“CLASSE CRIATIVA” E DINÂMICAS REGIONAIS EM PORTUGAL

July 27, 2017 | Autor: MÁrio Vale | Categoria: Creativity, Creative Cities, Creative Class
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“CLASSE CRIATIVA” E DINÂMICAS REGIONAIS EM PORTUGAL* Leandro Gabriel Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa [email protected] Mário Vale Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa [email protected]

Palavras-Chave: Classe Criativa, Criatividade, Crescimento económico, Portugal Resumo: A presente comunicação pretende testar o modelo de Richard Florida (2004) – a partir da metodologia desenvolvida por Boschma e Fritsch (2009) – à escala regional (NUT-3) para o contexto português. Assim, através de informação relativa à distribuição das ocupações criativas, procura-se compreender quão grandes são as diferenças regionais na organização destes profissionais e quão concentrados estão, o que justifica a sua distribuição e como a sua presença se relaciona com o empreendedorismo, a inovação e o crescimento económico regional. Keywords: Creative Class, Creativity, Growth, Portugal Abstract: This communication intends to test Richard Florida’s model (2004) – based on the methodology developed by Boschma & Fritsch (2009) – at regional scale (NUT3) for the Portuguese context. Thus, by providing information on the distribution of creative occupations, we seek to understand how strong are the regional differences in the organization of these professionals, what issues explains the distribution of this class and how their presence is related with entrepreneurship, innovation and regional economic growth.

1. INTRODUÇÃO Os últimos 30 anos foram marcados por uma série de transformações socioeconómicas que levaram à diversificação dos estilos de vida e dos padrões de consumo. Perante estas mudanças, as cidades depararam-se com novos desafios associados a factores que se tornaram preponderantes para o seu desenvolvimento, como a competitividade (Vale, 2007). Ao longo deste período, o foco centrou-se, também, na inovação e no conhecimento, destacando-se algumas cidades/lugares pela sua massa crítica que potencia a criatividade. A atenção em torno do papel da criatividade no desenvolvimento das cidades e das regiões é recente quando comparado com os vários estudos que já têm sido feitos sobre a relação entre actividades *

Investigação realizada no âmbito do Projecto RUcaS «Real Utopias in Socially Creative Spaces» [PTDC/CS-GEO/115603/2009], financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Gabriel, L, Vale, M (2012) ’Classe Criativa’ e Dinâmicas Regionais Em Portugal. Atas do XII Colóquio Ibérico de Geografia, Respuestas de la Geografía Ibérica a la crisis actual, Universidade de Compostela, Meubook, Santiago de Compostela: 166-176 1

