Cinetroscópio Teatro de Marionetas Cinematográfico

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Luís Leite 1 [email protected] Marcelo Lafontana2 [email protected] 1 EScola superior de música, artes e espetáculo do instituto politécnico do porto / IT–FEUP 2 Lafontana Formas Animadas

Cinetroscópio Teatro de Marionetas Cinematográfico

palavras-chave teatro cinema multimédia animação performativa marionetas virtuais

keywords theater cinema multimedia performance animation digital puppetry

resumo Cinetroscópio pode ser entendido como um objecto teatral cinematográfico, um estúdio de cinema interativo em miniatura para representações teatrais. Este objecto foi desenvolvido em resposta ao desafio multidisciplinar da produção da obra “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto em teatro de papel. A nossa proposta procura fundir a performance teatral com os recursos cinematográficos para dar corpo a um novo género teatral a que podemos chamar de “cinema performativo”. Combinando o improviso e espontaneidade que caracteriza o teatro de marionetas com os recursos narrativos da cinematografia. Apresentamos neste artigo os conceitos associados a este espetáculo e ao objecto em causa, bem como, a descrição da metodologia relativa ao desenvolvimento da plataforma tecnológica que o suporta. As múltiplas apresentações deste espetáculo demonstram a viabilidade do nosso modelo.

abstract Cinetroscopio can be understood as a cinematic theatrical object, a miniaturized live interactive studio for theatrical performances. This object was developed in response to a multidisciplinary challenge adapting the Fernão Mendes Pinto literary work “Peregrinação” into a paper theatre production. Our proposal combines theatrical performance with cinematic techniques to present a novel theatrical genre that we can call “live cinema”. This genre incorporates the improvisation and spontaneity that characterizes the puppet theatre and the narrative features of cinematography. In this paper we present the concepts associated with the show and with the performative object, as well as, the description of the methodology on the development of the technological platform that supports it. The multiple public presentations of this show demonstrate the viability of our model.

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introdução A base conceptual deste espetáculo centra-se na aproximação das linguagens do Teatro de Formas Animadas e da cinematografia. Esta ponte é materializada através de uma inovadora abordagem às tradicionais técnicas do Teatro de Papel promovendo a sua evolução tecnológica cruzando-a com recursos audiovisuais e multimédia. Fig. 1 Cartaz do espetáculo Peregrinação.

O resultado cénico surge como um estúdio de cinema, caracterizado por um carrossel que alberga diversos cenários em miniatura representativos dos espaços da narrativa e das suas personagens. Um carrossel que gira com o decorrer da narrativa, onde câmaras de cinema fixas e móveis automatizadas capturam e acompanham a ação traduzindo-a em imagens em movimento. Estas, operadas remotamente por um computador permitem o acesso a recursos de imagem; o que, promove a composição, montagem e inserção de efeitos especiais sobre a imagem obtida pelas múltiplas câmaras misturando-a com conteúdos digitais, tudo em tempo real. O sistema multimédia desenvolvido não só permite uma nova abordagem ao teatro de marionetas, bem como concede ao ator as funções de realizador, operador de câmara e técnico operacional. O resultado final é apresentando num espaço híbrido que alberga o objecto performativo e uma tela de projeção de grande formato. O público participa na construção semiótica procurando as referências na imagem projetada dos gestos de manipulação do ator sobre o objecto performativo. Peregrinação é uma adaptação para teatro da obra de Fernão Mendes Pinto, uma coprodução entre o Teatro Nacional São João e Lafontana Formas Animadas que estreou em Maio de 2014 no Mosteiro São Bento da Vitória (Fig. 1). Procurou-se no teatro de papel a ligação orgânica às memórias relatadas nesta obra que reúne vários géneros literários e constitui um precioso documento da nossa história. O tradicional teatro de papel é geralmente produzido para pequenas audiências devido às suas reduzidas dimensões (Fig. 2). Tendo como proposta a produção de um espetáculo de marionetas de papel, procurou-se uma solução que permitisse não só aumentar a sua dimensão mas também que possibilitasse uma continuidade narrativa difícil de conseguir com este género teatral. A fusão entre a performance teatral e a linguagem cinematográfica contribuiu para a dinamização da ação e continuidade

