Civilização e Intervenção: As Narrativas da Diplomacia Imperial na Relação com a República Oriental do Uruguai (1851-1858)

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Civilização e Intervenção: As Narrativas da Diplomacia Imperial na Relação com a República Oriental do Uruguai (1851-1858) DANIEL REI CORONATO*1

Resumo

O artigo tem como eixo central o estudo das relações exteriores do Império do Brasil para com a República Oriental do Uruguai durante o período de 1851-1858, portanto, entre o fim da Guerra contra Rosas até a última intervenção brasileira antes da crise que precipitou a eclosão da Guerra do Paraguai. A intenção será analisar como as narrativas diplomáticas do período proposto, mais especificamente nos Relatórios da Repartição dos Negócios Estrangeiros (RRNE), procuraram justificar e legitimar a ação imperial na região em meio à tentativa de garantir os interesses brasileiros no vizinho meridional.

1.

Introdução

Usualmente descrito como um ator de menor relevância, a região da Banda Oriental do Uruguai teve uma importância chave para a compreensão do subsistema platino. O pequeno estado criado a partir da intervenção inglesa após a campanha da Cisplatina (1825-1828) entre os dois grandes vizinhos, o Império do Brasil e Buenos Aires, tornouse pivô permanente da política regional, servindo como uma peça essencial durante o processo de formação dos estados na região. Sua importância, porém, ia muito além da usualmente mencionada relevância geoestratégica no controle do comércio e navegação do Rio da Prata: foi no interior do seu território a origem e reprodução das fortes transformações políticas e sociais de consequências significativas na região, extrapolando em muito os limites da campanha uruguaia. Com a ascensão de Juan Manuel de Rosas, chefe federal em Buenos Aires, e grande defensor da Confederação Argentina contra as agressões das potências estrangeiras, a

*Doutorando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, pesquisador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI-IPPRI) e docente no Centro Universitário SENAC-SP. e-mail.: [email protected]

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situação regional caminhou para um momento de definição. Após uma série de desdobramentos internos, passa a governar Buenos Aires, aclamado como o Restaurador de las leyes, gerindo as relações exteriores de todas as províncias argentinas, o que irá durar de 1835-1852. Rosas era percebido pela diplomacia brasileira como o artífice de um grande projeto político para reconstruir o antigo Vice-Reinado do Rio da Prata. Usando como pretexto o golpe contra o presidente oriental Manuel Oribe (março de 1835 – 24 de outubro de 1838) por Fructuoso Rivera, intercede no Uruguai. (BARRÁN, 2011, p.13-14) Desse evento se iniciará a Guerra Grande (1839-1851). Momento de fundamental importância para a história platina, mas acima de tudo uruguaia, uma vez que a sua independência estava comprometida. O duro conflito irá desembocar em uma situação que Alexandre Dumas irá descrever no seu livro Montevideo o la nueva Troya (1961): após conquistar a campanha oriental, Oribe, agora chefe do exército portenho, sitia a cidade de Montevidéu durante nove anos (1843-1851), que passa a ser sustentada por governos estrangeiros, primeiro franceses, depois brasileiros. No Brasil, com a antecipação da maioridade do Imperador, em dezembro de 1843, o país começará a experimentar um processo de consolidação interna, abrindo novas possibilidades na ação externa. Coube então aos artífices da Construção da Ordem (2011), nos termos apresentados por José Murilo de Carvalho, a criação daquilo que Ilmar Rohloff de Mattos classificou como sendo O Tempo Saquarema (2003): a centralização e estabilização política; a supremacia dos grandes proprietários de terras e burocratas ligados aos primeiros; domínio do partido Conservador; a vitória da ideologia no corpo dirigente brasileiro de um liberalismo de matriz europeu; e a manutenção da escravidão, apesar da extinção do tráfico de escravos. Essa junção de fatores possibilita, na década de 1850, de forma completa, que o Império possa finalmente definir uma política externa com liberdade de ação e terá em Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai, sua expressão máxima. (SOUZA, 1944) Da renúncia de D. Pedro I até pelo menos a década de 1850, o Império foi obrigado a lidar, em boa parte com recursos limitados, com um cenário regional internacional extremamente adverso. A fronteira meridional, ou seja, o que será historicamente chamado de Região do Prata, fonte permanente de conflitos entre espanhóis e portugueses no período colonial, e posteriormente entre os novos estados americanos, criou desde os primeiros dias do Império do Brasil desafios ao corpo dirigente