culturais/criativas e território. Quando se conjuga a criatividade com o desenvolvimento dos territórios percebe-se que ela não ocorre apenas nas aptidões intelectuais dos indivíduos mas também nas relações sociais e num determinado contexto territorial, sendo que este depende da geografia dos lugares, da qualidade ambiental, do ambiente cultural e social, dos constrangimentos ou das referências, das políticas ou das redes, ou seja, do contexto institucional. Arquitectada por Florida (2004), a noção de “classe criativa” surge como reunião do conjunto dos profissionais mais qualificados que trabalham em actividades consideradas criativas. A sua tese dos 3Ts (Tecnologia, Talento e Tolerância) sustenta que os indivíduos criativos são a chave para o crescimento económico urbano e regional por serem inovadores e atraírem novas actividades económicas. O papel das tecnologias no desenvolvimento económico, a influência dos recursos e capital humano essencial ao desenvolvimento regional e a abertura à diversidade social, cultural, orientação sexual, étnica, etc, são tidos essenciais para os processos de criação colectiva. Explica igualmente que as cidades e regiões têm características e qualidades diferenciadas no que respeita à capacidade de reunir este grupo social. Apesar de inúmeras críticas por parte de outros autores (Glaeser, 2004; Peck, 2005; Markusen, 2006) – nomeadamente em questões conceptuais da noção de classe, na sua fraca capacidade de definição de um problema conceptual ou de medir adequadamente a ‘criatividade’, o contributo de Florida tem o mérito de trazer para o debate actual a relevância da criatividade para o desenvolvimento local e regional. Neste trabalho, pretende-se testar o modelo de Florida – a partir da metodologia desenvolvida por Boschma e Fritsch (2009) – à escala regional (NUT-3) para o contexto português. Através de informação relativa à distribuição das ocupações criativas, procura-se compreender quão grandes são as diferenças regionais na organização destes profissionais e quão concentrados estão, o que justifica a sua distribuição e como é que a sua presença afecta o empreendedorismo, a inovação e o crescimento económico regional, testando-se o alcance da sua teoria que se pode resumir na frase: “os empregos seguem as pessoas”. Esta análise comparativa entre as regiões procurar saber, entre várias questões, por exemplo, se o capital humano é explicativo da díspar distribuição dos criativos, se as regiões têm um melhor desempenho económico devido à concentração da classe criativa ou se os criativos são mais produtivos pela existência de amenidades locais. 2. A “CLASSE CRIATIVA” E O CRESCIMENTO ECONÓMICO REGIONAL Assumindo que as especificidades intelectuais da população são fundamentais para a caracterização dos territórios, Florida (2004) sustenta que os indivíduos criativos são determinantes para o crescimento económico regional e urbano, porque esta “classe criativa” é tipicamente inovadora, gera meios criativos, fomenta o empreendedorismo e atrai outras actividades económicas. Segundo o autor, apesar das cidades e regiões terem uma variada representação de membros da “classe criativa”(porque nem todos os lugares reúnem um conjunto de factores essenciais para fixar este grupo social), as que têm maior contributo destes indivíduos têm melhores desempenhos económicos. Espera-se por isso que a relação entre a presença de criativos e as oportunidades de emprego regionais seja positiva. Apesar de esta “classe” ser composta por indivíduos associados a empregos considerados criativos ou de inovação, são as ocupações ou profissões que a constituem que a faz economicamente produtiva. Neste sentido, Florida argumenta que o desenvolvimento regional e urbano tem como base de análise as ocupações criativas e 2

não o sector, como as indústrias criativas ou de alta tecnologia, defendendo que em vez de se centrar as políticas da competitividade na atracção de empresas, se devem criar condições que potenciem o capital humano, atraindo e fixando talento e criatividade (André e Vale, 2012). Focando-se na criatividade dos indivíduos e não na sua educação formal, Florida é da opinião que o capital humano não contribui para o desenvolvimento regional se não houver uma íntima relação entre aquilo que o indivíduo sabe com aquilo que produz, ou seja, o capital humano é irrelevante se não aplicado de uma forma criativa e económica. Afirma igualmente que a “classe criativa” não está uniformemente distribuída pelo território, isto é, as cidades e regiões não têm a mesma proporção de indivíduos criativos, reflexo de vários factores que caracterizam os lugares e são condições para a atracção e sua fixação. Alvo de inúmeras críticas, a classificação da “classe criativa” que Florida apresenta baseia-se nas profissões dos indivíduos e não em níveis de qualificação ou pertença a determinadas empresas ou instituições. Desta forma, como os membros desta “classe” não dependem da actividade económica em si, podendo estar representados em diferentes instituições, esta análise possibilita identificar e separar indivíduos com profissões criativas dos trabalhadores com ocupações consideradas não criativas. Porém, entre as críticas feitas ao modelo de desenvolvimento urbano e regional que apresenta, destacam-se a problemática da aplicação do conceito de ‘classe’ aos criativos (Peck, 2005), desde logo porque as profissões são categorizadas pelas competências e características do processo de trabalho e pela dificuldade em se distinguir as profissões criativas das não criativas. Por considerar que a diferença entre as ocupações criativas e as não criativas reside sobretudo no trabalho para o qual os indivíduos são remunerados, as ocupações criativas representam profissões onde existe maior liberdade, autonomia e flexibilidade nas tarefas que executam (Florida, 2004). Neste sentido estas profissões tendem a apresentar altos níveis de educação excluindo por isso trabalhadores criativos sem qualificação académica. Enquanto algumas críticas afirmam que se trata de uma tese elitista que dá cobertura à transferência de recursos públicos para apoiar os mais beneficiados em detrimento dos grupos sociais mais carenciados, outras verificam que o efeito da “classe criativa” desaparece ao introduzir no modelo variáveis de qualificação dos recursos humanos (Markusen, 2006). Assim, coloca-se a dificuldade na definição do que é considerada uma ocupação criativa e de como medir a criatividade. Tal como referido anteriormente, Florida (2004) argumenta que as cidades e regiões apresentam diferente capacidade para fixar membros da “classe criativa”, justificada pelos diversos factores existentes que promovem a preferência por determinado lugar. Seguindo esta hipótese testaram-se três tipos de influência que podem ser determinantes para a existência de ocupações criativas em cada região. O primeiro factor a ter em conta nesta análise procura reflectir a influência da cultura (Regional Culture) associada a qualidades como a tolerância, abertura e aceitação da diversidade regional e urbana. Este efeito cultural é medido por duas variáveis: i) a percentagem de população em ocupações artísticas – o bohemian index que Florida refere. É uma medida compósita de profissões artísticas (autores; designers, músicos e compositores; actores e directores; artesãos, pintores, escultores e impressão de arte; fotógrafos; bailarinos; artistas, artes performativas e similares) com a qual se espera um efeito positivo na presença de outros indivíduos da “classe criativa” (core criativo e profissionais criativos). A estas ocupações estão associadas um estilo de vida próprio e valores culturais diferentes da maioria. O artista incorpora um maior sentido de pertença ao lugar, revela atitudes de tolerância e abertura a outras realidades culturais e estilos de vida, tornando a região mais atractiva para outras ocupações da “classe 3

