Classes de Palavras uma análise comparativa

June 2, 2017 | Autor: Thomas Rocha | Categoria: Grammar, Língua Portuguesa, Ensino Língua Portuguesa, Gramática da Língua Portuguesa
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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES – URI ERECHIM DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA, LETRAS E ARTES CURSO DE LETRAS

THOMAS ROCHA

CLASSES DE PALAVRAS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA

ERECHIM 2012

THOMAS ROCHA

CLASSES DE PALAVRAS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA

Trabalho de conclusão de curso, apresentado ao Curso de Letras, Departamento de Linguística, Letras e Artes da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI Erechim. Orientador: Prof. Ms. Paulo Marçal Mescka

ERECHIM 2012

DEDICATÓRIA

Dedico este estudo aos professores do Curso de Letras, pelos ensinamentos e contribuições para o meu crescimento pessoal e intelectual.

Aos meus colegas da turma 2009, pelo convívio enriquecedor e pela cumplicidade profissional.

À minha família, pelo amor incondicional.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador Prof. Paulo Mescka, pela sugestão do tema, prontamente acolhido, e pelo convite à pesquisa e à reflexão sobre a língua e o ensino. À Profª Helena Confortin, pelos valiosos ensinamentos sobre a Linguística e por me apresentar a obra de Magda Soares e Marcos Bagno. Ao Prof. Idanir Ecco, por me mostrar o caminho para aprender a aprender. Aos meus colegas, com quem muito aprendi, Alan, Aline, Ângela, Bianca, Elizer, Fabiane, Karine, Marcieli, Taíse e Uiára. A todos os professores e colegas do Curso de Letras, que como eu, acreditam na educação. À minha mãe e minhas irmãs, que me consideram o filho e o irmão preferido. À minha amada companheira Patrícia, a quem muito admiro, pela paixão, pelo carinho e por estar sempre ao meu lado.

Um ensino libertador, a libertação pela palavra: este o grande objetivo a perseguir em nossas aulas de língua materna. Liberto, e consciente de seus poderes de linguagem, o aluno terá como crescer, desenvolver o espírito e expressar toda a sua criatividade. Celso Pedro Luft

RESUMO O presente trabalho constitui uma análise diacrônica comparativa das definições de classes de palavras nos Compêndios de Gramática Normativa. Parte da explicitação dos conceitos de gramática, concentrando-se na gramática normativa e na sua inserção como constituinte fundamental dos compêndios de gramática. Percorre brevemente a história das classes de palavras no âmbito gramatical, ressaltando a importância da classificação para facilitar o trabalho de descrição da língua, e apresenta como o ensino das classes de palavras tem repercutido nas escolas. Tendo como fundamentação metodológica os critérios mórfico, sintático e semântico, utilizados por linguistas e gramáticos para classificar os vocábulos de uma língua, analisa e compara as definições apresentadas nos compêndios de gramática estudados, buscando identificar a regularidade, diversidade e pertinência dos critérios empregados no momento da conceituação das classes de palavras. Os compêndios de gramática analisados foram selecionados com base em características específicas que os enquadram como obras de caráter predominantemente normativo e prescritivo. Considerando que se trata de uma análise diacrônica, o presente trabalho tem como marco de referência a implantação da Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB em maio de 1959. A comparação entre as definições revelou que não há diferenças significativas entre os conceitos formulados pelos gramáticos ao longo do tempo especificado e que muitas gramáticas atuais adotam os mesmos critérios daquelas publicadas a décadas atrás e, não raramente, desconsideram aspectos relevantes que poderiam facilitar a compreensão dos conceitos, tanto por parte dos alunos como dos próprios professores. A análise também revela que, apesar dos avanços científicos advindos da Linguística Textual, da Linguística Aplicada, da Sociolinguística, etc., as propriedades textuais das classes de palavras são totalmente ignoradas, desconsiderando também as orientações propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa - PCNs que dão ênfase ao uso da linguagem e à valorização da língua falada. Palavras-chave: Língua portuguesa. Gramática. Ensino de gramática. Classes de palavras.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 6

2 A GRAMÁTICA .................................................................................................................. 8 2.1 O QUE É GRAMÁTICA? .................................................................................................. 8 2.2 A GRAMÁTICA NORMATIVA ..................................................................................... 11 2.3 O COMPÊNDIO DE GRAMÁTICA ............................................................................... 12

3 AS CLASSES DE PALAVRAS ........................................................................................ 16 3.1 UM POUCO DE HISTÓRIA ........................................................................................... 16 3.2 A IMPORTÂNCIA DAS CLASSES DE PALAVRAS ................................................... 17 3.3 O ENSINO DAS CLASSES DE PALAVRAS ................................................................. 21

4 AS CLASSES DE PALAVRAS NOS COMPÊNDIOS DE GRAMÁTICA NORMATIVA ....................................................................................................................... 23 4.1 CRITÉRIOS DE ANÁLISE E COMPARAÇÃO ............................................................. 23 4.2 O SUBSTANTIVO ........................................................................................................... 25 4.3 O ADJETIVO ................................................................................................................... 29 4.4 O ARTIGO ........................................................................................................................ 34 4.5 O NUMERAL ................................................................................................................... 36 4.6 O PRONOME ................................................................................................................... 39 4.7 O ADVÉRBIO .................................................................................................................. 42 4.8 O VERBO ......................................................................................................................... 45 4.9 A PREPOSIÇÃO .............................................................................................................. 48 4.10 A CONJUNÇÃO ............................................................................................................ 50 4.11 A INTERJEIÇÃO ........................................................................................................... 52

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 56

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 58

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho insere-se na linha de pesquisa sobre o Ensino de Línguas e está orientado mais especificamente ao Ensino da Gramática. Abordaremos a conceituação das classes de palavras nos Compêndios de Gramática Normativa, buscando compreender como as palavras vêm sendo classificadas e conceituadas pelos gramáticos desde a implantação da Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB em maio de 1959. O número reduzido de pesquisas sistemáticas sobre o tema justifica a relevância deste estudo, uma vez que os Compêndios de Gramática Normativa ainda se constituem na principal fonte de consulta do professor de língua portuguesa na busca de informações e no esclarecimento de dúvidas. Apesar dos avanços científicos proporcionados pelas Ciências das Linguagens (Linguística Textual, Linguística Aplicada, Sociolinguística, Psicolinguística, Análise do Discurso, etc.) e o surgimento de trabalhos inovadores - como os de Maria Helena de Moura Neves (UNESP/Mackenzie-SP), de José Carlos Azeredo (UFRJ), de Mário Perini (UFMG) e de Ataliba Castilho (USP) -, os autores das gramáticas normativas parecem ignorar tais avanços e continuam tratando apenas da língua padrão escrita, preocupados em apontar o certo e o errado. Por esse motivo urge compreender melhor como as classes de palavras vêm sendo conceituadas pelas gramáticas normativas, uma vez que estas têm sofrido críticas ferrenhas por transmitirem uma doutrina gramatical ultrapassada, incoerente, muitas vezes simplista e distante da realidade dos alunos e dos próprios professores. Trataremos de investigar, portanto, como a concepção de língua e linguagem presente nas obras analisadas pode afetar a maneira como as classes são conceituadas e, por sua vez, se a finalidade didática dos compêndios tem sido alcançada a contento. Além disso, e principalmente, este trabalho justifica-se pelo alto percentual ocupado, ainda hoje, pelo estudo das classes de palavras nas aulas de Português, pela grande ênfase dada ao ensino das definições (priorizando o mero reconhecimento e classificação das palavras), bem como pelas controvérsias teóricas que vêm permeando as discussões sobre o tema. Nesse sentido, poderá auxiliar o trabalho do professor na grande tarefa que se impõe,

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nos dias de hoje, de se reconfigurar o ensino da língua materna e, consequentemente, do ensino da gramática. Nosso objetivo principal é analisar e comparar as definições das classes gramaticais encontradas nos Compêndios de Gramática Normativa selecionados, utilizando como critérios fundamentais os aspectos mórficos, sintáticos e semânticos empregados pelos gramáticos quando da conceituação. Analisaremos, portanto, qual ou quais os aspectos são ressaltados, qual ou quais são desconsiderados; se há coerência em relação aos aspectos considerados em uma ou outra definição; e, se eles são explorados em toda sua potencialidade, de modo a facilitar e garantir a compreensão. Os exemplos que, muitas vezes, são utilizados pelos gramáticos no momento da definição não serão alvo de análise específica, a não ser em um ou outro caso, embora saibamos que os exemplos são essenciais para consolidar o entendimento. Objetivamos, também, verificar se há diferenças significativas entre os conceitos formulados pelos gramáticos ao longo do tempo especificado, observando se ocorre(u) a assimilação de novas concepções proporcionadas pelos avanços científicos nos estudos da língua e das linguagens. Na primeira seção, delimitando o campo de análise, trataremos de apresentar as concepções de gramática existentes, focando a exposição na divisão tripartite da gramática: normativa, descritiva e natural ou internalizada. Em seguida, direcionamos um olhar mais atento à gramática normativa e ao compêndio de gramática. A segunda seção delimita ainda mais o terreno da análise. Apresentamos um breve histórico das classes de palavras no âmbito gramatical, ressaltamos a importância da classificação para facilitar o trabalho de descrição da língua, e, por fim, descrevemos brevemente como tem repercutido o ensino das classes de palavras nas escolas. Na terceira e última seção, analisamos as definições encontradas nos Compêndios de Gramática, previamente selecionados, comparando-as entre si, e buscando identificar os critérios (mórfico, sintático e semântico) utilizados pelos gramáticos. Evidentemente, não sem antes expor a metodologia de análise empregada e os critérios de seleção das obras. Por fim, são feitas algumas considerações sobre os resultados da análise.

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[...] se são tortos os olhos com que se vê a língua, em geral, muitos mais tortos são eles quando se vê a gramática, em particular. Irandé Antunes

2 A GRAMÁTICA

2.1 O QUE É GRAMÁTICA?

De acordo com Neves (2010), a delimitação do que deve ser ensinado ou exercitado pelo(a) professor(a) de português em sala de aula decorre do entendimento que ele tem do que seja a gramática da língua. Em outras palavras, a concepção de língua e de gramática está intimamente relacionada à práxis do(a) professor(a), de modo que o conteúdo, a abordagem, a explicação, os exercícios propostos, enfim, todo o arcabouço de recursos de que o professor(a) se utiliza para ministrar suas aulas está, em grande parte, associado à compreensão teórica da disciplina. Por isso, considerando a complexidade do processo pedagógico, cabe ao professor(a) o cuidado de estar constantemente refletindo e avaliando conceitos fundamentais (O que é a gramática de uma língua?), objetivos, procedimentos e resultados, de forma a direcionar todas as ações à grande meta de ampliar as competências linguísticas dos alunos. Assim, quando falamos em gramática, ou mais especificamente, no ensino de gramática, a polêmica se instala, os ânimos se acirram e as opiniões se multiplicam. A polêmica, a discussão, a falta de unanimidade são, obviamente, bem-vindas e imprescindíveis para o desenvolvimento científico em qualquer área do conhecimento humano. No entanto, visões equivocadas, distorcidas e incoerentes são extremamente nocivas e improdutivas para que ocorra um ensino-aprendizagem significativo. Neste sentido, acreditamos ser essencial que o(a) professor(a) de português tenha uma compreensão mais precisa do que seja gramática, ou do que vem sendo definido como gramática pelos estudiosos da língua e da linguagem. Evidentemente, trata-se de um conceito

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amplo, que permite depreender uma série de acepções e que, conforme a teoria que o comporta, pode apresentar diferenças significativas. O termo gramática provêm do grego grammatikê e significa “arte de ler e escrever”. Portanto, a história da gramática nasceu na Grécia de Platão e Aristóteles, na Grécia dos sofistas, em um período histórico de embates filosóficos e políticos em torno da manutenção do status quo da aristocracia grega. De modo que as discussões sobre língua e gramática estavam subordinadas a um contexto de permanente legitimação dos padrões de uso próprios de uma classe dominante (SILVA, 2010, p. 13). A questão da tradição gramatical advinda da Gramática Tradicional, e presente ainda hoje nos compêndios de gramática escolar, é brilhantemente apresentada por Marcos Bagno em sua obra Dramática da língua portuguesa, publicada no ano 2000, e é retomada neste trabalho na subseção referente à gramática normativa. De acordo com Neveu (2008), o termo gramática designa ao mesmo tempo “o conjunto de particularidades estruturais de uma língua, que permitem identificar as regularidades

fonológicas,

morfológicas

e

sintáticas,

e

a

representação

destas

particularidades” (p. 154). Conceito, como observa o autor, naturalmente ambíguo, visto que define, ao mesmo tempo, o campo da descrição gramatical e o objeto (a língua) sobre o qual assenta a descrição. Vejamos, então, como se apresentam algumas concepções de gramática, conforme o ponto de vista adotado. Ao se partir de uma visão normativa da língua, Franchi (2006) apresenta a seguinte definição de gramática:

Gramática é o conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado pelos bons escritores. Dizer que alguém “sabe gramática” significa dizer que esse alguém “conhece essas normas e as domina tanto nocionalmente quanto operacionalmente”. (FRANCHI, 2006, p. 16).

Ou seja, a gramática compreendida como um conjunto de regras que devem ser seguidas. São regras concebidas a partir da descrição da variedade dita padrão ou “culta” da língua, em detrimento de outras formas mais populares, consideradas “erradas” ou “transgressoras”. Por outro lado, observando a língua a partir de um ponto de vista descritivo, o autor apresenta o conceito a seguir:

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Gramática é um sistema de noções mediante as quais se descrevem os fatos de uma língua, permitindo associar a cada expressão dessa língua uma descrição estrutural e estabelecer suas regras de uso, de modo a separar o que é gramatical do que não é gramatical. “Saber gramática” significa, no caso, ser capaz de distinguir, nas expressões de uma língua, as categorias, as funções e as relações que entram em sua construção, descrevendo com elas sua estrutura interna e avaliando sua gramaticalidade. (FRANCHI, 2006, p. 22).