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brasileiro. (CALÓGERAS, 1957, p.137-138) A regra geral dessa parte do continente de uma profunda interação causada pela indefinição de fronteiras e nacionalidades, transformava a região platina em um foco contínuo de conflitos, guerras e ameaças à soberania brasileira, especialmente na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul (atual Rio Grande do Sul). Desde a perda da Cisplatina, na guerra de 1828, o Brasil manteve-se em distanciamento dessa situação, apesar do acompanhamento constante. A causa será principalmente a revolução no Rio Grande do Sul, e as inúmeras revoltas internas, que esgotavam a capacidade do Império de tratar da questão platina. A política externa imperial será difusa e apoiada na tentativa de evitar que os líderes revoltosos riograndenses se aliassem com algum dos partidos platinos. Foi com a consolidação e pacificação interna que o Brasil pôde mudar seu posicionamento, sobretudo quando se viu obrigado a definir sua posição em função da política de Rosas, que com suas pretensões expansionistas interferira no Uruguai a favor de Oribe. O Brasil preocupou-se ainda mais quando Oribe passou a hostilizar os proprietários brasileiros que habitavam o Uruguai, que por temer novas sublevações no Rio Grande do Sul, levando o Império a romper relações com Rosas em 1851 e aliar-se com seus inimigos na disputa, Justo José de Urquiza, governador de Entre Ríos. A guerra mudou a conjuntura geopolítica, redefinindo a posição brasileira para o Prata nas décadas subsequentes. O momento proposto para a investigação representa uma excepcionalidade histórica na relação entre Brasil e Uruguai, sendo um contexto marcado pela permanente interferência brasileira no vizinho meridional, fortalecido pelo fim da guerra contra Rosas e Oribe, empregando intervenções militares e contínuo apoio político-econômico. A ação era guiada por necessidades múltiplas, comportando: primeiro – da tentativa de contrabalancear a força de Buenos Aires no estuário do Prata apoiando a independência e autonomia irrestrita do Uruguai; segundo - defesa dos interesses da elite local e imperial que tinham ligações profundas com o vizinho, especialmente a elite do Rio Grande do Sul; terceiro – manutenção da liberdade de navegação do Rio da Prata; quarto - definição de limites entre os dois países, encerrando os conflitos recorrentes, reflexo direto na situação de indefinição. Durante todo o curso dos eventos, diversos relatórios da Repartição dos Negócios Estrangeiros (RRNE) foram apresentados à Assembleia Geral. Os relatórios ministeriais

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eram tradicionais durante todo o período imperial, sendo o mais antigo deles de 1823, apresentado por Manoel Jacinto Nogueira da Gama na pasta do Ministério da Fazenda. Na abertura do primeiro documento desta natureza pela Repartição, assinado pelo ministro Francisco Carneiro de Campos, mencionava a obrigação daquela compilação para dar cumprimento a lei de orçamento e despesas, que deveria ter como conteúdo um relato minucioso das atividades da área para apreciação parlamentar, que em última instância debateria os assuntos ali tratados. O RRNE era, portanto, um instrumento público de controle legislativo das atividades do executivo, sendo necessário ao último dar as satisfações necessárias, defendendo assim suas posições com objetivo de manter os repasses de recursos para a manutenção de sua política exterior. A retórica e a organização geral do relatório variavam ao estilo do ministro, mas a estrutura geral era a mesma: um relato das principais ações do governo durante o período tratado pelo relatório; organograma e despesas do ministério, incluindo o pedido de créditos para o próximo; e um anexo com notas diplomáticas e tratados firmados geralmente para endossar as argumentações da primeira parte. Por ser um documento público e ferramenta fundamental na disputa política brasileira, o RRNE tem sido usualmente a fonte preferencial de pesquisa da política exterior. Apesar de seus atributos significantes, ele guarda limitações: pela sua natureza e processo de elaboração e divulgação, reside em suas páginas apenas a versão do governo brasileiro sobre os fatos relatados naquele momento, defendendo suas políticas contra os adversários internos e recriando narrativas externas, sendo uma fonte parcial. O objetivo desse artigo será, portanto, por meio do relato dos acontecimentos pela visão dos diversos ministros imperiais recuperar as narrativas do período procurando definir os argumentos encontrados para legitimar para os diversos atores políticos a doutrina de ação do Brasil na relação com o Uruguai.

2.

Neutralidade e Intervenção

A justificativa pública da guerra contra aliança Oribe-Rosas foi apresentada no RRNE de 1851 assinado pelo Visconde de Uruguai. Nele o governo do Império enumerava os diversos motivos para que o país tivesse sido obrigado pelos fatos a passar de uma ação neutralidade para a intervenção na região platina: primeiro – os esforços feitos por Rosas e Oribe para separar do Império a província do Rio Grande

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do Sul; segundo – a tentativa de recuperar a região de Missões; terceiro – as continuadas tropelias, violências e extorsões cometidas sobre súditos brasileiros em território oriental ou na fronteira, ponto em agitação o Rio Grande do Sul. Com uma retórica explicativa, o Visconde fez uma retomada da longa trajetória que levou até aquele momento de crise e deflagração. Em síntese, o Visconde descrevia a posição do Brasil no Rio da Prata no RRNE de 1850 como: relações cortadas com Oribe e Rosas; foi recusada a ele a adoção de providências que fizessem acabar as perturbações cometidas no território oriental e na fronteira contra súditos brasileiros, sendo que os despojados de seus bens esperavam que o governo, em vez de persegui-los, interviesse para lhe fazer justiça. Além disso, uma convenção de paz entre Oribe e França exigia que fossem feitas novas eleições para presidente em todo o território, e pelas regras constitucionais, ela daria a cada circunscrição territorial o número de representantes designados pelas leis da República – assim – como Oribe controlava quase toda a Banda Oriental, a eleição seria feita debaixo da sua influência e de Rosas - o que aquela altura era o mesmo segundo o Visconde – consolidando definitivamente o poder de Oribe sob influência cada vez mais poderosa do general Rosas no Uruguai. De todos os objetivos fundamentais, no entanto, nenhum descrito pelo Visconde era maior do que evitar a queda de Montevidéu. Contando única e exclusivamente com o apoio da França, que subsidiava a praça com quarenta mil pesos fortes mensais, a ajuda era vital para a manutenção dos esforços de resistência. Em uma mudança na conjuntura platina, a França discutia a sua retirada, o que segundo argumento brasileiro invariavelmente resultaria no fim da resistência. Percebendo a gravidade da situação, as autoridades da resistência de Montevidéu enviaram sem sucesso o general Pacheco y Obes a Paris pedir modificações no tratado de forma que não pusessem a República à mercê de Rosas e Oribe. A mal sucedida missão obrigou o governo de Montevidéu a novamente pedir ajuda do Brasil, descrito como o único que aquela altura podia salvar a cidade da queda certa. O primeiro pedido veio no dia 19 de Fevereiro de 1850, mas o Brasil recusou por não querer precipitar-se. Em Julho do mesmo ano a França diminuiu oito mil pesos mensais no subsidio, reduzindo-o a trinta e dois mil. Sabendo que Oribe não iria colaborar com o Brasil, e percebendo que não interferência brasileira significaria um desastre, e pretendendo dar tempo a que os acontecimentos seguissem seu curso

