Dir: Elpídio Navarro; P: Elpídio Navarro; AP: 19801; D: 07’; Super-8; Cor; Sonoro.

O Coqueiro Narrador conta a história do coqueiro e de como a árvore se espalhou pelo Brasil. Imagens de trabalhadores tirando o coco, descascando o fruto e manipulando a palha. Caminhões são carregados de coco seco. Empresário fala dos números da produção do coco no município de Lucena, no litoral norte da Paraíba.

Do Oprimido ao Encarcerado O trabalho da professora Maria Salete Van Der Poel com detentos do presídio do Roger, em João Pessoa. Dir: Marcus Antonio (Vilar); P: NUDOC; AP: 1982; D: 13’; Super-8; Cor; Sonoro (com problemas).

Dir: Alex Santos; P: Solama Filmes; AP: 1977; D: 13’; Super-8; Cor; Sonoro. Créditos detalhados no filme: Prêmio “18 anos de Sudene” no Primeiro Festival de Super-8 do Recife, 1977; Narração e apresentação: José Cornélio; Fotografia, Câmera e Montagem: Alex Santos; Apoio: ACCP, Cinema Educativo da Paraíba e Antonio Barreto Neto.

Dança em João Pessoa José Enoch fala do trabalho e das aulas do seu estúdio e do preconceito em relação aos bailarinos do sexo masculino. O mesmo tema é explorado por Zeta Farias, responsável pelo setor de dança do Teatro Santa Roza, em João Pessoa. Dir: Não identificada; P: Não identificada; AP: 198?; D: 12’; Super-8; Cor; Sonoro.

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É Romão pra qui É Romão pra colá Romão, tocador de um instrumento musical rústico, é procurado pela realizadora. Ela o encontra, ele toca o instrumento. Na feira, reúne pessoas em torno de sua performance. No parque de diversões, acompanhado pela realizadora, embarca na roda gigante. Depois, anda de aviãozinho. Dir: Vânia Perazzo Barbosa; P: NUDOC/VARAN; AP: 1981; D: 13’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Em Qualquer Cidade A partir de imagens de anônimos transitando no centro de João Pessoa, realizador lê texto sobre as desventuras de trabalhadores explorados na cidade. Dir: José Barbosa; P: NUDOC; AP: 198?; D: 06’; Super-8; Cor; Sonoro. Experimental.

Era vermelho seu batom Esperando João Relação homoafetiva no Carnaval de Baía da Traição, no Litoral Norte da Paraíba. Desfile do bloco “Virgens das Trincheiras”. Dir: Henrique Magalhães; P: Henrique Magalhães; AP: 1983; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro. Ficção. Créditos detalhados no filme: Fotografia: Torquato Lima; Montagem: Newton Junior e Henrique Magalhães; Som: Everaldo Vasconcelos; Fotos de cena: Bertrand Lira.

Seis personagens, três homens e três mulheres incorporam Anayde Beiriz, namorada de João Dantas, assassino de João Pessoa. Os personagens refletem sobre a condição da mulher na conservadora e machista sociedade paraibana. Livremente inspirado no livro Anayde Beiriz, de José Joffily. Dir: Jomard Muniz de Britto; P: Jomard Muniz de Britto; AP: 1981; D: 28’; Super-8; Cor; Sonoro. Ficção. Créditos detalhados no filme: Glória Rabay, Juanito, Annelsina Trigueiro de Lima Gomes (Neta), Paulo Vieira, Ana Lúcia Toledo, Francisco Marto (Perequeté); Participação especial: Lauro Vasconcelos Nascimento; Textos: Anayde Beiriz, José Joffily, Jurandy Moura, Eulajose Dias de Araújo, João Ramiro Farias de Mello, Jomar Morais Souto, Maria José Limeira, Terezinha Fialho; Narração: Conceição Accioly; Montagem e sonorização: Lima; Assistente de montagem: Heliane Barros; Letreiros: Astrogilda Paes de Andrade; Assistentes de produção: Pedro Nunes e Luiz Carlos Vasconcelos.

167

Favela da Gauchinha

Festa de Oxum

Registro das obras feitas pelo governo do estado da Paraíba na Favela da Gauchinha, comunidade periférica de João Pessoa. Este trabalho é exaltado pelo presidente da Associação de Moradores do local. Uma moradora, ressaltando o interesse político eleitoral do governo, reconhece a atuação da primeira dama Lúcia Braga e afirma que a favela tornou-se um bairro, dizendo “temos praça, quem quiser ir para a praça não tem flores não, mas a praça taí”.