Isto é, a gramática concebida como um conjunto de regras que são seguidas. No entanto, de acordo com Franchi, nada impede que os fatos da linguagem popular e coloquial sejam simplesmente desconsiderados pelo gramático no momento da descrição, por serem vistos como “vulgares” ou “errados”. Exatamente como observamos em muitas gramáticas escolares. Por fim, o autor apresenta uma visão mais contemporânea, condizente com os avanços das ciências da linguagem:

Gramática corresponde ao saber linguístico que o falante de uma língua desenvolve dentro de certos limites impostos pela sua própria dotação genética humana, em condições apropriadas de natureza social e antropológica. “Saber gramática” não depende, pois, em princípio, da escolarização, ou de quaisquer processos de aprendizado sistemático, mas da ativação e amadurecimento progressivo (ou da construção progressiva), na própria atividade linguística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e de seus princípios e regras. (FRANCHI, 2006, p. 25).

Trata-se, portanto, de uma concepção relacionada ao conceito de gramática internalizada, ou seja, a gramática vista como um conjunto de regras que o falante da língua domina. De fato, não há possibilidade de alguém falar ou escrever sem usar as regras da gramática de sua língua. Todo falante possui uma competência linguística internalizada, da qual não tem consciência, mas que lhe permite utilizar a língua automaticamente nas mais diversas situações de comunicação. Segundo Travaglia (2009) é essa gramática que é objeto de estudo dos outros dois tipos de gramática apresentados, sobretudo da descritiva. Dito isso, nos parece fundamental que o(a) professor(a) de português conheça as concepções de gramática aqui expostas e perceba que todas, em alguma dimensão, atuam nos mais diversos níveis de construção gramatical e, que há espaço para todas em um ensino sistemático que considere a língua em toda sua complexidade.

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Bem, considerando que o objetivo principal deste estudo é analisar as definições de classes de palavras encontradas nos compêndios de gramática normativa, focalizamos agora com maior atenção a gramática normativa e, em seguida, são feitas algumas observações sobre o compêndio de gramática.

2.2 A GRAMÁTICA NORMATIVA

Como vimos anteriormente, a gramática normativa está relacionada a um conjunto de regras que devem ser seguidas. Esse conceito é o mais conhecido pelos professores, pois é justamente o adotado pela maioria dos compêndios de gramática. Para Rocha Lima (2008), a gramática normativa “é uma disciplina, didática por excelência, que tem por finalidade codificar o ‘uso idiomático’, dele induzindo, por classificação e sistematização, as normas que, em determinada época, representam o ideal da expressão correta” (p. 7). Neste sentido, a gramática normativa está intimamente relacionada a uma disciplina de estudo, a acepção de maior uso nas escolas, a grande “dor de cabeça” dos alunos e dos professores. As regras da gramática normativa se fundamentam “nas obras dos grandes escritores, em cuja linguagem as classes ilustradas põem o seu ideal de perfeição, porque nela é que se espelha o que o uso idiomático estabilizou e consagrou” (ROCHA LIMA, 2008, p. 7). Para Bechara (2009), a tarefa da gramática normativa é elencar os fatos recomendados como modelares para serem utilizados em determinadas situações do convívio social. As regras que devem ser seguidas são definidas de acordo com “o uso e a autoridade dos escritores corretos e dos gramáticos e dicionaristas esclarecidos” (p. 52). Como podemos ver, a gramática, nesta concepção, é particularizada e não abarca toda a realidade da língua, contemplando apenas aqueles usos considerados aceitáveis na ótica da língua prestigiada socialmente. Para Travaglia (2009), a gramática normativa aparece quando os fatos da variedade padrão ou “culta” da língua são transformados em leis de uso específico, como, por exemplo: não se iniciam frases com o pronome oblíquo átono; o verbo deve concordar em gênero e número com o sujeito; etc. Os fatos encontrados em outras variedades são considerados “erros”. Bagno (2000) faz uma distinção entre a gramática normativa e a Gramática Tradicional. Segundo ele, a gramática normativa constitui-se em um gênero literário que

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materializa a ideologia da Gramática Tradicional por meio dos compêndios de gramática escolar. Ideologia que prega a existência de verdades inquestionáveis, que desprestigia qualquer discurso que não seja o das elites, que tem como única meta a perpetuação da hegemonia das classes dominantes:

[...] as gramáticas normativas brasileiras permanecem agregadas ao mito da “língua única” e se apresentam como “descrição” de uma variedade linguística supostamente empregada pelas “pessoas cultas” do país, isto é, pelas classes dominantes, apresentando-a sempre como o “padrão” a ser imitado. (BAGNO, 2000, p. 26).

Mesmo diferindo umas das outras, as gramáticas normativas carregam consigo esse “espírito” da Gramática Tradicional e ignoram as inovações dos estudos linguísticos que veem apontando suas falhas e incoerências. Afinal, não existem usos linguísticos melhores ou mais corretos que outros, mas existem usos de maior aceitação, que ganharam mais prestígio que outros, por razões históricas, sociais, políticas e econômicas. Evidentemente, e aqui não dizemos o contrário, todos os usos da língua, de qualquer variedade, estão sujeitos à aplicação de regras. Para que sejam atingidos determinados efeitos de sentido são necessárias regras específicas para que as pessoas se entendam mutuamente. No entanto, conforme Antunes (2007), como essas regras são destinadas a regular os usos que as pessoas fazem, nos mais diferentes contextos e com as mais diferentes finalidades, elas não podem ser absolutamente rígidas. “Elas têm que ser funcionais, no sentido de que assumem variações, por conta do que pretendem aqueles que as usam.” (p. 72).

2.3 O COMPÊNDIO DE GRAMÁTICA

Já vimos que a descrição do funcionamento da língua toma corpo em um livro, em um compêndio que conhecemos como Gramática. Em geral, aqui no Brasil, as gramáticas do português adotam uma perspectiva mais prescritiva e têm concedido uma ênfase especial à modalidade escrita da língua, sobretudo da escrita literária e, mais ultimamente, da escrita usada na imprensa. A produção dos compêndios de gramática ampliou-se ao longo do século XX. Neste período, algumas obras se destacaram por sucessivas edições, entre as quais a “popularíssima

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Gramática Metódica da Língua Portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida, encarnação exemplar do normativismo gramatical ultraconservador e intransigente” (AZEREDO, 2011, p. 34). A Gramática Normativa da Língua Portuguesa, de Rocha Lima, foi publicada pela primeira vez em 1957 e é, até hoje, referência para os que adotam uma postura mais conservadora, alcançando em 2008 a 47ª edição. Ainda em 1961, Evanildo Bechara apresenta sua Moderna Gramática Portuguesa, em consonância com a nova terminologia definida pela Nomenclatura Gramatical Brasileira - NGB em 1959. Foi ampliada e renovada quando alcançou sua 37ª edição em 1999 e, desde então, já foi reimpressa sucessivas vezes. Em 1970 surge a Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha, que, no ano de 1985, em coautoria com Luis Filipe Lindley Cintra, foi rebatizada como Nova Gramática do Português Contemporâneo. Segundo Silva (2000), a Nova Gramática de Cunha e Cintra “dá precedência à língua escrita culta literária” (p. 56) e a análise gramatical que apresenta se prende na produção de um elenco vastíssimo de autores, não havendo, portanto, um campo de observação fechado, e estando em dissonância com as exigências da Linguística Descritiva contemporânea. Após estudo minucioso, a autora chega à conclusão de que se trata de uma obra alinhada, em muitos aspectos, à tradição gramatical. Combinando orientações teóricas e metodológicas distintas, prejudica a ordenação das regras da gramática e mostra-se, por vezes, incoerente e inconsistente teoricamente. A estas gramáticas, seguiram-se muitas outras que nada mais são do que cópias fiéis das anteriores, reproduzindo uma longa tradição normativa, essencialmente conservadora, na teorização gramatical escolar. Conforme Antunes (2007), nós herdamos dos gregos a ideia de uma gramática de caráter controlador, que preserva a língua contra as possíveis ameaças de desaparecimento ou de declínio, seja pela ação de invasores, seja pela ação dos próprios membros da comunidade de falantes, de modo que:

[...] foi sendo atribuído aos compêndios de gramática um papel de instrumento controlador da língua, ao qual caberia conduzir o comportamento verbal dos usuários, pela imposição de modelos ou de padrões. Essa visão de gramática se consolidou tão fortemente que chegou a abafar qualquer outra concepção menos diretiva, como aquela da gramática internalizada por todos os falantes. (ANTUNES, 2007, p. 36).

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Quanto ao conteúdo, Roulet (1978) aponta seis falhas características encontradas na maior parte das gramáticas escolares, entre as quais destacamos as seguintes: a imposição de uma norma de escritores de séculos passados, não dando conta da língua atualmente em uso; a descrição apenas da língua escrita, deixando de lado a língua falada; a atenção predominante dada à morfologia em detrimento da sintaxe; e, principalmente, a ausência de regras que permitam construir, de forma sistemática, orações complexas corretas. No plano da forma ou da apresentação das gramáticas, as falhas apontadas por Roulet são ainda mais graves: as definições, regras e explicações fundamentalmente de caráter lógico-semântico são insuficientemente explícitas ou, muitas vezes, incoerentes e até falsas; a compartimentação e dispersão nocivas das informações gramaticais; a atenção exagerada aos erros a serem evitados e às exceções, dissimulando o aspecto sistemático da língua; e, por fim, a adoção de uma representação essencialmente analítica que muito pouco contribui para a construção de orações.

A força da Gramática Tradicional manifestava-se e ainda se manifesta na convicção de que ensinar Português confunde-se com ensinar Gramática. A base do argumento é que sabendo Gramática escreve-se bem e lê-se melhor, varrendo-se para baixo do tapete o ensino do Português-língua materna como uma continuada reflexão sobre a língua, muito mais do que qualquer outra coisa (CASTILHO, 2010, p. 102).

De acordo com Castilho (2010), a reação dos linguistas a essa situação atingiu seu ápice em 1985, com a publicação simultânea de Língua e Liberdade, de Celso Luft, Para uma nova gramática do português, de Mário Perini, e A linguística e o ensino da língua portuguesa, de Rodolfo Ilari. Contudo, pesquisas como a realizada por Neves (2010), têm demonstrado que a fase da gramatiquice ainda não acabou, e os indicadores sobre o desempenho dos alunos, na leitura e na escrita, revelam a ineficácia desse tipo de ensino (PISA, ENEM, Prova Brasil, Ideb, entre outros). De fato, os alunos estão saindo do ensino fundamental, e até mesmo do ensino médio, com grandes dificuldades para ler, compreender e produzir textos, sejam eles orais ou escritos. Perini (1991) resume as falhas da gramática tradicional em três grandes pontos: “sua inconsistência teórica e falta de coerência interna; seu caráter predominantemente normativo; e o enfoque centrado em uma variedade da língua, o dialeto padrão (escrito), com a exclusão de todas as outras variantes” (p. 6).

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Sabemos, entretanto, que para se orientarem em matéria gramatical, professores e alunos geralmente utilizam os compêndios escolares de gramática. Porém, como observamos, a abordagem desses manuais é, muitas vezes, assistemática, incoerente, repleta de preconceitos, falhas e erros. Não seria, de fato, nocivo ao ensino da língua materna adotar livros tão problemáticos? Livros que, quando mal empregados, incutem nos alunos uma postura de subserviência, de tácita aceitação de preceitos ditados por gramáticos que, não raramente, se sentem os donos da língua. Livros que não concedem espaço para a reflexão sobre os fenômenos linguísticos. Para Castilho (2010) “parece evidente que os cidadãos ainda não foram suficientemente expostos a um novo modo de refletir sobre a língua, em que eles assumem o papel de parceiros” (p. 102). Porém, a incorporação da língua falada nas práticas de ensino pode significar um novo alento àqueles que buscam novos caminhos, novas concepções de linguagem, que trabalham na construção de uma proposta que vise à habilitação plena do indivíduo em suas habilidades linguísticas.

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3 AS CLASSES DE PALAVRAS

3.1 UM POUCO DE HISTÓRIA

O estudo das palavras e sua classificação remontam à Grécia Antiga. Platão deteve-se ao exame do discurso – de natureza declarativa – identificando em sua constituição nomes e verbos os quais denotam a relação entre agente e ação. Seguindo os passos do mestre, Aristóteles acrescentou às categorias acima citadas a das conjunções – que abrangiam a conjunção, o artigo e o pronome e, provavelmente, a preposição –, a de caso e a de tempo, manifestada através do verbo. Vale mencionar, também, a contribuição dos estoicos que identificaram, inicialmente, quatro partes do discurso: nome, verbo, conjunção e artigo. Contudo, segundo Duarte e Lima (2003), o estudo gramatical das palavras ganhou relativa autonomia em relação à filosofia a partir da Téchné Grammatiké, de Dionísio da Trácia, a primeira gramática do Ocidente. Dionísio identificava oito partes do discurso: nome (ónoma), verbo (rhema), particípio (metoché), artigo (árthon), pronome (antonymia), preposição (próthesis), advérbio (epírrhema) e conjunção (sýndesmos). Com relação aos gramáticos latinos, fortemente influenciados pelos gregos, destacamse Prisciano e Varrão. Prisciano descreveu oito classes de palavras com seus acidentes (gênero, número, caso, etc.): nome (nomen), verbo (verbum), particípio (participium), pronome (pronomen), advérbio (adverbium), preposição (praepositio), interjeição (interiectio) e conjunção (coniunctio). “Ele adaptou as categorias da língua grega, inerentes a cada classe, ao latim”. (DUARTE e LIMA, 2003, p. 17). Varrão, o primeiro gramático latino, concentrouse basicamente em questões etimológicas e em problemas ligados aos aspectos regulares e irregulares da linguagem. A partir do Renascimento, os estudos se voltam para as línguas nacionais que então se consolidavam. Surgem as primeiras gramáticas de língua portuguesa: as de Fernão de Oliveira (Gramática da Linguagem Portuguesa) de 1536 e João de Barros (Gramática da Língua Portuguesa) de 1540. João de Barros identificou o nome e o verbo como as partes principais da oração. De menor importância são as demais: o pronome e o advérbio, além do particípio, do artigo, da conjunção e da interjeição.

