Cinema e televisão: um roteiro de diferenças e aproximações

May 24, 2017 | Autor: E. Cintra Torres | Categoria: Television Studies, Cinema, Television, Televisão, Cinema and Television, Estudos De Televisão
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Cinema e televisão: um roteiro de diferenças e aproximações Resumo/abstract Cinema e televisão partilham a mesma característica técnica fundamental — a disponibilização de som e imagem em ecrãs — mas cresceram de modo diferente em aspectos fundamentais, como o formato industrial e a forma de apresentação em público, nomeadamente quanto ao tempo e ao espaço. Essas divergências motivaram diferenças nos conteúdos, na recepção e no desenvolvimento de linguagens próprias. Nesta comunicação, utilizo elementos históricos e da actualidade, para mostrar semelhanças e diferenças e procurar estabelecer um quadro geral actual resultante da mais relevante e porventura única revolução mediática dos últimos setenta anos: a revolução técnica digital, que unificou o processo de produção, emissão e recepção de media antes quase estanques, como o cinema, a televisão e a imprensa. Pretendo que a reflexão a partir de informações geralmente consideradas “óbvias” ajude a esclarecer o que análises especializadas por vezes não elucidam. Pretendo dizer com informações geralmente consideradas “óbvias” que muitas vezes as deixamos de lado, por fazerem parte do que consideramos adquirido. Mas elas ajudam a explicar, por vezes revelam uma realidade que estava escondida. Portanto, o que parece óbvio normalmente não é óbvio — ou deixa de os ser. O filósofo Fernando Gil escreveu um Tratado da Evidência (1993) precisamente para mostrar como o que parece evidente não é evidente. Espero, assim, justificar a utilização de factos “evidentes” que me servem para alinhar o argumento desta comunicação.

Depois de 1940, a Metro Goldwin Mayer decidiu deixar de produzir 50 filmes por ano e passou para metade. Quer dizer, uma das maiores produtoras do mundo criava cerca de 100 horas de conteúdos por ano e passou a criar cerca de 50. Já um canal de televisão 24 horas por dia apresenta 8760 horas por ano. Se considerarmos que apenas metade é produção própria ou exclusiva teremos um total de 4380 horas de conteúdos originais por ano. Isto é, 43 ou 88 ou vezes mais do que um dos principais estúdios de cinema. Como a emissão também custa muito trabalho e dinheiro, temos de considerar a comparação da totalidade da emissão: um canal de TV que transmita 24 horas por dia apresenta mais 88 ou 175 horas em média do que a MGM nos seus anos pré- ou pós-1940. Só este elemento da economia de produção, de tempo e de modo de apresentação teria de obrigatoriamente diferenciar os dois media. Os conteúdos baseados exclusivamente ou em primeiro lugar no som, como a rádio e a 1 de 8

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televisão, são mais fáceis de produzir e mais baratos do que os conteúdos baseados tendencialmente na imagem, como o cinema. As diferenças acentuadas no modo de produção do cinema e no modo de produção da televisão leva a que os grandes conglomerados industriais norte-americanos tenham divisões separadas para os filmes e para os programas de televisão. Esta economia, só por si, distinguiria os próprios conteúdos. Mas todos sabemos que há muito mais diferenças. A principal é a marca do nascimento. O cinema teve a sorte de nascer sem som. Só tinha as imagens para se fazer entender, a que acrescentou depois os entre-títulos. Quem conhece filmes do início do sonoro sabe que houve uma regressão das suas características visuais, por motivos técnicos mas também por se ter considerado obsoleto o modo de narrar exclusivamente pela imagem em movimento. Arrisco dizer que algum cinema do início do sonoro parecia televisão. A televisão, pelo seu lado, não só nasceu com som e com péssima imagem (em comparação com os padrões posteriores e os actuais), como é filha da rádio. Os seus primeiros géneros vieram da rádio: os concursos, o teatro, as palestras, as notícias, os programas de variedades (somando a dança à música), os programas de conversa, depois o folhetim (soap opera, telenovela). A televisão foi original nas séries e mais tarde noutros géneros. A evolução técnica permitiu que, ao fim de poucos anos, a televisão pudesse passar filmes, o que significa que podemos considerar o cinema como um género importante na televisão. Já lá voltarei. Outra diferença fundamental entre o cinema e a televisão, desde a origem, é a forma de recepção. O cinema poderia ter vingado como um media para consumo individual, como no falhado modelo de Thomas Edison nos Estados Unidos. Venceu o modelo Lumière, com recepção colectiva, de massas, num recinto amplo, entre desconhecidos, recintos que vieram a ser propositados para o media, as salas de cinema: na era das massas, um media de massas e um media de massas reunidas. A recepção de massas é marcante, a meu ver, para a própria idealização dos conteúdos, o que é bem patente na teoria e reflexão sobre o cinema até ao começo da II Guerra Mundial. O cinema era para as massas, e as massas estavam nos filmes, fossem eles históricos, de ficção científica, de catástrofes ou de tema mais ou menos social ou político — já para não falar dos John Doe, os protagonistas que, mesmo em filmes intimistas, pretendiam representar o homem comum, o homem das massas. A televisão não nasceu em concreto como um media para recepção em massa. Aliás, não nasceu para nada em especial, nasceu como uma invenção, uma técnica. Foi usada como meio de comunicação ponto a ponto, os nossos 2 de 8