Preparação da comida para Oxum e outros orixás. O ritual é acompanhado em detalhes: música, transe. Filmado no terreiro Oxum Neli, fundado em 24 de dezembro de 1981.

Dir e P: Aliene, Baltazar, Celiane Germano, J. Ancheita, Lindalva e R. Nonato; AP: 1983-6; D: 08’; Super-8; Cor; Sonoro.1981; D: 13’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Dir: Everaldo Vasconcelos; P: NUDOC; AP: 1982; D: 12’; Super-8; Cor; Sonoro.

Festa do Rosário de Pombal Aspectos do evento religioso e profano que acontece na cidade paraibana de Pombal, reunindo uma grande multidão. Dir: Jurandy Moura; P: UFPB/Museu da Imagem e do Som/Fundação Nacional de Arte; AP: 1977; D: 22’; 16 mm; P&B; Sonoro. Créditos detalhados no filme: Montagem: Machado Bitencourt; Som: Aluísio Ferreira.

Filhos do Mundo (registro)

Gadanho A condição de exclusão social das centenas de pessoas que vivem do lixo do Varadouro Municipal de João Pessoa. Discurso de Figueiredo sobre imagens de crianças disputando lixo com urubus. Música de Villa-Lobos e Piazzola contrastando com a rotina do lixão. Depoimento de morador que volta ao local depois de 12 anos no Rio, indignado com a exigência de carteirinha para quem for catar o lixo. Fala da socióloga, tenta explicar a situação dos lixões a partir da luta dos trabalhadores por melhores salários, achatados “em mais de 70%” desde 1964. Dir: João de Lima e Pedro Nunes; P: Dos realizadores; AP: 1979; D: 20’; Super-8; Cor; Sonoro (problemas de áudio em quase todo o filme).

Imagens de crianças perambulando pelo centro de João Pessoa. Flagrantes de trabalho infantil. Depoimentos de Mário de Moura Resende, juiz de menores, e do delegado de menores Martinho Lisboa. Trabalho da disciplina Técnicas de Cinema, do professor Manoel Clemente. Dir: Coletiva; P: DAC/UFPB; AP: 1981; D: 16’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Greve de Fome

Grupo Terra

Registro da greve de fome dos estudantes da UFPB contra o fim dos subsídios ao restaurante universitário. Um dos estudantes em greve é o músico Chico César. Manifestação em frente à Fundação José Américo, responsável pela manutenção do restaurante.

Em São José do Rio Preto (SP), integrantes do Grupo Terra participam de festival de teatro. Na cidade paulista, Marcélia Cartaxo, Soia Lira, Lincoln Rolim e Nanego Lira falam sobre o trabalho do Terra.

Dir: João de Lima e Marcus Vilar; P: NUDOC; AP: 1984; D: 03’; Super-8; Cor; Mudo.

Greve na UFPB Narrador explica que os alunos do curso de Cinema Direto do NUDOC, em solidariedade ao movimento de professores e funcionários da UFPB, colocaram equipamentos e técnicos à disposição da greve que paralisou a Universidade. Registro de assembleias no auditório do Centro de Tecnologia. Depoimentos do professor Pedro Secatto e do funcionário Sérgio Botelho, do estudante Avenzoar Arruda e de outros professores. No centro de João Pessoa, pessoas falam sobre a greve da UFPB. Dir: Coletiva; P: NUDOC; AP: 1982; D: 35’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Dir: Não identificada; P: Não identificada; AP: 1982; D: 14’; Super-8; Cor; Sonoro.

O Incrível roubo da torre Eiffel Henrique Magalhães, Torquato Joel e outros simulam o roubo da Torre Eiffel, símbolo da cultura francesa. Curta experimental filmado em Paris pelos estagiários do Atelier de Cinema Direto da Associação Varan. Dir: Everaldo Vasconcelos; P: Atelier Varan; AP: 1981; D: 05’; Super-8; Cor; Sonoro.

Itacoatiara A pedra no caminho

João Pessoa Turística (registro)

As inscrições rupestres localizadas no município do Ingá, na Paraíba, são discutidas pela arqueóloga Ruth Almeida, pelo artista plástico Raul Córdula, por um especialista local, João Zito, e pelo enigmático Sr. K (Kubistchek Pinheiro).