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Com o Iluminismo, no século XVII, configura-se uma reação ao modelo gramatical latino. A gramática de Jerônimo Soares Barbosa (Gramática philosophica da língua portuguesa), de 1871, criticou os gramáticos que o antecederam por imporem o modelo latino às gramáticas de língua portuguesa. Barbosa, formado na tradição seiscentista de Port Royal, empreendeu significativo esforço para individualizar cada parte oracional no intuito de ver cada uma delas em seus aspectos peculiares, porém, conforme Duarte e Lima (2003), o gramático apresenta uma nomenclatura muito complicada, que não teve continuidade em nossa tradição gramatical. No período que compreende as décadas finais do século XIX e as iniciais do século XX, surgem gramáticas que, numa orientação historicista, imprimiram novos rumos na descrição da classificação vocabular. Destacam-se os trabalhos de Júlio Ribeiro, João Ribeiro, Manuel Said Ali, Eduardo Carlos Pereira, entre outros. Cada gramática deste período apresenta, uma em relação à outra, divergências num ou noutro pormenor, mas todas apresentam terminologias bem diversas. Atualmente, podemos dizer que as classes mantiveram-se em parte dentro do esquema tradicional. Porém, segundo Rosa (2002), a classificação das palavras “deixou de basear-se em critérios semânticos e passou a ter por fundamentos critérios distribucionais, funcionais e sua categorização” (p. 99).

3.2 A IMPORTÂNCIA DAS CLASSES DE PALAVRAS

Reconhecemos que cada ciência, cada área do conhecimento, tem seu próprio conjunto de termos para se referir aos objetos de seu campo. Assim, a atividade de nomear, de dar um nome às coisas, é “uma atividade constitutiva da relação entre o homem e o mundo, e, simbolicamente, esteve presente desde a inauguração dessas relações, quando ‘o homem foi chamado a dar nomes às coisas’”. (ANTUNES, 2007, p. 77). De acordo com Ilari e Basso (2011), “o estudo das classes de palavras nasce da constatação de que há em toda a língua conjuntos numerosos de palavras que possuem as mesmas propriedades morfológicas e sintáticas e, portanto, podem ser descritas da mesma maneira” (p. 108). E ainda, conforme Perini (1991), “o objetivo da separação das palavras em classes é permitir a descrição econômica e coerente de seu comportamento gramatical” (p. 74), ou seja, facilitar o trabalho de descrição da língua pelo gramático.

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Foi assim que, como vimos, já na Antiguidade, as primeiras classificações surgiram e serviram de base para as dez classes de palavras - reconhecidas atualmente pela Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) - definidas pelas gramáticas normativas: substantivo, artigo, adjetivo, numeral, pronome, verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjeição. As nomenclaturas, de modo geral, ampliam a possibilidade de uma comunicação mais coerente, ajustada ao contexto de produção, pois possibilitam que as unidades ou funções da língua sejam designadas pelos seus nomes correspondentes. Para Basilio (2009), as classes de palavras são de crucial importância na descrição de uma língua porque expressam propriedades gerais das palavras: “é impossível descrever os mecanismos gramaticais mais óbvios, como a concordância de gênero e número do artigo com o substantivo, se não determinarmos o que é substantivo e artigo” (p. 21). Evidentemente, as palavras podem ser classificadas de diversas maneiras. De fato há várias classificações na gramática, podemos classificar palavras quanto à acentuação em átonas ou tônicas, e as tônicas, por sua vez, podem ser classificadas quanto à posição na sílaba em oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas. Todavia, o que chamamos de classes de palavras corresponde a uma classificação específica, a partir de critérios lexicais ou gramaticais. Segundo Perini (2010), existe uma confusão entre classe e função: “o problema se manifesta com frequência em afirmações de que elementos de determinada classe “funcionam” como se pertencessem a outra classe em determinado contexto” (p. 290). Assim, para o autor, as funções se definem no contexto em que ocorrem, já as classes se definem fora de contexto:

Uma classe se caracteriza pelo potencial funcional das palavras que a formam, ou seja, pelo que as palavras podem ser – as funções que elas podem ocupar nas estruturas da língua. Uma palavra que esteja, em determinado contexto, ocupando uma dessas funções continua podendo ocupar outras (o que pode acontecer em outros contextos). (PERINI, 2010, p. 290).

Por exemplo, dependendo do contexto, a palavra gato pode ser sujeito ou objeto. Na frase “gato dá muito trabalho”1, essa palavra é sujeito. Mas na frase “a menina levou o gato para passear” a função de gato passa a ser a de objeto. Contudo, segundo o autor, sua classe é sempre a mesma, pois a classe se define por potencialidades e não por realidades presentes do 1

Exemplo retirado de Perini (2010, p. 290).

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contexto. Gato é “substantivo”2 porque tem como potencial funcional a possibilidade de ser núcleo de um sintagma nominal, aceitar a precedência de artigo, etc. “Uma classe é o conjunto das formas que têm o mesmo potencial funcional.” (PERINI, 2010, p.291). Pinilla (2011) observa que, mesmo havendo distinção entre os conceitos de classe e função, é imprescindível utilizar critérios funcionais para definir uma classe de palavras, visto que é preciso definir qual o papel do vocábulo na unidade sintagmática em que ele ocorre. A autora afirma que, entre os gramáticos e autores de livros didáticos, há, atualmente, um consenso quanto à importância de considerar os aspectos morfológico, funcional e semântico para a definição das palavras. No entanto, na maior parte dos casos, as definições de cada classe são incompletas, não levam em conta os mesmos critérios, e se apoiam predominantemente no critério semântico. O quadro a seguir, apresenta as definições encontradas em gramáticas e livros didáticos usados em muitas escolas, embora não apresente quais foram as obras analisadas.

Tabela 1 - Definições encontradas em gramáticas e livros didáticos Substantivo É o nome de todos os seres (critério semântico) que existem ou que imaginamos existir. Adjetivo Advérbio

É toda e qualquer palavra que, junto de um substantivo (critério funcional), indica uma qualidade, estado, defeito ou condição (critério semântico). É a palavra invariável (critério morfológico) que modifica essencialmente o verbo (critério funcional) exprimindo uma circunstância (tempo, modo, lugar etc.) (critério semântico). É a palavra que pode sofrer as flexões de tempo, pessoa, número e modo (critério morfológico).

Verbo

[...] é a palavra que pode ser conjugada; indica essencialmente um desenvolvimento, um processo (ação, estado ou fenômeno) (critério semântico).

Artigo Pronome Numeral Preposição Conjunção Interjeição

É a palavra que antecede o substantivo (critério funcional) e indica o seu gênero e número (critério morfológico), individualizando-o ou generalizando-o (critério semântico). A palavra que substitui ou acompanha um substantivo (nome) (critério funcional) em relação às pessoas do discurso (critério morfossemântico). É a palavra que dá ideia de número (critério semântico). É a palavra invariável (critério morfológico) que liga duas outras palavras entre si (critério funcional), estabelecendo entre elas certas relações (critério semântico). É a palavra invariável (critério morfológico) que liga orações, ou, ainda, termos de uma mesma função sintática (critério funcional). É a palavra invariável (critério morfológico) que exprime emoção ou sentimento repentino

(critério semântico). Fonte: Pinilla (2011, p. 170).

2

  Perini (2010, p. 290) classifica a palavra gato como um nominal.

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Pode-se observar que o quadro apresenta, além das definições propriamente ditas, o critério ou os critérios que foram utilizados para a classificação. Por exemplo, o substantivo e o numeral são definidos apenas com base no critério semântico, já o advérbio e o artigo apresentam os três critérios: morfológico (formal ou mórfico), funcional (ou sintático) e semântico. Entre outras questões, essa falta de critérios claros para a definição das classes de palavras levou Perini (1991) a reconhecer que há uma necessidade de se elaborar uma nova gramática do português, uma gramática que seja sistemática, teoricamente consistente e livre de contradições. Para Perini, uma “boa” gramática deveria desempenhar a contento duas funções: “(a) descrever as formas da língua (isto é, sua fonologia, sua morfologia e sua sintaxe); e (b) explicitar o relacionamento dessas formas com o significado que veiculam.” (p. 21). O autor utiliza a definição de verbo, retirada de uma gramática tradicional, que se baseia nos critérios semântico e morfológico, para alertar que:

Por trás dessa dupla definição, naturalmente, há o pressuposto de que qualquer palavra que corresponda à primeira parte da definição também corresponderá à segunda – ou seja, de que a relação entre as propriedades semânticas e as formais do verbo é simples e direta, podendo ser expressa por uma mera justaposição de definições, (...). A verdade, entretanto, é que isso não ocorre. É bastante fácil encontrar palavras que correspondam a uma das definições e não à outra. (PERINI, 1991, p. 23).

Da mesma maneira, Ilari e Basso (2011) apontam que, mesmo sendo útil, o estudo das classes de palavras tem encontrado problemas, porque a situação idealizada pelos gramáticos, na qual para cada classe de palavras correspondem formas e funções próprias, “realiza-se apenas em parte: por exemplo, gostaríamos de poder definir o advérbio como a classe das palavras que se aplicam ao verbo, mas há muitos advérbios que não o fazem” (p. 108-109).

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3.3 O ENSINO DAS CLASSES DE PALAVRAS

Segundo Pinilla (2011), o estudo das classes de palavras está presente desde as primeiras séries da vida escolar e continua sendo o assunto principal e dos mais estudados nas aulas de português, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. “A partir de consultas a programas escolares e a livros didáticos, nota-se que, muitas vezes, o estudo das classes se restringe a um conhecimento da nomenclatura apenas” (p. 169). É exatamente o quadro apresentado por Maria Helena de Moura Neves em sua obra Gramática na Escola, publicada em 1990. As lacunas consideráveis deixadas pelo ensino de Língua Portuguesa levaram a autora a realizar uma pesquisa com seis grupos de professores de língua portuguesa de 1º e 2º graus (fundamental e médio) da rede oficial de quatro cidades do estado de São Paulo, num total de 170 indivíduos, para verificar a natureza da gramática ensinada nas escolas. A pesquisa revela que todos os professores entrevistados privilegiam o ensino de gramática em suas aulas e que, em 80% dos casos, fazem isso visando a um melhor desempenho linguístico e uma maior correção da linguagem. Sobre a natureza da gramática ensinada pelos professores pesquisados, Neves (2010) demonstra ser ela predominantemente normativa e/ou descritiva, com supervalorização dos aspectos morfológicos e sintáticos, relegando a um absoluto segundo plano todas as demais atividades que deveriam ser desenvolvidas nas aulas de língua materna. Ainda segundo a pesquisa, metade dos professores considera que é necessário que as definições sejam ensinadas, legitimando o lugar das definições no ensino da gramática em 1º e 2º graus. Da outra metade, 60% julgam que as definições não são necessárias e os restantes 40% (20% do total) julgam que elas não devem ser ensinadas, mas alcançadas pelos próprios alunos. Entre as razões apontadas para a necessidade do ensino das definições estão: a possibilidade de reconhecimento das classes gramaticais e dos termos da oração; o desenvolvimento da capacidade de síntese e de análise do processo linguístico; o domínio da terminologia. Em relação à questão das classes de palavras, Neves (2010) afirma que se o objetivo principal do ensino da gramática é o uso adequado da língua, não tem sentido a dedicação quase exclusiva ao próprio reconhecimento e catalogação das classes de palavras. Não há razão para o ensino da gramática desligado do desenvolvimento das habilidades e competências de leitura, da escrita e da oralidade, sobretudo no ensino fundamental. Talvez

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no nível médio fosse mais adequado aprofundar a reflexão sobre a língua, visto que os alunos já teriam um domínio maior do sistema linguístico.

As classes de palavras são vistas como elementos que, isolados em uma forma visível (palavras), devem também ser analisados enquanto elementos isolados, desvinculados da própria linguagem; o fato de se destacarem de textos as palavras (como os professores insistem em destacar que fazem) em nada muda a questão, já que, destacadas do texto, as palavras assumem uma autonomia que as torna como peças avulsas, não pertencentes a um sistema amarrado, que provê para elas funções complementares entre si, embora com zonas de intersecção. (NEVES, 2010, p. 66).

Enfim, a reflexão sobre a estrutura e o funcionamento da língua é importante e deve ter seu lugar na escola, pois permitirá ao aluno, no momento certo, desenvolver sua habilidade intelectual de produzir conhecimento. “Mas não são regras; não regem esse ou aquele padrão. Não implicam, portanto, competências para alguém falar e escrever melhor, como acreditam alguns que ensinam essa 'gramática'” (ANTUNES, 2007, p. 78).

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4 AS CLASSES DE PALAVRAS NOS COMPÊNDIOS DE GRAMÁTICA NORMATIVA

4.1 CRITÉRIOS DE ANÁLISE E COMPARAÇÃO

Para podermos analisar e comparar adequadamente as definições apresentadas nos compêndios de gramática estudados, faz-se necessário a identificação dos critérios ou aspectos empregados nas conceituações adotadas pelos gramáticos. Assim, seguindo os ensinamentos do linguista Camara Jr. (2001), utilizaremos três critérios para analisar os conceitos das classes de palavras: o critério semântico, o formal ou mórfico e o funcional ou sintático. Na realidade, como podemos observar, tais critérios são, em princípio, utilizados para classificar os vocábulos de uma língua. Por isso, devemos considerar os mesmos critérios para avaliar como os vocábulos são conceituados pelos gramáticos. Como já observamos anteriormente, a NGB (Nomenclatura Gramatical Brasileira) se deteve à uniformização de termos, ou seja, da nomenclatura a se empregar no momento da descrição linguística. Não há, portanto, a conceituação dos termos, deixando aos gramáticos a tarefa de fazê-la. Conforme Camara Jr. (2001), o critério semântico se baseia no significado extralinguístico do vocábulo, isto é, o que o vocábulo significa “do ponto de vista do universo biossocial que se incorpora na língua” (p. 77). Dessa forma, quando definimos, por exemplo, que o “substantivo é a palavra com que damos nomes aos seres em geral”, estamos usando o critério semântico, pois nos apoiamos na propriedade comum dos substantivos de “nomear os seres”. Quanto ao critério formal ou mórfico, estamos diante da possibilidade de flexão e/ou derivação dos vocábulos, pois o mesmo se baseia em propriedades de forma gramatical que os vocábulos podem apresentar. Quando dividimos os vocábulos em variáveis e invariáveis estamos usando o critério mórfico. O mesmo acontece quando afirmamos que “os adjetivos aceitam o sufixo –mente”, transformando-se em advérbios, visto que nos referimos à possibilidade de derivação.