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Fig. 2 Formas tridimensionais em papel, primeiros estudos de personagens.

narrativa. Por outro lado, a tecnologia multimédia tornou possível a alteração da escala de todas as componentes. Esta fusão foi materializada através da construção de um objecto performativo um pouco à imagem dos tradicionais brinquedos ópticos. tradição como motor de inovação tecnológica É importante começar por definir a noção de tradição ou folclore para podermos compreender melhor a sua relação com a tecnologia. O termo folclore (saber do povo) surgiu pelas mãos do escritor britânico William John Thoms em 1864 (Sen & Chakravarti, 2008) para designar ciência das tradições e usos populares, transmitida de geração em geração através da cultura oral, da escrita, do artesanato ou através de espetáculos performativos como o teatro de marionetas. São portanto, atividades culturais que se foram desenvolvendo com o povo e que representam a identidade social de uma comunidade através de criações colectivas ou individuais. Por outro lado, o termo tecnologia assenta em todo o conhecimento técnico e científico, bem como das suas representações, como por exemplo as ferramentas, os processos e os materiais resultantes dessa atividade. Assim, podemos considerar que todas as expressões baseadas na cultura popular envolvem uma aprendizagem de conhecimentos técnicos específicos. Por conseguinte, estas, possuem um património tecnológico inerente. No entanto nem todos os autores e investigadores consideram positivo o relacionamento entre a cultura popular e as tecnologias, levantando dúvidas e alimentando debates sobre se a arte popular deverá permanecer inalterada. As questões que suscitam mais dúvidas são: Será que a inovação tecnológica pode anular um património tradicional? Será que o cruzamento de linguagens artísticas pode contribuir para uma descaracterização do teatro de marionetas? Tradição e modernidade O despertar da preocupação sobre a preservação da cultura popular nasce no período do romantismo com os primeiros investigadores das áreas sociais. Jacob e Wilhelm Grimm (Zipes, 2002) contribuíram para uma ampla recolha do património cultural oral na europa. Os seus registos sobre as tradições populares tiveram grande impacto na forma de pensar e preservar a sabedoria popular. O trabalho por eles desenvolvido foi de extrema importância para sustentar a memória de tradições, particularmente

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daquelas em vias de extinção. Este interesse intelectual pelas tradições populares também fomentou o espírito da preservação. Este espírito levado ao extremo traduz-se na defesa de que a arte popular deve manter-se pura e inalterada, impedindo a sua evolução e o seu cruzamento. Por outro lado, investigadores como Reinhard Bendix (Bendix, 1996) defendem que a tradição proporciona um conjunto de pré-condições para a modernidade. A tradição não desaparece com a modernidade, mas reafirma a sua composição em novas estruturas. Ou seja, que a tradição alimenta as inovações tecnológicas podendo em si gerar novas tradições. Podemos observar esta relação entre os tradicionais Karakuri e a robótica que no Japão se assume como cultura nacional acima da investigação científica (Morris-Suzuki, 1994; Yan & Ceccarelli, 2009). Os engenhos mecânicos Karakuri estão de certa forma próximos do universo das formas animadas. Esta arte tradicional baseada em autómatos desenvolvidos a partir de madeira ou cerâmica e movidos pela força de molas são capazes de movimentos extremamente complexos. Símbolos da alta tecnologia do período Edo (1603-1868) no Japão (Screech, 2002), estes brinquedos sofisticados estão na origem da automatização da industria e do desenvolvimento dos humanoides, como o Asimo desenvolvido pela Honda (Takeno, 2012). Mas podemos encontrar os mesmos fundamentos técnicos desta arte no Renascimento, com o intercâmbio cultural entre os portugueses e os japoneses, nomeadamente através das ofertas de exemplares de relojoaria ou de engenhos de navegação aos governantes japoneses. Estas inovações tecnológicas do ocidente inspiraram novas tradições no Japão imperial. Um ciclo que une a arte e a tecnologia, a tradição e a modernidade. Arte e tecnologia No decurso da história podemos observar inúmeros avanços tecnológicos que vieram contribuir ou inspirar novas formas artísticas. O cinema é sem dúvida um legitimo exemplo desta relação quase acidental. As raízes do cinema podem ser encontradas no trabalho de Eadweard Muybridge. Responsável pela invenção do Zoopraxiscope em 1879 e pelo estudo de movimento animal “Animal Locomotion” em 1887 (Muybridge, 1893). Para este estudo, Muybridge desenvolveu um mecanismo de registo automático para capturar o movimento de animais, utilizando uma série de câmaras fotográficas síncronas e assim recolher múltiplas exposições do movimento num dado instante. Este poderá ser o considerado o antecessor da câmara de filmar. Por outro lado, o Zoopraxiscope, é um dispositivo de projeção que combina a reprodução de imagem seguindo o conceito da lanterna mágica com a ilusão de movimento inspirado pelo brinquedo ótico zootrópio. Muybridge estabelece uma ligação entre o filme animado e o filme de base fotográfica e é considerado por muitos o pai da imagem em movimento (Clegg, 2007; Hendricks, 2001). Contributo igualmente importante para a história do cinema é do cientista francês Etienne Jules Marey. Para o seu estudo de analise de movimento desenvolveu uma única câmara que sobrepunha múltiplas imagens numa única placa através de um disco giratório e a que chamou de cronofotografia (Chen, Tay, Xing, & Yeo, 2004). Estas tecnologias apesar de terem nascido num contexto científico contribuíram para a criação de uma expressão artística. Por outro lado, podemos observar de que forma uma arte popular e tradicional pode ser o