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Skype ou What’s Up, foi usada como banda do cidadão com imagem, e foi também usada como meio para massas reunidas, é verdade, mas por pouco tempo: houve recepção em lugares públicos, como nos armazéns Harrods’ ou estações de comboio em Londres, houve recepção em salas de tipo de cinema, nos Estados Unidos ou durante os Jogos Olímpicos de Berlim. Já num tempo diferente, a RTP também escolheu a Feira Popular de Lisboa para se apresentar nas emissões experimentais. Repito: numa feira e numa feira chamada popular para recepção pública de massas. Todavia, o modelo que se impôs, a partir dos Estados Unidos, foi o do media para a família dos subúrbios. Está nos textos de um dos inventores da formatação do media, David Sarnoff. Dos subúrbios ou da cidade, o importante é que a televisão se destinou ao lar e à família. A diferença em relação ao cinema é enorme. Cinema: saía-se de casa, saía-se para ver um filme (às vezes dois, nas sessões duplas) numa sala própria, em público, no meio de uma multidão. Televisão: ficava-se em casa para ver, ou podendo ver, o que quer que passasse num pequeno ecrã, de manhã, à tarde e à noite, num ambiente privado. Se a esmagadora maioria da produção cinematográfica teve em consideração um público-alvo ou públicos-alvos, mais ainda tal sucedeu na televisão, nomeadamente a partir do momento em que foi possível saber quem viu o quê na véspera ou, no caso, da primeira audimetria, na semana anterior. Um filme tem uma expectativa de público, mas nada é certo; no caso dos programas de televisão seriados, que passam todos os dias ou todas semanas, essa expectativa baseia-se no conhecimento da audiência desses programas ontem, na semana passada, no mês passado, no ano passado. Também não existe certeza, mas há uma segurança na decisão de continuar com um programa, esticá-lo no tempo, ou produzir novas versões ou novos programas nos géneros de sucesso. Julgo que mesmo o cinema de produção cara não tem as mesmas garantias de êxito quando repete fórmulas de filmes com super-heróis, etc. Regresso aos próprios conteúdos. O cinema desenvolveu a sua própria linguagem de imagem e depois de som e imagem, sendo uma das razões por não ser em directo, ao contrário de outras artes audiovisuais, como o teatro, a ópera e outros espectáculos de música, o circo, etc. É uma arte em diferido. Não sendo em directo, e sendo finalizado através de um registo físico, o filme, o cinema podia manipular o espaço e o tempo, e as noções de espaço e de tempo, por processos que nenhuma das outras artes audiovisuais tinha ao seu alcance. Enquanto todo o cinema era, e é, em diferido, toda a televisão, nos seus primeiros anos, era em directo, porque não havia meio de a registar. A existência física do cinema em filme permitiu também a invenção da montagem, ou pelo menos a elevação da montagem à máxima importância na construção do conteúdo. Recordo que a montagem temporal da narrativa já existia há muito 3 de 8