Imagens de João Pessoa: a rodoviária, Praça João Pessoa, Lagoa do Parque Solon de Lucena, ruas de comércio, praias, Hotel Tambaú, Ponta do Cabo Branco. O final é no aeroporto Castro Pinto.

Dir: Torquato Lima; P: UFPB/PRAC/NUDOC; AP: 1987; D: 15’; 16 mm; P&B; Sonoro. Créditos detalhados no filme: Fotografia: Manoel Clemente; Montagem: Manfredo Caldas.

Dir: Gilberto Pekala; P: NUDOC; AP: 198?; D: 06’; Super-8; Cor; Sonoro.

La Crise Est Mondiale Cartão postal sonoro de Pedro Santos. O realizador narra suas impressões de Paris. Ressalta ser uma cidade de imigrantes, vítimas da crise europeia e chama atenção à vida privilegiada dos cachorros parisienses. Pedro Santos se diz muito satisfeito com a metodologia do estágio no Atelier Varan, enfatizando o desapego da instituição. Em francês, Jean Rouch (sentado no chão) debate com alunos técnicas de filmagem. Dir: Pedro Santos; P: Varan; AP: 1980; D: 05’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Manipueira

Margarida Sempre Viva

Homens arrancam mandioca da terra. Na prensa, extrai-se a manipueira, líquido venenoso, mas que após depurado serve de alimento, e a goma, vendida nas feiras e usada para o preparo de beiju e da tapioca.

Crédito inicial: “este filme é dedicado às mulheres do campo”. A morte de Margarida Maria Alves. Enterro dela em 12/08/83. Casimiro Alves, viúvo de Margarida fala ao telefone. O deputado Assis Camelo fala ao telefone ao lado do viúvo. Em seu gabinete, Fernando Milanez, secretário de segurança pública, fala das providências da polícia, sendo observado por Casimiro. Ato público em Alagoa Grande em 16/08/83 em repúdio ao assassinato de Margarida, com cinco mil pessoas presentes. Discursos do deputado Airton Soares (PT-SP) e de lideranças sindicais. Em 28/08/2013 tem início a campanha salarial dos trabalhadores rurais de Alagoa Grande, com grande manifestação embaixo de chuva. Criança, testemunha do crime, conta como foi o assassinato, que é reconstituído. Narradora fala de Agnaldo Veloso Borges, do Grupo da Várzea e de seu peso político. Um dos acusados do crime presta depoimento ao delegado Rosas. Imagens de Margarida durante comício, em que pede a reforma agrária, e em reportagem de TV: “só paro de falar quando estiver morta”. Depoimentos de Eleonora Oliveira (Mennecucci), do delegado Gilberto Rosas, encarregado das investigações, de Maria da Penha, do presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Alagoa Grande e da presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Cuitegi.

Dir: Maria Aparecida; P: NUDOC; AP: 1982; D: 12’; Super-8; Cor; Sonoro.

Dir: Cláudio Barroso; P: CENTRU – Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural – e PL Produções Visuais; AP: 1983; D: 41’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Maria

Matadouro

Maria e o policial.

Registro de uma vaquejada em local não identificado. Aspectos da festa. A derrubada dos animais no curral. Em outro cenário, homens tiram couro e retalham um bode.

Dir: Henrique Magalhães; P: Varan; AP: 1981; D: 01’; Super-8; Cor; Sonoro. Animação.

Dir: Luis Veríssimo; P: NUDOC; AP: 198?; D: 14’; Super-8; Cor; Sonoro.

O Menor Crianças de um bairro periférico dizem o que querem ser quando crescerem. Representante do poder público discorre sobre o problema social dos menores que vivem nas ruas de João Pessoa, muitos dos quais são infratores. Dir: João Gauvíncio; P: NUDOC; AP: 1983; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.

Mercado do Peixe de Tambaú (registro) No mercado da praia de Tambaú, em João Pessoa, pescadores e vendedores limpam peixes e falam da rotina da profissão. Registro de atividade da colônia de pescadores de Tambaú, patrimônio cultural do bairro praiano. Dir: Não identificada; P: NUDOC; AP: 198?; D: 05’; Super-8; Cor; Sonoro.