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recurso tecnológico para uma nova expressão artística. Nas primeiras representações do cinema de animação encontra-se cruzamentos disciplinares, nomeadamente entre o teatro de marionetas e o cinema. A primeira longa metragem de animação “As Aventuras do Prince Achmed” produzida por Lotte Reiniger recorre à técnica de animação por silhueta transportada do teatro de sombras ou marionetas de silhueta (Bastiancich, 1981; Pocock & Rosebush, 2002). Tecnologia – entre o real e o virtual Da mesma forma, Jim Henson transportou para a televisão as tradicionais marionetas de luva, nomeadamente com os “marretas”. Contribuiu para a sua evolução tecnológica criando a primeira marioneta virtual, animada em tempo real por um marionetista, usando um dispositivo eletromecânico de mão semelhante a uma luva – o Waldo (Jones, 2013). Vários investigadores têm procurado nas novas tecnologias uma plataforma para ultrapassar limitações e facilitar a produção e gestão de conteúdos para teatro, como por exemplo o eRena (Hirtes, Hoch, Lintermann, & Norman, 1999), um projeto europeu para o desenvolvimento de ferramentas digitais para espetáculos com recursos tecnológicos. Outros têm explorado cruzamentos disciplinares alargando por exemplo as abordagens cinematográficas ao universo dos jogos de computador. É o caso do conceito de Machinima, caracterizado pela apropriação dos recursos dos vídeo jogos para produção de cinema de animação. Pode ser considerada uma expressão cinematográfica, ou uma forma de cinema virtual que surge no início dos anos 90 com jogos como o Doom (Marino, 2009). Um conceito que transforma o jogador em ator e realizador. O termo “Machinima” surge a partir da fusão do termo “machine” com “cinema” (Nitsche, 2005) e conjuga em si as artes performativas através da manipulação em tempo real dos elementos animados com a linguagem cinematográfica através da montagem e operação de câmara. Combinando o universo real com o virtual; Nitsche e Kirschner (Nitsche & Kirschner, 2013) proponhem uma interface híbrida para controlo de câmaras e objetos inseridos no palco baseando-se na utilização de dispositivos tangíveis e não tangíveis. Um sistema para manipulação de câmaras virtuais através de gestos com as mãos e que permite a manipulação direta de objetos reais sobre um palco em miniatura. O contacto físico com os objetos tangíveis permite criar uma relação de proximidade e familiar com o manipulador como no tradicional teatro de marionetas e que não existe dentro do espaço virtual. Por outro lado, a sua representação virtual potencia a criação de todo um universo narrativo de infinitas possibilidades registado nas lentes de câmaras virtuais. Neste sentido, podemos considerar que a tradição inspira soluções tecnológicas e que estas podem potenciar novas expressões artísticas que mais tarde poderão transformar-se em novas tradições. cinetroscópio – objecto teatral cinematográfico Cinetroscópio é em si um objeto teatral onde estão inseridos todos os elementos dramáticos. É um objeto de cruzamento disciplinar entre o teatro e o cinema e que se assemelha a um carrossel, uma alegoria de um mundo em miniatura, um pouco