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já estabelecido, resolveu prestar o auxilio pedido. Para evitar chamar atenção, “o negociante Irineu Evangelista de Souza” serviu de intermediário, fornecendo empréstimo ao governo oriental de dezoito mil pesos fortes mensais, pelo espaço de treze meses e juros de 5 por cento, sendo pagos ao próprio Irineu Evangelista. Resolvida a questão, era necessário garantir uma coligação capaz de sobrepor Rosas. Era notório pela imprensa de Entre-Rios e região que o governador D. Justo José de Urquiza, “o general mais prestigioso e popular da Confederação, estava disposto a sacudir o jugo que pesava sobre o seu país e que ainda mais pesado e duradouro se tornaria, desembaraçado o general Rosas das dificuldades em que até então se vira”. O sentimento era partilhado por um grande número de argentinos, especialmente a população comprimida das províncias. Se “o primeiro passo” (...) para destruir o poder do general Rosas era destruir o de Oribe”, “o general Urquiza era portanto o aliado natural para este último fim”. O caminho era a desunião entre a frágil organização institucional da Confederação Argentina: organizada por meio de províncias soberanas e independentes, não havia sido fixado de um modo uniforme a autoridade que devia ser encarregada das relações exteriores, único laço entre elas, sendo esta autoridade delegada na pessoa de D. Manoel de Rosas. Em 1º de Maio de 1851, em virtude das faculdades ordinárias e extraordinárias de que tinha sido investido pelo corpo de representantes da província, o governador Urquiza declarou “que era vontade do povo entre-riano reassumir o exercício das faculdades inerentes à sua soberania” até que fosse “congregada uma assembleia nacional das províncias irmãs”, constituindo definitivamente a Republica. A província de Corrientes, também insatisfeita com a supremacia de Rosas e a falta de uma organização realmente representativa do estado argentino, aderiu a mesma declaração fazendo o mesmo. Assim que reassumiram seus exercícios completo de soberania, estabeleceram com o Império o convenio de 20 de Maio de 1851, que tinha o objetivo em comum de derrotar Oribe. Dessa maneira, em nome da moderação, evitava se opor em tratado contra o governador de Buenos Aires. A aliança tinha como finalidade manter a independência e pacificar a Banda Oriental, fazendo dele sair Manoel Oribe e as forças argentinas que comandava, cooperando para que assim que possível houvesse eleições livres segundo a constituição uruguaia. Somente em caso de por causa dessa aliança Rosas declarasse guerra aos aliados, individual ou coletivamente, ela se converteria em aliança comum contra ele.

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O curso dos acontecimentos se acelerou quando a França apresentou a assembleia nacional um projeto de lei que retirava definitivamente a sua intervenção no Rio da Prata, alegando que o estado das coisas impunha ao tesouro sacrifícios enormes, empregando verbas e forças marítimas consideráveis, e a paz, mesmo que fosse a paz de Oribe, ofereceria ganhos imensos. A notícia teria por si só precipitado a queda de Montevidéu, porém, ‘a força e confiança no apoio brasileiro mantiveram os ânimos na defesa da cidade’, que se colocou no lugar da França na ajuda por meio de empréstimos. O governador de Buenos Aires declarou guerra a Urquiza, só havia a aliança para expulsar Oribe do Estado oriental. Com isso, entrava em vigor a aliança contra Rosas, mudando o panorama da guerra na região. A justificativa para a intervenção, portanto, foi a de criar uma narrativa em que o Império teria sido compelido pela força das circunstancias a sair da sua posição neutra para tomar frente aos inimigos meridionais que ameaçavam em última instância a própria integridade do Império. A guerra seria assim apenas a consequência do curso dos acontecimentos não provocados. Endossava essa tese à argumentação presente no RRNE de 1850 de que o Brasil não estava pronto para o confronto que se desenhou, diferente dos adversários que dispunham de todos os recursos possíveis e de um exército aguerrido.

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Protetorado e Civilização

Uma nova fase se inaugurava com a derrocada da aliança Oribe-Rosas, especialmente na relação entre Brasil e Uruguai. (RRNE, 1852, p.8-9) A relação com o vizinho, entretanto, não foi calma, mesmo com a nova disposição de forças. Por vezes o Império interviu no vizinho, seja de forma militar (garantido em tratado entre os dois países), e mesmo com apoio político-econômico. No entanto, esse status não era perfeito: preso aos acordos, ainda que tenha sido capaz de destituir o poder de Oribe, seus seguidores blancos e a resistência interna ao Império se fazia presente no cotidiano e na diplomacia, o que ficou explícito pela não assinatura do tratado de limites e grande indolência no trato entre os dois países. A não solução da questão fronteiriça, que envolvia desde a navegação às estâncias ganadeiras, e a incapacidade de lado-a-lado para neutralizar a ação política e militar de grupos internos acarretaria dificuldades crescentes. O custo político-econômico foi financiado pelo Brasil, e pela fortuna pessoal do Barão de Mauá, por meio de um

