Círculos literários no Principado Augustano: considerações sobre a poesia de Horácio. In: Anais do I Seminário Internacional de História Medieval e III Encontro da ABREM Centro-Oeste, 2014. v. 1. p. 200-210.

May 28, 2017 | Autor: Erick Otto | Categoria: Augustan Poetry, Horace, Patronage (History), Augustan Principate, Maecenas
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CÍRCULOS LITERÁRIOS NO PRINCIPADO AUGUSTANO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A POESIA DE HORÁCIO Erick Messias Costa Otto Gomes345

O objetivo de nossa comunicação é apresentar uma leitura da obra do poeta romano Horácio (século I a.C.) que leva em consideração as relações de patronagem e clientelismo que se estabelece entre o poeta e Mecenas, e mais tarde entre Horácio e Augusto. São três as características que regem tais relações: 1) reciprocidade ou troca de bens e serviços; 2) assimetria na posição social das duas partes e os tipos de bens comercializados; 3) e duração da relação. Todas essas características aparecem em Horácio, e isso significa que um patrono poderia oferecer benefícios materiais, bem como locais e uma audiência ao poeta, em troca de seus versos, ou seja, em troca de uma poesia que exalte o seu benfeitor. Tais perspectivas corroboram para a análise dos últimos poemas da vida de Horácio, em especial os que compõem o livro IV das Odes e o Carmen Saeculare, em que os feitos de Augusto são mais exaltados. A relação estabelecida entre Horácio e Augusto interfere na construção dos poemas do livro IV das Odes, haja vista que Horácio é cliente de Augusto, devendo lhe dedicar seus poemas e, além disso, é o próprio Augusto quem pede a Horácio para escrever dois dos poemas que compõem o livro. Dessa forma, nosso objetivo é refletir sobre a relação estabelecida entre o poeta Horácio e o imperador romano Augusto, levando-se em consideração as relações de patronagem e clientelismo estabelecida entre ambos. Nosso texto se dividirá em duas partes: primeiro, uma breve discussão historiográfica a respeito do governo e legitimação do imperador Augusto; por fim, será apresentada a relação entre Horácio, Mecenas e Augusto, de forma a esclarecer o porquê de se analisar as imagens do imperador presentes na obra do poeta.

CONTEXTO DA POESIA HORACIANA: O PRINCIPADO DE AUGUSTO Mestrando do programa de pós-graduação da Faculdade de História – UFG. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected] 345

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De acordo com Gilvan Ventura da Silva (2001, p. 31), as discussões em relação à natureza do Principado, a despeito de todas as posições, detém o consenso em um aspecto: a concentração de poder nas mãos do princeps em detrimento das instituições que compunham a República romana, como as magistraturas civis e militares e as assembleias. Para o autor, a grande controvérsia refere-se à determinação dos fatores que permitiram a Augusto atrair para si poderes típicos dos diversos órgãos republicanos, e elevar-se em prestígio acima de qualquer outro cidadão (SILVA, 2001, p. 31). Uma primeira vertente é aquela que afirma que o poder de Augusto fundava-se sobre um regime de caráter militar, sendo o imperador capaz de mobilizar força física contra qualquer um que se opusesse ao governo. Martin Goodman (1997, p. 123), em The Roman World: 44 BC - AD 180, afirma que Augusto, a partir de 25 a.C., gradualmente estabeleceu “uma nova imagem de si mesmo em que nenhum indício de violência, ou qualquer necessidade de violência, pode ser vislumbrada.” Essa imagem não tinha por objetivo mascarar seu poder, mas legitimá-lo, afinal, nos anos do triunvirato até a Batalha do Ácio (44 a.C.-31 a.C.), Otávio mostrou pouca simpatia para as regras da res publica, quando recrutou por iniciativa própria um exército de legionários do ex-César, confiscou as receitas fiscais da província da Ásia, sem qualquer justificação, e marchou em Roma, em um estado de alta traição. Augusto acumulou uma variedade de poderes em um grande esforço para disfarçar a obviedade de sua confiança na força militar nua para a sua retenção de poder (GOODMAN, 1997, p. 45). Para o autor, dessa forma, os poderes republicanos adquiridos por Augusto não passariam de uma máscara que encobriria seu verdadeiro poder, o poder militar. Para a elite política em Roma, este se retratou como igual em relação aos outros aristocratas do Senado, superior apenas em virtude do prestígio livremente concedido a eles pelo povo em reconhecimento a excelência de suas qualidades (Augusto, Res Gestae, 34). Entre os poderes, destacam-se o imperium maius proconsulare (para o resto de sua vida), que lhe deu o direito formal de intervir em províncias não especificamente atribuídas a ele, e a partir de 23 a.C., detinha o poder de tribuno para a vida, o que lhe deu o direito indefinido de vetar toda a legislação proposta pelos outros tribunos. Para Goodman (1997 p. 127), esta