criativa”; ii) percentagem de população estrangeira residente na região – melting point index – é usada como um indicador do grau de tolerância e diversidade cultural. Porém, importa referir que a presença de imigrantes não significa exactamente que a população residente na região seja tolerante, mas antes pode representar um indicador do papel dos outsiders na óptica do desenvolvimento urbano e regional na medida em que a sua presença significa uma maior abertura ao exterior. O segundo factor considerado representa a influência de serviços sociais – Regional Facilities – igualmente mensurado por duas variáveis com as quais se espera um impacto positivo na distribuição de criativos numa região: i) índice de provisão pública medido pela percentagem de emprego em actividades de saúde e educação, que tem como proxy a proporção de médicos e docentes do 3º ciclo do ensino básico, secundário e ensino superior; ii) índice de oportunidade cultural que corresponde à percentagem de emprego em actividades culturais e recreativas. Estas actividades foram definidas segundo a classificação das actividades económicas (CAE rev3): 561 (restaurantes), 563 (bares), 591 (actividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão), 601 (actividades de rádio), 602 (actividades de televisão), 900 (actividades de teatro, música, dança e outras artísticas e literárias), 910 (actividades das bibliotecas, arquivos, museus e outras culturais), 931 (actividades desportivas) e 932 (actividades de diversão e recreativas). O terceiro factor diz respeito à condição económica da região, particularmente às oportunidades de emprego existentes, sendo que a variável usada representa a taxa de crescimento do emprego dos 10 anos precedentes (1999-2009). Este indicador é útil para testar o alcance da teoria de Florida de que os empregos seguem as pessoas (criativas). Se este factor tiver um impacto reduzido na concentração de criativos, confirma-se que a presença destes indivíduos não é explicada pelo emprego, podendo-se afirmar que jobs follow people. No entanto, se esse contributo for positivo então o crescimento de emprego atrai criativos, ou seja, people follow jobs. Este modelo inclui a variável de densidade populacional como um indicador que reflecte e avalia a escala e ‘atmosfera’ urbana, por ser genérica e fácil de calcular, e que segundo alguns autores traduz o efeito de múltiplos factores regionais como o preço do solo, níveis salariais, entre outros (Boschma e Fritsch, 2007, 2009).

3. METODOLOGIA Na presente análise tomou-se em consideração as definições de ocupações criativas definidas por Florida, fazendo distinção entre três subgrupos: o core criativo, que reúne membros ligados às ciências e engenharias, arquitectura, design e educação cuja função é criar novas ideias, novas tecnologias e outros produtos criativos; os profissionais criativos, que representam as profissões ligadas ao sector financeiro, direito, saúde e similares, dedicando-se à resolução de problemas complexos que envolvem processos de juízos de valores e requerem altos níveis de educação; os artistas (a quem Florida designa por bohemians) associados a ocupações culturais e artísticas como o desporto, as artes, música e entretenimento. Este último subgrupo – que em conjunto com o primeiro constitui o super creative core – é considerado, por um lado, parte integrante da “classe criativa” e, ao mesmo tempo, um indicador de cultura, tolerância urbana e factor de atracção para os outros dois subgrupos desta classe. Após a identificação dos subgrupos que compõem a “classe criativa” calcularamse, para cada região e municípios correspondentes, várias medidas estatísticas com base nos dados dos Quadros de Pessoal do Ministério da Solidariedade e Segurança Social (MSSS), relativos às profissões dos trabalhadores (CNP94) no ano de 2009. São os 4