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consenso alcançado pelo partido conservador, preeminente na vida política imperial até o início da década de 1860. A série de acordos firmados entre os dois países contraídos durante e depois da guerra previam de forma geral: primeiro – estabelecer paz e amizade entre os dois governos; segundo – a aliança especial e temporária contra Rosas e Oribe se estendia para uma aliança perpétua, tendo por finalidade sustentar a independência dos dois pais contra qualquer dominação estrangeira; terceiro – livre navegação dos rios Uruguai e fluentes; quarto – definição de limites entre os dois países; quinto – por fim, o Império se comprometeria, em nome de “fortificar a nacionalidade oriental”, a prestar apoio por meio de forças marítima e terrestres às requisições do governo constitucional oriental por um período de quatro anos, podendo ser renovado, não podendo o governo imperial recusar sob nenhum pretexto; (Tratado de Aliança de 1851) Preso a um sistema bem definido de tratados, que referendavam inclusive a possibilidade de intervenção em nome da legitimidade constitucional, com sua economia refém dos interesses dos estancieiros gaúchos e de Irineu Evangelista, além das grandes dívidas contraídas com o governo imperial durante a guerra contra Oribe, o Uruguai seria de fato um protetorado brasileiro durante aqueles anos. Ainda que posto em dúvidas pelo novo presidente uruguaio João Francisco Giró, o Brasil conseguiu a ratificação dos acordos por meio de pressão diplomática, econômica e militar. O Uruguai passou durante o ano de 1853 por duas crises, sendo a primeira em Julho e a outra em Setembro e os relatórios traziam a versão brasileira dos fatos, sempre alegando intenções civilizatórias e que apenas agia por ter sido impelido a isso. (RRNE, 1853, p.26) Visconde de Uruguai afirma que a primeira das problemáticas teve início na manhã do dia 18, aniversário do juramento da constituição, em um conflito entre a tropa de linha e a guarda nacional. As causas eram difíceis de determinar, especialmente em um clima de intolerância geral, debilidade do governo, e a demissão de um ministro, levando o partido colorado a reclamar a entrada de dois partidários no governo para contrabalancear a reação que parecia se operar. Uma modificação teve no seu lugar: Bernardo P. Berro, exministro de Oribe, passou a ocupar o ministério de governo e relações exteriores, não satisfazendo aos descontentes, que argumentavam que os precedentes do

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ministro não eram de confiança. O acirramento das coisas levou ao ministro residente brasileiro a tentar interpor a situação e persuadir o presidente a nomear dois ministros do partido colorado, porém este recusou sob a alegação que perderia a sua autoridade, que segundo o relatório era uma ação isenta de qualquer intenções além do apaziguamento da situação. Com a aproximação do dia 18 de Julho, havia o receio de que a guarda e a tropa, de lados opostos na luta partidária, poderiam entrar em choque a causar uma explosão nos ânimos. O presidente foi aconselhado a suspender as ordens expedidas para a reunião das forças naquele dia, ou pelo menos evitasse o contato das duas, mas ele não quis anuir. Apenas na véspera reconheceu o perigo da situação, recorrendo à legação brasileira, requisitando o auxilio de força armada para manter a ordem pública, depois de ter recusado os conselhos antecipados. A situação era complexa. A legação brasileira respondeu “que as forças brasileiras desembarcariam quando fosse preciso, não para tomar parte em uma luta civil, mas sim para defender a segurança pública, e as pessoas e propriedades dos súditos de sua nação.” Assim que a tropa encontrou com a guarda nacional o conflito aconteceu como previsto e o presidente ficou de mãos atadas “para conter a revolução”, afinal os corpos de linha estavam em conflito sem obedecer a suas ordens. Totalmente cercado, teve de ceder ao partido colorado, e escolheu o coronel Flores para ministro da Guerra e Herrera y Obes para a fazenda. Satisfeito com as nomeações a tranquilidade pública se restabeleceu na capital e não foi perturbada em nenhum dos departamentos. A paz construída era frágil, especialmente pelas alegações de que o poder militar se sobrepôs ao civil em uma prerrogativa do segundo, como era a escolha de ministros. Amigos e conselheiros do presidente pediam punição à tropa que havia iniciado o conflito e ostracismo aos seus comandantes, enquanto a “imprensa tornara-se órgão das paixões mais violentas”. A censura foi implantada por meio de decreto presidencial objetivando conter os ânimos, mas os novos ministros colorados só aceitariam caso fossem acompanhados dos passaportes ao general Oribe para sair do país e de mais algumas nomeações de cargos e suspensões de adversários políticos. Assim que obtiveram a aprovação sobre a liberdade de imprensa, a presidência deixou de cumprir as condições a que