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à semelhança das “Viagens de Gulliver”; onde o ator/marionetista ocupa o centro do mundo para assim poder manipular todos os seus elementos como de um deus se tratasse. Em termos conceptuais, o cinetroscópio pode ser entendido como uma evolução tecnológica do zootrópio, um brinquedo ótico giratório, circular, para visionamento de sequências de imagens. O zootrópio, ligado às primeiras representações do cinema de animação baseia-se no conceito da persistência da visão e que possibilita a percepção da imagem em movimento a partir de uma série de imagens. Este fenómeno fisiológico caracterizado pela capacidade que o olho humano tem em reter uma imagem por algum tempo é explorado pelos brinquedos óticos através de pequenas alterações na imagem que produzem o efeito de movimento no nosso cérebro. Fig. 3 Montagem do cinetroscópio.

O cinetroscópio é igualmente um pequeno estúdio de cinema equipado com múltiplas câmaras, luzes e que combina cenografia real e virtual. Para além de semelhanças físicas com o zootrópio, partilha o fenómeno da ilusão mas não através da persistência da visão; Este fenómeno é produzido na tela de projeção através de recursos de pós-produção digital. Conjuga-se o real com o virtual numa espécie de espetáculo de ilusionismo, sem descaracterizar a sua tradicional abordagem e onde o público é convidado a desconstruir a imagem final de forma a encontrar as suas referências mas sem se desprender da narrativa. Assim, o público não é um mero espectador mas um elemento ativo na interpretação e na conjugação dos elementos, como se visionasse o making-of e o filme em simultâneo. Partimos de uma tradicional técnica de teatro de papel cruzando-a com técnicas cinematográficas através de recursos tecnológicos para assim criar uma abordagem híbrida – o cinema performativo. Esta abordagem dá continuidade ao trabalho que temos vindo a desenvolver, em particular com o teatro de sombras e com o espetáculo Prometeu (Leite & Lafontana, 2014). plataforma tecnológica – ecossistema multimédia Vários desafios são apresentados para o desenvolvimento de uma plataforma tecnológica capaz de responder a todos os requisitos deste espetáculo.

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Os nossos principais requisitos estavam relacionados com: 1) A transformação da escala do teatro de papel (tela); 2) A multiplicidade de pontos de vista (câmaras); 3) A apresentação de inúmeros espaços narrativos (cenografia e luz); 4) A orquestração de todos os meios de controlo numa interface simplificada e flexível (controlo). Para responder a cada um destes requisitos foram investigadas múltiplas soluções, no entanto apresentamos aqui apenas os resultados das nossas opções: 1) Para aumentar a escala do teatro de papel sem descaracterizar a ideia do mundo em miniatura optamos por complementar o nosso objeto teatral com uma tela de projeção de grandes dimensões. Esta passaria a representar a vela de uma nau ancorada no próprio cinetroscópio. Este não só representava o veiculo que nos transporta para os diferentes espaços narrativos como o próprio mundo que gira ao sabor do contador de histórias. 2) Tendo como objetivo apresentar diversos pontos de vista, recorremos à linguagem cinematográfica e a utilização de múltiplas câmaras de cinema que intercaladas podiam fornecer diferentes enquadramentos contribuindo para aumentar a carga dramática e para a continuidade narrativa. 3) Como solução para os inúmeros espaços narrativos foram construídos 6 cenários montados por cima da base circular do cinetroscópio com iluminação distinta e com uso da técnica de chromakey para a cenografia virtual. 4) Por último, desenvolveu-se uma plataforma tecnológica para orquestrar todos os meios digitais através da partilha de recursos entre aplicações e protocolos de controlo digital. Um verdadeiro ecossistema digital de partilha e controlo. Múltiplos ponto de vista Um dos maiores desafios encontrados durante a fase de concepção foi encontrar câmaras capazes de responder a uma série de requisitos, nomeadamente: apresentarem pequenas dimensões; transmitirem uma boa qualidade de imagem a partir da saída de vídeo (resolução e definição); permitirem profundidade de campo e distância focal, contribuindo assim, para a criação de diferentes enquadramentos; possibilitarem a operação remota da câmara. Fig. 4 Esquema de posicionamento das câmaras no set.