dados mais fiáveis e compreensivos que existem a nível nacional para poder analisar o tecido empresarial e o emprego em Portugal a um nível de desagregação geográfica suficientemente detalhado para compreender as dinâmicas intra-regionais. Porém, como apenas reportam ao sector privado e aos trabalhadores associados às empresas, excluemse por isso tanto o sector público como os trabalhadores independentes. A sua representatividade no total da actividade económica, sobretudo ao nível das actividades artísticas, pode, por este motivo, ser questionável, e os resultados apurados devem ser interpretados enquanto indicadores de tendências gerais e não enquanto retratos exactos (André e Vale, 2012). A elaboração de um modelo correlativo pode incorporar melhorias substanciais se a escolha das variáveis independentes tiver em consideração a sua possível multicolinearidade (Guisan e Thuiller, 2005; Rocha, 2012). Entendida como a potencial existência de duas ou mais variáveis independentes apresentarem alta correlação entre si, a multicolinearidade ocorre, por exemplo, quando essas variáveis correlacionadas medem aproximadamente o mesmo fenómeno. Deve-se por isso procurar introduzir no modelo variáveis independentes que tenham baixa multicolinearidade mas, por outro lado, apresentem correlações elevadas com a variável dependente. Tal como anunciado pela Lei de Tobler de que "Everything is related to everything else, but near things are more related than distant things” (Tobler, 1970:3), são diversos os fenómenos que apresentam uma expressão de dependência e autocorrelação espacial, explicada pela maior probabilidade de locais vizinhos apresentarem condições semelhantes face a locais que se encontram mais afastados (Cliff e Ord, 1973, 1981; Goodchild, 1986). Nesta análise a autocorrelação espacial foi tida em conta pela introdução do termo de erro espacial (Boschma e Fritsch, 2009) – Spatial Error Model – dado pela seguinte equação: Este modelo – regressão linear com resíduos correlacionados – utiliza uma matriz de relações espaciais de vizinhança (onde cada entidade espacial tem determinado o conjunto de entidades contíguas) e incorpora a intensidade da autocorrelação entre os resíduos (Anselin, 1988; Ward e Gleditsch, 2007). A maioria das variáveis entrou no modelo como valores logarítmicos (logaritmo natural) permitindo pela linearização dos dados resolver quaisquer tendências exponenciais e eliminar valores extremos nos resultados (outliners), assim como permitir uma noção mais imediata das taxas de crescimento da variável. Desta forma, os coeficientes de regressão podem ser interpretados como uma medida de elasticidade devolvendo a percentagem de alteração da variável dependente quando se altera uma unidade percentual da variável independente. Comparando os coeficientes obtém-se a importância relativa de cada variável independente na explicação da dependente (Boschma & Fritsch, 2009). Para captar o efeito de determinadas variáveis, optou-se por correr este modelo sem a influência dos artistas e outro sem a influência do índice de provisão pública, índice de oportunidade cultural e também dos artistas. Procura-se testar, no primeiro caso, o contributo que a presença de artistas tem na distribuição de outras ocupações criativas e, no segundo caso, anular a possível duplicação de indivíduos quer no emprego criativo quer nos indicadores que procuram explicar a sua distribuição e evidenciar outros factores também relevantes no modelo.