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O Mestre de Obras

Miserere Nobis

Retrata o cotidiano do trabalho de mestres de obras. Pedreiro em conversa com familiares diz que está construindo casa para a filha e que precisa da ajuda de todos os membros da família. Ele afirma para a família: “a casa é um patrimônio de vocês”. Trilha musical de Chico César.

Um filme de temática homoerótica, primoroso na construção simbólica da narrativa, cuja fotografia, montagem e trilha sonora se destacam entre os filmes catalogados neste acervo. A Santa Ceia ganha nova dimensão com a presença dos personagens apresentados ao longo do filme.

Dir: Newton Araújo Jr.; P: NUDOC; AP: 1981; D: 16’; Super-8; Cor; Sonoro (com problemas).

Dir: Lauro Nascimento; P: Lauro Nascimento; AP: 1982; D: 23’; Super-8; Cor; Sonoro. Ficção.

Misticismo – Folguedos Música sem e Tradições Preconceitos Procissão marítima de São Pedro sai de uma praia de Cabedelo, passa pelo estuário do rio Paraíba e termina na praia fluvial de Jacaré. A narração em off acentua um tom “institucional” que enaltece as manifestações populares dos pescadores – como as Cambindas de Lucena e Coco Praieiro – definido-as como manifestações folclóricas, religiosas e profanas.

Em estilo docudrama, jovem encontra amigo na praia e marca encontro em casa para ouvir e tocar rock. No centro da cidade, pessoas falam sobre música. Os jovens tocam música (captada parcialmente). Depoimento de Bráulio Tavares durante apresentação musical. O realizador dá o seu depoimento. Na praia, garota viaja ao som do Pink Floyd.

Dir: Alex Santos; P; Solama Filmes/NUPPO; AP: 1980-1; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.

Dir: Alberto Júnior; P: NUDOC; AP: 1983; D: 26’; Super-8; Cor; Sonoro.

Mônica Passos A cantora brasileira Mônica Passos no palco em Paris. Em seu pequeno apartamento prepara refeição. No estúdio grava a música “Itaipu”. Fala de sua revolta contra a usina, que agride a natureza. Em um parque, canta “Itaipu”. Sua voz poderosa reproduz sons de pássaros. Joga pedras na água, criando analogia visual com ondas sonoras. Com o marido violonista caminha, de modo brincalhão, distanciando-se da câmera.

Créditos detalhados no filme: Câmera: Alberto Júnior, Pedro Nunes, Fernando Melo; Som direto: Fernando Melo, Fernando Falcone; Música: Queen, O Terço, Washington, David Gilmour, Pink Floyd; Participação: Washington, Otávio, Newton, Alberto Júnior, Juliana Vilar, Roberto Chianca; “Dedico este filme a todas as pessoas que curtem a música, e em especial aos roqueiros do Brasil”. Alberto Júnior.

Dir: Elisa Cabral; P: VARAN; AP: 1981-2; D: 23’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Não se Preocupe, Mamãe Nós, os Agricultores Estudante deixa a sala de aula do Departamento de Camuçim de Artes e Comunicações da UFPB e vai para a “república” em que mora. Lê carta da irmã. No restaurante universitário, sobe na mesa, anuncia o seu aniversário e propõe brinde. Canção de Chico César, um dos realizadores. Dir: Coletiva; P: Não identificada; AP: 1982; D: 04’; Super-8; Cor; Sonoro (mudo no final). Ficção.

Na zona rural do município de Pitimbu (PB), famílias lutam pela posse da terra em confronto com a destilaria Tabu. Os agricultores fazem vigília em frente ao Palácio da Redenção, sede do governo da Paraíba. Depoimentos de trabalhadores ameaçados e espancados por capangas da destilaria. Narrador comenta as ações do governador e a atuação da imprensa no caso. Crianças relatam a ação violenta da polícia. Narrador lista as exigências dos agricultores. O filme vai além de um registro ou reportagem, transformando-se, através do narrador, que se assume como um dos agricultores, e da montagem, como sujeito ativo da luta pela posse da terra. Nesse sentido é emblemática a estrutura do filme ser centrada em uma marcha, composta em sua maioria por crianças, que ao som marcante de tambores, percorrem a fazenda Camuçim. Dir: Não identificada; P: CEDOP; AP: 1981-2; D: 26’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Padre Zé Estende a Mão

Pássaros na Cabeça

O cotidiano do Padre José Coutinho, responsável por abrigo e hospital que atende pessoas carentes de João Pessoa.