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confusão de poderes legais reunidos por Augusto mostrou-se tão eficaz que cada imperador após ele garantiu sua eleição para a mesma combinação. Em Karl Galinsky (2005, p. 3-7) encontramos uma postura mais flexível, pois afirma que Augusto exerceu seu poder de duas formas: uma mais rígida, de caráter militar, e outra baseada em sua auctoritas (“influência”), na qual o imperador influenciou o desenvolvimento das artes e da literatura latina, as quais continham elementos essenciais para sua legitimação. A ideia de restaurar os costumes dos antepassados era uma constante na política, como o próprio imperador afirma em suas Res Gestae, que “nenhum cargo concedido contrariamente ao costume dos antepassados eu aceitei” (AUGUSTO, Res Gestae, VI). Em Walter Eder (2005), no artigo Augustus and the Power of Tradition, encontramos a interpretação segundo a qual Augusto evitaria uma associação do seu poder com um monarca, apesar de buscar o reconhecimento por suas ações, mostrando-se como o restaurador da república romana. Certamente, a res publica não pode ser simplesmente considerado como República, porque seu homem mais poderoso não queria ser visto como um monarca. Pela mesma razão, no entanto, devemos hesitar para caracterizar o governo de Augusto como monarquia (EDER, 2005, p. 15). Nesse ponto, Walter Eder baseia-se em Ronald Syme e considera o sistema fundado por Augusto como um Principado, uma nova forma de governar fundada sobre leis. Mas o autor lembra que não devemos ver o Principado, em retrospecto, como um produto acabado, sendo planejado por Otávio, como se este tivesse um roteiro pré-determinado assim que se formou o triunvirato após a morte de César. As tradições republicanas não foram um obstáculo, mas uma vantagem para Augusto, haja vista que ele soube muito bem lhe dar com as contingências que os distintos momentos impunham às suas decisões. Dessa forma, o autor afirma que devemos periodizar o governo de Augusto em dois momentos: um primeiro, até 19 a.C., no qual Augusto se concentrou principalmente em restaurar formalmente as instituições republicanas cujo quadro foi deixado para um indivíduo poderoso; e em segundo, ele deixou este nível formal e criou a ideia de uma pátria em que o legado do passado se fundiria com orgulho cívico no presente (EDER, 2005, p. 17-18), e, dessa forma, cria-se a imagem da grandeza de Roma, sendo Augusto, o principal cidadão.

