Cisto ósseo aneurismático cervical

June 5, 2017 | Autor: Antonio Bertelli | Categoria: Otolaryngology - Head and Neck Surgery, Head and Neck Surgery
Share Embed


Descrição do Produto

Relato de Caso

CISTO ÓSSEO ANEURISMÁTICO CERVICAL CERVICAL ANEURYSMAL BONE CYST 1

ALEXANDRE BABÁ SUEHARA 1 ANTONIO AUGUSTO TUPINAMBÁ BERTELLI 2 KAUÊ SERDEIRA DANIEL ESTEBAN2 NORBERTO KODI KAVABATA3 JOSÉ CARLOS ESTEVES VEIGA4 ANTONIO JOSÉ GONÇALVES5

ABSTRACT

INTRODUÇÃO

Aneurysmal bone cysts are benign, expanding, locally aggressive lesions, that represent 1% of bone tumors, with rare involvement of the cervical region. The authors report a case of a 17-year-old boy, with a previous cervical trauma, followed by a growing and painful lateral neck mass. The clinical findings included a 9 cm lateral neck tumor and the absence of palpable nodes. The CT scan demonstrated C2 multiloculated expanding lesion infiltrating the paravertebral space. Surgery was performed with resection of the cyst infiltrating the C2 transverse process, after the embolization of the tumor. The patient had an uncomplicated recovery, using the c-spine rigid colar, and after 6 weeks, he underwent the stabilization of the spine.

O cisto ósseo aneurismático é um tumor benigno, de crescimento rápido e expansivo, que se apresenta histologicamente por canais repletos de sangue, separados por septos fibrosos1. Pode apresentar-se como uma lesão primária ou em associação com uma doença pré-existente2. São relativamente raros, com prevalência de 1,4 casos por 100.000 pacientes, correspondendo a aproximadamente 1 a 2% de todos os tumores primários ósseos, mais comuns entre 10 e 20 anos de idade, em indivíduos caucasianos e sem diferença significativa entre os gêneros2-6. Acomete todo o esqueleto, principalmente a metáfise e a diáfise de ossos longos e estruturas posteriores da coluna vertebral7. Apesar da denominação, esse tumor não é aneurisma nem cisto. O termo aneurismático refere-se tanto aos achados radiográficos, com aparência sacular de um aneurisma, quanto aos espaços repletos de sangue encontrados na cirurgia1,2. Para a grande maioria dos autores, a patogenia ainda não foi totalmente elucidada, porém, reconhecem a importância do traumatismo como fator desencadeante1-8. O principal sintoma é a dor, em geral, mais intensa que na maioria das neoplasias benignas dos ossos, acompanhada de hipersensibilidade e maior temperatura local. Quando situado na coluna vertebral, pode apresentar espasmos musculares, fenômenos neurológicos por compressão medular e instabilidade cervical por destruição vertebral6,7. Apresentamos um caso de cisto ósseo aneurismático volumoso de corpo de C2.

Key words: aneurysmal bone cyst; cervical cyst; spinal instability.

1- Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela SBCCP. 2- Acadêmico da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. 3- Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela SBCCP. Médico Assistente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. 4- Professor Assistente, Chefe da Disciplina de Neurocirurgia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. 5- Professor Assistente, Chefe da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Instituição: Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Disciplina de Neurocirurgia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Correspondência: Rua Dr. Cesário Motta Jr, 112 – 01221-020 São Paulo, SP. E-mail: [email protected] / [email protected] Recebido em: 15/08/2206; aceito para publicação em: 29/09/2006.

Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 35, nº 4, p. 267 - 270, outubro / novembro / dezembro 2006

267

RELATO DE CASO Relatamos o caso de paciente de 17 anos, do gênero masculino, caucasiano, natural e procedente de Jundiaí, católico, estudante, com queixa de nódulo cervical há nove meses. O paciente referia que, após trauma durante jogo de futebol, iniciou quadro de dor em região cervical à direita, associada ao aparecimento de tumor de crescimento insidioso durante os primeiros dois meses. Negava febre e perda ponderal. Realizou biópsia em outro serviço, com relato de saída de moderada quantidade de sangue, sendo encerrado o procedimento. Ao exame físico, apresentava tumor palpável em posição lateral direita, de aproximadamente nove cm de diâmetro, estendendo-se desde a região mastóidea até a altura da cartilagem cricóidea, fixa e de consistência endurecida (figura 1).