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(talvez desde sempre) na literatura, ficcional ou de realidade, incluindo no jornalismo, mas o cinema tornou-a visível e um elemento fundamental da sua linguagem. Na televisão em directo a “montagem” resultava da escolha de ponto de vista, de câmara, de uma narrativa linear. O tempo do directo distingue-se extraordinariamente do tempo manipulado. O directo cria uma vibração primordial, visceral, com o receptor muito distinta da do tempo manipulado do cinema. A partir do directo e da sua filiação radiofónica, a televisão desenvolveu o seu modo de apresentação e a sua retórica de comunicação, a que chamo a linguagem televisiva e a que podemos chamar também o estilo televisivo. Em resumo: por causa das questões técnicas, por causa do directo, por causa da herança radiofónica, por causa da recepção no lar, por causa da emissão contínua, por causa da quantidade de horas a emitir, por causa dos custos de produção, por causa da variedade de géneros, muitíssimo superior à do cinema, a televisão desenvolveu ao longo das suas primeiras décadas uma linguagem própria, a linguagem televisiva. Esta linguagem própria é utilizada em conteúdos próprios, só seus. Por exemplo, não há reality game shows na rádio, no cinema, em nenhum outro media. Tal como a linguagem cinematográfica, ou mais ainda, a linguagem televisiva tornou-se global. Eu diria que há mais gente a “falar”, ou pelo menos a entender a linguagem televisiva do que a entender o inglês ou o mandarim. É uma linguagem comum em todo mundo, Norte, Sul, democrático, ditatorial, rico, pobre. Ouso dizer que a linguagem televisiva actual, tal como a linguagem cinematográfica hegemónica, ambas com origem nos Estados Unidos, tornou-se a linguagem mais global de todas. No cinema costuma chamar-se ao cinema que usa essa linguagem “cinema comercial” e ao que não usa “cinema de autor”, por exemplo. Na televisão embora haja “programas de autor”, a questão não se coloca porque mesmo esse programas utilizam a linguagem televisiva global. Sem querer elencar as características próprias da linguagem televisiva, ou estilo televisivo, apenas direi que qualquer pessoa, quando liga um ecrã, sabe distinguir a linguagem com que está a contactar: ou é cinema ou é televisão. O mesmo aconteceria se um conteúdo de televisão passasse numa sala de cinema. Sabemos que é em linguagem televisiva. Pode haver confusões, como no caso dos conteúdos realizados por Michael Moore, chamados documentários, mas que são construídos com linguagem televisiva. Daí, talvez, o seu êxito popular. Essa identificação imediata de conteúdos de media diferentes que usam a mesma técnica é, portanto, a identificação que qualquer um de nós faz da linguagem usada por esses conteúdos: ou cinematográfica ou televisiva. Deixo de lado, também, a avaliação da qualidade. O preconceito diz: o cinema “tem qualidade”, a televisão “não tem qualidade”. Ora, se os dois media se podem comparar por serem ambos audiovisuais, a sua qualidade, ou melhor, a 4 de 8

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qualidade dos seus conteúdos, tem de tomar em conta as características própria do media, da sua linguagem, e as características de cada género e de cada conteúdo concreto. Por princípio tem de se partir da tábua rasa: pode existir cinema de qualidade e cinema sem qualidade e pode existir televisão com qualidade e televisão sem qualidade. A qualidade em televisão é, para mim, um tema importante, que já abordei noutras ocasiões, mas que aqui deixo apenas referenciado. Preferia, no tempo que me resta, abordar este tema “cinema e televisão” no presente. A linguagem técnica digital, dos zeros e uns, tornou-se o esperanto técnico de todos os media: imprensa, rádio, televisão, cinema e outras “coisas”, a que me referirei a seguir. A linguagem técnica é a mesma, os meios de produção os meios de emissão e os meios de recepção partilham-na. É a maior revolução na história dos media desde a televisão, depois da imprensa (a maior revolução de todas), do telégrafo, do cinema e da rádio. Em termos de produção, emissão e recepção, um jornal tem hoje vídeos e podcasts, uma rádio tem texto escrito e imagem, a televisão tem conteúdos sem imagem em movimento ou só de texto, pelo menos nos seus canais internet. Só o cinema mantém, em traços gerais, o seu carácter anterior. A interactividade entre produtores e consumidores, capacitada ao máximo pela Internet e por desenvolvimentos na telefonia, ainda não atingiu o seu máximo, não sendo para mim possível afirmar se constitui também uma revolução. Mas há sinais, nomeadamente na imprensa, que passou a reger-se, como a televisão, pelas audiências de conteúdos concretos, através da quantificação dos visionamentos. A imprensa online é já hoje substantivamente diferente, quer por poder juntar som e vídeo, quer pelo conhecimento dos ratings dos artigos concretos. A escrita mudou, nos títulos e textos, a escolha dos temas mudou, os destaques mudaram. O cinema mantém-se no mesmo patamar na relação entre os produtores e receptores. Desconheço se algum produtor ou realizador quer saber qual o minuto do seu filme com mais ou menos audiência quando passou neste ou naquele canal. Julgo que não faz parte da cultura do media. Mas faz da cultura do media televisivo. Quanto à interactividade, penso que, no caso da televisão, estamos numa situação em que: primeiro, mantêm-se alguns tipos de interactividade do passado — o telefonema, a mensagem enviada que é lida ou colocada em rodapé; segundo, a técnica permitiu melhorar muito a capacidade de intervenção dos espectadores em conteúdos que convidam e desejam muito esse tipo de participação — os concursos com votação popular que, se transformaram, aliás, numa fonte de receitas, pelo que é uma interactividade que já existia mas se desenvolveu grandemente; e, terceiro, há o que chamo uma falsa interactividade, 5 de 8