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se comprometera. Flores em consequência disso saiu do ministério em 21 de setembro daquele ano e começa a segunda fase da crise. O ministro Berro declarou no mesmo dia à legação brasileira em Montevidéu que a capital estava ameaça e que poderiam vir grandes desordens, sem que o governo constituído pudesse impedir por não ter forças para tanto, e “acreditava ter chegado a hora de se encarregarem os agentes estrangeiros, com a força armada que podiam dispor, da proteção da cidade”. O ministro brasileiro respondeu a ele e ao chefe da marinha imperial para ficarem prevenidos e prestarem todo o auxilio possível à segurança pública da capital; no entanto, avisava que a força brasileira ali estacionada só tinha capacidade para defender a sede da legação e a propriedade de súditos brasileiros, e no máximo oferecer abrigo e asilo amigável na legação pessoal que se julgasse ameaçadas. Instado pela situação, Flores voltou ao ministério e convidou o representante brasileiro para assistir a uma conferencia de ministros no dia 23 daquele mês, sendo interpelado sobre o auxilio que poderia dar ao governo, foi oferecido “o seu concurso moral e amigável de obter-se um desenlace pacífico da crise por meio de algumas concessões”. A oferta foi aceita e o presidente autorizou ao representante brasileiro a assegurar aos “descontentes que estava disposto a nomear dois chefes políticos escolhidos dentre as pessoas do partido colorado, contanto que Pacheco y Obes saísse do país e a imprensa política evitasse o passado, e evitasse polemicas iritantes”. O general Pacheco y Obes aceitou, porém contrapôs dizendo querer três e não dois chefes apenas. Antes de ter conhecimento deste aceite, o presidente asilou-se na legação francesa e por meio de um comunicado havia dito que “tivera de suspender o exercício de sua autoridade na capital, e de prover à sua segurança pessoal.” O presidente foi a legação brasileira e anunciou de forma oficial que Flores havia se rebelado de forma oficial, alegando aos ministros estrangeiros que ele tinha deixado de ser presidente por ter pedido asilo à legação francesa. Assim, argumentava o presidente, esse acontecimento inesperado punha outra vez o Uruguai em posição frágil, exigindo a proteção do Brasil pelo tratado de 1851; e que se o Brasil não quisesse nem pudesse, poderia pedir essa solicitação aos agentes das demais potências que residiam no porto. O ministro brasileiro mais uma vez respondeu que não tinha forças o suficiente para isso e que deplorava que tenham sido contrariados

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os seus esforços para um a resolução pacífica da questão. No mais, não tinha instrução nem autorização para solicitar aos representaste estrangeiros ajuda nesse caso e que iria ter que reportar à corte antes de qualquer ação. O impasse gerou uma revolução que se consumou no dia 25 de Setembro com o estabelecimento em Montevidéu de um triunvirato composto pelos generais Lavalleja e Rivera e do coronel Flôres. O presidente Giró fugiu no dia 28 na fragata francesa Andromêde, e a bordo dela enviou nota ao ministro brasileiro pedindo que declarasse qual atitude pretendia tomar frente à insurreição. O ministro brasileiro respondeu que manteria a abstenção, competindo ao governo no Rio de Janeiro enviar as instruções que deveria tomar. Giró voltou a Montevidéu no dia 21 de Outubro e recolheu-se na sua casa sem fazer nenhum protesto e a agitação estava totalmente encerrada. Quando as informações chegaram ao Rio De janeiro, expediu ao ministro brasileiro instruções para serem enviadas a Giró, pela qual declarava que não lhe competia ser parte principal na questão interna oriental, e apenas prestar auxilio a fim de restabelecer a autoridade e legitima deposta por meios inconstitucionais. No mais, apesar de não ter noticias de algum departamento que não tivesse aceitoo novo status quo, o Império havia expedido ordem para que cinco mil homens se postassem na fronteira meridional, em alerta para fazer cumprir a sua parte no tratado da aliança, prestando a ajuda que fosse necessária. O Brasil então, e referendado por notas subsequentes de Giró, afiançava dois eixos fundamentais na relação para com o Uruguai: primeiro – que a prestação de auxílios por parte do Brasil não era obrigatória; segundo – que competia ao governo imperial determinar a linha de conduta que lhe cumpria seguir dependendo das circunstâncias da República do Oriental. A situação não se estabilizara. Reuniões armadas começaram a se operar em vários departamentos, levando Giró a pedir asilo ao Brasil. Foi encaminhado para a corveta brasileira D. Francisca para sua proteção. As agitações foram dissolvidas pelo governo provisório, no entanto, o partido colorado estava dividido em dois grupos que passaram a disputar o controle do país. “A desunião e a desconfiança entre eles reinava, e crescia de dia em dia, e alguma medidas extraordinárias, que o governo provisório decretara, faziam recear pela existência do Estado Oriental”, e “pelo sossego nas fronteiras do Rio Grande do Sul”.

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Nessa circunstâncias, instado primeiro pelo presidente Giró, depois pelo governo provisório, e acedendo aos votos de todos os habitantes do país, o governo imperial resolver intervir como “único meio de assegurar a sua existência, os direitos de todos os seus habitantes, a paz e a tranquilidade pública e o estabelecimento de um governo regular”. O corpo diplomático estrangeiro foi notificado e um novo ministro especial foi enviado para auxiliar o governo provisório, avisando Giró de que dadas a nova situação, a intervenção apoiaria o triunvirato e não o antigo governo. Giró deixou o asilo brasileiro e retirou-se para Buenos Aires. A intervenção foi bem recebida em várias esferas da sociedade, especialmente do corpo de comércio. Por pedido do governo, foi solicitado que as forças imperiais marchassem para Montevidéu, numa divisão expedicionária de quatro mil praças, partindo no dia 25 de Março do acampamento do Pirai Grande no Rio Grande do Sul. Nesse meio tempo foi formada uma assembleia constituinte, que pretendia reformar o estado oriental e nomeou Venâncio Flores como novo presidente da República. A estabilidade retornava, ainda que questões em aberto, como as dívidas de guerra, ainda estivesse por resolver. A intervenção e os problemas de fronteira se somavam a absoluta dependência econômica uruguaia ao Brasil. Desde a manutenção da praça de Montevidéu o Império passou a subsidiar financeiramente os custos da manutenção do estado, entendendo ser a única forma de se manter a estabilidade e independência do vizinho meridional. Após formalização pela lei 723 de 30 de Setembro de 1851, ficou acertado que o auxílio seria mensal, sem exceder trinta mil patacões, enquanto não se regularizasse a situação financeira. Ao governo imperial se resguardava o direito de cancelar o acordo se assim decidisse. O grave estado das finanças públicas obrigaram, após pedido do governo oriental, aumentar de trinta para sessenta mil patacões, além de uma quantia única de cento e oitenta mil patacões. O empréstimo aceito teve haver com o fato de Irineu Evangelista, Barão de Mauá, estar com parcelas do seu empréstimo atrasados, obrigando ao Brasil oferecer seus bons ofícios nesse caso e ajudar financeiramente para a solução do caso. O caso foi resolvido sem autorização da corte, feita apenas pelo seu ministro residente, chamando atenção ao caso. Ainda assim, reconhecendo os préstimos feitos pelo país no Prata, o governo imperial ficou responsável pela dívida com o Barão. Para resolver o resto da crise fiscal e orçamentária, foi criada