José Altino faz gravura em seu ateliê. Exposição no Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB NAC. Depoimento de um crítico e de uma amiga e do próprio artista. Voz feminina lê carta ao amigo: discorre sobre arte, cultura, fome e dinheiro.

Dir: Jurandy Moura; P: Jurandy Moura; AP: 1972; D: 26’; 16 mm; P&B; Sonoro. Créditos detalhados no filme: Fotografia: João Córdula; Montagem: Manfredo Caldas; Títulos: J. Altino; P: ACCP.

Dir: Manfredo Caldas e Marcus Antonio Vilar; P: NUDOC; AP: 1985; D: 12’; Super-8; Cor; Sonoro.

Palco em Pauta

Pastoris

A história do teatro em Cajazeiras. Eliezer Filho conversa com professor que fez teatro no passado. Ubiratan de Assis fala de grupos de teatro da cidade. O jornalista Gutemberg Cardoso também fala do tema. O ator Lincoln Rolim conta a passagem do Grupo Mickey para o Grupo Terra, que teve espetáculo censurado em Campina Grande. Marcélia Caaxo em cena. Buda Lira é entrevista por Ubiratan em programa de rádio. Créditos sonoros.

Apresentação pastoril (cordão azul x cordão encarnado). Alguns intelectuais assistem ao evento. Equipe: Oswaldo Trigueiro, Alex Santos, Ubiramar Vasconcelos, Roberto Coura; P: UFPB/PRAC/ COEX- Divisão de FolkComunicação; AP: 198?; D: 07’; Super-8; Cor; Mudo.

Dir: Everaldo Vasconcelos e Maria das Graças Lira; P: ?; AP: 1982; D: 11’; Super-8; Cor; Sonoro.

177

Pedro Osmar

Piollin (registro)

O músico e agitador cultural Pedro Osmar em casa com a família. Acorda, toma café e sai. Longo poema sobre a liberdade é lido em off. De carona vai ao Teatro Santa Roza, em João Pessoa, onde fará show com Jarbas Mariz. Fala do movimento cultural Jaguaribe Carne. Depoimentos de Jarbas Mariz, Chico César, Elba Ramalho e da mulher de Pedro Osmar. Imagens do show no Santa Roza. Entre uma canção e outra, Osmar convoca plateia para participar de ato contra o aumento das passagens de ônibus.

O palhaço Xuxu (Luis Carlos Vasconcelos) na rua. Depoimento do ator Luis Carlos V. A Piollin por dentro: sala, cinema, cartazes e teatro de mamulengo. Na parte externa do teatro, Ednaldo do Egito apresenta cenas de circo para o público. Na parte interna, aulas de teatro e dança e cenas dos dormitórios.

Dir: Otávio Maia; P: NUDOC; AP: 1982; D: 28’; Super-8; Cor; Sonoro.

Primeiro de Maio

Perequeté A vida do ator e dançarino Francisco Marto, o Perequeté, que, com muita garra, tenta superar o preconceito contra o artista e a homossexualidade na província. Cenas das filmagens de Esperando João, em que Perequeté atua. Dir: Bertrand Lira; P: NUDOC; AP: 1981; D: 21’; Super-8; Cor; Sonoro.

Dir: Elpídio Navarro; P: Sol Filmes; AP: 198?; D: 30’; Super-8; Cor; Mudo.

Trem vai em direção a Bayeux (PB). Cenas de bairro com casas de taipa e ruas alagadas. Essas imagens são intercaladas com a encenação do Calvário pela comunidade durante a Semana Santa, denotando a intenção do filme de associar o sofrimento da população ao martírio de Cristo. Na principal avenida da cidade de Bayeux comunidades participam de manifestação do Primeiro de Maio, empunhando cartazes com demandas e reclamações. Aspectos de uma comunidade ribeirinha, com destaque para o trabalho em torno da pesca de caranguejo e as atividades de um armazém comunitário. Presença de mulheres religiosas. Uma missa celebrada ao ar livre reúne muitas pessoas, inclusive crianças. Dir: Não identificada; P: CEDOP; AP: 1982/3; D: 37’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Quando um bairro não se cala Registro das atividades do Fala Jaguaribe, movimento de moradores de Jaguaribe, bairro de João Pessoa. Depoimentos de Pedro Osmar e Vandinho – integrantes do movimento –, do artista plástico Nandy Lisboa e do jornalista Sílvio Osias, moradores de bairro. Osias foi convidado pelo realizador a assistir a uma reunião do Fala Jaguaribe. Representante do Círculo Operário comenta divergências entre o Círculo e o Fala Jaguaribe. Imagens de festa do dia da criança promovida pelo movimento nas ruas do bairro. Dir: Marcus Antonio Vilar; P: NUDOC; AP: 1983; D: 13’; Super-8; Cor; Sonoro.