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Finalmente, nos deparamos com o critério funcional ou sintático, que se baseia na “função ou papel que cabe ao vocábulo na sentença” (CAMARA JR., 2001, p. 77). Sob a ótica desse critério estamos analisando o vocábulo em sua relação com os outros, e não isoladamente, como nos critérios supramencionados. Assim, empregamos o critério sintático quando dizemos que “o artigo é a palavra que se coloca antes de substantivos”, uma vez que nos referimos à relação existente entre o artigo e o substantivo na sentença. Com relação às obras que foram analisadas, os critérios de seleção tiveram como base as características específicas de enquadramento nos padrões de inserção das gramáticas normativas, ou seja: que apresentem características predominantemente normativas e prescritivas; que tenham a língua “culta” urbana como parâmetro de modelo ideal a ser seguido (sem espaço significativo para as variações linguísticas próprias de qualquer língua); e que focalizem a análise na oração, como elemento superior de observação, reduzindo, portanto, a possibilidade de reflexão sobre a gramática do texto, seus usos, funcionalidades, e potencial de interatividade. Outro aspecto considerado na seleção das obras foi a abrangência temporal. Considerando que se trata de uma análise diacrônica, o presente trabalho tem como marco de referência a publicação da Portaria Nº 36, de 28 de janeiro de 1959, que recomenda a adoção da Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB com o objetivo de simplificar e padronizar a nomenclatura gramatical empregada no Brasil. De lá para cá, passaram-se mais de cinquenta anos, e, assim, podemos verificar as alterações que ocorreram (ou não) ao longo dos anos, em torno do objeto de pesquisa, observando se houve assimilação dos avanços científicos na área dos estudos da língua e da linguagem e, mais especificamente, nas definições das classes de palavras. Fazemos aqui uma observação especial quanto à Moderna gramática portuguesa de Evanildo Bechara. Tendo sido ampliada e renovada a partir de sua 37ª edição (como dito anteriormente), a obra de Bechara representa um importante movimento de transição da tradição normativa para uma abordagem mais conectada com os avanços da linguística contemporânea, embora ainda apresente, conforme Bagno (2011), “diversas recaídas em posturas marcadamente prescritivas” (p. 24). O que, entre outros aspectos, comprova sua filiação à tradição. Dessa forma, foi realizada uma pesquisa qualitativa, de caráter bibliográfico, objetivando a coleta de dados descritivos, que possam retratar o maior número possível de elementos existentes na realidade estudada. O embasamento teórico, que permeia a análise

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que se segue, assenta-se na contribuição de autores reconhecidamente importantes no atual cenário de discussões sobre o ensino da língua e da gramática, como José Carlos Azeredo (UFRJ), Mário Perini (UFMG), Ataliba Castilho (USP), Marcos Bagno (UnB), entre outros.

4.2 O SUBSTANTIVO

Segundo o dicionário Aurélio, substantivo é a “palavra com que se nomeia um ser ou um objeto, ou uma ação, um evento, qualidade ou estado”. No dicionário Houaiss, encontramos também a seguinte acepção: “adj. que evidencia a substância, a essência”. De fato, o termo substantivo provêm do latim substantivus, “substancial”, ou seja, o portador da substância (do latim substantia, formado de sub-, “sob, por baixo”, e –stare, “estar, ficar”), daquilo que está embaixo, que subjaz. Dito isto, é possível compreender porque a maioria das gramáticas define o substantivo a partir de um critério eminentemente semântico, considerando apenas sua propriedade de nomear os seres em geral. Vejamos a definição abaixo:

Existem palavras que sempre designam coisa, ser, substância. Toda a palavra que encerra essa idéia denomina-se substantivo. Substantivo é, pois, como o próprio nome está a indicar, toda a palavra que especifica substância, ou seja, coisa que possua existência, ou animada (homem, cachorro, laranjeira) ou inanimada (casa, lápis, pedra), quer real (sol, automóvel), quer imaginária (Júpiter, sereia), quer concreta (casa), quer abstrata (pureza). (ALMEIDA, 1999, p. 80, grifo do autor).

A definição de substantivo apresentada por Napoleão Mendes de Almeida, em sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa, é um exemplo claro de conceituação baseada exclusivamente em critérios semânticos. Definições muito semelhantes, baseadas no critério semântico, podem ser encontradas na Gramática Normativa da Língua Portuguesa, de Rocha Lima, na Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara e na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, de Domingos Paschoal Cegalla. Observemos:

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Substantivo é a palavra com que nomeamos os seres em geral, e as qualidades, ações, ou estados, considerados em si mesmos, independentemente dos seres com que se relacionam. (ROCHA LIMA, 2008, p. 66, grifo nosso).

Substantivo é a classe de lexema que se caracteriza por significar o que convencionalmente chamamos objetos substantivos, isto é, em primeiro lugar, substâncias (homem, casa, livro) e, em segundo lugar, quaisquer outros objetos mentalmente apreendidos como substâncias, quais sejam qualidades (bondade, brancura), estados (saúde, doença), processos (chegada, entrega, aceitação) (BECHARA, 2009, p. 112, grifo nosso).

Substantivo são palavras que designam os seres. (CEGALLA, 2000, p. 128, grifo nosso).

Evidentemente, a importância do aspecto semântico para explicar ou descrever ocorrências da língua não deve ser ignorada. Mesmo porque, em muitos casos, a diferença de sentido entre uma palavra e outra só pode ser explicado por um critério rigorosamente semântico, por exemplo, a diferença entre as palavras “homem” e “mulher”. Aliás, como sugerem Castilho e Elias (2012), seria muito interessante do ponto de vista didático, estudar os substantivos com base em suas características de “produção de sentidos”, uma vez que, uma das propriedades básicas dos substantivos é a de referenciar, designar algum referente: alguma coisa ou pessoa. De fato, como expressam os autores, “em nossa tradição gramatical e linguística, o termo referência se especializou para indicar ‘designação, denominação’ de seres e coisas” (p. 222). Decorre daí, certamente, a definição de substantivo presente na maior parte das gramáticas normativas publicadas no Brasil: uma definição eminentemente baseada no caráter semântico. A questão, que muitas vezes aflige os linguistas, é que as definições exclusivamente semânticas, insuficientemente explícitas, são próprias da gramática filosófica e não deveriam direcionar os estudos gramaticais atuais. Afinal, o que entendemos por “coisa”, “ser”, “substância”? Como conceitos tão abstratos e subjetivos (próprios da filosofia) podem fundamentar as definições de termos gramaticais? Conforme Basílio (2009), a definição semântica do substantivo não nos diz como os substantivos se comportam na construção do enunciado. Para isso, é preciso lançar mão de um critério sintático ou funcional.

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Analisemos as seguintes definições:

Substantivo é a palavra que designa um ser, e sintaticamente pode funcionar como núcleo de sujeito, predicativo e objeto. (LUFT, 2002, p. 137).

Substantivo é a palavra com que designamos ou nomeamos os seres em geral. (...) Do ponto de vista funcional, o substantivo é a palavra que serve, privativamente, de núcleo do sujeito, do objeto direto, do objeto indireto e do agente da passiva. (CUNHA, 2010, p. 107, grifo do autor).

Podemos notar que as definições empregadas por Luft em sua Moderna Gramática Brasileira, e por Cunha, em sua Gramática do Português Contemporâneo, utilizam-se do critério semântico e do critério sintático (funcional). Em Cunha e Cintra (2008), encontramos a seguinte observação “toda palavra de outra classe que desempenhe uma dessas funções equivalerá forçosamente a um substantivo (pronome substantivo, numeral ou qualquer palavra substantivada” (p. 191). Deste modo, passa-se a considerar a função que o substantivo desempenha, no sintagma ou na oração, como elemento essencial para a sua definição. Como bem nos explica Bagno (2011), em sua Gramática Pedagógica do Português Brasileiro, a palavra grega hypokeimenon costuma ser traduzida ora por substância, ora por sujeito, dupla possibilidade de tradução que evidencia uma íntima relação entre o substantivo e o sujeito. Assim, as gramáticas não podem ignorar esta relação quando da conceituação do substantivo. Aliás, segundo alguns linguistas e gramáticos, como o próprio Bagno, é um contrassenso estudar os substantivos separadamente do estudo do sujeito. Podemos dizer que o critério sintático, ao contrário do semântico, analisa a palavra a partir de sua relação com outra(s) palavra(s), constituindo uma unidade linguística superior chamada de sintagma. No caso do substantivo, estaremos diante de um sintagma nominal, construção sintática que tem por núcleo um nome (substantivo ou palavra funcionando como tal) e que poderá vir acompanhado de especificadores (determinantes) e complementadores. Segundo Ferrarezi Jr. e Teles (2008), os substantivos “são os núcleos dos sintagmas nominais por excelência” (p. 125). Uma definição possível, portanto, para o substantivo, do ponto de vista sintático, pode ser a de que só é substantivo, em português, a palavra que se deixar anteceder por

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determinantes. Dessa forma, o critério sintático se mostra extremamente eficiente para o reconhecimento do substantivo. Por outro lado, conforme Basílio (2009), uma definição sintática do substantivo como núcleo do sujeito, objetos e agente da passiva não nos permite compreender as propriedades de concordância do substantivo em relação ao adjetivo. Trata-se da propriedade morfológica dos substantivos de apresentar e determinar flexão de gênero e número. Para Macambira (1999), por exemplo, o fato de o substantivo ser a única classe de palavras que aceita os sufixos –inho(a) ou -zinho(a), no sentido de “pequeno” e –ão ou –zão, no sentido de “grande”, é uma característica formal que não pode ser ignorada. Tal definição pode ser encontrada na Gramática, de Faraco e Moura:

Segundo o linguista José Rebouças Macambira, pertence à classe dos substantivos toda palavra variável que admite os sufixos –inho ou –zinho, -ão ou –zão, correspondentes a pequeno e grande, respectivamente. (FARACO e MOURA, 1999, p. 208).

Reconhecer as propriedades morfológicas no momento da definição e apresentação do substantivo pode ser potencialmente eficaz para a compreensão do aluno. Afinal, é com o aspecto formal que, primeiramente, o leitor se depara. Cabe ressaltar aqui que, como explica Castilho (2010), “tamanho não é grau”. Grau é a intensificação ou a atenuação de características predicativas, portanto, a gradação é própria dos adjetivos3. Os substantivos, por outro lado, são expressões referenciais, não graduáveis, e possuem sufixos derivacionais que indicam o tamanho (p. 512). Sabemos, evidentemente, que muitos substantivos assumem outros sentidos (carinho, menosprezo, desejo, grosseria, etc.) quando alterados por esse processo morfológico. Sobre tal propriedade dos substantivos Luft (2002) faz a seguinte observação:

As ideias de grandeza e pequenez facilmente podem evocar (“conotar”) as de anormalidade, defeituosidade; outras vezes as de simpatia, afeição. Daí que os sufixos aumentativos e diminutivos sejam frequentemente pejorativos, ou então hipocorísticos (de carinho): politicão, poetaço, cabeçorra, livrinho, livreco, rapazelho; Mariazinha, Pedrinho, filhinha, benzinho; etc. (LUFT, 2002, p. 144).

3

Banho (2011, p. 680) observa que os advérbios também aceitam gradação.

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Por fim, podemos afirmar que a definição semântica, apresentada isoladamente, não é suficiente para uma compreensão adequada do conceito de substantivo. É preciso considerar outros aspectos (mórfico, sintático e textual) no momento da apresentação, e, preferencialmente, permitir que o aluno reflita sobre os aspectos gramaticais da língua (no momento oportuno) e explore toda a potencialidade de utilização e exploração dos sentidos no contexto da interação linguística.

4.3 O ADJETIVO

Geralmente, no momento da conceituação do adjetivo, muitas gramáticas ressaltam apenas o aspecto semântico, como acontece com o substantivo, deixando de lado outras características importantes. Vejamos duas definições exclusivamente semânticas:

Adjetivos são palavras que expressam as qualidades ou características dos seres. (CEGALLA, 2000, p. 154, grifo nosso).

Adjetivo é a palavra que tem por função expressar características, qualidades, estados etc. dos seres. (FERREIRA, 1992, p. 96, grifo nosso).

Macambira (1999), por sua vez, critica a definição semântica que afirma pertencer à classe do adjetivo toda palavra que exprime qualidade, lembrando que a “bondade é sem dúvida uma qualidade, e no entanto não se pode considerá-la como adjetivo”. (p. 38). Da mesma forma que alguns advérbios, como bem ou mal. Também questionando a definição clássica encontrada nas gramáticas: “adjetivo é a palavra que expressa qualidade”, Monteiro (2002) argumenta que:

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[...] nem todos os adjetivos expressam qualidade. Em homem solteiro, água quente e corpo morto, os adjetivos não traduzirão qualidade, a não ser que antes se determine este conceito, o que já não será assunto gramatical. Por isso, alguns autores discriminam outras noções, tais como a de estado, defeito, condição etc. Todavia, é inútil acrescentar essas noções, porque o adjetivo não se caracteriza pelo significado, sendo na realidade uma função. (MONTEIRO, 2002, p. 227).

De acordo com Bagno (2011), enquanto o substantivo está relacionado à substância, à própria essência do ser, o adjetivo está relacionado a algo externo, que não participa permanente ou eternamente da substância do ser. “As qualidades são flexíveis, modeláveis, plasmáveis. Se compro hoje um carro zero-quilômetro, ele será um carro novo. Depois de alguns anos, será um carro velho”. (p. 665, grifo do autor). O adjetivo (lat. ad = junto + jectum = posto, colocado) é, portanto, uma palavra essencialmente sintática, que justifica definições como as que seguem:

A esta classe pertencem todas as palavras que se referem ao substantivo para indicar-lhe uma qualidade, ou seja, adjetivo é toda a palavra que modifica a compreensão do substantivo, afetando, quanto à idéia, a substância da coisa: homem inteligente, laranjeira alta, rapaz estudioso, homem magnânimo. (ALMEIDA, 1999, p. 137, grifo do autor).