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uma junta de crédito público para calcular e regulamentar a amortização e liquidação dos subsídios brasileiros. O RRNE de 1855 em sua parte política, assinado por José Maria da Silva Paranhos, o ministério interpretava textualmente que a intervenção brasileira havia sido resultado da requisição das autoridades uruguaias, em consequência dos eventos de Setembro de 1853, e não teria “outros fins que promover e assegurar o restabelecimento da paz e da ordem constitucional naquele Estado”. O duplo auxílio, de forças militares e ajuda financeira, foram os dois principais braços da política de estabilização do vizinho meridional, resultando em um período de aparente tranquilidade. (RRNE, 1855, p.25) Assim que se encerrou o auxílio pecuniário, e a força brasileira já se preparava para marchar de volta ao Império, alguns eventos perturbaram a relação entre Brasil e Uruguai. A raiz do problema estava no decreto promulgado pelo governo oriental que restringia fortemente a liberdade de imprensa, alterando “as boas relações tão longo tempo mantidas”. O ministro brasileiro não deu assentimento à medida excepcional, que alegava não ser necessária para manter a ordem pública, pois a intervenção brasileira e a ela garantia. O governo brasileiro ficou indignado, afirmando que o ministro “tinha o direito de ser ouvido previamente, e de ser atendido, a respeito de medidas de semelhante natureza”. Em uma retórica singular, Paranhos afirmava que se “o governo oriental, se carecia ou não queria prescindir do apoio material do Brasil, não devia também prescindir do prévio acordo da legação imperial para o emprego de tais medidas.” A atitude do governo gerou grande clamor, quebrando a autoridade da autoridade legal, obrigando o presidente Flores a sair da capital, deixando a uma junta composta por um governador provisório e três ministros. Paranhos, no RRNE de 1855, afirmou textualmente que a situação “surpreendeu e causou a mais desagradável impressão ao governo imperial”, uma vez que as autoridades brasileiras julgavam “que as circunstâncias da república já não exigiam a sua intervenção”, contando que “a divisão brasileira estacionada em Montevidéu se retiraria dentro do prazo estipulado do acordo (3 de agosto de 1854). Os acontecimentos causaram um “duplo pesar ao governo imperial”, pelo receio do reaparecimento da guerra civil, o que obrigaria a continuação do auxílio militar, que o Império “não retiraria de certo em tais circunstâncias”.

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Sem conseguir um prognóstico confiável acerca do estado das coisas, o Brasil enviou em missão especial junto aos governos da Banda Oriental do Uruguai o visconde de Abaeté, com instruções para auxiliar o “restabelecimento da paz da república, pelos meios que estivessem ao nosso alcance, e as circunstâncias aconselhassem como mais convenientes”. No dia da partida de Abaeté, chegou a corte do Rio de Janeiro a noticia de que a crise política havia acabado. O presidente Flores e o governo estabelecido na capital entraram em acordo, em nome da necessidade da conservação da paz no país, e por mutuas concessões evitaram por meio do acordo uma nova efusão de sangue. O acerto resultou na renuncia irrevogável de Flores, assumindo como mandava a constituição o presidente do Senado, D. Manoel Basilio Bustamante. Um dos primeiros atos do novo presidente foi procurar restabelecer a boa relação entre Brasil e Uruguai. Quando Abaeté chegou a Montevidéu, no dia 24 de Setembro, a ordem constitucional estava sendo plenamente exercida. Percebendo a tranquilidade e a ordem que o país estava vivendo, o representante brasileiro entrou em acordo e se acertou a saída do auxilio da divisão brasileira que havia por quase dois anos prestado serviço na capital uruguaia. No dia 1º de Novembro as tropas deixaram de fazer o serviço patrulha e policiamento, e no dia 14 já estava em marcha, alcançando o território brasileiro no dia 19 de Dezembro. Logo que houve a retirada da divisão imperial, ocorreu em Montevidéu um conflito armado entre autoridades e alguns cidadãos, que tentaram impor condições ao governo, alegando falta de confiança em alguns dos chefes que estavam exercendo funções na República. Ainda que as forças orientais conseguiram conter os insurgentes, durante os eventos, o governo oriental dirigiu-se oficialmente à legação brasileira, solicitando que desembarcasse alguma tropa dos navios estacionados no porto de Montevidéu para proteger os interesses comerciais dos súditos brasileiros, portanto, guarnecendo o edifício da alfandega. Mais uma vez aceitou e interviu, ainda que de forma pontual, fazendo desembarcar uma pequena força igual as que também mandaram França, Espanha e os Estados Unidos. (RRNE, 1855, p.25-29) Em 1856 acabava a obrigação do Brasil, por meio do tratado de 1851, de auxiliar o governo uruguaio e intervir caso fosse requisitado, e o legislativo uruguaio não