A ressonância magnética apresentou lesão expansiva sólida volumosa, heterogênea, com calcificações grosseiras na sua periferia, medindo 83 mm em seu maior diâmetro, em região cervical à direita, aparentemente, iniciando-se em corpo vertebral C2-C3, com envolvimento do processo odontóide e destruição do corpo vertebral, estendendo-se póstero-lateralmente, deslocando e comprimindo estruturas cervicais e obliterando região parafaríngea à direita, além de compressão anterior do canal vertebral de C2-C3 (figura 3).

Figura 3 – Ressonância magnética cervical mostrando tumor no espaço paravertebral.

Figura 1 – Aspectos clínicos da lesão, notando-se a cicatriz da cirurgia prévia. O exame da cavidade oral e orofaringe, a laringoscopia e o exame neurológico não revelaram outras anormalidades. A tomografia computadorizada do pescoço evidenciou uma lesão expansiva cística multiloculada, de aspecto bilobulada, medindo 9 x 5 x 8 cm, acometendo o corpo de C2 e estendendo-se para o espaço paravertebral, deslocando lateralmente o espaço cervical posterior e, anteriormente, o espaço carotídeo, com calcificações lineares periféricas, obliterando a gordura epidural ântero-lateral direita de C2-C3 e abaulando a parede póstero-lateral da orofaringe (figura 2).

Devido à captação importante de contraste evidenciada pelos métodos de imagem, foi realizada uma angiografia do sistema carotídeo e vértebro-basilar, que revelou irrigação do cisto feita por ramos da artéria vertebral direita, que foram embolizados seletivamente, com resposta satisfatória (figura 4). Dois dias depois, o doente foi submetido à ressecção do cisto, que se originava do processo transverso de C2 à direita, acometendo raízes cervicais (figura 5).

Figura 4 – Arteriografia mostrando a irrigação tumoral por ramos da artéria vertebral. Figura 2 – Tomografia computadorizada cervical mostrando lesão multiloculada junto ao processo transverso de C2.

268

Figura 5 – Aspecto do espécime operatório. Evoluiu no pós-operatório sem mudanças do quadro neurológico, mantendo colar tipo Philadelphia, devido à instabilidade da junção crânio-cervical. Seis semanas após, foi realizada fixação occípito-cervical com haste e artrodese por via posterior, evoluindo com diminuição de força muscular proximal no membro superior direito e discreta atrofia escapular, com retorno à normalidade com fisioterapia motora. O exame histopatológico revelou tratar-se de um cisto ósseo aneurismático (figura 6).

acompanhada de hipersensibilidade e calor local, podendo apresentar espasmos musculares e fenômenos neurológicos por compressão medular6,7. O início do processo é, freqüentemente, relacionado a traumatismo. O aspecto radiográfico típico mostra lesão lítica bem circunscrita, com áreas de rarefação e presença de trabéculas finas. A lesão é circundada por uma fina camada de osso subperiostal13,14. Do ponto de vista anátomo-patológico, é considerada lesão pseudoneoplásica, caracterizada como um tumor de coloração avermelhada ou marrom, de consistência firme, com pseudocápsula de tecido conjuntivo, que o delimita do osso afetado ou das partes moles vizinhas. A superfície de corte apresenta múltiplas lacunas de tamanhos variados, abarrotadas de sangue. A microscopia revela a presença de septos de tecido conjuntivo que delimitam lacunas sangüíneas. Nesses septos, existem traves osteóides irregularmente mineralizadas e células gigantes multinucleadas desordenadamente dispostas. O diagnóstico diferencial deve ser feito com tumor de células gigantes, condroblastoma e, principalmente, osteossarcoma telangectásico, pela evidente semelhança histológica15-17. O tratamento de escolha é cirúrgico, podendo incluir embolização arterial para diminuição do sangramento intraoperatório. Pode-se também realizar curetagem da lesão e enxerto ósseo, porém, com risco de recidiva. A radioterapia poderá ser feita quando a cirurgia é impossível de ser realizada ou em tumores recorrentes2,3,18. A injeção percutânea intralesional de calcitonina e metilprednisolona e a embolização com solução alcoólica de zein são alternativas terapêuticas com resultados isolados poucos satisfatórios19. O cisto ósseo aneurismático é uma lesão de ocorrência cervical rara e de tratamento desafiador, devido ao comportamento localmente agressivo do tumor, à presença de instabilidade da coluna cervical e ao indispensável tratamento multidisciplinar.

REFERÊNCIAS

Figura 6 – Aspecto da microscopia, HE 100x.