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4. O QUE EXPLICA A DIFERENTE DISTRIBUIÇÃO? Em 2009 a “classe criativa”, com os três subgrupos incluídos, era constituída por 765 723 trabalhadores, cerca de 25,5% do total de emprego em Portugal. Os profissionais criativos representam a maior categoria com 595 797 trabalhadores (19,9%) seguidos dos 155 048 trabalhadores do core criativo (5,2%) e por último o grupo com menor expressão, os 14 878 indivíduos de ocupações artísticas (0,5%). Figura 1 – Ocupação do Core Criativo

Figura 2 – Ocupação dos Profissionais Criativos

Figura 3 – Ocupação de Artistas

Fonte: Quadros do Pessoal, MSSS (2009)

Destacam-se a Grande Lisboa e o Baixo Mondego como as NUT-3 com maior proporção de ocupações do core criativo (Fig. 1) – importância do concelho de Lisboa, Oeiras e Coimbra. Relativamente aos profissionais criativos (Fig. 2), a Grande Lisboa tem maior proporção de indivíduos nestas ocupações seguindo-se a sub-região da Península de Setúbal, o eixo litoral composto pelas NUT-3 Pinhal Litoral, Baixo Mondego, Baixo Vouga e Grande Porto, e Alto Trás-os-Montes a encerrar as subregiões com mais de 17,8% destas ocupações criativas no total de emprego existente. Apesar de representar o subgrupo criativo com menor proporção face ao total de emprego, os artistas apesar de mais concentrados na Grande Lisboa têm também grande expressão nas sub-regiões do Grande Porto, Ave, Cávado, Alto Trás-os-Montes e Cova da Beira (Fig. 3). Na verdade, a distribuição da “classe criativa” é fortemente marcada e semelhante à distribuição das ocupações dos profissionais criativos. Evidencia-se, assim, uma correspondência com a maior concentração populacional no litoral de Portugal, fruto da maior concentração e desenvolvimento de actividades económicas nos concelhos próximos da costa atlântica. Só recentemente se desenvolveu o interesse pelas disparidades espaciais da criatividade e o seu impacto no contexto das relações espaciais (Meusburger, 2009). O capital criativo não surge e se fixa no mesmo lugar eternamente, sendo que o seu percurso é marcado pela aceitação de desafios, atracção por certas instituições ou 6

ambientes onde podem desenvolver as suas habilidades e ideias, trocar conhecimento com outros agentes ou procurar o suporte económico necessário para a subsistência da sua actividade. Esta desigual distribuição espacial, que Florida anuncia, e a relação entre os diversos factores reflecte-se nos resultados obtidos pelo modelo (Quadro 1). Quadro1 – Regressão Linear Múltipla (Spatial Error Models) Core Criativo 1

2

Profissionais Criativos 3

1

Artistas

2

3

1

2

-

-

-

-

-

-

0.1222*

0.0820

0.0664

-0.0051

0.0654

0.0609

0.0794**

-0.1887

-0.0840

(1.4159)

(1.2092)

(-0.1162)

(1.8228)

(1.7359)

(3.8252)

(-1.6526)

(-1.0477)

Índice de Provisão Pública

0.5035**

0.5348**

0.0618

(3.7969)

(3.9769)

-

0.0142 (0.2022)

(0.7925)

Índice de Oportunidade Cultural

-0.2339

-0.2001

0.0865

(-1.1049)

-

0.0998

(-1.2994)

(1.0896)

(0.8383)

Densidade Populacional

0.0400

0.0625**

0.0388

0.0277

(1.4416)

(3.2076)

(1.5549)

(1.6601)

Taxa de Crescimento do Emprego (1999-2009)

0.0441

0.0446

0.0240

(1.9048)

(1.9315)

(0.8808)

Percentagem de Artistas

0.1125

Índice de Abertura

(1.2124)

**

0.7380

**

1.2792

(2.4455)

**

-

0.2074

-

0.3902

0.0559**

0.0496**

0.2127**

(4.3900)

(4.1842)

(5.2034)

(4.1455)

-0.0009

-0.0003

0.0000

0.0133

0.0250

(-0.0613)

(-0.0195)

(0.0003)

(0.2775)

(0.5265)

2.6379

**

2.3257

**

2.5611

-

(0.7786)

-

(1.0999)

**

0.1872**

**

-2.0622**

Constante

1.0627

(2.9413)

(3.1212)

(9.5151)

(14.3200)

(17.4928)

(40.1273)

(-6.5052)

(-8.5166)

Lambda

-0.2351

-0.3309

-0.2011

0.2883

0.0025

-0.2061

-0.1425

-0.0154

(-0.8499)

(-1.1948)

(-0.7288)