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aceitou a renovação daquele acordo. (RRNE, 1856, p.47) Ainda assim, um ano depois, um movimento revolucionário comandado pelo coronel Brigido Silveira no departamento de Minas, após as eleições gerais, colocou novamente o país em estado de atenção. Por meio de um pronunciamento contra o governo instituído foi deflagrada uma nova rebelião que marchou do Rincão do Albano até a capital, procurando sitiá-la. Circulavam informações no governo uruguaio de que Buenos Aires preparava expedições para apoiar as forças rebeldes. (RRNE, 1857, p.14) Novamente o governo oriental se dirigiu à legação brasileira, solicitando ajuda, especialmente da força naval brasileira ancorada em Montevidéu, com o objetivo de impedir qualquer desembarque de forças estrangeiras na cidade. Além disso, o governo oriental pediu formalmente a todos os agentes estrangeiros na cidade como forças estacionadas em suas frotas que as desembarcassem, e que prestassem auxilio na defesa das propriedades de estrangeiros ali residentes, a alfandega e outros pontos de interesse internacional. Com a garantia de proteção da alfandega, do porto e das propriedades estrangeiras, e até certo ponto as dos seus nacionais, as autoridades orientais passaram a buscar meios de prover a defesa contra a sublevação, levando a pedir, além da já mencionada ajuda brasileira, auxílio da Confederação Argentina, que na ocasião estava apartada de Buenos Aires. Em 10 de janeiro de 1857 chegava no Rio de Janeiro “as comunicações dos tristes acontecimentos em Montevidéu”. Nela o ministro da República Oriental afirmava que a sua vontade e expectativa era que o governo conseguiria vencer a rebelião com suas próprias forças nacionais; no entanto, prevendo a possibilidade das expedições organizadas por Buenos Aires, e “as funestas consequências que poderiam resultar para a existência nacional da República e os interesses de paz, equilíbrio e segurança”, solicitou à legação brasileira que o Brasil tomasse “as medidas que julgasse dever tomar”, salvaguardando a existência dos poderes legais e a própria independência nacional uruguaia. O governo imperial procedeu como a requisição havia sido feita: não apoiaria nenhuma intervenção sem que essa fosse apoiada materialmente ou de fato por forças vindo de outro Estado. As primeiras iniciativas brasileiras datam de 12 de janeiro ordenando que qualquer força organizada de Buenos Aires com o fim de reforçar os amotinados fosse rechaçada.

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Em 6 de Janeiro, saiu da cidade o patacho Maipú, tendo a bordo deportados políticos, vários estrangeiros, e uma soma de armas, munições e mais petrechos de guerra para reforçar a rebelião. A ação levou à legação brasileira ser acionada pelas forças orientais, que solicitou auxilio dos navios brasileiros para impedir o desembarque do navio. Como as ordens brasileiras de 12 de janeiro não haviam chegado a tempo, e sem ordens para desempenhar a ação, a expedição Maipú desembarcou e reuniu-se com os rebeldes, que se achavam acampados em Cerrito. A crise estava novamente instaurada. O cônsul geral em Buenos Aires, em nota de 30 de janeiro, protestou de forma energética, reclamando providencias e satisfação acerca do evento, além de exigir que pudessem termo o apoio as fileiras rebeldes. No campo de batalha, os sitiantes tentaram várias vezes romper as barricadas que em diferentes pontos da cidade havia sido preparado pelo governo em defesa da praça da Montevidéu, mas foram repelidos em todas as suas tentativas. No dia 9 deram um ataque geral, e sendo totalmente repelidos, levantaram o sitio e se dirigiram ao interior. No dia 15 os rebeldes se aquartelaram em Caganchas, e as forças do governo sob o comando do general Medina se prepararam para o ataque. Nessa circunstância, o ministro das relações exteriores uruguaio expediu ao ministro da Confederação uma nota (12 de janeiro), afirmando que por “o interesse evidente dos governos da Confederação e do Brasil”, afirmados desde a convenção de paz de 1828 e o tratado de 1856, os dois países tinham obrigação de defender a independência e a integridade da República, e este confiava “que o governo de V. Ex. compreenderá que é chegado o caso de tornar efetivas essas estipulações”. Em 16 de Janeiro a mesma estipulação foi feita ao Brasil, declarando que “o seu governo aceitaria com agradecimento a intervenção do Brasil para salvar os elementos da independência oriental, sufocando prontamente o incêndio da rebelião que ameaça consumi-los. ” Em nota no dia 21, o ministro das relações exteriores da Confederação aceitou a requisição uruguaia, e convidou a legação imperial para formular um acordo sobre o modus operandi da ação a ser tomada. O governo brasileiro tinha convicção que o auxílio moral seria suficiente para remover as dificuldades na República Oriental, porém, com a requisição formal de pedido de apoio material, e declaração de aceite por parte do Império em 24 de janeiro, os agentes brasileiros imediatamente passaram a organizar ação.