Adjetivo é a palavra que modifica o substantivo, atribuindo-lhe um estado, qualidade ou característica. Portanto, o adjetivo também se refere aos seres; daí que a distinção feita entre o substantivo e o adjetivo não é semântica (de significado), e sim funcional (de função). (NICOLA e INFANTE, 1995, p. 180).

É a palavra que restringe a significação ampla e geral do substantivo. (ROCHA LIMA, 2008, p. 96).

Como vemos, são definições que abarcam o critério semântico, que pode ser apreendido pelas expressões “modifica a compreensão”, “restringe a significação”, mas, que também ressaltam a característica sintática do adjetivo em relação ao substantivo. Ainda, conforme Cunha (2010), “é muito estreita a relação entre o substantivo (termo determinado) e o adjetivo (termo determinante). Não raro, há uma única forma para as duas classes de palavras e, nesse caso, a distinção só poderá ser feita na frase” (p. 139, grifo do autor).

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Por outro lado, cabe ressaltar que as relações sintáticas do adjetivo não se restringem ao substantivo. Primeiro, porque o adjetivo não é o único termo que pode modificar ou restringir a compreensão do substantivo. Artigos, numerais, pronomes e, em alguns casos, até advérbios podem se relacionar com o substantivo, alterando ou restringindo sua significação. Em segundo lugar, porque o adjetivo não se relaciona exclusivamente com o substantivo. Os advérbios intensificadores tão, quão, bem, muito, por exemplo, têm uma íntima relação com os adjetivos e devem, por isso mesmo, ser considerados numa definição mais abrangente e apropriada. Sautchuk (2010) resume a definição do adjetivo da seguinte forma: “é adjetivo toda palavra variável em gênero e/ou número que se deixa anteceder por “tão” (ou qualquer intensificador, como bem ou muito, dependendo do contexto)” (p. 23). Segundo a autora, a eficiência desse mecanismo é tanta que funciona até em contextos em que ocorre a adjetivação de substantivo: Ele não é homem para isso. (= Ele não é tão homem para isso.) Há, na definição de Sautchuk, um aspecto muito importante na abordagem dos adjetivos: o aspecto mórfico. Quando a autora se refere ao adjetivo como uma palavra variável em gênero e/ou número temos presente a propriedade de flexão, necessária para a concordância com o substantivo. Vejamos algumas definições que incluem, de alguma maneira, o aspecto formal na definição:

Adjetivo é a palavra que caracteriza os seres. Refere-se sempre a um substantivo explícito ou subentendido na frase, com o qual concorda em gênero e número. (CEREJA e MAGALHÃES, 1999, p. 112).

O adjetivo pertence a um inventário aberto, sempre suscetível de ser aumentado. A estrutura interna ou constitucional do adjetivo consiste nas línguas flexivas, na combinação de um signo lexical expresso pelo radical com signos morfológicos expressos por desinências e alternâncias, ambas destituídas de existência própria fora dessas combinações. No português, entre as desinências está a marca de gradação, isto é, o grau absoluto ou relativo da parte, ou aspecto (qualidade) significado no radical, (belo – belíssimo), bem como afixos de gênero e de número. A relação gramatical instaurada entre o signo delimitador e o signo delimitado é geralmente expressa pela “concordância”. (BECHARA, 2009, p. 142).

Nas definições acima, fica claro a menção aos aspectos morfológicos dos adjetivos. Na primeira, os autores restringem-se à propriedade de flexão genérico-numérica, porém,

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analisando a definição do ponto de vista do tríplice critério morfo-sintático-semântico vemos que é completa, visto que, além da referência à flexão, também traz elementos sintáticos ao supor a relação entre adjetivo e substantivo. E é semântica porque usa o verbo “caracterizar”, que remete a algum sentido. Quanto à segunda definição, Bechara se refere também à marca de gradação como aspecto morfológico a ser considerado. Vimos que o fenômeno da gradação é característico dos adjetivos. De acordo com Macambira (1999), adjetivo é toda palavra que admite os sufixos –íssimo, -érrimo, -limo, correspondendo semanticamente ao advérbio muito. Constituem-se como exceções as formas: pouco – pouquíssimo, muito – muitíssimo, e as formas populares: mesmo – mesmíssimo, coisa – coisíssima. O autor destaca também a característica mórfica de aceitar o sufixo adverbial –mente, resultando em oposições formais entre adjetivos e advérbios. Em consonância com a definição de Macambira, temos a de Luft (2002), que abrange os três critérios e faz o seguinte registro com relação à característica morfológica: “[...] se for quantificável, aceita o sufixo –íssimo: altíssimo, pequeníssimo, fortíssimo, etc.; a maioria deles combina-se também com –mente (adverbizador): altamente, pequenamente, fortemente, heroicamente, levemente, etc.” (p. 145). Para Castilho e Elias (2012), a definição do adjetivo começa justamente por suas características morfológicas, demonstrando que o adjetivo aceita flexão de grau 4, expressa por sufixos como –íssimo (branquíssimo), terminações que são vestígios do latim (maior, menor, melhor, pior), e expressões comparativas (mais branco do que neve, tão branco como a neve, a mais branca das neves). Os adjetivos, segundo os autores, podem ser criados por derivação de modo, expressa por –vel (amável = o que pode ser amado; provável = o que pode ser provado; etc.). O adjetivo aceita a derivação por –mente, transformando-se em advérbios (fácil = facilmente). Além disso, o adjetivo também aceita a derivação de quantificação, expressa por –oso, -al, (estudioso = o que estuda muito; sensacional = o que causa muita sensação). Todas essas características “apontam para a conveniência de distinguir adjetivos de substantivos do ponto de vista da morfologia” (CASTILHO e ELIAS, 2012, p. 230). Num esforço para salvar a intuição tradicional5, que agrupa em uma mesma classe adjetivos e substantivos, Perini (2010) os reúne em uma subclasse dos “nominais”, que ele 4

Ver observações em Bagno (2011, p. 681-682) sobre o uso do termo “flexão de grau”.

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As gramáticas antigas falam de “nomes substantivos” e “nomes adjetivos”.

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chama de “nomes”. Segundo o autor, “uma das características dos nomes como grupo é muitos deles terem potencial referencial, e muitos potencial qualificativo” (p. 301) 6. Bagno (2011) reconhece as características comuns entre substantivos e adjetivos, filiando-se às ideias de Perini, e inclui os adjetivos na classe dos “nomes”, com os substantivos. Contudo, reconhece as distinções nítidas entre essas duas categorias, conforme podemos verificar na tabela a seguir:

Tabela 2 – Diferenças entre adjetivos e substantivos Propriedades morfossintáticas 1. Exibe marcas de gênero e número 2. Tem gênero como propriedade inerente, não flexional 3. Pode exibir marcas de gradação 4. Aceita o sufixo –vel para expressão de potencialidade 5. Aceita o sufixo –mente para expressão de modo 6. Aceita o sufixo –oso para expressão de quantificação e intensidade 7. Aceita os sufixos –ês, -ense na formação de gentílicos 8. Pode ser modalizado por um advérbio 9. Exerce função predicativa em minissentença Fonte: BAGNO (2011, p. 677) com adaptações.

Adjetivo X

Substantivo X X

X X X X X X X

Como se vê, uma excelente maneira de apresentar as características, com informações claras e precisas, que permitem identificar com facilidade os adjetivos, sem a necessidade de uma definição semântica, predominante nos compêndios analisados.

4.4 O ARTIGO

Definir ou indefinir, determinar ou indeterminar, particularizar ou generalizar. Eis a característica predominante nas definições do artigo, presentes em muitos compêndios. Na realidade,

trata-se

de

um

conceito

apoiado

na

poderosa

propriedade

identificatória/classificatória dos artigos. Segundo Bagno (2011), o artigo só é usado “[...] quando já fizemos menção anterior do nome que vai agora aparecer precedido do artigo (Era uma vez uma rainha muito bonita. Certo dia, a rainha ficou doente...)” (p. 782) ou quando se tratar de entidade conhecida universalmente: o planeta, o Brasil, a governadora do Estado, etc. Podemos notar que o potencial (definidor ou indefinidor) se constitui no contexto textual e não justifica definições, como as que seguem abaixo, que raramente consideram as 6

Ver definição de Perini (2010, p. 290-291) para classe e função.

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propriedades textuais do artigo que, como vimos, determina o sentido do substantivo ou assinala que o sentido das expressões está pressuposto.

Artigo é a palavra que se antepõe ao substantivo para definir ou indefinir o ser nomeado por esse substantivo. (FARACO e MOURA, 1999, p. 262).

Artigo é a palavra que se coloca antes de substantivos para defini-los ou indefini-los. (FERREIRA, 1992, p. 88).

Artigos são palavras que antecedem os substantivos e modificam-lhes o sentido, seja para defini-los ou particularizá-los, seja para indefini-los ou generalizá-los. (CEREJA e MAGALHÃES, 1999, p. 120).

Evidentemente, são definições que se apoiam no critério semântico (apesar de considerarem o aspecto sintático: relação artigo/substantivo) e que, segundo Macambira (1999), não podem ser sustentadas, pelo fato de haver outras palavras na língua que particularizam e generalizam, e nem por isto serão considerados artigos, como, por exemplo, meu, qualquer, entre outras. Ainda segundo o autor, o artigo não tem forma especial que o distinga como classe gramatical; as flexões de gênero e número que assume não têm caráter classificatório, uma vez que outras classes também o fazem: substantivos, adjetivos, pronomes e numerais. De fato, outras classes também têm potencial classificatório, mas não podemos deixar de considerar que o artigo é especialmente utilizado para determinar o gênero dos nomes, de modo que podemos afirmar que “é feminino todo substantivo que vem antecedido do artigo a e é masculino todo substantivo que vem antecedido do artigo o”. (BAGNO, 2011, p. 783, grifo do autor). Alguns gramáticos consideram esta característica morfológica em suas definições:

Artigo é uma palavra que antepomos aos substantivos para dar aos seres um sentido determinado ou indeterminado. O artigo indica, ao mesmo tempo, o gênero e o número dos substantivos. (CEGALLA, 2000, p. 153).

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Artigo: é a palavra que antecede o substantivo e indica seu gênero e número, individualizando-o ou generalizando-o. (SACCONI, 1994, p. 132).

Artigo é a palavra que precede o substantivo, indicando-lhe o gênero e o número; ao mesmo tempo, determina ou generaliza o substantivo. (NICOLA e INFANTE, 1995, p. 176).

Do ponto de vista morfológico, Macambira (1999) destaca que, assim como o pronome, o artigo recusa os sufixos aumentativo e diminutivo, característicos do substantivo, e os sufixos superlativos, característicos do adjetivo, o que seria “um motivo entre outros para incluí-lo na classe do pronome” (p. 46). A classificação do artigo como uma classe autônoma vem gerando contestação por parte de muitos linguistas e gramáticos. Vejamos a definição de Luft:

Trata-se do demonstrativo de terceira pessoa o (comparar com aquele, aquilo), mais vago, sem referência pessoal, de emprego mais frequente e função múltipla: identifica toda uma classe de palavras - os substantivos; “atualiza-os” na frase; reduz substantivos próprios a comuns; substantiva qualquer classe de palavras; tem as vezes alcance semântico, na marcação do gênero (o caixa\a caixa; o moral\ a moral; um lente\uma lente; o crista\a crisma); outras vezes, função estilística (Maria\a Maria); etc.(LUFT, 2002, p. 160).

Para Monteiro (2002), “o artigo mantém a força demonstrativa ou significado dêitico dos pronomes” (p. 233), além disso, o fato de muitas gramáticas considerarem o artigo como pronome demonstrativo, quando antecede à preposição de ou ao relativo que, é, nas palavras do autor, uma verdadeira falta de critério, pois dá a mesma forma a duas classes distintas, unicamente com base na presença ou ausência de um substantivo. “Os artigos são pronomes, sempre em função adjetiva” (MONTEIRO, 2002, p. 235). Para Castilho e Elias (2012), o artigo “é um marcador pré-nominal, átono, associado necessariamente ao substantivo, com o qual constitui um vocábulo fonético. O vocábulo fonético é a soma de mais de um vocábulo léxico. Assim, escrevemos os meninos, dois vocábulos léxicos, mas dizemos [uzmi’ninus], um vocábulo fonético” (p. 197). É um marcador nominal pré-nuclear porque não aparece após o substantivo. Do ponto de vista sintático é indiferente a presença ou a ausência do artigo, exceto quando o artigo

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transforma outras classes de palavras em substantivo. Além dessa definição, que inclui uma interessante observação fonológica, os autores demonstram as diferenças entre os artigos definidos e os indefinidos, concluindo que o artigo indefinido é um pronome, ou mais propriamente um quantificador indefinido.

4.5 O NUMERAL

NUMERAL: A esta classe pertencem as palavras que encerram ideia de número: um, dois, primeiro, décuplo.” (ALMEIDA, 1999, p. 81, grifo do autor).

Mais uma vez, a definição tradicional encontrada nos compêndios privilegia o aspecto semântico. Felizmente, a ideia de número, posição ou sequência, parece não trazer maiores dificuldades para a compreensão do aluno. O problema do numeral é, segundo Duarte e Lima (2003), “saber se, de fato, deve-se destinar uma classe à parte a ele ou se, na verdade, deveria constituir parte de outras classes. E mais, decidido que formam uma classe à parte, decidir que elementos formam esta classe” (p. 72). Vejamos outras definições semelhantes:

NUMERAL é uma palavra que exprime número, ordem numérica, múltiplo ou fração. (CEGALLA, 2000, p. 167). Para indicarmos uma quantidade exata de pessoas ou coisas, ou para assinalarmos o lugar que elas ocupam em determinada série, empregamos uma classe especial de palavras – os numerais. [...] Os numerais podem ser cardinais, ordinais, multiplicativos e fracionários. (CUNHA, 2010, p. 211, grifo do autor).

Numeral é a palavra que expressa quantidade exata de pessoas ou coisas ou o lugar que elas ocupam numa determinada sequência. (CEREJA e MAGALHÃES, 1999, p. 121).