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Segundo Erich S. Gruen (2005), no capítulo intitulado Augustus and the Making of the Principate, nem Augusto nem seus contemporâneos usaram o termo “Principado” para definir seu governo. Havia sim uma designação de princeps para Augusto, mas isso indicava um sinal de estima e de autoridade. De acordo com Gruen, a noção de principatus como denominação de um tipo de regime não é encontrada nas memórias autobiográficas de Augusto, a Res Gestae, nem nas obras de escritores contemporâneos. Ou seja, havia os poderes republicanos, não o Principado. Nas palavras do autor, as instituições republicanas podiam ter sobrevivido, entretanto, quem as governou teria sido o poderio militar (GRUEN, 2005, p. 34). Para corroborar com essa hipótese, Erich Gruen afirma que o acúmulo de poderes e seu exercício por um longo período de tempo foi sem precedentes e dificilmente compatível com os princípios da República Romana. Nos autores até aqui analisados, encontram-se duas posturas: por um lado, uma perspectiva segundo a qual o poder de Augusto seria de base militar (GRUEN), e as instituições republicanas serviriam para nada mais do que disfarçar esse caráter (GOODMAN); por outro lado, autores como Galinsky e Eder assumem uma postura mais moderada, afirmando que o poder do princeps se baseava tanto no exército quanto em sua auctoritas (GALINSKY), e que devemos periodizar esse período da história romana para melhor entendermos a natureza do poder augustano (EDER). Não podemos concordar com a primeira posição, segundo a qual o poder do imperador se valeria unicamente de uma base militar, e que as instituições republicanas seriam apenas um disfarce que encobririam a realidade. Por outro lado, nossa pesquisa pretende uma postura mais mediada, segundo a qual não negamos a importância nem a efetividade do poder militar para a formação e permanência do Principado, mas consideramos a auctoritas uma forma de legitimação da potestas, afinal, o poder baseado unicamente no uso da força direta, teria sua existência constantemente ameaçada. Há a necessidade de uma aceitação, um consenso mínimo por parte dos diversos grupos sociais para a legitimação e a permanência de um poder político. Nenhum regime político é capaz de se sustentar se não forem criados valores que possam tornar a ação dos agentes do poder constituído algo perfeitamente admissível, legítimo e até mesmo desejável (SILVA, 2001, p. 33).

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Uma das formas de constituir e propagar essas representações, em ambiente romano, é por meio das narrativas literárias, da poesia, a qual criaria um consenso em determinadas imagens, legitimando, no nosso caso, as ações políticas do governante. Segundo Gilvan V. da Silva, esses valores criariam uma "mística imperial", ou seja, os símbolos que passaram a identificar Augusto, conferindo-lhe, aos olhos dos seus contemporâneos, a autoridade necessária para empreender a tarefa de restaurar a República (SILVA, 2001, p. 39). Tais símbolos, para Silva (idem), são, entre outros: 1) enviado e protegido de Júpiter; 2) ser divino (ou próximo da natureza dos deuses); 3) defensor de Roma; 4) fonte da uirtus romana e, por último, 5) vingador de César. Todos esses símbolos são encontrados de um modo geral na poesia horaciana, e em especial no livro IV das Odes escrito em 13 a.C., ou seja, em um contexto no qual Augusto já havia se estabelecido, eliminado opositores e reconhecido como o salvador da República, o que corrobora para a ideia segundo a qual o governante, mesmo depois de estabelecido, deve se legitimar, construir uma imagem que o mostra como importante e até mesmo necessário para a manutenção da ordem (BALANDIER, 1982). Daí se justifica o recorte de nossa pesquisa na obra horaciana: tais poemas possuem, a nosso ver, símbolos que formam a cultura política em torno do Principado de Augusto.

HORÁCIO E A RELAÇÃO SEUS PATRONOS

Peter White (2005, p. 327), em Poets in the New Milieu: Realigning, afirma que, apesar de Augusto ter influenciado, direta ou indiretamente, o destino de carreiras em oratória, política, jurisprudência e militar, a literatura foi a um campo sobre a qual ele teve menor influência. O autor afirma que o que permitiu o desenvolvimento da poesia sob Augusto foi a relação de patronagem dos poetas com os aristocratas, em especial Mecenas, que também é patrono de Horácio, apesar de ser chamado de “amigo”, e não de “patrono”. Além disso, White propõe que uma coerência social não implica uma coerência ideológica, não sendo possível afirmar que Horácio, por ser cliente de Mecenas, seria favorável ao regime de Augusto, simplesmente pela proximidade do imperador com Mecenas.