DISCUSSÃO A ocorrência do cisto ósseo aneurismático na coluna espinhal varia de 3% a 20%, com predileção para a coluna lombar. Lesões em mais de um nível ocorrem em 20 a 40% dos casos e o acometimento das vértebras cervicais é de 29,8%9,10. Foi primeiramente descrito por Van Arsdale, em 1893, como hamartoma ossificante e por Jaffe e Lichtenstein, em 1942, que introduziram o termo cisto ósseo aneurismático. Apesar de sua patogenia incerta, algumas hipóteses são relatadas na literatura. Gidding et al. sugerem um reparo incorreto exagerado de um traumatismo subperiostal com hemorragia. Para Lichtenstein, seria uma conseqüência de distúrbio circulatório local com aumento da pressão venosa intra-óssea e dilatação do leito vascular. Biesecker et al. consideram como uma conseqüência de fístulas artériovenosas e, para Dorfman & Czerniak, seria uma evolução de granuloma reparador de células gigantes11,12. O quadro clínico, geralmente, é de dor,

1. Cottalorda J, Kohler R, Sales de Gauzy J et al. Epidemiology of aneurysmal bone cyst in children: a multicenter study and literature review. J Pediatr Orthop B. 2004;13(6):389-94. 2. Cottalorda J, Kohler R, Chotel F et al. Recurrence of aneurysmal bone cysts in young children: a multicentre study. J Pediatr Orthop B. 2005;14(3):212-8. 3. Garg S, Mehta S, Dormans JP. Modern surgical treatment of primary aneurysmal bone cyst of the spine in children and adolescents. J Pediatr Orthop. 2005;25(3):387-92. 4. Feigenberg SJ, Marcus RB, Zlotecki RA et al. Megavoltage radiotherapy for aneurysmal bone cysts. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2001;49(5):1243-7. 5. Hsu CC, Wang JW, Huang CH et al. Osteosarcoma at the site of a previously treated aneurysmal bone cyst. A case report. J Bone Joint Surg Am. 2005;87(2):395-8. 6. Clough JR, Price CH. Aneurysmal bone cysts. Review of twelve cases. J Bone Joint Surg Br. 1968;50(1):116-27. 7. Stillwell WT, Fielding JW. Aneurysmal bone cyst of the cervicodorsal spine. Clin Orthop Relat Res. 1984;(187):144-6. 8. Volikas Z, Singounas E, Saridakes G et al. Aneurysmal bone cyst of the spine. Report of a case. Acta Radiol Diagn (Stockh). 1982;23(6):643-6. 9. Meyer S, Reinhard H, Graf N et al. Arterial embolization of a secondary aneurysmatic bone cyst of the thoracic spine prior to surgical excision in a 15-year-old girl. Eur J Radiol. 2002;43(1):79-81. 10. Kanamiya T, Asakawa Y, Naito M, Yoshimura T, Isayama T. Pathological fracture through a C-6 aneurysmal bone cyst. Case report. J Neurosurg. 2001;94(2 Suppl):302-4. 11. Guibaud L, Herbreteau D, Dubois J et al. Aneurysmal bone cysts: percutaneous embolization with an alcoholic solution of zein--series of 18 cases. Radiology. 1998;208(2):369-73. 12. Garneti N, Dunn D, El Gamal E et al. Cervical spondyloptosis caused by an aneurysmal bone cyst: a case report. Spine.

269

2003;28(4):E68-70. 13. Gouliamos A, Carvounis E, Kalovidouris A et al. Computed tomography in the evaluation of spinal aneurysmal bone cyst. Radiologe. 1986;26(11):528-30. 14. Suzuki M, Satoh T, Nishida J et al. Solid variant of aneurysmal bone cyst of the cervical spine. Spine. 2004;29(17):E376-81. 15. Gailloud P, Martin JB, Olivi A et al. Transoral vertebroplasty for a fractured C2 aneurysmal bone cyst. J Vasc Interv Radiol. 2002;13(3):340-1. 16. Gupta VK, Gupta SK, Khosla VK et al. Aneurysmal bone cysts of the spine. Surg Neurol. 1994;42(5):428-32.

270

17. Chakravarty K, Brett F, Merry P. Aneurysmal bone cyst--an unusual presentation of neck pain in a young adult. Br J Rheumatol. 1994;33(6):597-8. 18. Pullan CR, Alexander FW, Halse PC. Aneurysmal bone cyst: a report of three cases. Arch Dis Child. 1978;53(11):899-901. 19. Gladden ML, Gillingham BL, Hennrikus W et al. Aneurysmal bone cyst of the first cervical vertebrae in a child treated with percutaneous intralesional injection of calcitonin and methylprednisolone. A case report. Spine. 2000;25(4):527-30; discussion 531.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.