Como podemos observar, as diversas definições apresentadas, embora presentes em compêndios que abrangem um período temporal significativo, não incorporaram nenhuma

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inovação. Sabemos que o enquadramento dos numerais em uma classe à parte é questionado por linguistas e gramáticos. Para Monteiro (2002), por exemplo, a divisão feita pela NGB em cardinais, ordinais, multiplicativos e fracionários, gera apenas confusões, e argumenta que “se há uma classe para os nomes que se referem a número, deveria haver outras para os designativos de cor, de sentimento, de nacionalidade, de forma geométrica etc.” (p. 233). De acordo com Macambira (1999), que sempre considera outros aspectos além do semântico, somente o cardinal é que apresenta características mórficas próprias do numeral. Formalmente, o numeral assemelha-se ao pronome, pois rejeita os sufixos de aumentativo e diminutivo (próprios dos substantivos), como também o superlativo e o adverbial –mente (próprios dos adjetivos). Esse entendimento se faz presente, em certa medida, na conceituação abaixo:

É a palavra de função quantificadora que denota valor definido: “a vida tem uma só entrada: a saída é por cem portas” (MM). Os numerais propriamente ditos são os cardinais: um, dois, três, quatro, etc., e respondem às perguntas quantos? Quantas? (BECHARA, 2009, p. 203).

Analisado do ponto de vista sintático, o numeral atua ora como núcleo de um sintagma nominal (substantivo), ora como determinante (quantificador, adjunto adnominal, etc.), combinando-se imediatamente com o substantivo, à semelhança do artigo, do adjetivo e também do pronome. Essa dupla possibilidade funcional permite definições do tipo:

Numerais são palavras que designam os números, ou a ordem de sua sucessão: três, dezessete, terceiro, vigésimo. Podem-se usar individualmente, com o valor de substantivos (três e dois são cinco), ou como adjetivos, isto é, junto de um substantivo, ao qual acrescentam uma indicação de quantidade, ou de ordem (três livros, dois álbuns; quinto aluno da classe). (ROCHA LIMA, 2008, p. 106).

Palavra que denota a quantidade, ordenação ou proporção dos seres: três, terceiro, terço, triplo, etc. [...] Refere-se a um substantivo (numeral adjetivo) ou substitui-o (numeral substantivado): comprei dois livros\ comprei dois; encontrei ambos os colegas\encontrei ambos. (LUFT, 2002, p. 148).

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Monteiro (2002) conclui que os numerais pertencem à classe dos nomes, exercendo funções de substantivo ou de adjetivo. Exemplifica assim: “em dois é par, o nome que traduz a ideia de número é substantivo. Em dois pares, já se torna adjetivo” (p. 232). Ferrarezi Jr. e Teles (2008) colocam os numerais na categoria dos “quantificadores QT”, subcategoria dos chamados “nomes de adjunção - NA”, que são aqueles que entram em relação direta (sem a interligação de conectivo) de concordância (em gênero e número) com o “nome nuclear” de um determinado sintagma. Entre as subcategorias dos “nomes de adjunção” estão: o artigo, o adjetivo, os quantificadores e o pronome. Assim, os quantificadores são os “NA” que “indicam quantidade, ordem (...) e mesmo quantidades indefinidas” em “concordância explícita ou implícita7 com o nome nuclear ao qual se referem” (FERRAREZI JR e TELES, 2008, p. 145). Porém, os autores ressalvam que os “fracionários” e “multiplicativos” não se enquadram nessa categoria, atuando como nomes nucleares e exigindo, muitas vezes, complementação nominal. Para Perini (2010), a subclasse dos “nominais”, chamada de “quantificadores”, inclui os numerais cardinais, pois “ocorrem tipicamente antes do núcleo, aceitam artigo o e podem vir antes ou depois dos demais quantificadores” (p. 304). Segundo o autor, podem ocorrer também depois do núcleo (ex.: o capítulo quarenta e nove), designando a ordem em uma sequência e funcionando como ordinais para “contornar a complicação extrema do sistema de ordinais do português padrão” (p. 304). Os ordinais, por sua vez, funcionam como nomes e ocorrem depois dos quantificadores (mas sempre antes do núcleo). Finalmente, Azeredo (2011), resume a questão afirmando que o numeral é uma propriedade semântica de uma classe dos nomes, não havendo nenhuma razão, do ponto de vista gramatical, para conferir uma classe à parte a essas palavras que expressam quantidade exata. Na definição proposta, os numerais são substantivos ou adjetivos, segundo a posição que ocupam no sintagma. “Com efeito, o numeral é sempre constituinte de um sintagma nominal, ora ocupando a posição de núcleo – numerais fracionários e multiplicativos -, ora ocupando a posição de termo adjacente – numerais cardinais e ordinais” (p. 173-74).

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Não são todas as palavras dessa subcategoria que apresentam possibilidade de flexão em gênero, como é o caso de alguns adjetivos (FERRAREZI JR; TELES, 2008, p. 145).

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4.6 O PRONOME

A etimologia do termo pronome é, segundo o dicionário Houaiss, proveniente do latim pronomen,ìnis, de pro- 'em lugar de' nomen 'nome', calcado no grego antónúmos, de antí 'em lugar de, em troca de' + ónoma,atos 'nome'.

A quinta classe compreende os pronomes (lat. pro = em lugar de), ou seja, palavras que ou substituem ou podem substituir um nome, um substantivo: ele, que, quem. (ALMEIDA, 1999, p. 81, grifo nosso).

Segundo Monteiro (2002), “a gramática define o pronome como a palavra que substitui o nome. Mas, na hora de usar este termo, esquece-o e fala em substantivo” (p. 228). Para o autor é preferível manter a terminologia nome, conservando um paralelo com o termo pronome. De maneira geral, os compêndios utilizam-se do termo substantivo, em alguns casos encontramos o termo ser ou ente:

É a palavra que denota o ente ou a ele se refere, considerando-o apenas como pessoa do discurso. (ROCHA LIMA, 2008, p. 110, grifo nosso).

Nas definições encontradas, o critério sintático é preponderante, e o pronome é definido como a palavra que substitui ou acompanha o substantivo, exercendo respectivamente as funções de substantivo ou de adjetivo. Definição que reforça a ideia de que o substantivo e o adjetivo são propriamente funções e não classes de palavras. Imaginemos a confusão que isso pode causar na cabeça dos alunos:

[...] pronome é a palavra que substitui ou acompanha o substantivo; no primeiro caso, ao substituir o substantivo, o pronome desempenha a mesma função de um substantivo, daí ser chamado de pronome substantivo; no segundo caso, ao modificar o substantivo, o pronome exerce a função de um adjetivo, daí ser chamado de pronome adjetivo. (NICOLA e INFANTE, 1995, p. 201, grifo nosso).

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A essa altura os alunos estarão tentando lembrar qual é mesmo a função do substantivo? E do adjetivo? Em Cunha e Cintra (2008) os pronomes são considerados palavras que “desempenham na oração as funções equivalentes às exercidas pelos elementos nominais” (p. 161), quais sejam: representar um substantivo ou acompanhar um substantivo, determinando-lhe a extensão do significado (adjetivo). Definição que, segundo Duarte e Lima (2003), “enfatiza somente o caráter substitutivo do pronome e não sua natureza mostradora, isto é, dêitica” (p. 29). Além disso, a função de acompanhar o substantivo determinando-lhe a extensão do significado não difere alguns pronomes dos adjetivos. Segundo Perini (2010), do ponto de vista sintático, os pronomes pessoais (eu, ele/ela, eles/elas, você, vocês, nós e também tu para muitos falantes, além do reflexivo se) só ocorrem como núcleo do SN, ou seja, um SN cujo núcleo é um pronome só contém esse pronome, e nenhum outro termo: Nós chegamos. As construções do tipo Os nós / nós cansados chegamos, são inaceitáveis. Castilho e Elias (2012) observam que, sintaticamente, os pronomes apresentam diferenças entre si: os possessivos, os demonstrativos e os quantificadores indefinidos, por exemplo, podem aparecer antes ou depois dos substantivos; já os pronomes pessoais e os relativos não podem aparecer nessa posição. São observações importantes, mas geralmente não são consideradas no momento da conceituação pelos gramáticos. Assim, o aspecto sintático encontrado nas definições analisadas não traz elementos suficientes para que possamos identificar características específicas dos pronomes que os diferencie de outras classes. Segundo Ilari e Basso (2011), a classe dos pronomes, como a dos advérbios, é uma das mais heterogêneas e reúne palavras que exercem funções muito diferentes, problema que se buscou resolver com a criação de várias subclasses distintas de pronomes: os pessoais, os possessivos, os demonstrativos, os relativos e os indefinidos. A relação dos pronomes com as pessoas do discurso, retomando a ideia de Duarte e Lima (2003), incorpora à definição aspectos mórficos e semânticos:

Pronomes são palavras que substituem os substantivos ou os determinam, indicando a pessoa do discurso. (CEGALLA, 2000, p. 170, grifo nosso).

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Pronome é a classe de palavras categoremáticas que reúne unidades em número limitado e que se refere a um significado léxico pela situação ou por outras palavras do contexto. De modo geral, esta referência é feita a um objeto substantivo considerando-o apenas como pessoa localizada do discurso. (BECHARA, 2009, p. 162, grifo nosso).

Macambira (1999) procurou explorar a dimensão mórfica do pronome definindo-o como um tipo de nome que admite oposição de pessoas gramaticais: a 1ª pessoa definida oposta à 2ª pessoa definida, estas, por sua vez, opostas à 3ª pessoa definida, e assim, sucessivamente, em um constante contraste de oposições formais. Sob o aspecto semântico, o autor se refere às várias possibilidades de significação que as subclasses de pronomes podem denotar: pessoa, posse, díxis, referência, etc.

Pronomes são palavras que substituem ou acompanham outras palavras, principalmente os substantivos. Podem também retomar ou remeter a outras palavras, orações e frases expressas no texto. (CEREJA e MAGALHÃES, 1999, p. 129, grifo nosso).

Conforme Castilho e Elias (2012), os pronomes pessoais, os possessivos, os demonstrativos, os quantificadores indefinidos e os relativos integram a classe dos pronomes porque podem retomar um substantivo previamente enunciado, substituindo-o na sentença. O nome técnico dessa propriedade de retomada é anáfora. No caso dos pronomes pessoais, apenas o pronome de terceira pessoa, ele, é anafórico, ou seja, apenas esse pronome pode retomar alguma informação dada no texto. “Os pronomes pessoais da primeira e da segunda pessoas, eu e você, designam os participantes de uma conversação. Juntamente com outras formas que têm a mesma função, elas são tecnicamente designadas palavras dêiticas” (p. 84).

[...] Os pronomes, vazios de conteúdo semântico, têm significação essencialmente ocasional, determinada pelo conjunto da situação: eu, situação da pessoa que fala; meu, situação daquilo que pertence à pessoa que fala; este, situação de proximidade em relação à pessoa que fala, etc. (ROCHA LIMA, 2008, p. 110, grifo nosso).

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Pronome é a palavra que substitui o substantivo ou acompanha o substantivo. Quando acompanha o substantivo, determina-o no espaço ou no contexto. (FARACO e MOURA, 1999, p. 283, grifo nosso).

Castilho e Elias (2012) resumem as propriedades dos pronomes observando que eles podem retomar outra palavra, sendo, portanto, anafóricos; ou localizar no espaço (e no tempo) os participantes do discurso, sendo dêiticos. Como observamos, as definições do pronome abrangem aspectos funcionais, morfológicos e semânticos, mas não os exploram satisfatoriamente, ignorando observações e análises de estudiosos como Macambira (1999), Castilho e Elias (2012), entre outros, que apontam para outras abordagens, especialmente as referentes às propriedades textuais, de caráter anafórico e dêitico, dos pronomes.

4.7 O ADVÉRBIO

Segundo Castilho e Elias (2012) a etimologia da palavra advérbio (lat. ad + verbium, sendo que verbium deriva de verbum = palavra) foi mal compreendida e, por isso, encontramos definições de que o advérbio é a palavra que fica próxima do verbo. Por outro lado, conforme Ilari e Basso (2011), muitos advérbios se enquadram perfeitamente na definição etimológica de advérbio, que faz pensar em “proximidade ao verbo”. A etimologia da palavra advérbio, por ser paralela à da palavra adjetivo, “sugere que o advérbio se aplica ao verbo como o adjetivo se aplica ao substantivo: assim como se pode dizer que a corrida foi veloz, pode-se dizer que o atleta correu velozmente” (ILARI e BASSO, 2011, p.117).

Advérbio é a palavra invariável que modifica essencialmente o verbo, exprimindo uma circunstância (tempo, modo, lugar, etc.). (SACCONI, 1994, p. 252, grifo nosso).

Advérbio é a palavra que basicamente modifica o verbo, acrescentando-lhe uma circunstância. (NICOLA e INFANTE, 1995, P. 193, grifo nosso).

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A riqueza de sentidos desenvolvidos pelo advérbio, de acordo com Castilho e Elias (2012), dificultou muito a tarefa de sua descrição gramatical, gerando muitas opiniões divergentes. De maneira geral, os gramáticos concordavam em apenas dois pontos: o advérbio é uma palavra invariável, que modifica o sentido das palavras a que se aplica.

Advérbio é a palavra invariável que modifica o sentido de um verbo, de um adjetivo ou de outro advérbio. (FERREIRA, 1992, p. 171, grifo nosso).

Portanto, do ponto de vista morfológico, os advérbios são palavras invariáveis. Isso os diferencia dos adjetivos, visto que muitos adjetivos funcionam como advérbios. É justamente essa proximidade com os adjetivos que levou Macambira (1999) a identificar o advérbio como “toda palavra que termina por meio do sufixo –mente, donde resultam oposições formais com o adjetivo que lhe corresponde” (p. 42). Por outro lado, o autor reconhece que os demais advérbios, pertencentes ao sistema fechado, não podem ser formalmente determinados. Sob o aspecto sintático, Macambira (1999) destaca a relação do advérbio com os advérbios de intensidade “tão”, “quão” ou “bem”. Propriedade que, como vimos anteriormente, também caracteriza os adjetivos, de modo que é preciso lançar mão de um conceito morfossintático para diferenciá-lo:

Alguns advérbios chamados de intensidade, podem também prender-se a adjetivos, ou a outros advérbios, para indicar-lhes o grau: muito belo (= belíssimo), vender muito barato (=baratíssimo). Alguns há, até, que não acompanham a verbos, mas somente a adjetivos e advérbios – tais como tão, quão, que, em frases assim: nunca vi olhos tão lindos! Quão bela estás! Que brilhante exame fez você! Por que chegaste tão cedo? Quão nobremente procedeste! (ROCHA LIMA, 2008, p.174, grifo nosso).