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Mesmo se isso fosse possível, as evidências são demasiado escassas para se afirmar uma influência real de Augusto na poesia (WHITE, 2005, p. 331). Contrapondo-se a essa interpretação, Jasper Griffin (2005), em Augustan Poetry and Augustanism, argumenta que não há quase nenhuma menção a Otávio nos poemas antes de sua vitória no Ácio, em 31 a. C. Para a autora isso ocorre porque, após Otávio se estabelecer como único líder, havia uma pressão em torno dos poetas para estes enaltecerem o regime (GRIFFIN, 2005, p. 314), sobretudo dos poetas ligados a Mecenas. Havia duas formas de exaltação do regime: “(a) no sentido diretamente “político” de reforçar a posição pessoal de Otaviano/Augusto como chefe de Estado permanente, ou (b) no sentido mais geral de alistar apoio para o renascimento moral e social, que deve distinguir a sua Roma dos desastres da República tardia” (GRIFFIN, 2005, p. 314). Nesse mesmo sentido, Paolo Fedeli (2009), em Il IV libro delle Odi di Orazio: poesia o propaganda?, afirma que houve uma pressão por parte do princeps sobre Horácio para a escrita do quarto livro das Odes, de modo a comemorar as vitórias dos jovens descendentes da família imperial. Para o autor, Augusto pode legitimamente reivindicar a poesia horaciana, não só pela sua localização, mas também pela amizade íntima e cordial que o ligava ao poeta e a honra que ele havia concedido ao escolher como o poeta da cerimônia solene de 17 a.C. (FEDELI, 2009, p. 104). Nas palavras de Fedeli (2009, p. 106), “devemos concluir que o quarto livro é um poema de pura propaganda, escrito por um poeta, cortesão que colocou seu talento e inspiração a serviço do príncipe”. Consideramos que ambas as análises são extremas sobre a relação do poeta com o princeps: por um lado, White afirma que há quase uma total liberdade de Horácio quando este escreve sua poesia, e por outro, Griffin e Fedeli são deterministas em relação à influência de Augusto sobre Horácio, sendo o poeta um propagandista que escreve sob pressão do princeps. R. G. Nisbet e Nial Rudd (2004, p. xxi), em seus comentários sobre os poemas horacianos, afirmam que uma análise da relação de Augusto com Horácio deve evitar essas posturas extremas, pois, por um lado, se se considera que o poeta aceita a ideologia de Augusto, esquece-se que houve o uso da violência para o estabelecimento do regime; mas, por outro, se se considera Horácio como subversivo e contrário ao governo, não se leva em consideração a proximidade e a amizade de ambos.

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Através de uma interpretação que supera esse impasse, Phebe Lowell Bowditch (2010, p. 55), em Horace and Imperial Patronage, afirma que os membros da elite evitavam usar os termos “patrono” e “cliente” para se referirem às relações entre um benfeitor e seu protegido aristocrático, preferindo as conotações mais igualitárias de amicitia, ou “amizade”. As relações de patronagem possuíam três características principais: reciprocidade ou troca de bens e serviços, assimetria na posição social das duas partes e os tipos de bens comercializados, e duração da relação (BOWDITCH, 2010, p. 55). Todas essas características aparecem em Horácio, e isso significa que um patrono poderia oferecer benefícios materiais, bem como locais e uma audiência ao poeta, em troca de seus versos, ou seja, em troca de uma poesia que exalte o seu benfeitor. Do mesmo modo, Bowditch (2020, p. 71-72) indica que no contexto da publicação do livro IV das Odes, a relação de patronagem de Horácio é estabelecida muito mais com Augusto do que com Mecenas, o que corrobora para uma interpretação distinta daquela proposta por White, na qual podemos afirmar que há uma confluência dos interesses de Augusto com a poesia de Horácio. Corrobora para essa perspectiva a análise de Michèle Lowrie (2007, p. 78), em Horace and Augustus, na qual a autora afirma que a poesia de Horácio está cada vez mais preocupada com a posição do primeiro homem da res publica, em especial quando Augusto se estabelece, pois nesse contexto Horácio já se dirige a ele diretamente, sem a necessidade da mediação de Mecenas. Após os Jogos Seculares (17 a.C.), essa relação se fortalece ainda mais, o que pode ser percebido em referências diretas de Horácio a Augusto nas Odes IV (13 a.C.), em que há elogios diretos a Augusto, como no poema IV, em que o princeps é representado como essencial para a cidade, e o retorno do imperador garantiria paz, segurança e execução de suas leis. Muitos eventos extraordinários são elogiados neste livro, como vitórias militares e a vinda da paz. Um tema recorrente, especialmente na parte final do livro, são os valores romanos. Virtus, uma palavra comum em Horácio, tem um papel especial a desempenhar aqui, assegurando aos líderes os padrões do mosmaiorum (“vamos cantar nossos líderes, que têm realizado a virtude conforme nossos pais,” Odes IV.15.29). As referências diretas e indiretas à pessoa do imperador, mostrando-o como o guardião dos valores dos antepassados e, sobretudo, como o único capaz de manter a res publica, são cada vez mais intensas. Através da