(1.2510)

(0.0095)

(-0.7468)

(-0.5203)

Observações 28 28 R2 0.52 0.49 0.12 0.68 0.61 0.57 Log likelihood 16.809 16.131 8.562 33.387 31.056 29.354 * Estatisticamente significativa ao nível de 0.05; ** Estatisticamente significativa ao nível de 0.01 Robustez (z-values em parêntesis)

-2.9827

(-0.0579)

28 0.49 -3.064

0.39 -5.516

Existe uma relação estatística positiva entre a proporção de artista e a proporção de emprego do core e profissionais criativos da mesma região, assumindo-se que a presença de uns influencia a presença de outros. Segundo Boschma e Fritsch (2009) pode ser argumentado que estes dois últimos subgrupos não são atraídos pelos artistas (bohemians) mas que são os próprios artistas que se procuram fixar perto destas classes por representarem os seus potenciais clientes. Essa relação é mais evidente no caso dos profissionais criativos, em que a presença dos artistas se assume como o factor que mais explica a presença deste subgrupo. Já a mais forte relação estatística positiva para o core criativo é verificada com o índice de provisão pública. O subgrupo dos artistas, como seria expectável, tem uma relação positiva com o índice de oportunidade cultural – regiões com mais actividades económicas deste sector tendem a observar mais artistas. Por outro lado, verifica-se uma relação inversa entre este subgrupo e a presença de população residente estrangeira, revelando que não existe correspondência entre essa diversidade cultural e os artistas ou que este indicador não espelha um adequado índice de tolerância. Para todos os subgrupos, a taxa de crescimento de emprego tem um fraco impacto, sendo dos factores que menos peso tem na distribuição dos criativos – nos profissionais criativos tem mesmo uma relação inversa. Neste caso, ao contrário do observado noutros países europeus, o emprego não justifica completamente a presença dos criativos, constatando-se que a distribuição de criativos pouco se deve ao aumento das oportunidades de emprego per se. Assim, apesar da teoria de Florida (o emprego segue os criativos) ser uma hipótese correcta nesta análise, a sua comprovação exigiria o contributo e estudo de outras variáveis. No entanto, é possível afirmar, face aos resultados do modelo, que existem outros factores mais importantes para explicação da distribuição dos criativos. 7

Verifica-se que a densidade populacional contribui para a distribuição do core e dos profissionais criativos mas só é relevante para a fixação de artistas, denotando a importância de certas amenidades urbanas como factores de atracção deste subgrupo criativo. Tal como Boschma e Fritsch (2007, 2009) revelam para outros países europeus, o índice de provisão pública tem uma expectável forte relação positiva com o subgrupo do core criativo e menor relação com os restantes criativos. São portanto indivíduos sensíveis à presença de serviços públicos da saúde e educação regional. Podem porém existir indivíduos que mesmo trabalhando no sector privado desempenhem funções idênticas em instituições públicas, podendo por isso ser contabilizados em ambos os factores, aumentando esta relação positiva. O índice de oportunidade cultural, apesar de não ser estatisticamente significativo, é importante na explicação da presença de artistas, apesar de diminuir de valor nos modelos do core criativo e profissionais criativos quando se retira a proporção de artistas. Isto mostra que existem outros factores que ganham importância (como o índice de provisão pública e outros factores urbanos representados pela densidade populacional) na explicação da presença destes subgrupos criativos. Refira-se no entanto que, tal como acontece com o índice de provisão pública, poderá existir alguma sobreposição entre a proporção de artistas e o emprego nas actividades culturais e recreativas uma vez que este emprego pode ser ocupado pelos mesmos indivíduos. Face aos anteriores pressupostos, os modelos sem o contributo dos artistas, dos índices de serviços públicos e actividades culturais revelam ligeiras alterações nos coeficientes de regressão. Apesar de difícil explicação, verifica-se que nestes modelos a densidade populacional perde força nos três subgrupos mas a taxa de crescimento do emprego sobe ligeiramente nos profissionais criativos e artistas, podendo ser justificado pela procura de emprego destes subgrupos noutros serviços que não os de saúde, educação ou sector da cultura. A análise mais detalhada entre regiões mostrou que os criativos tendem a concentrar-se em certas regiões portuguesas e constituem uma pequena percentagem de outras. Neste contexto interessa saber qual a importância do efeito da presença de criativos no crescimento de emprego regional e qual a sua relação com a qualificação destes indivíduos (Quadro 2). Este novo modelo testa, por exemplo, a crítica feita por Glaeser (2004) onde afirma que estes indicadores criativos que Florida usa são no fundo medidas de qualificação em vez de criatividade. Quadro 2 – Efeito da “Classe Criativa” e Qualificação Superior no Crescimento de Emprego Regional 1999-2009 (Spatial Error Models) 1