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A nossa configuração final baseou-se em três câmaras Blackmagic Pocket Camera (bmpc) e uma GoPro Hero3 (Fig. 4). As bmpc equipadas com objectivas Olympus M. Zuiko 12–40mm f/2.8 pro com zoom motorizado foram utilizadas na captura dos planos médios e planos aproximados. A Hero3 com uma lente fixa de 14mm foi utilizada para os planos gerais. A câmara central foi instalada num dispositivo de rotação mecânico (robot) para permitir as panorâmicas horizontais (pan) e verticais (tilt). Fig. 5 (Esquerda) Operação remota da câmara através de lanc. (Direita) protótipo do dispositivo de ligação.

Este robot controlado por computador através do protocolo Digital Multiplex (dmx) possibilita tanto movimentos suaves como rápidos. Por outro lado, para a operação remota das câmaras foram utilizados dois métodos distintos. Para controlar a Gopro foi utilizada uma interface sem fios (wifi) disponibilizada pela própria câmara. Para controlar as bmpc foi necessário desenvolver de raiz um dispositivo de controle remoto (Fig. 5). Fig. 6 Etapas de construção do dispositivo de controlo remoto das câmaras.

Este dispositivo funciona como interface entre as câmaras e o computador e baseia-se no protocolo de controlo Logic Application Control Bus System (lanc) da sony e compatível com as bmpc. Este protocolo baseado na comunicação em série através de pulsos elétricos, permite aceder e controlar remotamente determinadas funcionalidades dos equipamentos. No entanto, apesar da bmpc suportar este protocolo as mensagens de controlo são diferentes das mensagens utilizadas pela sony obrigando-nos a fazer uma investigação e levantamento exaustivo através de inúmeras experiencias para produzir uma tabela de conversão (Tab. 1). Para estabelecer a comunicação é necessário em primeiro lugar abrir o canal lanc aumentando a carga até cerca de +5V, para depois diminuir a carga enviando os comandos por oscilação de impedância. Para a construção do dispositivo foi utilizado uma plataforma de prototipagem Arduino equipado com díodos, resistências e transístores. No final foi desenhada uma placa de circuito impresso e recortada numa máquina de corte cnc para suportar o circuito integrado (Fig. 6). Portanto, de um lado o dispositivo comunica via lanc com as câmaras, do outro, para comunicação com o computador e outros dispositivos, optou-se pela implementação do protocolo midi, um standard com grande

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Tab. 1 Conversão das mensagens de controlo lanc para as câmaras bmpc.