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A argumentação brasileira para novamente agir em assuntos internos uruguaios em conjunto com a Confederação era a legalista usual: “tratava-se, como se vê, de uma causa comum, que não poderia deixar de ser esposada pelo Brasil e pela Confederação Argentina, pelos seus compromissos mútuos, e pelos que tinha contraído com o Estado Oriental”. No mais, havia o fato da expedição da embarcação Maipú, e a recusa do governo de Buenos Aires de receber o representante brasileiro na cidade, “bem como a certeza de que continuavam a fazerse novos aprestos em favor da revolução”. Somado a isso, as notas diplomáticas entre o Uruguai e Buenos Aires aumentaram a tensão na região. Em nota do dia 14 de janeiro, o governo oriental reclamava explicações acerca dos fatos envolvendo o apoio aos rebeldes, e exigia a “satisfação devida à dignidade do governo da República”. A resposta do governo bonaerense foi evasiva: assegurava que “tinha guardado a mais estrita neutralidade na luta fratricida que desgraçadamente flagelava a República Oriental” e negava que as suas autoridades houvesse prestado auxílio aos emigrados com armas e petrechos de guerra, e declarou que “a saída do porto de Buenos Aires, para secundar a rebelião, não estava na órbita de seu poder impedir, por haver tido conhecimento desse fato depois de consumado”. Acrescentava na nota que os autores da rebelião encontravam “as maiores facilidades para levar a efeito os seus intentos, tanto nas imensas simpatias da população do Estado, como na liberalidade de suas leis”. A reação oriental veio poucos dias depois, em 22 de janeiro, com a promulgação de um decreto que fechava todos os portos orientais ao comércio e correspondência do Estado de Buenos Aires, excetuando os paquetes das linhas transatlânticas. Além disso, pediu ao governo imperial que um navio de guerra brasileiro ancorado em Colônia interceptasse um segundo navio vindo de Buenos Aires que dirigir-se-ia aquele porto para engrossas as fileiras rebeldes. Esse pedido foi acatado pelo Império, mas antes as autoridades brasileiras entraram em acordo com as autoridades estrangeiras que tinham força em Montevidéu. O pedido de acordo foi pessimamente recebido, especialmente pelos encarregados de negócios britânicos e franceses. A instrução das duas legações era de manter completa neutralidade, entendendo que não podiam colaborar com a ação imperial, e em nota coletiva de 23 de janeiro afirmavam que não estavam em vigor mais os tratados que referendavam à intervenção das forças imperiais para sustentar

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a nacionalidade oriental por meio da paz interna e dos hábitos constitucionais, e assim o Brasil havia voltado à posição geral de potência interventora. A nota continuava manifestando contra o auxílio prestado pelo Brasil, ainda que apenas da força naval, colocando sobre o Império toda a responsabilidade dos incidentes desagradáveis, ou de possíveis complicações internacionais que poderiam resultar a intervenção. O Império se defendia no RRNE de 1857, alegando que franceses e britânicos ignoravam as obrigações dos tratados de 1828, além do tratado de aliança de 1851 e de 1856, este último com a Confederação, que criavam obrigações às ações do Império no Uruguai. A retórica partia da ideia-conceito de que “entre o Brasil, o Estado Oriental e a Confederação Argentina existiram sempre uma aliança especial” centrada na “obrigação de defender a independência e a integridade da República Oriental do Uruguai”. Sendo assim, este “era um negócio que exclusivamente devia ser resolvido entre as partes contratantes daquele compromisso”, não tendo espaço para a interferência de forças alheias. No mais o Brasil seria “mal amigo, mal aliado”, se “não fosse pronto em prever as eventualidades a que poderiam arrastar os acontecimentos que se davam na República Oriental”; “mal avisado também seria, se não acautelasse as graves consequências que dali podiam provir para o Império”. O encarregado de negócios brasileiro foi obrigado a responder manifestando a convicção imperial de que não haveriam consequências desagradáveis e questões internacionais que os agentes europeus receavam. Sem novo apoio material e de novos destacamentos adicionais para os rebeldes, general Medina submeteu em Passo de Quinteros, sobre a margem do Rio Negro, as forças rebeldes. No mesmo dia da chegada da notícia da vitória, o governo oriental expediu ordens para serem fuzilados os generais, chefes, oficiais e prisioneiros. O governo brasileiro agiu intercedendo pela “vida daqueles infelizes, e oferecendo-se a fazê-los transportar para o Brasil a bordo de um dos vapores da marinha imperial”, algo que foi acatado pelas autoridades orientais, que suspenderam a ordem. No entanto, a ordem chegou tarde e as ordens foram executadas como haviam sido inicialmente previstas. As tropas voltaram aos navios e os destacamentos que estavam à disposição para entrar em ação por parte do Brasil e da Confederação Argentina regressaram aos seus locais originais, sendo a última intervenção brasileira antes dos eventos que precipitariam a Guerra do Paraguai em 1864.

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4. Considerações Finais De todos os dispositivos nos tratados do período analisado, o que mais chamava atenção da opinião pública e governos brasileiro e uruguaio era o de intervenção e os usos políticos que ele permitia. Como se pode verificar, o governo se esmerava em justificar as ações que nasciam daquele acordo, evitando qualquer interpretação que visse naquele instrumento uma ação expansionista ou de defesa dos interesses brasileiros no vizinho. Usando de uma retórica análoga das que seriam usadas por grandes interpretes da região, parece haver para o governo brasileiro uma situação na região platina dominada por uma contradição fundamental entre a cidade, lócus da civilização, e o interior, bárbaro e avesso às leis, hábitos e costumes do primeiro. Os relatórios do período apoiavam a intervenção como instrumento necessário para a defesa da civilização em oposição à barbárie anárquica que se insurgia repetidamente contra a constitucionalidade e impossibilitava o processo de modernização de tipo liberal no país. Assim, o Império jamais era responsável pelos eventos no vizinho meridional; pelo contrário: era forçado pela sua obrigação moral de agir mesmo que preferisse não fazer.

Referências Documentais RELATÓRIOS DA REPARTIÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS (RRNE)

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