Registro “Este trabalho é dedicado aos companheiros ‘fura-greves’ e aos que se omitiram da luta, entendendo que o conjunto de reivindicações contra o ensino pago, por melhores condições de ensino, por uma universidade democrática e contra o projeto de autarquias especiais imposto pelo MEC, é uma luta ampla que compromete todos os estudantes na construção de uma nova sociedade”. Os estudantes da UFPB entram em greve contra o aumento de 230% das tarifas do Restaurante Universitário. Lutam ainda pelo ensino público e gratuito e contra as taxas impostas pelo MEC. Os estudantes vão em passeata ao centro da cidade, passando pela sede da Fundação José Américo e pelo Cinema Municipal, que exibe Lúcio Flávio e Nos Embalos de Ipanema. Na Reitoria, reúnemse com o reitor e outros representantes da UFPB. Em entrevista, líder fala do décimo terceiro dia do movimento. Crédito final: A Luta Continua. Dir: Pedro Nunes; P: DCE da UFPB; AP: 1979; D: 24’; Super-8; Cor; Sonoro.

Rodoviária Comerciantes reclamam do valor do aluguel a ser pago pelas lojas da nova rodoviária de João Pessoa. Imagens do novo terminal e da antiga rodoviária. Dir: Marcus Antonio Vilar; P: NUDOC; AP: 1981/2; D: 04’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Sagrada Família

Sem Título 1

A família do realizador é o tema do filme. O pai, fala hesitante. Varre a casa. No quintal, faz um balanço melancólico da sua vida. A mãe, enquanto descasca milho, revela timidez, cansaço, tristeza e vaidade. Os irmãos fogem da câmera. A avó relembra a morte do marido. Um mergulho corajoso no universo pessoal.

Homem percorre mata e realizadora pergunta qual a utilidade das folhas e cipós de algumas árvores. Na sua casa (de taipa), ele explica as fibras e folhas que usou para construí-la. O tema central gira em torno do trabalho extrativista.

Dir: Everaldo Vasconcelos; P: NUDOC; AP: 1981; D: 14’; Super-8; Cor; Sonoro.

Seca Na zona rural de Orós, Ceará, agricultores falam da migração decorrente da seca e de seus planos para o futuro. Um deles se refere ao fenômeno da seca, citando a conversa com um compadre “os astrônomos sabem menos que Deus uma coisinha bem pouquinha”. Outro fala de migração para o Centro e Sudeste do país: “Não é tanto por vaidade. É fome, meu amigo”. Mulher comenta a importância da televisão na zona rural: “É muito bom para quem mora em sítio, onde não há diversão”. Cabeleireiro executa seu trabalho em troca de alimentos e relembra, com um dos seus clientes, situações vividas em São Paulo. Dir: Torquato Joel; P: Universidade Federal da Paraíba, Núcleo de Produção Cinematográfica, Atelier de Cinema Direto – NUDOC, Association Varan de Paris; AP: 1982; D: 16’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Dir: Vânia Perazzo; P: NUDOC; AP: 1981; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro.

Sem título 2 Mulher fala sobre sua condição homossexual. Depoimentos foram gravados na casa dela, na Casa da Pólvora, monumento histórico no centro de João Pessoa, e na Bica (zoológico da cidade), ao lado da jaula dos felinos. Dir: Não identificada; P: NUDOC; AP: 1981; D: 07’; Super-8; Cor; Sonoro.

Sem título 3 Índios entram na Assembleia Legislativa da Paraíba. Grupo de indígenas demarca terras. Em depoimentos, eles dizem que fazem o trabalho por conta própria. No fundo, grandes tanques de armazenamento do que parece ser uma destilaria. Dir: José Humberto Nascimento (Tiuré); P: CTI; AP: 198?; D: 07’; Super-8; Cor; Sonoro.