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Endereço

Funcionalidade

Pulsos elétricos em sequências binárias

0x28, 0x45

Focagem aproximada

{0,0,0,1,0,1,0,0} {1,0,1,0,0,0,1,0}

0x28, 0x47

Focagem afastada

{0,0,0,1,0,1,0,0} {1,1,1,0,0,0,1,0}

0x28, 0x53

IRIS-

{0,0,0,1,0,1,0,0} {1,1,0,0,1,0,1,0}

0x28, 0x55

IRIS+

{0,0,0,1,0,1,0,0} {1,0,1,0,1,0,1,0}

0x28, 0x43

Auto Focos

{0,0,0,1,0,1,0,0} {1,1,0,0,0,0,1,0}

0x28, 0xAF

Auto IRIS

{0,0,0,1,0,1,0,0} {1,1,1,1,0,1,0,1}

0x18, 0x33

REC

{0,0,0,1,1,0,0,0} {1,1,0,0,1,1,0,0}

hexadecimal

compatibilidade. Foi desenvolvido um programa em linguagem C injetado no dispositivo para proceder às múltiplas conversões e controlo. O esquema de montagem e o código podem ser consultados online1. Neste dispositivo não foi incluído a interface física midi utilizando-se a porta usb para comunicação com o computador. Assim, foi necessário recorrer a uma aplicação intermédia, o Hairless-midi, para converter as mensagens provenientes da porta série em mensagens compatíveis com este protocolo e assim reconhecidas pelas aplicações. Desta forma, foi possível definir para cada plano uma série de operações de câmara trabalhando o zoom, a focagem e a íris, bem como a rotação do robot para enquadramentos fixos ou panorâmicos. Cenografia virtual O recurso à cenografia virtual permitiu a criação de inúmeros ambientes que complementam a imagem real, bem como a composição com fundos animados fundamentais para recrear os espaços marítimos. Para que fosse possível substituir parcialmente a imagem real com a imagem de síntese foram pintados cenários e objetos com cor uniforme (Fig. 7). Fig. 7 Composição e mistura da imagem real com animação procedural (mar) através da técnica de chromakey.

1 Página da Internet de suporte ao projeto – Virtual Marionette: http://virtualmarionette.grifu.com

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Recorrendo à técnica de chromakey toda a área da imagem capturada que apresente uma percentagem cromática dentro de um intervalo estabelecido é recortada e misturada com a imagem de síntese em tempo real. Os maiores problemas encontrados para aplicar esta técnica prendem-se com a iluminação variável e com a projeção de sombras do próprio manipulador. Assim, foi necessário um cuidado especial no desenho de luz para os planos com chromakey de forma a criar um ambiente homogéneo sem grandes oscilações cromáticas. Em situações particulares foi necessário implementar um sistema de máscaras para retirar a sombra do marionetista e assim evitar a contaminação do fundo. Com este sistema foi possível criar cenários distintos dentro do mesmo enquadramento. Para implementar este sistema programou-se em Quartz Composer uma ferramenta de chromakey que permite definir características como a cor, os limites de rompimento, a suavização e o conteúdo que se pretende misturar com a imagem real (Fig. 8). Fig. 8 Chromakey em tempo real dentro da aplicação Qlab através de um programa em Quartz Composer.

Orquestração multimédia Neste projeto combinamos vários tipos de média como fotografia, vídeo, texto, som, ilustração, imagem de síntese e animação. Dentro deste último tipo, foram produzidos conteúdos de animação por fotogramas e animação em tempo real: performativa e procedural. Sendo que a animação performativa é produzida pelo marionetista e a animação procedural é gerada pelo computador a partir de procedimentos e algoritmos matemáticos. Para ajudar a integração dos elementos gráficos com a imagem real utilizou-se múltiplas camadas de imagem. Estas podiam ser utilizadas para criar efeitos como os de paralaxe, para provocar a sensação de distância através da profundidade de campo, onde os objetos mais próximos da câmara apresentam uma deslocação mais rápida do que os objetos mais distantes. Foi determinante o desenho de um ecossistema digital capaz de combinar todos os média e possibilitar o controlo das operações do espetáculo, como as câmaras e a luz, através de uma única interface. Este ecossistema baseia-se na orquestração de fluxos de controlo e de media entre vários intervenientes, assentando numa pluralidade de aplicações que funcionam em simultâneo e que comunicam entre si partilhando recursos. Para partilhar a imagem entre as várias aplicações utilizamos a tecnologia Syphon que reencaminha o resultado da saída de vídeo de uma aplicação para a entrada de vídeo de uma outra.