Sautchuk (2010) define o advérbio como “toda palavra invariável em gênero e/ou número que se deixa anteceder por “tão” (ou bem ou muito, dependendo do contexto)” (p. 28). Estratégia morfossintática é, sem dúvida, mais eficiente do que a da terminação sufixal em –mente, pois abrange também a maior parte dos advérbios que não são derivados dos adjetivos.

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As definições que se seguem apontam para a característica que os advérbios têm de expressar circunstâncias, ou seja, o critério semântico. Segundo Macambira (1999), a questão de o advérbio exprimir circunstância não é de muita valia, pois para saber o que é advérbio, é preciso saber o que é circunstância. Entraríamos numa discussão muito mais filosófica do que linguística.

É a expressão modificadora que por si só denota uma circunstância (de lugar, de tempo, modo, intensidade, condição, etc.) e desempenha na oração a função de adjunto adverbial. (BECHARA, 2009, p. 287).

Advérbio é a palavra que geralmente modifica o verbo, indicando as circunstâncias em que se dá a ação verbal. (CEREJA e MAGALHÃES, 1999, p. 172).

Com relação ao aspecto semântico, Ilari e Basso (2011) fazem uma observação interessante: “os advérbios de inclusão e exclusão, como só, exemplificam de maneira particularmente feliz um fenômeno que diz respeito a todos os advérbios, e que decorre de sua natureza de modificadores: a sentença muda de sentido conforme mudam as expressões a que o advérbio é aplicado” (p. 118, grifo nosso). Ainda, segundo os autores, os advérbios também possuem propriedades textuais, visto que muitos advérbios são usados para ligar segmentos textuais; localizar esses segmentos no tempo e no espaço do discurso; e estabelecer relações de causa e consequência. Vejamos o exemplo dado pelos autores:

[Contexto: ele não falou com o diretor], só falou com o secretário pelo telefone. [Contexto: ele não mandou o pedido de demissão], só falou com o secretário pelo telefone. [Contexto: ele não falou com o secretário pessoalmente], só falou com o secretário pelo telefone. (ILARI e BASSO, 2011, p. 118).

Enfim, a definição que Sacconi (1994) dá para os advérbios (é a palavra invariável que modifica essencialmente o verbo, exprimindo uma circunstância), citada no início desta subseção, representa bem a maioria das definições aqui analisadas; conjuga os critérios

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morfológico, sintático e semântico; mas, deixa de lado uma série de observações que, como vimos, seria de extrema relevância no momento da conceituação e explicação do tema.

4.8 O VERBO

[...] tais são as palavras que encerram idéia de ação (escrever, cortar, andar, ferir) ou estado (Pedro é bom). (ALMEIDA, 1999, p. 81, grifo nosso).

Verbo é uma palavra que exprime ação, estado, fato ou fenômeno. (CEGALLA, 2000, p. 182, grifo nosso).

Os verbos são a classe gramatical mais complexa da língua portuguesa. O verbo tem a morfologia mais rica dentre as classes de palavras, desempenhando um papel fundamental na organização da sentença e do texto. De acordo com Macambira (1999), a definição tradicional de verbo, que explora apenas o aspecto semântico, só tem valor se for encarada na perspectiva do tempo, uma vez que outras palavras também podem encerrar a ideia de ação, e os verbos também podem expressar outras coisas, inclusive qualidade:

É impossível negar que inundação e tiroteio expressem ação; que chuva e trovão não sejam fenômenos; que sono e morte não se admitam como estado; impossível porém afirmar que são verbos. O que vale, portanto, é a perspectiva do tempo, e o mais que se acrescente há de, por certo, atrapalhar. (MACAMBIRA, 1999, p. 4041).

Para entendermos o que é o verbo, portanto, é preciso lançar mão de outras abordagens que nos permitam identificar suas propriedades gramaticais, semânticas e discursivas. “O estudo dessas propriedades explicará como criamos e como usamos os verbos, distinguindoos das demais classes de palavras de nossa língua” (Castilho e Elias, 2012, p. 129). Do ponto de vista morfológico, Azeredo (2011) afirma que os verbos são palavras que ocorrem nos enunciados sob distintas formas e expressam as categorias de tempo, aspecto, modo, número e pessoa. Segundo o autor, a categoria de tempo é a que melhor caracteriza o

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verbo. Quanto às noções de número e pessoa, apesar de não serem inerentes ao verbo, são necessariamente especificadas quando este se flexiona no tempo.

O verbo expressa um fato, um acontecimento: o que se passa com os seres, ou em torno dos seres. É a parte da oração mais rica em variações de forma ou acidentes gramaticais. Estes acidentes gramaticais fazem que ele mude de forma para exprimir cinco ideias: modo, tempo, número, pessoa e voz. (ROCHA LIMA, 2008, p. 122, grifo nosso).

Assim, vemos que os verbos podem facilmente ser identificados por características formais, uma vez que só eles admitem as desinências de próprias de número, pessoa, tempo e modo. Contudo, segundo Sautchuk (2010), “somente os verbos se articulam com os pronomes pessoais do caso reto” (p. 24-25), sendo facilmente reconhecido do ponto de vista sintático.

Verbo: é a palavra que pode sofrer as flexões de número, pessoa, tempo e modo. [...] Verbo é, assim, a palavra que pode ser conjugada; indica essencialmente um desenvolvimento, um processo (ação, estado ou fenômeno). (SACCONI, 1994, p. 187, grifo nosso).

Sintaticamente, “o verbo se destaca dentre as outras classes de palavras por ter a propriedade de organizar a sentença. Num desfile de escola de samba, o verbo ocuparia facilmente o lugar de padrinho da escola”. (Castilho e Elias, 2012, p. 134). Entra em questão a propriedade que os verbos têm de selecionar termos da sentença: a transitividade. Ainda, segundo os autores, outra propriedade sintática importante é a da concordância. Propriedade que ocorre simultaneamente com a da transitividade, pois ao mesmo tempo em que o sujeito e os complementos são escolhidos, traços de gênero, número e pessoa são compartilhados pelo verbo e pelo sujeito.

Além disso, o verbo tem papel fundamental na frase: é o termo essencial do enunciado, o núcleo da frase sintaticamente construída, pois há orações sem sujeito, mas não sem verbo. Porque o consideravam a palavra por excelência é que os gramáticos latinos lhe deram o nome que tem: verbo, “a palavra”. (LUFT, 2002, p. 166, grifo nosso).

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Segundo Castilho e Elias (2012) a concordância é a relação sintática entre dois termos, “o ativador” e “o receptor”. No caso da sentença, o ativador é o verbo e o receptor é o sujeito. Na prática, os autores propõem uma inversão de raciocínio: “no português brasileiro padrão, o sujeito concorda em pessoa e número com o verbo”. Trata-se de uma perspectiva morfossintática. Além disso, apontam para uma caracterização sintático-semântica muito interessante de ser explorada, mas que ultrapassa as intenções deste estudo8.

O VERBO não tem, sintaticamente, uma função que lhe seja privativa, pois também o SUBSTANTIVO e o ADJETIVO podem ser núcleos do predicado. Individualizase, no entanto, pela função obrigatória de predicado, a única que desempenha na estrutura oracional. (CUNHA e CINTRA, 2008, p. 392).

Verbo é a palavra que se flexiona em número, pessoa, modo, tempo e voz. Pode indicar [...] ação; estado ou mudança de estado; fenômeno natural; ocorrência; desejo. Nas orações, o verbo sempre faz parte do predicado. (INFANTE, 2001, p. 201).

Além de construir a sentença e organizar seus sentidos, o verbo tem um importante papel na construção do texto. A descrição, a narração e a dissertação constituem tipos textuais básicos, nos quais os verbos desempenham funções essenciais. Infelizmente, os gramáticos, de maneira geral, pouco exploram esta abordagem macroestrutural.

4.9 A PREPOSIÇÃO

Preposição é, pois, uma palavra invariável que tem por função ligar o complemento à palavra completada. Tais palavras se denominam preposições (do lat. prae = diante de, mais positionem = posição) pelo fato de porem na frente de uma palavra outra que a completa. (ALMEIDA, 1999, p. 334, grifo nosso).

Preposição é uma palavra invariável que liga um termo dependente a um termo principal, estabelecendo uma relação entre ambos. (CEGALLA, 2000, p. 250, grifo nosso).

8

Ver Castilho e Elias (2012, p. 157-160).

48

As definições correntes tratam a preposição como um conectivo especializado em “ligar palavras”, geralmente em oposição às conjunções, que teriam como função “ligar frases”. Segundo Ilari e Basso (2011), nessas definições, a preposição aparece como um “instrumento gramatical”, isto é, um desses numerosos recursos gramaticais cujo papel se esgota na medida em que participa da montagem da sentença, “um pouco à maneira dos parafusos que prendem as peças de estrutura metálica” (122). Trata-se de um entendimento que reforça a ideia de que as preposições não têm significado nenhum: “as preposições não têm significação intrínseca, própria, mas relativa, dependente do verbo com que são empregadas [...] ou da expressão em que aparecem” (ALMEIDA, 1999, p. 335-36, grifo nosso).

Preposição é a palavra invariável que une termos de uma oração, estabelecendo entre eles variadas relações. [...] preposição tomada isoladamente nada significa; ela só tem valor gramatical dentro de um dado contexto. Não exerce propriamente uma função sintática, sendo considerada mero conectivo. (NICOLA e INFANTE, 1995, p. 225).

Em relação a expressões como “não têm significação” ou “vazias de sentido”, Castilho e Elias (2012) perguntam: “se as preposições não têm sentido, por que as sentenças que são iguais em tudo, menos na escolha das preposições, teriam significados diferentes” (p. 279). Vejamos:

a) Cheguei de Recife. b) Cheguei em Recife. c) Você está rindo pra mim ou está rindo de mim?9

Os autores afirmam que, exemplos como os acima, “mostram que o sentido básico das preposições é o de localizar no ESPAÇO ou no TEMPO os termos que elas ligam. É verdade que alterações de sentido tornam às vezes difícil localizar esse sentido de base” (p.280). E apontam a principal diferença entre preposições e conjunções: “as preposições ligam palavras e as sentenças apenas por subordinação, enquanto as conjunções ligam palavras e sentenças por coordenação, subordinação ou correlação” (Castilho e Elias, 2012, p. 292). 9

Exemplos retirados de Castilho e Elias (2012, p. 279).

49

Preposição é a palavra invariável que atua como conectivo entre palavras ou orações, estabelecendo sempre uma relação de subordinação. Isso significa que, entre os termos ou orações ligados por uma preposição, haverá uma relação de dependência, em que um dos termos, ou uma das orações, assume o papel de subordinante e o outro, de subordinado. (INFANTE, Ulisses, 2001, p. 317, grifo nosso).

Palavra gramatical com função subordinativa chamada regência. Conetivo subordinante, indica que seu consequente se subordina a um antecedente (que, no enunciado pode vir depois ou estar omisso, subentendido). Antepõem-se a Locuções Substantivas (Sintagmas Substantivos ou Nominais) – manifestados por (pro) nomes substantivos, adjetivos, simples ou locuções – para formar: a) complementos (verbal ou nominal), ou b) adjuntos (adverbial ou adnominal). (LUFT, 2002, p. 185).

Segundo Ilari e Basso (2011), a função das preposições é um pouco mais complexa do que isso e depende do tipo de construção sintática em que elas intervêm:

Tabela 3 – Usos das preposições

o constituinte

um verbo

O constituinte preposicionado tem um papel essencial acessório 1 gostar de praia, 2 chegar de carro

um substantivo

contar com os amigos 3 alergia a camarão

chegar sem carro 4 casa com jardim

desgaste dos pneus 5 relativamente à altura

casa sem jardim

preposicionado depende de

ou adjetivo um advérbio Fonte: ILARI e BASSO (2011, p. 122).

As cinco diferentes possibilidades de relação apontadas na tabela remetem ao fato de que uma preposição, na maioria de seus usos, é seguida imediatamente por sintagma nominal. Dessa forma, conforme os autores, “a construção assim formada pode depender por sua vez de um substantivo, de um adjetivo, de um verbo ou de um advérbio, e pode completar essas palavras de maneira essencial ou acrescentar-se a ela de maneira acessória” (p. 123).

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4.10 A CONJUNÇÃO

O gramático Napoleão Mendes de Almeida assim define a conjunção:

É toda a palavra que serve para ligar, não palavras, como a preposição, mas orações. Exs.: Fomos cedo e voltamos tarde. Desejo que venhas. (ALMEIDA, 1999, p. 81).

Evidencia-se uma definição sintática, que destaca a palavra a partir de sua função na oração (“que serve para”), ou melhor, “nas orações”, uma vez que o autor enfatiza muito bem que a conjunção não liga palavras simplesmente, mas orações. Entre os exemplos dados pelo gramático encontramos o seguinte: “O rústico, porque é ignorante, vê que o céu é azul; mas o filósofo, porque é sábio e distingue o verdadeiro do aparente, vê que aquilo que parece céu azul, nem é azul, nem é céu” (p. 345). Um exemplo interessante, porém, infelizmente carregado de preconceito, que relaciona o termo rústico (campestre, rural,) com a ignorância, desvalorizando a pessoa que vem do campo.

Conjunção é a palavra que tem por função básica ligar duas orações. (FERREIRA, 1992, p. 175).

Palavra gramatical invariável que estabelece coordenação ou subordinação entre dois membros da oração ou entre uma palavra e uma oração, entre duas orações, e, mais raramente, entre dois períodos. (LUFT, 2002, 189).

Bechara também aponta a propriedade funcional da conjunção (“que têm por missão”), e acrescenta o termo “enunciado”, próprio de teorias linguísticas mais atuais. A tipificação em “coordenadas e subordinadas” reforça o foco na característica sintática.