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leitura da obra, percebemos que há um tom laudatório nesses poemas, em que a pessoa do imperador é elogiada (nem sempre diretamente) em boa parte da obra (HORÁCIO, Odes IV, 2, 4, 7, 10, 14, 15). Em termos gerais, as relações clientelistas romanas eram muito profissionais. O patrono estendia favores e proteção aos seus clientes, que vão desde o desembolso de dinheiro ou pequenas doações de alimentos, de apoio jurídico, financeiro ou social em larga escala. Em troca, o cliente realizava, por seu patrono, quaisquer serviços que poderia oferecer, como assistir ele na sua atividade diária, apoiando-o na política ou simplesmente preenchendo sua lista de convidados em uma festa (McNEILL, 2001). Clientes literários possuíam habilidades únicas, é claro, e cumpriam as suas obrigações por outros meios mais adequados; era prática comum para os poetas produzir poemas que visam garantir a fama imortal de seus patronos. Ser apoiado por um poderoso patrono poderia, na melhor das hipóteses, ser muito positivo para um escritor. O favor de um grande indivíduo pode oferecer um caminho seguro para o sucesso e a fama: a sua riqueza proporciona segurança financeira, enquanto o seu destaque social e influência eleva o artista entre os círculos mais amplos. No entanto, o artista que aceita o apoio de um patrono também corre o risco de exposição a uma série de dificuldades imprevistas e potenciais fontes de constrangimento. Se o seu patrão é ruim, ele enfrenta a possibilidade de maus-tratos. Em qualquer caso, ter um patrono é assumir o risco de perder a independência pessoal, como ser gradualmente forçado a aderir à vontade do patrono ou adaptar seu trabalho, de modo a acomodar seus gostos e interesses. Nesses casos, até mesmo o patrão mais bem-intencionado pode inadvertidamente interferir na individualidade de seu cliente. De acordo com Randall McNeill (2001, p. 10-11) o mecenato é, nesse sentido, sempre um jogo de poder. Existem muitas armadilhas potenciais a ser contornadas, mas os benefícios potenciais são igualmente grandes. Nem há um padrão fixo de interação que todas as relações patrão-cliente são obrigadas a seguir. As relações podem transcender as limitações inerentes ao relacionamento formal e tornar-se, através do contato regular e estreito, uma verdadeira amizade entre o cliente e seu benfeitor. Dessa forma, associação de patrocínio permitiu o desenvolvimento de uma relação de intimidade, cujo grau de interação podia variar de acordo alteração das circunstâncias sociais, embora

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as trocas recíprocas permanecessem constantes. Para Horácio, os benefícios diretos de Mecenas, como a fazenda em Sabina e o apoio financeiro que Mecenas pode ter oferecido ao poeta, numa fase inicial, exigia semelhantes serviços de sua parte em troca, apesar de suas reivindicações de liberdade de tais obrigações. Horácio por sua vez, cumpriu as suas obrigações sociais, dedicando as Sátiras, Epístolas 1, e as Odes 1-3 para Mecenas, bem como, fez referências específicas de seu patrono em muitos poemas individuais (McNEILL, 2001, p.28). Sua relação com Augusto, por sua vez, também se baseou nesse tipo de relação, como pode ser percebido na realização dos Jogos Seculares, nos quais Augusto oferece a Horácio um público e um evento para sua poesia ser cantada, e em troca o poeta exalta as virtudes associadas ao governo augustano. Dessa forma, concluímos lembrando que qualquer tipo de análise da poesia de Horácio, desde seus primeiros escritos até os últimos, deve levar em consideração as relações de patronagem e clientelismo, haja vista que são essas interações sociais que lançam luz sobre uma série de temas que aparecem na obra do poeta, como as imagens de Augusto, objeto de nossa pesquisa.

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