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que é a que é pedida, mas não origina alteração nos conteúdos. Poderia mencionar os resultados falsificados de concursos, que já os houve, e que decerto haverá mais, mas não temos conhecimento. Poderia mencionar a manipulação técnica e de edição/montagem dos conteúdos para favorecer determinados concorrentes que são ou se julga serem alavancas de audiências acrescidas. Mas quero referir-me em particular à interactividade a que os consumidores são solicitados através de meios como redes sociais e sites de programas. Essa interactividade é solicitada, mas não é correspondida. A meu ver, os produtores querem ter rédea livre para decidir sobre os conteúdos, pelo que aceder à opinião dos consumidores seria degradar o seu próprio poder sobre os seus programas. Recordo um estudo sobre recepção de televisão na Índia, já com algumas décadas, em que os investigadores foram levados à sala dum canal de TV onde se guardava o correio. As paredes estavam cobertas com muitos milhares de cartas. Não encontraram um único envelope aberto. Todos fechados. Hoje, o paradigma desta interactividade é o mesmo, mas finge-se que não é. O cinema mantém-se à margem de algumas destas questões. Mas há pelo menos uma que lhe é inescapável: a partilha da mesma linguagem técnica digital e a possibilidade de recepção em todo o tipo de ecrãs, do iMax ao smartphone. O facto de partilhar os seus conteúdos com a televisão em grande escala, já tinha originado um certo género partilhado pelo cinema e pela televisão, o telefilme, film made for television, mais barato que um filme, mais curto, com poucos actores, com mais diálogo, com mais grandes planos e planos médios, etc. Não é carne nem é peixe. As grandes empresas do audiovisual americano vendem-nos em pacotes como sendo filmes, apesar de muitos nunca passarem por uma sala de cinema. Outros desenvolvimentos vieram aproximar cinema e televisão. O receio da produção do cinema — quais as receitas é uma incógnita — fez diminuir a variedade do cinema mainstream ao ponto de afastar muitos espectadores das salas. A melhoria dos equipamentos caseiros, por outro lado, proporciona uma visão excelente de cinema em casa. E se os filmes e a sua chegada ao ecrã já são feitos na linguagem técnica digital, há menos razões para a experiência do filme na sala escura. Tanto mais que a presença em sala de cinema retomou a insolência das primeiras décadas, quando as pessoas falavam, usavam chapéus incomodativos, entravam e saíam, levavam bebés de colo, etc. Hoje a insolência do espectador é falar, entrar e sair, comer e beber e usar o telemóvel. Deste modo, muitos recursos do media cinema passaram para o media televisão. Primeiro, o dinheiro. Muitas apostas em conteúdos televisivos têm receitas garantidas, quer por passarem em canais premium, como a HBO, quer por terem vendas garantidas a algumas ou muitas dezenas de canais em todo o mundo. Segundo, os recursos humanos: os realizadores, os argumentistas, os 6 de 8