A língua possui unidades que têm por missão reunir orações num mesmo enunciado. Estas unidades são tradicionalmente chamadas conjunções, que se repartem em dois tipos: coordenadas e subordinadas. (BECHARA, 2009, p. 319).

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Rocha Lima assim define as conjunções:

Conjunções são palavras que relacionam entre si: a) dois elementos da mesma natureza (substantivo + substantivo, adjetivo + adjetivo, advérbio + advérbio, oração + oração, etc.). b) duas orações de natureza diversa, das quais a que começa pela conjunção completa a outra ou lhe junta uma determinação. (ROCHA LIMA, 2008, p. 184, grifo nosso).

Agora, o gramático fala em relacionar elementos da mesma natureza, ou seja, além de orações, a conjunção relaciona palavras de idêntica natureza morfológica (substantivo + substantivo, adjetivo + adjetivo, etc). Para Celso Cunha (2010), as conjunções são “vocábulos gramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração” (p. 334). Destaca que são dois termos da mesma oração, e não remete à natureza das palavras. Ilari e Basso (2011) consideram essas ideias bastante razoáveis como ponto de partida para uma reflexão sobre as conjunções, pois descrevem corretamente um bom número de casos e mostram a necessidade de uma subdivisão (coordenação e subordinação) que, de fato, parece real. No entanto, segundo os autores, essas definições nos levam a pensar que as possibilidades de conexão entre orações passam necessariamente por uma opção entre coordenativas e subordinativas, porém na prática, “qualquer relação entre orações pode ser expressa pela coordenação, pela subordinação ou pela simples justaposição10” (p. 119).

Conjunções são palavras invariáveis que unem termos de uma oração ou unem orações. As conjunções podem relacionar termos de mesmo valor sintático ou orações sintaticamente equivalentes – as chamadas orações coordenadas – ou podem relacionar uma oração com outra que nela desempenha função sintática – respectivamente, uma oração principal e uma oração subordinada. (CIPRO NETO e INFANTE, 1998, p. 325).

Por ser invariável, segundo Macambira (1999), a conjunção não pode ser identificada pelo critério mórfico. Para o autor, o critério semântico também não ensina a descobrir por meios linguísticos a divisão das conjunções, sendo assim, é com base na sintaxe que devem 10

Ver Ilari e Basso (2011, p. 118-122).

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ser definidas, “ainda que o emprego das palavras seja muito variado e se torne às vezes difícil determinar em que se basear” (p. 76).

4.11 A INTERJEIÇÃO

Interjeição é toda palavra ou expressão usada para exprimir, de forma intensa, viva e instantânea, nossos estados emocionais. (FERREIRA, 1992, p. 175).

A definição acima se fundamenta exclusivamente no critério semântico para definir a interjeição. Considerando que, como nos diz Bagno (2011) “toda e qualquer palavra pode se transformar numa interjeição: Lindo! Mesmo?! Não!? Ela?! Eu?! Quem!? Agora!? Vamos! Chega! Socorro! Ajuda! Rua!” (p. 491), isso pode dificultar a compreensão exata do que seja uma interjeição se outros critérios não forem considerados, entre eles, a ideia compartilhada por alguns gramáticos de que as interjeições nem deveriam ser estudadas como um classe de palavras:

Interjeição é uma espécie de grito com que traduzimos de modo vivo as nossas emoções. [...] Não incluímos a interjeição entre as classes de palavras por equivaler a um vocábulo-frase. Com efeito, traduzindo sentimentos súbitos e espontâneos, são as interjeições gritos instintivos, equivalendo a frases emocionais. Na escrita, as interjeições vêm, de regra, acompanhadas do ponto de exclamação (!). (CUNHA, 2010, p. 340-341, grifo nosso).

. Para Duarte e Lima (2003), o problema básico da interjeição é, justamente, “saber se ela constitui um vocábulo ou uma frase” (p. 70). Segundo Bagno (2011), “uma interjeição constitui, de fato, um fenômeno de entoação, prosódico, e não uma categoria lexical plena como as demais” (p. 425). Mostrando que palavras de qualquer classe, ou mesmo uma sentença inteira pode constituir uma interjeição: “Fogo!”, “Chega!”, “Demais!”, “Gostosa!”, “Valei-me, minha Nossa Senhora da Abadia!”. Concordando, portanto, com a definição de Cunha. A ideia de que a interjeição se constitui em uma palavra-frase, um grupo de palavras ou mesmo uma oração se faz presente nas seguintes definições:

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Interjeição é a palavra que expressa estados emotivos. Como tem sentido completo, trata-se de uma palavra-frase. (FARACO & MOURA, 1999, p. 423, grifo nosso).

É a expressão com que traduzimos os nossos estados emotivos. Têm elas existência autônoma e, a rigor, constituem por si verdadeiras orações. (BECHARA, 2009, p. 330, grifo nosso).

A NGB a considerou uma classe de vocábulos, enquanto que a Linguística moderna tende a considerá-la frase. Os compêndios aqui analisados classificam as interjeições entre as dez classes de palavras prescritas pela NGB - à exceção de Cunha (2010) e Cunha e Cintra (2008) -, sempre a última a ser estudada e com poucas variações nas definições, todas predominantemente semânticas:

Interjeição é uma palavra ou locução que exprime um estado emotivo: Caramba! Isto é que se chama talento! (CEGALLA, 2000, p. 277, grifo meu).

Interjeição é a palavra que expressa emoções, apelos, sentimentos, sensações, estados de espírito. (CEREJA e MAGALHÃES, 1999, p. 194, grifo meu).

De acordo com Ferrarezi Jr e Teles (2008), as gramáticas tradicionais listam exemplos de expleções (interjeições) muitas vezes arcaicas (que não são usadas há décadas), que podem parecer engraçadas ao falante brasileiro: Ah!, Oh!, Oxalá!, Irra!, Apre!, Sus!, etc. Essas expressões, que variam muito de região para região, comumente representam, do ponto de vista semântico, emoções ou sensações repentinas, “cuja significação pode ser mais compreendida do que explicada” (p. 189). Ainda, segundo os autores, as expressões populares Porra! e Puta-merda!, exprimindo, entre outros sentimentos, dor, ansiedade, insatisfação, nervosismo, susto, já perderam, em parte, o caráter chulo (de baixo calão) na evolução linguística, sendo usadas mesmo nas classes tidas como cultas. Vejamos algumas definições que incorporam o critério morfológico na definição:

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Interjeição é a palavra invariável usada para exprimir emoções e sentimentos. Portanto, de todas as classes de palavras, é a que mais depende de entonação e contexto. (NICOLA e INFANTE, 1995, p. 235, grifo meu).

Interjeição é a palavra invariável que exprime emoção ou sentimento repentino. Ex.: Ah!, Puxa!, Raios! (SACCONI, 1994, p. 279, grifo meu).

Segundo Macambira (1999), por se tratar de uma palavra invariável, a interjeição não devia ser definida pelo critério mórfico. Contudo, reconhece que algumas podem sê-lo, por contrariarem o sistema fonológico, exibindo fonemas, combinação ou distribuição de fonemas estranhos à estrutura do idioma: ah, ha, eh, He, ih, hi, oh, ho, uh, hu; psit, pitsiu, hum-hum, chit, fu. Segundo o autor, existe outra manifestação formal, de ordem prosódica ou suprasegmental, que geralmente marca a presença da interjeição: é a entoação. “A mesma interjeição pode exprimir alegria, tristeza, espanto, aborrecimento ou desprezo, além de outros sentimentos, conforme o tom especial de que se acompanha” (p. 81).

É a palavra que exprime emoção. As interjeições são elementos afetivos da linguagem, e valem por frase inteira, cujo sentido, às vezes, pode variar segundo a entoação que as acompanha. (ROCHA LIMA, 2008, p. 190, grifo nosso).

Acompanham-se de um contorno melódico exclamativo. Podem, entretanto, assumir papel de unidades interrogativo-exclamativas e de certas unidades próprias do chamamento, chamadas vocativo, e ainda por unidades verbais, como é o caso do imperativo. (BECHARA, 2009, p. 330 – 331, grifo nosso).

Uma definição do ponto de vista sintático, no entanto, é difícil de ser encontrada. Bechara (2009) observa que “em certas situações algumas podem estabelecer relações com outras unidades e com elas constituir unidades complexas” (p. 330-331). Para Macambira (1999), no entanto, a interjeição está sintaticamente solta, livre, não forma sintagma com membro algum da oração, podendo lançar-se no começo ou no fim, bem como entre qualquer sintagma sem alterar a estrutura oracional. No entanto, Ferrarezi Jr e Teles (2008), afirmam que as expleções (interjeições) “não adquirem função sintática definida na estrutura frasal, embora não possam ser utilizadas em

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qualquer posição sintática: [...] O porcaria! Leite quente derramou. O leite porcaria! quente derramou. O leite quente porcaria! derramou.” (p. 187/188). Esses exemplos demonstrariam que há certas restrições sintáticas em relação ao uso de interjeições, mas “não porque as expleções gerem as restrições, mas porque os outros termos geram essas restrições a intercalações de expleções” (p. 188). Concluindo, de acordo com Sautchuk (2010), são muitas as situações em que se pode empregar a interjeição, que, em qualquer caso, é palavra ou expressão que segue à risca seu sentido etimológico de palavra interjecta, isto é, lançada entre os outros elementos oracionais. “Como tal, não contrai relação sintática com nenhum outro termo, apesar de poder, sozinha, constituir uma frase/oração: Oh! = estou admirado (Oh! Você chegou?)” (p. 31).

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise que aqui empreendemos nos permite afirmar que, de fato, as definições utilizadas pelos gramáticos carecem, muitas vezes, de aprofundamento e de uma abordagem mais conectada com os estudos científicos sobre o tema. A comparação entre as definições revela que não há diferenças significativas entre os conceitos formulados pelos gramáticos ao longo do tempo. Pelo contrário, muitas gramáticas atuais adotam os mesmos critérios daquelas publicadas a décadas atrás e, não raramente, desconsideram aspectos relevantes que poderiam facilitar a compreensão dos conceitos, tanto por parte dos alunos como dos próprios professores. Mesmo havendo um consenso entre os gramáticos quanto à importância de considerar os aspectos morfológicos, funcional e semântico para a definição, na prática o que encontramos são definições de caráter predominantemente semântico, sobretudo em relação às classes lexicais (abertas), conferindo-as um caráter muito mais filosófico do que linguístico. A significação para a qual a palavra remete é, naturalmente, fundamental, mas não deve ser empregada isoladamente quando da conceituação, pois, como observamos na análise, muitas classes diferentes podem apontar para sentidos comuns. Além disso, sabemos da importância que o aspecto formal tem para a identificação das palavras, tendo em vista ser a forma da palavra com que, primeiramente, o aprendiz se depara. No entanto, o aspecto mórfico não é explorado adequadamente e, de maneira geral, quando considerado, restringe-se à indicação de variabilidade ou invariabilidade das classes. Quanto ao aspecto funcional, verificamos que foi sendo incorporado pelos gramáticos ao longo dos últimos anos. As gramáticas funcionalista e gerativista são, sem dúvida, responsáveis por isso. As palavras, como sabemos, não ocorrem isoladas de um contexto, mas sempre em relação com outras e, na realidade, não podemos desconsiderar que as propriedades sintáticas, muitas vezes, alteram a forma e o sentido das palavras. A análise também revela que, apesar dos avanços científicos advindos da Linguística Textual, da Linguística Aplicada, da Sociolinguística, etc., as propriedades textuais das classes de palavras são totalmente ignoradas, desconsiderando também as orientações

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propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa - PCNs que dão ênfase ao uso da linguagem e à valorização da língua falada. A incoerência e inconsistência teórica se revelam no uso de determinados termos, como substantivo e adjetivo, ora como classe de palavras ora como função (pronome substantivo e pronome adjetivo) gerando confusão e prejudicando o entendimento. Soma-se a isto o fato de que os compêndios de gramática normativa privilegiam o enfoque do enunciado, ou seja, da palavra desprendida de suas condições de produção, isolada do contexto. Dessa maneira, acreditamos que a análise comparativa das definições de classes de palavras, encontradas nos compêndios de gramática normativa, demonstra que, por trás dos conceitos existem, obviamente, percepções teóricas e ideológicas que insistem em manter inalteradas as bases em que se fundamenta o sistema de ensino público brasileiro. Trata-se de uma postura de manutenção de uma política que ignora a diversidade linguística e insiste em ditar regras como se fossem leis divinas e, portanto, inquestionáveis. Assim, compreendemos que o compêndio de gramática não deve ser analisado desconsiderando-se a realidade na qual está inserido. O descompasso teórico que se configura está intimamente ligado à crise social e, como muito bem nos ensina Magda Soares, a linguagem é um fenômeno social, de modo que existem relações de força, materiais e simbólicas, em constante conflito. O compêndio de gramática deve ser o instrumento de trabalho do professor(a) por excelência, não o único certamente, mas aquele que ofereça subsídios teóricos (e muitas vezes práticos, na forma de exercícios) ao professor(a). Não consideramos, porém, que o professor(a) seja um mero repetidor de manuais, simplesmente repassando as informações ali contidas sem nenhuma reflexão. Mas, considerando o cenário de desvalorização, de despreparo, de deficiência na formação dos professores, de ausência de uma formação continuada realmente eficiente, de falta de tempo para leitura e atualização, muitas vezes é o que ocorre. O pior é que, geralmente, a referência em sala de aula restringe-se ao uso de manuais ou livros didáticos, que reproduzem fielmente os compêndios mais conservadores, e repetem os mesmos erros. Felizmente, o surgimento de trabalhos inovadores nos últimos anos - como os de Maria Helena de Moura Neves, de José Carlos Azeredo, de Mário Perini, de Ataliba Castilho, Marcos Bagno, entre outros -, traz perspectivas de novos rumos, de novas possibilidades de abordagem, de novas concepções teóricas que permitam àqueles que, como nós, acreditam

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que o ensino de gramática, quando adequadamente empregado, pode ser um meio efetivo para o desenvolvimento das habilidades linguísticas e da competência comunicativa dos alunos.

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