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Assim, a imagem vai sendo trabalhada por etapas em diferentes aplicações até chegar à projeção final. Para controlar e sincronizar as aplicações e dispositivos recorremos aos protocolos de comunicação Open Sound Control (osc) e midi. Fig. 9 Um programa de Quartz Composer para reprodução de sequencias de imagem.

Uma autêntica orquestra de dados digitais que flui por inúmeros intervenientes, tendo como maestro a aplicação Qlab. Nela, está inscrita toda a sequência de controlo - um autêntico guião multimédia controlado pelo pé do marionetista através de uma pedaleira midi. Esta ferramenta é responsável pela captura da imagem das câmaras, pela reprodução do som e vídeo, pelo texto, por efeitos de imagem e pelo controlo das operações sendo que o resultado da imagem é enviado para o Syphon. É complementado pelo ambiente de programação visual Quartz Composer (Fig. 9) que é inserido diretamente no Qlab expondo uma interface de controlo. Desta forma, todos os programas desenvolvidos no Quartz Composer passam a ser apresentados como funcionalidades internas do Qlab. Os programas aí desenvolvidos possibilitaram a mistura e composição gráfica, o efeito de chromakey, a animação procedural e performativa, o controlo de sequências de imagem e a mistura dos pacotes de imagem provenientes do Syphon. Para além destas funcionalidades foi produzido um programa específico de visualização para o marionetista que permite espelhar a imagem final, bem como mostrar a imagem do chromakey sem estar misturada, para assim se poder afinar. Para controlo da luz e robóticos foram utilizadas as aplicações QLC+ e Modul8, este último também utilizado para efeitos de imagem. O comando remoto da Nintendo WII foi igualmente utilizado para possibilitar o controlo nas situações em que o ator está no exterior do cinetroscópio. Este é um comando sem fios que apresenta um acelerómetro para controlo de movimento e uma câmara de luz infravermelha para captura do posicionamento. Para aceder às suas funcionalidades a partir de um computador recorreu-se à aplicação Osculator (Fig. 10).

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Fig. 10 Desenho do ecossistema multimédia.

conclusão Cinetroscópio é um objecto que combina as linguagens do Teatro de Formas Animadas com as da cinematografia através de recursos multimédia. Partindo de uma arte tradicional promoveu-se a sua evolução tecnológica com o cuidado de não a descaracterizar, propondo um novo género teatral a que podemos intitular de “cinema performativo”. Este género promove um público participativo através de uma relação semiótica entre o objecto manipulado e sua representação, entre o real e a ilusão, entre a teatralidade e a cinematografia. Neste artigo foram apresentados os pressupostos, os conceitos e a metodologia associada ao desenvolvimento do objecto teatral cinetroscópio que suporta o espetáculo de teatro cinematográfico “Peregrinação”. agradecimentos Este trabalho está inserido no âmbito de um projeto de investigação intitulado de “Virtual Marionette” financiado pela fct Fundação para a Ciência e Tecnologia (bd/51799/2011). Agradecimentos especiais ao Pedro Martins pelo trabalho fotográfico, à Sílvia Fagundes pelo incansável apoio, ao Pedro Cardoso pelo suporte e crença aos desafios tecnológicos, ao Felix e Rebeca pela criatividade gráfica, ao Prof. Coutinhas pelos seus contributos, bem como a toda a equipa de produção deste espetáculo. referências Bastiancich, A. (1981). Assembea Teatro/Compagnia del Bagatto. (L. Reiniger, Ed.). Turin. Bendix, R. (1996). Construção Nacional e Cidadania: Estudos de Nossa Ordem Social em Mudança. Ed. da Univ. de São Paulo. Chen, I.-M., Tay, R., Xing, S., & Yeo, S. (2004). Marionette: From Traditional Manipulation to Robotic Manipulation. In M. Ceccarelli (Ed.), International Symposium on History of Machines and Mechanisms, International Symposium on History of Machines and Mechanisms (pp. 119–133). Springer Netherlands. Clegg, B. (2007). The Man Who Stopped Time: The Illuminating Story of Eadweard Muybridge - Pioneer Photographer, Father of the Motion Picture, Murderer (2nd ed.). Washington D.C.: Joseph Henry Press.

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