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técnicos e os actores. Não só por terem oportunidade de trabalho, mas também por poderem dar largas à criatividade de forma que o receoso mundo do cinema já não permitia. E, ainda, porque encontraram nos géneros seriado e série a possibilidade de desenvolver narrativas longas, épicas, dramáticas, ou cómicodramáticas, com grande profundidade psicológica das personagens. A transferência de meios tornou possível que um único episódio de Game of Thrones, com duração de cerca de uma hora, tivesse um orçamento superior ao de toda a programação anual da RTP2, por exemplo, as tais 8760 horas de emissão. A televisão, que é omnípara, voraz, tudo cria, vai buscar ao cinema o que a pode servir para melhorar, mudar, surpreender. Mesmo na telenovela já há momentos inspirados na linguagem televisiva. Como me disse a autora da telenovela Mar Salgado, nós, os que fazemos novelas, também vemos séries, isto é, as séries norte-americanas. E os das séries vêem cinema e vêm do cinema. Todavia, mantém-se a linguagem televisiva, os seus géneros, os seus formatos. Veja-se o caso de House of Cards na plataforma Netflix. Os episódios da primeira temporada foram todos disponibilizados em simultâneo. Isto é, respeitando o formato televisivo de episódios. Por hipótese, a duração de todos os episódios poderia formar um único episódio de, sei lá, 12 horas. Mas a Netflix não é assim tão revolucionária. Disponibiliza no momento filmes, programas e séries, mesmo as séries que produz, isto é, cinema e televisão, mantendo as linguagens, géneros e formatos dessas duas artes. E não há cá interactividade. Chega-nos o produto final, sem qualquer intervenção do público no conteúdo. Entretanto, há todo um mundo de produção audiovisual que já alterou um pouco as regras do cinema e da televisão. Por causa da Internet, a que chamamos media, apesar de não o ser. Na Internet encontramos centenas de milhares, para não dizer, milhões de conteúdos que começam a afastar-se em algumas características das linguagens do cinema e da televisão. São os vídeos do Youtube e de outras redes sociais, os vídeos pessoais ou colectivos, comunitários ou empresariais. Alguns têm, como todos sabemos, audiências impressionantes de muitos milhões, se bem que ao longo do tempo e não em simultâneo. Algumas das suas características são a curta duração, a qualidade técnica inferior ou muito inferior, a todos os níveis, incidirem bastante sobre pequenos episódios, serem planos longos ou planos-sequência, serem cómicos, terem animais, surpreenderem, poderem prescindir do som, etc. Há outros tipos de vídeos (conversas, extractos de entrevistas, etc.), mas estes são os que me parecem mais interessantes de analisar. A curta duração é o que melhor os caracteriza. O consumo de conteúdos na Internet convida ao consumo de extractos curtos ou de narrativas completas de muito curta duração, como são esses vídeos do leão mimando o cão, o cão o 7 de 8

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gato, o burro o pato, etc. Note-se que o cinema começou com o que hoje chamamos curtas, fez delas um género, e que a programação televisiva é, em grande medida, fragmentada, o fluxo em programas, os programas em rubricas e em intervalos, os intervalos em anúncios, etc. Mas os vídeos da Internet são já outra coisa, independente, sem controle pelas instâncias de poder no cinema e na televisão. Ainda usam a linguagem do cinema e a linguagem da televisão, em especial esta última, mas têm uma autonomia, um poder de atracção e uma audiência que poderá ter implicação para o futuro no cinema e na televisão. Finalmente, faço notar que o cinema já incorporou características da linguagem televisiva e que a televisiva já incorporou os vídeos de telemóvel nos noticiários e até criou programas próprios com vídeos de gatinhos e de crianças a cair do baloiço. Mas poderá haver um ponto de viragem, não sei qual, e recusome a prever, em que haja uma maior aproximação, até ao ponto de fusão, entre as duas linguagens — cinema e televisão — e uma possível nova linguagem, a do vídeo relaxado, com a sua linguagem de amador, que encontrou o paraíso nas redes digitais sociais e outras plataformas de partilha. Para terminar, e, dado que não faço previsões, como acabo de dizer, diria que as linguagens do cinema e da televisão mantêm a sua autonomia e carácter, mas tem havido uma progressiva aproximação. Não sabemos se e até que ponto se fundirão. Quanto ao vídeo, poderá ser possível que, para ter êxito, precise de melhorar as suas qualidades técnicas, de construção e narrativas, o que, sendo em grande medida parasitário do cinema e em especial da televisão, poderá significar uma aproximação a esses media. Eduardo Cintra Torres Caxias, 7 de Novembro de 2016

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