Qualificação Superior 2009 (ln) Core Criativo 2009 (ln) Profissionais Criativos 2009 (ln) Artistas 2009 (ln) Classe Criativa 2009 (ln) Densidade Populacional 2009 (ln) Constante Lambda

0.4149 (1.2230)

-

2

3

4

5

-

-

-

-

-

-

-

-

-

1.3748 (1.3662)

-

2.9342 (1.6418)

-

-

-

-

-

-

0.1823 (0.2656)

-

3.1535 (1.8394)

-0.3112

-0.3569

-0.4553*

-0.3017

-0.4796*

(-1.4681)

(-1.8418)

(-2.1268)

(-1.2944)

(-2.2557)

2.4637

1.5996

-4.2332

3.6569*

-5.5392

(1.2230)

(1.0006)

(-0.9051)

(2.0427)

(-1.1324)

0.6260

0.6446

0.6258

0.6248

0.6321

(4.0103)

(4.2757)

(4.0078)

(3.9939)

(4.0941)

* Estatisticamente significativa ao nível de 0.05, Robustez (z-values em parêntesis)

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O modelo revela que, de entre os dois subgrupos criativos com maior expressão no contexto português, existe uma relação positiva entre a presença de profissionais criativos e o crescimento de emprego assim como uma menor relação com o subgrupo do core criativo. Apesar de os artistas terem ainda menor expressão no crescimento de emprego, são essenciais para a fixação dos profissionais criativos, deixando assumir que a presença do total dos criativos é importante para o desenvolvimento económico local e regional. Relativamente à qualificação académica superior, o seu reduzido impacto no modelo expõe que, apesar da qualificação superior inerente aos subgrupos criativos ser relevante, nem todas as qualificações o são. As profissões consideradas na “classe criativa” são mais importantes no contexto de crescimento económico face a outro tipo de profissões qualificadas.

5. CONCLUSÕES Neste trabalho, procedeu-se ao estudo dos factores explicativos da localização dos trabalhadores criativos em Portugal, à escala da NUTS-3, através da aplicação do modelo de Florida (2004), segundo uma especificação de Boschma e Fritsch (2009) utilizada para diversos países europeus. Mesmo considerando as necessárias adaptações do modelo para o caso português, especialmente devido às especificidades das fontes de informação e consequente escolha das variáveis, é possível concluir que a tese da “classe criativa” de Florida encontra um certo grau de verificação no caso português. Com efeito, os trabalhadores criativos privilegiam factores como a presença de artistas, provisão pública de serviços e a densidade populacional, sendo menos sensíveis à oferta de emprego, facto que faz supor que “jobs follow people”. Estes resultados devem ser validados em outros estudos, especialmente para períodos mais longos e controlando o tipo de região – urbana ou rural (embora da variável densidade populacional permita de algum modo tipificar as regiões). Em matéria de implicações para as políticas, parece, no entanto, claro que as orientações estratégicas para o desenvolvimento regional devem focar também “soft factors”, procurando melhorar as condições para a fixação dos criativos através da oferta de serviços públicos de qualidade na educação e saúde, da oferta cultural e da atracção de artistas, contrabalançando assim a aposta clássica em “hard factors” – infraestuturas e equipamentos – para atrair o investimento. Com efeito, a economia baseada no conhecimento assenta numa elevada qualificação dos recursos humanos, incluídos na designada “classe criativa” segundo Florida, e estes são muito sensíveis a aspectos tradicionalmente negligenciados nas teorias de desenvolvimento económico regional. Assim, a política de desenvolvimento regional e urbano deve focar, entre outros aspectos, a retenção e atracção de criativos, pois estes são centrais para a atracção de investimento e criação de mais emprego qualificado nas regiões.

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