Sem título 4

Sinal Vermelho

Noilton, líder indígena da Bahia, fala das ações dos índios pela posse das suas terras. O deputado Mário Juruna faz discurso político em um povoado. Potiguara reclama de demarcação de terra prometida pelo presidente Médici. Menciona documento conseguido no Museu Nacional do Índio.

“Um filme feito por ocasião da CF 87 ‘O Menor e a Fraternidade’”. Garoto pobre é obrigado pelo pai a se virar para comer. Tenta vender envelopes nos Correios, mas é expulso. Com colega perambula pelo centro de João Pessoa com fome. É enxotado de restaurante, e vai cheirar cola com outros meninos. Sonha jogar bola, com mesa de comida e a família ao redor, na praia. É preso após roubar homem. Na prisão, imagens fortes de menores. No final, texto afirma a necessidade do povo se organizar para lutar contra a miséria que obriga crianças a roubar e matar para sobreviver. Imagens iniciais e finais feitas com lente vermelha.

Dir: José Humberto Nascimento (Tiuré); P: CTI; AP: 198?; D: 22’; Super-8; Cor; Sonoro.

Dir: Não identificado; P: CEDOP; AP: 1987; D: 30’; Super-8; Cor; Sonoro. Ficção.

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Sobre as Rendas

Sucata

Elza Oliveira fala sobre (e demonstra) processo de confecção das rendas: ”muito trabalho, pouco dinheiro”. Mostra fotos das rendeiras de Maceió, onde morava.

A rotina de Geraldo Alexandre dos Santos, pescador do rio Sanhauá, que divide as cidades de Bayeux e João Pessoa. O pescador mora com a família em uma palafita.

Dir: Elisa Maria Cabral; P: NUDOC; AP: 198?; D: 06’; Super-8; Cor; Sonoro.

Dir: Elpídio Navarro; P: Sol Filmes; AP: 1981; D: 11’; Super-8; Cor; Sonoro. Créditos detalhados no filme: Fotografia: Romeu Fernandes; Roteiro: Assis Fernandes; Edição: Elpídio Navarro.

Sonho destrela Em Cajazeiras, sertão da Paraíba, a cantora Núbia Galvão (nome artístico em homenagem a cantora Núbia Lafaerte) fala das dificuldades que enfrentou quando tentou carreira profissional. Em 1973 foi ao programa do Chacrinha, no Rio de Janeiro, mas se frustrou por não ter conseguido sucesso. Percorre sua cidade vendendo perfumes, dando aulas de violão e ainda canta serestas. Dir: Eliezer Filho; P: NUDOC; AP: 1982; D: 23’; Super-8; Cor; Sonoro (problemas de áudio em quase todo o filme).

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Tá na rua

Tarô

O diretor e ator Amir Haddad conta a trajetória do grupo teatral Tá na Rua, surgido na década de 1970, em pleno governo Médici, auge da ditadura militar. Enquanto se preparam para mais um espetáculo, e ao som de clássicos da MPB, Haddad diz que o grupo transformou um texto de louvação ao autoritarismo, escrito em 1936, “Morrer pela Pátria”, em crítica ao autoritarismo brasileiro. “Por baixo do autoritarismo está o cadáver do povo”. O Grupo apresenta-se para o povo no Mercado Central.

A realizadora tenta entender os mistérios das cartas do Tarô. Em restaurante ela e Marcus Vilar conversam, em francês, sobre a realização do filme. Em outra cena, sempre em francês, a realizadora se diz insatisfeita com a pesquisa. Imagem do livro Jung and Tarot. Casal punk em Londres.

Dir: Henrique Magalhães; P: NUDOC; AP: 1981; D: 15’; Super-8; Cor; Sonoro.

Dir: Elisa Cabral; P: VARAN; AP: 1985; D: 20’; Super-8; Cor; Sonoro. Experimental.

Tele-Visões Estimulados a falar sobre o que assistem na televisão, trabalhadores da Usina Santana dão seus depoimentos sobre o assunto. Uma entrevistada ressalta a importância de ser filmada e ter se visto na tela. Repete-se várias vezes a abertura da telenovela Selva de Pedra, da Globo, e algumas cenas da trama são exibidas. Outras cenas da Globo: Jornal Nacional, seriado americano Duro na Queda e abertura do Fantástico. Homem usa bateria de trator para ligar TV. Nos créditos finais, a realizadora entra em cena e grava sua imagem manuseando fotos das entrevistadas. Os créditos são apresentados “dentro” de uma TV. Um televisor “plantando” no chão liga-se à abertura da novela. Dir: Elisa Cabral; P: Elisa Cabral; AP: 1986; D: 22’; Super-8; Cor; Sonoro.

183

TPF (registro)

Vaquejada

Uma Kombi percorre ruas com carro de som exaltando a TFP – Tradição, Família e Propriedade – grupo de extrema direita ligado à Igreja Católica. Destaque para a enorme bandeira da TFP. Populares observam o carro. Militante entrega publicação para passageira de ônibus. Outro conversa com padre.

A 21ª Vaquejada de Pombal, cidade paraibana. Depoimentos de moradores da região. Cenas da vaquejada. Um longo aboio “comenta” aspectos do evento. No curral, vaqueiros derrubam os animais. Trechos mudos mostram pessoas dançando no terreiro. Senhora conta que as vaquejadas do passado eram “elegantes” e “decentes”. Uma dupla de repentistas confronta as vaquejadas do passado com aspectos das vaquejadas realizadas no início dos anos 1980.

Dir: Carlos Alberto; P: Não identificada; AP: 198?; D: 04’; Super-8; Cor; Sonoro.

Umbanda Sobras do filme Festa de Oxum, do mesmo realizador. Dir: Everaldo Vasconcelos; P: NUDOC; AP: 1982; D: 12’; Super-8; Cor; Sonoro.

Um homem de Rádio Em Paris, Claude, da Radio France, fala do seu trabalho como correspondente internacional. No estúdio cita Jean Rouch, Jacques Dartuy, Pedro Santos, Cinema Direto. Manifestação em Paris contra atentado antisemita. Dir: Pedro Santos; P: NUDOC; AP: 1980; D: 13’; Super-8; Cor; Sonoro.

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Dir: Carlos Alberto; P: NUDOC; AP: 198?; D: 20’; Super-8; Cor; Sonoro (algumas partes sem som).

23 Barões Em frente ao bar Sinatra, professor fala da Associação dos Docentes da UFPB – Campina Grande. Imagens do centro da cidade, com destaque para a livraria Livro 7. Reunião da Associação, com discussão sobre uso de verba para cultura. Homem lê texto de Revolução do Cinema Novo, de Glauber Rocha. Grupo faz cartelas: 23 barões, Cinema Dínamo. O título refere-se a uma verba de 23 milhões de cruzeiros antigos que a Associação dispõe para atividades culturais. “Barão” era o nome popular da cédula de milhão de cruzeiros antigos. Dir: Rômulo Azevedo e Romero Azevedo P: Associação dos Professores da UFPB (Campina Grande); AP: 1983; D: 10’; Super-8; Cor; Sonoro. Ficção.

24 Horas

Visões do Mangue

Cenas ficcionais, imagens de registro e depoimentos discutem a questão do alcoolismo. Participações do jornalista Anco Márcio e do ator Fernando Teixeira.

Catador do mangue fala do “pai do mangue”, o “batatão”, aquele que “se transforma em todas as posições”: homem, gato, tocha de fogo, mas não faz mal a ninguém, só espanta a pescaria. Outro catador fala de sua opção religiosa e diz preferir “a lei dos crentes que a lei dos católicos”. O filme mostra imagens do mangue, evidenciando a dura batalha de quem sobrevive da cata do caranguejo. Um trabalhador afirma, enquanto descansa que “se mangue não tivesse mosquito, muriçoca, maruim nem toco era pros ricos, não era pros pobres, por que logo eles secavam logo um pedaço para eles, pegava mais da metade”. Filmado em comunidade às margens do rio Sanhuá.

Dir: Marcus Vilar; P: UFPB/PRAC/NUDOC; AP: 1987; D: 17’; 16 mm; P&B; Sonoro. Créditos detalhados no filme: Fotografia: Manoel Clemente; Montagem: Carlos Cox.

Dir: Elisa Cabral; P: NUDOC; AP: 1982; D: 14’; Super-8; Cor; Sonoro.

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